Philos v.3 n°.14 (2017)

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Philos

PORTUGUÊS CATALÀ ESPAÑOL FRANÇAIS ITALIANO ROMÂNĂ REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA 14 março 2017 · REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA 14 marzo 2017


Philos

PORTUGUÊS CATALÀ ESPAÑOL FRANÇAIS ITALIANO ROMÂNĂ março 2017 · REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA 14 marzo 2017

REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA 14

CAIO LOBO DANIELA BALESTRERO DAVID ORTEGA CRISTINA GÁLVEZ MARTOS ORIETTE D’ANGELO DIANA MONCADA JOSÉ DOMINGOS & MAGDA FERNANDES MÁRCIO CRUZEIRO HELENA BARBAGELATA LEANDRO JARDIM KÁTIA GERLACH MARCIA DALLARI HELDER PARANÁ ILDA PINTO DE ALMEIDA PIETRO PANCAMO


PORTUGUÊS CATALÀ ESPAÑOL FRANÇAIS ITALIANO ROMÂNĂ março 2017 · REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA 14 marzo 2017

REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA 14

EXPEDIENTE

REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA

Souza Pereira

EDITOR CHEFE | EDITOR EN JEFE

Sylvia de Montarroyos

COMITÊ EDITORIAL | COMITÉ EDITORIAL

Lucrecia Welter

REVISÃO DE TEXTOS | SUPERVISIÓN DE TEXTOS

Maus Hábitos

DESENHO E DIAGRAMAÇÃO | DISEGÑO Y DIAGRAMACIÓN

Willames Amaral

ILUSTRADOR | DIBUJANTE

SOBRE A OBRA DESTA EDIÇÃO | SOBRE LA OBRA DE ESTA EDICIÓN

Publicado originalmente em março de 2017 com o título Philos, Revista de literatura da União latina. Os textos desta edição são copyright © de seus respectivos autores. As opiniões expressas e o conteúdo dos textos são de exclusiva responsabilidade de seus autores. Todos os esforços foram realizados para a obtenção das autorizações dos autores das citações ou fotografias reproduzidas nesta revista. Entretanto, não foi possível obter informações que levassem a encontrar alguns titulares. Mas os direitos lhes foram reservados. Philos, Revista de Literatura da União Latina é registrada sob o número SNIIC AG-20883 no Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais com Certificado de Reserva outorgado pelo Instituto Nacional de Direitos do Autor sob o registro: 10-2015-032213473700-121. ISSN em trâmite. Revista Philos © 2017 Todos os direitos reservados. | Publicado originalmente en marzo de 2017 con el título Philos, Revista de literatura de la Unión latina. Los textos de esta edición son copyright © de sus respectivos autores. Todos los esfuerzos fueron hechos para la obtención de las autorizaciones de los autores de las citaciones o fotografías reproducidas en esta revista. Sin embargo, no fue posible obtener informaciones que llevaran a encontrar algunos titulares. Pero los derechos les fueron reservados. Philos, Revista de Literatura de la Unión Latina es registrada bajo el número SNIIC AG-20883 en el Sistema Nacional de Informaciones e Indicadores Culturales con Certificado de Reserva otorgado por el Instituto Nacional de Derechos del Autor bajo el registro: 10-2015-032213473700-121. ISSN en trámite. Revista Philos © 2017 Todos los derechos reservados.

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Philos, Revista Philos Revista de de Literatura Literatura da da União União Latina Latina || Revista Revista de de Literatura Literatura de de la la Unión Unión Latina. Latina.


EDITORIAL

REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA A inclusão das perspectivas de fora do quadro permeia esta nova edição da Revista Philos, aliás, esta tem se tornado uma estratégia recorrente em nossas publicações. Talvez por nossa trajetória de promoção de experiências com as várias expressões artísticas, principalmente com a criação de hibridismos entre a literatura e as artes visuais contemporâneas, que viabilizam nossa maneira única de comunicar através das artes. Nossos artistas vêm construindo uma obra coletiva em diferentes suportes e mídias. Nossa produção inicial, antes restrita aos moldes clássicos de publicar literatura na era digital, compõem-se hoje de grandes quadros e dimensões de bytes inimagináveis, onde os trabalhos textuais misturam-se com imagens, pinturas, mostras de vídeos, fotografias, sons e elementos que parecem surgir de dentro de um plano único e diverso de nossa latinidade. A Philos, seja pelo ativismo ou pela metáfora, provoca nesta terceira edição do ano três, reflexões sobre como estruturamos as bases sólidas de nossa arte e literatura pautadas nas questões subjetivas do criar. É na presença do outro que a Philos se completa. Para esta edição, contemplamos a obra do jovem artista visual recifense, Willames Amaral, desenvolve seus trabalhos de traços simples e gestos marcantes. As ilustrações, desenvolvidas a partir do seu aparelho celular, tomam as páginas da Philos e ultrapassam os nossos limites imaginativos. Defendendo a ideia de que o homem se confunde com a arte, a Philos 14 inaugura mais uma de suas múltiplas formas de representar o mundo a partir dos olhares minuciosos de nossos artistas. Uma outra edição começa inaugurando outro tempo. Desejamos uma ótima leitura,

Souza Pereira

EDITOR CHEFE | EDITOR EN JEFE

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EDITORIAL

REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA La inclusión de las perspectivas de fuera del cuadro se presenta en esta nueva edición de la Revista Philos, de hecho, esta ha sido una estrategia recurrente en nuestras publicaciones. Tal vez por nuestra trayectoria de promoción de experiencias experiencias con las varias expresiones artísticas, principalmente con la creación de hibridismos entre la literatura y los artes visuales contemporáneas, que viabilizan nuestra manera única de comunicar a través de los artes. Nuestros artistas vienen construyendo una obra colectiva en diferentes soportes y mídias. Nuestra producción inicial, antes restricta a los moldes clásicos de publicar literatura en la era digital, se componen hoy de grandes cuadros y dimensiones de bytes inimagináveis, donde los trabajos textuales se mezclan con imágenes, pinturas, muestras de vídeos, fotografías, sonidos y elementos que parecen surgir de dentro de un plan único y diverso de nuestra latinidad. La Philos, sea por el activismo o por la metáfora, provoca en esta tercera edición del año tres, reflexiones sobre como estructuramos las bases sólidas de nuestro arte y literatura pautadas en las cuestiones subjetivas del crear. Es en la presencia del otro que la Philos se completa. Para esta edición, contemplamos la obra del joven artista visual recifense, Willames Amaral, desarrolla sus trabajos de trazos simples y gestos marcantes. Las ilustraciones, desarrolladas a partir de su aparato celular, toman las páginas de la Philos y ultrapasan nuestros límites imaginativos. Defendiendo la idea de que el hombre se confunde con el arte, la Philos 14 inaugura más una de sus múltiples formas de representar el mundo a partir de los ojos atentos de nuestros artistas. Otra edición comienza inaugurando otro tiempo. Deseamos una óptima lectura,

Souza Pereira

EDITOR CHEFE | EDITOR EN JEFE

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SUMÁRIO | SUMARIO CONTOS | COLUNAS | ARTIGOS CUENTOS | COLUMNAS | ARTÍCULOS

8 As agonias da primavera,

por

HELENA BARBAGELATA

10 Dal salice all’infinito,

por

DANIELA BALESTRERO

13 Obsessão

pelo azul,

por MAGDA FERNANDES & JOSÉ DOMINGOS

15 Como de

costume,

por MARCIA DALLARI

21 A história de Alfredo K.,

por

MÁRCIO CRUZEIRO

26 Rapsódia

Matinal,

por ILDA PINTO DE ALMEIDA

29 Tu, che

ristabilisci,

por PIETRO

PANCAMO

31 El dolor de

18 Ninguém

Marguerite Duras,

por HELDER PARANÁ

34 Al rescate de

conhece o Brasil,

por DIANA MONCADA

36 La hora del asombro,

CRISTINA GÁLVEZ MARTOS

39 Utopía

escandinava,

por

DAVID ORTEGA

43 K4, O

quadrado,

por KÁTIA GERLACH

47 Gafanhoto,

por CAIO LOBO

las infancias rotas, por ORIETTE D’ANGELO

50 A escola do livro,

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por

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.

por LEANDRO JARDIM



LITERATURA LUSÓFONA

COLUNAS

Rotas da lusofonia

AS AGONIAS DA PRIMAVERA por

Helena Barbagelata1

Corre uma brisa muito fina, alígera, não chega a ser um fio, é um desfio, dir-se-ia desfiada como uma mexa de seda, mas corre célere como os carros das Equírrias, e corta como os venábulos de Martius, acotovela as núvens dos seus sonhos ociosos, sacode as migalhas de cinza do inverno, enxuga as lágrimas do sobrecenho cansado do tempo. Balouça-se em irises onde o sol se contempla ufano, no cabelo de persefónes com o oiro insolente dos narcisos a nascer-lhes da nuca, dos rasgões do sorriso despreocupado. Sim, já pendem os narcisos, desmanchando as estemas amarelas e brancas sobre a água dos jardins, vão nascendo adormecidos sobre o lago e nem a brisa os estremunha. Chegou – como veio, quem a trouxe – a primavera, anuncia uma ementa. É mais que hora de desenroscar os tonéis de vinho, sorvê-lo fresco da concha de mãos de Dionísio. Chegou a primavera – é um ditame, as palavras criam, mandam, sujeitam, enunciam o livro, o capítulo, o versículo. Assenhoream-se de todos os espaços, até não haver espaço, nem palavras. É mais que hora de estender o linho sobre a mesa, ombrear senhores e servos, amigos e desavindos, beber do mesmo cálice. A ementa sobre a mesa, e a ausência dos simpósios, das músicas, das danças de roda – o silêncio. A terra explode de cores, ninguém viu passar o cortejo de Dionísio no seu carro de flores. Estão sentados, um par, frente a frente, cada qual encarando o seu apetrecho, estarão de costas voltadas, os rostos debruçado sobre um espelho metálico, uma caixa esquisita, um lago, onde contemplam o teatro de sombras dos acidentes de viação ocorridos no dia, da variação da humidade no percentil 90, das crises sanitárias na Eritreia, do filho do amigo do primo do vizinho que teve a sua primeira vomição. Onde se contemplam a si mesmos, estendem o espelho no alto, examinam criteriosamente a beleza própria, e as imagens sucedem-se, a perfeição inatingível, a beleza adulterada, decorativa, empoada para entrar em cena – o teatro de sombras do mundo. E as palavras, palavras, urgentes, prementes, assoberbantes, tantas que nada lhes resta para dizer – um pequeno movimento involuntário para soltar um refrão, uma abreviatura, ou uma sigla, bonecos em gargalhadas. Mas sobre a mesa ninguém gargalha, há um silêncio tumular entre dois corpos, o linho aguarda paciente como uma mortalha. Já disseram tudo sobre o sol, a ementa, a conversa. Os lábios morrem num espasmo involuntário, ninguém humedeceu os lábios de vinho, estão de costas voltadas, não há palavras, o sol não roçaga a primavera pela pele, há um silêncio tumular entre dois corpos. É primavera e os narcisos cabisbaixos envergam o seu luto sobre o lago, nada lhes levanta as cabeças entorpecidas, a brisa desistiu e prefere, ditosa, entreter-se chocalhando as cerejeiras. A terra explode de cores, ninguém viu passar o cortejo de Dionísio no seu carro de flores. 8

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Helena Barbagelata (Lisboa, Portugal, 1991). Licenciada em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Nova de Lisboa e Pós-graduada em Línguas, Literaturas e Culturas. Desenvolveu estudos de investigação em Língua, Pensamento e Cultura Helénica na Universidade Nacional e Capodistriana de Atenas. Vencedora do “Prémio Poesia e Ficção” (Edição de 2012), com a obra “O Mar de Todos os Deuses”. Publicou a obra Soliloquia (Apenas-Livros, 2013). 1


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LETTERATURA ITALIANA

RACCONTO

Per una latinità plurale

DAL SALICE Daniela Balestrero ALL’INFINITO da

Tutto doveva essere perfetto: la sua poltrona, di fronte alla finestra aperta, quanto bastava per vedere il suo salice, la distesa di prati e i campi di grano. Seduto con il blocco-notes in mano e un lapis blu. Gli piaceva usare un notes per scrivere i suoi racconti, li piaceva sfogliarli velocemente, come si fa con i disegni dei cartoni animati. “Diventano vive, veloci, pare si animino” diceva. Come i suoi pensieri. Scriveva sempre in matita come se dovesse cancellare quello che non gli piaceva. Solo, se avesse potuto sottolineare con un lapis rosso le cose belle, i pensieri sereni, i sentimenti dolci e volassero in alto, nel cielo come palloncini e scoppiassero come fuochi d’artificio silenziosi e colorati. E si potessero cancellare sofferenze e ricordi … con una gomma qualsiasi. Le mani un po’ tremanti e sudaticce trattenevano il foglio bianco; che bianco sarebbe rimasto per poco. All’orizzonte, oltre il salice, c’erano per lui luoghi conosciuti, che descriveva nei minimi dettagli, nei particolari più inquietanti, nelle anime dei protagonisti. Mai visti prima e mai incontrati, cuori che piangevano sentimenti e anime erranti che raccontavano le loro storie. E lui scriveva. Scriveva. La mano sempre più ferma, calma e decisa, come sotto dettatura, con dovizia di dettagli, colline, case, vicoli, nulla gli sfuggiva o gli era sconosciuto. Ne aveva fatti così tanti di viaggi nella sua vita, che ora li poteva descrivere uno ad uno, dalla sua poltrona dinnanzi al salice. Ricordava profumi, colori, ed il passato si srotolava davanti ai suoi occhi come una vecchia pergamena. Limpida, pulita, essenziale, come i suoi viaggi. Come le parole che riempivano fogli e fogli, senza sbavature, senza cancellature. Con un lapis blu. Aveva visitato mille luoghi, visto mille volti, conosciuto uomini, donne , bambini. Camminato fra montagne e spiagge, prati e radure, boschi e deserti, città e vallate. Si era abituato ad annusare odori di qualsiasi genere, di locali bui e umidi, di profumi ed essenze, spezie, piante, fiori e serre. Ma nulla era simile a ciò che le sue narici percepivano ora, alle sensazioni che stava provando in quel momento. Un aroma particolare, indecifrabile persino per lui, un miscuglio di rose e viole. Selvaggio e delicato. Persistente e leggero.

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Inebriante. Prendeva forma intorno a lui, come argilla tra le mani di un vasaio. Le mani tremavano un po’, il lapis gli scivolava tra le dita e il fluire delle parole si blocca a metà del foglio: per pensare, per setacciare i ricordi, con lentezza minuziosa, alla spasmodica ricerca dell’origine di quell’aroma che aveva invaso la sua anima. I suoi 40 anni, troppi per il corpo, pochi per il cuore, li rendevano la generosità dei suoi racconti, all’ombra dell’albero che gli aveva regalato la pace. “La mia solitudine è viva” diceva. E le sue storie erano vive, come se “ci stessi dentro”. Aldo riprese il lapis fra le dita, non c’era nulla da cancellare, ma ancora tanto, tanto da scrivere. Quel profumo apparteneva sicuramente ad una donna, ne era certo, ma ne aveva incontrate così tante! L’aroma invadeva la stanza, arrivava al salice, o forse era il contrario… Una sagoma prendeva forma nella sua mente, a farla sua, ad amarla e viverla intensamente. Come fosse vera. Come esistesse già. Quella donna che aveva cercato inconsciamente in tutti quei viaggi, ma che non aveva trovato. Non ancora, almeno. Era la prima storia che non riusciva a raccontare, apparteneva a lui, ma non era capace a descriverla, a vedere il suo volto. Tutto questo lo inquietava e lo eccitava, lui: il famoso Aldo si trovava a disagio di fronte ad un “profumo”, al punto da non essere più concentrato come una volta. La sua mente si offuscava, e non se lo poteva permettere, non lo voleva permettere. Chi era costei che minava una parte della sua vita? Il suo amato lavoro, la sua passione di sempre? Quando si trattava di sé stesso, i dettagli si mischiavano, il dolore e la gioia non erano più così nitidi e separabili. Raccontava le storie degli altri, in tutti i suoi dettagli, ma di lui si sapeva ben poco. Lui era gli “occhi degli altri”, ma la sua curiosità era diventata un’esigenza; quella era la “sua” storia e non un viaggio qualunque, in un punto qualsiasi del mondo. Alzò gli occhi, il salice era là, ombroso amico di sempre. Doveva raggiungerlo, sedersi sotto i suoi rami, ed aspettare. Assaporare quel profumo ed aspettare. Uscì, lentamente camminò tra i prati dall’erba verde, tra le prime spighe di grano, fino ad arrivare al salice ed appoggiarsi al tronco. Ora, era lui, la storia, e non la sapeva scrivere, non la poteva ancora scrivere. Tornò al suo notes e al lapis blu, a raccontare i viaggi di sempre, ispirato dall’amore di un profumo di rose e viole. Era il tramonto, che colori stupendi! Amava il tramonto: lo considerava il riassunto di tutta una giornata e poteva offrire ancora, la magia della notte. Non era riuscito, quel giorno, a fare la sua passeggiata fino al salice e li lanciò un rapido sguardo tra i raggi stanchi della sera. Un’ombra era appoggiata al tronco, una sagoma nuova, in quello che era il suo posto. Lunghi capelli scuri, scivolavano su un leggero abito a fiori. “Rose e viole…” Pensò in un attimo, lanciando in fretta sulla poltrona lapis e notes. Non vedeva ancora il suo viso, ma sentiva il suo profumo. “Ora potrò scrivere la mia storia con il lapis rosso..” pensò, prima di correre verso il salice.

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Daniela Balestrero (Torino, Itália, 1960). Membro del Comitato editoriale della Rivista Philos. Dal 2015 collabora con un giornale locale web scrivendo articoli di spettacolo e attualità. Alcuni dei suoi scritti si possono trovare anche su il Blog di Ramingo.it. 1



LITERATURA LUSÓFONA

COLUNAS

Rotas da lusofonia

UMA CERTA OBSESSÃO PELO AZUL por

Magda Fernades e José Domingos 1

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Descemos o caminho estreito, de terra, sós, o silêncio quebrado pelo estalar das folhas secas ou pelo resvalar das pedras do chão. O vento traz o canto dos pássaros e a sombra é castanha, ocre, verde e dourada. No fim do caminho abre-se repentinamente em esplendor a albufeira da barragem. As minúsculas ondas embalando os nossos passos… De baixo para cima o mundo perde a sua dimensão terrena, telúrica, e abre-se imenso num azul que invade os nossos pulmões e nos remete ao silêncio: água e céu, e isso é tudo! Passamos da terra que cobre as mãos e cheira a húmus e a musgo para uma cor fugidia, que não tem superfície real, só se deixa reter pelo olhar. Quando nos aproximamos dela, desaparece em transparência, ou então está demasiado longe para se deixar tocar. De onde vem esta certa obsessão pelo azul? Que faz os nossos corpos se expandirem para lá dos seus limites. Fechamos os olhos e olhamos para dentro, e tudo é azul! Como as águas do rio engoliram pontes, terras, moinhos, também nós sentimos uma compulsão para submeter as nossas imagens ao monocromo azul. Imprimimos sobre folhas de papel: pedras, árvores, folhas, troncos… mas conferimos-lhes a qualidade fugaz do azul da água, da transcendência do céu. O azul aparece ironicamente (poeticamente?) quando a imagem impressa é mergulhada na água. O papel fica mole e move-se submerso como uma alga para depois emergir em todo o seu frio esplendor. Gostamos dessa operação de submeter todas as coisas a esse objetivo último – fixando afinal o imaterial azul na superfície, dando-lhe a qualidade tangível das coisas representadas, mas atribuindo-lhe simultaneamente algo de etéreo, fugidio ou infinito.

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“Eu lego aos meus amigos Um azul cerúleo para voar alto. Um azul cobalto para a felicidade. Um azul ultramarino para estimular o espírito. […]” in Testamento, Maria Helena Vieira da Silva.

1Magda

Fernandes (Porto, Portugal, 1981) e 2 José Domingos (Paris, França, 1974). Colunistas da Philos e fundadores da Imagerie, Casa de Imagens, criada em Lisboa.



LITERATURA BRASILEIRA Rotas da lusofonia

COMO DE COSTUME por

Marcia Dallari1

Na manhã em que Rodrigo ficou sabendo que o seu pai havia morrido, foi trabalhar. Antes, tomou, como de costume, um banho de quatro minutos e meio, meia xícara de café e comeu uma torrada com manteiga. Vestiu calça e camisa e apertou-se no último vagão do metrô. Usou a desculpa de ter de trabalhar para a mãe não lhe cobrar a viagem para o enterro. Achava que não valia a pena percorrer 380 quilômetros para verbalizar 20 anos de silêncio no ouvido de um morto. Manteria todos eles aprisionados entre os nós das suas cordas vocais torcendo para não se materializarem em redondos pedaços de carne cabeludos e com dentes que consumiriam, de vez, a sua capacidade falar. Sentado em sua estação de trabalho, passou o dia mudo. Como de costume. Perdido nos pensamentos que lhe infestavam a cabeça numa velocidade maior do que a boca conseguia expô-los aos colegas. Ao final do expediente, apertou-se no último vagão do metrô e voltou para casa. Como de costume, esquentou a porção de escondidinho de frango no micro-ondas e dormiu assistindo televisão. Naquela noite, seu sono foi velado por um documentário sobre os rituais mais antigos das tribos da América Latina, do canal National Geographic. Na manhã seguinte à morte do pai, Rodrigo acordou e, como de costume, banhou-se, comeu, vestiu-se e foi trabalhar. Na distância de um quarteirão que percorria a caminho do metrô, foi abordado por uma mulher pedindo orientações sobre o caminho a tomar. – Moço, bom dia! Você pode me dizer como chegar na Praça da Luz? – Rodrigo abriu a boca, mas nenhum som saiu. Pigarreou uma, duas vezes e nada. Com a mulher esperando uma resposta, respirou fundo e forçou a expulsão de uma palavra. No lugar, um grunhido tímido ressoou na rua. Tapou a boca com as duas mãos. Tentou falar novamente. Outro grunhido, dessa vez um pouco mais alto. Furiosa, a mulher andou em direção contrária a ele, resmungando: — Nesta cidade só tem louco mesmo! O coração de Rodrigo batia vertiginosamente. O que estaria acontecendo? Por que não conseguia falar? Parou no boteco da esquina e tentou pedir água. Grunhido. Apontou para a água do outro lado do balcão. Após beber o líquido insípido, perguntou quanto tinha de pagar. No lugar das palavras, grunhido. Voltou apressado para casa; as duas voltas de chave necessárias para abrir a porta, como de costume, o irritou. Foi até o banheiro e abriu a boca para avaliar a garganta e as cordas vocais. Não avistou nada de anormal. Não sentia dor alguma, estava bem. Comeu um pão com manteiga para amaciar a garganta. Grunhido. Tomou um chá quente para aquecer as cordas vocais. Grunhido. Procurou na internet sintomas de mudez temporária, mas nada achou sobre grunhidos. Não estava mudo, apenas os sons das suas palavras estavam todos misturados. Falava, mas era como se as sílabas pronunciadas se fundissem no ar e se transformassem em um único ruído. Achou melhor ficar em casa e descansar, devia ser um mal-estar passageiro. Mandou um e-mail para a chefe, justificando a ausência em razão de um destempero intestinal, e ficou mudo em sua casa, preso aos pró-

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CONTOS


prios pensamentos, como de costume. No dia seguinte à semimudez adquirida, Rodrigo tentou falar. Grunhido. Inquieto, vestiu-se e foi ao pronto atendimento do hospital que frequentava há dez anos. O médico de plantão o examinou: “É estresse” – disse ele. Medicou um calmante mais forte e assinou um atestado de cinco dias de afastamento do trabalho. De volta para casa, Rodrigo tomou o calmante e ligou a televisão. Estava sendo reprisado o documentário sobre os rituais mais antigos das tribos da América Latina. Entorpecido pelo efeito do remédio, assistiu a uma curandeira colombiana fazendo pequenos cortes na garganta de uma menina como intervenção para afastá-la do silêncio. A cada corte feito, a curandeira cantarolava ritmos indígenas. Close no rosto da menina para mostrar as lágrimas caindo. Close nas mãos em garra do pai segurando os magros bracinhos da garota. Close no rosto do pai de Rodrigo. Close na garganta de Rodrigo sendo cortada pelo seu pai. Close do sangue escorrendo da garganta aberta de Rodrigo. Boiando no espesso rio vermelho que se formava, pequenas bolas do tamanho de almôndegas gritavam ofensas ao homem com a lâmina empunhada: – Você é um bêbado escroto! – Machista e misógino! – Ignorante! – Sempre tive vergonha de você! – Você acabou com minha vida! – Eu odeio você. Odeio! Depois que todas as bolotas ofensoras foram expelidas e dissolvidas no tecido da roupa de Rodrigo, o pai, munido de agulha e linha, costurou, com a habilidade de um cirurgião, o corte feito de orelha a orelha no pescoço do filho. Quando terminou, beijou carinhosamente a face de Rodrigo e saiu da sala sem dizer uma palavra, como de costume.

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Marcia Dallari (São Paulo, 1980). Nascida no interior de São Paulo, mas mora na capital há 18 anos. É consultora de educação corporativa durante o dia e escritora à noite e aos fins de semana. Já publicou em revistas literárias e é autora do livro de contos “Romanxorcism o – 12 contos de amor, sexo e dor de cotovelo” que será lançado em maio pela editora Penalux. 1



LITERATURA BRASILEIRA Rotas da lusofonia

NINGUÉM CONHECE O BRASIL SEM ANTES IR A PORTUGAL por

Helder Paraná do Coutto1

O outro lado da sua alma. A identidade de nomes, pessoas e lugares, os traços humanos, comuns e originários, as desmedidas propensões fraternais e culturais, os hábitos alimentares e sociais, as manias, as vaidades, os orgulhos, as presunções, as medidas e as desproporções, as lógicas, superstições e místicas. As idiossincrasias, as pretensões, as crendices, o folclore, e… sobretudo a fé. Brasil é Portugal em tudo! De tudo que resultou nesta grande nação, cujo traço marcante de sua identidade original é lusitano, de bom e de mau, de miséria e grandeza, tem como vibrante presença ainda hoje, passados 125 anos que não temos um Bragança a nos governar, ou seja, que a mão portuguesa retirou-se definitiva e ostensivamente do Brasil, e que o Brasil passou a ser outra coisa, em sendo a mesma Portugal! Os mesmos nomes de pessoas e lugares para pessoas e lugares tão diferentes: Óbidos a pequena vila medieval amuralhada da zona oeste junto das Caldas em Portugal, e a cidadezinha paraense, com feições do XIX, no meio da selva amazônica, à beira do rio Amazonas, tendo do outro lado Santarém na confluência com o Tapajós. Santarém, que em Portugal é a capital do distrito do mesmo nome à beira do Tejo, exceto as margens que estão trocadas entre a Santarém do Tejo e a do Amazonas, direita e esquerda respectivamente. Tendo a mesma perspectiva de uma cidade/porto num grande rio, também fez a opção pelo nome. Não tendo sido moura por 432 anos como sua homônima portuguesa, a Santarém amazônica, sem lezírias, desempenha o mesmo papel de porto de grande rio, como a Santa Iria de outrora num Tejo primitivo. Há também os nomes de pessoas que são de lugares, nomes que servem para apelidarem os Catanhedes, os Gouveias, os Lisboas, os Paivas, que há tanto num como noutro país. São exemplos de uma lista bem grande que não cabe no âmbito de um artigo. As mesmas peles trigueiras ou brancas, as mesmas bundas enormes nas mulheres para gosto e gáudio de seus homens, os mesmos rostos bonitos de homens e mulheres com seus traços característicos, tanto nos louros como nos morenos, tanto nos celtas como nos mouros, tanto nos tipos de um país como nos do outro, vamos encontrar identidades de jeitos e trejeitos, de queixos e narizes, de braços e bigodes, de gente que se funde e se confunde, de gente que se busca e se perde nesse encontro. O branco português, que no Brasil tem um espectro mais alargado, assim como o moreno, incluindo aí muito mulato, tem uma origem muito antiga, e que pelo seu caráter maleável, se fizermos uma pesquisa, vamos encontrar seu gen(e) em toda a gente no Brasil, inclusive em muitos contados como negros, e o contrário também é verdade. Só

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CONTOS


mesmo dizendo como Caymmi, na sua “São Salvador”, que esta é a terra do branco mulato, o que é visível, ou como podemos também comprovar invisível e geneticamente, o Brasil é a terra do negro-branco; não o vemos, mas está lá, e não atende nenhum telefone. Colorações e genética à parte, temos este maravilhoso ‘melting pot’ que se chama Brasil. Mas não se enganem, vão a Alcácer do Sal do outro lado do Tejo, quase em frente a Lisboa, e façam uma pesquisa, e verão quanto branco-negro está ali também, numa população pequena de treze mil almas. A afabilidade lusitana e o gosto pela cama fizeram a mais prodigiosa miscigenação, raiz da ausência de ódios ‘raciais’ no Brasil. Lei Afonso Arinos à parte, o branco português ou

a branca portuguesa queriam era se deitar com os negros e negras lindas que pudessem, inzoneiros ou não, bendito instinto que nos deu este Brasil brasileiro. As mesmas bases alimentares introduzidas aqui e acolá, importadas por ambos os lados atlânticos, em sentidos opostos, com imensos desdobramentos, resultando em estupenda culinária nos dois países. No Brasil, guardando as bases da cozinha mediterrânica incorporada e modificada até não mais poder; e, em Portugal, importando produtos d’além-mar, sem os quais já não podiam passar no dia a dia, africanizando ou abrasileirando uma culinária tão estruturada, eventualmente aqui e ali e ali e aqui. Gostos à parte, ambas as culinárias estão no ‘top 5’ mundial! O que quer dizer que juntos temos 40%, ou quase metade da excelência gustativa à mesa. Porém, o mais curioso de tudo é a lógica, muita vez ilógica, comum às duas nações. Seu jeito autoritário, seus nacionalismos acendrados e regionalismos exacerbados, suas presunções, seu fatalismo e sua crença desmedida, fé, paradigma de esperança, ou, como queria o Vianinha ao brasileiro, sua profissão, podem incluir aí, sem receios, o português. Vaidades e superstições à parte, temos um folclore de alma comum, e manifestações ainda que tão diferentes, tão iguais. Desde o círio da Nazaré até à procissão das velas em Fátima, e desde as cavalhadas

em Vildemoinhos (Vizeu) Monte Real, Azeitão, Ferreira-a-Nova, Ançã ou na Pocariça em Catanhede, como em Pirenópolis, Poconé, Corumbá de Goiás, Guarupava ou Vacaria, são a mesma festa, a mesma fantasia. Imenso Portugal como diria o Chico, não o rio que integra e une o país gigante, mas o Buarque de Holanda, de sobrenome tão ilustre, que de Holanda não tem nada, apesar de também ‘pernambucano’ e são tão como o rio, nos dois sentidos. Encontro a mesma fé na Nazaré paulista, paraense, baiana ou portuguesa, com mais ou menos farinhas, com que Fernando Cabral Ataíde, natural da antiga capital algarvia de Silves, nunca sonhara quando atravessou o Jaguaribe, certamente seu Rubicão, fundando aquela que iria ser terra morena como a Grândola de seu Alentejo. Fé de fazer, fé de querer, fé de ser, a fé que nos une e nos iguala, e que, também, como o imenso mar “entre nós dois a nos unir e separar”, pois nos separa com suas variantes dicotômicas óbvias, mas é a mesma, a da Nossa Senhora da Nazaré, ou doutra, de qualquer outra de suas muitas denominações, comuns ou não, aparecidas nos dois países pela força da contingência de crer, crer fortemente. No falar lusitano, crer é um querer apocopado, já que sempre algo se quer quando se acredita. Esta mística de cruzes e destinos que nos inaugura e conflagra, bem como nos iguala, a ambos, e que nenhum dos lados se conhece bem sem conhecer o outro, sem se ver e se encontrar no outro, não só na magia do encontro, esta arte da vida como queria Vinicius, mas na magia de todas as magias, que é ser não sendo, e não ser sendo, num abraço de almas e desejos. Por isso, na mesma medida que o sentir português se amplia, renova e define ao conhecer o Brasil, podendo-se mesmo dizer que não será total e pleno enquanto não se revê em sua maior obr a, o Brasil, já que a obra maior dos portugueses é o

Brasil certamente, maior e inigualável obra, pode-se então afirmar, ao mesmo tempo, que ninguém verdadeiramente conhece Portugal, sem ir ao Brasil, bem como NINGUÉM CONHECE O BRASIL, SEM IR A PORTUGAL!

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Hélder Paraná do Coutto (Niterói, Rio de Janeiro, 1956). Biólogo, pesquisador, poeta, cronista, teatrólogo, escritor, historiador, colecionador, antiquário, jornalista, guerrilheiro, político, sociólogo, combatente. 1



LITERATURA BRASILEIRA

CONTOS

Rotas da lusofonia

A HISTÓRIA DE ALFREDO K. OU UM SONHO PARA VINÍCIUS DE MORAES Márcio Cruzeiro E KAFKA por

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Alfredo K. tinha setenta anos e, embora não aparentasse um envelhecimento acentuado, seu semblante era triste e suas rugas virtualmente mais profundas do que, em si mesmas, eram capazes de demonstrar. Há vinte anos, o velho trabalhava como porteiro em um edifício residencial no centro da cidade. Era um desses prédios antigos, com apartamentos amplos, ocupados em sua maioria por idosos, que lá moravam desde o início dos tempos, e estudantes que dividiam o aluguel em três ou quatro partes. K. era um homem cansado, não do trabalho, mas da vida, pela qual passara até então, praticamente só. Saíra da casa dos pais, na zona rural de um interior qualquer, com dezesseis anos, em busca de “melhorar de vida”. Algo que nunca veio. Trabalhou sempre em atividades braçais parcamente remuneradas, o que fora bastante apenas para manter a máquina com a força necessária para suportar o dia a dia, garantir o aluguel de um pequeno barraco na região periférica da cidade e poupar uns trocados para o sonho de ter sua própria casa. Desde que se entendera por gente, ou nem tanto assim, se esfalfava na roça do pai e depois, já na cidade, na construção civil, em feiras, como montador de barracas, até que conheceu, por acaso, um professor aposentado, síndico, que precisava de um funcionário para a portaria de seu prédio. E assim se passaram os últimos vinte anos. Ao longo do tempo, K. assumiu também a função de zelador. Eram pouco mais de trinta apartamentos e ele realizava pequenos reparos e auxiliava na limpeza. Não recebia mais por isso. Às vezes, quando fazia um pequeno serviço particular para um morador, ganhava uma gorjeta que logo depositava em sua conta poupança, alimentada há quase cinquenta anos. Queria um teto próprio, “terminar os dias no que era seu”, pensava. K. trabalhava de segunda a sábado e, aos domingos, visitava o único amigo que fizera no decorrer de sete décadas, com o qual jogava dominó nas tardes domingueiras e tomava uma pinga de engenho que lhe trazia a memória da fazenda, não necessariamente uma lembrança alegre, senão um tanto sofrida, de uma vida muito exigente para um menino de cinco anos que já era obrigado a desempenhar tarefas pesadas, mesmo para os adultos. Apesar disso, não era amargo. Apenas triste, pois concluíra, do alto de sua modesta sabedoria de semialfabetizado, que a

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existência humana era apenas um curso de dor, raramente entremeado de prazer e alegria. Após as intermináveis partidas de dominó, que os dois velhos faziam questão de manter mais longas até que suas próprias vidas, por serem aqueles raros momentos de felicidade que entrecortavam seus respectivos “vales de lágrimas”, que nunca brotavam para mitigar a tristeza, K. caminhava de volta para casa com um meio sorriso nos lábios, até abrir a porta de seu barraco sombrio e inóspito, e o coração enregelar novamente. Então se deitava em profundo silêncio interior, como a desejar que essa paz meio sepulcral nunca terminasse. Em seus sonhos, K. sempre via uma mulher, a única que conhecera. Lúcia! Negra e indescritível! Fugiu por entre os dedos do improvável K. Era pragmática, amava, mas não queria um “não-futuro”. Só muitos anos depois, K. foi capaz de entender aquela preta que não queria um resto de vida miserável. Hoje ele não somente a compreende, a perdoa, mas agradece ao destino por tê-la afastado dele. Seriam dois ou mais a dividir uma vida desnecessária. Amou Lúcia com desespero e paixão. Tinha então vinte e poucos anos. Depois disso, secou. Mas ainda sonha com suas pernas semicerradas a convidá-lo ao inferno. Desperta e, no telhado daquele barraco miserável, dois olhos negros o vigiam. Todos os dias. Nunca mais viu Lúcia. São mais de quarenta anos, e aquela mulher sobrevive ao tempo, à tristeza e à dor de um homem que talvez ainda viva apenas para sonhá-la. Mas só a sonha dormindo, nunca se lembra dela quando vaga pela terra dos semivivos. Lúcia! Muitas vezes a saudade o convidava à morte, mas era apenas por um instante, quando acordava e via aqueles olhos nas telhas empoeiradas do barraco. Até hoje continua sendo injusto com Lúcia. Projeta sua imagem num maldito barraco alquebrado. Além das partidas de dominó aos domingos, ao lado do amigo Antônio, e dos sonhos com Lúcia, a única sensação diferente de nada que K. tinha era a convivência com seu gato Tonico. Rajado, com as bolas salientes, uns dez anos, e uma aparência muito saudável. Embora saísse, às vezes, em busca de um rabo de gata, nunca ficava mais de dois dias fora de casa. Dormia dentro do barraco, aos pés da cama. K. podia dizer que amava Tonico e sabia que o gato o compreendia. A saúde de K. era boa, não obstante a alimentação sempre frugal. Há trinta anos não bebia, exceto nas tardes de domingo durante as partidas de dominó, e nunca fumou. Não frequentava médicos e dificilmente adoecia. A última vez que esteve em um hospital, foi há uns quinze anos, quando teve um cálculo renal. Expeliu aquele pequeno meteoro depois de três dias sangrando. Há alguns dias, no intervalo para o almoço, foi até o banco verificar o saldo de sua conta. Tinha quarenta mil reais, economia de quase cinco décadas. Decidiu então que já era tempo de jogar mais dominó, ficar mais tempo com Tonico e, quem sabe, sonhar mais com Lúcia. Soube então de uma pequena casa, no bairro onde morava, à venda por sessenta mil. Fez as contas e concluiu que, com o saldo do FGTS mais suas economias, conseguiria pagar a casa à vista e ainda sobraria algum para comprar uma cama nova, mais espaçosa e confortável para o velho Tonico. K. decidiu se aposentar. Comunicou o Dr. Miguel, síndico do prédio, e pediu um dia de folga para ir a uma agência do INSS. Juntou a papelada que tinha bem guardada num saquinho plástico. Declarações, certidões e a carteira de trabalho dos últimos 15 anos, pois perdera a antiga. Organizou tudo em um domingo após voltar do dominó e, na segunda, saiu de casa com um ânimo que não o possuía desde as longínquas noites por entre as coxas de Lúcia. Chegou ao INSS, pegou uma senha e aguardou cerca de uma hora até chegar sua vez. Foi atendido por um homem de barbas brancas, com semblante intimidador, incapaz de um bom dia!, ou sequer de um meio sorriso de canto de lábios. K. explicou que desejava se aposentar e apresentou os papéis. O homem de barbas nervosas conferiu tudo antes de falar: “seus documentos estão incompletos. A certidão de tempo de serviço que 22

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substitui sua carteira está com a data do carimbo rasurada e o senhor terá que tirar uma nova”. K. quis saber como e onde fazer isso e as barbas responderam-lhe que não era naquela agência, mas em outra do lado oposto da cidade. Como tinha o dia de folga e ainda eram onze horas, encaminhou-se para o endereço indicado. Chegou por volta de meio dia e meia, pegou uma senha, e teve de esperar os funcionários retornarem do almoço para começarem a atender os que haviam chegado antes dele. K. foi atendido às quinze horas. Estava sem almoço, mas muito ansioso para pensar em se alimentar. Dessa vez, o atendimento foi prestado por uma senhora. Cabelos bem pintados e escovados, maquiagem forte, óculos na ponta do nariz. E a mesma indiferença. Analisou os papéis de K. e disse-lhe que não era possível emitir outra certidão. Ele teria de procurar as empresas onde trabalhara, cujos registros foram perdidos com a carteira de trabalho antiga, para que elas atestassem o vínculo empregatício, o tempo de trabalho e o recolhimento das contribuições à previdência. Nesse instante, K. sentiu um vazio no estômago, mas pensou que era fome. Saiu sem rumo pela rua e parou em um bar com a intenção de beber uma cachaça. Sentou-se ao balcão, mas não teve coragem. Pediu apenas água. Já era noite quando K. chegou em casa. Alimentou Tonico, que esperava, como sempre, sobre a única mesa encostada na parede. Deitou-se em sua cama e, pela primeira vez, em anos, quis pensar em Lúcia. Queria que ela estivesse ali para consolá-lo, queria aninhar-se entre suas coxas duras e ouvi-la dizer o quanto o amava. Sentiu náuseas e vontade de chorar, mas estava seco, desde que Lúcia se fora. Olhou para Tonico que parou de comer e retribuiu o olhar. Teve a impressão de que eram, aqueles olhos felinos, os olhos de Lúcia. Teria ela se transformado em anjo, ou demônio, e enviado Tonico para protegê-lo? K. estava cansado. Agora, além do cansaço da vida, sentia também uma imensa fadiga física. Tinha setenta anos e não comera durante o dia todo. Em boa forma, é verdade, mas eram setenta, dos quais, quarenta vividos sem nenhuma esperança, sem Lúcia. Somente o amigo Antônio, o dominó e Tonico o ligavam ao mundo agora. Adormeceu e acordou já de madrugada. Saiu do barraco, tomou um banho frio no chuveiro que ficava do lado de fora, comeu um pão do domingo com leite e café, alimentou Tonico e foi-se para o trabalho. Ao final do dia, conversou novamente com o Sr. Miguel e explicou a situação. O síndico não lhe deu grandes esperanças, pois muitas das empresas onde trabalhara poderiam ter fechado e então a alternativa seria a via judicial, o que, com certeza, levaria anos para se resolver. Mesmo assim, o velho K. pediu mais um dia de folga para tentar solucionar o problema. O patrão, sem disfarçar a contrariedade, permitiu-lhe mais esse desvio de conduta. K. levantou-se no dia seguinte antes do amanhecer, alimentou Tonico, comeu, como sempre, o pão amanhecido e tomou o café com leite, e saiu em sua peregrinação, em busca da última esperança, de sua aposentadoria, de sua casinha e dos últimos anos a dormir com Tonico, a sonhar com Lúcia e a jogar dominó com o amigo Antônio. Lembrou-se da primeira empresa em que trabalhara quando chegara à cidade. Foi até o local, mas havia apenas um grande terreno murado com uma placa que anunciava a construção de um condomínio horizontal de luxo. Encaminhou-se para o outro endereço que trazia bem guardado na memória, pois foi onde conheceu Lúcia. Ela trabalhava na casa do proprietário da firma. Ao chegar, deparou-se com um moderno edifício comercial, com janelas em vidro espelhado, e não havia sinais da antiga empresa. K. sentiu, pela primeira vez, em anos, que seus laços com a vida não eram suficientes para mantê-lo a respirar, mas recobrou as forças e voltou para casa. Não fazia uma refeição completa há dois dias, e não teve fome. No dia seguinte, K. não conseguiu se levantar antes de o sol raiar, como de costume. 23

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Despertou com Tonico à sua frente, quieto, entre o dever de velá-lo e a necessidade de comer. Saiu da cama, alimentou o gato e não comeu o pão de ontem com leite e café. Chegou ao trabalho meia hora atrasado, e o síndico já o aguardava na portaria com outra pessoa. O Dr. Miguel apresentou-lhe Alexandre, um rapaz de uns trinta anos, que iria ajudá-lo na portaria. Trinta dias depois, o patrão chamou o velho K. e explicou-lhe que ele precisava descansar. Demitiu-o naquele instante. Foi indenizado no aviso-prévio e nos quarenta por cento do FGTS. Feito o acerto, depositou a quantia no banco e tirou um extrato. Tinha sessenta e oito mil reais. Eram suficientes para comprar a casa e ainda lhe sobrariam oito mil para alguns móveis novos. Porém, não tinha mais trabalho e não conseguiria se aposentar. Antes de deixar o banco, falou com o gerente e programou o saque de toda a quantia para daí a três dias. Após a retirada do dinheiro, procurou o amigo Antônio, entregou-lhe um pacote, sem esclarecer o conteúdo, e pediu-lhe que abrisse somente após três dias. Era terça-feira e ainda faltavam cinco dias para o dominó. Nessa noite K. não alimentou Tonico dentro de casa. Colocou-o para fora e pôs ração suficiente para dois dias. Antes de deitar-se, K. olhou para o teto e viu, pela última vez, os olhos de Lúcia. Dois dias depois, foi encontrado por vizinhos, morto por intoxicação com gás de cozinha. Ao seu lado, estava o belo gato rajado, com a pata sobre o rosto do dono. Avisaram Antônio, que providenciou o enterro do velho K. Após o sepultamento, o amigo voltou para casa e abriu o pacote. Havia sessenta e oito mil reais e um bilhete, escrito em um papel de embrulho, que dizia: “Estou cansado, amigo!” Assinado – Alfredo K.

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Márcio Antônio Cruzeiro (Piracanjuba, 1964). Funcionário público, historiador, contista e cronista. 1



LITERATURA LUSÓFONA Rotas da lusofonia

RAPSÓDIA MATINAL por

Ilda Pinto de Almeida1

Eu estava sentada no Café Central, quando a Terezinha entrou cambaleante, com um sorriso nos lábios e disse: “É triste ser velho”! Pediu um café, uma torrada e vagarosamente sentou-se à pequena mesa redonda. Há alguns anos, ela teve um AVC que a deixou ligeiramente incapacitada na fala e nos movimentos. Agora come e se expressa com alguma dificuldade. Com a boca meio apertada e dentes gastos, lá vai ela serrando o pão devagar. Em ato repetitivo, suas mãos trémulas levam a chávena do café e depois a torrada à boca. De vez em quando, deixa escorregarem as migalhas esfareladas, por entre os seus dedos. Ela é uma senhora bonita, elegante, uma bela dama lá na sua Vila Natal. Na trepidez das palavras de sua língua dobrada, reza frases numa conversa sem fé. Em um rosário de alegres feitos, conta histórias heroicas que sua memória de elefante recorda e fala de cenários vividos com a família que tanto quer: filhos e netos regados em prodígios sem igual. Mas suas palavras tardam em sair da garganta e os sons, por vezes, vêm misturados nos farelos do pão que teimam em não passar pela goela. São tantas as Terezinhas que entram neste lugar e noutros parecidos… Ante meus olhos arregalados, os meus neurónios se põem a pensar: “porque temos de ficar velhos?!” São os idosos deste século que os filhos não querem cuidar. São aqueles que eles metem no lar e se recusam a amar. Mas, ao contrário, essa senhora vive na sua casa, perto da família, e ainda conta com a amizade e o carinho dos moradores que a conhecem. Eles a respeitam e a amam desde sempre. Esticam sempre a suas vontades para que ela possa se sentir cômoda em sua caminhada desajeitada até ao Café. Agora entra a Diolinda, que me desperta de toda aquela minha babilônia de espírito, apregoando: “é difícil ser feliz com toda a emaranhada que há no mundo”. O governo está virado ao contrário; os pobres cada vez são mais, e os ricos ficam mais ricos a cada dia. Os impostos não contribuem para o sossego; e a felicidade a vemos indo por um canudo sem fim à vista. E agora com os americanos ficando malucos? Votam em um homem sem sentido! Que será de nós neste cantinho? Num abrir e fechar de olhos, ouço o “pilreto” do Joãozinho que corre com os bofes esgazeados e grita para a sua mãe: “mamã…mamã…é muito custoso ser bom todo o dia”. Eu fiquei como que meio parva; deu-me a sensação de até o meu cérebro ter dado um nó com aquela alvoraçada, perguntando-me qual seria o senhor americano que iria governar o país europeu; e que diabo se passava com o garoto?! Os minutos iam andando nos ponteiros do relógio. Nisso, entra a senhora fulana de tal, esposa do senhor doutor que, por momentos, eu penso ser ela a senhora doutora, pela maneira como se apresenta, – dizem que é por ser a esposa do tal doutor -. A fulana de tal age como se fosse ela a doutora; afinal, o marido não é doutor, mas um licenciado. Porém, na pequena vila, é doutor.

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CONTOS


De repente, fiquei com a minha mioleira apanhada do tempo que decorria no meio daquela parolice de grandeza e incômodo da vida. Recordei as palavras do meu primo – esse sim é médico – que vive na cidade, me dizendo que prestasse atenção, pois iria encontrar muitos doutores. Disse essas palavras em tom de pirataria, e repetiu com graça: “eu cá não sou doutor, sou médico, os doutores são os outros”. Eu sou sempre a diferente no seio do estabelecimento. Sou a não adaptada ao meio ambiente. Visto roupas diferentes e tenho uma forma distinta de estar entre eles, em uma terra que geme. Eles se afogam em um soberbo gole de café Delta, achando que sabem tudo, e até da política que há na casa dos outros, quando eles mesmos não percebem o que há na casa deles. Achei por bem não entrar nesse diálogo, e tomei o meu carioca de limão que tantas saudades me dava. Fiquei de boca fechada e sorriso lavado, dando a entender que não havia percebido nada, e, na verdade, foi mesmo isso que entendi… nada! até porque já tivera um desagradável momento com uma conhecida de escola, que até de racista quase me chamou. Eu teria de saber que a intrusa era eu; agia, me vestia diferente, e até tinha um sotaque estrangeirado. São esses os cultos da nação, que tudo sabem e nada fazem. Afogam as suas fúrias governamentais e políticas num gole de café e numa conversa de conteúdo de insatisfações e espírito de lamentação. Fazem-no porque faz sol ou não faz sol, por chover ou não chover. Porque vai a pé ou vai de carro, porque é Socratas ou é Passos. É o velho descontentamento, sem falta de coragem para agarrar o comboio que não para à espera que decidam subir. Entretanto, o Café fica apertado com os visitantes da terceira idade que chegam de autocarro para uma visita relâmpago à vila, e param para comprar a doçaria convencional da localidade. E, no meio dessa invasão, perdeste-me toda a imaginação teatral de uma bela peça à moda de D. Amélia Rey Colaço nos ecrãs da RTP “Gente Fina é Outra Coisa”. A Dona Terezinha lá foi saindo com uma amorosa senhora que lhe dá o seu gentil braço para que se possa apoiar, e assim fazer o caminho até sua casa, sem grande perturbação no seu andar desajeitado. São essas as crónicas de uma vila envelhecida, porque os novos foram para a cidade em busca de palcos mais opulentos.

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Ilda Pinto de Almeida (Portugal, 1980). Encontra-se radicada nos Estados unidos há três décadas. Tem como passatempo o campo das Artes Plásticas, onde tem participado em várias exposições colectivas nos estados de Nova Jersey e Nova York, com trabalhos de colagem sobreposta – técnica mista de acrílico sobre tela. No mundo da escrita, tem trabalhos publicados em várias coletâneas. 1



LETTERATURA ITALIANA

RACCONTO

Rotas da lusofonia

TU, CHE RISTABILISCI da

Pietro Pancamo1

Tu, che ristabilisci l’alleanza originaria (sì, quella con Noè); tu, iride che allude agli elementi della chimica, ad un patto d’amicizia che comprenda addirittura la materia inanimata e garantisca allora una salvezza più omogenea al mondo che hai creato; tu, sovrapposizione quantica d’umanità e divinità, ma anche dei miracoli possibili; tu, che della singolarità natale ed iniziale, sei simbolo vivente, perché l’intero cosmo si è incarnato in te; tu svelami (ne son degno?) se siamo noi la parusia (quelli destinati a compiere la sistole dell’immenso abbraccio). Nella transizione dal Vecchio al Nuovo, non t’hanno più chiamato Signore degli eserciti: infatti la croce è la diastole. E il tuo cuore, che sulla cima del Calvario infine s’è squarciato per un infarto del miocardio, da qualcuno è ritenuto il ritorno del battesimo. Ma io dico del big bang.

Pietro Pancamo (Cuneo, 1972) è uno scrittore italiano. Di recente alcuni suoi testi sono apparsi su «Diogen», rivista letteraria di Sarajevo fra le più importanti d’Europa. 1

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LITERATURA ESPAÑOLA

COLUMNA

Rutas Literarias de Iberoamerica

EN EL CENTRO DE LA ESPERA: EL DOLOR DE MARGUERITE DURAS Diana Moncada por

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Esperar es atravesar el tiempo o ser atravesado por él. Es caer en la tierra y descubrir el artificio de una vida que devora incesantemente las trampas de la cotidianidad. Se espera huyendo del presente porque no lo soportamos. Esperamos tratando de asir el futuro, hacemos planes venideros y vivimos la ilusión de lo que no está a nuestro alcance. Esperamos burlando la muerte, manoseando una esperanza a veces luminosa, a veces nauseabunda. Esperamos fuera de nosotros mismos. ¿Cómo es una escritura de la espera?, ¿cómo respira, cómo se dilata?, ¿cómo se macera el lenguaje en la espera?, ¿cómo se escribe cuando se espera? Hay tantas formas de esperar como personajes literarios: Penélope espera a Ulises en Ítaca tejiendo día y noche una tela que deshace para estirar su llegada, Josef K. espera que algún día se celebre su proceso legal, y Vladimir y Estragón no saben lo qué esperan en Esperando a Godot. Otras veces el dolor “está implantado en la esperanza” y la esperanza está asociada a la espera. Esperamos con la ilusión de un mejor porvenir o algunas veces se espera con resignación pero sobretodo con miedo. Es el caso de El dolor, un libro autobiográfico de Marguerite Duras –como casi todos sus textos–, publicado en 1985. Se trata de un diario angustiante, donde narra el malestar de una espera, sus incertidumbres y las contradicciones que embargan ese acto que para ella es “un combate sin nombre, sin sangre derramada, sin gloria”. Marguerite espera cada día junto al teléfono noticias de Robert L., su ex pareja, quien fue apresado por la Gestapo y trasladado a un campo de concentración en la Alemania Nazi. La guerra casi termina y ella, como muchas otras, espera. Su espera es incrédula. La padece. Está segura que Robert L., yace en una fosa con la cabeza volteada hacia la tierra. La espera del ausente se extiende al propio cuerpo de Marguerite, anulándola: “Junto a esta espera ya no se existe”, sentencia. En la ausencia de aquel, la presencia de ella se hunde, se disuelve hasta no saber por qué espera. “Tanto valdría esperar a otro. Ya no existo. Entonces, en el momento en que no existo, ¿por qué esperar a Robert L?”. La espera es contención. Ella se pregunta por qué razón debería economizar sus fuerzas, pero así lo hace. Resiste la espera a través de una escritura extraña, llena de calma, silencios

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y filosas precisiones. Una escritura que negocia con el dolor. Cada noche duerme cerca de él en la imagen tormentosa de la fosa negra que se repite una y otra vez durante la espera. Su vida está atada al cuerpo perdido, posiblemente roto, posiblemente muerto de Robert L, atada al cuerpo del delito, el cuerpo mancillado de la guerra, el cuerpo mancillado por la humanidad. Cada día libra su batalla contra la fosa e imagina en algunas ocasiones la llegada de Robert L. y una visita al mar. No lo soporta. Al llegar éste, la espera de Marguerite terminaría y su cuerpo lánguido, su cabeza y su fiebre perenne se encontrarían solos, inertes, sin ninguna misión en la vida. Ya no tendría una razón por la cual esperar. Pero efectivamente Robert L. llega de las entrañas de la muerte. La vida le exige a ella volver al presente en toda su desolación, pero la espera ha ocupado el centro de su vida, le ha otorgado un sentido. Ya no sabe sino esperar: “Mi identidad está desplazada”, comprende. Al ver el puñado de huesos infectados en que se convirtió el cuerpo de Robert L., Marguerite huye de la imagen y la guerra puede al fin salir a través de sus aullidos. “Seis años sin gritar”, dice. Seis años fuera de sí, acostada en la fosa, donde el pan no llega. La guerra termina, la paz vuelve y no significa nada. Para Marguerite la paz “es una noche profunda”, es el comienzo del olvido. La ciudad será, a partir de entonces, una que los que vienen no conocerán jamás. La guerra permanece en el silencio de Robert L. Cuarenta años después este dolor sale a la luz. Marguerite dice no recordar nada. Reconoce su escritura y los detalles de la narración pero no se recuerda a sí misma escribiendo el diario: “Cómo habré podido escribir esta cosa que todavía no sé nombrar y que me espanta cuando la releo”, se pregunta. También se cuestiona cómo fue que pudo abandonar este libro durante tantos años. El dolor también libró su frente de la espera, ¿podría ser de otra manera?, ¿podría un libro de la espera salir a la luz sin repasar, lentamente, en su armazón los dolores fundacionales? El dolor es “lo más importante” en la vida de Marguerite Duras, así lo dijo. Incrédula junto al teléfono Marguerite espera noticias de Robert L. Incrédula, sin saberlo, espera que las palabras de El dolor adquieran su espesura en el tiempo. Su escritura nos exige, a sus lectores, atravesar la espera, escuchar sus ritmos, contemplar su navaja abriendo una zanja sobre la herida vieja.

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Diana Moncada (Caracas, Venezuela, 1989). Poeta y periodista cultural. Autora del poemario Cuerpo crepuscular, ganador em el Concurso de Autores Inéditos de Monte Ávila en el 2013. Prologuista del libro Al filo de Miyó Vestrini, Letra Muerta. Colaborada de la Revista Poesía de la Universidad de Carabobo. Investigadora en el proyecto Muestra de Valoración del Patrimonio Teatral Venezolano. Ganó mención publicación en el I Concurso Nacional Rafael Cadenas de poesía Joven. Ha ejercido el periodismo cultural en diversas publicaciones venezolanas como El Universal, Contrapunto y Correo del Orinoco, en las fuentes de literatura, artes visuales y artes escénicas. 1



LITERATURA ESPAÑOLA

COLUMNA

Rutas Literarias de Iberoamerica

AL RESCATE DE LAS INFANCIAS ROTAS por

Oriette D’Angelo1

Las películas de Disney salvaron mi infancia. Lo recordé viendo la nueva versión de La Bella y la Bestia en el cine, una hermosa adaptación de la película original estrenada en el año 1991, un año después de mi nacimiento. No recuerdo la primera vez que la vi, pero sí recuerdo haberla visto muchísimas veces. Tenía una edición original, en Betamax, aparato fundamental en las casas de todos los nacidos entre los años 80s y 90s. Contaba con una gran colección de películas de Disney, siendo La sirenita y La Bella y la Bestia mis favoritas. Pensé en muchas cosas cuando supe que estrenarían una nueva versión en 2017. Primero, me parecía perfecto que el papel de Bella fuese para Emma Watson, quien se hizo famosa gracias a su papel de Hermione Granger, otro personaje fundamental durante mi infancia y parte de mi adolescencia. Segundo, pensaba en todos los episodios de mi niñez que iba a recordar al verla. Muchos de esos episodios no iban a ser buenos, pero ver la película sería una buena manera de activar esos recuerdos. Sabía que al escuchar el soundtrack, al ver los vestidos y las guerras, recordaría también las batallas libradas en mi hogar fuera del televisor, recordaría a las “bestias” que hicieron de mi niñez un lugar no tan agradable. Cuando había gritos, cuando hacía ruido, cuando algo no estaba bien, allí estaban las películas de Disney. La Bella y la Bestia representaba, al menos para mí, un ejercicio de compasión. Yo quería creer, en mi universo de niña de 6 años, que las bestias no eran tan bestias y que la maldad no lo era todo. Me quedaba absorta, viendo las películas, coloreando, coleccionando barajitas para álbumes conmemorativos, queriendo tener loncheras y morrales con el rostro de Bella. No me gustaban las princesas de Disney porque yo quería ser una, me gustaban porque me hacían pensar en otra cosa durante un rato, me hacían sentirme como lo que realmente era: una niña de 6 años. No importaba nada más. Afuera de las películas: la exigencia de crecer, la exigencia de entender que sí, que en el mundo real sí había bestias sin rastros de humanidad. Yo no quería creer en las bestias, no tan rápido, no así. Así me amarré a mi infancia lo más fuerte que pude, a través de mundos coloridos hechos para niños como yo, hechos para que siguiéramos creyendo en algo. Disney me dio un lugar en el mundo, y viendo las películas hoy, a mis 26 años, lo agradezco. Veré todas las adaptaciones, volveré a ver todas las películas originales, creeré por unas horas en las sirenas, en los leones que hablan, en las narices que crecen y en la compasión de los venados. Recordaré, sí, los gritos, el caos, el maltrato, pero también recordaré lo que me salvó. Volveré a ser niña por un rato siempre que pueda, volveré a la burbuja que me protegió de las bestias y seguiré creyendo, por sobre todas las cosas, que la bondad de lo imaginario no es capaz de componer el mundo, pero sí es capaz de salvar a la gente de una infancia completamente rota. 34

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Oriette D’Angelo (Caracas, Venezuela, 1990). Estudió Derecho en la Universidad Católica Andrés Bello (UCAB) y Maestría en Comunicaciones Digitales en DePaul University (Chicago). Autora del poemario Cardiopatías (Monte Ávila Editores, 2016; Premio para Obras de Autores Inéditos, 2014). Seleccionó y prologó la antología de poesía venezolana Amanecimos sobre la palabra (Team Poetero Ediciones, 2017). En 2015 obtuvo el segundo lugar en el I Concurso de Crónicas de la Fundación Seguros Caracas y en 2016 el tercer lugar en el Concurso Iberoamericano de Poesía “Letras de Libertad” de Un Mundo Sin Mordaza. 1



LITERATURA ESPAÑOLA

COLUMNA

Rutas Literarias de Iberoamerica

LA HORA DEL ASOMBRO por

Cristina Gálvez Martos1

Hay tantas preguntas que tengo y que no dejan de morderse la cola sin llegar a un fin. Apenas abro los ojos por la mañana surgen aquellas más limpias, más lúcidas, son esas preguntas que tienen un poco de respuesta a otras preguntas, incluso si estas últimas no han sido formuladas todavía. Existen horas mágicas, para algunos son más bien las horas de la madrugada; pero, aunque no niego el encanto y poder de éstas, para mí siempre han sido las que rondan la salida del sol las más vibrantes y transparentes. Al amanecer los sueños se hallan frescos, pulsando entre las almohadas con sus verdades en forma de símbolos, visiones y sensaciones, que son los secretos de nuestro propio universo. Todo lo que comúnmente no es visto, y que ha desplegado su presencia durante la noche, en la oscuridad, nos regala por muy corto tiempo su presencia, sigue respirando con las primeras luces, porque aún no se siente expuesto al ruido y a la mirada. La mañana es el momento para ver lo invisible. La mañana es el momento en que surge la pregunta correcta: la pregunta es una llave, y si no se delimita cuidadosamente su contorno, nunca logrará ingresar en la verdad que anda buscando. Por eso, antes de hallar respuestas, hay que hallar preguntas, y para esto es necesario ir aprendiendo a observar, a escuchar, es necesario respirar y tener calma, respetar sus tiempos pero también evitar que vuelvan a huir después de haberlas vislumbrado -por ser esquivas, requieren de una atención especial. ¿Cuáles son las inquietudes que han trazado mi camino? ¿Son las mismas que ahora tengo o algo ha cambiado y me pide alterar el rumbo? ¿Estoy escuchando atentamente aquello que despierta mi interés o, por el contrario, me estoy dejando llevar por circunstancias y opiniones que en lo profundo son incompatibles con aquello que sinceramente busco y deseo? Las preguntas pueden ser lámparas internas; de hecho, es prácticamente imposible avanzar sin plantearlas, a menos que avancemos sin ver a dónde vamos. Son fórmulas en cuya arquitectura se debe reparar, por eso aquello de saber formular. Una pregunta planteada correctamente tiene en sí una respuesta correcta. ¿Desde dónde me sitúo en mi inquietud? Se trata del lenguaje, sí, pero el lenguaje nunca es sólo el lenguaje, las palabras no son sólo palabras, sino su discurso interno, su intención, su vibración, sus resonancias; el pensamiento –entendido como un cúmulo de conocimientos, experiencias, imágenes, mensajes conscientes e inconscientes- toma forma a través de la palabra, ella le da cuerpo y vida. Entonces, si he dado exactamente con mi propia ignorancia, si prácticamente le he dado a luz, ella ya me estará diciendo mucho, me estará señalando una dirección pero, además, será en sí un descubrimiento. Las preguntas son herramientas del asombro y de la inocencia, llevamos aquí miles de años y aún no tenemos certeza de las cosas más simples; si nos detenemos en esto nos hacemos 36

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¿Por qué la tierra es mi casa? ¿Por qué la noche es oscura? ¿Por qué la luna es blancura que engorda como adelgaza? ¿Por qué una estrella se enlaza con otra, como un dibujo? Y ¿por qué el escaramujo es de la rosa y el mar? Yo vivo de preguntar: saber no puede ser lujo. Silvio Rodríguez, “El Escaramujo”


más sensibles a la novedad que hay en todo, a lo insólitos que somos. Y cuando esto ocurre, paradójicamente, todo alrededor cobra mayor importancia y sentido. Mientras más me permito indagar sobre él, más me habla el mundo: no sólo se hace más interesante, sino también más cercano. “Ayer me porté mal en el cosmos./ Viví todo el día sin preguntar por nada,/ sin sorprenderme de nada.”, dice Wislawa Szymborska en un poema; “Ningún cómo, ningún por qué,/ o de dónde ha salido éste,/o para qué quiere tantos impacientes detalles.”, se reprocha luego, para finalizar con lo siguiente: “El cósmico savoir-vivre/ aunque calla sobre nuestro asunto,/ exige, sin embargo, algo de nosotros:/ una cierta atención, un par de frases de Pascal/ y una sorprendente participación en este juego/ de reglas desconocidas.” (“Falta de atención”, del libro Dos puntos, Ediciones Igitur). Saber vivir es ser partícipes de lo misterioso porque, aunque nunca terminará por revelarse, nos obsequiará significados a la par de lo que oculta. Sin una atención, un estado de lucidez receptiva, el juego pasa desapercibido delante de nosotros. Lo fascinante se entrega por sí mismo, es cierto, pero sólo allí donde se cultivan las condiciones para que emerja. Sin embargo, hay ciertos estados de la mente y del espíritu, por los cuales inevitablemente transitamos, que son incompatibles con esa claridad fértil. Es necesario preservar nuestro espacio interno para que nazcan aquellas inquietudes que, en cierta forma, también nos dan nacimiento al abrir dimensiones nuevas de nuestro mundo. Qué mejor momento para comenzar a despertar sino cuando todo se prepara para hacerlo. Para la medicina china, las dos horas previas al amanecer son las horas de la inspiración, es el período de tiempo en que el meridiano de pulmón tiene mayor circulación energética, lo cual favorece ejercicios respiratorios y con ello la meditación. Aunque este influjo se concentra generalmente entre las tres y cinco de la mañana, sus efectos se aprecian en las horas subsiguientes. Durante la mañana todo es más ligero, el elemento aire y con él el aliento, la palabra y su capacidad de dar orden y forma, brindan una propensión de las cosas a ser des-cubiertas. Todo, por la mañana, tiene una vida particular. Los símbolos muestran un vértice de luz. Las preguntas dejan de ser inquietantes ouroboros para ser presencias etéreas; dejan de perseguir respuestas para ser simples afirmaciones del asombro. Existe magia también en la oscuridad, en el brillo cegador del sol de mediodía, en el ceder y dejarse ir del atardecer; de todos ellos, no obstante, el mayor encanto es el de vivir como si acabáramos de abrir los ojos.

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1Cristina

Gálvez Martos (Caracas, Venezuela, 1987). Es Licenciada en Letras por la Universidad Central de Venezuela. En 2013 ganó el Concurso para Autores Inéditos de Monte Ávila Editores en la categoría de poesía con su obra Psicopompa, libro editado por la misma casa editorial en 2015. Su poemario Bicorne (Casa de las Letras Andrés Bello, 2016) obtuvo una mención en el VI Concurso Nacional de Poesía.



LITERATURA ESPAÑOLA

COLUMNA

Rutas Literarias de Iberoamerica

UTOPÍA David Ortega ESCANDINAVA por

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La utopía es necesaria. En realidad, todo lo es. Aunque esto sería muy largo de explicar… En cualquier caso, es una necesidad existencial humana, un anhelo que llevamos dentro; algo nos empuja hacia la perfección, a rebasar el límite de lo que creemos actualmente imposible (De lo cual se sirve la ciencia). El problema viene cuando tratamos de buscar lo utópico en la realidad actual (Lo que todavía no existe, existiendo). En España, existe la creencia popular de que el Sangri-lá (Hilton lo situaba en el Valle de Hunza) se manifiesta en las lejanas tierras del Norte. De hecho, la lejanía con la patria de uno, es la característica primordial para alimentar dicha creencia. Resulta infantil, pero así es. En la sociedad española hay un embeleso por esa utopía escandinava, la de los países más al norte que “escapan” de Europa, y que, si se analiza detenidamente, se verá que no tiene consistencia. Fue en el año 2009 cuando Islandia (aunque se independizó del imperio escandinavo hace un siglo, apuntamos a la característica primordial: la latitud, y lejanía) se erigía como esa gran isla utópica (hyporborea, que diría Nietzsche), para la mayoría de los españoles. Tras la gran crisis económica mundial que inventaron unos cuantos hombres sin escrúpulos (la crisis del 2008 como la del famoso crack del 29, es financiera, lo que quiere decir que se formalizó en las fluctuaciones de la Bolsa que vive siempre de especulaciones, es decir, de hacer efectivo un futuro condicional) como estrategia para dinamitar el incremento del valor del euro frente a la divisa del dólar (USA implementó un rápido paquete de medidas de abastecimiento) Islandia se revolucionó. Algo que admiraban los españoles de a pie, incapaces de mover un dedo o más bien de tomar la decisión de ir todos a una en contra del gobierno socialdemócrata de Zapatero, que se dedicaba a negar la crisis, desviando la atención del problema económico (inflación, falta de liquidez, prima de riesgo, burbuja inmobiliaria, líder en destrucción de empleo de la Eurozona, etc.) con otros temas de índole superflua y un paquete de medidas tardío (su plan E fue un fiasco y supuso un gasto aún mayor para las arcas públicas). Una vez más, España estaba al borde del abismo, caminando sobre el alambre, y fue, básicamente, Alemania (por ser miembro presidencial de la Eurozona), el país que acudía al rescate. Lo cual supuso a partir de ahí una carga mayor de impuestos y recortes al Estado del Bienestar español. Angela Merkel comenzó a ser vilipendiada por los medios de propaganda de izquierda, hasta el punto de hablar de “opresión” por parte de Alemania. Es decir, queríamos ser europeos y europeístas mientras el euro repuntaba y los bancos daban créditos a espuertas, pero en la decadencia, el gobierno español era culpable de no rebelarse frente a esa injusticia y opresión de los alemanes (en el aire, siempre flotaba su pasado nazi) Sin embargo, ¿Cómo hubiese afectado a España el hecho de haber roto unilateralmente las relaciones con la Eurozona o los países del G20, tal y como consideró hacer Islandia?

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Fundamentalmente, existe un par de detalles que hacen que el español de a pie, creyera (no pensaba, sino concluía sin una lógica bien argumentada, embelesado en los datos buenos de la propaganda ideológica de izquierda) que Islandia era ese espejo en el que había que mirarse, y, de hecho, copiar su modelo rupturista. Cuando vienen mal dadas, hay que romper el sistema. Ya se sabe que los ciudadanos nunca tienen la culpa de nada, según ellos. Es el sistema el que falla y abusa de nosotros. “Los bancos nos engañaron” era una frase que se convirtió en mantra en la sociedad española por aquellos años. Los desahucios iban en contra de los derechos humanos, era el capitalismo atroz, salvaje y despiadado que un día nos convenía y otro ya no. No nos avisaron de que algún día explotaría la “burbuja inmobiliaria”. Es más, nadie la veía. Se pretendía argumentar que se había perpetrado un engaño y que dada la ignorancia se podía cancelar cualquier deuda contraída. Ante cualquier decadencia siempre podremos victimizarnos. Y es que la sociedad española en lo último que piensa es en que los derechos se ganan con obligaciones. Es decir, si yo no pago la deuda contraída con el banco por haberme sobrehipotecado, nadie puede quitarme esa casa y/o demás inmuebles porque la vivienda es un derecho constitucional español y está ratificado por el gobierno que firmó el tratado de los derechos humanos. Ya hablamos en un número anterior sobre la analogía, en España se quería extrapolar ese modo de proceder como si por el mero hecho de pertenecer al género “país” fuésemos iguales a Islandia y/o procediera tal comparación. No más lejos de la realidad. Islandia es una república que pertenece al Consejo Nórdico (cuyas relaciones burocráticas tienen otras alianzas de países en una escala económica superior), con un sistema de multipartidos (no bipartidismo como en España. El bipartidismo no se ha solventado, aunque hayan aparecido supuestos nuevos partidos), cuyo mayor sector económico es el secundario (principalmente, la pesca), de un índice demográfico muy bajo comparado con España, y un largo etcétera de características que definen la particularidad del país. Algo que no se tuvo en cuenta, obviamente. Para ser más claros, cada país tiene su Volkgeist (“espíritu del pueblo”) y su idiosincrasia. Por ejemplo, es difícil que en Suecia se acerque si quiera a la cantidad de ladrones potenciales de España. ¿Por qué digo “potenciales”? Precisamente, por la misma idiosincrasia, por el ADN biológico, antropológico y cultural que nos hace “ser españoles”. Para lo bueno y para lo malo. Ahí tenemos el cuento del Lazarillo de Tormes, escrito por alguien desconocido o anónimo, que nos representa mucho más todavía que la pasión y locura quijotescas. Algunos posmodernos nos dirán que sólo es un cuento, literatura. Y que no se puede estereotipar de esa manera a un conjunto tan grande de personas que no se conocen entre sí. “Generalizar, es de mentes pequeñas”. Pero, lo cierto es que, pase el tiempo que pase, si uno atiende a la Historia comparada (estudiar Historia, el pasado, es necesario y fundamental para poder pensar, y a partir de ahí, opinar con cierto conocimiento de causa. Una muestra es “Momentos estelares de la Humanidad” de Stefan Zweig) se percatará de ese Volkgeist que se perpetúa en cada nación. Y mientras el español de a pie, que vive alienado y resentido, fija la atención en lo malo de su país y adora a quien se apellida Johansson o Knausgård, lo cierto es que desconoce los contras de esa Utopía escandinava que queda muy lejos de ser la espiritual de Tomás Moro. ¿Acaso genios creativos como Velázquez, Picasso, Ramón y Cajal, Buñuel, Goya, Espronceda, etc. podrían haber nacido y vivido en Finlandia? España posee el segundo mayor patrimonio de la Humanidad (sólo superado por Italia 1º, ya que China 2º tiene una extensión no comparable) lo que hace de este país un bien cultural en sí mismo, muy superior a Suecia. 40

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Además, pocas personas saben que Finlandia y Suecia no han ratificado todas las cláusulas del tratado por los derechos humanos (particularmente, los que tratan de proteger y valorar positivamente a los discapacitados) De hecho, no hay medidas de protección para las personas de la tercera edad. (Otro día hablaremos de que existe un segundo culto a la juventud desde los años sesenta) Algo que tampoco sabrán muchos es que existe una menor asimilación de los inmigrantes por el conjunto de los ciudadanos. Siempre serán ciudadanos de segunda clase. Asimismo, existe una especie de racionalidad aria o antisemitismo mayor que en los países del sur de Europa. Los adoradores de las fórmulas escandinavas, que ven lo que les interesa, fijan su atención en el Banco de semillas de Svalbard, pero no en la tasa de suicidios (quintuplica la de España). Quieren implementar las medidas educativas en España, como si la sangre del Volkgeist español que corre por las venas de los niños fuese la misma que la de los gigantes de la utopía. Odian el capitalismo cada vez más y tienen una tendencia clara en favor de la autogestión o modos alternativos de consumo, pero no se dan cuenta de que lo abrazan al desear el modelo escandinavo, donde la industrialización cabalga a sus anchas como los cuatro jinetes del Apocalipsis. Muchos contraargumentarán que no odian su país, sino que son pragmáticos, y que únicamente fijan su atención en lo bueno de esos países nórdicos para extrapolarlo aquí y hacer así un país mejor. Sin embargo, eso es imposible sin efectos adversos. No se pueden pulsar tres teclas de un piano que nunca se pulsaron antes sin cambiar el armónico de una sinfonía. Queremos fiesta hasta el amanecer y luego ser estudiantes modelos. En el documental “La teoría sueca del amor” se retrata esa falsa utopía. Ese aburrimiento desapasionado, de la gente que ni se mira, de la búsqueda de pareja exclusivamente por el tamaño de la billetera, la tendencia a la que también se dirigen los países del sur, de herencia latina, una tendencia, la sueca, que nos rebasará. El difunto sociólogo polaco Zygmunt Bauman sentencia así al final del filme: “… Es la felicidad de haber superado las dificultades lo que se pierde cuando crecen las comodidades” El confort es contraproducente, y aunque resulte ilógico pensarlo… así es. Contra más potente sea el Estado del Bienestar más aburrimiento habrá, más desidia… y es que lo que vemos en los rostros de los niños del África negra, ese brillo en la mirada cautivador, es lo que nos extraña y no podemos entender. Una vida feliz implica superar problemas. Si todo es miel sobre hojuelas, adiós al sentido de la vida. (No digo que haya que acabar con el Estado del Bienestar o volverse una sociedad epicúrea de ascetas para hacer un país mejor, sino encontrar un balance realizable atendiendo a parámetros fundamentales como el Volkgeist). En Suecia se ha copiado el modelo que auguraba Aldous Huxley en su distopía de “Un mundo feliz”. Las mujeres han conseguido su independencia total del hombre (es una tendencia que se persigue en España. Siempre vamos por detrás del primer mundo que es el “Consejo Nórdico” y la gente no lo ve) llevándolo a sus últimas consecuencias radicales (La familia nuclear desmembrada, las parejas desexualizadas, etc.) con el inestimable apoyo logístico de la ciencia, en este caso, los bancos de esperma. Como Mr. Salvaje tuvo que hacer en “Un mundo Feliz”, el cirujano sueco Erichssen tuvo que huir, hasta llegar a un hospital de campaña en Etiopía para encontrar ese sentido de la vida. Superar ese vacío existencial que haría las delicias nauseabundas de Jean Paul Sartre y reencontrarse con su lado más humano. Pero, eso sólo es un parche, nunca una solución.

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David Ortega (Bilbao, España, 1981). Es licenciado en Filosofía con Master en Filosofía teórica y práctica, UNED. Ha escrito un libro de viajes autobiográfico: El último viaje, sobre Alaska (USA); una novela de ficción: El secreto de Nina; y una novela negra que pronto estará disponible: Casi héroes. Sus tres escritos están basados en hechos reales. También ha realizado un ensayo sobre los fundamentos ontológicos de la estética: Diaphainon, que obtuvo la máxima calificación en la carrera. 1



LITERATURA BRASILEIRA

COLUNAS

Rotas da lusofonia

K4, O QUADRADO por

Kátia Gerlach1

Antes de ser abduzido por agentes secretos numa van, uma ximbica de carburadores caindo aos pedaços, Pietro Paolini dizia-me que vivemos numa era de insegurança cósmica e falta de dentes. “Repare, José, na gente que anda por aí, sobre a pele continental, a perder pré-molares e molares, quando não os caninos e os incisivos! Nesta aldeia, a boca desdentada sorri sem consciência. Perdem-se os dentes mas os pequenos sorrisos oferecemse, vulgares, prostituídos, escandalosos. São os lábios desdenhados pela misericórdia dos santos, estátuas cujos pés os fiéis lambuzam de beijos. Os dentes não se substituem, até mesmo quando estes santos se enforcam nas igrejas!” Com os sapatos apoiados no suporte de ferro do camarote, Pietro Paolini era o barítono interessado em cactos exóticos, pelo menos assim justificava a sua presença no território. De Napoli para Valparaiso, com o manual de von Humboldt debaixo do sovaco. E agora entre nós, os desdentados. As grandes casas de ópera desistiram de seu nome; Pietro Paolini não se curvara. Recusou o convite da Ópera de Manaus e, de Valparaíso, com um telegrama na mão, deixou-se levar por terra. Aqui chegando, hospedou-se na pensão sob os arcos que atraía artistas, astrônomos, aspirantes a detetive e, por uma vez, o poeta com um gancho no lugar da mão. No quarto desocupado pelo escritor best-seller de “O Supermacho II, continuação patafisica”, que jazia em coma no hospital central enquanto o seu livro ganhava mundo e concorria nas listas dos mais vendidos com a famosa e desconhecida autora italiana sob pseudônimo, Pietro Paolini esvaziou os bolsos, a carteira e o baú. No armário, Pietro guardou os fraques de ópera, as meias de seda negra, as fartas roupas de baixo e alguns pertences pessoais como a bússola e um cronoscopio. Recordava-se do ultimo espetáculo do Barbeiro de Sevilha no Colón, no qual surpreendera o público não apenas com a sua voz como também com o seu carisma. Dias enterrados num sepulcro. O medo da cruz e a certeza de que dela ninguém sai com vida. Pietro Paolini, habituado a cantar e esperar o impossível, esmagara o público com a sua voz até ela vingar-se. A voz o ultrapassara, uma mulher a ausentar-se. Ambas rejeitavam o barítono de Napoli pelo que ele tinha de contraditório. Afastado do palco, Pietro insistia na barba mal aparada, na roupa vestida com negligência, na gravata virada ao contrário e na mania de apertar o nariz com o indicador e o polegar para simular um afogamento em terra firme. Ninguém achava graça naquele gesto vindo de um sujeito com cabeça de cachalote. Nós, os limpa-botas do Quadrado assustamo-nos na primeira visão que tivemos de Pietro Paolini. Deu-nos a impressão de um monstro do mar e nós estávamos tão distantes da água. O Quadrado mais quadrado da América Latina não é apenas o campo santo, a praça Alfred Jarry, onde passamos as madrugadas vermelhas e estriadas em nossos camarotes, oscilando entre o espanto e o absurdo. O Quadrado estabelece-se como uma edificação

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para Almada Negreiros “Que tristes e transparentes são agora na minha memória aqueles primeiros sorrisos mexicanos.” Roberto Bolaño


horizontal de escritórios de lustradores. Trabalhamos e nos embriagamos de meZcal em meio ao olor daquele pátio de diversão para andorinhas diurnas, espiões russos, velhas herbolárias e jovens displicentes. A qualquer instante, poderíamos nos dissipar no éter. A nossa fragilidade permitia que nos submetêssemos a punhaladas e chutes dos guardas em coletes ante-bala num acesso de fúria desmerecida. Este potencial de violência intrigava. Em meio a mansidão moma dos engraxates, ouvíamos o Tango 31 a reverberar do coreto, a madrugada egoísta engolia amanheceres e entardeceres e os séculos rodavam no meio do Quadrado. No chafariz, a fonte transbordava, “os proprios repuxos por mais que subissem eram sempre repuxos; por isso que a vida dos repuxos era só certificarem-se de que eram repuxos.” Com a garganta enferrujada, Pietro Paolini vacilara de camarote em camarote para investigar o melhor preço. Controlados pelo sindicato, devíamos seguir a tabela municipal. Entretanto, naquele momento em que ignorava o seu futuro, Pietro Paolini se aproximou de mim, cumprimentou-me e pediu licença para instalar-se no banco do meu camarote. Corpulento, quase fez com que a caixa desmoronasse. Primeiro, tirou os sapatos e pediume que passasse nos seus pés uma pomada ante-contraceptiva para o tratamento dos calos. Não era costume para os homens do Quadrado massagearem os pés da clientela e eu o fiz com cerimônia, esperando que ninguém reparasse já que facilmente eu poderia virar alvo de chacota. Calcei os sapatos no barítono, havendo reparado que a massa corpórea impedia que ele desse os laços. O homem se mexeu no assento e, num repente, arrancou o cinto para que eu o lustrasse também. Assustou-me ao gesticular dentro do casaco arrepiado, deitou-me tinta nos nervos. -Pietro Paolini é um homem que está envelhecendo e ninguém pode socorrê-lo! -Todos os dias, acordamos mais inúteis! Uns gritavam do coreto. Desde que comecei a engraxar os sapatos de couro negro daquele homem, ele me conta do caos meteórico, dos incêndios interestelares a remodelarem as formas do universo em processo idêntico ao da sedução entre amantes. O fogo a tudo altera. De um assunto a outro, tratava dos fantasmagóricos sultões turcos na bela Constantinopla sob a égide da meia lua e de uma estrela branca. A vermelhidão, o pano de fundo. Enquanto confabulávamos, reparei que dois homens louros e estrangeiros, de ombros largos, rondavam-nos. Um pouco mais além, um terceiro nos observava através de um binóculo. “Penso no meu cãozinho Zamor”, queixou-se Pietro. O barítono não pôde trazer Zamor e é tão fraco em seu interior. A menor brisa do deserto o levaria. Ele envelheceu nos últimos trinta minutos. Não ama desde menino (ou nascera esburacado?). Cantou na esperança do impossível e a aurora não tardou. Os seus sapatos cintilam depois que eu os esfreguei com a flanela apesar do meu estado de embaralho mental. Um nervo corre pelo crânio. As artérias pulam nas laterais da testa de Pietro Paolini. A minha história com Rosina está atrás de mim. Desde que perdemos alguns dentes, o amor não se repete igual. Também eu, o limpa-botas do Quadrado sou fraco, enfraqueço a cada dia. Eu, eu, o mexicano. Ajeitei o corpo no banquinho que me sustenta desde os quinze anos, fixei os olhos na testa de Pietro Paolini e suas artérias saltitantes e pus-me a falar. Sentia que era a minha vez depois de tanto ouvir do viajante. Fazia cinco dias que eu louco de contente vivera como no movimento de um carrossel. No dia trinta e um, Rosina, filha do homem mais avarento de Jalisco, entregou-me três pares de sapatos para limpar. O pai não autorizava que submetesse os pés aos cuidados de engraxates. Retirei as botinas do saco 44

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“E sendo a proporção dos priveligiados vantajosamente de 1 pra um milhão resulta que a concepção da eternidade demora-se n’uma velocidade acceleradamente retardada de exito um milhão de vezes. Todas as luctas tumultuosament e-tantalo do cyclo das gerações dissolvem-se pra passado conseguindo deslocar a sensibilidade prálém de Zenith na distancia exacta em que as dimensões do homem fôssem resumidas no ponto mathematico e centro das Zonas esfericas alucinadamente concentricas na suspensão ether.” Almada Negreiros


plástico e prometi entrega-las quando prontas. “Não se aborreça, vá dormir, senhorita!”. Ciente de que as manhãs não se erguiam naquela latitude, Rosina insinuou com o sorriso desdentado que preferia aguardar e pagar-me pelo serviço em adiantado. Estendeu-me a mão, da qual cinco pesos amassados saíram como num ato de magia quente e suarenta. Míope, deixei-me encantar pela musicalidade de Rosina sem reparar nas suas feições símias. Os do Quadrado, no entanto, riam-se de mim ao observarem-me enamorado de uma mona. Pretendo, ao pé do camarote, que as cenas se alternem. “Não é preciso sagacidade para compreender-se apaixonado,” sugeriu Pietro Paolini. “Por isso, não me rendi a mulher alguma, excluí uma por uma desta redoma”, completou, apontando para a protuberância de seu abdômen alimentado de foie gras. “Vocês são como Fígaro, tem os dedos ágeis para tecer intrigas e, por hábito, tombam na própria cama de gato. Barbeiros e engraxates tem alma de peão, amolecem com qualquer música folclórica!”. Debalde o senso de superioridade artística, Pietro Paolini fracassara pela voz desapaixonada, gélida e sentimentalmente preguiçosa mas eu nunca soube os motivos de sua ruína. Iludi-me pelo seu porte majestoso. Quis crer que desfrutasse de uma vida divertida. O barítono consultou o cronoscopio e ajudei-o a sair do camarote. Ele pesa mais de cem quilos, pensei. O Quadrado aparentava estar fora de lugar. Entre o espanto e o absurdo. Talvez Rosina sonhasse comigo no abrigo do pardieiro enquanto fritava tortilhas no fogãozinho de gás. Pietro Paolini queixou-se de dor nas juntas ao empertigar o corpo. Findo o serviço, tomei mais um trago de meZcal e assoviei aos camaradas para anunciar que trancaria o camarote e pegaria a estrada para a aldeia. O barítono me remunerara o equivalente a cinco garrafas de aguardente. Nenhum de nós aspirava implantes, medíamos fortuna em números de garrafas cheias. Dentes falsos, de ouro ou porcelana eram objetos inalcançáveis. Numa das quatro pontas do quadrado, K1, os agentes russos não perderam tempo. Encapuzaram Pietro Paolini e atiraram-no no veículo que os recebera de motor ligado. (continua)

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Kátia Gerlach (Rio de Janeiro, 1980). Radicada em Nova York, graduada em Direito pela UERJ. Mestre em Direito Internacional Privado pela Universidade de Londres e pela NYU School of Law. Professora de Direito na Fundação Getúlio Vargas e da Universidad Desconocida do Brooklyn sob a reitoria de Enrique VillaMatas. Autora de Colisões BESTIAIS (Particula)res pela Editora Oitoemeio, Forrageiras de Jade (2009) e Forasteiros (2013), editados pelo Projeto Dulcineia Catadora. Colunista da Philos e do Jornal Rascunho. 1



LITERATURA BRASILEIRA

COLUNAS

Rotas da lusofonia

GAFANHOTO por

Caio Lobo1

No momento anterior – difícil dizer se minuto, segundo, ou o mais abissal desconhecido do Tempo –, era uma senhora a reclamar de tudo. Vagando pela casa, insultava o ciático que lhe corroía os nervos, maldizendo a empregada que não sabia varrer o chão ou limpar as vidraças, juntando na mão trêmula farelos de pão caídos sobre o sofá. Perdida no leque confuso e embaçado das memórias, solitária, falava em voz alta, para si mesma – pretensão inconsciente de confirmar sua existência –, a televisão ligada com o intuito de ter sobre quem destilar frustração: políticos, ladrões, assassinos, estupradores, todo um mundo aprisionado na caixa colorida, seu frágil contato com a realidade. De cima a baixo: quartos, sala, cozinha; cozinha, sala, quartos. Às vezes a vassoura para limpar as impurezas; outras vezes as contas na ponta do lápis, enquanto lhe escapava aqui e acolá um impropério sobre a vítima da vez: político, ladrões, etc. O tempo numa camisa-de-força, a inevitabilidade dos percursos exatos, quando já não existem sonhos, quando a vida que se poderia perscrutar está na retaguarda da nuca, setenta anos antes, a marca da idade nos dedos amassados, veias azuis querendo explodir, verter o sangue para findar a jornada, mas não. Estancado no corpo magro, o elixir da vida insiste em circular pelos mesmos canais, pulsando no ritmo preciso dos ponteiros de um relógio. De baixo para cima: varanda, banheiro, jardim; jardim, banheiro, varanda. Muxoxos, lembranças irritantes, mágoas emergindo em espasmos. Cada sujeito na lembrança como alvo imóvel, atemporal e insuportável. Tu não te moves dentro de ti, diria a profunda Hilda. Os círculos previsíveis, gangorra, sístoles e diástoles, corrida atarefada de uma parede à outra, muros intransponíveis, mergulho intenso e igual, afogar. A cabeça que, fora d’água por um segundo, não se reconhece mais, logo volta às profundezas, onde os seres são amigos – ainda que inimigos, objeto de revoltas. Noite recaindo com suas sombras na ponta dos pés, em ritmo infinitesimal, mancha preta no chão. Ela acende a luz. Entram mosquitos, trucidados imediatamente com tapas violentos, clap, clap, clap, “desgraça, aqui não!”. Os filhos lhe dizem “mãe, por que não compra repelente?”; “mãe, por que não aquele aparelhinho que se bota na tomada?”; ao que responde, num bote de pantera, que “não é criança”, que “sabe o que fazer da vida, apesar dos cabelos brancos”. Clap, clap, clap. Os filhos que quase não vêm mais e ainda querem lhe dar ordens. A escuridão avança, cadáveres de doença se acumulam no chão branco puro imaculado, minúsculos universos onde seu olhar se perde. Os filhos… Aparecem depois de meses, para almoçar num domingo, e não largam aqueles aparelhos idiotas. Ela falando e eles ali, embasbacados, os olhos brilhando. A vida não existe mais do lado de fora: só nas novelas, no noticiário e nos telefones. “Mãe, a senhora devia ter um Facebook”. “Mãe, a senhora devia ter o Whatsapp”.

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Este conto foi agraciado com o 3º lugar no XXVI Concurso Nacional de Contos José Cândido de Carvalho (2016).


Como se fosse impossível viver sem. Começa a fechar as janelas, mas antes que faça deslizar a porta da varanda, ele surge num salto tão veloz que parece ter brotado de seu devaneio, tal qual nascimento espontâneo. Seu coração dispara. Executa um pequeno salto para trás, a mão no peito. O gafanhoto é de um verde quase transparente, de tão brilhante. Imóvel, observa-a do chão. “Ah meu deus, um gafanhoto!” Não sabe o que faz. Ele a vê, surpreso com tamanho alvoroço, as duas antenas a se mover, indagadoras. Ela corre (corre!) para a cozinha: “não sai daí, seu danado! não entra na minha casa! Ai, meu Pai, se ele entra e se esconde, não consigo dormir. Coisa verde, quem te fez tão verde?”. Esbaforida, procura o indefinido no armário, a arma para afastá-lo. “Não se mata bicho assim, dá azar. Se fosse uma barata, ainda vá lá, esmagava-lhe o corpo rapidinho, apesar de. Horror! Bicho nojento a barata. Naquele dia então, voou direto pra cima do meu braço”. Um arrepio percorreu sua coluna. “Tem gente que ainda inventa de comer ‒ a barata. Que digo? O quê: uma vassoura, um pano de chão?”. Decidiu-se pela vassoura: “Gafanhoto, gafanhoto, não quero te matar, viu?” Volta correndo (correndo!). Ele ainda está lá, aguardando pacientemente. Aproxima-se mantendo a vassoura longe do corpo. “Sai, sai!”, tenta varrê-lo, mas o inseto dá um salto na sua direção. Novo susto, leve desequilíbrio. A testa suada. “Ah não, aqui dentro não. Volta pra varanda. Olha que eu te mato! Não quero, mas eu. Juro que”. Acerta o flanco do animal, que se aproxima da saída. “Você me entende, não é? Não quero ninguém aqui. Vamos, seja bonzinho, só mais uma dessas e…”. Pronto! Pulou para fora, a contragosto, porque se afeiçoava rapidamente à velha. Fecha o vidro com rapidez. O corpo treme, galopes em disparada no meio do tórax. Na sala, vibrações se expandem no ar, em ondas. Ri, vitoriosa, sentindo cada músculo agitar-se sob a pele enrugada. Na orelha, há um zunido estranho, o sangue que lhe corre nas veias e que a acusa de algo. O inseto a observa, perto das plantas. “Ele sorri, o safado”. Não é aquilo um sorriso? Seus olhinhos são pretos, mas luminosos. “Você pode ficar nessa samambaia aí, se quiser, mas aqui dentro não”. Encosta a testa no vidro e a respiração embaça seu reflexo, logo naquele trecho, bem abaixo dos olhos, onde antes havia um riso. O gafanhoto, enfim, some. Como viera: tão rápido, tão súbito e impossível que ela se rende, num suspiro, à magia do mundo. Entristecida, lembra com carinho materno a aparição, que hesita em chamar de fato – ou de sonho.

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Caio Lobo (Recife, 1979). Colunista da Philos, é formado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco e Mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. Leitor compulsivo e romancista. Lançou recentemente o seu livro Trôpegos Visionários pela editora Kazuá. 1



LITERATURA BRASILEIRA Rotas da lusofonia

A ESCOLA DO LIVRO por

Leandro Jardim1

Quem me contou foi um amigo. A história ele a ouviu da namorada de seu primo. Tinha origem em alguma mistura embaralhada entre um sonho real que teve e um país exótico que visitou durante uma temporada de trabalho na África. Para ser mais preciso, não foi exatamente ela a ter presenciado este empreendimento que hoje nos parece tão insólito. Quem lhe contou foi uma senhorinha nativa, cuidadora de animais domésticos abandonados, no dia da entrega do cãozinho que tão boa companhia fez a ela durante aqueles tempos cada dia mais distantes na memória. Alguma pergunta despretensiosa, creio eu, levou a senhorinha a discorrer uma longa narrativa sobre o vilarejo onde havia nascido e crescido. Tão boa contadora de histórias que era, acabou sendo convidada pela jovem a entrar e tomar um “café brasileiro”, como disse na ocasião. E a conversa avançou por algumas boas horas. Dentre as coisas que atraíam a jovem, estavam o impressionante efeito encantatório daquela narrativa oral, o domínio que a senhorinha possuía do inglês, o delicioso sotaque muito particular, e, ao menos pelo que chegou a mim, o fato inegável de que falava realmente muito bem a senhorinha. Não sei se foi para justificar esse seu talento, ou se em razão de algum detalhe da trama das histórias contadas, mas, em dado momento, a senhorinha falou sobre uma peculiar escola de seu vilarejo. Na verdade, era a única escola de lá, e todos a chamavam de “escola do livro”. Havia muitas décadas, um dos homens mais velhos deste vilarejo retornara depois de dez anos vivendo em uma cidade de porte médio em outro país da região. Era uma cidade já bastante urbanizada, e de onde ele trouxe uma ideia ainda inédita para o vilarejo. Ele queria fundar uma escola. O vilarejo, por sua vez, era na época uma comunidade de pequeno porte, com atividades majoritariamente rurais e alguns hábitos ainda tribais. Segundo consta, era um ambiente muito feliz, pacífico e de grande liberdade. Não havia muitos ritos de aprendizado, mas fazia parte da cultura local que um ou mais membros de cada família saíssem em longas jornadas pelo mundo e voltassem depois de anos com ao menos alguma novidade, podia ser material ou cultural, a ser incorporada ao vilarejo. Devido a isso, algumas coisas curiosas podiam ser notadas por lá. O vilarejo possuía dois carros apenas, muito antigos, eram comunitários, presentes de dois viajantes. Gasolina e manutenção, no entanto, não eram fáceis de se conseguir. Havia também uma cabana que funcionava como minimuseu de artes e objetos curiosos do mundo. A maioria dos objetos era de utensílios modernos cotidianos. Só eram curiosos para o olhar deles, naturalmente. Mas era bonita a maneira pela qual refundavam a percepção acerca de coisas como um esquadro ou um vidro de perfume. O que mais me intrigou nesse detalhe da história foi a beleza de terem um museu por lá. E isso foi também uma ideia trazida por uma viajante. Nesse caso, a principal artista do varejo, e a idealizadora de maior parte do artesanato local.

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COLUNAS


A própria senhorinha era igualmente uma dessas viajantes. E só não tinha voltado ainda porque não conseguia decidir o que levaria consigo na volta para casa. Dizia que enquanto não decidisse o que levar, aproveitaria para transmitir ao mundo as histórias de sua terra natal. E uma delas dizia respeito à escola do livro, voltemos a ela. Quando aquele viajante retornou com a ideia de fundar uma escola no vilarejo, todos receberam a novidade com grande entusiasmo. Em geral, algumas lideranças e membros mais velhos da comunidade eram sempre lembrados para serem os primeiros professores. E realmente o foram. Mas, notem, eles podiam lecionar unicamente sobre os assuntos que dominavam e sobre temas da cultura local. No entanto, ao trazer a ideia, o viajante queria que mais coisas fossem ensinadas na escola, coisas diferentes. E todos estavam de acordo. No entendimento deles, essa era graça. O viajante citava coisas que ele mesmo aprendera em distintas salas de aula mundo afora. Todos ansiavam por novas descobertas. Então, como não havia professores para esse tipo de tema, e nem mesmo se sabia quais seriam os temas em si, o vilarejo inteiro se reuniu e formou um grande pacto. A solução estava nos livros. A partir daquele dia, todos os viajantes passaram a trazer também livros com ensinamentos que julgavam valiosos para a comunidade. E os livros é que seriam os professores da escola. Isso mesmo, nessas aulas quem tinha status de professor eram os livros. Os livros como professores? Quando ouvi isso não entendi. Mas logo me foi explicado. O conhecimento de fora vinha das pessoas, mas estava gravado nos livros. Na maior parte dos casos, ninguém no vilarejo dominava seus conteúdos a ponto de ter autoridade sobre o que estava escrito neles. A autoridade sobre o conteúdo dos livros era dos próprios livros. E de mais ninguém. Por isso eram eles os professores de seus respectivos conteúdos. À comunidade do vilarejo restava a não menos importante tarefa de selecioná-los. Muitas aulas, portanto, precisaram ser de ensino à leitura. Esse foi o grande esforço inicial. Todos tinham que ler razoavelmente bem. Mas o que mais intriga é a maneira como as aulas transcorriam tendo um livro como professor. Os encontros entre alunos de todas as idades eram organizados com a turma sempre em círculo. Um livro-professor ficava posicionado no meio. Havia também um monitor principal que coordenava as atividades de cada encontro, e todas as atividades eram centradas na leitura. Pelo que entendi, se dava mais ou menos assim, os próprios alunos passavam o período inteiro se revezando na leitura em voz alta. Um por vez. Iam ao centro do círculo, recebiam o livro-professor das mãos do antecessor, e continuavam a leitura de onde o outro tinha parado. Toda vez que alguém não entendia alguma passagem, a leitura era interrompida, o grupo debatia o assunto até chegar a uma ou mais respostas à dúvida, e seguiam em frente. Nem sempre as respostas eram totalmente verdadeiras ou precisas, eles não tinham muito como saber, mas também não ligavam tanto para isso. O importante era extrair de cada livro o que cada livro tinha a oferecer a eles. E assim seguir em frente, de livro em livro, de professor em professor. A senhorinha estudou na escola do livro durante a juventude. E disse que ela mesma já tinha reunido alguns bons livros para levar. Quando voltasse, disse ela, tinha certeza de que seria monitora da escola do livro. A namorada do primo do meu amigo, que ouvia a tudo muito atenta, disse que nesse ponto da conversa já estava bastante emocionada. Contou ainda que fez questão de se mostrar admirada e parabenizou a senhorinha por depois de tantos anos querer voltar ao vilarejo para ensinar tudo o que aprendeu às crianças da comunidade. Nesse momento, a senhorinha a corrigiu. Eu quero voltar para escola do livro é para aprender ainda mais, disse ela, e não para ensinar. Por isso estou juntando tantos livros. 51

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Leandro Jardim (Inglaterra, 1979). Formado em comunicação e pós-graduado em engenharia de produção. Professor na área de gestão, atualmente é mestrando em administração pela PUC-Rio. Publicou os livros ‘A angústia da relevância’ (Romance, 2016), ‘Peomas’ (poesia, 2014) e ‘Rubores’ (contos, 2012) pela Editora Oito e Meio; além de outros dois de poesia: ‘Os poemas que não gostamos de nossos poetas preferidos’ (Orpheu, 2010) e ‘Todas as vozes cantam’(7Letras, 2008). 1


Philos

PORTUGUÊS CATALÀ ESPAÑOL FRANÇAIS ITALIANO ROMÂNĂ REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA 14 março 2017 · REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA 14 marzo 2017


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