Philos PORTUGUÊS CATALÀ ESPAÑOL FRANÇAIS ITALIANO ROMÂNĂ REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA 15 abril 2017 · REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA 15 abril 2017
Philos PORTUGUÊS CATALÀ ESPAÑOL FRANÇAIS ITALIANO ROMÂNĂ abril 2017 · REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA 15 abril 2017
REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA 15
CAIO LOBO DANIELA BALESTRERO DAVID ORTEGA CRISTINA GÁLVEZ MARTOS ORIETTE D’ANGELO DIANA MONCADA JOSÉ DOMINGOS & MAGDA FERNANDES LUCRECIA WELTER HELENA BARBAGELATA LEANDRO JARDIM KÁTIA GERLACH FABIO STRINATI DAVID GONZALEZ SOUZA PEREIRA
PORTUGUÊS CATALÀ ESPAÑOL FRANÇAIS ITALIANO ROMÂNĂ REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA 15 abril 2017 · REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA 15 abril 2017
EXPEDIENTE
REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA
Souza Pereira
EDITOR CHEFE | EDITOR EN JEFE
Sylvia de Montarroyos
COMITÊ EDITORIAL | COMITÉ EDITORIAL
Lucrecia Welter
REVISÃO DE TEXTOS | SUPERVISIÓN DE TEXTOS
Maus Hábitos
DESENHO E DIAGRAMAÇÃO | DISEGÑO Y DIAGRAMACIÓN
Janayna Pereira
ILUSTRADOR | DIBUJANTE
SOBRE A OBRA DESTA EDIÇÃO | SOBRE LA OBRA DE ESTA EDICIÓN
Publicado originalmente em abril de 2017 com o título Philos, Revista de literatura da União latina. Os textos desta edição são copyright © de seus respectivos autores. As opiniões expressas e o conteúdo dos textos são de exclusiva responsabilidade de seus autores. Todos os esforços foram realizados para a obtenção das autorizações dos autores das citações ou fotografias reproduzidas nesta revista. Entretanto, não foi possível obter informações que levassem a encontrar alguns titulares. Mas os direitos lhes foram reservados. Philos, Revista de Literatura da União Latina é registrada sob o número SNIIC AG-20883 no Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais com Certificado de Reserva outorgado pelo Instituto Nacional de Direitos do Autor sob o registro: 10-2015-032213473700-121. ISSN em trâmite. Revista Philos © 2017 Todos os direitos reservados. | Publicado originalmente en abril de 2017 con el título Philos, Revista de literatura de la Unión latina. Los textos de esta edición son copyright © de sus respectivos autores. Todos los esfuerzos fueron hechos para la obtención de las autorizaciones de los autores de las citaciones o fotografías reproducidas en esta revista. Sin embargo, no fue posible obtener informaciones que llevaran a encontrar algunos titulares. Pero los derechos les fueron reservados. Philos, Revista de Literatura de la Unión Latina es registrada bajo el número SNIIC AG-20883 en el Sistema Nacional de Informaciones e Indicadores Culturales con Certificado de Reserva otorgado por el Instituto Nacional de Derechos del Autor bajo el registro: 10-2015-032213473700-121. ISSN en trámite. Revista Philos © 2017 Todos los derechos reservados.
31
Philos, Revista Philos Revista de de Literatura Literatura da da União União Latina Latina || Revista Revista de de Literatura Literatura de de la la Unión Unión Latina. Latina.
EDITORIAL
REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA A literatura e as artes exigem que olhemos para fora, ou através delas. Podem, portanto, tornarem-se elementos de reflexão sobre as forças que organizam nosso mundo, bem como meios de expressarmos nossa própria identidade. Durante o processo de construção deste projeto editorial, vivemos um dilema contemporâneo: como democratizar as artes e a literatura em um mundo em transformações não mais permanentes, onde as velhas formas – de pensamento, comportamento, moral, ética, e de arte – já não cabem? E as novas formas ainda não estão claramente delineadas e estabelecidas? Pensando em diferentes maneiras de apresentar e representar a literatura do nosso mundo latino, descobrimos que muitas obras de nossos colaboradores têm a ver com a nossa maneira - não como editores, mas como espectadores -, de enxergar o mundo. Queremos escrever crônicas e poemas, pintar as paredes da cidade, expandir o diálogo entre os nossos irmãos de ramo linguístico. As palavras e as imagens misturam-se, e vêm de lugares onde não conseguimos enxergar. A imaginação constrói e desconstrói histórias. Por isso, na estreia do segundo volume do ano três da Revista Philos, o apresentamos com nova estética..., aquela que alimenta os nossos anseios de permear entre os matizes da arte literária e visual. O novo projeto gráfico e editorial da Philos é assinado pela Maus Hábitos Brasil, a nossa incubadora de design para intervenção cultural subversiva. Queríamos explorar a fragmentação de um estilo clássico utilizado para as revistas literárias da contemporaneidade e, nesse aspecto, pode-se perceber, em nossas páginas, uma sensibilidade minimalista que divaga junto com os olhares atentos do leitor. Neste volume, deixamos fluir as possibilidades de criação de nosso imaginário; abusamos das cores e da inter-relação entre as palavras e seus significados. A Philos número 15 nasce de uma experiência comum, e gera outras, incondicionalmente. Pela forma polissêmica com que damos vida e espaço ao trabalho artístico de nossos colaboradores, nossa obra jamais pode ser percebida e compreendida de apenas uma maneira. Nesta edição, contemplamos a obra da artista visual recifense, Janayna Pereira; que mistura o universo surrealista da obra de René Magritte com seus traços de bytes psicodélicos. A Philos é fruto da identidade coletiva de nossos autores e dos pensamentos que os compõem e os insere na máquina social. As artes e a literatura podem, portanto, se tornar elementos de reflexão sobre as forças que organizam nosso mundo, bem como meios de expressarmos nossa própria identidade. Desejamos uma ótima leitura,
Souza Pereira
EDITOR CHEFE | EDITOR EN JEFE
4
Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.
EDITORIAL
REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA La literatura y los artes exigen que miremos para fuera, o a través de ellas. Pueden, por lo tanto, ser elementos de reflexión sobre las fuerzas que organizan nuestro mundo, así como medios de expresar nuestra propia identidad. Durante el proceso de construcción de este proyecto editorial, vivimos un dilema contemporáneo: ¿Como democratizar los artes y la literatura en un mundo en transformaciones no más permanentes, donde las viejas formas - de pensamiento, comportamiento, moral, ética, y de arte - ya no caben? ¿Y las nuevas formas aún no están claramente delineadas y establecidas? Pensando en diferentes maneras de presentar y representar la literatura de nuestro mundo latino, descubrimos que muchas obras de nuestros colaboradores tienen a ver con nuestra manera - no como editores, pero como espectadores, de enxergar el mundo. Queremos escribir crónicas y poemas, pintar las paredes de la ciudad, expandir el diálogo entre nuestros hermanos de ramo lingüístico. Las palabras y las imágenes se mezclan, y vienen de lugares donde no conseguimos percibir. La imaginación construye y modifica historias. Por eso, en la estrena del segundo volumen del año tres de la Revista Philos, lo presentamos con nueva estética..., aquella que alimenta nuestros anhelos de permear entre los matices del arte literario y visual. El nuevo proyecto gráfico y editorial de la Philos es firmado pela Maus Hábitos Brasil, nuestra incubadora de design para intervención cultural subversiva. Queríamos explorar la fragmentación de un estilo clásico utilizado para las revistas literarias de la contemporaneidade y, en ese aspecto, se puede percibir, en nuestras páginas, una sensibilidad minimalista que divaga junto con el mirar atento del lector. En este volumen, dejamos fluir las posibilidades de creación de nuestro imaginario; abusamos de los colores y de la interrelación entre las palabras y sus significados. La Philos número 15 nace de una experiencia común, y genera otras, incondicionalmente. Por la forma polisémica con que damos vida y espacio al trabajo artístico de nuestros colaboradores, nuestra obra jamás puede ser percibida y comprendida de sólo una manera. En esta edición, contemplamos la obra de la artista visual recifense, Janayna Pereira; que mezcla el universo surrealista de la obra de René Magritte con sus trazos de bytes psicodélicos. La Philos es fruto de la identidad colectiva de nuestros autores y de los pensamientos que los componen y los inserta en la máquina social. Los artes y la literatura pueden, por lo tanto, hacerse elementos de reflexión sobre las fuerzas que organizan nuestro mundo, así como medios de expresar nuestra propia identidad. Deseamos una óptima lectura, Souza Pereira
EDITOR CHEFE | EDITOR EN JEFE
5
Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.
SUMÁRIO | SUMARIO CONTOS | COLUNAS | ARTIGOS CUENTOS | COLUMNAS | ARTÍCULOS
8 O espírito da
palavra,
por MIGUEL SEPÚLVEDA
11 Doce de
menino,
por VALDIR PAGLIARINI
13 El clamor de las cosas,
por
CRISTINA GÁLVEZ MARTOS
16 Cortocircuitos
generacionales I, por DAVID ORTEGA
por
LEANDRO JARDIM
20 La burla
como política de Estado, por ORIETTE
D’ANGELO
23 A
impossibilidade de ser uma árvore, por
MAGDA FERNANDES & JOSÉ DOMINGOS
6
25 Não era,
Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.
28
Transmudamentos,
por KÁTIA GERLACH
Janayna Pereira Obra: Sem títiulo n°1
LITERATURA BRASILEIRA
ARTIGOS
Rotas da lusofonia
O ESPÍRITO DA PALAVRA Miguel C. Sepúlveda por
1
É na alma do ser humano que está sua essência. Nela mora a beleza do divino, fonte das manifestações do amor, da compaixão, da humildade, da gratidão, do altruísmo, da felicidade, valores universais, nos quais o homem busca inspiração para sua tarefa maior, a transcendência na existência. É dessa fonte, também, que brotam o sonho e a poesia, inspiração para o pensamento, semente fértil que vai germinar a palavra. Em ecos de liberdade, ela nasce, e, manifestandose por letras ou sons, se enriquece com a multiplicidade de significados que pode expressar. Então, como um milagre, num sopro vital de beleza, graça e simplicidade, vai dar vida aos sentimentos, aos sonhos da alma e às inquietações da mente humana para as suas realizações. Assim, corações e mentes que buscam realizar fantasias e ideais – frutos da comunicação do pensamento – usam a palavra como imprescindível instrumento. A propósito da palavra, assim se expressa o poeta português Eugénio de Andrade em um de seus poemas: “As palavras, são como um cristal as palavras, algumas, um punhal, um incêndio. Outras, orvalho apenas". É para isso que serve a palavra, para comunicar, comunicar ideias e sonhos, tecendo laços e estabelecendo relações que vão contribuir para a plenitude do ser humano em sua busca pela felicidade e por uma vida harmoniosa em sociedade. No entanto, o território da palavra vai muito além e, conforme o solo em que germina, ela, com sua força devastadora, pode desempenhar a função do punhal que destrói esperanças, espalhando a morte e a desilusão. As palavras rompem fronteiras, superam limites, inauguram horizontes, e, muitas vezes, se manifestam como o doce orvalho que vivifica, acalma e embeleza. Por tudo isso, devemos à palavra extremo zelo e respeito. Como diz o escritor africano Luandino Vieira: “As palavras mentem, mas os homens falam verdades com elas.” Então, as tempestades, catástrofes, suaves aragens ou brisas perfumadas que elas espalham nos corações que as recebem, sempre dependem do espírito em que foram geradas, da indiferença, da hostilidade ou do amor que lhes deram vida. A palavra sempre foi, é e será fundamental como elemento de comunicação em nossa vida. Seja ela oral, escrita, desenhada, transmitida por meios convencionais ou modernos, nos jornais ou redes sociais, ela é importante e essencial sempre. Para expressar sim, para dizer não, para deixar dúvidas, ela acompanha o homem ajudando-o a fazer história e estórias no seu cotidiano. Segundo o pensador russo, M. Bakhtin, a palavra é o modo mais puro e sensível da relação humana. As palavras depois de ditas ou escritas passam a ter vida própria. Já não pertencem a quem as proferiu. São do mundo, pertencem ao outro – leitor ou ouvinte. Com isso, ganham novos sentidos. Cada um de nós percebe as palavras de acordo com suas vivências.
8
Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.
As palavras, quando bem escolhidas, comovem, tocam. São capazes também de polemizar, convencer, calar. A palavra por si só é um signo neutro. Quando contextualizadas, as palavras são poderosas. Elas têm força. Têm energia. Elas carregam em si a força e a energia de quem as expressou. Com elas, podemos alterar o clima do meio em que estamos e até mesmo o comportamento das pessoas ao nosso redor, e, às vezes, sem que percebamos. Elas são como espelhos, expressam nossas vontades, anseios, angústias, refletem nossa alma. Exteriorizam nosso mundo interior, embora nem sempre consigamos transmitir com palavras o que se passa no coração. Mesmo com todo o encanto mágico das palavras, elas nem sempre traduzem, completamente, nossas emoções. O exercício da arte literária, em razão das múltiplas possibilidades oferecidas pela nossa língua, requer, do escritor, grandes cuidados e responsabilidades, principalmente no zelo com a preservação do vernáculo, no uso da fala e da escrita, que, para ser fonte de uma comunicação fidedigna, deve se apresentar dentro dos padrões de correção exigidos pela arte literária. Sem esquecer que a palavra, escrita ou falada, como instrumento de comunicação, propicia grandes oportunidades ao ser humano e à sociedade, em seu crescimento e aprimoramento. E esse desenvolvimento natural passa, necessariamente, pela evolução do pensamento, do espírito e da alma de cada um que escreve e se comunica cotidianamente. Assim, a colheita de bons frutos vem com o cuidado e a preparação do terreno. Toda essa sinfonia orquestrada pelos efeitos da palavra é regida pela batuta da alma. Ora pelos seus sons de suaves concertos de amor, ora sob os sofrimentos trágicos da vida.
Miguel Campos Sepúlveda (Rio de Janeiro, 1935), educador. Fundador da cadeira 09 da Academia de Letras de Toledo (ALT), Paraná. 1
9
Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.
Janayna Pereira Obra: Sem títiulo n°2
LITERATURA BRASILEIRA
CONTOS
Rotas da lusofonia
DOCE DE MENINO por
Valdir José Pagliarini1
O menino observava, através do vidro do balcão do caixa, a variedade colorida de guloseimas e, indeciso, queria um... A caixa, gentilmente, apanhava o solicitado e o entregava à criança, que o analisava e, em seguida, o devolvia, para pedir outro, que lhe parecia ser mais apetitoso. A funcionária cumpria pacientemente seu papel, atendendo a criança, que não ouvia os conselhos da mãe. Esta lhe indicava um produto, dizendo ser melhor, ou tentava proibir outro, alegando fazer mal à saúde ou... em vão. O pequeno somente atendia aos seus próprios impulsos. A fila se formava; os clientes a tudo observavam, impacientes. Por fim, a funcionária permitiu que o moleque rodeasse o balcão para ver de perto o que ia escolher, na tentativa de agilizar o atendimento. Ele apanhou um pequeno recipiente colorido de plástico, em forma de brinquedo. Dentro, docinhos em forma de bolinhas coloridas. “Esse não”, disse a mãe, “você não vai nem comer os doces”. E tentou retirar o objeto das mãos do menino, que se esquivou e correu estabelecimento afora para saborear a sua conquista. A moça, educadamente, indagou se a senhora desejava mais alguma coisa. Ela respondeu que não, perguntou quanto devia e, enquanto pagava a conta, fez uma observação: “essas crianças... a gente não consegue mais lidar com elas...” E a fila aumentava. Os que estavam mais próximos, ao ouvirem o comentário da mãe, tiveram reações das mais diversas; muitos se entreolharam indignados, outros não se furtaram em olhar para ela com olhar de desaprovação, outros, ainda, balançaram a cabeça ou simplesmente riram. Certamente, todos que presenciaram a cena, até mesmo sem ter consciência do que realmente representava aquele ato, assistiram a um exemplo claro de como deseducar um filho. Afinal, o garoto nada mais é do que o reflexo de uma sociedade de consumo, que tenta nos enfiar goela abaixo, diariamente, todos os tipos de produtos. As crianças são o alvo predileto. Convivemos com a sedução do consumismo, não somente através da mídia, mas também nos supermercados e shopping centers, nas pequenas ações diárias, e até mesmo nas escolas. Mas o pior é o veneno que nossos filhos estão engolindo diariamente. Eles crescem, tornam-se adultos, sem terem vivenciado a experiência dos limites. Muitas vezes, nós, pais, escondemo-nos na desculpa de que somente queremos dar aos nossos rebentos aquilo que não tivemos a oportunidade de ter. Atitude que nos conforta e nos permite a cômoda facilidade de não ter que dizer não. Ou mesmo de enfrentar resistências. Não percebemos que estamos a um passo de nos tornarmos reféns de nossos próprios filhos. Antes de retirar-me do estabelecimento, observei que, logo atrás, se achegava mais uma criança, querendo a todo custo desprenderse da mão do pai. Pensei em ficar mais uns instantes por ali, mas decidi sair, para não ter que assistir ao mesmo filme.
11
Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.
Valdir José Pagliarini 1
(Luzerna, Santa Catarina, 1956). Poeta, contista e cronista. Professor da Rede Estadual do estado do Paraná. Casado com Solange Fagotti Pagliarini. Reside em Toledo desde de julho de 1965. Titular da cadeira número 7 da Academia de Letras de Toledo (ALT), Paraná.
Janayna Pereira Obra: Sem títiulo n°3
LITERATURA ESPAÑOLA
COLUMNA
Rutas Literarias de Iberoamerica
EL CLAMOR DE LAS COSAS Cristina Gálvez Martos por
1
Árbol fundacional
El árbol de mango era el punto fundacional de ese lugar. El árbol era el centro, y de él crecía un radio que abarcaba todo lo demás. Cada mañana de ese período de vacaciones yo salía de casa, a menudo descalza, luego de comer un pan con mantequilla que mi abuela había tostado hasta casi quemarlo. Mi primera parada era casa de María F., donde a menudo me invitaban nuevamente a desayunar, ofrecimiento que yo rechazaba amablemente. La segunda parada, ya en compañía de María F. y alguno más que hubiésemos encontrado en el camino, era el árbol de mango. Comenzábamos el ascenso, más que por la recompensa de los frutos verdes – que comeríamos picados con sal, adobo, vinagre, ajo en polvo-, por esas dos horas musicales entre las hojas mecidas por la brisa marina, las risas y las voces. Nunca fui demasiado ágil. Cuando éramos varios, siempre tenía mayor dificultad que el resto en comenzar a trepar y en llegar a las ramas más altas. Se debía, en parte, a mi tamaño: mis extremidades cortas no me permitían alcanzar los puntos de apoyo de los que otros niños más larguiruchos fácilmente se asían, para luego impulsarse y ascender hasta la copa. El otro factor que influía era mi carácter, siempre un poco retraído: no es que fuese tímida como tal, se trataba de cierta cautela en la acción, en la palabra, en el trato; de una parsimonia en los movimientos propio de las personas más imbuidas en su propio interior. Esto me hacía aparentemente más lenta, con reflejos más tardos, envuelta en un aura un tanto apartada de la realidad física. ¿Se vuelve, alguna vez, a estar tan viva como se estuvo en la infancia? ¿Se sentirá ahora tan rugosa la corteza bajo los pies, se apreciarán tan nítidas las grietas? Puede que todavía se haga presente el tenue olor a madera, a savia de hoja, y que se sienta el tallo resistirse al desprendimiento de su fruto. Y que la carne, entre ácida, dulce y salada, nade en la boca hecha jugo. Tal vez, si se insiste en la observación, sea tan rojo el color de las cayenas. La risa es un manojo de semillas, una maraca batida tenuemente por el buen espíritu, es el doble filo de una serpiente cascabel, invoca el todo: es escuchada en lo bajo y en lo celeste, es del pájaro y del vientre de la tierra. Eso todavía no lo sabía, pero se me encendía un sol dulce, tostado, bajo el ombligo, cuando la risa me conducía a su mirada, entre los dibujos de sombras que proyectaban las hojas del árbol; entonces, avergonzada, instauraba un otoño en que todas las cosas se escondían y se hacían miel. Era el instante de los demonios y los dioses. El fuego y el sosiego
A unos metros de ese centro crecía una diminuta planta de ajíes, que solía pasar desaper13
Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.
Fragmento de una serie de relatos en torno a la memoria
cibida. Ese día se dejó ver: en los ojos ávidos se encendió una chispa de maldad. Fue él quien me invitó a probar el fruto –o, más bien, me retó: A que no lo haces–. Y con un a que sí fui diligente, porque de alguna manera siempre he logrado hacer una misma cosa mi rebeldía y mi sumisión. Pasaron pocos segundos luego de tomar el bulbo con los dedos y sentirlo crujir entre mis dientes. El ardor se expandió desde la boca hacia todo el rostro y las manos. Me incendiaba un fuego que nunca antes había conocido. Me ayudaron a llegar, ciega del llanto, hasta un chorro de agua cercano, pero el líquido fresco que bebía, y que caía a borbotones sobre mi rostro, apenas lograba calmarme. Alguien me acompañó a la casa, y mi abuela, en estado de alarma, improvisó algunos remedios: tragué cucharadas de azúcar y mi boca fue lavada con abundante jabón azul, como si hubiese dicho algo prohibido. Poco a poco el fuego se fue apagando, igual que el día en que una aguaviva grabó sus tentáculos en la piel de mi tobillo y tuvieron que llevarme a rastras. Igual que cuando llegué con las manos raspadas y las rodillas al rojo vivo, producto del impacto sobre el pavimento caliente. Igual que cuando mi piel, muy sensible para el sol inclemente, quedó colorada e inflamada, “como un tomate”. Igual que cuando me encendí de fiebre. Mi abuela era el hada apaciguadora. Nos preparaba baños de asiento con manzanilla o dejaba caer gotas de la misma tizana, fría, en nuestros ojos u oídos. Esparcía una capa de crema espesa, blanquísima –esa que venía en una latita azul- sobre la piel ardida. Cerraba las cortinas, nos ponía sombreros para protegernos del sol, arrimaba un ventilador a la cama durante la siesta, aplicaba alcohol sobre las picadas, calmaba el hambre con jugosas ensaladas y pescado frito. Luego de horas de juego, yo volvía a casa irradiando el calor intenso de la costa, encendida de andar bajo el cielo celeste, entre las palmeras verdes y las trinitarias púrpura, con granos brillantes adheridos a los pies. Bastaba una ducha y colocar mi cabeza sobre la almohada blanca para que todo el exceso se dispersara. Mi abuela era soberana de ese lugar de colores fríos, de brisa serena que se colaba entre tules y telas. El clamor de las cosas
Las ramas eran brazos fuertes que nos sostenían. Los insectos tejían mensajes y, alrededor, todos éramos el mismo halo de existencia. Mi abuela era un hogar, un ámbito, un lugar de regreso, Ítaca cotidiana. La costa es, aún, el clamor de las cosas presentes, declaración cálida y estridente de cada ser, animal, vegetal, mineral; palabras cromáticas o susurros marinos. Su risa fue un nido de abejas que siempre guardé. El pequeño fruto rojo, la premonición de que, bajo mi manto de agua, siempre buscaría arder.
14
Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.
1Cristina
Gálvez Martos (Caracas, Venezuela, 1987). Es Licenciada en Letras por la Universidad Central de Venezuela. En 2013 ganó el Concurso para Autores Inéditos de Monte Ávila Editores en la categoría de poesía con su obra Psicopompa, libro editado por la misma casa editorial en 2015. Su poemario Bicorne (Casa de las Letras Andrés Bello, 2016) obtuvo una mención en el VI Concurso Nacional de Poesía.
Janayna Pereira Obra: Sem títiulo n°4
LITERATURA ESPAÑOLA
COLUMNA
Rutas Literarias de Iberoamerica – Ex professo
CORTOCIRCUITOS GENERACIONALES I por
David Ortega1
En mi primer año en la universidad, en clase de Ética, un compañero y el profesor (los
dos pertenecientes a la generación del Baby Boom) charlaban abiertamente sobre el imperativo categórico de Kant y su máxima primitiva recogida ya en tiempos de Confucio. Los dos se congratulaban de pensar y actuar siempre bajo esa máxima de la ética deontológica kantiana. En “Fundamentación de la metafísica de las costumbres” (1785) Kant expone claramente las formulaciones del imperativo categórico: «Obra sólo según aquella máxima por la cual puedas querer que al mismo tiempo se convierta en ley universal. Obra como si la máxima de tu acción pudiera convertirse por tu voluntad en una ley universal de la naturaleza» (AA IV: 421) «Obra de tal modo que uses a la humanidad, tanto en tu persona como en la persona de cualquier otro, siempre al mismo tiempo como fin y nunca simplemente como medio» (AA IV: 429) El profesor, a punto de jubilarse y sentarse en un sillón de catedrático emérito, propuso realizar un experimento mental. Esto es, nos situó en un caso hipotético para aplicar la máxima: ¿Qué haríamos si veríamos que alguien se está ahogando en un río y nosotros tenemos la posibilidad de salvarlo? Aquí entraba en juego un valor históricamente adscrito a la moral cristiana: el pecado de omisión. Siguiendo la máxima kantiana ilustrada, contraémos el deber de responsabilizarnos y actuar en favor de quien se ahoga (es decir, de nosotros mismos poniéndonos en el caso de que fuéramos uno de nosotros el que se está ahogando) Es de una lógica aplastante, cuyo conector es bidireccional y biunívoco. La moral cristiana irá más allá: “ama al prójimo como a ti mismo”. Amándole a él, te entregas a Dios. Omitir el deber de socorro es una ofensa a Dios porque lesiona la naturaleza del hombre y atenta contra la solidaridad humana. Se levanta contra el amor que Dios nos tiene a todos y aparta de Él nuestros corazones. Sin embargo, el derecho penal español (también el francés, alemán, el italiano y el portugués) recogen la idea contractual de comisión por omisión: es decir, hace falta que la omisión cause el daño: La persona no actúa en base a lo que manda el deber jurídico (la ley, la norma de mandato) y produce un resultado que no debe producir. El alumno del Baby Boom estaba absorbido por el timbre de voz y la gracia sutil que desprendían las palabras no maniqueas de quien declamaba su discurso muy seguro y certero, cual predicador en tiempos previos a los filósofos de la sospecha. Su generación había sido inculcada, a pesar de todo (el pensamiento que rompe tarda muchos años en identificarse y hacer grietas) en la disciplina, la moral del trabajo, en la moral cristiana, en la 16
Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.
Baby Boom: (1945-1964)
Generación X:
(1965-1984)
Generación Y: (1985-2004)
la moral del imperativo o del deber por encima de todo. Así que la correspondencia generacional entre el susodicho alumno y el profesor era un vínculo imposible de romper. Era del todo insospechado que el profesor y el alumno Baby Boomers, aceptaran otro modo de pensar aquel hipotético caso. Aunque, por suerte, estábamos entre filósofos. Entonces, les propuse otro caso distinto. Hasta ese momento, apenas había intervenido en la discusión. Les dije que pensáramos sobre una mujer y un hombre que se están pegando el uno al otro en la calle. Les propuse el mismo caso Neyra (un profesor de teoría política español se había hecho célebre por intervenir en la agresión de un hombre a una mujer acaecida en el verano de 2008), que los medios habían tildado de héroe identificando su caso con una intervención altruista en un caso de violencia conyugal o de género. Los dos contestaron que Neyra había hecho bien en intervenir porque es un imperativo y un deber cívico salvaguardar la integridad de las personas, en este caso, la mujer por ser más débil físicamente que el hombre. Entonces, les di una información suplementaria que habían pasado inadvertida y que Neyra tampoco había sabido analizar aquel fatídico día: El hombre y la mujer eran politoxicómanos y se enfrentaban en esas tensas disputas diariamente, por efecto de las drogas, la ansiedad, y accesos transitorios de locura. Era su día a día. El profesor Neyra no supo valorar bien la situación y se puso potencialmente en peligro. La suya fue una intervención temeraria. Sobre todo, mediar él solo en plena vorágine de violencia contra un hombre mucho más fuerte que él, seguramente pensando que su autoridad de hombre más mayor y status de profesor le valdría para aplacarle. Nuestro profesor no cedió, dijo que Kant era taxativo. Lo cual parecía una redundancia. No se podía omitir el daño que infringe una persona a otra, y viceversa. En cambio, el alumno Baby Boom se quedó callado por primera vez desde que comenzó la discusión. Me di cuenta de que miraba al suelo, seguramente reflexionando emocionalmente sobre aquello. Hablé de que no todos los casos son iguales: Kant aplicaba una lógica clásica con cuantificadores universales en su ética deontológica (no podía aplicar otra) mientras que nosotros, como seres más evolucionados, debemos aplicar una lógica difusa en los juicios y la toma de decisiones. Siempre se nos escapa una información, nuestro análisis es sesgado, tendemos a involucrarnos emocionalmente, personalizar, y debería prevalecer en nosotros la capacidad de analizar más variables. Noté que el alumno Baby Boom me miraba detenidamente. Hacía media hora había pregonado a los cuatros vientos su amor incondicional a Kant. “¡Es el genio más grande, el filósofo total!” Estaba de acuerdo en eso. Pero, él había vivido hacía más de dos siglos y no convenía ajustar ideas exactas a otros tiempos (aunque pensar sobre ellas sea necesario). El filósofo debía ir más allá, ser un hombre-puente, sin ideología, neutro. Adscribirse a una corriente de pensamiento por gusto era entrar en personalismos y someter la razón al ego que se ha conformado sin nuestro consentimiento. Tras varios dimes y diretes, el profesor consumió un último cartucho que me pareció tener un regusto demagogo: “Hay situaciones en las que no hay tiempo. Simplemente, hay que actuar. Por ejemplo, un atentado terrorista. Perderíamos un tiempo precioso si quisiéramos entrar a valorar la situación de un modo más inteligente. El deber es acuciante” Entonces, le dije: “Las valoraciones se pueden hacer de manera muy rápida, todo depende del trabajo que haya hecho uno en sí mismo. Tampoco chocan esencialmente con la idea del deber. Pero, esas valoraciones sí deben de hacerse sin una moral, ser completamente neutras”. El alumno Baby Boom se mantuvo en silencio hasta el final. Sólo fue a la salida de la clase, que se dirigió a mí, con un embeleso nuevo en la mirada. Me dijo que tenía razón en todo 17
Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.
lo que había dicho. Me pidió mi número de teléfono y me estuvo llamando varias veces, demasiadas veces. Me di cuenta de que creía haber encontrado otro maestro, un gurú al que seguir los pasos. Así era la moral de su generación. Necesitaban de una figura que les guiara, paternalista, no podían ser autodidactas, emprendedores. Habían vivido una dictadura. En una de nuestras últimas conversaciones, le hablé de la figura de Jacotot, el maestro ignorante de Rancière… el marxismo había aportado algunas cosas buenas. Una de ellas era la de romper el modelo esclavo del alumno frente al maestro. La transformación se estaba dando hasta llevarse a situaciones radicales, lamentablemente, como siempre ocurre, en la que se invertían los roles, y ahora era el alumno quien ajusticiaba al maestro. Sin embargo, el conservadurismo de los años de la dictadura en los que él había madurado como persona (desde los 12 hasta los 25 años) perpetraba ese modelo extremo. Los padres eran reyes, los profesores emperadores y los médicos dioses inexpugnables. Sólo había una verdad y tiempo absolutos como en tiempos de Galileo. Me preguntó qué moral era posible y le dije que había que atender a las virtudes aristotélicas (éticas y dianoéticas) que eran esencialmente taoístas. “Contra mejor seas, más claro tendrás cómo debes actuar en cada momento y situación. El hombre virtuoso sabrá cuál es el camino”. Poco después, nuestros caminos se separaron indefectiblemente.
18
Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.
David Ortega (Bilbao, España, 1981). Es licenciado en Filosofía con Master en Filosofía teórica y práctica, UNED. Ha escrito un libro de viajes autobiográfico: El último viaje, sobre Alaska (USA); una novela de ficción: El secreto de Nina; y una novela negra que pronto estará disponible: Casi héroes. Sus tres escritos están basados en hechos reales. También ha realizado un ensayo sobre los fundamentos ontológicos de la estética: Diaphainon, que obtuvo la máxima calificación en la carrera. 1
Janayna Pereira Obra: Sem títiulo n°5
LITERATURA ESPAÑOLA
COLUMNA
Rutas Literarias de Iberoamerica
LA BURLA COMO POLÍTICA DE ESTADO por
Oriette D’Angelo1
Yo me burlo. Tú te burlas. Él se burla. Ella se burla. Ustedes se burlan. Nosotros nos burlamos. Así, desde el gobierno, desde la ideología de un sector que no ha querido incluir a quien piensa diferente. Yo sí, tú no. Esto sí, aquello no. Así, durante casi dos décadas. Sentirse mal por estar en contra, sentirse mal por no sentirse incluido, sentirse mal por la división, aceptar el “bullying” nacional como política de Estado. Eso es lo hemos sido, aunque a algunas personas les cueste aceptarlo. La burla política como método de humillación pública. Y sí, hablemos de la humillación pública. Hitler lo hizo. Mao lo hizo. Era efectivo. En el gobierno de Mao en China, por ejemplo, era un método de castigo por la comisión de diversos delitos. En esta foto2, por ejemplo, el hombre que tiene el gorro es un funcionario acusado de seguir y promover ideas capitalistas. Con este método, el gobierno de Mao alentaba a la gente a actuar desde la revolución, a mostrar fidelidad y a no «desviarse». Ahora, vea esa foto e imagine que cada una de estas personas no son rostros, sino mensajes lanzados a través de los medios de comunicación. Imagine tweets, estados de Facebook, memes, pantallas de televisión, emisiones de radio. ¿Qué vale más, la presencia de un rostro o el mensaje? Ahora, imagine que los rostros de esta misma foto pertenecen a los gobernantes de un país, gobernantes que deben velar por todos los sectores, gobernar para todos los sectores, procurar la protección de todos los sectores. Imagine que en el medio no hay un hombre, sino una idea. Imagine que le gritan por pensar diferente, que lo humillan como castigo por no formar parte de algo, que le gritan porque la libertad de existir y pensar de forma diferente no es posible. Así ha sido mi país en los últimos 18 años. La burla como política de Estado. En Venezuela, un joven estudiante se desnuda ante centenares de militares y policías. ¿Su petición? El cese de la represión. ¿Su castigo? Represión. Bombas y perdigones contra su cuerpo pálido y desnudo. ¿La postura oficial? La burla. La risa. El bullying. La humillación pública a través de comentarios sobre su cuerpo. El presidente de mi país se burla de él y se burla, así, de una idea. Y no es nuevo. Oponerse al gobierno de mi país es, por ende, sufrir el desprecio por parte de la política oficial. Es que te llamen burgués, escuálido, derechista, fascista, contra-revolucionario, majunche, “manitos blancas”, terrorista, oligarca, imperialista. También se burlan del hambre con la popular frase “la dieta de Maduro te pone duro”. O se burlan de los venezolanos que tuvieron que cruzar el río Guaire (río que constituye la principal vía de desagüe de las aguas residuales de las aguas residuales de Caracas) para evitar ser reprimidos por militares utilizando el hashtag #AlGuaireLoQueEsDelGuaire. Es decir, los venezolanos que protestan como metáfora de 20
Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.
Imágenes disponibles en nuestra web. 2
las aguas residuales de Caracas) para evitar ser reprimidos por militares utilizando el hashtag #AlGuaireLoQueEsDelGuaire. Es decir, los venezolanos que protestan como metáfora de aguas residuales, como lo que sobra, como lo que se desecha, como lo que huele mal. No sé lo que es ser ciudadana de un país donde sus representantes políticos no ejerzan el poder desde la intimidación, la humillación y el acoso. Las ideas de los que estamos en contra de ellos son, así, un cuerpo desnudo recibiendo perdigones. Una vez, en una manifestación, un defensor del gobierno lanzó una botella de vidrio directamente hacia mi cabeza. Yo pude agacharme, y por suerte no me impactó. Me gritaba que “eso” me pasaba por tener las “manitos blancas”. Tener las manos blancas, en ese momento, era símbolo de ser estudiante y protestar. Era símbolo de salir a manifestar en paz. Era estar desnudo ante una idea que empezó a existir desde el odio. Nos atacan. Se burlan. Nos acosan. Tiene miedo de mirarnos a los ojos.
21
Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.
Oriette D’Angelo (Caracas, Venezuela, 1990). Estudió Derecho en la Universidad Católica Andrés Bello (UCAB) y Maestría en Comunicaciones Digitales en DePaul University (Chicago). Autora del poemario Cardiopatías (Monte Ávila Editores, 2016; Premio para Obras de Autores Inéditos, 2014). Seleccionó y prologó la antología de poesía venezolana Amanecimos sobre la palabra (Team Poetero Ediciones, 2017). En 2015 obtuvo el segundo lugar en el I Concurso de Crónicas de la Fundación Seguros Caracas y en 2016 el tercer lugar en el Concurso Iberoamericano de Poesía “Letras de Libertad” de Un Mundo Sin Mordaza. 1
Janayna Pereira Obra: Sem títiulo n°6
LITERATURA LUSÓFONA
COLUNAS
Rotas da lusofonia
A IMPOSSIBILIDADE DE SER UMA ÁRVORE por
Magda Fernades1 e José Domingos2
Observamos a magnificência das árvores, a sua quietude segura. Intuímos o seu tempo particular, a sua lentidão. À nossa volta, é como se os ponteiros inexoráveis do relógio desacelerassem até ao limite da imobilidade, em avanços imperceptíveis. E então, cansados da velocidade, queremos fazer parte desta outra realidade. Nasce em cada inspiração o desejo crescente da metamorfose. No entanto, não queremos ser Dafne a fugir de Apolo, como se o adquirirmos a forma vegetal fosse um refúgio de algo que nos indigna. Antes queremos entregar-nos todos à mudança como um fim em si. No meio das árvores, sentimos que se pudéssemos desejar ainda um pouco mais, ou respirar um pouco mais fundo a sua exalação, poderiam crescer-nos minúsculas raízes nos pés, ou folhas nas pontas dos dedos… Então, deparados com a nossa impotência, criamos para a fotografia um teatro lento. Impingimos à película os nossos corpos como os corpos das árvores. Como atores, pausamos todos os movimentos voluntários. Imaginamos como será viver dentro da rigidez de uma casca, estar preso ao chão, movermo-nos não por vontade própria, mas pela solicitação do vento. Ver as folhas, flores, os frutos caírem aos nossos pés e ver a natureza fazê-los seguir os seus desígnios. Não fazer nada. Só ser. Só estar. Só sentir. Mas a câmara denuncia o tempo fugaz da nossa humanidade. Trai-nos a ânsia pulsante da nossa seiva íntima. Não há alquimia suficiente na fotografia que permita a transformação. Revela-se na imagem a maciez da nossa carne, a elasticidade dos músculos, a mobilidade das articulações. Ficam registrados os nossos constantes movimentos internos, involuntários. É nesse ponto de bloqueio que nos vemos obrigados a aceitar a nossa condição - a nossa humanidade permite-nos (mais ainda, pede-nos) que abrandemos o nosso tempo voraz, mas não nos deixa mudar… E é nesta aceitação da impossibilidade da metamorfose que se induz um novo e perfeito estado de comunhão com a natureza. 23
Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.
1Magda
Fernandes (Porto, Portugal, 1981) e 2 José Domingos (Paris, França, 1974). Colunistas da Philos e fundadores da Imagerie, Casa de Imagens, criada em Lisboa.
Janayna Pereira Obra: Sem títiulo n°7
LITERATURA BRASILEIRA Rotas da lusofonia
NÃO ERA por
Leandro Jardim1
Não eram os olhos — entreabertos indicando o infinito. Nem o cabelo, e seu sugestivo amarelo de outrora. Não eram as esparsas nuvens, que manchavam — qual marcas do tempo ou tinta — o azul claro e profundo do céu à volta. Por certo o vidro do carro antigo à meia altura também não era o motivo. Nem o movimento que refletia. Assim como também não era o pedaço de carroceria preta que podia ser visto. Tampouco eram suas vestes, o lenço de bolinhas preso ao pescoço ou o esmerado caimento do laço. Não era a maquiagem sutil, o negrume dos cílios, a bilha esmeralda. Nem os pensamentos que a mulher guardava, sua beleza incomum. Não eram as histórias reais que trazia consigo, as dificuldades da infância, o casamento falido ou os rumores de traição. Não eram todas as ideias que se fazia a seu respeito, não eram as notas da assessoria de imprensa. Tampouco era a trama que envolvia a sua personagem. A expectativa do enredo, a promessa de um triller noir. Não era também o ritmo que se poderia intuir em sua respiração, a voz soprada e firme, a postura, a inclinação da cabeça levemente para cima. Talvez ela pensasse nas contas por pagar, talvez lamentasse a lentidão com a qual transcorria a gravação, talvez lhe pesasse o que poderia ter sido. Talvez lhe pesasse o que já não era mais. Talvez pesasse o que se prenunciou em vão. Mas não era isso. Pode ser que sentisse saudades, ou que odiasse alguma situação. Pode ser que estivesse divagando por algum lugar distante, ou rememorando as próximas tarefas. Talvez não quisesse estar ali. Talvez não quisesse estar pensando no que pensava. Talvez sentisse raiva, ou medo, ou dúvida. Mas podia estar admirando também: uma flor, uma pessoa, um instante. Ou podia estar simplesmente despistando olhares. Não importa, não era também isso. Não era a conversa que ouvia ao longe. Não era o frio ou o calor. Não eram os lábios iminentes, ou seu vermelho fugidio. Não era o nariz, o nariz simplesmente. Não era. Nem a orelha era, ou seu brinco escondido por uma fina mecha de cabelo. O ar blasé não dava conta sozinho, assim como o cenário ou a iluminação. As sardas sutis pareciam dizer muito sobre aquele rosto, mas também não eram elas. Tudo fazia parte, mas não era nada em particular. Não era o vinho tinto das unhas, as esguias curvas da mão, o pouso da mão, a placidez da mão. Não era a mão também. Os sonhos que tinha desde menina, realizados ou não, a evidente perda de alguma inocência, a aparente manutenção de certa ingenuidade, igualmente não eram. Assim como não era o ombro à mostra, esse ombro que certa vez fora tocado por uma mão pesada e quente. Não era também o osso da saboneteira, por onde os mesmos dedos deslizaram. Não era o sonho, a noite anterior. Nem o perfume.
25
Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.
COLUNAS
De todas coisas que não eram, o perfume seria a principal delas. Mesmo sendo um perfume tão marcante como marcante é uma cor sem nome, mesmo evocando alguma viagem memorável ou o encontro em que um aroma sutil tivesse sido descoberto como se emanasse do gesto. Ou dos pelos. Mas não era o perfume. Não era também a leveza da cena, que parecia apontar para a flutuação. Ou a intensidade, que tencionava para dentro. Não era a luz apenas, o ângulo, o recorte pretendido. Ou tudo o que já se adivinhava. Não era nada disso. Não era a textura do dia. Não era o queixo. Nem o vento. Não era o olhar também. Aquele olhar, não era. Era a fotografia. A fotografia apenas. Era unicamente a fotografia. E já não era mais.
26
Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.
Leandro Jardim (Inglaterra, 1979). Formado em comunicação e pós-graduado em engenharia de produção. Professor na área de gestão, atualmente é mestrando em administração pela PUC-Rio. Publicou os livros ‘A angústia da relevância’ (Romance, 2016), ‘Peomas’ (poesia, 2014) e ‘Rubores’ (contos, 2012) pela Editora Oito e Meio; além de outros dois de poesia: ‘Os poemas que não gostamos de nossos poetas preferidos’ (Orpheu, 2010) e ‘Todas as vozes cantam’(7Letras, 2008). 1
Janayna Pereira Obra: Sem títiulo n°8
LITERATURA BRASILEIRA
COLUNAS
Rotas da lusofonia
TRANSMUDAMENTOS por
Kátia Gerlach1
Laurita Morales manuseava as pilhas de papel armadas pela secretária sobre a mesa durante a sua ausência. Dentre aqueles calhamaços, uma carta do Centro de Pesquisas Espaciais, um convite para que Laurita participasse de um experimento para octogenários, termos e condições a subscrever, o cosmos a esperar. Inúmeras foram as palpitações de Laurita ao se surpreender com a entrada súbita do engraxate na sala. Era o noivo de Rosina, “a menos vesga de todas”. Ele testemunhara o sequestro de Pietro Paolini e, esbaforido, soltou uns versos: "A madrugada passou em nós a sua língua fria, As simetrias do Quadrado alteraram-se Quando demos por nós Metamorfoseados pelo fogo do meZcal, Uma ximbica arrancava com a cabeça de cachalote E o corpo do cantor de ópera, Jogados na mala traseira onde o enxovalharam Entre os caixotes, entre os gigantes estrangeiros Bateram as portas brancas e metálicas E as galochas sumiram" Seriam as mesmas galochas que desapareceram no dia treze de abril de mil novecentos e dezessete?, perguntou-se Laurita. O engraxate não sabia responder. Disse que era tudo o que lembrava. Acenou em reverência militar à Laurita e retirou-se da sala mediante um agrado em pesos. O quanto não vale um verso no continente dos detetives selvagens. Já no nível da rua, o homem puxou Rosina pela mão e ambos partiram para acompanhar a procissão. Gesticulavam a mecânica da cruz em frente ao peito vezes seguidas, preparavam-se para imolações. Os pães de aveia com manteiga forravam o estômago e nutriam a excitação pela fé. Da sacada, Laurita observou o casal partir. Não conhecia aquele engraxate. Ele era um índio, de rosto enrugado e bafo de bebida. Deixara a mulher na rua ao invés de subirem juntos, talvez se acabrunhasse com a fealdade dela, a mona. Certamente, ele seria um dos cento e oitenta e três proprietários de camarotes que adornavam o Quadrado. Antes que o caos se instaurasse, o barítono sequestrado fora contratar os serviços dele e de nenhum outro. Supunha-se que os agentes estivessem agora no encalço do engraxate falastrão com pretensões poéticas. A Praça Alfred Jarry enchia-se de enigmas geométricos e espiões secretos. As retas rebelavam-se ao poder frenético dos deuses e dos homens. Dos ângulos obtusos e agudos formava-se um losango, desfazendo o Quadrado K-4 original. O coreto afundava no areal fosforescente no meio da praça, centro da circunferência contida pelo quadrilátero. As musas e membros da orquestra imploravam para que um guindaste os
28
Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.
para Almada Negreiros
“O homem, devo dizê-lo, finge que dorme, mas na realidade ouve sons. O celeiro range interminavelme nte a noite inteira, a cada rajada de vento as madeiras respondem com um gemido particular e levíssimo, e a orelha do homem está atenta às rajadas e aos ruídos do celeiro. Até que se aborrece. Às vezes, sonha com Boris.” Roberto Bolaño, O Espírito da Ficção Científica
resgatasse. Ao alto, outras nuvens, bolas de substância irritável, à guisa de vacas prenhas, aguardavam abrir as fendas para um dilúvio premeditado. A gente ludibriava-se com o ergot , a droga fermentada nos pães matinais. O coreto que se danasse e fosse parar em Hades, na busca do quinto dos infernos. Laurita apressou-se em chamar Dulac, da agência parisiense associada a Morales y Morales desde a véspera da Primeira Guerra Mundial. Tinham assuntos a tratar, inclusive sobre a rota das galochas. Na tarde camaleônica e rastejante do chão ao teto, a voz de Dulac nascia e morria na cacofonia criada pelas linhas distantes. Apesar da dificuldade, ele relatava que as autoridades italianas forneceram alguns elementos sobre o barítono desaparecido. O sujeito que tratava o manual científico de Humboldt como bíblico, despira-se no camarote do engraxate sem importar-se com as quinceañeras na praça e ameaçara com cinto o lustrador dos calçados havia passado pela casa “kalabukhovsy” na rua Prechistenka durante a juventude. De acordo com o cartório de Nápoles, o registro de Pietro Paolini constava em cinco certidões de nascimento distintas, em datas consecutivas. Amnésico, o pai de Pietro Paolini continuava a insistir com o tabelião para que finalmente registrasse o seu filho. E não só. Durante quarenta e cinto anos, este pai amnésico pedira desculpas a um vizinho por causa do extravio de uma roupa pendurada no varal entre as varandas. O que mais apavorava Pietro Paolini: a perda da memória. Quer se lembrasse ou não, a carreira de rápida ascensão fora patrocinada por uma cantora lírica polonesa, colecionadora de lenços de seda estampada e maridos, seis no total. A fortuna da diva de Varsóvia o favorecera e enfurecera Ludmila, uma governanta atenta aos mimos do artista em troca de migalhas de afeto. O barítono, com aspirações mundiais sob as luzes sulfurosas das ribaltas, não tardou em dispensar as duas mulheres, ignorando seus paradeiros. Era possível que uma destas amásias estivesse envolvida no sequestro. Dulac prometia aprofundar-se na busca de vestígios. Finda a ligação com Dulac, Laurita repousou os olhos semicerrados sobre a mesa. Visões circularam no interior da sua cabeça, perturbada pela melodia do acordeão do Orfeu dos Chiapas, o único sobrevivente da orquestra afundada junto com o coreto no meio da praça. As investigações precisavam continuar. Entretanto, a voz de Dulac tomava-se pelo fading. As reminiscências agitavam-se entre as várias espécies de coisas, inclusive as lácteas e Laurita temia que quando visse Dulac, deixaria de vê-lo para sempre. Ele, o antisentimental, seduzira Laurita em Paris num passeio aos jardins do Grande Palácio. Amantes encobertos pelo êxodo das andorinhas russas, latochki, e corvos ultramarinos ultrapassaram os sete vales de Simurgh sem nada se prometerem. Na cama sobre lençóis encardidos, compartida com aqueles pássaros, despediram-se e reencontraram-se. Entre os braços espirais, os corpos convergiam em um ponto gramatical, o ponto final da frase, mas que se prolongara nos rastros de um romance fantasmagórico. A força que os impulsionava desvanecia, vindo a renovar-se absoluta por um sentido de escrita contínua. De uns tempos para cá, a voz quase finada de Dulac insinuava que o parágrafo estava por se completar. Eles que, em seus países diversos, sequer se habituaram um ao outro. Lágrimas arranharam o rosto da Grande Investigadora como pegadas felinas. Laurita envelhecia e ninguém poderia socorrê-la, lamentavam as musas do coreto mergulhado no areal e cujas cabeças permaneciam emersas. As musas que entoaram por Pietro Paolini, antigo dono do cãozinho Zamor. *** Um zumbido feminino, fantástico e aflautado divertia Pietro Paolini: latochki (“написание” Latochki, andorinha em russo.), repetia-se. O canto da andorinha fazia cócegas 29
Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.
“Nada mudou. O corpo sente dor, necessita comer, respirar e dormir, tem a pele tenra e logo abaixo sangue, tem uma boa reserva de unhas e dentes, ossos frágeis, juntas alongáveis. Nas torturas, leva-se tudo isso em conta.” Wislawa Szymborska
na orelha peluda do barítono. Sob a ilusão de salvar a memória vaga e pobre do refém, os olhos chispantes de uma mulher direcionavam-se a ele em vã tentativa. Ele esquecia-se do passado sem disso aperceber-se. Em sonho, Pietro Paolini refletia tão somente que, sem a força para levantar um forno gigante de três pernas ou uma montanha, como montaria no cavalo árabe a correr mil léguas por dia, como? Pietro Paolini estendeu a mão direita e ela caiu sobre algo úmido e duro, deixou que ficasse, o seu cronoscópio. Estava quase despertando porque sonhava que sonhava. No celeiro da hacienda de Ernesto Garcia e Madame Petróvska na aldeia, Pietro Paolini acordava sobre o leito de Procusto. In terrorem, desconfiava que lhe houvessem amputado as pernas para caber na cama de ferro. Não sentia o corpo. Qual não seria o seu espanto ao perceber-se esguio! A cama era, de fato, mais comprida do que seu corpo original. Os algozes, que remontavam a Elêusis, apiedaram-se dele e o anestesiaram antes de o esticarem. Meia dúzia de braços robustos se atarefara de alongar o moribundo. Importava que o corpo se acomodasse entre o gradeado tal qual o passado se encaixa nos limites da vida. Três camaradas louros, sardentos e de ombros largos, em cópias perfeitas, havia chance de que fossem irmãos, descalçaram o barítono, antes de o atarem à cama. Com o fito de desarmar um homem, convém arrancar-lhe as galochas em primeiro. O homem da urbes não sabe ir com o pé em matéria bruta, requer disfarces. Rasgaram-lhe o debrum da roupa e enroscaram o cinto nas pernas. Tomaram medidas com uma fita métrica. Em mil anos, Pietro Paolini não apagaria a agonia mais do que mortal que o acometia. A testa banhava-se em um vapor viscoso, exalando colônia Old Spice. O olor de fungos podres, a maturação do ergot, subia às narinas assim como o olor de pães frescos. Uma porta abria-se e fechava-se. Os sapatos de Pietro Paolini jogados sobre o piso haviam perdido o resplendor polido pelo engraxate; desvendados os pés, salientavam-se as calosidades, ossos novos que se feriam ao menor contato. O limpa-botas massageara as protuberâncias, aliviando o martírio de Pietro Paolini momentaneamente. No entanto, o sequestro levara-o do camarote do engraxate para aquele lugar ermo, de murmúrios em russo. Uma coronada na nuca apagara o clarão. Escalpelado, Pietro Paolini representava o sujeito amoroso sem que nunca houvesse amado. Vulnerável, expunha-se a carne viva aos mais leves ferimentos. Sob o poder dos sequestradores, Pietro Paolini permanecia com o cérebro mole e os pés em gélida nudez. Ao abrir os olhos, pestanejaria nervosamente e confrontaria os seus malfeitores, sujeitos de cérebros doentios e inconsequentes, de pés calçados em botas e cadarços firmes, inclusive Madame Petróvska, ciente, desde a infância, da lista de crimes que cometeria. Pietro Paolini, como um menino de pijama, riu de seu próprio medo e sentiu a urina arder a urticária entre as coxas. “Façam-me um favor”, disse Madame Petróvska. “Mudem as roupas dele.” Vladmir, Boris e Sorokin, membros da Sociedade Cirúrgica Russa, assentiram.
30
Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.
Kátia Gerlach (Rio de Janeiro, 1980). Radicada em Nova York, graduada em Direito pela UERJ. Mestre em Direito Internacional Privado pela Universidade de Londres e pela NYU School of Law. Professora de Direito na Fundação Getúlio Vargas e da Universidad Desconocida do Brooklyn sob a reitoria de Enrique VillaMatas. Autora de Colisões BESTIAIS (Particula)res pela Editora Oitoemeio, Forrageiras de Jade (2009) e Forasteiros (2013), editados pelo Projeto Dulcineia Catadora. Colunista da Philos e do Jornal Rascunho. 1
Philos PORTUGUÊS CATALÀ ESPAÑOL FRANÇAIS ITALIANO ROMÂNĂ REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA 15 abril 2017 · REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA 15 abril 2017