Neolatina v.3 n°.22 (2017)

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Philos

PORTUGUÊS CATALÀ ESPAÑOL FRANÇAIS ITALIANO ROMÂNĂ REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA 22 novembro 2017 · REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA 22 noviembre 2017

THASSIO FERREIRA ALESSANDRA MARTINS NGONGONGO MARIANA DE MATOS NINFA PARREIRAS DAYVTON ALMEIDA LUNA VITROLIRA CRISTIANE SOBRAL VIVIANE LAPROVITA CUTI PAULO SABINO PAULÃO DE OLIVEIRA

NEOLATINA


Philos

PORTUGUÊS CATALÀ ESPAÑOL FRANÇAIS ITALIANO ROMÂNĂ REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA 22 novembro 2017 · REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA 22 noviembre 2017

THASSIO FERREIRA ALESSANDRA MARTINS NGONGONGO MARIANA DE MATOS NINFA PARREIRAS DAYVTON ALMEIDA LUNA VITROLIRA CRISTIANE SOBRAL VIVIANE LAPROVITA CUTI PAULO SABINO PAULÃO DE OLIVEIRA

NEOLATINA


PORTUGUÊS CATALÀ ESPAÑOL FRANÇAIS ITALIANO ROMÂNĂ REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA 22 novembro 2017 · REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA 22 noviembre 2017

EXPEDIENTE

REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA

Souza Pereira

EDITOR CHEFE | EDITOR EN JEFE

Sylvia de Montarroyos

COMITÊ EDITORIAL | COMITÉ EDITORIAL

Lucrecia Welter

REVISÃO DE TEXTOS | SUPERVISIÓN DE TEXTOS

Maus Hábitos

DESENHO E DIAGRAMAÇÃO | DISEGÑO Y DIAGRAMACIÓN

SOBRE A OBRA DESTA EDIÇÃO | SOBRE LA OBRA DE ESTA EDICIÓN

Publicado originalmente em novembro de 2017 com o título Philos, Revista de literatura da União latina. Os textos desta edição são copyright © de seus respectivos autores. As opiniões expressas e o conteúdo dos textos são de exclusiva responsabilidade de seus autores. Todos os esforços foram realizados para a obtenção das autorizações dos autores das citações ou fotografias reproduzidas nesta revista. Entretanto, não foi possível obter informações que levassem a encontrar alguns titulares. Mas os direitos lhes foram reservados. Philos, Revista de Literatura da União Latina é registrada sob o número SNIIC AG-20883 no Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais com Certificado de Reserva outorgado pelo Instituto Nacional de Direitos do Autor sob o registro: 10-2015-032213473700-121. ISSN em trâmite. Revista Philos © 2017 Todos os direitos reservados. | Publicado originalmente em noviembre de 2017 con el título Philos, Revista de literatura de la Unión latina. Los textos de esta edición son copyright © de sus respectivos autores. Todos los esfuerzos fueron hechos para la obtención de las autorizaciones de los autores de las citaciones o fotografías reproducidas en esta revista. Sin embargo, no fue posible obtener informaciones que llevaran a encontrar algunos titulares. Pero los derechos les fueron reservados. Philos, Revista de Literatura de la Unión Latina es registrada bajo el número SNIIC AG-20883 en el Sistema Nacional de Informaciones e Indicadores Culturales con Certificado de Reserva otorgado por el Instituto Nacional de Derechos del Autor bajo el registro: 10-2015-032213473700121. ISSN en trámite. Revista Philos © 2017 Todos los derechos reservados.

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Philos, Revista Philos Revista de de Literatura Literatura da da União União Latina Latina | | Revista Revista de de Literatura Literatura de de lala Unión Unión Latina. Latina.


EDITORIAL

REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA Nesta semana da consciência negra, a Philos - Revista de Literatura da União Latina publica um caderno especial contemplando a literatura negra contemporânea. Aqui apresenta-se uma releitura de Souza Pereira para a obra fotográfica do nigeriano, J.D. 'Okhai Ojeikere, que desde a década de 1960 documentou a cultura de seu país em requintadas fotografias em preto e branco, capturando a elegância e a exuberância de sua gente. Da África ouvimos a voz de Ngongongo e o registro etnográfico de J.D. 'Okhai Ojeikere, que se comunicam com o som do coco camaragibense no ecoar das vozes da sambada do Mestre Zé Negão e sua música de resistência. Apresentamos a poesia e a prosa de grandes mulheres negras: Mariana de Matos, Alessandra Martins, Luna Vitrolira, Cristiane Sobral, Viviane Laprovita, Ana Luiza Canalli Santos, Cidinha da Silva, Aidil Araujo Lima; e da psicanalista e professora, Ninfa Parreiras, que nos apresenta um ensaio sobre a obra do angolano, Zetho Gonçalves. Thassio Ferreira e Paulo Sabino se unem para falar de outra grande mulher da literatura brasileira: Conceição Evaristo, que nos cedeu uma entrevista exclusiva na edição deste ano da Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip 2017. Os textos da Philos, escritos por autores negros do Brasil e de países da África, descrevem a vida diária da população negra em um registro social, antropológico, etnográfico e artístico. Com um olhar penetrante e uma abertura necessária para fazer ecoar as vozes negras de nossa latinidade, a Philos se esforça para atingir um nível de pertinência adequado para estimular o debate sobre as questões raciais no Brasil e no mundo diante das relações e pensamentos que se formam ao avançar de nossas concepções quanto sociedade. Neste caderno especial traçamos o perfil dos novos autores afrodescendentes latinos e nos deparamos com os desafios dessa literatura autoral, que luta não apenas pelo reconhecimento devido mas para romper com as barreiras literárias do preconceito. Desejamos uma ótima leitura,

Souza Pereira

EDITOR CHEFE | EDITOR EN JEFE

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Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.


EDITORIAL

REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA Esta semana de la conciencia negra, la Philos - Revista de Literatura de la Unión Latina publica un cuaderno especial contemplando la literatura negra contemporánea. Aquí se presenta una releitura de Souza Pereira para la obra fotográfica del nigeriano, J.D. 'Okhai Ojeikere, que desde la década de 1960 documentó la cultura de su país en requintadas fotografías en negro y blanco, capturando la elegância y la exuberância de su gente. De África oímos la voz de Ngongongo y el registro etnográfico de J.D. 'Okhai Ojeikere, que se comunican con el sonido del coco camaragibense en el ecoar de las voces de la sambada del Maestro Zé Negão y su música de resistencia. Presentamos la poesía y la prosa de grandes mujeres negras: Mariana de Matos, Alessandra Martins, Luna Vitrolira, Cristiane Sobral, Viviane Laprovita, Ana Luiza Canalli Santos, Cidinha da Silva, Aidil Araujo Lima; y de la psicanalista y profesora, Ninfa Parreiras, que nos presenta un ensayo sobre la obra del angolano, Zetho Gonçalves. Thassio Ferreira y Paulo Sabino se unen para hablar de otra gran mujer de la literatura brasileña: Conceição Evaristo, que nos cedió una entrevista exclusiva en la edición de este año de la Fiesta Literaria Internacional de Paraty, la Flip 2017. Los textos de la Philos, escritos por autores negros de Brasil y de países de África, describen la vida diaria de la población negra en un registro social, antropológico, etnográfico y artístico. Con un mirar penetrante y una apertura necesaria para hacer ecoar las voces negras de nuestra latinidade, la Philos se esforza para alcanzar un nivel de pertinencia adecuado para estimular el debate sobre las cuestiones raciales en Brasil y en el mundo delante de las relaciones y pensamientos que se forman al avanzar de nuestras concepciones cuanto sociedad. En este cuaderno especial trazamos el perfil de los nuevos autores afrodescendentes latinos y en los deparamos con los desafíos de esa literatura autoral, que lucha no sólo por el reconocimiento debido pero para romper con las barreras literarias del prejuicio. Deseamos una óptima lectura, Souza Pereira

EDITOR CHEFE | EDITOR EN JEFE

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SUMÁRIO | SUMARIO DOSSIÊ | EXPERIMENTAIS | HAICAI DOSSIER | EXPERIMENTALES | HAIKU

7 Negritar é

preciso,

16 A crise de memória,

por

NGONGONGO

por THASSIO FERREIRA

9 Ser livre,

17 Cuidarei do por

meu jardim,

ALESSANDRA MARTINS

11 Orgulho negro, por ALESSANDRA MARTINS

13 A voz de

por

NGONGONGO

18 Três poemas negros,

por MARIANA DE MATOS

19 Mãe de todas, por NINFA PARREIRAS

Dandara,

por ALESSANDRA MARTINS

14 Nada nos pertence,

por NGONGONGO

15 A ignorância

de meu gesto,

poemas para os Orixás, por CRISTIANE SOBRAL

25 Cinco

poemas de resistência, por

VIVIANE LAPROVITA

28 Poesia negra contemporânea, por CUTI

31 Poesia negra

brasileira,

20 Quanto vale uma palavra,

por

DAYVTON ALMEIDA

21 Poesia negra, por LUNA VITROLIRA

por

NGONGONGO

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23 Quatro

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por PAULO SABINO

34 Terra mãe,

por PAULÃO DE OLIVEIRA


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NEGRITAR É PRECISO por

Thassio Ferreira1

Poeticamente, como poeta que sou, parodio Pompeu, Petrarca e Pessoa, em pura

aliteração, para subverter — ou intensificar?! — o sentido mais comum da palavra, aquele cotidiano de padaria café e pão, para destacar o que ela possui de negro, sua negritude em si, palavra que é negra. Se ao negritarmos uma palavra queremos destacá-la pela intensificação do negro de sua tinta no papel, aqui o destaque é à própria cor negra feita em palavra, às palavras negras em si — e não palavras outras tornadas negras, intensificadas por um verniz qualquer. É preciso destacar, ouvir, aplaudir, respeitar e incentivar as tantas palavras negras que ao longo de nossa história vêm sendo tão caladas, tão suprimidas, tão negligenciadas. E que palavras negras! Consciente desse imperativo de lutar por e construir a igualdade também nas letras e nos diversos espaços simbólicos e concretos de nossa sociedade, a Philos traz a lume a presente edição especial dedicada à literatura negra contemporânea; e tenho o prazer de, como um de seus curadores, apresentar as palavras negras de Conceição Evaristo, Viviane Laprovita, Cuti, Alessandra Martins, Paulo Sabino e Ngongongo: Começamos com as palavras na voz doce de Conceição Evaristo, em entrevista exclusiva para a Philos durante a FLIP 2017 e agora republicada. Conceição, em sua grandeza e lucidez, aponta e ilumina a falta de representatividade e valorização negra (e feminina, homoafetiva — na sua brilhante definição — e indígena) na literatura contemporânea e afirma a centralidade de sua condição de mulher negra na sociedade como pedra angular de sua escrita. Vai além: pleiteia e proclama o espaço ao qual negros e negras (e homoafetivos; e indígenas) fazem jus e a validade de suas experiências e criações a partir de suas experiências de vida. E mais além, Conceição nos indica autores (como Cuti) e principalmente autoras negras para negritarmos nossas leituras. E aqui temos duas poetas que trazem em seus versos a força, o orgulho negro e a centralidade de sua condição feminina de que nos fala Conceição: Viviane Laprovita e Alessandra Martins, ambas da região metropolitana do Rio de Janeiro, são exemplos de novas vozes afrofemininas brasileiras. Trazem, em poesia urbana e pulsante, o retrato da nossa desigualdade e racismo institucionalizados, contra os quais erguem em versos livres a consciência de seu valor, a potência de sua liberdade (inclusive para poetar sobre o que bem quiserem) e a força de sua ancestralidade. Também as vozes masculinas prestam tributo ao feminino: Paulo Sabino nos apresenta poemas cuidadosamente trabalhados e nos brinda com um pequeno memorial afetivo de sua relação com a poesia de Conceição, uma das autoras que “não poderiam faltar” no sarau por ele produzido em outro mês da consciência negra. Das memórias de Paulo, emergem traços distintivos da literatura de Evaristo que também podem ser reconhecidas hoje na poesia de Viviane e Alessandra, como a valorização da memória. E para encerrar essa minha curadoria, novamente justapostos o consagrado e o novo: Cuti, 7

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ABERTURA


MOSTRA DE POESIA LUSÓFONA

ABERTURA

Dossiê de Literatura Neolatina

um dos nomes mais importantes da literatura negra contemporânea brasileira, com poemas ao mesmo tempo sofisticados e diretos, que nos revelam novas nuances a cada leitura e alargam os conteúdos e as formas da palavra negra; e Ngongongo, poeta angolano radicado em Lisboa, que nos traz uma dicção muito própria, temperada com o sopro dos mistérios d’África, pondo em evidência — circularmente — sua subjetividade como criador artístico, aquela a ser reconhecida e valorizada nas sábias palavras de Conceição. Negritemos!

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1Thássio

Ferreira (Rio de Janeiro, 1982). É poeta e contista, autor do livro de poemas (DES)NU(DO) (Íbis Libris, 2016) e de contos publicados nas antologias Prêmio VIP de Literatura 2016 (A.R. Publisher, 2016) e “Entre Amigos” (Sinna, 2016). Recentemente, seu livro inédito de contos “Cartografias” foi um dos préselecionados ao Prêmio Sesc de Literatura 2017. Tem poemas e contos publicados em revistas diversas como Philos, Germina, Mallarmargens, Revista Semeadura e Avessa.


MOSTRA DE POESIA LUSÓFONA Dossiê de Literatura Neolatina

SER LIVRE por

Alessandra Martins1

O que vocês querem que eu fale?

Que cite sabores ou fale de dores? Tragédia grega ou tragédia brasileira? Não posso nem fantasiar da minha maneira? Querem saber se sou delinquente, se sou meliante? Ah, já sei, querem ver meus passos errantes. Olhem bem, minha vida é uma comédia, mas não divina como a de Dante. Moro no Complexo – perto do mangue. O que? Você falou sangue? Ah, sangue é de lamber os beiços! Fale do tiro de HK na cabeça do menó. É mais prazeroso, fale de crack, fale de pó. Quem falou em vícios? Não te dei indícios de que cheiro loló. Posso falar de amores? Amores deixa para os poetas brancos. Preto tem que expor miséria, putaria, mazela. Pra quantos você deu hoje? Ah!... pra toda favela. Quem é teu pai, garoto? Não sei. Não tenho pai. Meu pai tá preso. Meu pai tá morto. Ah!... quero falar de flores. Flores não! Tu é pobre, atraente, mulher... deve ter muitas orgias em noites de sábado.

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POEMAS


MOSTRA DE POESIA LUSÓFONA

POEMAS

Dossiê de Literatura Neolatina

Deixe sabores, amores e flores para Vinicius, Drummond, Jorge Amado. Tu é preta! É de pica que tu gosta. Palmatória, mordaça, chibata nas costas. Fale de abusos, de traumas de infância! Sem fantasias, sem sonhos, dipirona, doril. Tu é de ferro, não é mais criança. Tudo bem, vou me abrir, Me cortar, me matar, me ferir. Porque expor minha alma arranhada dói. Mas sou forte. Eu aguento. Não tenho mais lágrimas. Suporto qualquer sofrimento. Se com as minhas palavras não posso voar, Aonde meus sonhos e devaneios irão parar?

Não importa a idade, gênero, etnia, nacionalidade. Chega de estigmas! O que o negro precisa é de oportunidade, igualdade, liberdade. Quero ser livre para ser, fazer, escrever o que eu quiser. Na literatura ou na vida. Não sou mais escrava, sou deusa africana. Sou rainha do Egito, do Sudão, da Guiné. Sou preta, sou livre, sou mulher.

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Alessandra Martins (Duque de Caxias, 1985). É educadora, poeta, escritora, modelo, aprendiz de slammer e feminista negra. Fundou e administra a página poesia pulsante. Escreve sobre arte, cultura, identidade, beleza e estilo no Blog Caviar e Ovo Frito. 1


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ORGULHO NEGRO por

Alessandra Martins1

Tenho orgulho de mim, deixei de ser prego, agora sou marreta. Cansei de sentir o que é ser rejeitada, cuspida, negada, maltratada. Somente por ser preta.

Tenho orgulho da minha pele, da minha carapinha. Do afro que uso, dos meus traços marcantes. Minha África! O início do mundo história, cores, colares, turbantes. Tenho orgulho dos guerreiros, dos sábios, rainhas e reis verdadeiros. Das minhas tranças, das crenças, das danças, comidas e extravagâncias. Tenho orgulho da minha raça, da luta do meu povo. Da liberdade conquistada, da briga pela igualdade, da insistência, resistência. Do ontem lembrado com tristeza, mas com orgulho. Por sobreviverem e chegarem vivos ao cais. Da esperança, força e coragem que tiveram meus ancestrais. Tenho orgulho de vir do gueto, da favela, de andar pelo beco. Porque é o quilombo moderno do preto. Minhas origens! Tenho orgulho dos heróis reais que tivemos. De Zumbi, de Malcolm X, de Biko, Parks e King. Tenho orgulho de ter o Baobá, o grande embondeiro. Yorubá é ogbon. E nunca esquecer que dentro de cada irmão existe um dom. Tenho orgulho sim! 11

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POEMAS


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POEMAS

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Orgulho da ayê, do orun, do inã e da omin. Da terra, do mundo espiritual, do fogo e da água. Tenho orgulho sim. Do bangulê, do batuque e do samba. De todas as lutas de “não à escravidão” e o seu fim. Tenho orgulho da fé, da negritude, da esperança. Da alegria, brincadeira e inocência de criança. Muito orgulho do velho griot, do axé, da xirê e do tambor; da sabedoria, da força, da festa e do amor.

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A VOZ DE DANDARA por

Alessandra Martins1

Ainda revoltada quando me lembro daquelas chibatadas,

das mordaças e das palmatórias. Dos tempos que o espaço não existia para mim. Fiquei mais rebelde, mais forte e mais guerreira, pois agora a voz é minha. Sou livre! Posso falar, mesmo que não queira me ouvir. Estou aí para gritar. SOU NEGRA SIM!! Tenho a informação meu escudo. E isso não pode ser roubado por nenhum capitão, nenhum ladrão. A minha arma é a educação. Estou na frente, estou acima de qualquer obstáculo, qualquer opressão. Desculpe-me, então, se causei frustração! Não acreditou que eu podia conquistar, me libertar, crescer. Sou forte como um tronco. PRETA! Dessas de surpreender.

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Alessandra Martins (Duque de Caxias, 1985). É educadora, poeta, escritora, modelo, aprendiz de slammer e feminista negra. Fundou e administra a página poesia pulsante. Escreve sobre arte, cultura, identidade, beleza e estilo no Blog Caviar e Ovo Frito. 1


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NADA NOS PERTENCE por

Ngongongo1

As Ideias Divergentes

Das Inquietações Pessoais Dos Seres Viventes. As Tomadas de Decisões Dos conteúdos Banais dos Idealistas Canibais. Os Rios de Poderes Que vos coloca no Pedestal Da Supremacia Diferencial De direitos Iguais. A Insensibilidade do quadro Negro Sensível dos olhares Tristes. Pelos Suspiros de vida, Cobra Justiça Nada nos Pertence Muito Menos a Vida O Ar Que Respiramos, A vontade de sermos Superiores Ao Devoto Solidário Pelas Causas Solidárias. Nada Nos Pertence Até Mesmo o nosso Manancial Zeros da conta Bancária Faz-nos Seres Superiores.

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Ngongongo

pseudônimo de

António Baptista

(Luanda, 1962). Ativista desportivo e cultural, tem poemas publicados no Jornal (Mwangolé) da Embaixada de Angola em Portugal e no poemário MD.PT da mesma instituição e no projecto Encontro dos Poetas da Língua Portuguesa

(EPLP).

Actualmente vive em Lisboa, trabalha na Embaixada de Angola e é VicePresidente da Associação da Comunidade Angolana em Almada (ACAA).

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A IGNORÂNCIA DE MEU GESTO por

Ngongongo1

Ser prestável e Solidário

Para com o meu Próximo Faz parte de mim. Sou patente de um Semblante Não Sombrio, fechado e carregado De traços fecundos de um passado Triste. Sou prestável, segundo o meu ponto De vista natural, que fervilha dentro De mim. O instigado desejo de sempre Prestar tributos ao meu próximo. A Ignorância do meu gesto Empresta sedução e conquista Na interpretação maliciosa do ego Ignorante de quem desconhece A leitura textual.

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Ngongongo

pseudônimo de

António Baptista

(Luanda, 1962). Ativista desportivo e cultural, tem poemas publicados no Jornal (Mwangolé) da Embaixada de Angola em Portugal e no poemário MD.PT da mesma instituição e no projecto Encontro dos Poetas da Língua Portuguesa

(EPLP).

Actualmente vive em Lisboa, trabalha na Embaixada de Angola e é VicePresidente da Associação da Comunidade Angolana em Almada (ACAA).

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A CRISE DE MEMÓRIA por

Ngongongo1

Confundir o rácio intelectual Crismando o desmando De sua própria memória. Bloquear o óbvio memorial Mente aberta no contexto Social humano das sociedades Em crise.

A crise de memória!.. Fatídica motivação consensual De princípios étnicos linguísticos De crises globais, que desbloqueiam As memórias em crise A crise de memória.

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Ngongongo

pseudônimo de

António Baptista

(Luanda, 1962). Ativista desportivo e cultural, tem poemas publicados no Jornal (Mwangolé) da Embaixada de Angola em Portugal e no poemário MD.PT da mesma instituição e no projecto Encontro dos Poetas da Língua Portuguesa

(EPLP).

Actualmente vive em Lisboa, trabalha na Embaixada de Angola e é VicePresidente da Associação da Comunidade Angolana em Almada (ACAA).

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CUIDAREI DO MEU JARDIM Ngongongo por

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Verde de esperança

Promessas imensas Nas mensagens De compromisso do omisso Sorriso valente de esperança. O clamor de sede que sinto Fome de beleza do amor Pela dor. Cuidarei do meu Jardim Todos se sentam Nele pela manhã! Pela tarde! Ou pela noite! Mas ninguém se lembra De dar de beber Este manancial de encanto E sossego do apego de beleza. Sinto falta da gentileza do homem Que busca o menor para se tornar Maior. Que se torna pior Com o furor de milhões. Passarei a cuidar do meu jardim.

1

Ngongongo

pseudônimo de

António Baptista

(Luanda, 1962). Ativista desportivo e cultural, tem poemas publicados no Jornal (Mwangolé) da Embaixada de Angola em Portugal e no poemário MD.PT da mesma instituição e no projecto Encontro dos Poetas da Língua Portuguesa

(EPLP).

Actualmente vive em Lisboa, trabalha na Embaixada de Angola e é VicePresidente da Associação da Comunidade Angolana em Almada (ACAA).

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TRÊS POEMAS NEGROS Mariana de Matos por

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I

cabe em um poema

Mariana de Matos (Minas 1

o acolhimento do absurdo crises crinas metais pesados cristais em um poema cabe a celebração da forte chuva entender que água lava entender que ela inunda em um poema certamente cabe a dúvida

Gerais, 1987). Poeta e artista visual. Autora

II

não me conformo com o sistema simplório de certos planos de expressão diante de materialidades pouco magnificas ambiciono a desordem da inteligível escrita quero entender o risco de edificar rabisco pra quem lambe líquens e linguagens uai, eu me interesso mais pelo pêlo da poesia que pela palavra literariedade

III

não se pode matar

a escrita que carrega em seus ombros a história que se quer morta mata-se o homem dificilmente a fome mata-se a memória a poesia sobrevive à hora

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de Para acabar com as obras primas ou sobretudo o verso [poesia, UEMG, 2009), Prosa e verbo/verso [poesia, edição da autora, 2010), Meu corpo é um esconderijo (poesia, editora Penalux, 2014), META (poesia, editora Bendito ofício, 2016) e Poesia pra pixo (poesia, editora Bendito ofício, 2017). Fundou o selo de poesia Bendito ofício. Desenvolve há 7 anos o projeto Poesia como paisagem.


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MÃE DE TODAS por

Ninfa Parreias1

Mãe de todas

Vozes e letras África trouxe a Minas O jongo, o congado Mãe de todas Vozes e tambores África trouxe a Mina O ouro, o dourado Mãe de todas Vozes e suores África trouxe a Minas A larva, a vala Mãe de todas Vozes e açudes África trouxe a Mina O minério e o pó Mãe de todas Vozes e lavadeiras África trouxe a Minas O canto e o manto.

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Ninfa Parreiras (Itaúna, Minas Gerais, 1970). Autora, psicanalista e professora. 1


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QUANTO VALE UMA PALAVRA Dayvton Almeida por

1

Dayvton Almeida (Recife, Pernambuco). Autor, radialista, ator e diretor de teatro. Passou boa parte de sua infância na capital pernambucana, e sempre foi notado pelo seu talento para as artes. Mora atualmente na cidade do Moreno (PE), membro fundador da Academia Morenense de Letras e Artes (AMLA) e correspondente da Academia Luminescência Brasileira. É estudante de Psicologia, técnico em rádio e TV pela Universidade Mauricio de Nassau e cursou teatro na Escola de Artes João Pernambuco. 1

Quanto vale uma palavra?

Quanto vale uma palavra? Vamos por peso, tamanho e comprimento nelas. Quanto vale uma palavra para mulher que é refém do medo, aquela que gritou por anos sem liberdade ou para mãe que ouviu as primeiras palavras do filho ainda menino, ou do surdo que ouviu as primeiras palavras aos 30 anos? Quanto vale uma palavra para os irmãos e irmãs de raça, gênero ou religião que sonham em ser livres? Quanto vale uma palavra? Quanto vale uma palavra? Uma vez que a história se repete, de novo, de novo), de novo, de novo.... e nada é novo! Quanto valeram as palavras de Malcolm X, George, Mandela, Gandhi, Nietzsche ? Quanto valeram as palavras de Hitler, Napoleão, Calígula, Raposa (Ljubomir Kerekes)? Quanto valem minhas palavras agora? Ei é uma pergunta? Quanto valem minhas palavras? Agora com o silêncio quero a resposta! Sim com o silêncio, Pois tem horas que quem vale mais é o silêncio ou as palavras mal ditas?

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POESIA NEGRA por

Luna Vitrolira1

apanhei por ser gorda menina preta e pobre

cresci ansiando pelo dia em que minha pele aos poucos começaria a clarear deixei de ir à praia de brincar na rua usei mangas longas pra esconder os braços do sol meu cabelo que não tinha gravidade era crespo e se agarrava nas coisas alisei não era bonita não era magra não era branca era gorda menina preta e pobre ninguém me avisou que apanharia por isso ninguém me avisou que não seria amada por isso morri várias vezes e várias vezes sonhei ser mulata mulher fruta dessas que ao menos é desejada atrair olhar de homem branco que não me xingasse que não me batesse a mão na cara

sai daí bombril cabelo pixain saci carne de vaca

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era eu tudo isso era eu e tinha gente que dizia eita que essa menina deu sorte vai sair da senzala nasceu com nariz afilado e nem é tão escurinha assim vai clarear quando crescer é só ter paciência que vai ser parda parda poderia ser rainha deusa musa de poeta sereia poderia ter voz lugar na mesa da sala parda poderia ser parda nada mudou e eu gorda menina parda e pobre continuei apanhando até descobrir que deus é uma mulher preta e me aceita.

1

Luna Vitrolira

(Pernambuco, Brasil). É escritora, professora de Literatura Brasileira, pesquisadora de Literatura Popular e idealizadora e produtora dos projetos de circulação nacional

Estados em Poesia e De repente uma glosa. Lançará neste ano seu primeiro livro

Aquenda.

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QUATRO POEMAS PARA OS ORIXÁS por

Cristiane Sobral1

Ogum

É ferro! É fogo!

Sete amuletos de ferro Alavanca, machado, enxada Picareta, pá, espada e faca Na mão do senhor dos caminhos Guerreiro incessante Está na estrada Ogunhê! Aguerrido e impulsivo Poderoso e triunfal A ferro e fogo Ogum comanda o jogo Ogunhê! Oxóssi

Oxóssi está em casa

Caçador infalível Não chega de mãos vazias Flores do mato sobre a mesa Suprimentos para o lar Toda a riqueza dos campos Odé trouxe o cheiro de festa Oxóssi está em casa Em seu tronco árvore Com urgência enrosco meus cabelos Encontro-me nas delícias da sua carne Espraio-me em sua selva Oxóssi está em casa Estou em paz. 23

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Omolú

Encara a dor com sabedoria de esfinge Mal da carne limpa a alma Varre pra longe A doença com calma Omolú é a terra! Atotô! Ossain

Sete dias para a cura

Sete folhas batidas com chá verde A caminhada sob o sol Com o som da revoada do pássaro É força do canto de Ossanha Pergunte ao seu orixá O segredo está nas folhas O segredo está no verde Pergunte ao seu orixá Olhe para o alto Olhe para dentro Isso é sagrado.

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Cristiane Sobral (Rio de 1

Janeiro, 1974). Poeta e contista. Publicou várias obras com destaque para “Terra Negra”, livro de poesia publicado pela editora Malê (2017) no Rio de Janeiro.


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CINCO POEMAS DE RESISTÊNCIA por

Viviane Laprovita1

Na pele da palavra

Na beleza das histórias, mora o medo da realidade.

A pele arrepia e dança, o medo se instala e brinca. Nas paredes dessa história, as palavras são ciranda Nos lábios dessa moça, as histórias são criança Mas não para por aí, a palavra é semente brotadeira Na frequência do tempo, amadurece Não quando queremos, mas quando ela precisa acontecer As histórias nos escolhem, como na salada mista A vida vira brincadeira, Faz sentido e brilha Quando o som das palavras ecoa nos ouvidos, cantos e retas A vida floresce e voa.

Sentidos

De alguma maneira, a vida ensina a gente boa parte das coisas, as se reconhecer é outro lance. Sair do próprio corpo e olhar o reflexo da alma, perceber que é nas linhas tortas da nossa existência que moram a beleza e a poesia das coisas. Fluir nas águas transparentes da sinceridade, alcançar o equilíbrio de aceitar-se. Entender que o som da voz quando a gente se ouve não é como ele realmente é. A sensação de confiar em si de olhos fechados e acender por dentro: Autoconhecimento é por fim a experiência sinestésica de re-existir. 25

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Sobre-aviso

Você não entende nada,

Ou quase nada do que eu digo Me quer por perto, se faz de amigo Exige que eu esteja, me quer numa bandeja Mas não entende que comigo É diferente Presa, ofereço perigo Livre, é que fico contente Planto minhas sementes Nos quatro cantos do mundo Me prender é não entender que sou feita de camadas, De pontos profundos Ignorar minha leveza de ser Controlar meu querer Exigir meu calar só produz meu sofrer Não te faz aprender Que nasci vida livre pra viver, sonhar e fazer. Mas se um dia ainda Você tentar me compreender Descobrirá em tudo o mais sagrado em mim Além dos seus achismos Minha ancestralidade... Liberdade é meu sobrenome, homem E meus versos falam por mim, pergunte a eles!

Espelho

Sou ferro, força e fúria

Justiça, equilíbrio e cura Sou ouro, paixão e pranto Dividida em preto e branco Sou guerreira, valente e decidida Atrevida, encantadora e destemida Desbravadora de caminhos Mediadora de conflitos Posso ser o sim e o não O belo e o esquisito 26

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POEMAS Viviane Laprovita (São João de Meriti, 1990). Fotógrafa, cineasta, artista visual, grafiteira, poeta e slammer. Seu trabalho é inspirado na cultura e resistência afro-brasileira, no protagonismo negro, na cultura urbana e periférica e na liberdade do feminino. Já teve trabalhos exibidos na Galeria Rio Scenarium (RJ), na Exposi ção Vinyl Vand als (USA), na Biblioteca Mário de Andrade (SP), no Cine Odeon (RJ) e no Museu de Arte do Rio (MAR -RJ). Participou das antologias de poetas da periferia Flup de 2016 e 2017. Lançou sua Zine de poesia independente: Versos entre amor e luta e foi campeã do 5º Slam das minas RJ/SP, na Flip 2017. 1

Forte como o touro e o aço Mas feminina Em sensíveis traços Na floresta é que me acho Me conheço e me refaço A física não me explica, Tente de novo: sou a convivência harmônica entre O vento, a tempestade e o fogo. Papo reto

Brasil, pátria amada, mãe gentil, de janeiro a janeiro

vivemos em meio à sujeira que é jogada pra debaixo do tapete vermelho. Que cidade maravilhosa! E aqui tem de tudo: projeto de inclusão, de investimento, de expansão, mesmo que essa ‘evolução’ seja na base da remoção, da revolta, da repressão... Nessa reforma urbana, quem ganha é o coronelismo e quem perde é o cidadão. Ou quem perde é o favelado, o pobre, o abandonado? E porque não falar do preto? Que até hoje da mesma forma ainda é representado! Estereótipo de preto é favelado, marginal. Só se lembram da favela quando é carnaval, aí é legal né? É pão, circo e bilhete único pro povo! Samba no pé, mulata, sorriso, a mesma narrativa ano a ano, tudo de novo. Que agonia!... O nosso direito de ir e vir é limitado, planejado, violado. Quando se é mulher, então aí é que é que tudo cada vez mais controlado. Nessa batalha travada, eu não mereço ser estuprada, seja eu homem, mulher ou os dois. De roupa curta ou de roupa longa, não tem caô não! Fascismo, racismo e machismo é o que ainda compõe essa maldita representação. O preto que eu quero ser não é o que eu vejo na TV, remédio pra favela não é UPP, o que eu quero é mais respeito, igualdade, democracia, menos falácia, burocracia, meritocracia, e já que é pra falar eu não me calo, nem vem cantar de galo que eu não me envergonho do meu texto. Sou preta da periferia e falo mesmo porque aqui o papo é reto e o cabelo é crespo! 27

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POESIA NEGRA CONTEMPORÂNEA por

Cuti1

Refeição de abismo

fumos violam horizontes... templos de ódio geram tempos de guerra

quem tem coração providencia marca passo adentra a noite do enfarto à procura de estrelas em brilho de sístole e diástole carnificinas se amontam pelas esquinas a certidão de óbito escrita em melanina ante a muralha todos os dias com armas de entusiasmo e resistência a consciência abre caminho e ilumina. Onde está o Amarildo?

lançada no vácuo da brancura mais dura

a vida ferida pela cruel e genocida dominância da usura expõe as chagas seculares sem sutura. Pacto

não escrever amém para saudar qualquer santo ofício nem se iludir que felicidade é ficar rico ou vender os risos de nossos carnavais 28

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POEMAS Cuti é pseudônimo de Luiz Silva (Ourinhos, São Paulo, 1951). Formou-se em Letras na Universidade de São Paulo. Mestre e doutor em literatura brasileira pela Unicamp. Foi um dos fundadores e membro do QuilombhojeLiteratura e um dos criadores da série Cadernos Negros (19782017) Publicou dentre outros: Poemas da carapinha, 1978; Batuque de tocaia, 1982 (poemas); Suspensão,1983 (teatro); Flash crioulo sobre o sangue e o sonho, 1987 (poemas); Quizila, 1987 (contos); A pelada peluda no Largo da Bola, 1988 (novela juvenil); Dois nós na noite e outras peças de teatro negrobrasileiro, 1991; 2.ed., 2009; 1

não escrever sim a nenhum senhor para mendigar em suas escadarias nosso pão e o seu circo sonhar no chão o paraíso e jamais caminhar em círculo.

Revela-som

em primeira instância o chicote sempre foi erudito

ordena em várias línguas com suplícios de morte o desfile das incontáveis chacinas por estas marcas indeléveis tão tuas tão minhas plurívocos punhos de um só grito se alinham.

Indignação antiga

quando arrasado

mãos dadas com o suicídio possível à beira do precipício é de se perguntar o quanto de racismo há nisso apupos em uníssono acusação de revanchismo e problemas só do indivíduo? das entranhas vem à tona nosso vômito coletivo prantos e protestos rejuvenescidos. 29

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Explanação

não apelo para a pele a fim de gerar pena

meu apelo é desvelo de uma consciência serena para além daquela alma cujo negar a si mesma o desejo de viver drena a pele sela os sinais pelos quais todos passam e hão de passar consciência latente sem omissão possível que não seja se abortar e se tornar invisível.

Performar

necessário avançar certos sinais do que há séculos de privilégios foi estabelecido como lei

retomar a luta sempre rainha ou rei de seus atos e desacatos mesmo que recatados e debulhar horizontes carrancudos com as mãos untadas de arco-íris.

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Negros em contos, 1996; . ..E disse o velho militante José Correia Leite, 1992; 2.ed., 2007 (memórias); Sanga, 2002 (poemas); Negroesia, 2007 (poemas); Contos crespos, 2008 (poemas); Moreninho, Neguinho, Pretinho, 2009 (ensaio); Poemaryprosa, 2009; A consciência do impacto nas obras de Cruz e Sousa e de Lima Barreto, 2009 (tese de doutorado); Literatura negro-brasileira, 2010 (ensaio); Lima Barreto, 2011 (ensaio); Quem tem medo da palavra negro, 2012 (ensaio); Kizomba de vento e nuvem, 2013 (poemas); Contos escolhidos, 2016; Negrhúmus líricos, 2017 (poemas); Tenho medo de monólogo (coautoria Vera Lopes) & Uma farsa de dois gumes, 2017.


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POESIA NEGRA BRASILEIRA por

Paulo Sabino1

Ars poetica

marcar o papel a palavra fogo coisa que queime, que permita combustão

rasgar a folha a metáfora faca coisa que corte, que sangre emoção lamber a linha a imagem língua coisa que arrepie, que concentre tesão molhar o branco a figura água coisa que inunde, que contemple imensidão O toque do tambor (sabedoria)

Toque bonito que me encontrou

Ao seu vento o meu mar se norteou E ante você e sua lindeza rara Meu corpo fremi e minha boca cala Toque filho dos raios de Iansã E das águas claras de Iemanjá Minha paz canta feito sabiá Sua essência sorvida da manhã 31

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Toque que vestiu minh'alma de amor Trago as saudações e as bênçãos de Xangô A noite chegando, seu véu sombrio E a sua presença irradiando brilho Toque herdeiro de Oxóssi, das matas de curumim Agora e sempre você em mim Guardar em solo fértil a sua cadência E tratá-la respeitosa como pura ciência Um modo qualquer Saber utilizar a dor É sinal de destemor Diante da vida – Às vezes, mocinha, outras, bandida –. Fechar janela ou cortina E não acolher o que desatina, Significa lançar mão Do medo, que aparece em vão. Nunca se bastar na tolerância; Ela cria grande distância Do objetivo que se deve alcançar: Igualdade no aproveitamento do que se ofertar. A ventura é tudo o que se quer, Mas só disso não se constitui o mundo – Preparar-se para ir fundo E emergir de dissabores quaisquer –. É dessa comunhão que se faz o vencedor – Aquele que se arrisca à beleza no temor, Apreende a enxergar o devido caminho, Mesmo quando sem o amparo do seu ninho –.

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Leitura de imagens sorver o verso feito sorvete mirar a rima feito marina ouvir o uivo viúvo do poema em cena – cinema.

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POEMAS Paulo Sabino (Rio de Janeiro, 1976). Poeta, edita o site literário Prosa Em Poema. Coordena o projeto Ocupaç ão Poética, no teatro Cândido Mendes de Ipanema, o projeto "Somos Tropicália", no Gabinete de Leitura Guilherme Araújo, em Ipanema, promovendo encontros poéticomusicais entre artistas da nova geração e poetas consagrados para apresentarem, sob novos olhares, os clássicos do movimento tropicalista e para leitura de textos e poemas de bossa tropicalista. Org aniza e promove o Sarau do Largo das Neves, em Santa Teresa, que acontece na penúltima ou na última quinta-feira de cada mês.


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TERRA MÃE por

Paulão de Oliveira1

Minha terra era minha morada

Minha terra era minha vida Minhas florestas Meus rios, meus bichos Minha língua, minha alma Minhas asas. Eu corria, eu caçava Eu dançava, eu sorria. Eu era rico, fui um príncipe Agora sou mercadoria. Eu era um pedaço daquela terra Agora sou uma coisa no mundo. Naquele dia... Naquele dia me tiraram tudo. Fui abduzido: A luz tornou-se escuridão Sem piedade fui lançado num alçapão. Aquele navio... Naquele navio. Me trouxeram para terras distantes Minhas florestas, canavial Meus rios, pantanal De homem à animal. Meus bichos: Morcegos que sugam meu sangue, Agora não corro mais, Não caço, sou caçado. Minha dança virou lamento Meu canto, sofrimento Meu sorriso, um choro constante. De príncipe à sapo Da tribo à reclusão Da veste ao trapo Do amor à solidão Da liberdade: Escravidão.

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Paulão de Oliveira (Espírito Santo, 1961). Formado em Ciências Contábeis pela Universidade Federal do Espírito Santos – UFES. 1


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THASSIO FERREIRA ALESSANDRA MARTINS NGONGONGO MARIANA DE MATOS NINFA PARREIRAS DAYVTON ALMEIDA LUNA VITROLIRA CRISTIANE SOBRAL VIVIANE LAPROVITA CUTI PAULO SABINO PAULÃO DE OLIVEIRA

NEOLATINA


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