Philos v.2 n°.10 (2016)

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Philos

PORTUGUÊS CATALÀ ESPAÑOL FRANÇAIS ITALIANO ROMÂNĂ REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA 10 novembro 2016 · REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA 10 noviembre 2016

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Philos

PORTUGUÊS CATALÀ ESPAÑOL FRANÇAIS ITALIANO ROMÂNĂ REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA 10 novembro 2016 · REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA 10 noviembre 2016

RITA AMARAL PÂMELA CÔRTES CINTYA NUNES DANIELA BALESTRERO

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PORTUGUÊS CATALÀ ESPAÑOL FRANÇAIS ITALIANO ROMÂNĂ REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA 10 novembro 2016 · REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA 10 noviembre 2016

EXPEDIENTE

REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA

Souza Pereira

EDITOR CHEFE | EDITOR EN JEFE

Sylvia de Montarroyos

COMITÊ EDITORIAL | COMITÉ EDITORIAL

Lucrecia Welter

REVISÃO DE TEXTOS | SUPERVISIÓN DE TEXTOS

Maus Hábitos

DESENHO E DIAGRAMAÇÃO | DISEGÑO Y DIAGRAMACIÓN

Pedro Mirilli

ILUSTRADOR | DIBUJANTE

SOBRE A OBRA DESTA EDIÇÃO | SOBRE LA OBRA DE ESTA EDICIÓN

Publicado originalmente em novembrobro de 2016 com o título Philos, Revista de literatura da União latina. Os textos desta edição são copyright © de seus respectivos autores. As opiniões expressas e o conteúdo dos textos são de exclusiva responsabilidade de seus autores. Todos os esforços foram realizados para a obtenção das autorizações dos autores das citações ou fotografias reproduzidas nesta revista. Entretanto, não foi possível obter informações que levassem a encontrar alguns titulares. Mas os direitos lhes foram reservados. Philos, Revista de Literatura da União Latina é registrada sob o número SNIIC AG-20883 no Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais com Certificado de Reserva outorgado pelo Instituto Nacional de Direitos do Autor sob o registro: 10-2015-032213473700-121. ISSN 2527-113X. Revista Philos © 2017 Todos os direitos reservados. | Publicado originalmente en noviembre de 2016 con el título Philos, Revista de literatura de la Unión latina. Los textos de esta edición son copyright © de sus respectivos autores. Todos los esfuerzos fueron hechos para la obtención de las autorizaciones de los autores de las citaciones o fotografías reproducidas en esta revista. Sin embargo, no fue posible obtener informaciones que llevaran a encontrar algunos titulares. Pero los derechos les fueron reservados. Philos, Revista de Literatura de la Unión Latina es registrada bajo el número SNIIC AG-20883 en el Sistema Nacional de Informaciones e Indicadores Culturales con Certificado de Reserva otorgado por el Instituto Nacional de Derechos del Autor bajo el registro: 10-2015032213473700-121. ISSN 2527-113X. Revista Philos © 2017 Todos los derechos reservados.

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Philos, Revista Philos Revista de de Literatura Literatura da da União União Latina Latina | | Revista Revista de de Literatura Literatura de de lala Unión Unión Latina. Latina.


EDITORIAL

REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA “Cada um cumpre o destino que lhe cumpre, e o deseja o destino que deseja; nem cumpre o que deseja, nem deseja o que cumpre”. Iniciamos o editorial do Philos Reposter #10 com as Odes de Ricardo Reis num domingo de fim de primavera na calorosa Recife. Para o último caderno do projeto Reposter a Philos convidou o artista visual paulista, Pedro Mirilli. Em seu conjunto, suas ilustrações ecoam em voz forte e a seu modo, todo trabalho artístico é uma forma de se opor à normalidade, um ato contra a beleza, a estética e a sociedade. Esta publicação é parte do Philos Reposter, um projeto de republicação de todo o material lançado pela editora Camará Cartonera em novo formato gráfico, com colaborações de novos ilustradores, fotógrafos e artistas visuais. Desejamos uma ótima leitura, Souza Pereira

EDITOR CHEFE | EDITOR EN JEFE

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Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.


EDITORIAL

REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA “Cada uno cumple el destino que le cumple, y lo desea el destino que desea; ni cumple lo que desea, ni desea lo que cumple”. Iniciamos el editorial del Philos Reposter #10 con las Odes de Ricardo Reis en un domingo de fin de primavera en la calorosa Recife. Para el último cuaderno del proyecto Reposter la Philos invitó el artista visual paulista, Pedro Mirilli. En su conjunto, sus ilustraciones ecoam en voz fuerte y a su modo, todo trabajo artístico es una forma de oponerse a la normalidad, un acto contra la belleza, la estética y la sociedad. Esta publicación es parte del Philos Reposter, un proyecto de republicación de todo el material lanzado por la editora Camará Cartonera en nuevo formato gráfico, con colaboraciones de nuevos ilustradores, fotógrafos y artistas visuales. Deseamos una óptima lectura, Souza Pereira

EDITOR CHEFE | EDITOR EN JEFE

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Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.


SUMÁRIO | SUMARIO CONTOS | COLUNAS | EXPERIMENTAIS CUENTOS | COLUMNAS | EXPERIMENTALES

8 Os olhos

marejados da menina, por RITA DE

KASIA ANDRADE AMARAL

13 Entre a

estrela e a pedra, ela!, por PÂMELA CÔRTES

16 De dar inveja

na Marcela Temer, por CINTYA NUNES

19 Babbo Natale

nel cuore,

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Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.

da DANIELA BALESTRERO


Pedro Mirilli (2017)


LITERATURA BRASILEIRA

CONTOS

Rotas da lusofonia

OS OLHOS MAREJADOS DA MENINA Rita de Kasia Andrade Amaral por

Eu andava por entre os carros estacionados na calçada e o fluxo contrário de pedestres, na

tentativa de chegar ao ponto de ônibus a poucos metros. A caminhada não era confortável, como muita coisa nesta vida. Eu não me importava com os empurrões ou com os buracos no asfalto, muito menos com o calor insuportável que derretia a pouca maquiagem que me permitia usar. Na verdade, nada nesta vida consumia meus pensamentos ou me fazia suspirar à beira da cama, sobre o aconchegante travesseiro. Tudo era muito simples. Eu acordava às 6 da manhã, dava comida para o Hércules, meu pequeno pinscher, tomava meu café quente com pão amanteigado, escovava os dentes rapidamente e saía. Não existiam atritos familiares, porque morava sozinha, e muito menos questionamentos existenciais, porque tudo me era muito confortável. Mas voltemos ao ponto de ônibus. Eu estava, como de costume, observando o vai e vem matinal das pernas urbanas apressadas e dedos esquizofrênicos sobre telas cada vez maiores, quando notei algo incomum. Uma gota d'água caiu no chão, ao meu lado, no momento em que eu observava o sapato superengraxado de um senhor sentado, à espera da condução. Assustada, eu olhei para o céu e lamentei não ter trazido o guarda-chuva, afinal o jornal indicava um calor de 39º na cidade. Estranho, o céu estava azul, sem sinal algum de nuvens carregadas ou casamentos de viúvas. De onde caíra aquela gota? Meus olhos logo trataram de olhar tudo à volta. Foi quando eu a vi. Ela estava em pé, ao meu lado, de vestido branco e cabelos loiros cacheados. Uma menina que devia ter a minha idade, mas seu semblante era muito mais inofensivo. Notei que muitos homens a admiravam e muitas mulheres a olhavam torto, como quem expressasse grande aflição por não ser tão magra, ou tão alta, ou tão loira, ou tão, ou tão, ou tão…. Mas, até então, nada de diferente de tantas outras. A pergunta, porém, permanecia no ar, me rodeando. Eu me esforcei para olhar em seus olhos, uma ação difícil, pois ela permanecia com a cabeça abaixada, como quem admira as formigas “transitantes”. Eu a olhei. Eu olhei todos que a viam. Cheguei à seguinte conclusão: ninguém realmente a olhava. Todos viam suas pernas, seus braços, seus cabelos, mas ninguém os seus olhos. Ironia da cidade urbana, nós vemos, mas não olhamos. Nós reparamos, mas não nos importamos. Eu me importei. Mas o que deveria fazer? Seguir com a minha rotina? Afinal, o que me importava se a lá8

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grima a tinha como dona? Entrei no ônibus lotado, em meio a tantos questionamentos, que há muito tempo não tinha, lutando a batalha diária contra a lei da física e sua afirmação de que dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço. Penso em um dia desmentir Newton com o exemplo da superlotação nos transportes públicos. Mas, enfim, estou a me perder novamente. Escolhi, um pouco forçada, o meu pequeno espaço. Reparava a vida fora da janela meio aberta, quando senti algo gelado tocar meu joelho. Virei-me assustada, podia ser um inseto, na melhor das opções. Mas não! Novamente vi a gota d'água, solitária, escorregar até se evaporar. Ao meu lado, espremida entre a minha velha mochila e a multidão, estava a menina. Seu rosto, agora levantado, fixado em uma imagem no além, como quem entrara em um mundo único e particular. Ali, solitária em meio à massa, em um momento quase que congelado no tempo, vi os olhos mais lindos, porém mais tristes, com que cruzara nesta minha jornada. Eles me prendiam. Nenhum barulho a minha volta, nenhuma parada brusca, nenhum empurrão desmedido me fazia parar de me afogar naquela imensidão. Quanto mais minha alma adentrava a dela, mais tristeza meu coração sentia. Era como se, por um breve e eterno momento, nossas vibrações se conectassem e nenhuma barreira me impedisse de sentir o que somente a ela cabia. Em um breve sussurro, perdi a minha identidade e queria apenas ser ela. Outra lágrima. Agora a gota, como já tinha alcançado seu objetivo de chamar minha atenção, se limitava ao queixo escorregar. Era brilhosa e transparente, tão pura e delicada. Em um impulso imperceptível, levei minhas mãos ao rosto dela. Meus dedos ganhavam vida própria, além, voz própria, me dizendo que seria sacrilégio deixar tamanha elegância se esvanecer, misturar-se ao ar e desaparecer. Mas . . . Mas. . . Mas meus dedos tocaram em terra seca... Cadê a lágrima? A menina me olhou, assustada. Seus olhos, antes tão aéreos e transcendentes, fitavam-me em profundidade e concentração. Eu não entendia nada. Onde fora parar a lágrima? Eu e ela nos olhávamos, em silêncio e perplexidade. Eu, por perder a lágrima, ela por nunca tê-la tido. -Me desculpa! - Sussurrei constrangida, tratando logo de abaixar o olhar. No momento em que estava pronta para ir-me, senti sua mão tocar meu ombro, pedindo mais alguns minutos do meu tempo. -Com licença! - ela disse em tom suave. - Você pode ver? Realmente pode ver? Aquelas palavras soavam mais inacreditáveis do que tudo até então. Não tive coragem de encarar aqueles olhos novamente, mantendo-me entretida com a velocidade dos carros que mais pareciam sons do que imagens sob a velha janela do ônibus. -A lágrima? Sim. Eu a vi e não queria deixá-la ir assim... Tão sem significado. Em meio à lotação diária, muitas mãos me esbarravam, muitos corpos me prensavam, e até pontapés me atingiam. Nenhum era pessoal. Mas, as mãos da menina eu senti. Seus dedos finos encostavam suavemente sobre os meus, soldando e pedindo permissão. Ela queria me tocar? Ela quer segurar minhas mãos? Eu não sabia o que sentir, como deveria reagir, muito menos o que estava acontecendo. 9

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-Porque você está sentindo tanto aperto no peito? Assim fica difícil de respirar - eu disse. Eu podia sentir o que se passava com ela. Não podia ouvir seus pensamentos, mas seus sentimentos. Em meio a toda dor que ela emanava, eu pude sentir um feixe de luz nascer. Era confuso demais entender o que ela sentia, o que eu sentia. Mas, mesmo na incerteza, algo me dizia que eu lhe fazia bem. Era eu a luz. Meus olhos não podiam mais resistir ao chamado dos dela, que permaneciam sobre mim. Quando me rendi à tentação de navegar, como pirata ilegal, em seu azul celeste, um lindo sorriso brilhou sobre a pele delicada. Eu era, definitivamente, a luz. Como pôr em palavras esse sentimento? Só quem teve a experiência de ser a razão do sorriso alheio sabe o valor desse momento. -Pode sentir o que eu sinto? Concordei. -Você realmente me enxerga, não é mesmo? -Isso não é algo tão difícil assim. Muitos te enxergam, hoje mesmo notei. Sentia um calor dominar todo meu rosto e orelha. Por que eu estava corando? -Não. Eles apenas reparam na menina bonita de vestido branco. Você foi a única que olhou meus olhos marejados. A única a olhar as lágrimas que meus olhos jamais ousaram derramar. Lágrimas que nem eu mesma tinha coragem de olhar. As pessoas que estavam coladas em nós nada entendiam daquela conversa. Os cochichos começaram a nascer lentamente e, quanto mais fazíamos silêncio e nos olhávamos, mais eles cresciam e aumentavam em volume. -Sua lágrima me chamou. Era como se eu pudesse ouvi-la me pedindo para não deixá-la apenas evaporar. O que eu devo fazer, então? O que ela realmente está me pedindo? - Não era a minha intenção, mas minhas palavras soaram como suplício. Ela silenciou. Novamente a feição triste tomou todo seu rosto. O sorriso deu lugar à boca cerrada. Seus dedos não mais faziam sombras aos meus. -Nada! - Ela respondeu. Em meio a um sorriso forçado me disse. - Foi suficiente. Não era suficiente. Pelo menos, não para mim. Eu não sentia a necessidade de salvá-la, muito menos de protegê-la. Muito pelo contrário, meu coração batia acelerado, disparando em meu peito, querendo criar pernas e se embrenhar dentro dela. A sua aflição eu não mais sentia, pois agora tinha as minhas próprias. Todo o meu conforto parecia que nunca mais existiria. A simplicidade de minha rotina cheirava como morte. A minha vida correu sobre meus olhos, como um filme de Tim Burton, uma mistura sinistra entre comédia e horror. Ela estava cada vez mais longe. Intocável. Inalcançável. Pela primeira vez, em toda a minha vida, eu senti medo. Não podia fazer nada. Ela se foi. Ela não podia ir ... Mas se foi. Eu realmente não queria... Mas se foi. Assim, voltei meu olhar às pernas apressadas que corriam nas calçadas. “É melhor me conformar”, pensei, tentando me convencer. Os cochichos pararam. Ninguém mais se importava comigo. Voltei a ser apenas mais uma, 10

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comum. “Porque me importei tanto? Agora eu fico e eles se vão. A minha alma se parte e, para eles, apenas mais um excêntrico causo urbano”. “O que é isso?” Pensei! Novamente, um toque entre tantos, pude diferenciar. Não tive coragem de olhar. A dor ainda era muito forte, meu esforço muito grande para voltar à normalidade. Braços, que não os meus, envolveram-me pelas costas, em um abraço apertado e inquebrantável. Um corpo quente e macio, que não o meu, envolvia meu simples existir. Paz. A dor se fora como brisa no verão. A angústia deu lugar, como mágica, ao pulsar mais honesto de minha alma. Eu simplesmente sentia uma enorme vontade de sorrir. -Você vem? - Ela balbuciou em meu ouvido. Eu fui!

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Rita Amaral (Rio de Janeiro, 1990). Historiadora, escritora (Leve Mente Humana, 2015) e poeta. Ganhadora do 3º lugar no 24º Concurso de Poesia e Prosa da Academia de Letras de São João da Boa Vista, SP (2016). 1


Pedro Mirilli (2015)


LITERATURA BRASILEIRA

CONTOS

Rotas da lusofonia

ENTRE A ESTRELA E A PEDRA, ELA! Pâmela Côrtes por

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Ela não queria olhar para o chão. Mas você há de tropeçar, diziam alguns, e como fazer

para livrar seus joelhos dos hematomas, perguntavam outros, e como garantir a integridade do dedo mindinho, diziam outros em linguagem de criança. Mas ela estava decidida, não se preocupava em olhar para o chão. Não importavam os alertas, as preocupações e os tombos que de fato aconteciam vez ou outra. Seu olhar não estava atento às pedras e às quinas. Ela queria olhar para o alto. É que as estrelas eram tão mais bonitas do que as pedras! Ela entendia que alguns se fascinassem com as pedras, pois elas têm sua beleza de geometria imprevisível, e cores nem tanto. Além disso, alguém precisava entender a relação entre as pedras e os pontapés, entre o chão e o tropeço, entre a quina e o chute certeiro de canto de pé. Mas esse alguém não seria ela. Ela queria entender o que mantinha a estrela naquele lugar, como é que ela não desgrudava da imensidão azul-escuro. Ela queria entender os pontos brilhantes, queria saber para que serviam, já que com as pedras era mais fácil: serviam para chutar, oras. Um dia, alguém fê-la descer. Mas as estrelas não servem para nada, foi o que disseram. Você deveria se preocupar com a pedra que a separa das coisas daqui, e não com as estrelas, que não enchem barriga. As pedras também não, mas é preciso abstrair da pedra, para entendê-la, a menina e a pedra e a estrela. Se você quiser entender as pedras, dar-lhe-ão apoio, dar-lhe-ão dinheiro, reconhecerão você. Se você continuar a olhar para cima, entenderão seu olhar como desfocado, sua cabeça como desconexa, vão achá-la birutinha, birutinha. Estrelas existem apenas, mas as pedras dão ótimas teorias. E ela amuou. Passou a não olhar mais para cima, tentando se apaixonar pelas pedras e por tudo que elas proporcionavam. Logo davam tapinhas em seus ombros pelo belo estudo sobre pedras, felicitavam-na pela utilidade de suas conclusões. Há dinheiro, se você pesquisar como tirar pedras do caminho, disseram uns de terno e gravata e edital na mão. Logo ela tentava achar formas de tirar pedras, desviar das pedras, moldar pedras, esculpir pedras, carregar pedras como souvenir e vender pelo dobro do preço. Ela era entendida de pedra, sua mãe dizia com emoção. Um dia, sem querer, ela olhou pro céu. É que acontece, sabe, você se distrai e logo, logo sua cabeça tá fazendo o que não deve, admirando o brilho das estrelas. E aí, pela primeira vez, ela olhou para ela mesma. E ela viu o quanto as estrelas estavam nela, naquilo que ela era, naquilo que ela pensava. Ela estava tentando achar as estrelas no chão, nas pedras, no concreto da vida. Teve uma ideia brilhante, realizou-se, achou-se naquele momento da vida em que o caminho muda de roupa (e ela o preferia sem pedras, sempre foi assim). Agora ela olha para cada um que cruza seu caminho, olha mesmo, bem no olho, e pergunta sobre a estrela que cada um largou para trás. Ainda não sabe se dá dinheiro, no

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fundo são as pedras que lhe dão condição de achar a estrela do mundo de que todo mundo se esqueceu. Mas de noitinha, aahhh, ela e as estrelas são uma só visão, um só plano de vida, um dia ela saberá quantas tem lá, e quantas há aqui, dentro dela, no meio do caminho, entre o caminho da teoria e das pedras.

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Pâmela Côrtes (São Paulo na teoria, Minas Gerais na prática, 1989), mestre e doutoranda em Direito. Atriz e dramaturga. Já publicou por aqui algumas vezes. 1


Pedro Mirilli (2016)


LITERATURA BRASILEIRA

CONTOS

Rotas da lusofonia

DE DAR INVEJA NA MARCELA TEMER Cintya por

Nunes1

No meio da praça, ninguém sabe o poder de Lila. Lila é mulher, Lila usa uma corrente

com dois bonequinhos pendurados. Lila acorda cedo todo dia, prepara o café, leva os filhos à escola. Depois vai para o trabalho. Depois volta para casa. Mas, antes de voltar para casa, passa no supermercado e faz umas comprinhas para o jantar. Lava a louça da noite, ajuda os filhos nas lições, confere a roupa lavada. Ajeita a casa, tira as meias jogadas e as peças de Lego do chão. Conversa com as crianças. Tenta. Fala dos deveres. É preciso fazer toda a lição, estudar, se aplicar. Conversa com o marido, sentimento de cafeteira, chinelo com meia. É preciso falar da relação. Estatísticas demonstram que 32% dos casais ainda não dividem as tarefas de casa na cidade de São Paulo. Deu na Cláudia. Ela lia Cláudia. Hoje lê autoajuda, mensagens de whatsapp e vê a capa da Cláudia na banca. No banheiro, no intervalo da descarga. Puxa metros e metros de papel do rolo, derruba o rosto sobre as mãos para abafar o barulho. O exame de tireoide deu alterado. Deve repeti-lo em um mês para ver se há mesmo algum problema. Repete a rotina todos os dias. Nos finais de semana, muda. Entra café da manhã na padaria, almoço com a sogra, visita aos pais, supermercado maior, ir ao shopping fazer os óculos do caçula. Segunda virou redenção. Segunda, às 8h: psicólogo do Tomás antes da reunião com o chefe. A empresa passa pela mais séria crise dos últimos anos, procure saber. A saída anunciada chama-se criatividade. Sente dó dessa palavra, ainda mais com cunho corporativo. Lila viaja a trabalho duas vezes por mês, abre seu laptop e projeta PowerPoints em muitas salas por aí. Lila se viciou no barulho da tampinha da lata de Coca-Cola e na Coca-Cola. Depois da cirurgia bariátrica, é a única coisa que pode beber quando acorda. Versão Diet. Lila está tomando muitos medicamentos e tranquilizantes. Passa no psiquiatra todo mês e no psicólogo toda semana. Hoje se orgulha de uma conta bancária folgada. SUV da moda, uma Paris ano sim, ano não, apartamento com sacada gourmet em bairro nobre paulista. No meio da reunião, sente uma dor estranha, percebe que anda trocando as palavras em reuniões, se esquece fácil da agenda, de combinados com os clientes. Só este ano perdeu dois guarda-chuvas, um par de óculos e três iPhones no táxi. Matriculou-se no pilates, cross-fit fez mal a ela, dava enxaqueca. Dorme 5 horas por noite, picado. Farol vermelho voltando do trabalho, sentiu uma dor estranha nas costas, a ponto de ficar difícil encostar-se ao banco do carro. Estacionou no meio da rua e desceu para ver o que era. De suas costas, havia brotado duas pequenas asas de uma cartilagem flexível, meio amarelada. Sentiu o peso e percebeu que podia controlar o movimento. Acelerou e acabou se afastando do chão, cerca de uns 20 cm – em Bruxelas, há um famoso cientista estudando a aplicação de genes de pássaros em humanos, que resultam no crescimento de articulações e asas em diferentes membros do corpo. A ideia de liberdade sempre perseguiu o homem. Seu corpo voltou ao solo. Na nova tentativa de flanar, conseguiu sair um metro do chão. Animou-se e largou o carro na rua. Largou tanta coisa... Só pegou a bolsa – era muito apegada a batons. Saiu voando pela 15

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cidade. Conseguiu atravessar a Marginal do Rio Pinheiros sem levar a sujeira. Bateu um cansaço, pousou no Shopping Morumbi. Viu o marido almoçando com a outra. Num voo rasante, entrou pelo restaurante e não deu um pio. Decidiu bicar o mundo.

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Cintya Nunes

(São Paulo, 1974). Publicitária formada em Comunicações pela Universidade de São Paulo (ECAUSP). Tem na escrita seu ganha-pão e seu ganha-chão.


Pedro Mirilli (2016)


LETTERATURA ITALIANA

RACCONTO

Per una latinità plurale

BABBO NATALE NEL CUORE Daniela Balestrero da

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Il freddo pungente, lo fece rabbrividire un'altra volta e, un'altra volta strinse a sé il

cappotto di lana scuro, tenendo nella mano congelata, quasi violacea la sua ventiquattr'ore. «Ci manca solo che si metta a nevicare...» pensò in modo automatico. Tutto era monotono ed automatico nella sua vita, da parecchio tempo ormai, le stagioni erano tutte uguali per Federico, l'unico cambiamento era quello dovuto, della biancheria del suo armadio. D'inverno poi, era ancora peggio: di lì a poco darebbe stato Natale. Un altro Natale, solo, o peggio, contornato da parenti ed amici che facevano a gara per invitarlo alle cene per i giorni di Festa, in modo che non restasse solo... E poi, c'erano i bambini: sorridenti, giocosi, con i vestiti nuovi, tutti felici, in attesa delle melodie natalizie, delle decorazioni luminose, della neve. Del Natale. Negli ultimi tempi lui detestava i bambini, lo disturbavano i loro giochi, le risate spontanee e spensierate, ora li vedeva come burattini legati al sottile filo della loro vita. Inconsapevoli che all'improvviso qualcuno avrebbe spezzato quel filo e spento i loro sorrisi e i loro occhi, senza un perché... Rabbrividì, ma non solo per il freddo. Era accaduto a lui, qualche anno prima: un pneumatico scoppia, l'auto sbanda e finisce contro un albero, all'interno, la sua Luciana e i piccoli Edoardo e Sara. Tutto era finito, in pochi secondi, proprio contro quella quercia, solida e antica, come il loro amore, dove da ragazzini giocavano a nascondino, o si appoggiavano al tronco per i loro primi baci, rubati ed indiscreti. Li aveva visti crescere e formare la loro famiglia, quel vecchio albero, lì da sempre, in fondo alla strada, a pochi metri dalla loro casa. Glieli aveva portati via, e lui era rimasto là, senza un motivo a continuare a chiedersi “perché”. Perché non era successo a lui, che ci rimaneva ancora a fare lì? Lo chiedeva a sé stesso, a Dio, al suo psichiatra. Nessuno poteva dargli una risposta. I primi fiocchi, leggeri, impercettibili, cominciarono a volteggiare nell'aria, senza toccare terra. Fra qualche giorno sarebbe stato Natale. Come prevedeva, suo fratello, la sua famiglia e qualche amico comune si stavano organizzando per la Vigilia, e trovò un loro messaggio nella segreteria telefonica. Avrebbe sorriso, finto di divertirsi, condiviso parte della serata e trovata una scusa là per là, per porre fine al più presto a quella farsa e a quella tortura. «Ciao Federico, sono Enzo » esclamò la voce con tono brillante « vorrei chiederti un fa19

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vore...avevo pensato a te per fare Babbo Natale alla Vigilia...passi da me appena puoi per provare il costume? Ciao» E no! Questo era troppo! Suo fratello non poteva chiedergli anche quello.. Ci pensò un po', un bel po'...guardò fuori, in alto. Il cielo stellato, limpido, il freddo pungente, il pensiero di Luciana e dei bimbi. Le musiche natalizie incominciarono a diffondersi nell'aria gelida e magica; come un automa chiuse la finestra ed alzò la cornetta: “Ok Enzo, ci vediamo verso sera per provare il costume, ma non ho molto tempo...” mentì, e riagganciò il ricevitore. Ne aveva tempo, tanto, troppo, e da troppo tempo aspettava che qualcuno spezzasse quel filo che lo teneva come un burattino, ancora legato alla Terra. Guardò le stelle e sorrise ai suoi angeli. Era buio, quando arrivò a casa di Enzo. Il costume era appoggiato sulla poltrona, pronto per essere indossato, con barba e sacco. Se lo infilò senza dire una parola, non voleva neanche guardarsi allo specchio. Lo doveva a suo fratello, era il primo favore che gli chiedeva, e si augurava che quella serata trascorresse il più in fretta possibile. La prova generale era terminata. « Meno male » pensò, frettoloso di togliersi di dosso quel costume che lo metteva così a disagio. Si voltò di scatto e la vide. Era sopra la mensola del salotto. Luciana, Edoardo e Sara sorridevano felici, salutando con la mano, in una foto, scattata chissà quando e chissà da chi. Non se la ricordava, forse era stato Enzo... Scappò fuori ed incominciò a correre, corse senza respirare, fino alla quercia. Non si accorse neppure di essere uscito senza cambiarsi, e di indossare ancora quel costume, per lui così ingombrante. I bambini del quartiere, lo videro da lontano, il loro sogno si era concretizzato a pochi passi da loro. Incominciarono a chiamarlo: “Babbo Natale!”... “Babbo Natale!...” Le decorazioni erano accese ovunque, persino i rami più bassi del grande albero, erano stati addobbati con letterine e fiocchetti rossi. I canti natalizi riempivano l'aria. Si guardò attorno, tanti bambini, e non solo, lo stavano osservando. Lui, per la prima volta, li vedeva finalmente liberi da fili invisibili di un destino precario e nefasto. Alzò gli occhi in alto, fra i lievi fiocchi di neve, un tratto di cielo, si apriva al brillare di un gruppo di stelle che sembravano visi sorridenti e manine che salutavano. Si toccò gli abiti e si lisciò la lunga barba bianca: «Venite bimbi sedetevi sulle mie ginocchia... come vi chiamate?...cosa vorreste per Natale?...le letterine le leggerò una ad una...» disse con un sorriso, salutando con la mano verso il Cielo.

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Daniela Balestrero (Torino, Itália, 1960). Membro del Comitato editoriale della Rivista Philos. Dal 2015 collabora con un giornale locale web scrivendo articoli di spettacolo e attualità. Alcuni dei suoi scritti si possono trovare anche su il Blog di Ramingo.it. 1


Philos

PORTUGUÊS CATALÀ ESPAÑOL FRANÇAIS ITALIANO ROMÂNĂ REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA 10 novembro 2016 · REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA 10 noviembre 2016

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