Philos PORTUGUÊS CATALÀ ESPAÑOL FRANÇAIS ITALIANO ROMÂNĂ REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA 17 junho 2017 · REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA 17 junio 2017
Philos PORTUGUÊS CATALÀ ESPAÑOL FRANÇAIS ITALIANO ROMÂNĂ REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA 17 junho 2017 · REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA 17 junio 2017
PAULO EMÍLIO AZEVÊDO CAIO LOBO REGINA ROCHA RODRIGUES ALBERTO ARECCHI VITOR MARTINS DAN PORTO MUNIQUE DUARTE ORIETTE D’ANGELO DAVID ORTEGA KÁTIA GERLACH
PORTUGUÊS CATALÀ ESPAÑOL FRANÇAIS ITALIANO ROMÂNĂ REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA 17 junho 2017 · REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA 17 junio 2017
EXPEDIENTE
REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA
Souza Pereira
EDITOR CHEFE | EDITOR EN JEFE
Sylvia de Montarroyos
COMITÊ EDITORIAL | COMITÉ EDITORIAL
Lucrecia Welter
REVISÃO DE TEXTOS | SUPERVISIÓN DE TEXTOS
Maus Hábitos
DESENHO E DIAGRAMAÇÃO | DISEGÑO Y DIAGRAMACIÓN
Mario Daniel Gimenez ILUSTRADOR | DIBUJANTE
SOBRE A OBRA DESTA EDIÇÃO | SOBRE LA OBRA DE ESTA EDICIÓN
Publicado originalmente em junho de 2017 com o título Philos, Revista de literatura da União latina. Os textos desta edição são copyright © de seus respectivos autores. As opiniões expressas e o conteúdo dos textos são de exclusiva responsabilidade de seus autores. Todos os esforços foram realizados para a obtenção das autorizações dos autores das citações ou fotografias reproduzidas nesta revista. Entretanto, não foi possível obter informações que levassem a encontrar alguns titulares. Mas os direitos lhes foram reservados. Philos, Revista de Literatura da União Latina é registrada sob o número SNIIC AG-20883 no Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais com Certificado de Reserva outorgado pelo Instituto Nacional de Direitos do Autor sob o registro: 10-2015-032213473700-121. ISSN em trâmite. Revista Philos © 2017 Todos os direitos reservados. | Publicado originalmente en junio de 2017 con el título Philos, Revista de literatura de la Unión latina. Los textos de esta edición son copyright © de sus respectivos autores. Todos los esfuerzos fueron hechos para la obtención de las autorizaciones de los autores de las citaciones o fotografías reproducidas en esta revista. Sin embargo, no fue posible obtener informaciones que llevaran a encontrar algunos titulares. Pero los derechos les fueron reservados. Philos, Revista de Literatura de la Unión Latina es registrada bajo el número SNIIC AG-20883 en el Sistema Nacional de Informaciones e Indicadores Culturales con Certificado de Reserva otorgado por el Instituto Nacional de Derechos del Autor bajo el registro: 10-2015-032213473700-121. ISSN en trámite. Revista Philos © 2017 Todos los derechos reservados.
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Philos, Revista Philos Revista de de Literatura Literatura da da União União Latina Latina || Revista Revista de de Literatura Literatura de de la la Unión Unión Latina. Latina.
EDITORIAL
REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA É do silêncio que nasce todo o vocabulário do mundo. A dimensão da escrita parece-me inevitável (e obrigatória) para estabelecer, em breve síntese editorial, uma relação amigável e pacificadora entre os textos que apresentamos nesta nova edição da Revista Philos. Henri Matisse se perguntava «Que posso eu escrever?». Pois reflexiono a mesma pergunta, ainda um pouco perdido entre as palavras destacadas que contribuem para a composição majestosa da Philos #17. São dezessete números, dezessete cadernos, dezessete oportunidades de aguçar a mente de nossos leitores. Pela primeira vez, a precedência da imagem sobre o texto representa um diálogo direto com aquilo que ele tem a dizer. Convidamos o artista argentino, Mario Gimenez, para colaborar na direção de arte desse mês de junho. O ilustrador trabalhou incansavelmente na criação de imagens que conversassem nas entrelinhas com os trabalhos de nossos autores. Sexualidade, questionamentos, crítica, romantismo, solidão, intempéries do tempo e do coração; alguns dos temas recorrentes deste caderno. Nossos colunistas versam sobre filosofia e o jogo de dados divino e gritos necessários para falar de feminismo e mulheres na literatura. São muitas vozes, muitas reflexões e trabalho em conjunto. A imagem da capa é um ótimo exemplo ilustrativo para o trabalho que fizemos até aqui: tudo feito a mil mãos. A quem tem paciência de ler, peço que o faça com delicadeza. O nosso papel é assim puramente espetacular. Esta revista foi concebida com esse espírito. Desejamos uma ótima leitura,
Souza Pereira
EDITOR CHEFE | EDITOR EN JEFE
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Philos Revista de Literatura da União Latina | Revista de Literatura de la Unión Latina.
EDITORIAL
REVISTA DE LITERATURA DA UNIÃO LATINA REVISTA DE LITERATURA DE LA UNIÓN LATINA Es del silencio que nace todo el vocabulario del mundo. La dimensión de la escritura me parece inevitable (y obligatoria) para establecer, en breve síntesis editorial, una relación amigável y pacificadora entre los textos que presentamos en esta nueva edición de la Revista Philos. Henri Matisse se preguntaba «Que puedo yo escribir?». Pues reflexiono la misma pregunta, aún un poco perdido entre las palabras destacadas que contribuyen para la composición majestosa de la Philos #17. Son diecisiete números, diecisiete cuadernos, diecisiete oportunidades juguetear con la mente de nuestros lectores. Por primera vez, la sucesión de la imagen sobre el texto representa un diálogo directo con aquello que él tiene a decir. Invitamos el artista argentino, Mario Gimenez, para colaborar en la dirección de arte de ese mes de junio. El ilustrador trabajó incansablemente en la creación de imágenes que conversaran en los interlineados con los trabajos de nuestros autores. Sexualidade, cuestionamientos, crítica, romanticismo, soledad, intempéries del tiempo y del corazón; algunos de los temas recurrentes de este cuaderno. Nuestros columnistas versan sobre filosofía y el juego de datos divino y gritos necesarios para hablar de feminismo y mujeres en la literatura. Son muchas voces, muchas reflexiones y trabajo en conjunto. La imagen de portada es un óptimo ejemplo ilustrativo para el trabajo que hicimos hasta aquí: todo hecho a mil manos. A quién tiene paciencia de leer, pido que lo haga con delicadeza. Nuestro papel es así puramente espectacular. Esta revista fue concebida con ese espíritu. Deseamos una óptima lectura, Souza Pereira
EDITOR CHEFE | EDITOR EN JEFE
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SUMÁRIO | SUMARIO CONTOS | COLUNAS | ARTIGOS CUENTOS | COLUMNAS | ARTÍCULOS
8 Atravessando a rua,
por PAULO DE EMÍLIO AZEVÊDO
10 Quem cuida
das flores,
por CAIO
LOBO
13 O outro
20 A velha
fotografia,
MARTINS
22 Couro curtido,
por DAN PORTO
por
SONIA REGINA ROCHA RODRIGUES
17 Fat Seck, le veggente,
da
ALBERTO ARECCHI
27 Mulheres na literatura,
por
MUNIQUE DUARTE
29 Otro grito
necesario,
6
por VITOR
por ORIETTE
D’ANGELO
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31 Juego de
dados,
por DAVID
ORTEGA
35 Búzios
estelares não decolam, por KÁTIA GERLACH
Mario Gimenez
LITERATURA BRASILEIRA
CRÔNICAS
Rotas da lusofonia
ATRAVESSANDO A RUA por
Paulo Emílio Azevêdo1
Fui ao banco, mas não havia nem mesmo uma cadeira para sentar. Banco é um iate de luxo para quem tem paciência que a vida vai melhorar e ajoelha no invisível fazendo promessa econômica. A paciência, por sua vez, vai mudando cada vez que não há banco e a fila, estando todos de pé, somente aumenta sua trilha mais distante da rua - a rua é o lugar sonhado para quem está dentro do banco. Atravesso a rua, presságio da liberdade; do outro lado o destino pretendido, mas não encantado - o Fórum. Esse é o irmão gêmeo do banco, mas curiosamente não tem mãe. O Fórum é a cama da Justiça onde a infidelidade mora, se se chamasse Motel seria mais digno. Depois de três horas nada resolvido, a poesia morre por alguns minutos nestes instantes. Mas, nem tudo está perdido. Entro num táxi e tocava "Infinito Particular" na voz sublime de Marisa Montes. Volto a sonhar. O motorista diz: “música chata demais né!?” Essa cumplicidade entre taxista e passageiro no Rio de Janeiro é um blefe da euforia pensando que existe amizade à primeira vista - se há amor não sei, mas amizade é córrego se tornando oceano no fim da vida. Não satisfeito, ele completa: “o senhor me dá licença, mas eu vou ouvir notícia do FlaxFlu para ver se o Flamengo barra a liminar”. Como eu disse: é a Justiça. Times de futebol são patrocinados por Bancos. Saí do táxi e sentei num banco de praça. Estou na rua. A liberdade é um encontro tardio consigo próprio, sem constrangimentos.
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Paulo Emílio Azevêdo (Rio de Janeiro, 1975). Professor, Doutor pela PUC-Rio em Ciências Sociais, escritor, poeta e coreógrafo. Recebeu diversos prêmios, entre eles “Rumos Educação, Cultura e Arte” (2008/10) pelo Instituto Itaú Cultural e “Nada sobre nós sem nós” (201112) no âmbito da Escola Brasil/Ministéri o da Cultura para publicação do livro Notas sobre outros corpos possíveis (2014). Seu mais recente livro, O amor não nasce em muros (2016), tem prefácio assinado pelo editor chefe da Philos. 1
Mario Gimenez
LITERATURA BRASILEIRA Rotas da lusofonia
QUEM CUIDA DAS FLORES por
Caio Lobo1
Vejo do sofá minha mãe cuidando das flores. Adquiriu várias e, no espaço restrito da varanda, criou um verdadeiro jardim, com vasos contendo espécies diferentes, dispostos sobre uma mesa de madeira e vidro com duas prateleiras. Ela cuida das plantas e das flores logo de manhã, quando o sol ainda é fresco e projeta sua luz sobre elas. Rega e conversa com elas. Diz que alguém – não lembro quem – lhe afirmou ser importante conversar com as flores. Usa expressões do tipo: “essa está feliz”, “essa gosta de ficar aqui”, “essa não gosta de vento”. Vez ou outra me chama para dizer: “olha, galego, essa rosa está desabrochando”. Na sua tarefa de cuidar do jardim, arte que certamente aprendeu com minha falecida avó e que também fazia parte das habilidades de tia Gilda, minha mãe se abaixa para levar um jarro daqui para lá, de lá para cá; limpa o chão com a vassoura; curva-se e se levanta; traz o regador; movimenta-se. Eu observo a cena do meu sofá, tomando o café que ela preparou antes que eu acordasse porque, claro, mãe não cuida só de plantas. O problema é que Dona Gilza tem dores insuportáveis no nervo ciático, e abaixar-se do modo como faz não parece ser uma boa ideia para pessoas que sofrem desse mal. Eu poderia lhe dizer isso. Poderia lhe dizer que quando se ultrapassa os sessenta é preciso aquietar-se e que o corpo merece repouso. Poderia dizer que a medicina ocidental é unânime em afirmar que não se pode abaixar desse jeito, ou levantar peso desse jeito, sobretudo se o ciático te tortura diariamente. Talvez já o tenha mencionado em algum momento, mas não menciono mais. É que algo de muito profundo emerge dessa cena, da insistência dela em cuidar das flores. Algo de um significado que minha inquieta cabeça quer, em vão, decodificar. Um mistério que transcende as explicações da ciência. Parece que minha mãe executa uma função cósmica. Viajado? Talvez. Talvez eu me deixe levar, nesses momentos, pela beleza da luz sobre as flores, ou pela brisa que vem do mar. Ou pelo verde oceano que murmura logo ali, em sua amplidão infinita, atrás do pequeno jardim. Num gesto de aparência tão insignificante, minha mãe sustenta a vida na Terra. Vidas minúsculas, poderíamos dizer, mas Vida assim mesmo. Que motivo haveria para tratá-las com discriminação? Ela nutre, cuida, ama. É possível e muito provável que não perceba isso, que sua ação, segundo ela, se vincule ao motivo simples – e consciente – de que aprecia flores: assim como sua mãe antes dela, assim como sua irmã apreciava. Não digo mais: “mãe, para com isso, suas costas não aguentam”. Que sei eu dos mistérios do universo? Como posso sopesar sua função universal de mãe com os supostos malefícios 10
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ENSAIOS
físicos que eventualmente decorram daquele abaixar e levantar constantes? Como se compara o bem que uma ação provoca no indivíduo que ama executá-la com o mal físico que é consequência desta mesma ação? Eu fico me perguntando se, caso tivesse tal autoridade, a proibisse de cuidar das plantas, o quanto isto não afetaria sua paz de espírito. O quanto eu não estaria, ao lhe querer bem, provocando-lhe um mal. Então me contenho e nada falo. Em outras épocas, falaria. Em outras épocas, levantaria o estandarte da medicina e da ciência e, com toda a arrogância de quem detém o conhecimento primordial, entraria em conflito com ela, tentaria impor-lhe o padrão da lógica e da razão. Irritar-me-ia profundamente com sua negativa em obedecer-me. Envenenaria o ambiente e a paisagem com minha própria rigidez interior. Agora me calo. Talvez cientistas e médicos da coluna nunca tenham tido mães que cuidassem de jardins. Não sei. Talvez não tenham podido observar essa cena diária e ensolarada, com todos os reflexos de luz e cores invadindo suas salas. Talvez não tenham escutado o silêncio e a harmonia de gestos simplórios e, ao mesmo tempo, tão cheios de significado. Ou talvez seja só eu mesmo que sinta essas coisas. Um filho que ama a mãe existente na própria mãe. E que, fascinado, se deixa hipnotizar pela vida e pelos que dela cuidam.
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1Caio
Lobo (Recife, 1979). Colunista da Philos, é formado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco e Mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. Leitor compulsivo e romancista. Lançou recentemente o seu livro Trôpegos Visionários pela editora Kazuá.
Mario Gimenez
LITERATURA BRASILEIRA Rotas da lusofonia
O OUTRO por
Sonia Regina Rocha Rodrigues1
-Eu não sou eu. A doutora olhou para José, o carteiro. Um rapaz jovem, calado, feioso. - Quer dizer, sou eu. Mas não sou eu. O rosto está lá no espelho. Mas não é exatamente o meu rosto. - José, você usa drogas? - Não, doutora. Nem bebo álcool. - Ontem você era você. - Como posso explicar? O mundo parece diferente. Este uniforme, por exemplo, é meu uniforme, mas não é meu uniforme. O meu tem uma letra J bordada por dentro da gola. - É uma camisa nova. - Tinha três camisas no guarda-roupa e todas elas sem o J. - O que disse a Anita? - Anita? - Sua esposa. - Sou solteiro. - Não havia outra pessoa em sua casa hoje? - Não. - José....? - A cozinha estava uma bagunça. Ontem à noite eu deixei tudo arrumadinho. Será que virei sonâmbulo, doutora? - José, olhe esta foto - a doutora virou a tela do computador para ele. Uma série de fotos de uma festa de confraternização de fim de ano. - Quem são essas pessoas? - A senhora, eu, Arnaldo e Anita. - Quem é Anita? - A namorada do Arnaldo. - Como eles se conheceram? - Nós três estudamos juntos. Entramos no mesmo concurso no Correios. Amigos de infância. - Anita não é sua esposa? 13
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CONTOS
- Não, sou solteiro. - Notou alguma outra coisa diferente? - Tudo. O prédio. As pessoas. A senhora tinha reflexos nos cabelos. Ontem sua pele estava bronzeada. O rapaz da recepção ontem estava dirigindo uma caminhão de entregas. Eu conversei com ele assim que entrei e sabe o que ele me disse? Ele afirmou que nem tem carta de motorista. - O que você acha disso tudo? - Eu enlouqueci? Diga que não, doutora. - Não. Talvez alguma coisa aí no seu cérebro esteja perturbada...vamos fazer uns testes. Levante-se. Trinta minutos depois, José saiu, com a devida dispensa médica, para ir ao laboratório e à clinica de imagens, com os horários já agendados pela própria doutora. Na tarde seguinte, José retornou com os exames. - Doutora do céu, ajude-me! - Vamos olhar os exames, José. Ela apoderou-se dos envelopes e foi colocando as lâminas no negatoscópio. - São justamente os exames, doutora. A Anita me entregou na hora do almoço e garante que eu ontem passei o dia atrás deles. Eu ontem, pelo que me lembro, trabalhei o dia inteiro. - Anita? Quem é Anita? - Minha esposa. - Você é casado, José? - Doutora, a senhora conheceu minha esposa na festa de fim de ano, lembra-se? Ela trabalha em outra unidade. - O que você fez ontem? - O mesmo de sempre. - José...? - Dormi mal, doutora. Tive um pesadelo. Um pesadelo longo, confuso, minha memória está atrapalhada. - Não há nada de errado com nenhum dos exames. Fale-me desses pesadelos. - Eu acordei solteiro. O apartamento todo arrumadinho e limpo. Minhas camisas tinham um J bordado na gola, por dentro, aqui na parte de trás. Nenhum sinal da Anita. Quando cheguei ao trabalho, o Jorge que está aí hoje na recepção estava abrindo a porta de uma perua de entrega, vestido de motorista. Meu chefe veio com uma conversa esquisita para cima de mim. - Que conversa? - Que eu havia solicitado transferência para Sorocaba porque minha noiva é de lá. Eu sou casado, doutora! Quando eu disse isso para ele, ele insistiu que eu viesse falar com a senhora. - Por que? - Porque eu disse que eu era casado. - Você esteve aqui ontem. - Não, não estive. - Não esteve? 14
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- Quer dizer, estive. Mas não era a senhora quem me atendeu. Eu não fiz exame nenhum. - Quem atendeu você? - Ah, doutora, que pesadelo! A médica parecia a senhora, mas a senhora está pálida e seus cabelos estão todos da mesma cor. Não dava para mudar tanto de um dia para outro, dá? - Como acabou seu sonho, José? - No final da tarde eu fui procurar Arnaldo. - Aquele seu amigo de infância. - Aquele patife, isso sim. Ele estava beijando a Anita. - Vocês brigaram? - Bem, eu entrei correndo no bar, direto para cima dele, quando um sujeito entrou pela porta ao lado e foi na mesma direção que eu. Nós esbarramos um no outro. Foi horrível, doutora. - Você se machucou muito? - Que nada, doutora! Foi um esbarrãozinho de nada. O sujeito se virou para mim, eu me virei para o sujeito. Eu estava olhando para mim mesmo. Quer dizer, não era eu. - Afinal, era você ou não era você? - Aí é que está, era eu mas não era eu. Era eu, mas um tantinho diferente, entendeu? - Não, como acabou o sonho? - Sonho nada, pesadelo. Pelo jeito não acabou. Eu não me lembro de ter feito esses exames. E o mais esquisito eu ainda não mostrei. - O que é? - Este crachá que apareceu em meu bolso. Pode conferir aí no meu prontuário, meu sangue é O+, doutora. Se a Anita olhar para isso, vai ficar brava e com razão. Alguém está com uma brincadeira de mau gosto para cima de mim. Não sei quem fez isso. A doutora olhou e leu: José Silva Unidade - Santos Solteiro Sangue A+ E a foto... Bem, a foto era de José. A do outro José. A do José da véspera. Agora que a doutora olhava com atenção, o outro José era ligeiramente diferente.
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Sonia Regina Rocha Rodrigues 1
(Santos, São Paulo). É escritora e médica. Autora dos livros de contos Dias de Verão (1998), É
suave a noite (2014), Coisas de médicos, poetas, doidos e afins (2014) e
um de programação neurolinguística,
O Que Você Diz a Seu Filho? (1999).
Mario Gimenez
LETTERATURA ITALIANA Per una latinità plurale
FAT SECK, LE VEGGENTE da
Alberto Arecchi1
Nell’estremo lembo occidentale dell’Africa, la città di Rufisque fu fondata dai portoghesi nel’500, poi fu occupata dai francesi. Nell’800 divenne la capitale del commercio dell’arachide, ma rimase offuscata dal sorgere della metropoli di Dakar. Oggi lo scalo coloniale è in abbandono, i moli in legno del vecchio porto sono popolati solo da stormi di gabbiani. Sugli arenili si svolgono sessioni di lotta, si trascorrono lunghi pomeriggi giocando alla dama africana, mentre i vecchi conversano sotto le tettoie delle cases à palabres. A Tiawlène, un quartiere della periferia di Rufisque, abitava Fat Seck, una grande veggente guaritrice, una delle poche persone abbastanza forti da ospitare in permanenza dentro di sé, senza impazzire, il proprio rab (spirito infestante). Fat aveva dedicato la propria vita a curare le possessioni degli altri, grazie ad un dono che le che proveniva dall’antichità della sua famiglia. Dietro la casa, un vasto campo era pieno di recipienti pieni d’acqua, latte, sangue, pezzetti di legno e ossa d’animali sacrificati. Ogni recipiente (canarì) corrispondeva ad un malato, venuto da Fat Seck per farsi guarire, e conteneva il rab o ginn, lo spiritello malvagio che perseguitava e faceva impazzire. A volte, però, l’ossessione deriva da pratiche umane, qualche nemico ha assunto un marabù (stregone malvagio) per praticare un interdetto (xalá). In tali casi, l’esorcismo si fa più complesso: è necessario allora praticare una “contro-magia” e liberare forze che devono ricadere su qualcuno, non soltanto sull’animale sacrificato, ma anche sull’autore del maleficio. I poteri di Fat Seck erano noti. Un mio collega - un giovane finlandese, appassionato di studi sulle culture sciamaniche - aveva letto un articolo su di lei, prima di venire in Senegal. Un pomeriggio, ci recammo a Tiawlène. La vecchia ci ricevette, attorniata da donne della famiglia, ci scrutò con i suoi occhi penetranti, rivelò i nostri segreti più intimi, poi ci fece chiedere dall’interprete perché fossimo venuti. Prima di salutarci, Fat Seck ci regalò due bastoncini di legno e c’invitò a ritornare dopo qualche giorno: si sarebbe svolta una cerimonia di ndepp, un esorcismo. Era previsto uno ndepp “medio”, con il sacrificio di un capretto. Per le possessioni più violente era richiesto il sacrificio d’un toro, per le più lievi bastavano due galletti. Il martedì, alle nove e mezzo del mattino, entriamo nel cortile. Fat Seck è rimasta nel suo alloggio, a ricevere visite e offrire consulti. L’officiante dell’esorcismo è una donna piuttosto giovane, Senabou: sembra di capire che sia l’erede designata per ricevere il rab di Fat. Un solo uomo partecipa alla cerimonia. Coperto di amuleti intorno alla vita e alle braccia, sgozza il capretto e fa colare il sangue in una calebassa. Poi, la cerimonia si frammenta. 17
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RACCONTO
L’uomo appende il capretto per le corna e comincia a scuoiarlo meticolosamente, seguendo un rituale prefissato e mettendo da parte, in un recipiente, alcune parti: il cuore, il fegato, una zampa. Su questi organi, ancora sanguinanti, sarà scaricata una parte delle forze maligne che infestano la paziente. Da un’altra parte, in un angolo del cortile dei canarì, una giovane donna sta facendo meticolose abluzioni col sangue della vittima. Infine, quasi di fronte al capretto scuoiato, un gruppo di donne prende un canarì nuovo, vi pratica un foro, e poi si fa consegnare le budella del capretto e le lega in una serie di nodini, uno dietro l’altro, come una corona del rosario. Una di loro ha la faccia terribilmente corrosa. Non è lebbra, non è una scottatura: anche l’osso della mandibola è orribilmente deformato. La paziente è seduta e ci volge le spalle. L’officiante la copre con un panno, le impone le mani, recitando formule. Poi le impone sul capo due galletti vivi e li fa roteare più volte intorno alla sua persona, sempre più lentamente, scuotendoli ad ogni giro verso le membra del capretto, appositamente raccolte da parte. L’uomo continua a scuoiare. La paziente rimane seduta e canta, con le mani sulle ginocchia, le palpebre rivolte verso l’alto. Senabou scuote più volte il panno, con forza, la ricopre, le toglie il rab dal capo e dal corpo e lo scarica sul capretto. Nessuno le mangerà, ma saranno conservate, imprigionate nel canarì del cortile. L’uomo recide il membro del capretto, che comincia a girare di mano in mano: le donne presenti si strofinano la fronte col ciuffo di pelo, pronunciando espressioni augurali. Ripetono l’operazione e lo schiacciano, per farne uscire il sangue, che si passano sulla persona e sotto la pianta del piede. Veniamo allontanati. Poco dopo l’officiante ci raggiunge, beviamo il caffé insieme. Passiamo a salutare Fat Seck, arriva la figlia della malata e veniamo presentati. Saremmo ritornati ancora a farle visita, ma quando una nostra amica - pensando d’ingraziarsela - le disse che anche sua nonna era veggente e sensitiva, la “madre” non si trattenne e - con una punta di scettico orgoglio - le fece chiedere, tramite l’interprete: «Come è possibile? Non ho mai creduto che i rab parlassero anche ai tubàb» (il tubàb è l’uomo bianco). Forse ora rimpiango di non essermi fermato in quell’angolo di paradiso. Forse invece, come tutte le cose della vita, quel mondo poteva essere vissuto solo allora, al tempo giusto: non poteva durare né di più né di meno. Gli amici di allora si sono persi, annegati ognuno nel proprio mondo quotidiano. Chissà dove sono, in questo momento... Forse solo la veggente Fat Seck - se fosse ancora viva saprebbe quando e dove farli ritrovare...
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Alberto Arecchi 1
(Messina, 1947). Architetto italiano, vive a Pavia, dopo un lungo periodo trascorso in Africa, in vari Paesi. Scrive racconti brevi e poesie, in diverse lingue. Ha vinto premi e si è classificato in concorsi internazionali.
Mario Gimenez
LITERATURA BRASILEIRA
CONTOS
Rotas da lusofonia
A VELHA FOTOGRAFIA por
Vitor Martins1
Era tarde da noite e a chuva castigava o campo lá fora. Sem nenhuma piedade, trovões cortavam o céu e incendiavam árvores secas. O cenário era horrível em qualquer direção que se olhasse. Em uma velha casa por ali, morava um senhor de idade, Ferdinand. Calejado pela vida, esquecido pelos filhos, e amargurado pela morte da esposa, ele vivia sozinho em um antigo edifício de madeira caindo aos pedaços. Goteiras encharcavam a casa por todo canto. Sentando-se em sua velha poltrona, abandonado pelo sono, ligou a televisão e tentou sintonizar algum canal. Sem sucesso. A chuva causava interferência na transmissão já ruim pela distância da cidade. Levantou-se, então, de seu assento, e caminhou até a velha estante que tentava preencher o vazio da enorme sala de estar e de sua amarga existência. Vasculhando as gavetas à procura de alguma coisa para se distrair, encontrou algo que não desejava: uma velha fotografia em que se encontravam quatro pessoas: ao centro, ele e a falecida esposa se abraçavam e sorriam felizes para o fotógrafo. À direita do casal, a filha mais velha, Sophie, com 15 anos na época, e, à esquerda, o filho mais novo, Louis, com 09 anos. Sem perceber, havia caminhado de volta à poltrona. Os olhos cheios de lágrimas observavam, atentamente, a fotografia. Virou-a e leu as doces palavras escritas pela esposa na parte de trás, uma inscrição quase apagada pelo tempo que dizia: “A paixão que surgiu em nós será eterna. Como a fênix que renasce das cinzas, o nosso amor viverá para sempre.” Lendo aquilo, sentiu um aperto no coração e se lembrou da esposa, Maggie, dizendo-lhe aquelas meigas palavras. Palavras essas que foram imortalizadas naquele pedaço de papel. Levantou-se novamente da poltrona, chorando a dor da saudade. Quase sem forças, tomado pela emoção, conseguiu chegar ao quarto e encontrou a cama arrumada. Já não dormia há algumas noites. Retirou o travesseiro e acomodou a fotografia debaixo dele. Deitou-se na cama e se cobriu; afinal, a chuva ainda castigava a casa. Por um tempo, permaneceu acordado, ouvindo-a cair no telhado. Enfim, adormeceu, para nunca mais acordar.
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1
Vitor Martins
(Ourinhos, São Paulo, 1998). Viu na arte de escrever uma saída para os dramas e problemas enfrentados no cotidiano. Sonhador e determinado, busca espaço no mundo literário.
Mario Gimenez
LITERATURA BRASILEIRA Rotas da lusofonia
COURO CURTIDO por
Dan Porto1
Abelardo fazia os melhores instrumentos musicais da cidade, quiçá do país, dizia o comissário Ajenor da Silva, assíduo da marca. Seu Abelardo, ora tão ocupado com os casos crescentes de desaparecimentos até se esquecera de sua paixão, depois, é claro, de Deusa, a deusa, sua amada, amiga, esposa e, obviamente, a polícia, esquecia-se Ajenor da Silva do pandeiro. Diziam que tocava com maestria o chorinho e o samba; não perdia por nada a roda do boteco de Safira, sem duplo sentido, por favor. A viúva do árabe herdou as lojas do marido, mas não era capaz de resistir ao samba. Pagava gerentes e contadores, e dedicava suas tardes e noites ao botequim, estrela maior da Cidade Baixa, “cintilante sopro de Deus”, nas palavras do comissário e amigo Ajenor da Silva. As línguas ferinas chegavam a apontar evidente caso amoroso entre Safira e Ajenor da Silva. Ela viúva, ele casado, exagerado no amor à esposa, diziam é culpa, gentinha desocupada! Imagine maldar amizade assim, tão azeitada e de tantos anos! — Fui amigo do finado, cliente de mais de década. Maledicência! — defendia-se Ajenor da Silva, enfezado. No entanto, se faltasse à roda de samba de Safira, lastimava-se, mandava desculpas por um e outro; a amiga e os colegas que desculpassem, os desaparecimentos tomavam todo o tempo e atacavam a gastrite, inferno a arder no meio do corpo sempre que algo lhe tirava do sério. E estava definitivamente transtornado. Caso sem solução, sem pista alguma. Os homens sumiam como que por mágica; onde se vê isso? Todo mundo sabe que assassinos em série preferem mulheres, ora. —Mas quem falou em assassino, chefe? — Cala-te, Paco! — as ideias se misturavam. Ajenor da Silva não conseguia concatenar sequer uma linha de lógica. Na cabeça, a roda de samba, as notas de Aguenta, Seu Fulgêncio; no estômago, a gastrite, inferno! Saiu na edição de sábado do Jornal da Tarde. Esses jornalistas nem são tão... tão assim, não são. O repórter Casemiro ligara os pontos, os desaparecidos, além de homens, eram todos trabalhadores braçais. — Como não me atentei a isso, agora esse pulha, energúmeno, levará os louros da lógica, energúmeno! Ajenor da Silva bebia com devoção o suco de couve e limão que dona Deusa preparara, acalmava-lhe a gastrite o ácido e o amor da esposa. — Carinho, preciso lhe falar. — Diga, diga, carinho! Ah, já sinto a melhora! Mas diga, diga! — Olhe, vou precisar buscar outra faxineira para esta semana, Adália se retirou, o marido desaparecido, será mais um dos seus casos? Era só lembrar-se dos desaparecimentos e Ajenor da Silva já sentia reacender a brasa nas en22
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CONTOS
tranhas. — Espera, mas me diga, diga, o que fazia o marido de Adália? Afinal uma pista, uma ponta de lã, obrigado, meu São Jorge, que bênção és tu, minha joia, meu carinho, contrata quem tu quiseres, paga quanto queiras! Apressou-se à delegacia, era isso o que faltava, uma pista a conduzir as investigações que iam lentas, faltava efetivo, interesse da secretaria estadual, a prefeitura sem dinheiro, sempre o mesmo texto para o que interessa. Paco, Paco, entrou o gabinete espiando à procura do assessor, ou melhor, que se faça justiça, assessor, escrivão, recepcionista, porta-voz y otras cositas más, pero esto és para otro cuento. Ah, Paco, luz daquela delegacia mal aparelhada, mas há tu, bendito Paco. Paco, Paco. Paco surge dos fundos, também vindo do almoço, os beiços engordurados, o nó da gravata desfeito. — Componha-se, Paco. Temos, temos — e dava tapinhas à face do garoto. — O que temos, doutor? — Temos a pista, Paco. Vamos sair, vamos sair. Adália perdeu o marido enquanto ele estava empregado na construção da nova rodoviária. Imagine, nova rodoviária, obra para marcar a gestão do novo prefeito, todos uns cães mijões a marcar território com placas, obras superfaturadas, enquanto enchem seus canis de ossos e ração. Canalhas! Ajenor da Silva detestava políticos, detestava mais até do que aos jornalistas. —Veja: pedreiros, estivadores, o jogador de futebol, o marinheiro, compreende, garoto? Não? Ah, asno! Todos trabalhadores ao ar livre, não me admira aquele endiabrado do Casemiro tenha largado na frente, mas não há de ser nada, é só uma cabeça de vantagem, eu sou cavalo velho e tarimbado, no fim ainda ganho com sobra, pulha, excomungado. Passaram a tarde, Paco e Ajenor da Silva, a visitar obras, o cais, o Clube Atlético Asas, empreiteiras e, por último, Adália. —Tudo batia, tudo bate, Paco; os desaparecidos eram todos trabalhadores braçais. —Desculpe, doutor, mas não vejo aonde vamos com isso. Ajenor da Silva também não, mas precisava largar; imperava pôr-se à corrida na raia ao lado de Casemiro. Afinal era ele, Ajenor da Silva, o cavalo com mais autoridade, o cavalo mais velho; é verdade, velho, porém experiente. —Esse Casemiro da puta que o pariu que me aguarde! Vamos, vamos, Paco, é hora de relaxar! Perdoem as margens que deixam este autor sem coração; é claro como água que quer reter o leitor, nosso deus maior; no entanto, nem tão desalmado assim, promete e promete cumprir: a história de Ajenor da Silva virá à tona. Aqui neste rápido painel, coisa de no máximo uma tela, interessa decifrar à frente de Casemiro o caso dos desaparecidos. Só assim manteremos impoluta a reputação de nosso herói, o que, obviamente, se note a desfaçatez do autor, nos permitirá contar o resto da história ou “A história de Ajenor da Silva”. Aí sim o painel terá escopo talvez para uma parede pública ou privada, quiçá, oxalá parede inteira no botequim de madame Safira! Eu prometo. Ao menos dois homens desapareciam a cada mês, e o número começou a preocupar, além de Ajenor da Silva, os cidadãos. As mulheres passaram a buscar seus maridos e filhos no trabalho. Alguns homens se deslocavam em grupos. O prefeito, em discurso, chegou a prometer maior efetivo de policiais; no entanto, ficou só na promessa. Foi de dona Deusa que veio a ideia iluminada adotada pelo doutor delegado. Era dezembro, já perto do Natal, e nenhum homem havia desaparecido ainda. Certa tarde, 23
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Ajenor da Silva entrou na delegacia parecendo muito contente, contente demais. —Ora, meu caro, meu caro Paco, eis que as ideias se iluminaram, e meu São Jorge há de me socorrer! É hoje que pegamos o bandido, prepare-se! Para a emboscada alinhavada, Ajenor da Silva se valeu dos conhecimentos da época de academia e da experiência, embora o autor bem saiba da robustez das ideias de dona Deusa; mas, segredo de alcova é segredo de alcova. Nem caíra a noite, Ajenor da Silva, Paco, Casemiro da puta que o pariu e mais dois policiais especialmente enviados pelo Departamento Federal partiram da delegacia em carros separados e direções opostas. Mas, espere! Casemiro e Ajenor da Silva juntos em uma operação? Parece que a união se deu justo por manobra psicológica muito bem planejada por dona Deusa, leitora e fã do detetive Sherlock Holmes. No centro, já se ouvia o tilintar dos talheres no jantar. Na saída do cais do porto, a gastrite de Ajenor da Silva ardia, a barriga de Paco roncava e Casemiro beliscava pipoca doce; aliás, quem inventou tamanha heresia como a pipoca doce? Porém, por estarem em veículos e locais distintos não sabia um da aflição do outro, ou da doçura da pipoca de Casemiro, eca! Por volta das nove horas, havia cinco carros nas proximidades do cais do porto. Foi quando surgiu de um galpão aquela figura monumental, alta, larga e morena. Dos carros, ninguém o reconheceu. Andou até a ponte e se escorou na balaustrada; contra a vontade do autor, o homem acendeu um cigarro, fumava como se esperasse por alguém, olhar de procura, olhos no relógio de pulso, impaciente, tragadas curtas. Um ator, um ator, que escolha! Ajenor da Silva esquecera-se da gastrite, com a adrenalina fluindo no sangue. Cansado de esperar quem não ficou de vir, o homem jogou a bituca, também a desobedecer ordem deste autor educado; enfiou as mãos nos bolsos da calça de brim, encolheu um pouco os ombros e partiu em direção à cidade baixa. Um ator, um ator, que escolha! Ajenor da Silva havia programado um ponto crucial; acreditava que o desaparecimento, se ocorresse, seria ali, nem mais nem menos. Batata, batata! O carro surgiu da esquerda, por trás do silo, com os faróis apagados; alinhou com o homem que andava pela rua escura em direção à cidade, tudo ensaiado, mas os riscos havia, ah, se havia! Fora do previsto, o homem alto e largo não entra no carro; desgraçado! Vou lhe cortar a paga, desgraçado! A vontade de Casemiro é dar a partida e sair em disparada, em perseguição, mas poderia perder a notícia. Também não pode comprometer o espaço que Ajenor da Silva lhe dera depois de tantos anos de ódio e difamação. Contém-se. Come mais uma pipoca doce. Nem uma fotografia consegue da posição em que está, é claro! Ajenor da Silva lhe dera a pior localização, maldito porco gordo, veado! O carro adianta, para. O motorista salta e olha em volta. Valha-me Nosso Senhor Jesus Cristo! Meu São Jorge da Capadócia, não é possível, não é possível! Ainda bem que aquele asno Casemiro da puta que o pariu não se precipitou com sua câmera de urubu! Jesus, não é possível, não é possível! A título de efeito cinematográfico, neste ponto, o autor, metido a besta, sugere um apagar e acender das luzes, como se houvesse passado certo tempo. No entanto, é só um efeito clichê mesmo. Por que não eu? O motorista se afasta do carro em direção do homem alto e largo. —Não posso pegá-lo agora, não seria prova de crime, no máximo, sodomia; merda, merda! Os dois conversam e, afinal, andam em direção ao carro, que ator, que ator... merda, merda! Ajenor da Silva dá a partida e arranca o mais rápido que o fusca consegue. Maldito ator, 24
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ator não, marinheiro de bosta, o que você fez? Paco, Casemiro e os policiais chegam em seguida. O marinheiro contratado por Ajenor da Silva perdeu a cabeça e pôs o motorista para dormir com um soco. Estava indo tão bem, porque essa grosseria? Ajenor da Silva punha a mão ao estômago, a gastrite ardia, o marinheiro parecia feliz com seu feito. Era enorme; Paco precisava olhar para cima para lhe ver os olhos. Era enorme e tinha um sorriso imaculado. Casemiro fotografava o motorista desacordado, e o marinheiro que posava para a câmera. Parem com isso! - gritou Ajenor da Silva. Parem com isso - sua mania de repetição - botem o homem no carro! Paco, ponha as algemas! - ordenava e conduzia a operação para a delegacia. Vamos pelos fundos. Recebido o combinado, o marinheiro desapareceu. —Não se esqueça, bico fechado sobre tudo o que se passou aqui ou lhe boto no xadrez! Rapa daqui, rapa daqui! E a gastrite fritava as entranhas do comissário, maldição, maldição, viu. Dona Deusa não acreditava. Junto com dúzias de rosas vermelhas, chegou o jornal. O comissário Ajenor da Silva dava conta da solução do caso, apontava nomes, descrevia a operação e, ela não acreditava, meu amor, e atribuía a ideia da emboscada à amantíssima esposa dona Deusa da Anunciação da Silva, a senhora Ajenor da Silva figurava em capa do Jornal da Tarde com os louros conferidos pelo repórter de campo, Casemiro da puta que o pariu. ─ Amor meu, joia minha, como poderia não fazê-lo? Foi tua a sugestão. Minha deusa, minha Deusa. O caso tomou divulgação regional e chegou à capital. A competente esposa do comissário de polícia sugerira o plano que culminou na prisão do suspeito e confesso criminoso. O ilustre luthier Abelardo Grossi foi preso, e seria julgado por sequestro e homicídio. A lista de vítimas causava arrepios. O depoimento do criminoso também. ─ A pele curtida é mais resistente. Após um ou dois dias mergulhada em água, depois de esticada e seca, faz o melhor pandeiro. Não houve doutor de Direito que o safasse, assim como não houve quem convencesse Ajenor da Silva a pegar o pandeiro novamente, te esconjuro, aprendo a tocar cavaco.
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Dan Porto
(Rio Grande do Sul, 1983). É escritor. Nesta vida nasceu ruivo, depois o cabelo ficou cinza, mas em compensação a barba se mantém fiel às origens. É Especialista em Tirar meias sem usar as mãos e Mestre em Análise Crítica de Quase Tudo.
Mario Gimenez
LITERATURA BRASILEIRA
COLUNAS
Rotas da lusofonia
MULHERES NA LITERATURA Munique Duarte por
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Poderia, neste texto, citar diversas autoras, nacionais e estrangeiras, que publicaram obras sensacionais, que ganharam prêmios ou que ainda não tiveram o devido reconhecimento da genialidade da escrita. A lista seria extensa. Mas o que cabe discutir no momento é “as mulheres sempre tiveram oportunidade/liberdade para escrever”? Infelizmente, a resposta é não. No tempo em que William Shakespeare escrevia, na Inglaterra dos anos 1600, a mulher que arriscasse fazer o mesmo era considerada louca, uma bruxa que provavelmente acabaria morta na fogueira. Se Shakespeare tivesse uma irmã com o mesmo talento que o dele, ela não atingiria, em hipótese alguma, o reconhecimento que ele obteve. Um século depois disso, algumas mulheres nobres passaram a escrever poemas, mas logo caindo no esquecimento. Resumindo, somente no século XIX é que vemos mulheres realmente engajadas na escrita. Muitas se aventuraram nos romances, um gênero “mais fácil” de criação. Naquela época, as casas possuíam somente uma sala de estar, que agrupava toda a família no final do dia. A mulher escritora podia ficar em algum canto da sala, fingindo que escrevia cartas aos familiares, mas, na verdade, elaborava suas próprias histórias. No caso de interrupções, que deveriam ser muitas, a retomada do que já estava escrito era mais fácil, o que não aconteceria no caso de um poema. Assim, Charlotte Brontë escreveu “Jane Eyre” e sua irmã, Emily Brontë, “O morro dos ventos uivantes”. No século XX, as mulheres não eram mais as mesmas, afirmando-se cada vez mais no cenário literário. No Brasil, até bem pouco antes disso, as mulheres deveriam ser educadas, mas não instruídas. Escritoras tiveram que lutar muito para ganhar o seu espaço. Lembrome de Lygia Fagundes Telles que, após lançar um de seus primeiros livros, ouviu de um crítico literário que ela escrevia “como um homem”. Um “elogio” sem significado algum para ela. Hoje, a realidade não é tão diferente. Uma pesquisa da professora da UnB, Regina Dalcastagné, nos revela que 72% dos autores publicados no Brasil são homens, brancos, de classe média, moram no Rio de Janeiro ou São Paulo, são professores e jornalistas. Sobre o Nobel de Literatura, dos 112 escritores premiados, 13 são mulheres. Muito já foi conquistado. Mas olhe a sua estante. Conte quantos autores são homens e quantos são mulheres. Quem ganhou? Eu, daqui, já sei a resposta.
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Munique Duarte (Santos 1
Dumont, 1979). É jornalista, formada pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Lecionou língua espanhola por dez anos, tendo estudado no CELEC – Córdoba (Argentina). Tem textos publicados em diversos sites, revistas e jornais literários, como Jornal Relevo, Jornal Opção, Revista Diversos Afins e Livro&Café. É idealizadora e apresentadora do programa mensal Literatura na Rádio Cultura, em Santos Dumont, Minas Gerais. Participou das antologias . É colunista da Philos na sessão “Não deixe de ler”.
Mario Gimenez
LITERATURA ESPAÑOLA
COLUMNA
Rutas Literarias de Iberoamerica
OTRO GRITO NECESARIO Oriette D’Angelo por
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Hay escritoras con historias desconocidas. Escritoras que escribieron sobre sus padres para condenar el abuso y sobre sus madres para reivindicar su inocencia. Escritoras que no tuvieron hijos, pero los anhelaron. Escritoras que despreciaron a los hijos no tenidos y a los hijos por tener. Escritoras que se arrancaron el vientre de un zarpazo. Hay escritoras que no tuvieron esposos en los años 50, cuando era “necesario” tener esposo para existir. Hay escritoras que cambiaron su apellido luego de casadas y publicaron sus libros bajo su apellido paterno. Ahora, nadie las consigue. Hay escritoras que publicaron libros artesanales en los años 40, escritoras que explicaron que sus prólogos eran escritos por hombres porque decían que así se ganaban la confianza de los lectores. Hay escritoras, todavía vivas, que publicaron grandes libros y que hoy ya no participan en tertulias. No las llaman. No las convocan. No forman parte de homenajes ni de lecturas. Mujeres cuyos nombres son pasados por alto. Hay escritoras que murieron de un derrame cerebral antes de los 30 años. Sus libros están dispersos, olvidados en algún estante, apilados en algún archivo que ya nadie consulta. Hay escritoras que estando vivas las creen muertas, escritoras que estando muertas les celebran cumpleaños, celebraciones en la distancia, en el recuerdo, despertando una repentina repetición de citas y un “¿qué habrá sido de…?”. Hay escritoras a las que les dijeron que escribían mal y que lo que necesitaban era sexo. Sexo para aprender a ser mujeres. Sexo para aprender a escribir. Escritoras que escriben libros que solo son comprados y leídos por otras escritoras. Escritoras a las que acusan de solo ser reivindicadas por un movimiento feminista, movimiento innecesario, movimiento pesado que no debería existir porque rescata “lo malo”, “lo que sobra”. Hay escritoras en listas de “las más guapas”. Escritoras que forman parte de titulares porque son “esposas de…”, “madres de…”, “mujeres de…”. Hubo escritoras. Hay escritoras. Habrá escritoras. Mujeres que escriben. Mujeres recordadas y reivindicadas. Y esto, a algunos, les molesta. Otros piensan que leerlas no es necesario. Que publicarlas no es necesario. Que en literatura “hablamos de calidad y no de cantidad”. Que las cuotas son sexistas. Que el feminismo propaga la discriminación positiva. Y así, todavía tenemos a editoriales publicando a puros hombres. Tenemos a mujeres pasadas por alto en las listas de los manuscritos a considerar, en los eventos, en las tertulias, en las invitaciones, en los festivales, en los jurados de los concursos literarios, en las academias, en las antologías, en las conferencias. Y hay quien todavía cree que debe hablarse de talento y no de cantidad, de calidad y no de género. Y hay quien piensa que no es necesario hablar de esto. Se consumen mega bytes, energía, espacio. Leer esto cansa la vista. Causa ceguera, insomnio. Leer esto cansa. Tanta repetición, tanta insistencia. Esperando, quizá, que esto llegue a alguien que hará una diferencia. Y así, entonces, este será un grito necesario. Otra llamada de atención efectivo. Otro intento valioso. 29
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Oriette D’Angelo (Caracas, Venezuela, 1990). Estudió Derecho en la Universidad Católica Andrés Bello (UCAB) y Maestría en Comunicaciones Digitales en DePaul University (Chicago). Autora del poemario Cardiopatías (Monte Ávila Editores, 2016; Premio para Obras de Autores Inéditos, 2014). Seleccionó y prologó la antología de poesía venezolana Amanecimos sobre la palabra (Team Poetero Ediciones, 2017). En 2015 obtuvo el segundo lugar en el I Concurso de Crónicas de la Fundación Seguros Caracas y en 2016 el tercer lugar en el Concurso Iberoamericano de Poesía “Letras de Libertad” de Un Mundo Sin Mordaza. 1
Mario Gimenez
LITERATURA ESPAÑOLA Rutas Literarias de Iberoamerica
JUEGO DE DADOS por
David Ortega1
Quien viaja descubre, rompe prejuicios, se sitúa en el mundo, se orienta después de desorientarse. El verdadero viaje es una aventura que no sabes a dónde te lleva, una ola exquisita que embriaga, desarbola, nos evade y también nos trasciende como meras contingencias. Algo hay en él, formas traviesas que con su manto de regusto onírico cubre las cotas más altas de la episteme. Cuánta novedad, cuántos rostros, paisajes nuevos, nunca vistos antes; tanta información cayendo encima de nosotros, atravesándonos sin piedad y menoscabando nuestros planes. Es entrar en el juego de los dados, el de Einstein y Mallarmé. Einstein dijo “Dios no juega a los dados con el universo” , en un periodo de tiempo en que la estadística cogía el estandarte de la Matemática (junto a la topología). La ciencia probabilística desde Pascal o Fermat hasta nuestros días alimenta la idea de Azar. Laplace entró en la discusión con una afirmación meteórica: “La teoria de las probabilidades, en el fondo, no es otra cosa que el buen sentido reducido a cálculo” . Einstein vendría a decir que existe más probabilidad de que salga el número 6 en el primer lanzamiento si el dado es de 6 caras, que de que salga 6 si el dado es de 12 caras. Ahora bien, si tiene que salir 6 saldrá de todas formas, aunque el dado sea de 100 caras. Si esto último sucediera lo llamaríamos Suerte. Pero, esta Suerte, tanto como la sorpresa por el acierto o la asunción lógica del error, viene dada siempre por nuestro enfoque limitado, nuestra perspectiva de observador. Y esto que parece un pasatiempo tan inofensivo nos retrotrae a la eterna pregunta que tratamos de resolver desde los albores de la civilización. Una pregunta cuyo telón de fondo es enigmático. ¿Somos dioses o hay un Dios? ¿Existe una especie de motor inmóvil con una cadena de motores que hacen de los eventos efectos causales programados como en tiempos de Eudoxo o Calipo? ¿Existe un Dios o la naturaleza como expresión infinita, y nosotros como atributos finitos de Dios, tal y como barruntaba Spinoza? El “Ser o no ser” de Hamlet nos conduce a la Necesidad y el Azar a la libertad, desde un pensamiento de orden binario, clásico, dualista. Sin embargo, la Entropía de Boltzmann nos llevó al logaritmo de la probabilidad y el balance de estado momentáneo del juego universal. Es decir, no existe finitud, estado final definitivo del Universo, desde nuestra óptica actual. La unidad ha unido demasiado. Hay pruebas de ello como: el Mecanismo de Turing, los fractales de Mandelbrot, la sección aurea, la aritmética intrinsecada o las constantes de la naturaleza, etc. La tensión, si la hubo, ha desaparecido y tiene que desaparecer según Ley, pues lleva a equilibrio. Fundir en unidad un plural, sin que desaparezcan ni unidad ni pluralidad. Una “armonía multitensa”, como decía Heráclito. Y trasladada por Boulez en la música. Para dominar el Azar sobre el fondo de Necesidad; los dos “acordes” deben estar “coajustados” multitensalmente en unidad total. 31
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COLUMNA
-“Nunca, jamás, domarás al SER a que no sea”, Parménides. “Nunca, jamás, domarás al hombre a que no sea hombre” (Ontología necesaria) -“Nunca, jamás, una jugada de dados abolirá el AZAR” , Mallarmé. “Nunca, jamás, una jugada de inventos agotará la creatividad y todo pensamiento es una jugada de dados” (Ontología probabilística) Ahora bien, mi descubrimiento de auténtico filósofo fue, que, una vez puesta en riesgo mi integridad física muchas veces, y recibir preavisos de la conciencia que me salvaron, esto hizo que pudiera anticipar ciertos eventos en un corto espacio de tiempo. No siempre, sino sólo algunas veces. Podía acertar la consumación de un evento o fenómeno, sin deducción. Eran intuiciones que despertaban en mí como quien derrama el agua de un cáliz desde un fondo oscuro. Haberme puesto en contacto con la conciencia, en esa armonía multitensa entre el éxtasis del cuerpo y el miedo, y el testigo o doble conciencia cartesiana que nos aguarda, había tenido efectos poderosos en mi mente. Es por eso que, el sábado pasado después de que un amigo se leyera uno de mis libros y me preguntara sobre él, y, mientras me recuperaba de una lesión en el pie caminando por la orilla del mar, le expliqué cuál era mi secreto mejor guardado. -El deseo es contraproducente. Si deseas algo no se cumple. Es justo a la inversa. La conciencia me dijo: “Todo se hace porque yo quiero” “No eres tú el hacedor”. Tu voluntad está configurada por algo que la conduce, que se está haciendo… Tensores, Vectores y Escalares. De hecho, el universo traslada todos sus movimientos astrales sin el consentimiento de ellos, está continuamente en movimiento por medio de unas fuerzas que no vemos (Esto es lo que no pudo descifrar Newton por falta de tiempo y de instrumentario y habló de las “fuerzas a distancia”, que no son otras que las 4 fuerzas fundamentales del universo conocidas en la actualidad y sus interacciones: Fuerzas nucleares, Fuerzas electromagnéticas, Fuerzas débiles (Interacciones de decaimiento) y Fuerzas de gravedad) Proseguí con mis explicaciones, mientras las olas rompían y el agua espumosa me acariciaba los pies: -[…] El flujo no cesa, como nuestra mente no es capaz de agotar la creatividad (Y eso es a lo que apuntaba Mallarmé como buen poeta, en 1897, para creer en la ilusión del Azar); es ese fondo permanente en el que viaja nuestra galaxia espiral, como en un vórtice. Einstein estaba en lo cierto: Sólo existe el destino. Estamos confundidos acerca de nuestra capacidad, de nuestro libre albedrío. Hay algo que nos empuja a hacer o a pensar algo, y nosotros autoconscientemente lo hacemos o pensamos un poco después. Somos máquinas que a su vez pretenden construir otras máquinas y jugar a ser Dios. El fondo necesario (Cósmos) y sus fuerzas e interacciones van un paso por delante. El dado cae del cubilete y tú no lo puedes adivinar. El resultado de un partido de fútbol tampoco, porque deseas acertarlo, porque piensas como un “yo”. Porque lo proyectas conscientemente. Tratas de deducir en base a información archivada en la memoria y no siempre lo que sucede parece lógico, o buscas forzar una intuición que no llega porque esa no es su naturaleza. Aunque Wittgenstein diría sobre lo primero, que sí lo es, porque entra dentro de lo que acaece en el mundo y todo lo que podemos llegar a pensar es un suceso de orden lógico. Pero es evidente, como decía Hawking que "Dios no sólo juega a los dados, sino que a veces los ar32
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roja donde no podemos verlos". Es decir, hay cosas que nunca podremos llegar a comprender con nuestro entendimiento, con nuestro lenguaje, con nuestro marco de comprensión limitado. La verdad es un misterio que nunca se descifra. Por otro lado, cuando las cosas no suceden es un lamento fatuo, pensamos en fatalismos e infortunios. Creemos que todos conseguiremos cumplir nuestros sueños y nuestros objetivos. Los gurús, coachs y toda clase de vividores amorales (algunos de ellos mismos abducidos por otros o confundidos, lo cual les atenuaría el grado de amoralidad) se dedican a hacerte creer que puedes conseguir todo lo que te propongas, incluso cosas imposibles. Pensamientos absurdos que no conducen más que a un futuro de desidia y desesperación. Futuro tenebroso en la vejez. Y es que, si todos consiguiéramos tener éxito, el mundo daría un salto cuántico. Es imposible que eso suceda porque el mundo no está preparado para ello, no hay un mercado para que todos ganemos seis mil euros al mes en nuestros trabajos, seamos actores de Hollywood, tengamos un chalet con piscina en la sierra, etc. Es el fraude de las nuevas sectas piramidales. ¿ Networking? ¿Firewalking? Etc. Negocios que juegan con el popurrí esotérico erróneo de Paulo Coelho. El universo no conspira en favor de nadie. No discrimina entre el Bien y el Mal. No se centra en ti. Ni los deseos, de los que se despojaron los profetas con buen tino, llevan a ninguna iluminación o a una alta probabilidad de consumación de estos. Eres una hormiga entre millones de toneladas de cemento y otras tantas cúbicas de agua salada, un punto de un bolígrafo en la atmósfera, un átomo crepuscular en el horizonte de los cinturones Van Allen. Nadie se fija en ti. Ni siquiera tú mismo. Si bien, existen y han existido excepciones, como ciertas personas escogidas, “tocadas con la varita”, que tienen dones. Algunos sabios tuvieron su daimón. Que es como decir que su destino estaba en buenas manos. Ciertamente, con lo único que cuentas es con la fuerza de la conciencia que va un paso por delante haciéndote hacer lo que haces, configurando tu destino. Ése es tu “libre albedrío” escribiéndose. Su letra es mucho más difícil de comprender que el velo de maya. (La psicología no te servirá de ayuda. Sólo busca patrones de comportamiento, no prevé lo que nosotros entendemos como accidentes, azares, eventos). De hecho, es la “ilusión necesaria” para acabar con nuestra especie. La lucha entre voluntades megalómanas y gregarias, que creen que son y hacen, sin saber que son piezas de un tablero. Así pues, disfruta de tu estancia en el mundo, no ambiciones y sólo anhela la serenidad. Lo demás llegará si entras en el flujo de movimientos que está esperándote.
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David Ortega (Bilbao, España, 1981). Es licenciado en Filosofía con Master en Filosofía teórica y práctica, UNED. Ha escrito un libro de viajes autobiográfico: El último viaje, sobre Alaska (USA); una novela de ficción: El secreto de Nina; y una novela negra que pronto estará disponible: Casi héroes. Sus tres escritos están basados en hechos reales. También ha realizado un ensayo sobre los fundamentos ontológicos de la estética: Diaphainon, que obtuvo la máxima calificación en la carrera. 1
Mario Gimenez
LITERATURA BRASILEIRA
COLUNAS
Rotas da lusofonia
BÚZIOS ESTELARES NÃO DECOLAM por
Kátia Gerlach1
Propõe o Autor: vamos deixar Apolônio de lado. Ele retornará à história quando for chegada a sua hora. Prosseguimos com os leitores que não estiverem dormitando, como o sultão. Contaremos algo espantoso e insólito. * A mulher vermelha deu três pancadas no solo desértico e gritou: “rápido”. Ato contínuo, as palavras tombaram entre os quatro cantos da folha de papel que corresponde a Praça Alfred Jarry. Letras e transeuntes circulam sem escapatórias, cercados pelas margens. O excitante poder de uma palavra acende fiéis, rebeldes e cães. * Em seu escritório, está Laurita Morales em progressiva aflição. Agita-se de uma sombra a outra, dá pancadinhas no chão com a bengala. Ouviu os latidos dos cãezinhos Zamor amarrados por barbantes pelos novos donos e o comando sussurrado da mulher vermelha, a voz que entrou pela janela, impulsionada pelo vento noroeste, uma ave maria chilreante. Laurita sabia que urgia decidir-se entre expirar dia desses na terra ou submeter-se a uma viagem cósmica antecipada, conforme propunha o pacote oferecido por Sêrgei Landratov. Temendo que a senilidade a aturdisse como a Dulac cuja última participação investigatória dera no rebuliço canino, Laurita duelava consigo mesma, armada de dúvidas. “Gostaria de contemplar o céu sem lunetas e explorar nebulosas?”, indagou-lhe Landratov ao esvaziar um envelope com albuns de viagens orbitais. Laurita não costumava se deixar enganar, conhecia o lado secretíssimo das coisas, inclusive a desfaçatez porém Landratov se apresentara no Congresso de Astronomia, tratara do tema “despovoamento interplanetário” e Laurita, convencida, pegara um de seus cartões de visita. No tal Congresso, em que fôra no lugar do pobre diabo Apolônio em coma hospitalar, a investigadora aprendera sobre os avanços quânticos e a correspondência intrínseca entre as coisas visíveis e as que não o são. “As estrelas equivalem às conchas do mar e as naves do futuro estão sendo construídas em forma de búzios para acomodarem passageiros individuais e se lançarem de qualquer plataforma. A tecnologia permite vôos suaves, sem turbulência. Os búzios giram em torno dos feixes de luz, é um espetáculo.” Com asilos, navios e cemitérios apinhados e as covas a preço de várias mortes, o Centro de Pesquisas Espaciais abria novas possibilidades fatais. Seria então que o envio dos velhos para o espaço daria na redução nos negócios dos cruzeiros marítimos e das casas fúnebres, 35
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“O poeta se esforçava sempre para criar um plano substancial de onde saíam naturalmente os traços cômicos, grotescos e espirituais, porque isto era indispensável.” “- Você que fala das regras dramáticas.” “Arrancaramnos o gozo de rir.” (Contos Fantásticos, Ernst Hoffman)
além de outras atividades ligadas aos rituais do fim? Homens e mulheres de rostos numa combinação de feições que produziam gravidade severa e desmedida solenidade posavam com um capacete sobre o colo e as mãos cruzadas sobre o capacete branco. As fotos destes idosos presos por cintos de segurança, em trajes de astronautas causavam certo espanto. Reparando nas expressões das sobrancelhas de Laurita Morales, Landratov salientou que “antes de decolar, asseguro-lhe que os passageiros colocam o capacete para não haver impacto. Não se preocupe!”. “Curioso…”, comentou Laurita sem no íntimo acreditar na reprodução da dissimetria perfeita da concha para o transporte de milhões de velhos rumo a excursões meteóricas. * No outro lado da esfera, Dulac ignorava o que se sucedia com Laurita Morales. Enrolado em uma toalha presa na altura da cintura, Dulac respirava o vapor do banho turco parisiense. Na sala de repouso, mordia a ponta do cachimbo entre os dentes. Ao seu redor, os dervishes eram homens em toalhas pelas cinturas, de peitos expostos e com as caras tomadas por bigodes parrudos. Um massagista aplainara Dulac sobre a pedra e estalara os seus ossos decrépitos. Das inúmeras investigações em sua carreira, era a última que intrigava Dulac e ele não interrompia o pensamento nem durante a massagem. A glândula da curiosidade atormentava o antigo detetive. Ao tentar localizar o paradeiro do cãozinho Zamor, perdera-se nas pistas de inúmeros sósias e informantes, alguns deles possivelmente disfarçados de turcos na sauna, a observá-lo. (Ele frequentava aquele ambiente há anos e jamais vira tantos homens ao seu redor.) Dulac constatara que o envio de cães para Valparaíso fora providenciado por uma empresa exportadora de animais domésticos mediante encomenda de Madame Petróvska por um único animal. Misteriosamente, uma quantidade de jaulas fora despachada ao povoado; dezenas de réplicas passaram a roubar os ossos dos vira-latas nos becos locais. Laurita o chamara alarmada; com as mãos na cabeça e o telefone em viva voz, explicava a azáfama. Impaciente e cansada, Laurita chegara a culpá-lo pelo desastre e acusá-lo de senil. Dulac sentira-se enganado pelo fornecedor dos cães idênticos ao primeiro Zamor, o original, do barítono desaparecido Pietro Paolini. Alguém havia provocado a intriga entre Dulac e Laurita. Dulac precisava ter uma conversa franca e discutir as suas preocupações com Laurita, listar a ela as suas desconfianças, aconselhar que evitasse armadilhas e pães impregnados de ergot. Em Lubianka, operava-se um laboratório de clonagem e venenos e os cientistas viajavam às sucursais para desfrutarem da rica biosfera descoberta por Humboldt. Os camaradas da Sociedade de Cirurgiões russos vagueavam pela antiga rota das galochas, datada desde o princípio do século vinte e muitos deles agora passeavam cães sufocados por barbantes e que respondiam ao chamado de Zamor. * Landratov e Laurita tiveram um terceiro rendez-vous nas escadarias de pedra do anfiteatro, lugar de improvável escuta por agentes inimigos. Em um copo de papel para cada, serviram-se do chá de framboesa da garrafa térmica trazida por Landratov. Na distância, avistava-se a torre da igreja sendo reconstruída. Os operários brincavam com os sacos de areia, sacos azuis e pesados que subiam e desciam por uma corda. Uns gritavam de cima, outros gritavam de baixo. Os sacos cheios ocupavam-nos durante oito horas diárias, com intervalo para almoço. O padre suspendera os sinos por haver transformado a torre em uma gaiola de quetzals capturados em sua rede de caçar borboletas. Como outros sons
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inundavam o povoado, poucos repararam. “Camarada Laurita”, disse Landratov em tom de sigilo, “Sou um dos primeiros cosmonautas deste novo programa, tenho um arquivo com a sua descrição. Você passou a vida envolvida em investigações e facilmente terá acesso aos boatos e acusações que nós do Centro Espacial sofremos. Uns acusam-nos de farsantes, embusteiros. Portanto, agradeço a sua confiança por ter aceitado o nosso convite, acredito que não se arrependerá se arrependimento fosse possível. Finado, Jacobo Martinez não se alimenta de abacaxis, como conta a lenda.” A peruca de manchas marrons e grisalhas escorregou para um dos lados da cabeça de Laurita e, aliada aos lábios borrados de batom, compunha o retrato da maga. “O importante é tirarmos as medidas do seu corpo para encomendarmos a roupa antigravitacional”, avançou Landratov. Laurita tirou do punho da manga um papelzinho onde anotara todos os seus números e entregou-o a Landratov. “Camarada Landratov, tenho duas pequenas caixas de madeira com turmalinas incrustadas, presentes que ganhei do meu sócio francês, Monsieur Dulac e desejo levá-las comigo.” Landratov havia lido um relatório completo sobre Dulac, de autoria de África, casada com Hernandez, marido e mulher proprietários do museu de bonecas. Nas páginas anotadas a mão, as obsessões de Dulac, fixações carnais e o hábito de consumir fumo turco. Simulando um sorriso constrangido, típico dos que sabem em excesso, Landratov colocou a tampa na garrafa térmica, bebeu o último gole de chá de framboesas e deu a reunião por encerrada. Da próxima vez, Laurita experimentaria a indumentária costurada por Rosina, a menos vesga de todas e que noivara o engraxate do Quadrado. No areal, um grão, um ancião sobressalente; Laurita os remexia com a bengala. Que sentido fazia uma entidade investir na produção de búzios estelares para auto-destruição em fumaça de titânio, após alcance do alto-espaço em menos de quarenta e oito horas? Se eliminassem os viajantes antes, um número inferior de búzios estelares bastaria. Gasificados, os idosos se juntariam aos pares de sapatos velhos e furados que a morte colecionava, como na fábula sobre o país onde nunca se morre. Os embaixadores, assassinos em pactos espirituais, fomentavam a criação de naves que não decolavam e a crença popular nos astros e deuses. * Recomposta, no interior do seu aposento, Laurita abriu o armário e colocou as duas caixas de afeto sobre a cama. Ao olhar o lacrimatório, buscou ar do fundo do pulmão para soprar e estilhaçar as pérolas de cristal tombadas dos dutos lacrimais. Mentira a Landratov. Dulac não lhe presenteara com objeto algum. Repetira-lhe que os presentes e os beijos eram tão banais quanto os tangos e que um detetive não falava sequer sobre os próprios pés, portanto silenciara-se sobre calosidades, bolhas e sentimentos. Com as mãos trementes, Laurita não conteve as lágrimas que fugiram do lacrimatório e inundaram os seus pés. Os peixes silenciam-se também, mesmo quando despontam das pontas dos dedos e flutuam como prata recém liberta do soalho. Da obscuridade da caixa de risos, nada saía. Enquanto a tristeza vitrificava, risos e gargalhadas restavam em indícios, nas rugas em torno dos lábios salientes e repousados um sobre o outro. Laurita perdera o gozo de rir, preparava-se. * Sobre os ritos para a morte do futuro: mergulhar no espaço sideral e levar alguns objetos. A velhota nutria-se do pão quotidiano e escolhia perucas coloridas antes de sair de casa.
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Um processo de apoteose aguardava-a. Eis uma bela visão para se ter da clarabóia do búzio estelar: no país onde nunca se morre, uma mulher filha do Sol é capaz de arrancar as orelhas e do interior do crânio, tirar uma fita de seda dourada com a qual fará um novelo em torno do mundo.
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Kátia Gerlach (Rio de Janeiro, 1980). Radicada em Nova York, graduada em Direito pela UERJ. Mestre em Direito Internacional Privado pela Universidade de Londres e pela NYU School of Law. Professora de Direito na Fundação Getúlio Vargas e da Universidad Desconocida do Brooklyn sob a reitoria de Enrique VillaMatas. Autora de Colisões BESTIAIS (Particula)res pela Editora Oitoemeio, Forrageiras de Jade (2009) e Forasteiros (2013), editados pelo Projeto Dulcineia Catadora. Colunista da Philos e do Jornal Rascunho. 1
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