Philos v.3 n°.16 (2017)

Page 1

Philos PORTUGUÊS CATALÀ ESPAÑOL FRANÇAIS ITALIANO ROMÂNĂ REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA 16 maio 2017 · REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA 16 mayo 2017


Philos PORTUGUÊS CATALÀ ESPAÑOL FRANÇAIS ITALIANO ROMÂNĂ REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA 16 maio 2017 · REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA 16 mayo 2017

ADENIZE FRANCO & LUIZ HENRIQUE SOARES REINALDO FERNANDES JOÃO GUILHOTO CRISTINA GÁLVEZ MARTOS DANIELA BALESTRERO DIANA MONCADA MAGDA FERNANDES & JOSÉ DOMINGOS DAVID ORTEGA KÁTIA BANDEIRA DE MELLO-GERLACH ORIETTE D’ANGELO HELENA BARBAGELATA


PORTUGUÊS CATALÀ ESPAÑOL FRANÇAIS ITALIANO ROMÂNĂ maio 2017 · REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA 16 mayo 2017

REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA 16

EXPEDIENTE

REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA

Souza Pereira

EDITOR CHEFE | EDITOR EN JEFE

Sylvia de Montarroyos

COMITÊ EDITORIAL | COMITÉ EDITORIAL

Lucrecia Welter

REVISÃO DE TEXTOS | SUPERVISIÓN DE TEXTOS

Maus Hábitos

DESENHO E DIAGRAMAÇÃO | DISEGÑO Y DIAGRAMACIÓN

Dina Garcia

ILUSTRADOR | DIBUJANTE

SOBRE A OBRA DESTA EDIÇÃO | SOBRE LA OBRA DE ESTA EDICIÓN

Publicado originalmente em maio de 2017 com o título Philos, Revista de literatura da União latina. Os textos desta edição são copyright © de seus respectivos autores. As opiniões expressas e o conteúdo dos textos são de exclusiva responsabilidade de seus autores. Todos os esforços foram realizados para a obtenção das autorizações dos autores das citações ou fotografias reproduzidas nesta revista. Entretanto, não foi possível obter informações que levassem a encontrar alguns titulares. Mas os direitos lhes foram reservados. Philos, Revista de Literatura da União Latina é registrada sob o número SNIIC AG-20883 no Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais com Certificado de Reserva outorgado pelo Instituto Nacional de Direitos do Autor sob o registro: 10-2015-032213473700-121. ISSN em trâmite. Revista Philos © 2017 Todos os direitos reservados. | Publicado originalmente en mayo de 2017 con el título Philos, Revista de literatura de la Unión latina. Los textos de esta edición son copyright © de sus respectivos autores. Todos los esfuerzos fueron hechos para la obtención de las autorizaciones de los autores de las citaciones o fotografías reproducidas en esta revista. Sin embargo, no fue posible obtener informaciones que llevaran a encontrar algunos titulares. Pero los derechos les fueron reservados. Philos, Revista de Literatura de la Unión Latina es registrada bajo el número SNIIC AG-20883 en el Sistema Nacional de Informaciones e Indicadores Culturales con Certificado de Reserva otorgado por el Instituto Nacional de Derechos del Autor bajo el registro: 10-2015-032213473700-121. ISSN en trámite. Revista Philos © 2017 Todos los derechos reservados.

31

Philos, Revista Philos Revista de de Literatura Literatura da da União União Latina Latina || Revista Revista de de Literatura Literatura de de la la Unión Unión Latina. Latina.


EDITORIAL

REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA «O universo é feito essencialmente de coisa nenhuma. Intervalos, distâncias, buracos, porosidade etérea. Espaço vazio, em suma. O resto, é a matéria.» Tomamos como nosso o poema de Antônio Gedeão para estrear mais uma edição da Revista Philos. Nessas páginas, nossos autores assumem um tom crítico e reflexivo acerca do mundo e das nossas relações sociais, de si e do outro, dos caminhos que percorremos, dos amores e das paixões. A poesia corre intensa por estas páginas, como a correnteza dos rios caudalosos que se encontram para celebrar a fertilidade das águas. Comemoramos a escolha, por parte CPLP, da cidade de Salvador, na Bahia, como a Capital da Cultura da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. E para isso, convidamos uma das maiores artistas baianas da contemporaneidade, Dina Garcia, para assumir a direção de arte da Philos #16. Com um estilo único e inovador, as suas pinturas recusam a convenção acadêmica, sujeitas às leis instintivas da harmonia das cores na composição dos quadros. As obras de Dina são inspiradas pelo povo, pela fauna e flora, pelas riquezas tropicais do Brasil e pela figura da mulher brasileira. Essa inspiração lhe dá liberdade para criar obras multicoloridas e repletas de significações populares. Desejamos uma ótima leitura,

Souza Pereira

EDITOR CHEFE | EDITOR EN JEFE

4

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.


EDITORIAL

REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA «El universo es hecho esencialmente de cosa ninguna. Intervalos, distancias, agujeros, porosidad etérea. Espacio vacío, en suma. El resto, es la materia.» Tomamos como nuestro el poema de Antônio Gedeão para estrenar más una edición de la Revista Philos. En esas páginas, nuestros autores asumen un tono crítico y reflexivo acerca del mundo y de nuestras relaciones sociales, de sí y del otro, de los caminos que recorremos, de los amores y de las pasiones. La poesía corre intensa por estas páginas, como la correnteza de los ríos caudalosos que se encuentran para celebrar la fertilidade de las aguas. Conmemoramos la elección, por parte CPLP, de la ciudad de Salvador, en Bahia, como la Capital de la Cultura de la Comunidad de los Países de Lengua Portuguesa. Y para eso, invitamos una de las mayores artistas baianas de la contemporaneidad, Dina Garcia, para asumir la dirección de arte de la Philos #16. Con un estilo único e innovador, sus pinturas rechazan la convención académica, sujetas a las leyes instintivas de la armonía de los colores en la composición de los cuadros. Las obras de Dina son inspiradas por el pueblo, por la fauna y flora, por las riquezas tropicales de Brasil y por la figura de la mujer brasileña. Esa inspiración le da libertad para crear obras multicoloridas y repletas de significaciones populares. Deseamos una óptima lectura, Souza Pereira

EDITOR CHEFE | EDITOR EN JEFE

5

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.


SUMÁRIO | SUMARIO CONTOS | COLUNAS | ARTIGOS CUENTOS | COLUMNAS | ARTÍCULOS

8 Belchior e a

poética

, por ADENIZE FRANCO & LUIZ HENRIQUE SOARES

12 Maldito

passarinho,

por

REINALDO FERNANDES

14 Simónio,

biografia de um inútil por JOÃO GUILHOTO

19 Florecer

desde la muerte, por CRISTINA GÁLVEZ

MARTOS

22 Quando

l’amicizia colora di verde, por DANIELA

BALESTRERO

25 Anotaciones

sobre el milagro de las metáforas,

por DIANA MONCADA

28

Pamlimpsesto,

por

MAGDA FERNANDES & JOSÉ DOMINGOS

30 Estratagemas

tecnófilas desbancando el amor verdadero,

por DAVID ORTEGA

6

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.

34 Ofício

terrestre,

por KÁTIA GERLACH

39 Cumplir 27 años,

por ORIETTE

D’ANGELO

41 Alaúde I – O

sonho do carpinteiro, por

HELENA BARBAGELATA


Dina Garcia Obra: Sem tĂ­tulo


LITERATURA BRASILEIRA Rotas da lusofonia

BELCHIOR E A POÉTICA DA MELANCOLIA por

Adenize Franco1 & Luiz Henrique Soares2

Você não sente, não vê, mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo. Que uma nova mudança, em breve, vai acontecer. Assim dizia os versos da emblemática canção “Velha roupa colorida”, composta por Belchior em 1976. Eram tempos difíceis, como os de hoje. A força da palavra, canto torto, rompia e rasgava a carne de toda a opressão do mundo. O que esse cearense nos ensina é que há um corpo-vivo por detrás de toda a escrita, há a necessidade de afirmar nossa experiência de latino-americanos, construídos pela barganha das violências, e na escuridão das injustiças. E é pelas injustiças que cresce o desejo de amar e mudar as coisas. E amar, nesse mundo esquisito de hoje, é resistência. Belchior guardou uma frase para cada um de nós, nas dobras do seu blusão de couro velho e surrado, nas cordas do violão, no bigode e no sorriso faceiro de menino, com o nordeste estampado na cara e no coração. É difícil dizer adeus. É difícil dizer sobre o medo que senti quando voei de avião pela primeira vez, I wanna hold your hand, querido. Ano passado, eu morri, mas esse ano eu não morro : é uma frase que deveríamos dizer, é um verso que a América Latina, essa região de veias abertas, deveria dizer e cantar sempre. Na modernização da sociedade, o diálogo parece estar cada vez mais distante e rude. Somos pobres demais quando falamos de experiências, somos incomunicáveis. O que predomina é a ausência, o silêncio, o trauma e o rio que nos engana. Belchior traz a palavra viva e crua, e por isso existe. E por isso resiste. Belchior nos dá a receita da resistência: é nunca fazer nada que o mestre mandar, sempre desobedecer, nunca reverenciar . Ano passado, eu morri, mas esse ano eu não morro : é uma frase que deveríamos dizer, é um verso que a América Latina, essa região de veias abertas, deveria dizer e cantar sempre. Na modernização da sociedade, o diálogo parece estar cada vez mais distante e rude. Somos pobres demais quando falamos de experiências, somos incomunicáveis. O que predomina é a ausência, o silêncio, o trauma e o rio que nos engana. Belchior traz a palavra viva e crua, e por isso existe. E por isso resiste. Belchior nos dá a receita da resistência: é nunca fazer nada que o mestre mandar, sempre desobedecer, nunca reverenciar .

8

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.

ARTIGOS


A resistência em Belchior é pela melancolia, a melancolia do passado que habita reiteradamente os seus versos, afinal, o passado é uma roupa que não nos veste mais. A verdade do passado setentista do companheiro cearense, infelizmente, continua vestindo nosso presente, seja na perda dos nossos direitos, seja no retrocesso político que incendeia nossa capital, seja nos presos por portarem um vidro de vinagre, ou nos desaparecidos em nossas grandes cidades. O passado parece continuar nos vestindo, ainda que esteja apertado, porque amamos o passado e não vemos que o novo sempre vem. A produção artística de Belchior é uma tese sobre a melancolia. Esse traço, tão brasileiro quanto latino-americano, como afirmou outro conhecedor de nossa identidade, Moacyr Scliar. A melancolia que veio nos porões dos navios negreiros da África, que veio embalada nas velas portuguesas do colonizador, que esteve na fuga do massacre indígena e que atravessa as canções de nosso rapaz latino-americano. O que não é melancólico ao pensarmos na atualidade das suas composições? À palo seco, para ficarmos numa cançãopoesia, referência a um de nossos poetas maior João Cabral de Melo Neto, é um poema sobre a tristeza, sobre o desespero e sobre o que nos resta: - dançar um tango argentino (Manuel Bandeira). Ao mesmo tempo em que faz do desespero a faca de corte, poeticamente, divinamente poética, nessa construção sonora de linguagem cabralina: e eu

quero é que esse canto torto feito faca corte a carne de vocês . Verso tão sonoro que evidencia não somente a carne sendo penetrada, mas a intensidade (quase sentida como dentes sendo rangidos) daquele que sabe ter em mãos (e voz) a força da luta. Melancolia e poesia não rimam somente enquanto palavras, rimam também nessa poética da melancolia que é Belchior. O que aprendemos com o agora poeta morto é sobre os poetas mortos que o atravessaram: Poe e seu blackbird (ou seria o pássaro negro dos Beatles?), Pessoa e as lágrimas nos olhos, Caetano sendo contradito, o palo seco de Cabral, o terror de Anthony Burgess e mais e mais e mais. Porque é de poesia que se faz a vida e a obra de Belchior. Ele é o pássaro negro que pega as asas quebradas e aprende a voar. E tenta nos ensinar a fazê-lo também. Mas hoje, o que resta a esse coração selvagem? Ao meu e ao seu coração, que não conseguem digerir bem as perdas? Como digerir as perdas? Uma amiga me liga, diz que a comida não desce. A morte de Belchior é uma comida que não desce. Já é outra viagem. A vida não anda pisando devagar não, amigo. Som, fúria, solidão e saudade. Vem viver comigo, vem morrer comigo. Não sei de quantas quedas se faz uma desilusão ou de quantos sonhos juvenis se faz nossa utopia. Fico na esperança de ainda haver possibilidade de poesia depois disso tudo, cantar o amor e a saudade de casa, daquele amigo que foi atropelado cheio de esperança e fé, saudade do interior, do verde marinho. É que o mundo sempre estará naquela estrada ali em frente, Belchior me diria. Pela geografia, aprendi que há, no mundo, um lugar, onde um jovem como eu pode amar e ser feliz. Procurei passagem: avião, navio... Não havia linha praquele país. (da canção “Caso comum de trânsito”, de 1977) 9

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.


Sonhou e escreveu o Brasil. Belchior cantou o sonho e, com ele, o sonho se vai. A morte de Belchior é um pouco da morte do sonho . I have a dream... My dream is over! E o seu legado é o legado pela liberdade criativa num país atravessado pela sua história recente, um 1-9-6-4 que não sai do corpo, o perigo na esquina, a repressão, o exílio. Também submerso na liquidez e nas incertezas de seu tempo, Belchior cantou a juventude reprimida e o seu desejo de mudanças reais, com atores e ídolos que ainda são os mesmos. Quem sabe lá no trópico a vida esteja a mil, quem sabe? A vida realmente é diferente. A vida é muito pior. Hoje, mais do que nunca, Belchior vive, canta muito mais. Belchior voltou para a casa. Foi para o céu dos loucos, onde está Cartola, Cazuza, Noel Rosa e Nelson Cavaquinho. Levou consigo os sonhos de toda uma geração, o sonho de mudança, uma mudança para o futuro. Levou consigo o sonho e a vontade de viver as coisas novas, que também são boas. Levou consigo a utopia, que não passa de uma jovem que morre em alguma curva do caminho. Levou consigo a vontade de ver o amor, esse ser andrógino, tomar conta das praças e das pessoas. Como me disse outra amiga, Belchior desapareceu novamente. Mas estamos no embate, querido Belchior. No corpo a corpo com as desigualdades, com a

Adenize Franco (Inácio Martins, Paraná, 1979). Doutora em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP). Docente do curso de Letras na Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO). 1

arrogância e a tibieza política, suportando o dia a dia, as ditas coisas reais. A consciência também vem carregada de luta: e essa luta pelo sonho não é branca, nem suave, nem limpa, nem leve. Ela começa no lado A do disco de estreia, e perpassa o lado B de nossas vidas como cidadãos do mundo - Like a complete unknown, like a rolling stone, me diria Bob Dylan - essa luta, ela nega a ilusão das proibições. Aliás, eu queria dizer que tudo é permitido. Sei também que nada é divino, nada é maravilhoso ou eterno. Mas, por favor, não saque uma arma, não me agrida, não me fira a pele com balas de borracha, cassetete na cabeça, nem me sufoque com seu gás lacrimogêneo. Eu sou apenas um professor, uma professora. Deve haver um pouco de Belchior em todos aqueles que se cansam das mesmas palavras, das mesmas respostas, dito e pronto, tá feito. Deve haver um pouco de Belchior em todos aqueles que sentem esse mundo esquisito na pele, dia após dia. Deve haver um pouco de Belchior naqueles que reconhecem em suas fotografias 3X4 a estranheza dessa vida. Deve haver um pouco de Belchior em todos aqueles que sonham com o cheiro de nova estação, ou em certas ocasiões, o pesadelo e o gosto amargo dos golpes. Deve haver um pouco de Belchior em todos aqueles que sonham com um lugar para amar e ser feliz. E a felicidade... Ah! A felicidade é uma arma quente, meu amigo.

Mas eu inda sou bem moço pra tanta tristeza Deixemos de coisas, cuidemos da vida Senão chega a morte ou coisa parecida E nos arrasta, moço, sem ter visto a vida. (da canção “Na hora do almoço”, de 1971) Isso aqui é somente um texto. A saudade, ao vivo, é muito pior.

10

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.

Luiz Henrique Soares (Jaboti, Paraná, 1995). Acadêmico de Letras na Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP). 2


Dina Garcia Obra: Baianas coloridas


LITERATURA BRASILEIRA

EXPERIM.

Rotas da lusofonia

MALDITO Reinaldo Fernandes PASSARINHO por

1

Pontal do Lago. O lago é o de Corumbá, em Caldas Novas, Goiás. Estamos sentados na grama, às margens do lago, um lugar maravilhoso (exceto pela música sertaneja goiana que não para de tocar). Leio um livro. Pelo menos, tento. Láli lê outro. Jane lê no facebook um texto do site “Sensacionalista”. O silêncio é grande (exceto pela música sertaneja goiana que não para de tocar, mesmo ao longe). - Que merda! Brada Láli, quebrando o silêncio e obrigando-me a parar no meio de um parágrafo. - O passarinho cagou em mim! Bem na cabeça! - reclama Láli. Sou obrigado a concordar com a indignação de minha filha. Por que essa porcaria de passarinho não foi cagar lá em Brasília? De Caldas Novas a Brasília são menos de 200 km. O passarinho, com um pouco de boa vontade (como a boa vontade de Obama em fechar Guantánamo), e em velocidade média, podia chegar facilmente e em pouco tempo a capital. O passarinho poderia, por exemplo, fazer um voo rasante pela Esplanada dos ministérios e cagar bem na cabeça da Kátia Abreu, que está lá para defender o agronegócio e foda-se para a agricultura familiar e os Sem Terra. Depois (e essa música sertaneja goiana que não para!) o passarinho poderia passar pela Câmara dos Deputados. Aí, ele poderia cagar na careca do Eduardo Cunha. Se ele cagasse na boca do Cunha, de onde tem saído os maiores ataques ao povo brasileiro, seria eleito “Passarinho do Ano 2015” pelas esquerdas, pelos sindicatos dos trabalhadores, pelos movimentos em luta pela terra e pela moradia, pelos movimentos em luta contra a homofobia, o racismo e pelos que lutam por democracia. E até por setores do PMDB e da socialdemo-cracia. Se o passarinho passasse pelos gabinetes do Silas Malafaia e do Marcos Feliciano, deputados-pastores, ou pastores-deputados, sei lá, e desse mais uma boa cagada, com certeza receberia uma mensagem do nosso papa Francisco: “Jesus Cristo te abençoe, criatura de Deus! Viva a fé verdadeira! Abaixo o dízimo!” Rumo ao Senado, o passarinho faria a alegria nacional, seria assim como lavar a alma de duzentos milhões de brasileiros. No Senado, duas ou três cagadas básicas, em três coronéis que há mais de meio século precisam ser cagados: o coronel de Alagoas, Collor de Mello; o outro coronel de Alagoas (êta lugar pra ter coronel!), Renan Calheiros e o coronel do Maranhão, José Sarney. Se pudesse dar uma quarta cagada seria no ACM, o Toninho Malvadeza, mas esse já partiu dessa para uma pior. E o passarinho, ao invés de ficar depositando seus dejetos nos lindos cabelos encaracolados de minha filha, poderia dar uma esticadinha até o Supremo. Como o Joaquim Barbosa não está mais lá, que Deus (ou o Capeta) o tenha, o passarinho faria um grande favor se enchesse a careca do Gilmar Mendes (“Devolve, Gilmar!”). Mas, não! O porcaria do passarinho tinha que cagar logo na cabeça de Larissa! Já sei: vou botar um alçapão, pego esse maldito passarinho, e mando para Brasília. No Sedex 10!

12

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.

Reinaldo da Silva Fernandes 2

(Brumadinho, MG, 1963). Vencedor do 4° Concurso de Literatura São Francisco Xavier, 2016.


Dina Garcia Obra: Sem tĂ­tulo


LITERATURA PORTUGUESA

CONTOS

Rotas da lusofonia

SIMÓNIO, BIOGRAFIA SUCINTA DE UM INÚTIL João Guilhoto por

1

Simónio era inútil. Sempre fora conhecido por essa palavra na pequena vila onde nascera e morava: inútil. Outros diziam: incapaz, desnecessário. Ou ainda: infrutífero, improfícuo, parasita. Na verdade, ele não era mesmo capaz de fazer nada. Chamavam-lhe muitas vezes a atenção: tu faz qualquer coisa, Simónio, faz-te útil. Mas Simónio não respondia e, envergonhado, baixava a cabeça e não dizia nada. Como não falava, revelava na ausência de palavras também a falta de capacidade para se exprimir. Quando era ainda adolescente, tinha por hábito olhar-se no espelho. Por vezes murmurava para si mesmo: inútil é isto que sou. Passava as mãos pelo seu corpo, tocava no seu cabelo e nos seus lábios, e repetia: sou inútil. Quando atingiu a idade adulta não sabia o que poderia fazer. Tinha desistido cedo da escola e não tinha qualificações nem competências para uma profissão. Já passava dos trinta anos e Simónio ainda vivia em casa dos pais. Davam-lhe de comer, carinho, educação nos momentos necessários, local para dormir. Amavam-no talvez como quem ama um animal de estimação cuja função é a existência da sua presença. O pai, especialmente, sentia um grande orgulho pelo filho. Ele via no nascimento um fatalismo do destino. Todos os homens devem seguir a sua natureza e orgulhar-se dela, dizia ao filho, não podes ter três braços e duas cabeças; esse é um desejo impossível de realizar. Podes sonhar com isso, mas não podes alcançá-lo. Se és inútil estás interdito de fazer parte das coisas úteis, não procures encaixar-te nessa lógica. És inútil e orgulha-te disso. No entanto, até a sonhar Simónio era inútil. Um dia adoeceu por ter feito demasiada força para tentar sonhar. Teve de ser internado, mas depois de algumas horas no hospital foi enviado de volta para casa. O médico disse que ele não tinha talento para ser doente. Então é demasiado saudável, doutor?, perguntaram os pais. O médico respondeu que também não era muito saudável. Manter-se-ia num caminho sem especial inclinação. Os pais ficaram felizes porque o seu filho tinha recebido uma prescrição para continuar na mesma. Desde então, Simónio deixara de tentar sonhar. Simónio realizava por vezes grandes caminhadas ao ar livre num jardim em frente à sua casa. As pessoas cumprimentavam-no. Sabiam quem ele era. Toda a gente naquela pequena vila, onde Simónio nascera e vivia, falavam dele como o inútil da vila. Ali vai o inútil, diziam, vejam como ele anda, nem jeito para andar tem, vejam o seu rosto disforme, nem tem talento para a beleza, vejam o modo 14

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.


desajeitado com que coloca as mãos nos bolsos numa tentativa de se normalizar. Simónio caminhava consciente de todas essas observações. Toda a sua vida tinha-as escutado. À partida poderíamos pensar que esses comentários eram sentidos de forma pejorativa, mas Simónio, agora na idade adulta, já não os ouvia dessa forma. Aliás, eram comentários apenas evidentes da sua natureza e por isso ele por vezes até sorria, embora com um esgar de tal forma desastrado, que os outros não reparavam que ele sorria. Como as pessoas achavam que com os seus comentários o rebaixavam cada vez mais, continuavam a insistir em chamá-lo de inútil. Quando a pequena vila recebia visitantes, os munícipes diziam que eles tinham de se cruzar com o Simónio, de ver bem a sua inutilidade. Então, quando os visitantes o observavam na rua, durante esses seus passeios, riam-se dele, por reconhecerem imediatamente no seu semblante essa característica. O que de facto a generalidade das pessoas parecia pensar, para além do raciocínio jocoso que provinha da visão de Simónio e também da ideia do que dele viam, que era essa que já sabemos, a de que ele era inútil, contrapunham ainda, apesar de não o dizerem a ninguém, a inutilidade de Simónio com o papel que eles ocupavam no mundo, já que todos se achavam úteis e tinham a sorte de poderem ocupar um lugar coerente em vida. Essa coerência era como a força originária de uma felicidade espelhada numa única imagem do mundo, a imagem deles mesmos num único retracto. Ou seja, Simónio não fazia parte desse mundo. Os pais de Simónio receberam um dia a visita de um psicólogo que, sabendo da condição do Simónio, os tentara convencer a fazer com que a inutilidade do filho pudesse servir para alguma coisa. A ideia do psicólogo era a seguinte: havia no infantário para crianças com deficiência mental, onde ele também trabalhava, falta de ideias para tornar o dia dessas crianças original e divertido. O que poderíamos fazer, propôs ele, seria vestir o Simónio de branco, apenas com uns calções e uma camisola e colocá-lo no meio da sala para que os nossos alunos o possam pintar. Simónio e os pais aceitaram. Ele apenas teria de estar ali, quieto à espera que o pintassem. As crianças pareceram entusiasmadas com a ideia. Entraram na sala onde estava Simónio sentado, com o seu corpo desajeitado e viramno de branco, como que imaculado, no centro da sala fitando a porta onde as crianças, assim que entraram, pararam para observá-lo. Simónio não proferiu uma única palavra. As crianças entraram calmamente, algumas exprimiam sons de espanto, ou sorriam, outras avançavam com receio. De lápis de cor na mão, marcador, pincel, avançavam para o alvo a um ritmo comedido. Mas quando chegaram perto dele, nenhum deles decidiu pintá-lo. Pararam e observaram-no apenas durante vários minutos. O psicólogo que acompanhava os alunos da soleira da porta, levou as mãos à cabeça, mas não demorou muito tempo a aperceber-se do impulso daquele movimento, por isso isso decidiu sorrir. Nenhum dos alunos queria pintá-lo. Alguns pousaram os lápis, os marcadores e os pincéis, outros começaram simplesmente a pintar o chão e as paredes. Apesar do fracasso, Simónio parecia imbuído com essa esperança proporcionada pelo psicólogo: a de querer pôr à prova todos os aspectos da sua inutilidade. Foi o próprio, até, que organizou, um dia, as seguintes diligências. Acordou de madrugada e dirigiu-se para a praça central da pequena vila. Despiu todas as suas roupas e deitou-se na relva. Quando amanheceu os munícipes que passavam pela praça viram e torciam os seus rostos de indignação, mas ninguém se aproximou. Minutos mais tarde, a polícia apareceu no local. 15

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.


Dois agentes levaram Simónio para a esquadra. Na sala de interrogatório chamaram-no de inútil e libertaram-no nesse mesmo dia. Simónio estava feliz mas isso não era suficiente. Ele precisava de mais, de provar que poderia ser o melhor inútil do mundo. Um acontecimento veio interromper a sua ambição. Dias mais tarde, Simónio entrava em casa depois de um passeio e deparou-se com o seu pai, deitado na sua cama, de olhos abertos, fitando o tecto. Quando viu o corpo do pai, Simónio não se apercebeu que ele estava morto. Voltou para a sala e sentou-se numa poltrona fitando talvez o vazio. Quando mais tarde a mãe, os vizinhos e alguns familiares rodeavam o corpo do pai, Simónio foi chamado e disseram-lhe que o pai estava morto. Ele sentia vontade de chorar, mas limitou-se a sentar-se na cama tocando levemente nos pés do pai. Simónio fez força para as lágrimas saírem. Depois levou as mãos aos olhos que estavam secos. Por fim refugiou-se na casa-de-banho e auto-flagelou-se com murros na sua própria cara. Mas nem assim. Tentou gritar mas saiu um riso desajeitado. No dia do enterro do pai, que tanto se orgulhara dele, Simónio nada disse, nada fez, deixou que mãos alheias tratassem de tudo, que despissem o corpo, o voltassem a vestir, que o pusessem no caixão, que fechassem o caixão e que o levassem para o cemitério, que tapassem a campa, que levassem as flores, que segurassem no braço da sua mãe chorosa. Tinha 40 anos, quando certo dia Simónio voltava do seu passeio e encontrou a sua tia sentada à mesa da cozinha. A mãe de Simónio estava com ela, e chorava. Assim que ele entrou, lançaram-lhe um olhar profundo de pena. A mãe achava que seria boa ideia, tanto para si mesma como para o filho, que este partisse para a casa da tia na capital. Simónio nunca tinha vivido noutro local, por isso a mudança para uma cidade grande não foi fácil. No entanto, com o tempo, reparou que num ambiente urbano é difícil saber com exactidão quem é e quem não é inútil. Existe um espaço específico para se poder ser inútil sem dar nas vistas. Enquanto na sua pequena vila olhavam para ele apenas como um miserável, na cidade seria preciso aproximarem-se mais para o verem como ele era, como se na cidade estar atento fosse uma actividade realizada por certos privilegiados, talvez por um poeta ou um pintor. Por outro lado, a cidade é um local de consolidação do esquecimento. Quando na sua pequena vila as pessoas pareciam mais próximas umas das outras, esse calor humano transformava-se também em repulsa. Na cidade, por outro lado, era a repulsa que surgia primeiro. Por isso, na cidade, se queremos ser reconhecidos pelos nossos dons, somos obrigados a lutar contra esse inimigo feroz, que é o vácuo dos que não reparam. A inutilidade de Simónio era agora na cidade não tão visível e isso tornava-o mais ambicioso para assumir-se inútil. Como ele sentia que na cidade a sua inutilidade não era evidente, isso parecia fazer com que ali todos, mesmos os úteis, parecessem inúteis. Depois de algum tempo na cidade, por causa da sua inutilidade para a realização de alguma actividade concreta, descobriu que podia realizar longas viagens de metro, entrando numa estação qualquer, e fazer a linha toda até à estação terminal e depois voltar para trás. Passava tardes assim, sem que ninguém reparasse nele. Esse embalo do metro, para a frente e para trás, ao longo de uma rota pré-definida, parecia apaziguá-lo. Simónio passava praticamente o dia todo nas estações de metro. Ele pensava que, um dia, essa oscilação eterna das carruagens ainda iria fazê-lo sonhar. No entanto, continuou exactamente na mesma. Uma outra característica da cidade era o facto de ter ouvido falar, de outros seus semelhantes. Ao que parecia, havia muitos outros inúteis habitando aqueles curtos quilómetros quadrados de edifícios, avenidas, jardins e túneis, outros seres humanos tão 16

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.


dispensáveis e desnecessários quanto Simónio. Apesar de algum receio, ele fantasiava – se assim nos podemos referir a qualquer acção sua, mesmo não visível como são as do pensamento – encontrar-se com algum deles. Um dia perguntou à tia se conhecia mais inúteis no bairro. Ela respondeu que tinha ouvido falar que a irmã de uma amiga era também inútil. Simónio ficou calado à frente da tia, mas esta compreendeu que o sobrinho gostaria de conhecer a inútil. Prometeu, por isso, tentar organizar um encontro. Dias mais tarde, a tia dirigiu-se à casa da mulher inútil. Tocou à campainha. Quando a inútil abriu a porta, a tia de Simónio explicou-lhe que o sobrinho gostava de se encontrar com ela. Talvez a inútil também tivesse interesse, só que ela não respondia. Parecia cravada nas palavras impossíveis daquela mulher desconhecida. A tia repetiu: “gostaria de se encontrar com o meu sobrinho, também ele inútil?” Então, de repente, um braço puxou a inútil para dentro de casa. Era a sua irmã. “Que sentido faz dois inúteis se conhecerem?”, disse ela à tia do Simónio, “De que haveriam de falar? Ela está para ali como não estivesse. Olha bem para ela. É de uma incoerência desconcertante. Tem uma boa tarde.” A tia do Simónio voltou para casa. Aproximou-se do sobrinho. Ia a falar-lhe, mas às primeiras palavras mudou de ideias. Simónio compreendeu. Teria de se conformar em apenas se cruzar com os outros inúteis da cidade, talvez a trocarem um olhar vago, ou até a tocar desajeitadamente nos braços uns dos outros. Sem avisar a tia, Simónio saiu um dia de casa para não mais regressar. Abandonou a cidade caminhando através dos campos. Ao terceiro dia a fome e o cansaço apoderavam-se dele. Deitou-se sobre a erva e deixou-se dormir. Acordou durante a noite, debaixo de um céu estrelado. Nunca tinha visto um céu tão estrelado como vira naquela noite. O seu corpo fraco vogava por entre pontos de luz que pareciam observá-lo. À sua volta a natureza indiferente rumorejava através da dança do vento nas ramagens. A relva refrescava-lhe o corpo. Sentia-se preso a si mesmo, embora livre. No meio das árvores, observando os astros, sobre a relva, a sua inutilidade parecia absoluta. Não havia sinais de humanos. Ele até se esquecera que eles existiam. Tudo o que um dia viveu, ou pensou ter vivido, desaparecera naquele momento. Então deixou-se estar deitado. E apesar da fome e do cansaço, esboçou um sorriso que jamais alguém vira. Então, conta-se que um dia, muitos anos mais tarde, sobre esse metro quadrado onde Simónio ficara, nasceu um pequeno arbusto.

17

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.

2

João Guilhoto

(Lisboa, 1987). Poeta e escritor, tendo já trabalhado como jornalista, revisor de texto e tradutor. Lançou o seu primeiro livro no Brasil em 2015, O livro das Aproximações, um cruzamento entre ficção e poesia em quarenta fragmentos.


Dina Garcia Obra: Metamorfose


LITERATURA ESPAÑOLA

COLUMNA

Rutas Literarias de Iberoamerica

FLORECER DESDE LA MUERTE por

Cristina Gálvez Martos1

No sabemos qué es la muerte. Sin embargo, se encuentra permanentemente cerca, todos los días la nombramos, sabiendo que ella vive oculta en su nombre. Todos los días hablamos con ella. Cada palabra es de ella. Ella se las traga o las engendra. Todo sonido, toda imagen, todo resplandor le pertenecen. La poesía es un eco tenue de la muerte. La poesía es una búsqueda inútil de su nombre. Es encontrarla incluso evitándola. La poesía viene de la muerte porque es una manifestación de lo más vivo. Nos remite a un dolor primero, a la oscuridad absoluta o al albor máximo. Es la anulación del ser y también su centro. Es el encuentro con las cosas, la palabra convertida en animal, el hallazgo de nuestra animalidad en la palabra -puesto que es su lado instintivo, primigenio, salvaje e inocente, sabio. La muerte como el nombre oculto de la vida remite a un sentido sagrado del mundo y de todo lo que en él es. Muerte y vida son la misma cosa, dos caras del gran misterio que juegan y se confunden. Por medio de la poesía “resuena la muerte, no la de un hombre en particular, sino el morir del ser, ese morir anónimo, indiferente, eterno”, dice Hanni Ossott en Memoria en ausencia de imagen. Memoria del cuerpo (Obras completas, 725.). Ese hálito universal aún puede hablarnos por medio de la palabra, pero no de la palabra común, cotidiana, convencional, sino de la palabra arrancada del uso regular que la hace entidad ilusoria; devuelta a su estado primigenio, a su máxima realidad por medio de la actividad poética. La palabra cobra vida en el poema, y a la vez no puede estar más cerca de la muerte. Se vuelve Naturaleza por medio del sonido y el ritmo; refleja las cosas o incluso se funde con ellas. Es materia vital que además tiende puentes entre todo lo existente, reúne el mundo en una conciencia universal y nos hace participar de ella, borroneando nuestros límites. La poesía conquista lo imposible: trastoca el lenguaje, rompe e instaura reglas, desplaza los significados y los multiplica, en ella coexiste lo antagónico y contradictorio; se vuelca hacia el caos, establece relaciones insólitas, utópicas entre las palabras, rompe las prohibiciones. Entonces el lenguaje es un juego y una fiesta, una desobediencia al tiempo: es el ámbito de lo sagrado. (…) El acto de escribir conlleva necesariamente una escucha. Las imágenes surgen a veces, al menos aparentemente, como revelaciones; y en otras ocasiones vivimos conscientemente su incubación en nosotros: al principio son larvas, sombras escurridizas que van tomando 19

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.

Reflexiones en torno a la palabra poética y su relación con lo sagrado. 2

¹ Este texto es un fragmento corto del ensayo introductorio que presenté, en conjunto con un poemario, como tesis de grado de la Licenciatura en Letras, en la Universidad Central de Venezuela, año 2012.


cuerpo con el pasar de los días, por medio de la atención necesaria y la capacidad para identificar sus llamados. El posterior trabajo práctico y artesanal al que es necesario someter al poema luego de “nacido” es casi tan importante como ese tránsito que realiza a través de nosotros, ya que el ritmo, la musicalidad, aunque muchas veces surgen de manera espontánea, otras veces son algo que debe buscarse. El poeta es también un artífice y un traductor. (…) Esa escucha es revelación y rebelación. Es un acto insurgente en contra de la dictadura de la racionalidad, del ruido, de la máscara. Es una reivindicación del ser, de su sabiduría y divinidad, de la real presencia y dignidad de las cosas y los seres del mundo. Mediante esa escucha el poeta experimenta lo sagrado y se acerca al rumor del abismo, a la cara oculta del ser, “el saber poético es un saber negativo, pero de una negatividad hablante y afirmadora”, nos dice Hanni en Memoria en ausencia de imagen… (Obras completas, 762.). Ossott, además de acercarse líricamente al tema de la muerte, en casi todos sus ensayos aborda de una u otra manera la estrechísima relación entre muerte y poesía: Rilke, quizá la figura que ella más admiró y estudió, canta a la muerte y la reivindica como dimensión íntima, y además, en mi opinión, estética del ser: “…y, de pronto, aislados/ espejos que en ondas expanden la íntima belleza/ y la recobran de inmediato para el propio rostro./ Porque para nosotros sentir es diluirnos./ Ah, nos exhalamos y nos disipamos de llama/ en llama damos un perfume cada vez más tenue.” ( Elegías de Duino, 28-29). En Cómo leer la poesía, por ejemplo, Hanni pone de manifiesto que “por el contacto con la muerte el poeta celebra la vida” (102.), siendo “el poeta hoy el encargado de mostrar una parte de la muerte inexpugnable” (103.), o también “el hombre que habla con los muertos” (103.) en una época en que ese aspecto de la existencia es ignorado y subestimado. A través de lo simbólico accedemos al estadio arquetípico, inconsciente de nuestra psique. En el símbolo se reúne el saber negativo con cierto saber tangible, señalable; es portador de algo arcaico e inmemorial que resuena en nosotros, y también de aquello que entra en relación directa con nuestra experiencia y conocimiento fáctico; acciona en múltiples niveles. El alma se manifiesta por medio del símbolo con toda su sabiduría originaria: nos mueve y nos movemos por medio de él sin que logremos dar con su exacta presencia; nos conecta con algo familiar y a la vez desconocido; “es la expresión suprema de lo que se presiente, pero aún no se reconoce” (Chevalier, 23.). La poesía está preñada de esa pulsión primera que es fuente de vida y de muerte; de una vida que perpetuamente muere, de una muerte que siempre florece.

20

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.

1Cristina

Gálvez Martos (Caracas, Venezuela, 1987). Es Licenciada en Letras por la Universidad Central de Venezuela. En 2013 ganó el Concurso para Autores Inéditos de Monte Ávila Editores en la categoría de poesía con su obra Psicopompa, libro editado por la misma casa editorial en 2015. Su poemario Bicorne (Casa de las Letras Andrés Bello, 2016) obtuvo una mención en el VI Concurso Nacional de Poesía.


Dina Garcia Obra: Sem tĂ­tulo


LETTERATURA ITALIANA Per una latinità plurale

QUANDO L’AMICIZIA COLORA DI VERDE da

Daniela Balestrero1

L’autunno tentava di farsi strada in sordina, macchiando di giallo e rossiccio i primi alberi, timido e mite, per non far scordare così in fretta la calda estate appena trascorsa. Qualche goccia di pioggia quà e là, non più da vero temporale e non ancora leggera e coprente come un umido velo. Il piccolo Sergio, guardava triste fuori dalla finestra: il cielo era cupo, sembrava minacciasse pioggia e, l’ultimo pic-nic della stagione, promesso dalla mamma, sarebbe sfumato. Il suo nasino schiacciato contro il vetro, le piccole dita che tentavano a fatica di rimanere incrociate dietro alla schiena. E guarda guarda....il vento soffiava via le nuvole che si muovono veloci e lasciano intravedere uno squarcio d’azzurro. « Mamma!! Mamma, il sole!!» gridò all’improvviso Sergio, correndo verso la donna.. Annalisa, con il piccolo in braccio, si diresse alla finestra: e sì! Constatò che il tempo stava migliorando ed era meglio approfittare del resto della giornata e concedersi quest’ultimo pic-nic. Poco lontano, c’era un boschetto di faggi con una piccola radura che faceva proprio al caso loro. Annalisa e Sergio allargarono il loro plait e sparsero un po’ dappertutto il vassoio delle torte dolci e salate, i panini e le bibite, un pallone, un aquilone e giocattoli vari, completavano il tutto, anche se poi Sergio lasciava tutto lì sull’erba per andare a guardare “le punte degli alberi”. Sergio aveva appena sette anni, ma era profondamente affascinato dalla Natura ed in particolar modo dagli alberi: ne toccava la corteccia, grigia e liscia, quasi ad accarezzarla; distingueva le varie forme delle foglie anche se ancora non ne conosceva il nome e le caratteristiche. Il profumo del legno e della resina, poi, erano la sua passione. Arrivato alla radura, si diresse con passo deciso verso il boschetto di faggi. Sergio camminava tra gli alberi col naso all’insù: “ com’era bello vedere pezzettini di un chiaro cielo azzurro e i rami dalle foglie ovali e scure!”. «Attento! Così sbatterai il naso contro il mio tronco!» Il bambino si bloccò di colpo: ma chi aveva parlato? Intorno non c’era nessuno e la mamma era qualche metro più in là, intenta a tagliare una fetta di torta di mele. «Dico a te, Bambino, è pericoloso camminare così...ma ti capisco, sai...É troppo bello lassù per non guardarlo!» «Chi sei? Perchè non ti vedo?...» chiese timidamente Sergio. 22

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.

RACCONTO


«Certo che mi vedi, sono davanti a te...Scusa ..non mi sono presentato.» Sono Jco, il faggio più ad Est del bosco. E tu, bimbo, come ti chiami?» «Un albero che parla? Non è possibile, la mamma me lo avrebbe detto...» sussurrò appena. Scrollò leggermente la testa da una parte all’altra, forse se lo era immaginato, ma era più forte di lui e con la voce più alta rispose: « Io mi chiamo Sergio e non conosco nessun albero che parla; sono venuto qui altre volte , ma non ti ho mai sentito.» «Lo so – rispose Jco – ti osservo da parecchio tempo, a volte persino ti aspetto, e sono felice sai, quando sfiori la mia corteccia: sei gentile, delicato. Non come quel gruppo di monelli che a volte viene a giocare a nascondino nel bosco, tira calci, graffia i tronchi e pesta con violenza le radici. Tu sei diverso, così ho deciso di conoscerti meglio e se vuoi posso raccontarti qualcosa di me.» Sergio, non stava più nella pelle, voleva sapere qualsiasi cosa...e qualsiasi cosa sarebbe stata importante per lui. «Mamma!...» No, meglio di no. Glielo avrebbe detto dopo. Adesso doveva ascoltare. Si sedette ai piedi dell’Albero. «Devi sapere che..– incominciò Jco –...quando sono arrivato qua, tanto tempo fa ero una pianta giovane e piuttosto esile, anche se la mia origine è molto, molto antica a tal punto da considerarmi un albero sacro e a raccontare di me in lontane leggende...» Sergio era estasiato, seduto sull’erba con le braccia racchiudeva le ginocchia leggermente piegate, la bocca e gli occhi lasciavano intravedere tutto il suo stupire e la curiosità che lo dominava. «Ho visto passare tante stagioni – continuò – autunni miti e rossastri, inverni freddi, durante i quali mi ricopro di neve. Profumate primavere e caldi estati.. L’amico vento mi racconta notizie lontane e a volte mi fa rabbrividire ma, il cinquettio degli uccelli è una compagnia armoniosa di cui non potrei proprio fare senza... In cambio, offro loro riparo tra le fronde più fitte e i miei semi come cibo agli animali del bosco.»

«Ma non hai paura di tutto questo silenzio intorno? Di essere solo?» tentò di chiedere Sergio all’albero come fosse l’amico ed il compagno di tutti i giorni. «Ma scherzi!, No, davvero!» La solitudine è una delle mie caratteristiche, pare addirittura che io possa donare serenità e pace a chi mi sta vicino, a chi mi vuole bene e mi comprende, proprio come fai tu... Ormai sono vecchio e già fortunato di ciò, non so quanto tempo ancora resterò in questo bosco, prima che passi un taglialegna mi trasporti in una fabbrica....e mi trasformi in tante tavole lisce e levigate. Produco un legno pregiato dai riflessi dorati e molto ricercati, almeno così dicono, verrò trasformato in qualche mobile o salperò per i mari come parte di qualche nave...» Jco, abbassò le foglie, mestamente, la sua corteccia parve brillare di ninfa, vide che Sergio si era addormentato: « Non avrà sentito le mie ultime frasi...meglio così.» pensò, « almeno non sarà triste domani, quando troverà al mio posto un’altro esile e giovane faggio dalle radici fragili ma profonde come la nostra Amicizia». «Sergio! Sergio!» chiamò a gran voce la mamma guardando in giro. Eccolo là, rannicchiato sotto un albero che dorme con gli occhi chiusi ed un sorriso brillante. «Chissà cosa s’inventerà di raccontarmi, stavolta....» pensò Annalisa con un sospiro, mentre prendeva suo figlio fra le braccia. 23

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.

Daniela Balestrero (Torino, Itália, 1960). Membro del Comitato editoriale della Rivista Philos. Dal 2015 collabora con un giornale locale web scrivendo articoli di spettacolo e attualità. Alcuni dei suoi scritti si possono trovare anche su il Blog di Ramingo.it. 1


Dina Garcia Obra: Frida e seu gato


LITERATURA ESPAÑOLA Rutas Literarias de Iberoamerica

ANOTACIONES SOBRE EL MILAGRO DE LAS METÁFORAS por

Diana Moncada1

La metáfora es un pez dorado y viejo que conoce todas las trampas y los portales infinitos del destierro. Ante nosotros toma cuerpo su mapa irresoluto de cordilleras que atraviesan el cielo dejando en envidencia nuestra ineludible condición de extranjeros. La metáfora nos destierra, nos arroja afuera y lejos de nuestro lugar seguro. El peregrinaje comienza tanteando los signos extraños, dejando que la turbulencia de los terrritorios desconocidos agiten nuestros sentidos anesteciados por la legibilidad confiable de un territorio supuestamente nuestro. Cazar, domar, acariciar una metáfora es iniciar el viaje, uno en el que vamos trazando rutas cada vez más escabrosas, inéditas e insospechadas. Atravesar una metáfora es descubrir la multiplicidad de nuestro universo y con ello nuestra pertenencia a ningún lugar. Quien escribe “guarda la fe” en la metáfora, quien lee “encuentra el milagro” -los versos los tomo prestados de una hermosa canción de Vetusta Morla-, pero hay tanto milagro en ella como búsqueda consciente. Si de verdad existe un milagro este acontece después de una larga, o por lo menos, intensa indagación, un ejercicio de fe. Para que la metáfora ocurra quien la descubre debe haberla vivido anteriormente, debe haber sido atravesado por una experiencia intraducible que encuentra al fin su nombre en esa trampa del lenguaje -sea quien la escribe o quien la lea. A pesar de que una metáfora jamás logrará evocar fielmente la experiencia –no es su propósito nunca-, funciona como un salvavidas en una noche de tormetas, ayuda a que la imagen emerga del caos que es la profundidad. Con la metáfora nombramos las cosas, los sentimientos y los hechos como si fuese la primera vez que un niño dice “mamá” o “perro” para designar la vida que pulula ante sus ojos. Hay metáforas danzando en todas partes, sin embargo prefiero las que se descubren con el esfuerzo y el rigor de un arqueólogo. Prefiero las metáforas que se resisten a la exhibición, las que clavan en mí su incertidumbre, su precioso desafío. Me gusta tener la tarea de desentrañar un verso durante días, meses, quizás años como si de un acertijo se tratara. Me gusta irme a la cama pensando en una metáfora cuya puerta no he logrado abrir; besarla, golpearla, ensuciarla, limpiarla de mí, ser su espectadora y al mismo tiempo su despiadada dramaturga. Me gusta pasear las metáforas mientras camino, presentarles las calles nuevas, el aire nuevo,

25

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.

COLUMNA


el cielo nuevo, propiciarle un diálogo con el mundo que conozco. Esperar que entre ella y yo ocurra “el milagro”, un milagro que no espero de la nada, al contrario, uno que sucede después de un arduo trabajo. Al final del día las metáforas terminan por convertirse en una recompensa pero sobretodo en una pequeña pero intensa felicidad, en un extásis. Es la recompensa de encontrar en una masa informe de palabras un rostro, una sensación, un paisaje, una sentencia. Mi relación con las metáforas exige tiempo y distancia, confrontación y espera, por eso dedico tanto tiempo a la relectura porque hay que volver a la llaga hasta que sangre, hasta arrancar la costra y encontrar el milagro.

26

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.

Diana Moncada (Caracas, Venezuela, 1989). Poeta y periodista cultural. Autora del poemario Cuerpo crepuscular, ganador em el Concurso de Autores Inéditos de Monte Ávila en el 2013. Prologuista del libro Al filo de Miyó Vestrini, Letra Muerta. Colaborada de la Revista Poesía de la Universidad de Carabobo. Investigadora en el proyecto Muestra de Valoración del Patrimonio Teatral Venezolano. Ganó mención publicación en el I Concurso Nacional Rafael Cadenas de poesía Joven. Ha ejercido el periodismo cultural en diversas publicaciones venezolanas como El Universal, Contrapunto y Correo del Orinoco, en las fuentes de literatura, artes visuales y artes escénicas. 1


Dina Garcia Obra: Sem tĂ­tulo


LITERATURA LUSÓFONA

COLUNAS

Rotas da lusofonia

PAMLIMPSESTO por

Magda Fernades1 e José Domingos2

Poderá o acaso continuar a assim chamar-se, se deliberadamente o procuramos? Começamos por introduzir insistentemente a imperfeição da mão como instrumento da ação humana em tudo o que fazemos. As máquinas, inevitáveis, têm para nós como propósito último a conveniência. Ora, este fim nada pode dizer que interesse ao processo criativo. Por isso tentamos destituí-las ou pelo menos desviá-las da sua primária função, fazendo delas como que um fator secundário da humanidade com que impregnamos a nossa criação. Ou seja, procuramos que seja percetível um lastro da manipulação humana na obra, procuramos o avesso, o interior, as costuras, aquilo que habitualmente se esconde. Para isso, cultivamos uma ideia da arqueologia das ações fotográficas, procuramos deixar vestígios mais ou menos evidentes da nossa operação na matéria. A intromissão intencional e tangível em todos os passos do processo não é uma tentativa, como poderá parecer, de controlar o aspeto do resultado. Aliás, o fim interessa-nos pouco, porventura. O que nos move é, à medida que percorremos o longo corredor da criação, abrir, se necessário à força, todas as portas ao erro e à imperfeição. Fazemos esse caminho no sentido inverso do virtuosismo e rejeitamos todas as formas de presumível perfeição, que percebemos quase sempre como uma miragem, um espelho falso, criado para nos confundir ou maravilhar. A perfeição e a verdade, transformadas ao longo das décadas em irmãs siamesas da criação fotográfica, não poderiam, para nós, estar mais longe uma da outra. Acreditamos mesmo que na procura da verdade poderá estar uma deliberada vontade de iludir. Poderá uma “imagem perfeita” ser igual à forma com que os nossos olhos, já míopes ou cansados, ou que a nossa mente cética, ou que o nosso coração ingénuo, veem ou percebem o mundo? Assim, se a repetição rumo à perfeição nos aborrece, só a experimentação nos poderá salvar do caminho frustrado da tentativa de alcançar uma verdade da qual duvidamos. É então nesta ação, no percurso, no experimentar uma e outra vez que residirá talvez a nossa obra, dotada assim de um cariz quase performático, onde as consequências ou os resultados dessa mesma ação possam ser encontrados pelos outros e onde nós sejamos, à medida da nossa inocência cultivada, surpreendidos pelo acaso que perseguimos.

28

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.

“A salvação da fotografia vem da experimentação” Lazslo MoholyNagy, 1947

1Magda

Fernandes (Porto, Portugal, 1981) e 2 José Domingos (Paris, França, 1974). Colunistas da Philos e fundadores da Imagerie, Casa de Imagens, criada em Lisboa.


Dina Garcia Obra: Africanas


LITERATURA ESPAÑOLA

COLUMNA

Rutas Literarias de Iberoamerica

ESTRATAGEMAS TECNÓFILAS David Ortega DESBANCANDO EL AMOR VERDADERO por

1

En 1999, Thom Yorke, vocalista de Radiohead tenía un sueño en el que sobrevolaba una ciudad como un fantasma. Un sueño recurrente que muchos habíamos/hemos tenido. Al año siguiente, la banda de Oxford sacaba a la luz su sencillo: “How to disappear completely” basado en ese sueño. Un tema que parecía una oda a una generación perdida (Véase Trainspotting, estrenada en 1996), profundamente melancólica, que veía acercarse un futuro que daba miedo. Uno debía desaparecer, existían técnicas para ello. Pero, las probaturas ya estaban hechas, de ahí la melancolía suicida del grunge de principios de los noventa (Nirvana, Pearl Jam, Soundgarden, etc). Los hippies lo habían intentado treinta años antes; tratar de cambiar formas de vida, peregrinajes incluidos, ascetismos y ecoaldeas como la de Charles Manson. Ya habían asesinado a Jim Morrison en el escenario. Después, los ochenta habían sido como un relámpago en un pasadizo tenebroso altamente creativo, pero sin sustancia. Un caos veloz en el que todo era posible: la fiesta con los punkyes, el sexo, las drogas, el rock frente a la melodía sesentera, la calle frente a los guateques, etc. Se desaparecía en la noche lunar, pero como un ente telúrico. No había atisbo de trascendencia. Hoy en día, en pleno siglo XXI, existen modos definidos para desaparecer. Existe una estratagema puesta en práctica con una forma de vida radicalmente distinta a cualquiera de las anteriores. Se trata del ghosting y de la vida digital. El ghosting (“hacerse el fantasma”) se ha hecho muy popular en el último lustro en las relaciones de pareja. Básicamente, se trata de desaparecer. El fantasma deja de comunicarse y se deshace de la gente como objetos, extirpándolos de su vida. Es fácil porque son entelequias, no existen de facto, no son reales, viajan por el ciberespacio, los circuitos, la red, el wifi… son entes efímeros que tal como han llegado se pueden ir, y viceversa. La clave es la tecla, lo inminente, la presteza y la ruindad de un modo de relacionarse que puede resetearse. Game Over! Y vuelta a empezar. El territorio de las relaciones de pareja deambula en la más absoluta bipolaridad de quien tiene demasiado fácil pulsar el botón para mandar un corazoncito o bloquear a la otra persona. Es fácil dejarse llevar por la destrucción. Por la cobardía de uno, por el miedo al compromiso y el egoísmo naturalmente masculino y tan característicos de esta época. Incluso aunque las dos personas se conozcan (Hoy en día la mayoría de las parejas se buscan y se formalizan en Internet), tengan varias citas, y su romance parezca fruto de algo

30

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.


que debería tomarse en serio y no como mera distracción de una vida anodina, cualquiera de los contendientes sabe que tiene la posibilidad efectiva de desaparecer o hacer desaparecer a la otra persona de su vida. Todo está a un click de volatilizarse, de ser objeto de consumo, en ese dedo índice, el mismo del copiloto del Enola Gay que accionó la leva para dejar caer la bomba atómica en Hiroshima. No sintió nada en el momento sino después, él no estaba allí, sobrevolaba la zona, a él no le afectaba, fueran ordenes o no, como en el caso Eichmann, hacer desaparecer a las personas de esa manera tan fácil… (luego nos venderían que todo era producto de una respuesta cognitiva a la autoridad demostrado con el experimento de Milgram y nos lo creímos). Estudios psicológicos recientes exponen que el ghosting produce un duelo muy duradero en la víctima, por falta de razones y conclusiones; y un sentimiento melancólico, a veces de culpabilidad otras por la sinrazón o el arrepentimiento de la huida, por parte del “fantasma”. El diagnóstico es peor cuando se realizan técnicas de seducción y benching. El “amor fantasma” tiene en el benching una de sus estratagemas más maquiavélicas. No se trata de desaparecer completamente, sino de no dotar al otro ni siquiera de grado de objeto, es cuasimateria o cuasiobjeto, (en nada tiene que ver esto con Averroes), es decir, mantener en el banquillo a un jugador, pero un jugador que no sabe que nunca va a salir al campo. Popularmente, se conoce como “mantener a alguien en la recamara”, de “segundo plato”, como amigo al que se le seduce con sofismos y demás técnicas para conseguir retroalimentar un ego marchito y conflagrado por causas mundanas. El desgaste emocional que produce a la víctima de benching que ve un posible amor donde solo hay un interés so pretexto de inconsistencias egocéntricas basadas en una vida devastada por tomar decisiones erróneas todo el tiempo en sus relaciones pasadas y/o aburrimiento, desidia, envejecimiento, falta de autoestima, etc. es brutal. En realidad, es algo que ha existido siempre, muchas veces con la intención de dar celos a quien te interesa de verdad. Un cuasiobjeto que, tras meses, incluso años de relación necia, sólo puede alcanzar a participar en un Revenge Sex como a quien le toca la lotería. La venganza por sexo es algo que se ha puesto de moda. De hecho, la semana pasada, Facebook se vio obligado a cerrar 14.000 cuentas por pornovenganza. La inefable maldad de querer dañar a otro/a con el cuasiobjeto, mediante la afirmación pueril y mezquina de que el sexo no es otra cosa que posesión animal parece que se perpetúa.

La triada del Amor: Philos, Eros y Ágape. Pero, ¿qué es en realidad el amor? ¿Cómo definir algo que tiene hoy en día tan mala prensa? Según parece es una trampa, un cuento que nos vendieron, es algo que no existe y en lo que ya no se puede creer. Goethe y los románticos quedaron muy atrás y la literatura actual se divide en tres tendencias básicas: las novelas policiacas con tramas infantiles; el porno etiquetado como erotismo, revestido de una idea lujuriosa y perversa; y las novelas costumbristas como regodeos líricos siempre melancólicos. Trataré de exponer los elementos básicos que necesitas vivir conjuntamente para dar pie a formalizar una relación de pareja. Sin una de ellas, entrarás en circunloquios emocionales, el elefante se balanceará sobre la tela de una araña, caminaras siempre en el alambre y es altamente probable que acabes haciendo objetos a sujetos (y viceversa), con las estratagemas tecnófilas anteriormente descritas. Aunque, sucintamente, la fuerza de la atracción siempre es necesaria, no podemos dejarnos llevar únicamente por ella. Conocer a alguien en una disco o por unas fotografías y hacerle el padre/madre de nuestros hijos es 31

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.


algo que suele salir mal. Piensa que la atracción depende de movimientos gráciles, curvilíneos como nuestros ojos, no tanto de un físico de formas turgentes que siempre resulta caduco, más rápido de lo que crees. La acción de Eros que teje vínculos poderosos entre Gaia (Tierra) y Urano (Cielo), deteniendo el proceso de génesis e iniciando una retrogradación hacia el Caos, debe de establecerse con prudencia. Es el titán Chronos, el tiempo, el que cercena el sexo de su padre Urano y provoca con ello una separación que permite a los hijos engendrados por Gaia salir a la luz. En resumen, la sabiduría de los mitos, nos dice que el tiempo mata la pasión y equilibra el estado de la pareja, para poder reproducirse sin romper su vínculo antes de tiempo. Esa es la paradoja que reside en la temporalidad de las relaciones amorosas. La triada se completa con Philos y Ágape. Philos es la fraternidad, el vínculo identitario entre dos personas que se saben parte de la misma fuente. Normalmente, Philos no entra en juego en las relaciones de pareja sino como afinidad (aunque puede ser mucho más fuerte) y debe ser un fundamento necesario para la construcción del refugio/hogar de la pareja, tanto en su sentido literal como metafórico. La amistad verdadera necesita de Philos y de que no haya Eros, tal y como explicaba Aristóteles en su Ética nicomaquea: “Donde hay deseo, no puede haber amistad”. Mientras que en la pareja tendrá que haber pasión y una gran afinidad u identidad. Ágape es el amor espiritual, la plenitud del amor de Dios, el sentir de su inmanencia en nosotros. Bienaventurados los que hayan vivido Ágape en el encuentro con otra persona, y que finalmente haya llegado a ser su pareja. Ágape nos ultrapasa como meras contingencias, nuestro lado cautivo, encadenado a lo efímero y la casuística. Aquí aparece el terror místico que nos lleva a alejarnos y desaparecer desnudos tras quitarnos el manto de protección de nuestro ego. Renunciar a nosotros mismos para entregarnos completamente a otro, eso es algo que nadie está dispuesto a hacer. Sólo Chronos nos puede hacer reflexionar sobre esto (El transcurso del tiempo como experiencia individual nos reblandece el ego, recuerda que la vida siempre supera al individuo) Ágape está en la cúspide de la triada porque es un amor que no se agota, mientras Eros y Philos pueden entrar en algún momento en declive. De hecho, uno puede desear a otras personas, sentir atracción sexual por otros cuerpos es el curso normal de la naturaleza, vivimos anclados a las reacciones de nuestros cuerpos; asimismo la Philia se resiente con el paso del tiempo. Lo único que mantiene firme el vínculo entre dos personas (más allá de las contingencias y acoplamientos diversos) es el amor espiritual de Ágape. Así pues, el amor es algo que necesita de la triada. No de un Deus Ex-Machina: Una forma de evasión, de escape o de facilón giro consciente. El amor que se rechaza por no haberlo vivido verdaderamente y tener una cota de comprensión de él muy baja o subestimada, es una entrega total. Se trata de hacer desaparecer nuestro ego como si se tratara de polvo de estrellas en el espacio. Para esto se necesita toda una vida y en muchos casos varias oportunidades más. Actualmente, nuestro dedo y la tecla son los que imperan. Dar un giro inesperado a nuestras relaciones tecnófilas, auspiciados por la coartada virtual y la indolencia más cobardes. El amor verdadero es la única forma de trascendencia, lo que nos hace sobrevolar ciudades como fantasmas, en nuestra unión entre la tierra y el cielo, sin medida, sin límites. Únicamente, por el placer que causa el vuelo y el mismo acto de desaparecer conjuntamente con otra persona.

32

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.

David Ortega (Bilbao, España, 1981). Es licenciado en Filosofía con Master en Filosofía teórica y práctica, UNED. Ha escrito un libro de viajes autobiográfico: El último viaje, sobre Alaska (USA); una novela de ficción: El secreto de Nina; y una novela negra que pronto estará disponible: Casi héroes. Sus tres escritos están basados en hechos reales. También ha realizado un ensayo sobre los fundamentos ontológicos de la estética: Diaphainon, que obtuvo la máxima calificación en la carrera. 1


Dina Garcia Obra: Sem tĂ­tulo


LITERATURA BRASILEIRA

COLUNAS

Rotas da lusofonia

OFÍCIO TERRESTRE por

Kátia Gerlach1

Por enquanto, em garantida segurança, própria e coletiva, Apolônio encontrava-se nauseabundo sob os efeitos da mistura de soro, anestesia e sonolência. Após o coma induzido, entrava no terceiro dia sentado sobre uma cadeira metálica e fria, de frente ao janelão de vidro. O homem mergulhava a cabeça nas mãos. Ostentava sinais de confusão. Olhava para os seus pés amarelados, as unhas crescidas e considerava a necessidade de uma tesoura para cortar aquelas unhas. Os dentes não crescem como as unhas, refletiu. E o cabelo? Afora, a neve de São Pedro em queda livre sobre o deserto sufocante de ébano se avolumava. Cactos floridos e os quetzals rodopiavam em espirais. Do horizonte, Apolônio recortara, em forma de mancha solar, um nobre cão. O animal corria de lado a lado, abanava o rabo nervoso. Homem e bicho atraíam-se por uma linha de material invisível que funcionaria como uma espécie de coleira. No quarto vizinho ao de Apolônio, a mulher vermelha estava seminua, despenteada, esfomeada, no cio, imunda, com as unhas roídas. Afirmava-se Nossa Senhora, apontava para o seu monte de Vênus e dizia que dali sairíam Messias. “Há muitas coisas sobre a Terra que não seriam nada para os habitantes de Vênus”, bradava a mulher vermelha no afã da religiosidade. No princípio, a equipe de enfermagem não a levara a sério, a voz convicta os dissuadia. Para que a mulher vermelha se acalmasse, alisaram o seu cabelo, limparam-na inteira com uma espuma carcomida, trocaram a camisola branca que vestia e a medicaram a ponto de assemelhar-se a uma monja e atingir condições de ficar a sós. Apolônio não ouvira o surto porque se distraía acenando compulsivamente ao cãozinho. *** Em Mumbai, os hospitais colocam os pacientes frente a frente aos cães para se entreolharem e a cura se realizar. Não era este o milagre. *** O nobre cão Zamor fora parar nos jardins do sanatório devido a incompetência do Alto Comissariado de Importação de Animais Domésticos administrado pelo então Dom Gonzalez, comparsa na rota das galochas e aliado de Madame Petróvska e demais sequestradores do barítono Pietro Paolini. Tal se sucedera a história: uma caixa chegada de Valparaíso fora indevidamente aberta por um estivador e o animal saltara em liberdade, frustrando a intenção de Madame Petróvska, que providenciara a importação do cãozinho, ou um sósia, para chantagear o barítono. No abrigo, Pietro Paolini implorava sobre o leito de Proscuto pela companhia de Zamor. O arrependimento do barítono por haver abandonado o bicho de estimação durante a fuga dos palcos datava das lamúrias nos quatro cantos do Quadrado K-4, a praça Alfred Jarry nos dias anteriores ao sequestro. A tribo dos engraxates espalhara chistes e boatos em

34

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.

Cada homem/mulher está na Terra para simbolizar algo que ignora e para realizar uma partícula, ou uma montanha, dos materiais invisíveis que servirão para edificar a Cidade de Deus.


em ondas arremessadas pelos camarotes. As bocas desdentadas divertiam-se com jocosidade às custas de qualquer um. A rígida tensão dos membros do barítono fracassara em sabido encontro romântico. Um homem que perde o cão é um homem sem potência, regozijavam os limpa-botas ao brindarem com doses de meZcal sob o calor dos fogareiros de carvão e indiferentes ao fato de que o álcool esclerosava os seus tecidos. A maioria dos engraxates não possuía perros. *** A mulher vermelha se colocara no umbral do janelão do seu quarto, de onde, também ela recortara um cão em forma de mancha solar e ludibriava-se com o colorido das aves instantaneamente transparentes devido a velocidade das asas. Ao perceber o sexto ato de uma tragédia, Zamor ganira para Apolônio, que sequer percebia que a mulher vermelha poderia rolar quatro andares. Entretanto, o focinho erguido do cão o convencera a sair da apatia e averiguar o que se passava no quarto ao lado. *** No tocante ao rosto da mulher vermelha, repare-se que mudava sem parar, avançava no tempo, criava rugas e depois regredia às feições de uma menina! Aquele rosto não teria fim, como ditou Zeno. Já as suas pernas dissimuladas sob a saia comprida da camisola balançavam. Daquela altura, sentia que era fácil amar, amar Buenos Aires ou Santa Maria, ao menos um instante. Era de la Plata, éramos todos de la Plata, insistia. Então, ergueu-se. Abriu os braços, posou os pés juntos e estreitos no batente. Cercada pelo véu dos cabelos, girava as mãos como um brinquedo mecânico, ouvia o tinir dos ossitos. Um arrependimento das juntas e a mulher vermelha arriscava fazer-se inorgânica. Anjo. Para contrariar a sorte, deu meia volta e virou as costas ao cãozinho Zamor. Abaixou-se para não bater a testa na esquadria e reentrou no quarto onde a corcunda de Apolônio a espantou. Apolônio esforçava-se, de pé, esperando-a. Rapidamente, a mulher vermelha elogiou a pontualidade dele, pontual como o relógio redondo afixado na parede, ou o sol surrado de azeviche. - Estou noiva. - Ah, sim? - Não me viu desfilar diante do Templo de Salomão sob o cartaz em letras prateadas a anunciar o concurso de beleza universal? Nestas paragens, as noivas competem entre si, medimo-nos pela mandíbula. - É preciso, parece, seguir levando a vida... Para que serve uma faixa de Miss Universo?! Tudo o que Apolônio queria era preservar a calma e a higiene naquele quarto hospitalar. A mulher vermelha interveio: - Você não é aquele que tem um coração nem a direita nem a esquerda? Ouvi conversa sobre a sua anatomia pelos corredores. - E existe alguém com o coração bem a esquerda ou bem a direita? - Não sei... o meu coração entreguei ao noivo... não o vejo desde que partiu. - Ora, são duas as possibilidades, dois tipos de histórias para você e o seu noivo: aquelas nas quais nunca se sai de um lugar e as outras, onde não se chega a lugar nenhum. - E os unicórnios? Não servem para nada? - Os unicórnios? Não se domesticam... Trazem bom agouro, presságios mas recusam-se a obedecer. - Subirei ao altar montada em um, sobre o couro da Rússia. Fique seguro disso! - Vai se casar mesmo? 35

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.

Devemos inverter nossos olhos e exercer astronomia.


- Vou me casar, vou morrer, como dizem os livros. E o mundo existe para se chegar a um livro. Nada mais. Ela esticou a bata branca e recolheu-se no diagnóstico. O seu noivado se firmara no espírito do tempo. Sem cura, sem possibilidade de perguntas. Rosto, mãos, calcanhares, pés exibiam vermelhidão homogênea e Apolônio supôs que aquela mulher retinha em si todos os sangramentos possíveis. Certamente, não levara o susto da primeira menstruação, não experimentara as duas condições de lagarta e borboleta. Exaurido pelo esforço que fizera para abandonar a cadeira metálica e caminhar entre um e outro quarto, Apolônio prometeu à mulher vermelha que voltaria a visitá-la em breve. Desfez-se dela com um inevitável e elegante rancor de macho; onde estaria o tal noivo da divina concepção? Apolônio evitou perguntas, ao menos naquele primeiro encontro. Apesar da desconfiança, algo poderia ser exorcizado e cabia a ele tratar a doente com o respeito devido a quem experimentara séculos como fêmea e ainda assim não sangra. De volta ao seu canto, Apolônio pensou em Lídia, Moncha Insurralde e, por fim, Messalina. Messalina protagonizara o livro sequencial “O Supermacho II” de sua autoria. Para alguns homens, as mulheres eram todas virgens, umas mais, outras um pouco menos, inclusive Messalina, capaz de vinte e cinco amantes em um dia, ela que conhecera os prazeres terrenos sem temer os tormentos no inferno. Este e aquele jogo paradoxal do hímen agradaram aos leitores de variadas origens e impulsionaram a venda de centenas de exemplares, algo sobre o que ele, herdeiro do legado de conceitos da mais alta vulgaridade e da patafísica, não fora informado. Sem acesso às notícias, o autor se preparava para dar o calote no hospital e fugir pela porta traseira tão logo se fortalecesse para o périplo. Antes, planejava uma vez mais visitar a mulher vermelha. *** Os do sanatório deram alta a Apolônio e a Senhora Laurita buscou-o das instalações embora ele não reconhecesse nela a grande investigadora da agência Morales y Morales. Apolônio oscilava entre o confusão mental e resquícios do passado. Seus passos vacilavam. Tinha consciência de que Laurita tomara as vezes da enfermeira durante a internação e, levantando suspeitas, conferira o seu pulso fraco, monitorara o tempo de diluição do antídoto injetado pela equipe de primeiros socorros no seu sangue. A nota médica não deixara dúvidas: envenenamento, de fonte imprecisa, possivelmente churros recheados de doce de leite, os churros de Saturno. A velhota o guiou à pensão, cuja proprietária instalou Apolônio no antigo quarto, esvaziado dos seus pertences e lotado pelas malas de couro e cronoscópios do barítono desaparecido. Nem Laurita nem a dona da pensão demonstraram qualquer reação sobre as alternâncias entre Apolônio e Pietro Paolini na alcova. Que substituíssem um ao outro, pouco importava. Para elas, envenenamentos, sequestros e a fecundação de novos Messias faziam parte da rotina do povoado onde os cegos vendiam luz através de velas amarradas por barbante em nós cegos. Tampouco estranhavam a maciça chegada de membros da Sociedade Cirúrgica Russa para congressos e convenções pelos lados da hacienda do Professor Garcia e da francesa amiga do tzar. Não percebiam que o levedo com ergot que enriquecia os pães oferecidos a toda gente fustigava outras realidades e invertia os olhos para uma via láctea vista do interior do miolo. O que ambas consideravam inaceitável é que Apolônio segurasse um cachorro estrangeiro no triângulo formado pelo seu braço esquerdo e depois o depositasse sobre a colcha limpa da cama. ***

36

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.

Não há na Terra ser humano algum capaz de declarar quem é com certeza. Ninguém sabe o que veio fazer neste mundo, a que correspondem seus atos, seus sentimentos, suas ideias, nem qual é o seu nome verdadeiro (...) A história é um imenso texto litúrgico. Leon Blóy, citado por Borges em Outras Inquisições


O cãozinho Zamor farejava a rota das galochas como um Marco Polo nas paragens de Rulfo. *** Enquanto isso, na praça, os engraxates resguardavam-se pelo quadrilátero sem paredes como se protegidos pelas muralhas do universo. As estrelas grandes e pequenas não bastavam junto aos lampadários para iluminar o interior dos camarotes. Acendiam-se as velas dos ambulantes cegos para que os trabalhadores enxergassem os calçados e os espólios pilhados no chão dos camarotes (mapas obsoletos, pastas encadernadas com fechos de ferro, instrumentos arcaicos científicos, estranhos insetos vitrificados). Uma cratera com as cabeças emersas das musas localizava-se ao centro do K-4, o coreto silenciara. Assim que se viu revigorado, Apolônio deixou o cãozinho Zamor na pensão e desperdiçou uns trocados do bolso para pagar um par de churros e o serviço do índio, noivo de Rosina, ávido em esfregar os sapatos emprestados ao barítono. Apolônio reanimava-se com o antigo hábito de comer churros sem a consciência de que aquele teria sido um hábito seu. O doce de leite adocicava o paladar e a frustração por haver perdido o congresso de astronomia anterior ao coma. As mudanças germinavam em Apolônio como um broto de feijão acomodado num monte de algodão sobe ao céu. Pouco a pouco, Apolônio rejeitava os temores primitivos e acolhia o aspecto vermelho escuro da lua como se o nomeasse profeta. Apolônio II abençoava os peregrinos, anotava sermões com o Junta-Dentes e se convencera da necessidade da mulher vermelha para fazer par. Não contava com vindouro prejuízo em tratamentos dentais. Os dentes da parideira de Messias haviam apodrecido e a sua boca era o mais assombroso inferno de água que a mente de um homem pode imaginar. O sorriso da Virgem é uma ferida esquisita.

37

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.

Kátia Gerlach (Rio de Janeiro, 1980). Radicada em Nova York, graduada em Direito pela UERJ. Mestre em Direito Internacional Privado pela Universidade de Londres e pela NYU School of Law. Professora de Direito na Fundação Getúlio Vargas e da Universidad Desconocida do Brooklyn sob a reitoria de Enrique VillaMatas. Autora de Colisões BESTIAIS (Particula)res pela Editora Oitoemeio, Forrageiras de Jade (2009) e Forasteiros (2013), editados pelo Projeto Dulcineia Catadora. Colunista da Philos e do Jornal Rascunho. 1


Dina Garcia Obra: Linda baiana


LITERATURA ESPAÑOLA

COLUMNA

Rutas Literarias de Iberoamerica

CUMPLIR 27 ANÕS por

Oriette D’Angelo1

El 12 de junio cumplo 27 años. Ver y pensar ese número hace que sienta escalofríos. Recuerdo perfectamente lo que era tener 17 años. Recuerdo, incluso, cómo era y lo que sentía cuando tenía 13. Lo recuerdo casi todo. Ejercito así mi memoria, me devuelvo a esos pasajes y busco en ellos el porqué de mis bordes. Hace 10 años, apliqué a la Facultad de Derecho de la Universidad Católica Andrés Bello. Fue, lo que creía en ese momento, la realización de uno de mis sueños. En realidad, lo importante no era solo estudiar Derecho, era —por fin— mudarme de nuevo a Caracas, un lugar al cual siempre había sentido, incluso hasta hoy, que pertenecía. Hace 10 años, aprendía a tocar el violín. Hace 10 años, seguía con mi primer novio, pero estaba enamorada del niño de la academia de música que salió conmigo durante 2 meses y luego me dejó por otra niña de la academia. Me sigue doliendo. Hace 10 años, probaba el cigarro por «venganza». No me gustó. Hace 10 años, fui infiel. Hace 10 años, mi libro favorito era Veronika decide morir de Paulo Coelho. Hace 10 años, apoyaba a mis amigos con su banda de metal. Yo era su «manager», la que planificaba los conciertos y los ensayos. Hace 10 años, quería morirme. Hace 10 años, escondía el secreto de una amiga a la que le gustaban las mujeres. Yo era su cómplice. Hace 10 años, me enamoraba de alguien a través de Internet. Mi primer novio lo supo. Hace 10 años, usaba MySpace y escribía indirectas a través de «boletines». Hace 10 años, una amiga le enviaba una foto desnuda a un amigo. Su novio se enteró y, en una fiesta y frente a todos, le dijo que era una puta. Yo no la defendí. Ese mismo día ella intentó suicidarse. Por suerte, me llamó luego de tomar veneno para ratas y pude avisarle a su padre. Perdonó a mi amigo por haberla expuesto, a su novio por haberla insultado y a mí, por participar en la humillación. Su padre nunca supo lo que le habíamos hecho. Hace 10 años, me animaba a escribir poesía por primera vez. Todos los poemas tenían rima. Hace 10 años, el primer novio de mi mejor amiga, quien para ese momento vivía en Miami, moría. A los días, trasladaban sus restos a Venezuela. Esa era la primera vez que iba a un funeral. Hace 10 años, me adulteraban un trago. Mi primer novio evitó que me pasara algo más. Hace 10 años, todavía no sabía quién era mi padre. Luego de conseguirlo en Facebook, sigo sin conocerlo bien. Hace 10 años, no había salido nunca de Venezuela. Luego salí tres veces antes de irme «definitivamente». Hace 10 años, protestaba en contra de Hugo Chávez. Hace 10 años, sentía que mis 27 estaban muy lejos, que nunca llegarían, que quizá yo nunca llegaría. Y aquí estoy para contarlo. Aquí estoy para seguir contando.

39

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.

Oriette D’Angelo (Caracas, Venezuela, 1990). Estudió Derecho en la Universidad Católica Andrés Bello (UCAB) y Maestría en Comunicaciones Digitales en DePaul University (Chicago). Autora del poemario Cardiopatías (Monte Ávila Editores, 2016; Premio para Obras de Autores Inéditos, 2014). Seleccionó y prologó la antología de poesía venezolana Amanecimos sobre la palabra (Team Poetero Ediciones, 2017). En 2015 obtuvo el segundo lugar en el I Concurso de Crónicas de la Fundación Seguros Caracas y en 2016 el tercer lugar en el Concurso Iberoamericano de Poesía “Letras de Libertad” de Un Mundo Sin Mordaza. 1


Dina Garcia Obra: Frida estilizada


LITERATURA PORTUGUESA Rotas da lusofonia

ALAÚDE I – O SONHO DO CARPINTEIRO por

Helena Barbagelata1

Diz-se que José nunca falou – ou ninguém o escutara – enovelados numa amálgama de palavras, até as palavras serem só uma, e estarem todos contidos nela, numa mesma pergunta e numa mesma resposta. Escuta. Todos tinham algo que dizer, por dizer, para dizer, na ânsia de se coroarem indígetes de uma qualquer narrativa, de aos atropelos quererem, cada um por si, ter uma linha, uma parte, encarnarem alguma figura, por mais derrisória, forçarem-se na trama, tomarem assento na estória da criação. Todos menos José. José estava fora das palavras, ou tão dentro delas que mal as escutava, José permanecia silente, se a ausência é a maior das presenças. Um sonho. Entre o abarroteamento sonoroso das radio-vídeo-difusões, das cornetas, sirenes – outras que não as de pés de cetáceo e os lábios untados das toadas marinheiras - das monofonias e polifonias, de um disparo atordoante de vozearias, soando, ressoando, até estalarem todas as cordas que tinham, José permanecia silente. Esgoelavam-se, rangiam, guinchavam. E José nada escutava ou pronunciava. José era o homem silencioso. José sonhava enquanto os demais linguarejavam, ensaiavam os seus papéis quotidianos, pai deste, filho de outro, apóstolo, mercenário, rei. José não tinha um papel, José era José, as mãos ásperas e longas, os dedos como corais, com o farelo das madeiras incrustado nos metacarpianos, com o rosmaninho e o azeite perfumando-lhe as palmas gretadas de viagens, as mãos que transformavam os metais, as mãos que criavam mundos, as mãos silenciosas de José. Um sonho meu. As mãos de José erguiam casas e árvores em terras inférteis e com as migalhas e bagas de mel que restam aos simples na quadragésima, recheavam as mesas de fartura. Diz-se que quando tivera José um sonho e o contara aos seus irmãos, todos o odiaram. Do silêncio de José desabrochavam mundos intransitáveis, sem a vultuosidade dos falatórios, José tinha espaço. Um espaço cujos limites traçava e destraçava e onde guardava o que ficava por dizer, o que ninguém escutara. Um sonho meu que sonhei. Recolhia as palavras que os outros abandonavam como folhas no vento, limbo a limbo, reconstituía uma alegria, uma tristeza, um chiste ou um queixume, e tudo guardava dentro de si. Extraía o trinado das aves, o rumorejo dos rios, com a lucidez do seu silêncio distinguia, o timbre de cada árvore. E como o epígono da mais preciosa fórmula alquímica, José permanecia impenetrável. Escutando a música de dentro, falando a música de dentro, Escuta, escuta a madeira – o alaúde, reverbera, a alma está na madeira, são duas, o imo, da árvore, e o queimor dos dedos, do homem – uma terceira, a dele, a sua, do alaúde; a melhor 41

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.

COLUNAS


é a nogueira, nela as cordas dançam – escuta; o alaúde, é um barco, a música navega, assim, filamento após filamento, destilada suavemente, ouve a madeira; é uma gota, uma gota de mar – e nos estaleiros, o eflúvio, cada barco é um alaúde, leves, de manejamento grácil, para as correntes dóceis, – abetos, deslizando nas costas suaves do Egeu, da Lícia, densos, como caixas de pinho, caravelando, com a solidez que só tem a morte, não cediam aos vórtices do grande mar, apossaram o mundo; [de que se faz a tua madeira, pesa, flutua; o seu odor, inebria, dissimula-se, com que afinco, te debruças sobre as tábuas, dia, noite, nunca; constróis, cerzes, aplanas, de que te fazes

42

Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.

Helena Barbagelata (Lisboa, Portugal, 1991). Licenciada em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Nova de Lisboa e Pós-graduada em Línguas, Literaturas e Culturas. Desenvolveu estudos de investigação em Língua, Pensamento e Cultura Helénica na Universidade Nacional e Capodistriana de Atenas. Vencedora do “Prémio Poesia e Ficção” (Edição de 2012), com a obra “O Mar de Todos os Deuses”. Publicou a obra Soliloquia (Apenas-Livros, 2013). 1


Philos PORTUGUÊS CATALÀ ESPAÑOL FRANÇAIS ITALIANO ROMÂNĂ REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA 16 maio 2017 · REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA 16 mayo 2017


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.