Philos v.3 n°.23 (2017)

Page 1

Philos

PORTUGUÊS CATALÀ ESPAÑOL FRANÇAIS ITALIANO ROMÂNĂ novembro 2017 · REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA 23 noviembre 2017

REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA 23


Philos

PORTUGUÊS CATALÀ ESPAÑOL FRANÇAIS ITALIANO ROMÂNĂ novembro 2017 · REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA 23 noviembre 2017

REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA 23

MÁRCIO CRUZEIRO FRANCISCO CARVALHO YASMIN BRUSSULO DAVID JUNIOR RONALDO JUNIOR SÍLVIO REIS CRISTINA GÁLVEZ MARTOS DAVID ORTEGA


PORTUGUÊS CATALÀ ESPAÑOL FRANÇAIS ITALIANO ROMÂNĂ novembro 2017 · REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA 23 noviembre 2017

REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA 23

EXPEDIENTE

REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA

Souza Pereira

EDITOR CHEFE | EDITOR EN JEFE

Sylvia de Montarroyos

COMITÊ EDITORIAL | COMITÉ EDITORIAL

Lucrecia Welter

REVISÃO DE TEXTOS | SUPERVISIÓN DE TEXTOS

Maus Hábitos

DESENHO E DIAGRAMAÇÃO | DISEGÑO Y DIAGRAMACIÓN

Lucía Parias

ILUSTRADOR | DIBUJANTE

SOBRE A OBRA DESTA EDIÇÃO | SOBRE LA OBRA DE ESTA EDICIÓN

Publicado originalmente em novembro de 2017 com o título Philos, Revista de literatura da União latina. Os textos desta edição são copyright © de seus respectivos autores. As opiniões expressas e o conteúdo dos textos são de exclusiva responsabilidade de seus autores. Todos os esforços foram realizados para a obtenção das autorizações dos autores das citações ou fotografias reproduzidas nesta revista. Entretanto, não foi possível obter informações que levassem a encontrar alguns titulares. Mas os direitos lhes foram reservados. Philos, Revista de Literatura da União Latina é registrada sob o número SNIIC AG-20883 no Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais com Certificado de Reserva outorgado pelo Instituto Nacional de Direitos do Autor sob o registro: 10-2015-032213473700-121. ISSN em trâmite. Revista Philos © 2017 Todos os direitos reservados. | Publicado originalmente en noviembre de 2017 con el título Philos, Revista de literatura de la Unión latina. Los textos de esta edición son copyright © de sus respectivos autores. Todos los esfuerzos fueron hechos para la obtención de las autorizaciones de los autores de las citaciones o fotografías reproducidas en esta revista. Sin embargo, no fue posible obtener informaciones que llevaran a encontrar algunos titulares. Pero los derechos les fueron reservados. Philos, Revista de Literatura de la Unión Latina es registrada bajo el número SNIIC AG-20883 en el Sistema Nacional de Informaciones e Indicadores Culturales con Certificado de Reserva otorgado por el Instituto Nacional de Derechos del Autor bajo el registro: 10-2015-032213473700121. ISSN en trámite. Revista Philos © 2017 Todos los derechos reservados.

31

Philos, Revista Philos Revista de de Literatura Literatura da da União União Latina Latina | | Revista Revista de de Literatura Literatura de de lala Unión Unión Latina. Latina.


EDITORIAL

REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA

A edição de número vinte e três da Philos é política, sociológica, humanística e cotidiana. Querendo desbravar as nuances da vida, das relações humanas, do sexo, da interação entre os costumes e anseios que nos permeiam. Pela primeira vez na história da Philos as imagens que acompanham os textos são fruto da criação artesanal e laboriosa vinda das mãos e do barro: apresentamos fotografias das peças de arte em cerâmica da colombiana, Lucía Parias. Nossa artista visual convidada estreia uma nova forma de fazer arte nas nossas páginas, associando a ideia criativa e o diálogo dos textos com a sensibilidade de suas obras. A inserção de vídeos de arte que acompanham os textos em nosso site também surge como um desafio para esta penúltima edição do ano. É uma forma de recriar a leitura visual para além de uma perspectiva individual: na Philos, autores, artistas e leitores participam ativamente da criação de uma inquietante identidade de arte na contemporaneidade. Desejamos uma ótima leitura, Souza Pereira

EDITOR CHEFE | EDITOR EN JEFE

4

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.


EDITORIAL

REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA La edición de número veintitrés de la Philos es política, sociológica, humanística y cotidiana. Queriendo desbravar las nuances de la vida, de las relaciones humanas, del sexo, de la interacción entre las costumbres y anhelos que nos acompañan. Por primera vez en la historia de la Philos las imágenes que acompañan los textos son fruto de la creación artesanal y laboriosa venida de las manos y del barro: presentamos fotografías de las piezas de arte en cerámica de la colombiana, Lucía Parias. Nuestra artista visual invitada estrena una nueva forma de hacer arte en nuestras páginas, asociando la idea creativa y el diálogo de los textos con la sensibilidad de sus obras. La inserción de vídeos de arte que acompañan los textos en nuestra web también surge como un desafío para esta penúltima edición del año. Es una forma de volver a crear la lectura visual más allá de una perspectiva individual: en la Philos, autores, artistas y lectores participan activamente de la creación de una inquietante identidad de arte en la contemporaneidade. Deseamos una óptima lectura, Souza Pereira

EDITOR CHEFE | EDITOR EN JEFE

5

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.


SUMÁRIO | SUMARIO CONTOS | COLUNAS | ARTIGOS CUENTOS | COLUMNAS | ARTÍCULOS

8 A morte do Sr. J.,

por MÁRCIO CRUZEIRO

17 O tal do

Convencido,

13 O Diabo entre nós,

por FRANCISCO CARVALHO

15 Uma

palavrinha sobre a beleza da vida, por

YASMIN BRUSSULO

6

por

DAVID EDSON DE CAMARGO JUNIOR

20 No homem,

uma multidão,

por

RONALDO JUNIOR

22 Finalmente, o fim do sexo,

por

SÍLVIO REIS

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.

25 Al final de la fiesta,

por CRISTINA GÁLVEZ MARTOS

28 La mujertesoro,

por DAVID

ORTEGA


Lucía Parias Jamás pronunciará nadie nuestro nombre (2016)


LITERATURA BRASILEIRA Rotas da lusofonia

A MORTE DO Sr. J. por

Márcio Cruzeiro1

N. está a morrer. É uma questão de poucos dias. Talvez horas. O doutor disse que o destino de N. está nas mãos de Deus. Por um infortúnio da natureza, N. não pode acreditar em Deus. Está, pois, por conta própria. Sofrerei muito com a partida de N. Mais uma morte. Já se foram B., R., S., outra S., outro N., V. e também A, que veio antes de mim. Já deveria ter me acostumado com a morte de seres queridos, mas parece que a maioria de nós não consegue acreditar no sonho de encantamento de João Rosa, ou no que um discípulo de Freud certa vez me disse: “a morte não é apenas uma secção, é também um sexão, o maior prazer da vida”. O mesmo me afirmou o caminhoneiro L., durante uma longa viagem que fiz na boleia de seu caminhão. Ao perguntar-lhe se tinha medo de morrer em um acidente, ele me respondeu: “não, não tenho medo, pois a morte é o grande momento da vida. Tenho medo da dor, de sofrer antes de morrer”. As palavras do motorista L. e a iminência da morte de N. me fizeram pensar em uma morte peculiar, pela tristeza e pelo sofrimento que se abateram sobre mais uma, entre tantas vítimas que são violentadas antes do fim. Trata-se da morte do Sr. J. Era 31 de dezembro de 2007. Eu estava no quarto onde o Sr. J. jazia, em estado semivegetativo há cerca de oito meses. Após anos a conviver pacificamente com o demônio do Parkinson, foi acometido por uma pneumonia e, em seguida, por um acidente vascular cerebral, descoberto tarde demais e apenas por acaso. Contava então oitenta e oito anos. O último dia do ano era marcado lá fora, como de costume, pela febre de renovação, que tomava conta de grande parte da população planetária, cujos sonhos se obrigavam a um ilusório renascimento, para esquecer que o dia seguinte repetiria, de forma impiedosa, a tragédia do anterior. Fazíamos a higiene noturna do Sr. J. e fui até a janela, talvez para eivar-me um pouco com o clima de “amanhã será um novo e melhor dia”, enquanto a mulher preparava os materiais para o curativo e a higiene do Sr. J. No prédio em frente, no mesmo andar que o meu, uma moça parecia ter saído da música de Chico Buarque, “A noiva da cidade”. “Ai, como essa moça é descuidada/ Com a janela escancarada... Ai, como essa moça é distraída/ Sabe lá se está vestida/ Ou se dorme transparente...”. Experimentava roupas para a festa de réveillon e, entre uma e outra peça, mostrava os seios, sem o pudor nativo daqueles que muitos anos depois bateriam panelas naquela mesma janela. Não sei se ela degenerou a tanto. Também não posso afirmar se fiquei a olhar a “noiva da cidade” por pura perversão ou apenas por perplexidade. E até “comuniquei” o fato à mulher. Ela se riu e me disse, em tom de pilhéria: “- Que sorte a sua, você nunca vem nessa janela”. Queria que o Sr. J. tivesse visto a moça de Chico Buarque. Talvez ele tivesse readquirido a força de viver, pois sempre gostou de olhar as “moças bonitas”. Mas ele não viu. Trocamos 8

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.

CONTOS


sua fralda, com rapidez e eficácia profissionais, pois não raro ele, no intervalo entre as fraldas suja e limpa, fazia um novo xixi e era preciso trocar tudo novamente. Naquela virada de ano, correu tudo certo. Eu conversava muito como o Sr. J. e ele parecia me ouvir. Talvez ainda resistissem, em seus fios degradados de memória, as reminiscências de nossas longas conversas regadas a caudalosas rodadas de cerveja, que só terminavam quando a Sra. C. decidia que era hora de parar e interrompia nossas aventuras etílicas, durante as quais falávamos desde a Grécia Antiga até o glorioso Vila Nova Futebol Clube, pelo qual nutríamos paixão semelhante. Há oito meses daquele 31 de dezembro, o Sr. J. fora transferido do hospital para a casa de sua filha, minha mulher e, desde então, não conseguia executar as operações mais básicas que o instinto de qualquer ser vivo o autoriza a realizar sem o apoio de outrem. Alimentava-se através de uma sonda enteral, de início inserida pelo nariz e, algum tempo depois substituída por outra, introduzida diretamente no estômago através de procedimento cirúrgico. Usava fraldas cem por cento do tempo e a única relação que parecia manter com o mundo se consumava através dos olhos, que permaneciam vivos e fitavam seus interlocutores como a dizer: “- Eu ainda estou aqui. Portanto, façam isso direito!”. Os cuidados eram intensos, por parte de toda a família. Mesmo assim a tendência era de as coisas piorarem. O fato de ficar deitado o tempo todo facilitava a formação de escaras, que conseguimos conter durante pelo menos uns seis meses. Contudo, mesmo a seguir rigorosamente as orientações médicas e virá-lo na cama a cada meia hora, para evitar a formação das feridas, além de utilizar óleos especialmente desenvolvidos para preveni-las, elas acabaram por nos vencer. E vieram, lentas e pequenas, para se tornar, em pouco tempo, avassaladoras e gigantescas. E passou a ser necessário levá-lo ao hospital para realizar a raspagem e a assepsia das enormes escaras, com o objetivo de evitar infecção. Pelos idos de abril, já decorridos quatro meses daqueles belos seios da moça do prédio em frente e já sabedores de que nada mudaria naquele ano, assim como não mudou nos muitos e muitos que o antecederam, Sr. J. foi, pela última vez ao hospital cuidar de suas cruéis escaras. Quando voltou, não era mais o mesmo. Seus olhos já não nos fitavam com antes; e se fixaram imóveis e destituídos de vida, pelo menos de anima, na direção da parede branca, ou do nada. Não sei se a mulher entendeu, mas eu percebi, exato, o que ocorrera. Ele sofreu. Sofreu muito com aquele último procedimento. Sentiu uma dor física imensurável, contra a qual não tinha a mais primária condição de se debater. Estava ali, semi-(in)consciente, paralisado, com suas funções motoras e cognitivas afetadas, a impedi-lo de gritar: “- Parem! Estão me matando!” Aquela dor foi de fato insuportável e ele voltou decidido a acabar com o jogo sádico, no qual ele era a peça a ser movida, conforme a vontade e a intenção dos jogadores. E por mais que estes estivessem do mesmo lado do tabuleiro e perseguissem objetivo similar, ou seja, cuidar da melhor forma possível daquele que um dia cuidara de todos, eles não deixavam de lhe causar dor. Por não ouvilo, por não deixá-lo falar. Mas o que ele poderia dizer, além de: “-Basta!”. E ninguém queria ouvir “Basta!”. Todos criam que sua missão era estender a vida do Sr. J. o máximo possível, com os melhores cuidados, com carinho, amor, dedicação. Até que Deus o quisesse levar. Porém, aquelas escaras o motivaram a romper o silêncio. E ele o fez com mais silêncio. E sua decisão foi a de partir. “-O que estou a fazer aqui?”, perguntou-se. “Por que eu devo sofrer tanto?”, inquiriu a alguém que supostamente estaria acima dele na cadeia de comando, acima mesmo dos que dele cuidavam. Não obteve resposta para a segunda pergunta, mas a primeira, feita a si mesmo, ele respondeu de pronto: “-Nada!”, ou melhor, “-Estou sofrendo, estão me torturando. Não vou mais aguentar isso. Já me decidi, vou-me embora o quanto antes”. Alguns dias depois, Sr. J. foi levado novamente ao hos9

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.


pital para tratar de uma infecção e não voltou para casa. Faleceu na Unidade de Terapia Intensiva e cumpriu sua promessa solene. Gostaria que ele tivesse visto os seios da “Noiva da cidade”. N. morreu há algumas horas. Quase dez anos após o desaparecimento do Sr. J. De falência renal. Tinha quatorze anos. Por que a morte de N. me remete à do Sr. J? Primeiro porque eu sou um espírito primitivo e não consigo lidar com a morte de seres amados. Não me convencem as histórias de mundos maravilhosos, para onde os justos serão conduzidos após sua desgraça terrena. A segunda razão é essa: a desgraça terrena. A começar pela natureza, tudo foi montado para nos ferir, a nós seres de carne e osso. Para nos ferir e nos causar dor. Uma simples falha no código genético e pronto. A vida já vai ser incompleta e trágica. Uma célula que se rebela e Bum! Câncer, dor, mais dor. Um terremoto, um furacão ou qualquer outra peraltice da natureza, essa idealidade de perfeição, criada por um onipotente fazedor de merda, e lá vamos nós, de novo para o buraco da dor, da miséria, do choro e do ranger de dentes. E tudo o mais que construímos por nossas próprias mãos. A realpolitik e suas bombas e lança foguetes e as legiões de degredados, famintos, doentes, desterrados e renegados pelos alimentados e seguros em lares com aquecimento central e smartv conectada na CNN a mostrar, em tempo e cores reais, o lançamento das bombas e foguetes que desterram, mutilam e matam. E há os idiotas que, bêbados, nos atropelam em cruzamentos de avenidas iluminadas. E há os senhores do dinheiro que nos assassinam em doses cotidianas de trabalho árduo e mal pago, durante trinta, quarenta anos. E, por fim, àqueles que resistem à sevícia e à violência da humanidade contra ela própria, resta ainda a natureza. Sempre ela, a maior criação de Deus. N. tinha quatorze anos e poderia ter vivido mais cinco ou seis. Mas seus rins não eram perfeitos, como perfeita é a natureza dos furacões e terremotos. E faliram. E se apagaram para sempre seus expressivos e apaixonantes olhos azuis. A morte de N. embora me remeta à morte do Sr. J., também guarda com esta uma diferença essencial. O Sr. J. se foi quando Deus o quis, assim pensam os seus e os outros. Eu insisto que sua partida foi deliberação própria. Mesmo assim, ele tardou em se decidir e sofreu durante onze longos meses. A partida de N., no entanto, não foi guiada pela mão de Deus, mas pela do Dr. Kevorkian. Resolvemos que ela não sofreria e é quase certo que se sofreu, sofreu pouco. O Sr. J. faz muita falta e N. também fará. A vida sem N. não será a mesma, pois sua existência, assim como a do Sr. J. e de R. e de S. e da outra S. e do outro N. e de V. e de A., a que veio antes de mim, significou um lapso, um breve interregno nesse decurso sem sentido que é a vida. Talvez só se possa encontrar o sentido da vida nas caudalosas rodadas de cerveja que arrancavam sorrisos meus e do Sr. J., que se sentia puro e feliz, quando embriagado. Talvez o sentido da vida só possa ser apreendido de forma muito tênue no breve faiscar dos olhos azuis de N. e dos olhos verdes de R. Não vou mais buscar o sentido da vida, pelo menos não na obra do onipotente fazedor de merda. Tentarei aprender algo com a partida de N. Tentarei colher mais faiscares em olhos que também procuram sentido para a vida. Mas talvez eu não consiga. Talvez apenas a violência seja capaz de (re)significar a vida e eu tenha que guardar o faiscar dos olhos de N. para compor uma poesia futura. Por enquanto, eu preciso estourar alguns miolos e mandar às favas o onipotente fazedor de merda. E, afinal, parece que a vida não é sem sentido porque é caótica, mas porque impõe a ordem, a ordem do Parkinson, da célula rebelde do câncer, da realpolitik, do idiota bêbado no volante, do senhor do dinheiro. Isso não é o caos. É a ordem, que a maioria de nós aceita como vontade do onipotente fazedor de merda. O grande ordenador. N. se foi. Me pergunto se, no mundo concebido pelos adoradores do onipotente fazedor de merda, ela encontrará o Sr. J. e poderá, através do faiscar de seus 10

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.


olhos azuis, dizer-lhe que os mesmos que a pouparam de um longo e cruel sofrimento foram aqueles que o torturaram durante meses, com a melhor das intenções, é claro. Conforme a vontade onipotente, do onipotente fazedor de merda. Quiçá eu possa crer nessa fábula onipotente e então, quando meus rins falharem, ou minhas células se rebelarem, ou algum idiota bêbado me atropelar, eu possa reencontrar o Sr. J. para novas e caudalosas rodadas de cerveja, dessa vez, quem sabe, puro malte. E poderei de novo me alegrar com o faiscar dos olhos de N. e R. Sinto muito Sr. J., sinto muito N., tudo isso é uma grande e onipotente merda.

11

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.

Márcio Cruzeiro 1

(Piracanjuba, 1964). Historiador, servidor público e contista.


Lucía Parias Jamás pronunciará nadie nuestro nombre (2016)


LITERATURA BRASILEIRA

CONTOS

Rotas da lusofonia

O DIABO ENTRE NÓS por

Francisco Carvalho1

O

Diabo existe, atende pelo nome de Gusmão, tem 34 anos de idade humana, e

trabalha no call-center de uma operadora de tevê a cabo. Ignore a parte do call-center, e, assim como eu, verá que o Diabo é um sujeito legal. Quando Deus desistiu do ser humano, Gusmão, que até então andava entediado pelo inferno, fez as trouxas e emergiu na terra como um pobre coitado obrigado a começar uma nova vida. Poucos meses depois de emergir, apaixonou-se por Alice. Fazendo uso de uma sinceridade pura e mordaz, Gusmão contou a Alice de seu passado infernal. Para sua surpresa, Alice não se importou. Vinha de relacionamentos com caras mais fodidos que o tal capiroto recém-chegado. Namoraram, fizeram planos, noivaram e casaram-se no civil um ano e meio depois do primeiro beijo. Gusmão e Alice não querem filhos. Moram numa casa pequena na parte alta de Maceió. Ela é professora de matemática em escola pública, e, como já foi dito, ele trabalha no call-center de uma operadora de tevê a cabo, mais precisamente no setor de cancelamento. Pai da mentira, como ficou popularmente conhecido, Gusmão é um funcionário exemplar em seu setor. Dia desses, na hora do almoço, me contou da sua vida, de como amava Alice, e da felicidade por finalmente estar num inferno onde a máxima “matar, roubar e destruir” é praticada por todos os homens. Na última vez que nos vimos, perguntei de Deus, rindo como o Diabo, Gusmão confidenciou: “Criou um mundo novo, onde os habitantes são os cães, gatos e capivaras. Agora passa os dias sorrindo, comendo fruta direto do pé, tomando banho pelado no novo Rio Amazonas”. Segundo ele, Deus andava estressado, puto da vida com o que fizemos com a criação dele. Agora, tanto Deus quanto o Diabo estão felizes. O criador num mundo de cães, gatos e capivaras. O destruidor, num mundo de cancelamentos que nunca são efetuados, e de uma humanidade que se autodestrói. “Bom dia, bem-vindo ao mundo net, sou seu, atendente Gusmão, com quem eu falo?”.

13

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.

Francisco Carvalho 1

(Maceió, 1988). Escritor, poeta, professor de História, atendente de call-center.


Lucía Parias Jamás pronunciará nadie nuestro nombre (2016)


LITERATURA BRASILEIRA

CONTOS

Rotas da lusofonia

UMA PALAVRINHA SOBRE A BELEZA DA VIDA Yasmin Brussulo por

1

Quando ela entra no trem e olha para todas aquelas pessoas, não consegue fazer nada além de imaginar suas histórias. Aquele senhor sentado no acento preferencial, ele parece ser viúvo. Todos os dias, quando entra no trem, ela o vê, sentado no mesmo lugar, sempre vestido de preto e, eventualmente, rodando a aliança que jaz em seu dedo. Seu semblante parece tristonho, distante. É como se tivesse perdido algo que nunca vai ser capaz de recuperar. A moça de azul sentada no final do vagão parece estar sempre em busca de mais, olhando para longe, vagando nos próprios pensamentos e sorrindo vez ou outra com qualquer coisa que pensa. E como pensa! Toda vez que ela olha para a moça de azul, a vê encostada na janela, pensando, e pensando, e pensando. Enquanto arruma os fones de ouvido, ela se lembra da vez em que estava triste e estressada, mas foi só olhar para a moça no final do vagão e a ver tão tranquila e serena que isso passou. Foi como um lembrete de que a vida é curta e o que hoje lhe aflige, amanhã já não importa mais. Se pudesse, ela agradeceria cada um dos desconhecidos com quem cruza na rua, os encheria de abraços e sorrisos e diria mil vezes obrigada, porque ela sabe que nada em sua vida seria como é hoje se, lá atrás, não tivesse esbarrado naquele fulano e acabado por se atrasar, ou então se não tivesse se perdido pelo caminho por ter recebido informação errônea (ou havia sido ela a interpretar de forma errada?). Nós, seres humanos, não fazemos ideia do impacto que temos na vida de outrem por meramente existir e estar em um determinado lugar em uma determinada hora. E essa é a beleza da vida. Todo esse caos que parece tão perfeito, esse choque entre caminhos que acontece todos os dias. A beleza da vida é ser. Ser sem saber que é; ser sem dever ser; ser puramente por ser. Efeito borboleta, a teoria do caos. O jeito mais bonito de o universo dizer que estamos sozinhos e nossa vida pertence apenas a nós, por mais que o controle dela não seja inteiramente nosso.

15

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.

Yasmin Brussulo 1

(Barueri, 2001). Aspirante a autora, estudante de publicidade, sonhadora e futura viajante.


Lucía Parias Jamás pronunciará nadie nuestro nombre (2016)


LITERATURA BRASILEIRA Rotas da lusofonia

O TAL DO CONVENCIDO por

David Edson de Camargo Junior1

Há quem já tenha ouvido algo sobre Convencido. Há quem, inclusive, simpatize muito com ele. Outros o olham com certa desconfiança. No fundo, porém, todos têm dele um pouco em si. E ele, por si, leva a sua vida como quem merece saber mais. Dia desses, Convencido andava pelas ruas de sua cidade (sim, sua!), todas adornadas pelos ares natalinos de dezembro. Estava, agora, na Rua do Comércio. Eram pinheiros artificiais, guirlandas, luzes, roupas vermelhas e brancas. Ele se irritava um pouco com a vista, pois se lembrava do tom comercial a que tudo aquilo remetia. Todo aquele frenesi de pessoas em busca das melhores roupas e dos melhores presentes, todas aquelas encenações do bom velhinho, todas aquelas lindas mensagens finalizadas com um “compre!”. Tudo aquilo era tanto para ele, que simplesmente ignorou, como se abstraísse a vil intenção por detrás das belezas daquela paisagem. Passou, porém, por uma rua chamada Rua das Igrejas, e ali, como sugere o nome, havia várias igrejas, das mais distintas denominações e ritos. Em frente a algumas delas, podiam-se ler mensagens muito bonitas, cheias de esperança, boa vontade e bem-querer, cristãs. Outras igrejas, cujas denominações não reconheciam Cristo como o Redentor, tinham em suas fachadas mensagens não menos lindas do que as das primeiras. Outras, ainda, ao som de batuques e pessoas dançando, entoavam cantos que faziam o corpo se mexer involuntariamente e a alma estremecer de bem com a vida. Aquela rua alegrava o coração de Convencido, mas também o desapontava. Ali, alguns sorriam, outros apontavam-se os dedos. Era como uma caótica representação do paraíso. Sabemos que Convencido não se dá com essas coisas e, portanto, voltou à Rua do Comércio para fazer as suas compras de Natal. De loja em loja, Convencido gastou mais do que deveria (ou do que queria). Porém, uma leve sensação de contentamento lhe tomava, e aquilo fazia lhe contorcerem alguns neurônios. Deixa, Convencido, que ainda há tempo! Finalizadas as compras, cansado, o homem pôs-se a sentar em um banco ao lado de dois senhores muito distintos entre si na vestimenta, mas muito parecidos na fisionomia. Estavam discutindo política. O senhor que usava chapéu dizia ao outro o quão importante era que se mantivessem alguns costumes e que o governo deveria incitar um pouco de patriotismo na população, além de fornecer aos cidadãos o direito ao bem privado. Convencido ouvia e não discordava. O outro senhor, vestindo uma camisa xadrez, disse, porém, que o conservadorismo deixava algumas sequelas na população, e que o governo deveria era criar programas em que as pessoas se abrissem mais ao bem comum, ao convívio real em uma comunidade. Convencido, ainda ouvindo, mantinha-se sem discordar. Percebendo a presença de Convencido ao lado deles, os dois senhores, muito simpáticos, perguntaram a ele qual era a sua opinião. 17

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.

CONTOS


Convencido, muito assertivo, disse que concordava com ambos. Eles, no entanto, disseram que isso não era muito opinativo, que era necessário que ele definisse melhor seu posicionamento. O nosso amigo, por sua vez, emitiu um sincero sorriso aos dois senhores e disse que pensaria melhor sobre aquilo, mas que precisava ir embora, pois tinha ainda sua casa para limpar e seus trabalhos a fazer na horta comunitária do bairro. Ele também precisava fazer sua oração, sempre pontual, às seis da tarde. Além disso, sairia naquela sexta-feira à noite com alguns poucos amigos, queria encher a cara. Levantou-se e apertou as mãos dos dois senhores, dizendo em um bom e brasileiro português “Até logo. Tenham um bom dia!”. Convencido gostava de caminhar, e por isso ia sempre a pé para casa. No caminho, cruzou com diferentes casais que andavam juntos, uns de mãos dadas, outros apenas caminhando na mesma direção. Não gostava nem desgostava daquilo, não preferia a uns nem a outros, mas via neles beleza. Viu, ainda, outros casais se beijando: homens beijando mulheres, mulheres beijando mulheres, homens beijando homens, além de outros casais que se beijavam, mas que lhe era difícil definir o gênero. Convencido não gostava da visão desses beijoqueiros casais. Sabia que o amor era público, mas lhe incomodava tamanha afetuosidade gratuita. Lembrou-se, porém, dos calorosos beijos que dera em sua última namorada em público. Prometeu a si mesmo não repeti-los, mas sabia que era uma promessa que nunca seria cumprida. Ao chegar a casa, Convencido guardou os presentes que havia comprado para sua família e seus amigos [apenas os mais próximos, tanto dos amigos quanto da família]. Planejou escrever no final de semana uma mensagem para cada um deles, pois o presente era só a representação de todo o bem-querer. Pensou no porquê dos presentes, então. Não encontrou em si coisa que fosse resposta. Fez a sua oração. Limpou a casa. Junto de outros três vizinhos, cuidou da horta de todos. Retornou à sua casa e tomou um longo banho, pensando no que poderia fazer para economizar água. Fez sua janta e comeu, jogando fora a comida que sobrou. Lembrou-se que deveria levar um pacote de arroz à caridade no domingo de manhã. Lembrou-se, também, que odiava acordar no domingo de manhã, e que lhe era difícil ser simpático com aquelas pessoas tão matutinamente. Mas já estava habituado àquilo. Abriu seu Facebook e riu-se daquelas pessoas que postavam coisas desnecessárias sobre suas vidas em rede e, antes de fechar a tela do computador, postou uma foto de si com a legenda “Dia cansativo, mas proveitoso. #esperança”. Sentiu-se um pouco ridículo logo que o fizera, mas, vá lá, a besteira já estava feita. Quinze curtidas em menos de um minuto e um ego que, embora ridículo, estava inflado. Iria dormir um pouco antes de sair à noite, afinal, estava de férias – muito merecidas pelo seu esforço durante todo o ano. E, antes de se deitar para o cochilo, ele que odiava drogas, serviu-se uma dose de uísque e acendeu um cigarro, pensando em todas as coisas das quais ainda não havia se convencido. Aquele foi um dos dias em que Convencido se sentia deveras humano, nada mais, nada menos do que humano. Tinha saudades de alguns membros da família e de alguns amigos, mas estava muito cansado para visitá-los; ligaria em outro momento, faria visita em qualquer outro dia. Pensou em todos eles com carinho, fechou os olhos… e quase dormiu. Assustou-lhe um pensamento que lhe viera em um rompante: “Devo ser muito hipócrita!”. Segundos, porém, bastaram para que outro pensamento lhe viesse e acalantasse a alma: “Deixa, Convencido, que ainda há tempo! Hipocrisia seria não assumir a sua própria hipocrisia. Dorme, humano!”. E, mais uma vez, naquele dia para um cochilo, Convencido dormiu, sem nunca se convencer de nada. Ah, a ceia de Natal seria na casa de sua avó. E foi. 18

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.

David Edson de Camargo Junior 1

(Votorantim, 1989). Professor e escritor.


Lucía Parias Jamás pronunciará nadie nuestro nombre (2016)


LITERATURA BRASILEIRA

CONTOS

Rotas da lusofonia

NO HOMEM, UMA MULTIDÃO por

Ronaldo Junior1

Ocioso, andava eu pelas esquecidas trilhas de concreto que abrasavam o centro da cidade. Havia um quê de desolação nos olhos de cada indivíduo passante a cruzar e a esbarrar comigo no mormaço sem vida das calçadas. Eu era silêncio a demorar os olhos na multidão inquieta com o fascínio de quem se depara com uma atmosfera deliciosamente inédita. Um burburinho me consumia os ouvidos, e eu permanecia no encalço da minha própria sombra, utilizando meus passos para saciar meus tédios. Agrada-me olhar a feição dos transeuntes disfarçadamente. Trata-se de uma observação de canto de olho que tenta supor emoções ocultas, desvendar destinos traçados, conjecturar intenções impensadas, sondar motivos reprimidos, imaginar ficções inexplicáveis, tudo pela arte de compreender o homem enquanto existência repleta de profundidades imensuráveis. Decerto, meus olhos são enganosos e minha mente inventa até o que não cria, mas eu insisto em sentir a vibração das vidas. O céu, em grisalhas massas de chuva delineadas, pintava a noite naquela tarde de fim de verão. Enquanto isso, passavam por mim pessoas de várias idades, mal arrumadas ou engravatadas, mendigas ou milionárias, cada qual percorrendo as ruas com sua pressa, cada uma remoendo em silêncio os compromissos assumidos, as dívidas em aberto, os horários marcados, o incessante toque do celular, a fome que chega ao meio da tarde, as vontades reprimidas, o receio de sofrer qualquer violência no meio da rua, a ânsia por se desfazer em cansaço sobre a própria cama. A rua tinha suas próprias convicções, memórias, significados, emoções. Por isso, o caminho por onde passamos absorve sempre um fragmento de nossas ilusões, o qual agrega à alma da rua uma direção para os meandros de nossa própria humanidade, multidões internas. Quando as nuvens começaram a cair sobre as consciências azafamadas que percorriam as ruas, eu já havia me encostado no banco desconfortável de uma cafeteria. Ainda era possível assistir aos passantes misturando-se em turbas do lado de fora, o que fiz com a reflexão irremediável sobre o fato de o homem se recusar à solidão de quando em quando. A própria companhia nunca basta, o tédio desassossega. É necessário à espécie sentir as ruas ecoarem palavras de fugacidade por onde corre a realidade; deixar-se levar pelo calor e pelo vento e pela chuva que não levam a lugar nenhum; dar liberdade à multidão que nos faz espírito e imensidão. 20

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.

Ronaldo Junior (Rio de 1

Janeiro, 1996) é estudante de Direito e escritor membro da Academia Pedralva Letras e Artes (CamposRJ), tendo publicado seu primeiro livro, "O verso sou eu" no ano de 2016. Atualmente, mantém o projeto de poesia virtual "Estrofes de mim" em suas redes sociais.


Lucía Parias El sueño (2017)


LITERATURA BRASILEIRA Rotas da lusofonia

FINALMENTE, O FIM DO SEXO por

Sílvio Reis1

Quatro casais da família Anatidae se reuniram para discutir novos rumos do amor, do prazer e da procriação. Quando foi lançada a bomba sobre o fim do sexo, eles se devoraram. De fome, medo ou alívio. O primeiro tópico discutido no encontro foi a divisão de dois casais monogâmicos e dois poligâmicos na família. Monos até debaixo da água, os gansos lembraram que os cisnes vivem em cima do muro e não são fieis a um único amor. A pintura A Leda e o Cisne, de Leonardo da Vinci, é a prova de um triângulo amoroso entre eles. A poligâmica pata, tão cheia de amores na vida, defendeu o amor poli. O escritor lábio de mel José de Alencar escreveu Cinco Minutos A Viuvinha para criticar os monos. Quando um deles morre, em cinco minutos a parceira arruma outro. - Cala a boca, pata! Ocê cai na lábia dos machos e apoia os pais solteiros. É uma traidora do empoderamento feminino, disse a cisne. A gansa perguntou se patos e marrecos não tinham o desejo milenar de ter um álbum de casamento com fotos felizes. Ou aquele quadro de parede, com a felicidade eterna do casal. Se for de moldura oval, mais lindo ainda. Muita criatura só se casa para ter álbum de casamento. A marreca prefere selfies. A vida é passageira demais para se casar com papel passado. Já os patos preferem se ver no espelho d´água. Não deviam ter tocado nesse assunto delicado. O casal de pato começou a chorar. Por séculos, eles tiveram problema de autoestima. A culpa é do livro. No final, O Patinho Feio se transformava em um lindo cisne. Isso criou muito conflito na família Anatidae. O problema foi resolvido depois que um artista holandês criou a grande escultura ambulante e de borracha do Pato Amarelo. Quando alguém se reconhece um animal político, dilemas existenciais perdem a força. Quem vai pagar o pato pela bomba do fim do sexo é o marreco, que participa do maior e atual estudo científico sobre procriação. Em pouco tempo, ou cinco minutos, poderão ser extintos todos os métodos reprodutivos de animais e gente. Será o fim do sexo e do amorzinho. Qualquer criatura, fêmea ou macho, poderá ter um filho por partenogênese. E assim, acaba de vez a dúvida filosófica sobre quem nasceu primeiro: o ovo ou a botadeira do ovo. - As fêmeas terão menos poder e os machos vão falar o tempo todo em empoderamento masculino, anunciou a marreca.

22

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.

COLUNAS


- Parece que eu esqueci o que é partenogênese, disse o cisne. É aquela cócora agachada que as galinhas índias fazem pra botar? - Bico calado, ordenou a cisne. É a coisa mais absurda do mundo um macho botar e chocar os próprios filhos. Essa partenogênese só vai acontecer em ano bissexto ou todo dia? Não haveria mais maternidade, nem paternidade. Era o fim dos ovos galados. Os filhos de partenogênese serão semelhantes à nectarina, que acreditava ser filha da mistura genética de um pêssego e uma ameixa. Tudo ilusão. É uma fruta órfã, sozinha no mundo, e com cara de pêssego careca. Falou em fruta, deu fome. Os integrantes da família Anatidae comeram toda a comidinha ortomolecular servida no encontro. Ficaram com mais fome ainda, não sabiam do que. Nem havia motivo para tanta preocupação, tranquilizou o ganso. Amor é uma coisa diferente de sexo e diferente de procriação. Não são coisas primas entre si. Por outro lado, quem faz partenogênese – e todos vão fazer – nunca mais vai precisar do amor e do prazer de alguém. A criatura se apaixona por si mesma, só tem prazer consigo. Acaba a vida a dois e os triângulos. É a maior tentação até hoje imposta aos animais e pessoas. Causou surpresa o casal de marrecos estar em processo de separação de corpos a pedido da marreca, que via nesse método a volta da mulher nascida da costela de Adão. Partenogênese era empoderamento feminino. Mais uma vez, os machos vão dominar. E acaba de vez a safra de homens com a inteligência assassina de Cleópatra. O marreco poligâmico se preparava para uma vida sexual monogamética. Convidou o cisne e o pato para passarem por essa experiência. Imediatamente, a inteligência coletiva Cleópatra foi acionada nas três fêmeas. A fome ali era de assassinato e fartura de comida. Alguém começou a fazer pato no tucupi e marreco com repolho roxo. Extraíram o fígado dos gansos para o foie gras. Cisne assado relembrou um prato do século 19, adorado pela rainha Vitória. Sem saberem se seria uma vitória ou uma perda para a humanidade o fim do sexo, do amor e da procriação convencional, os familiares Anatidae saíram saciados e mortos do encontro. Mortos de curiosidade. Todos passariam por essa experiência.

23

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.

Sílvio Reis (Minas Gerais, Brasil). É graduado em Jornalismo há 30 anos, com atuação diversificada na área. Atualmente escreve para alguns veículos de comunicação e no blog www.vitorioregi o.com 1


Lucía Parias El sueño (2017)


LITERATURA ESPAÑOLA Rutas Literarias de Iberoamerica

AL FINAL DE LA FIESTA1 por

Cristina Gálvez Martos1

Estábamos en la fiesta. Yo bailaba con Camilo. Yo soy la muerte, yo soy la muerte, la

muerte soy, yo soy la muerte… huye que te coge la muerte . Dábamos vueltas, nos reíamos mucho, y Ernesto, ya un poco borracho, revisaba por las mesas a ver si conseguía un pedazo abandonado de torta de cumpleaños. Era un terreno grande, estaba en construcción, pero había un espacio para hacer parrilla y bailar. También había un pequeño vivero al que subí un par de veces para tomar agua de una manguera. Ya se sentía el frío de la madrugada y todos se apretujaban dentro de sus suéteres. Se veían las estrellas, como suele pasar en las afueras de la ciudad. Yo las miraba y sentía como el mal humor de la tarde se iba disipando, quedando sólo ese aire frío y puro, la música y las risas que se iban alejando a medida que caminaba hacia el monte. Quería estar sola por un rato. Me salí del camino de tierra, iba a sentarme allí, en aquella parte plana que apenas se veía, e imaginarme estar en medio de la nada por un rato. Todo estaba oscuro y antes debía pasar un trecho donde el terreno estaba irregular, razón por la que tropecé y pegué la barbilla contra el suelo (por suerte la tierra estaba blanda y amortiguó el golpe). No pasa nada, pensé al levantarme, y proseguí con más cuidado, pero volví a tropezar y esta vez el golpe fue más fuerte. Luego, todo negro. Tardé un poco en abrir los ojos. Cuando los abrí, tampoco lograba ver nada. Tanteé el suelo, muy duro, sobresalía un pedazo de metal, y otro un poco más allá. Fue entonces cuando me di cuenta de que estaba de pie: seguramente había caído sentada y me incorporé en algún momento. Toqué la pared rocosa. Estaba muy desorientada, había ahora un poco de luz pero no supe de dónde venía… Hasta que miré hacia arriba, y me di cuenta de que entraba por un hoyo redondo, que se hallaba a unos tres metros de altura. Había caído en un hueco profundo, estaba rodeada de tierra, los pedazos de metal eran vigas que sobresalían, unas más que otras, de todo el diámetro de aquel pozo horrible. Olía a humedad. Era como una pesadilla. Cuánto tiempo pasará hasta que me encuentren aquí, pensé, notando al mismo tiempo lo lejos que se escuchaba la música. Aunque gritara, nadie me escucharía. Estaba a tres metros bajo tierra, como si hubiese despertado, de repente, en una tumba. No, por suerte veía la superficie: podía salir de allí. Iba a salir de allí. No debía gastar energía ni pensando ni gritando. 25

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.

COLUMNAS


Respiré profundo, no sentía dolor alguno. Volví a tantear y toqué una viga un poco más arriba de mi cabeza. Busqué otra con el pie y me apoyé en ella, impulsándome a la vez con el brazo y buscando otro asidero con la mano que quedaba libre. Era como escalar. Y recordé las veces en que, durante mi adolescencia, había subido por las “paredes escaladoras” que colocaban en las ferias y verbenas del colegio. Seguí subiendo, cada vez con más dificultad porque los músculos se iban cansando y dolían, si no encontraba una viga cerca tenía que sujetarme mucho más arriba e impulsarme o apoyar los pies en alguna hendidura muy leve, lo cual hacía la tarea más difícil. Cuando sentía que mis brazos no daban más, me entraba una fuerza que no tenía, una fuerza sobrehumana, y seguía subiendo, pausadamente, pero con seguridad. Tenía que salir. Ya casi estaba llegando, traté de subir más rápido. Fue un error. Un movimiento en falso y volví a caer a la profundidad del pozo. Me sentí frustrada e impotente, pero decidí comenzar de nuevo, era como una metáfora de la vida, un caer y ascender perpetuamente. Me había golpeado otra vez, pero la adrenalina, el instinto de supervivencia, me impedían sentir dolor. La ropa se me enganchaba en las vigas, pero al impulsarme con fuerza cedía, se rasgaba. No me iba a detener. Por fin llegué arriba, con más dificultad que antes. Con miedo, me senté al borde del pozo. Tenía que esperar a calmarme un poco, a dejar de temblar, para no volver a caer. Respiré. Fue casi absurdo, pero miré las estrellas, como en un instante eterno, místico, en una gratitud por sentir la brisa fría, por estar allí. Finalmente rodé por el suelo y me incorporé más adelante, llena de barro y algunos yerbajos. Caminé hasta la bajada de tierra que llevaba al sitio de reunión, se veía la luz y la gente bailando, y me quedé allí, sentada en el suelo. Así estuve un rato, como en blanco, pero con una intensa sensación de bienestar, de brillo. Una muchacha que ya había visto en la fiesta pasó a mi lado. Le quise buscar conversación. Sólo vine a caminar un poco, me dijo. Le pedí que por favor se sentara a mi lado y ella lo hizo. Me inspiró confianza, le dije casi riéndome, no vas a creer lo que acaba de pasarme. Ella escuchó, tranquila, y agradecí que no pensara que estaba loca o drogada (si es que lo pensaba, al menos no daba muestras de ello). Ella era pálida, parecía casi una niña y me tranquilizaba con una voz suave. Ya pasó, ya saliste, repitió varias veces, aunque yo no estuviese asustada o nerviosa. No sé por cuánto tiempo conversamos, pero el volver a oír a lo lejos la salsa (… huye que te coge la muerte), además de causarme un poco de gracia, me hizo acordarme de Ernesto, de Camilo y de todos los demás. Seguro se habían olvidado de mí en medio de la borrachera. Pero ya estaba amaneciendo y la gente se aproximaba. Era hora de irse a casa. Volteé a mi izquierda y noté que había gente en el sitio donde había caído horas atrás. Entonces mi amiga me extendió la mano, y me fui caminando con ella mientras los invitados trataban de sacar mi cuerpo de aquél horrible pozo.

26

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.

Cristina Gálvez Martos (Caracas, Venezuela, 1987). Escritora e poetisa, colunista da Revista Philos e Licenciada em Letras pela Universidade Central da Venezuela. Participou de diversas antologias poéticas editadas na Venezuela, Porto Rico, Argentina e Reino Unido. Fez parte de diversas oficinas de criação literária, entre elas a coordenada pelo poeta venezuelano Armando Rojas Guardia. Entre os anos de 2013 a 2015 se dedicou às oficinas da Casa de las Letras Andrés Bello, promovendo cursos literários, de ortografia, redação e interpretação de textos. Estudia Diplomado en Gestión Cultural en Fundación Itaú. 1


Lucía Parias El sueño (2017)


LITERATURA ESPAÑOLA Rutas Literarias de Iberoamerica

LA MUJER-TESORO1 por

David Ortega1 Epitafio de amor

Mediante esta revista, conocí a una mujer de espíritu universal. Universal en su belleza (mixta/unión) y universal en tanto se denominaba a aquellos “hombres del Renacimiento”. Genios polifacéticos o polímatas, cuya luz abarcaba diversas áreas científicas, oficios y artes, que para el común de los mortales es como un coto privado de caza. Estaba ante aquella mujer, de bello nombre, a la que la divina providencia, en su gracia, le regaló unos dones y le dio para equilibrar la balanza, una piedra de Sísifo como una bola de Atlas: una vida plagada de fatalismos e infortunios de diversa índole, a los que su espíritu universal había sabido sobreponerse. Alguien extraordinario que pinta, toca el violín, practica ballet de manera sobresaliente, fabrica poesías inconmensurables, habla diez idiomas, etc. y cuya erudición ha sido demostrada y puesta a prueba por activa y por pasiva, sin ambages; incluso su humor tiende como su pensamiento a la transversalidad. Una polimatía como la de Leonardo Da Vinci, cuyos talentos estaban fuera de toda duda. Un genio, tal y como se nos presenta de modo arquetípico, lejano, remoto para todos nosotros, miembros de un inframundo que consideramos “Mundo”. Desde toda objetividad y frialdad posibles, más allá de enamoramientos que consoliden la nebulosa de mis percepciones, estaba ante quien no puede existir, pero existe. Una mujer-tesoro. El genio malvado y la maldición del genio Maurus Servius Honoratus decía que existían dos genios. Tal y como decía Horacio en sus “Epístolas”: el genio muta. Y cuando impera el espíritu malvado que se le apareció a Casio, uno debe echarse a temblar. Nietzsche, que indudablemente estaba poseído por el genio malvado y creía en el eterno retorno y el vitalismo oriental, escribe en “El crepúsculo de los ídolos”: "Los grandes hombres, como las grandes épocas, son material explosivo en quienes una tremenda energía se ha acumulado; el prerrequisito siempre ha sido, histórica y psicológicamente, que un prolongado ensamblaje, acumulando y preservando, les ha precedido – que no ha habido explosión en mucho tiempo." El genio malvado de la mujer-tesoro estuvo a punto de liquidarme, literalmente, porque la admiraba y la amaba profundamente. Sin embargo, no pude por menos de sentir compasión por la demostración de su mitomanía, sadismo, narcisismo y demás síndromes, que aparecían y desaparecían por fases. Todo ello me hizo pensar en los genios y tratar de comprender mejor la naturaleza de su mente. Mi empatía y compasión me llevaron a pensar también en cuán negro se volvería el mundo si todos los genios fallecieran de golpe, en un mismo día, y, sobre todo, ella, una mujer que piensa en la muerte tanto como Virgi28

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.

COLUMNAS


nia Woolf o Sylvia Plath. Que la sobrevive, más bien. Su existencia es necesaria para los que son “normales” o “mundanos”, a pesar de todo. Porque ser más inteligente o más brillante nunca es suficiente. Y es que muchos creen que no existen los genios y otros que hay genios por todas partes. ¿Cómo olvidar a Annie Hall sacando de quicio al alter ego de Woody Allen, creyendo ver genios en cada exposición? El genio no triunfa, no prevalece, esos son los menos, la cúspide del reconocimiento social se le niega, precisamente porque es un genio. Vive desacoplado de sus coetáneos. Y cuenta siempre con un contrapunto, una condena superior a cualquier problemilla o accidente que puedan tener los proyectados a triunfar, como seres del “inframundo” que son, el que reafirma y consolida periódicamente nuestra mediocridad. Los rasgos fenotípicos característicos del genio son los siguientes: La frente socrática o dostoievskiana, de gran amplitud; y los ojos abiertos al mundo, grandes, de mirada penetrante, esquivos, melancólicos, a la par que vivos y más brillantes de lo normal. En ellos parece haber un microcosmos. (Ten por seguro que la morfología del rostro no es un decorado formado al buen tuntún, sino una gramática del espíritu, toda estructura lo es, como bien sabía H. Focillon) El infante de un monarca o el hijo de un famoso de postín nacen con la condena de no poder ser ellos mismos, cosificados para siempre por la figura de quien les precede, mientras que el genio suele tener esa posibilidad, ese origen humilde, incluso demasiado humilde, que le da la posibilidad de luchar por sí mismo. Pero siempre cargará con una condena que se le asignará más temprano que tarde, más allá de la miseria o la precariedad económicas. Ésta suele ser una enfermedad o patología crónica, y/o una muerte prematura. Es la maldición que equilibra la balanza. El patrón sigue haciéndose, como la sección aurea. Y vemos casos y más casos de quien tiene unos talentos sobresalientes y permanece denostado o en el anonimato kafkiano, asimismo, su salud camina sobre el alambre. Otro detalle que anuncia el vínculo entre la enfermedad y el talento es la hipersensibilidad (La hipersensibilidad atiende a un cuadro médico específico elaborado por Gell y Coombs en 1963, en la que las diversas patologías vienen marcadas por mediadores del sistema inmunológico, es decir, por los anticuerpos o células inmunitarias. Dicho cuadro sigue vigente, actualmente) Ahora todo el mundo cree ser hipersensible (se ha puesto de moda democratizar este concepto como un rasgo de personalidad nuevo y servir de autoayuda para personas que simplemente son más débiles de carácter y viven victimizándose), pero eso se demuestra con un componente moral asociado muy fuerte, una extraempatía, introversión, una capacidad de abstracción muy elevada, etc. Es por lo que se suele enfermar. Se puede decir que el carácter del genio es proclive a verse afectado y somatizar la carga de su arduo trabajo, por su condena, o por personas tóxicas que dañan su salud. Son almas incomprendidas, atormentadas y errantes, que sienten de una manera más intensa, que aman la soledad porque no ven en el mundo a ese “otro yo” que les reconozca y les acompañe en sus vidas. Suelen ser vidas extrañas, su biografía es material literario y dedican a la muerte demasiados pensamientos furibundos. No en vano, tienden a la autodestrucción y a causar daños colaterales severos en las personas de su entorno. La inspiración: ¿Cómo captar musas? Recuerdo acudir a una tertulia donde el anciano escritor Ramiro Pinilla, daba una charla sobre escritura creativa y literatura. Se hablaron de muchas cosas, en realidad, pero fue en 29

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.

David Ortega (Bilbao, España, 1981). Es licenciado en Filosofía con Master en Filosofía teórica y práctica, UNED. Ha escrito un libro de viajes autobiográfico: El último viaje, sobre Alaska (USA); una novela de ficción: Ágape; y una novela negra que pronto estará disponible: Casi héroes. Sus tres escritos están basados en hechos reales. También ha realizado un ensayo sobre los fundamentos ontológicos de la estética: Diaphainon, que obtuvo la máxima calificación en la carrera. 1


la parte de ruegos y preguntas, en la que una asistente le realizó una cuestión bastante típica, repetitiva y de regusto infantil, aunque no por ello, interesante, entretanto cada persona tiene una opinión bien distinta acerca del asunto: “¿Para ser un escritor de éxito hace falta talento o es el trabajo y el esfuerzo el que te lleva exclusivamente a lograrlo?” Ramiro, en su postura de piedra patriarcal, incólume e impasible, acariciaba el extremo del bastón, e iba excusándose de antemano por dar una opinión personal. Según él, no existía el talento. Era una falacia. Sólo existía el trabajo, esforzarse, perseverar… había que perder muchas batallas antes de lograr una victoria; en este caso, sería obtener en el formato que uno quiera, una obra decente. Había que leer mucho, hasta la obsesión, y seguir en la práctica del lenguaje, penetrar en el universo de las palabras y sus posibles combinaciones. Trabajo, trabajo y más trabajo. Luchar hasta conseguirlo. Una vez más resonaba la recurrente moral del trabajo y el concepto de hombre creador marxista. La mujer asentía como si el escritor hubiese necesitado de su aprobación para hacerle más ligera la cháchara (como se nos había anunciado, Ramiro no gustaba de esa clase de encuentros a pesar de que llevaba desde hacía muchos años siendo el alma máter de un taller literario) o como si acabara de sentar Cátedra. Sin embargo, otra mujer, más audaz y menos conformista, le puso sin querer en un brete. Mientras, en mi cabeza, había un gran escándalo de risas que apenas lograba acallar. Venían a mi mente en cascada: Mozart, Bach, Beethoven, Stockhausen, Durero, Velázquez, Rembrandt, Dostoievski, Mauppasant, Höderlin, Rimbaud, Hilbert, Riemann, Maxwell, Noether, Curie, Leopardi, Newton, Lavoisier, Leibniz, Voltaire, Laplace, Kant, Spinoza, Galois, Einstein, Gödel, Aristóteles, Wittgenstein, Ramanujan, Tesla, etc. La pregunta de la segunda mujer fue: “¿Y cómo le llega la inspiración? ¿Tiene algún método a la hora de ponerse con la temida hoja en blanco? Ramiro contestó: “Sí, tengo mi biblioteca. Siento la necesidad de leer a Proust antes de ponerme a escribir. Es mi inspiración” Me dieron ganas de decir: “No hay más preguntas, señoría”. Pero, me detuve y acallé por un instante todas las risas que desbordaban con mucho aquella situación tan cómica, quizá por el respeto que me merecía su persona. Al fin y al cabo, todos nos contradecimos constantemente a causa de ideas prefijadas que queremos creer y no sostienen un análisis riguroso. La cuestión, como casi siempre, se resuelve de manera ockhamiana. Es todo mucho más simple: Sin tienes talento, hay inspiración sin necesidad de leer a Proust. El talento y la inspiración son elementos consustanciales, forman parte de lo mismo. Hay un Eureka, un chispazo genuino como el de Arquímedes, es la confabulación de tu habilidad extraordinaria y la intuición: una predisposición genética para captar musas. La extraordinaria habilidad es una propiedad, y toda propiedad es inherente a una estructura en todos los órdenes y categorías de conocimiento humano. Mientras escribo esto, recuerdo haber leído un “libro menor” de Dostoievski, como El Jugador, y quedar maravillado al saber que no lo había escrito, sino que lo había dictado entero de forma espontánea a su secretaria, la cual acabó enamorándose perdidamente de él, tras el punto y final, habiendo sido testigo de aquel derroche de talento tan avasallador. Democratizar la Genialiadad: Tabula Rasa. Actualmente, hay un neoliberalismo globalizador sin verdades sólidas como el que propugna Soros, que democratizan e igualan a todo el mundo (Véase: “La sociedad abierta”) 30

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.


Por lo que todos tenemos derecho a sentirnos también genios. “Todos somos únicos. Todos somos genios”, es el lema concluyente de “Centros genios”, una especie de empresa educativa que trata de implementar un método innovador en las escuelas de España para formar genios. Se entiende que no hay cualidades innatas, como declama el empirismo, sino que todo el mundo puede despertarse un día con aprendizaje y encomiable labor, con los dedos del arpista o de un Mozart. Exclusivamente con eso. Así, hay una pléyade de videos, blogs, libros, etc. difundiendo una estafa para ganar adeptos: se incurre en generalidades en las que cualquiera puede identificarse como un genio y así mandar un mensaje positivo. Pero, lo cierto es que por mucho que te esfuerces no podrás correr nunca como Usain Bolt y por mucho que practiques no llegarás al nivel futbolístico de Maradona, si no eres una persona escogida entre millones de personas, que posee un talento especial como ellos. Es obvio que tendrás que practicar y esforzarte en cada cosa que emprendas, como también lo tuvieron que hacer ellos, pero si tuvieras el talento de un genio, ese esfuerzo vendría como consecuencia lógica de percibir en ti la plenitud que supone saber que algo se te da de forma sobresaliente. Por lo tanto, el lugar que ocupas en el mundo es el que es. No fantasees. Trata de desarrollar tus talentos si los tienes, y si no, simplemente haz lo que te haga feliz. Ante todo, deshazte del victimismo. Descúbrete a ti mismo. Hay personas que tienen talentos ocultos que no han desarrollado, pero la gran mayoría no los tiene. No son sobresalientes, no destacan en nada. Pero, ser modesto o mediocre no implica ser vulgar. Se puede ser también notable. Además, si no tienes dones, tienes grandes probabilidades de tener una vida “fácil”, sin soportar auténticas piedras de Sísifo, como le ocurre a la mujertesoro, por lo que destacar no siempre es plato de buen gusto. En ese caso, deberás buscar la plenitud en las cosas materiales, sin autoengaños y egocentrismos peligrosos, disfrutando de aficiones que para ti sean divertidas. Aceptar tus capacidades y desarrollarlas al máximo, ubicándote en el mundo inframundano. A no ser… que seas un verdadero genio.

31

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.

David Ortega (Bilbao, España, 1981). Es licenciado en Filosofía con Master en Filosofía teórica y práctica, UNED. Ha escrito un libro de viajes autobiográfico: El último viaje, sobre Alaska (USA); una novela de ficción: Ágape; y una novela negra que pronto estará disponible: Casi héroes. Sus tres escritos están basados en hechos reales. También ha realizado un ensayo sobre los fundamentos ontológicos de la estética: Diaphainon, que obtuvo la máxima calificación en la carrera. 1


Philos

PORTUGUÊS CATALÀ ESPAÑOL FRANÇAIS ITALIANO ROMÂNĂ novembro 2017 · REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA 23 noviembre 2017

REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA 23


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.