BRASÍLIA É CENÁRIO DE DOIS FILMES QUE ESTREIAM EM AGOSTO
Ano XV • nº 256 Outubro de 2016
R$ 5,90
Mágico universo
dos livros
De 21 a 30 de outubro, a literatura invade o Estádio Mané Garrincha
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EMPOUCASPALAVRAS Divulgação
“Oh, bendito o que semeia livros, livros à mancheia, e manda o povo pensar. O livro, caindo n'alma, é germe que faz a palma, é chuva que faz o mar”. Esses versos de Castro Alves, o Poeta dos Escravos, foram publicados no livro Espumas flutuantes, no longínquo 1870. Alguma dúvida de que eles ainda ecoam fortemente nos atribulados dias atuais? Alvíssaras, pois, à terceira edição da Bienal Brasil do Livro e da Leitura, que entre os dias 21 e 30 de outubro deve atrair 300 mil pessoas a um lugar nada usual para uma feira literária: o Estádio Nacional Mané Garrincha. Sim, como ilustra nossa capa, o templo do futebol abrirá alas para os livros trazidos por 170 expositores, pequenos e grandes, com o compromisso de oferecer exemplares a preços abaixo dos praticados no mercado. A poeta brasileira Adélia Prado e o pensador português Boaventura de Sousa Santos, os homenageados, serão os capitães da seleção de 150 craques da literatura escalados para participar de lançamentos de livros, debates e contações de histórias. Uma programação feita sob medida para atrair os loucos por livros e estimular quem ainda não tem o hábito da leitura. Afinal, nunca é tarde para se começar a ler (página 18). Nunca é tarde, também, para se começar a dançar balé? As integrantes do grupo Bailarinas por que não? acreditam que sim. Estimuladas pela diretora Cláudia Bengston, mulheres de todas as idades que fizeram balé na infância, ou deixaram o projeto para depois, dedicam-se ao prazer de dançar sem a pretensão de se tornarem profissionais. Livres, leves e soltas (página 28). Ainda nesta edição, apresentamos uma nova modalidade de empreendimento que tem tudo para se multiplicar, nestes tempos de aperto econômico: a Mercearia Asa Norte, loja gastronômica colaborativa cujos espaços – e custos fixos – são compartilhados por vários expositores. No mesmo local o cliente encontra pães caseiros, doces e chocolates, leite integral orgânico, cervejas especiais, sorvetes artesanais e muitos outros produtos (página 4). Finalmente, convidamos o leitor a mergulhar no universo de Gê Martú, o brasiliense de coração nascido em Paty do Alferes, Rio de Janeiro. Quanto mais atua em teatro, cinema e televisão, mais ele continua sendo o mesmo jovem incansável que começou limpando teatros (página 30). Boa leitura e até novembro! Maria Teresa Fernandes Editora
30 brasiliensedecoração Às vésperas de completar 80 anos, o fluminense Gê Martú segue atuando e dirigindo. São mais de 80 peças teatrais e 50 filmes em 58 anos de carreira.
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ROTEIRO BRASÍLIA é uma publicação da Editora Roteiro Ltda. | Endereço SHIN QI 14 – Conjunto 2 – Casa 7 – Lago Norte – Brasília-DF – CEP 71.530-020 Endereço eletrônico revistaroteirobrasilia@gmail.com | Tel: 3203.3025 | Diretor Executivo Adriano Lopes de Oliveira | Editora Maria Teresa Fernandes Diagramação Carlos Roberto Ferreira | Capa Logomarca da III Bienal Brasil do Livro e da Leitura | Colaboradores Alessandra Braz, Akemi Nitahara, Alexandre Marino, Alexandre dos Santos Franco, Ana Vilela, Beth Almeida, Cláudio Ferreira, Conceição Freitas, Eduardo Oliveira, Elaina Daher, Heitor Menezes, Júlia Viegas, Laís di Giorno, Luana Brasil, Lúcia Leão, Luís Turiba, Luiz Recena, Mariza de Macedo-Soares, Pedro Brandt, Ronaldo Morado, Sérgio Moriconi, Silvestre Gorgulho, Súsan Faria, Teresa Mello, Vicente Sá, Victor Cruzeiro, Vilany Kehrle | Fotografia Fabrízio Morelo, Gadelha Neto, Rodrigo Ribeiro, Sérgio Amaral, Zé Nobre | Para anunciar 99988-5360 | Impressão Editora Gráfica Ipiranga Tiragem: 20.000 exemplares. 3
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ÁGUANABOCA
Um porto seguro
de sabores
POR VICTOR CRUZEIRO
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ão é segredo o poder que a comida tem de unir as pessoas. As grandes cidades da antiguidade cresceram em torno de trocas comerciais entre povos de todos os cantos do mundo. Atenas, Alexandria, Roma, Constantinopla expandiram-se a partir de seus portos e praças abarrotados de diferentes culturas que, em meio às transações comerciais de trigo, vinho e temperos, trocavam informações, hábitos e modos de vida. Mais ainda, foram as especiarias que levaram os europeus à expansão marítima, fundando colônias que são verdadeiros caldeirões culturais, de Hong Kong ao Brasil.
A comida exerce uma influência única nas trocas entre pessoas e povos. Uma matéria- prima dura, como um rolo de tecido ou uma tora de madeira, conversa com outra na medida em que elas precisam ser mecanicamente unidas. Já na gastronomia, não. Ingredientes conversam entre si de maneira automática e orgânica, através de odores e sabores, texturas e cores que chamam imediatamente a atenção. É com esse tom único, quase anunciador, que a Mercearia Asa Norte inicia suas atividades. Em uma definição simples, a Mercearia é uma loja gastronômica colaborativa. Mas ela vai bem além disso. Gustavo Bill, um dos mentores do projeto (juntamente com Carol Oliveira e o chef André Batista), conta que o obje-
tivo não é só possibilitar aos produtores de Brasília e região exporem seus produtos de maneira segura e apropriada, longe do domínio da indústria e dos super e hipermercados. Mais do que isso, a Mercearia pretende dar a esses produtores a oportunidade de conversarem entre si. “Se você compra uma camisa, mesmo que você compre outras cinco, elas não vão conversar, entende?”, explica Gustavo. “Agora, se você vem aqui e compra um pão de uma pessoa, e uma linguiça de outra, e um molho... elas vão estar conversando entre si e com você”. A ideia não é nem um pouco ambiciosa, mas tampouco é modesta. É, antes de tudo, uma ideia necessária. Brasília é uma cidade que carece de
Fotos: Divulgação
conhecer seus próprios produtores. Os espaços disponíveis para exposição existem em feiras e eventos, que são esparsos e eventuais. Quando muito, semanais. A Mercearia é um espaço fixo, aberto e bem localizado (na 412 Norte), onde as portas sempre estarão abertas para novos clientes, novos produtores e novas ideias. Um espaço para aqueles que fazem algo tão único, tão bem, fazerem algo ainda maior, juntos. Na noite de inauguração, dia 5 de outubro, a Mercearia deu uma mostra do que aguarda os clientes nas prateleiras. Pães caseiros da Moenda se encontraram com as caponatas e pestos da pâtisserie Nose Marie. Doces e chocolates feitos com inventividade nos ingredientes e na decoração, por conta da chef Pâmela, do Vida Doce Colorida, do confeiteiro André, da Zeek, e da República do Cacau, toparam com o leite integral orgânico produzido por Fernando Lúcio na Fazenda Cicinha, no Novo Gama. Além disso, o entusiasta dos chás Fábio Pedroza apresentou seu acervo de infusões do Vai Té Chá para acompanhar as geleias de Carla Burin e sua tradicional família de produtores orgânicos. Esses são apenas alguns exemplos. As combinações são infinitas. O objetivo da Mercearia é que essas combinações surjam espontaneamente, entre os produtores e na mesa e ideias dos clientes. A casa não possui estoque fixo. Os produtos à mostra nas prateleiras são tudo que está disponível, e isso torna a ida à loja ainda mais incrível. Como as vendas dependem da chegada e participação dos produtores, mercadorias podem desaparecer, enquanto outras podem surgir, ao contrário dos mercados e marcas de sempre. Esse respiro no monopólio e essa chance de provar – e fazer – algo novo é uma honra que a Mercearia merece carregar. A proposta de loja colaborativa não é nova, é verdade. Aqui em Brasília, a Endossa (306 Sul e 310 Norte) já apresentou o sistema de aluguel de espaço e divisão de lucros, em prol de uma visibilidade de marcas e produtos. Mas a Mercearia pretende ir além, promovendo um diálogo entre os produtores que afete diretamente a todos os envolvidos. Afinal, a gastronomia é uma linguagem. Mercearia Asa Norte
412 Norte, Bloco E (99936.1616) De 2ª a sábado, das 9 às 21h.
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Com a mão na massa POR VILANY KEHRLE FOTOS RODRIGO RIBEIRO
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om um jeito calmo, um sorriso tranquilo e falando um português razoável, Philippe Verstraete me conta que o mais importante é investir na qualidade, pois, se o produto não é aprovado pelo cliente, sai do cardápio. E diz que seu maior desejo é mostrar aos fregueses o melhor da confeitaria francesa, com sua variedade de sabores, aromas e cores. Dono do café, salão de chá e padaria que leva seu nome, uma nova descoberta dos moradores da cidade que adoram uma boa conversa regada a um cafezinho, um croissant crocante e outras delícias da aclamada pâtisserie francesa, ele ressalta que a vantagem dessa confeitaria é que é possível produzir muito e sempre de forma diferente. Em Brasília desde novembro de 2012, esse francês de Nice chegou à cidade depois de conhecer a brasiliense Adriana Moraes, quando ela foi visitar uma amiga que mora na Riviera Francesa.
Juntos, partiram para a aventura de montar o empreendimento, que exigiu muita logística, tempo e bastante trabalho. Philippe diz que o centro de sua produção são os doces e que o croissant e o macaron, dois ícones da confeitaria do seu país, são o forte da casa. Revela que foi surpreendido pelo “boom do pão”, produto que considerava mero coadjuvante em meio aos demais oferecidos pelo estabelecimento. “A gente não tem o maquinário de padaria, mas as pessoas começaram a vir comprar o pão pela manhã, então começamos a produzir mais para atender a demanda”. Agora, a casa oferece sete tipos de baguetes (tradicional, multigrãos, integral, campanha, parisiense, nozes e gorgonzola, azeitonas) e o pão de forma. Nos dias úteis o café conta com um único garçom, Fernando Epaminondas, que trabalhou cinco anos com Daniel Briand e mais três com Fabien Helleu, do Chez Le Petit Prince, que funcionava na 212 Sul. Verstraete considera que o movimento é muito bom, mas tranquilo, sem filas, alvoroço, nas 12 mesas espalha-
das pela calçada e no balcão. “De manhã, as pessoas aparecem pra comprar pão, depois do almoço tomam um café ou comem um docinho, e a partir das 16 horas o fluxo aumenta consideravelmente”. Nos finais de semana, muitos frequentadores aparecem para tomar o café da manhã, optando pelo Parisiense, composto por um café, chá ou chocolate, meia baguete parisiense (a única feita com farinha produzida no Brasil), geleia
e manteiga, um croissant, um suco de laranja e queijo gruyére (R$ 32), ou pelo Le Petit Déjeuner, que oferece os mesmos produtos com o acréscimo de um chocolate e uma salada de frutas com chantilly (R$ 42). O cardápio não é tão extenso, já que o lema da casa é fazer menos e investir mais na qualidade. Há poucos tipos de folhados, brioches, chás, cervejas, vinhos, tortas, éclairs, sanduíches e bolos, e uma razoável oferta de pães e cafés. Os preços também são bem atraentes: folhado de maçã, R$ 6,50; croissant recheado com salada, presunto ou peito de peru, molho bechamel e queijo gruyére, R$ 15; éclairs, nos sabores café, baunilha, framboesa, limão e praliné, R$ 7; pão campanha, R$ 6; e meia baguete parisiense, R$ 2,50.
Philippe diz que, no futuro, pretende ampliar o espaço para agradar ainda mais à clientela. Sorvetes e crepes logo vão entrar no cardápio, que também será incrementado com almoço e jantar, com opção de um prato por dia. Os macarons vão ganhar outras versões (as atuais são de frutas vermelhas, chocolate, baunilha e pistache) e serão produzidos outros tipos de croissant. “Tudo isso pouco a pouco”, intervém Adriana. Conceição Vasconcelos, moradora da 412 Norte, descobriu o café por meio de uma dica do filho. Foi lá conferir, gostou da novidade e passou a transmitir a informação para outros conhecidos. “Adoro o cappuccino, os doces, o serviço, os preços. Acho tudo ótimo”. Levada por ela, a amiga Aparecida Magalhães
disse amar o croissant e o quiche Lorraine. Naquela tarde, as duas estavam acompanhadas da colega Ana Maria. Se depender de Philippe, em breve os amantes da boa mesa vão poder degustar as maravilhas da culinária da região da Côte D´Azur, pois pratos com bacalhau, legumes, azeite, ervas e outras especiarias vão constar no menu. “Também quero convencer os brasilienses de que o vinho rosé é o que mais se adapta ao clima da cidade, pois percebo que as pessoas aqui não consomem muito esse vinho”, complementa, lembrando que ele vem de uma região ensolarada onde todos apreciam a bebida. Philippe Verstraete Pâtisserie & Boulangerie 310 Norte, Bloco A (3964.0030) De 3ª a domingo, das 8 às 20h.
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Comida indiana Fotos: Eduarda Szochalewicz
com toque nordestino
POR SÚSAN FARIA
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á um ano, um pedacinho da Índia está fincado em Brasília, com seus sabores, cores, cheiros e tradições. Um sonho da publicitária Nicole Magalhães e do marido, o chef Evandro Viana, que se transformou em realidade na Vila Planalto. Juntos idealizaram e administram o PiauÍndia – Restaurante Indiano, com pratos muito específicos, temperados com especiarias indianas, picantes, exóticos, saudáveis. O forte no PiauÍndia é a comida tradicional indiana. Lá são servidas, inclusive, receitas da culinária ayurvédica, uma
especialidade da medicina tradicional indiana. Mas o restaurante exibe também um pouco da tradição nordestina, já que Evandro é piauiense e quis homenagear a culinária de sua terra. Além da comida saborosa e bem preparada, com opções picantes ou não, o ambiente é acolhedor, com decoração da própria Nicole, paulista, 38 anos, também chef de cozinha e estudiosa de feng shui. Ir ao PiauÍndia é como fazer um programa diferente para sentir um pouco da energia de uma das culturas mais ricas e tradicionais do mundo. Um programa sem pressa para conhecer a decoração da casa, com seus espelhos, luminárias, quadros, jarros de barro, divindades, cristaleira, plantas, teto forrado com tecidos de algodão, paredes pintadas com tinta orgânica, feita com terra vermelha, cola e óleo de linhaça. Para experimentar o chutney de tamarindo ou manga com canela, servido em cascas de jatobá; as saladas bem temperadas ou a moqueca de jaca dentro do coco verde. A casa serve ainda pakora, bolinhos de grão de bico com espinafre, batata inglesa e abobrinha, acompanhados de raita, molho de pepino e semente de cominho (12 unidades por R$ 18); a “tapioca das deusas”, com lascas de mandioca e especiarias, ao molho vegano com cogumelos ou shmai kebab (R$ 23); o palak panner (queijo panner, parecido com ricota, passado no ghee, uma manteiga clarificada, com espinafre, creme de leite fresco e especiarias (R$ 40); e outras receitas à base de cordeiro, porco, frango, peixe e
camarão. Pimentas, semente de mostarda preta, cominho, cúrcuma, feno-grego, gengibre, alho e especiarias, muitas vindas da Índia, não faltam nos pratos. O primeiro contato de Nicole Magalhães com a cultura indiana foi aos 16 anos, com a ioga, que a despertou para a necessidade de uma alimentação saudável, a ayurveda, e depois a fitoterapia. “Primeiro a Índia veio a mim, depois fui a ela, um caminho fascinante”, explica. Nicole e o marido viajaram muitas vezes à Índia para viver de perto o que já estudavam. Em Brasília, começaram a servir refeições aos finais de semana no condomínio onde moravam. O sucesso foi tanto que superou sua capacidade de atendimento. Foi então que abriram o restaurante, um ano atrás. “Nossa cozinha é afetiva, contemporânea e indiana adaptada para os brasileiros”, define Nicole. PiauÍndia
Acampamento Pacheco Fernandes, Rua 9, Casa 2, Vila Planalto (3574.4234). De 3ª a sábado, das 11h às 23h; domingos e feriados, das 11 às 17h.
Boteco de vizinhança TEXTO E FOTO LÚCIA LEÃO
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oi mesmo uma tarde memorável, num meio de semana, já se vão lá seus três anos. Na memória de Clodo Ferreira ela ficou gravada assim: “Foi a última vez que encontrei o Zeca Bahia. Agora ele vive em Bom Jesus da Lapa e raramente vem a Brasília. Mas aquele dia foi como se voltássemos lá pra década de 1970, 1980, quando morei aqui, primeiro com minha mãe e toda a família e depois já casado com a Heloisa. Vínhamos pra cá todo dia. Não aqui para o Chicão, mas para um bar muito parecido, chamado Cavalo de Ferro. Passamos tardes e mais tardes bebendo cerveja, cantando e compondo. E iam-se juntando outros amigos, muitos músicos... Como naquele dia. E como agora!” Naquela tarde memorável, a presença de Zeca Bahia agregou um grupo especial, com direito a um solo de Concerto de Aranjuez, na clarineta de Fernando Machado, que marca até hoje o imaginário dos frequentadores do Bar do Chicão. Mas não raro, com outras formações, a cena se repete. E hoje pode juntar músicos consagrados com jovens artistas iniciantes, que ficam de queixo caído ao perceberem que estão ali, dividindo a cerveja e os acordes com seus ídolos numa mesa do Chicão. “Você é o Clodo? Não acredito!”, gagueja emocionado Gustavo Schelb, um jovem estudante da UnB, depois de tê-lo acompanhado à sanfona em duas parcerias com Dominguinhos. “Eu conheço toda sua obra! Admiro demais!”. E segue a roda! Ganha o pandeiro do também jovem Henrique Patu, que dá cadência aos violões veteranos de Sérgio Duboc e Aloisio Brandão. E o Bar do Chicão, apesar dos modestos 14 anos de ocupação daquela esquina mágica, segue como guardião do velho espírito da cinquentona 312 Norte, uma quadra tradicionalmente de artes e artistas, de boêmios de todas as horas, de congraçamentos de vizinhos e de convivência no melhor estilo suburbano. Estando bem no coração da capital. “Aqui é o bar mesmo do pessoal da vizinhança. Ou de quem já morou por aqui que, como diz a música, volta pra
Gustavo Schelb na sanfona, Clodo Ferreira no violão, Fabrizio Morelo e Aloísio Brandão (de lado) na percussão e Sérgio Duboc (de costas) também no violão. Ao fundo, Chicão e o irmão Rivaldo.
rever os amigos. Tem sempre alguém com um violão, sempre uma conversa comprida... Agora vieram esses meninos cabeludos, que só tocam aquelas músicas boas, brasileiras... samba, chorinho... e os outros fregueses gostam!”, descreve Chicão. Alguma coisa tem naquela esquina que destaca o Bar do Chicão de outros tantos – e normalmente mais lotados – da quadra. Quase certo que seja o carinho e o estranho carisma baiano de Chicão e do irmão Rivaldo, fiel escudeiro de empreitada. É no Chicão, por exemplo, que se celebram as festas dos moradores ali dos arredores. Eles levam seus salgados e bolos, forram as mesas com toalhas e não raro ocupam quase todo bar. “Eu vendo a cerveja”, contenta-se Chicão. “Sempre sai algum tira-gosto”. Aliás, os petiscos que dormem dentro da estufa entre enormes garrafas de cachaça “pra remédio” – com arnica e sucupira – não podiam dizer mais: batata calabresa, ovo cozido, torresmo, pastel, ovo de codorna, bolinho de bacalhau... pense no que comer em um botequim! Mas pode acontecer de o Chicão se enfezar e aparecer da cozinha com um bode guisa-
do ou um galope, suas especialidades oferecidas eventualmente aos clientes. “Eu tropeço aqui no Chicão praticamente todo dia a caminho de casa”, conta Aloísio Brandão, jornalista, músico e escritor (acaba de lançar o livro Desacontecenças, de crônicas inspiradas na realidade fantástica do sertão da Bahia). Usuário de transporte público, a parada no Chicão é um ritual diário no caminho entre o ponto ônibus da W3 e a casa na 112 Norte. Para um copo de cerveja e dois dedos de prosa com Luiz Amorim, do T-Bonne, outro vizinho frequentador usual do Chicão; para se sentar sozinho observando os personagens tradicionais da quadra; ou para horas sem fim de conversa e música com amigos. Não à toa ele escolheu uma mesa do bar para apresentar o músico Túlio Borges ao poeta Vicente Sá, dando início a uma profícua parceria e uma sólida amizade. E assim a vida vai passando no Chicão, com tudo que se espera de um bom botequim: cerveja gelada, pinga pra remédio, ovo de codorna e aconchego. Ah, e banheiro limpo! Bar do Chicão
312 Norte, Bloco A (3447.1214)
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Renata Samarco
Aberto recentemente no Pontão do Lago Sul, o Sallva Bar & Ristorante (tel. 3522.4324) já foi obrigado a ampliar tanto o cardápio quanto o espaço de atendimento aos clientes, com a colocação de mais mesas no lugar dos sofás. No cardápio entraram esse tartare de salmão ao molho oriental e mini alcaparras ((R$ 39), a panelinha de filé com cogumelos (R$ 48), o nhoque ao pomodoro com pesto de manjericão (R$ 55) e a linguinha à bolonhesa (R$ 54), entre outras receitas. Além do ambiente praiano e descontraído, o Sallva oferece uma culinária italiana contemporânea comandada por Andrea Munhoz, ex-chef de cozinha do Palácio do Planalto.
Feijoada com chorinho Enquanto os convivas saboreiam uma suculenta feijoada, novos e velhos chorões dividem o palco todos os sábados, a partir do meio-dia, executando pérolas da música brasileira instrumental. O local é o Café Musical do Clube do Choro, no Eixo Monumental, criado recentemente como contraponto às restrições impostas aos artistas da cidade pela chamada “lei do silêncio”. O novo espaço está aberto para shows, rodas de choro e samba, exposições de fotografia e artesanato, lançamento de discos, livros, enfim, toda forma de arte. Em tempo: a feijoada custa R$ 39,90 para adultos e R$ 20 para crianças de sete a 12 anos (abaixo dessa idade não pagam), mais R$ 5 de couvert musical.
Culinária de La Mancha 10
O chef espanhol Rubén Sánchez Camacho Infante, do restaurante El Bodegón, será o
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Menu econômico 1
Panetteria em dobro... Águas Claras acaba de ganhar a segunda unidade da Panetteria D’Oliva, que há dois anos serve aos moradores do Guará pães artesanais, produzidos com fermento natural, livres de aditivos industrializados, conservantes, corantes e aromatizantes. Fica no Figueira Mall, na Rua das Figueiras (tel. 3083.8214), e oferece uma linha com cerca de 30 variedades de pães (baguete, italiano, ciabata, integral), além de brioches, bolos, calzones e brownies. “Estamos bastante confiantes nesse novo projeto. Acreditamos que Águas Claras é um bairro promissor e com um público ávido por novidades, especialmente na área gastronômica”, diz o jovem padeiro Felipe Oliveira, de apenas 28 anos, proprietário da Panetteria.
... e cervejaria também Fica na 109 Norte, Bloco A (tel. 3263.4031) a segunda unidade brasiliense da rede MestreCervejeiro.com. “O comércio da Asa Norte é bastante intenso, além de oferecer diversas possibilidade culturais para o público jovem. É um ponto estratégico muito importante para nós”, afirma o sommelier de cervejas e diretor da rede Daniel Wolff. A nova loja oferecerá para degustação mais de uma centena de rótulos, como Bierland, de Blumenau, Dogma, de São Paulo, Anchor, dos EUA, e Weihenstephaner, da Alemanha. Os franqueados são Rui César Valadares Santos e Raí Marcel Valadares Santos. “A expectativa com a abertura da loja é que possamos difundir ainda mais a cultura cervejeira e também aprender muito com nossos clientes” diz RaÍ.
A estação das flores é sempre uma grande fonte de inspiração para os chefs de cozinha. Não poderia ser diferente no La Tambouille (Espaço Gourmet do ParkShopping, tel. 3047.5925), que criou menus de primavera – com entrada, prato principal e sobremesa – ao preço promocional de R$ 61,90. De entrada, polenta bergamasca com ragú de linguiça ou salada tropical. A mesaluna de filé mignon com risoto de alho poró (foto), o lombo de peixe ao molho de maracujá com purê de batata doce e o fetuccine provinciano são as três opções de pratos principais. Para finalizar a refeição, uma sobremesa diferente a cada semana. Os menus são servidos tanto no almoço quanto no jantar.
Menu econômico 2 No restaurante El Negro (413 Norte, Bloco C, tel. 3041.8775, e QI 17 do Lago Sul, Edifício Fashion Park, tel. 3365-1198), duas novas receitas estão sendo servidas no almoço de segunda a quinta-feira, no chamado menu exclusivo (entrada, prato principal e sobremesa por R$ 59,90). Primeira opção: ensalada Juliana (alface americana, cenoura,palmito, tomate, cebola ao molho de mostarda coberta com batata palha caseira e queijo montanhês), chorizo grelhado na parrilla ao molho Malbec, acompanhado de mil folhas de papas e, de sobremesa, churros espanhóis com doce de leite argentino. Segunda opção: ensalada Caesar (alface à romana baby, cesta de parmesão, bacon e croutons), tilápia na brasa ao molho chimichurri com alcaparras, guarnecida com risoto de limão siciliano e manjericão, e pina a la parrilla (abacaxi na parrilla com calda de gengibre e hortelã).
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Crescendo
convidado especial da III Semana de Estudos e Pesquisas de Gastronomia Espanhola, promoção da Embaixada da Espanha, Instituto Cervantes e SENAC. No dia 25 ele vai ministrar uma oficina teórica, compartilhando sua experiência e explicando os elementos que compõem a arte de cozinhar e a cultura da Espanha, especialmente de Castilla de La Mancha, terra do escritor Miguel de Cervantes. No dia 26 os brasilienses poderão experimentar um almoço preparado pelo chef no restaurante Escola Down Town DF, do SENAC, com entrada, prato principal e sobremesa por apenas R$ 45.
Rener Oliveira
Cristiano Sergio
PICADINHO
HAPPY HOUR
Cerveja engorda? “Entre as bebidas, a cerveja é a mais útil; entre as comidas, é a mais agradável; entre os remédios, é o mais saboroso.” Plutarco, filósofo grego (46 DC. a 126 DC)
Algumas pessoas me perguntam se cerveja engorda. Para dar uma informação mais precisa, resolvi expor aqui esse assunto. Encontrei material sério, produzido nos Estados Unidos, em Connecticut, por pesquisadores liderados pelo Dr. Vipin Agarwal e compilado por Lester Hankin. Foram analisadas 202 cervejas, das quais 163 eram normais, 26 chamadas light e 13 classificadas como não-alcoólicas. Os resultados são interessantes para substanciar qualquer discussão sobre o tema. Nesse estudo, a média alcoólica das cervejas normais foi de 5% por volume, enquanto as light tiveram 4,1% p.v. e as não-alcoólicas 0,3% p.v. Antes de tudo, é importante saber que as cervejas chamadas de light têm, em média, apenas 16% menos álcool do que as normais, e que as chamadas cervejas não-alcoólicas têm sim uma quantidade de álcool, embora muito pequena (máximo de 0,5%). Os pesquisadores mediram também o valor calórico das amostras. As cervejas “normais” contêm, em média, 43 calorias para cada 100 ml. As cervejas light têm 32 e as não-alcoólicas 17 calorias por cada 100 ml. Outra conclusão interessante: não há uma correlação linear entre a quantidade de álcool e o valor calórico no caso da cerveja. No caso das light, uma redução de 16% no teor alcoólico diminuiu 27% das calorias. Para uma redução de 94% da quantidade de álcool (entre a cerveja normal e a não-alcoólica) há uma redução de 60% do valor calórico. Isso porque cerveja contém muito carboidrato, que é bastante calórico. Para comparações: whisky e vodka contêm 240 calorias e o vinho 87 calorias para cada 100 ml. Entre as bebidas não alcoólicas, a coca-cola contém 39 calorias, o guaraná 31, o suco de laranja natural 37 e o suco de abacaxi
RONALDO MORADO www.ronaldomorado.com.br ronaldomorado.blogspot.com.br @ronaldomorado
natural 42 calorias por cada 100 ml. Segundo o Scientific Institute for Public Health Louis Pasteur, da Bélgica, cerveja e obesidade não se relacionam. No grupo analisado, os bebedores de cerveja eram menos obesos que os não-bebedores. Foram considerados tabagismo, alimentação, atividade física, idade etc. Muito bem, caro leitor, o problema não é a cerveja, mas o estilo de vida. Essa é a conclusão da International Association for the Study of Obesity, para quem o sedentarismo e a dieta têm mais influência no sobrepeso do que a ingestão da cerveja. Cerveja DeuS e AB Inbev Na minha última coluna (Cervejas divinas), discorri sobre a famosa cerveja DeuS. Semana passada ficamos sabendo que a AB InBev (dona da Ambev) comprou a cervejaria belga Bosteels, dona das marcas DeuS, Tripel Karmeliet e Kwak, por 200 milhões de euros (cerca de R$ 720 milhões). Na semana passada foi confirmada a compra da SAB Miller pela AB InBev por mais de 100 bilhões de dólares (R$ 325 bilhões), um dos maiores negócios da história. O mercado de cervejas fica, assim, muito concentrado, com a mega empresa detendo quase metade das vendas mundiais, em receita. Nós, consumidores, ainda não sabemos se essas são boas ou más noticias. Vamos esperar. Beer Truck Entre as boas opções para se degustar excelentes chopes em Brasília está a Corina Cerveja, a Kombi itinerante na cidade. A “vaca chopeira” (como foi apelidada) se posiciona diariamente em locais diferentes (informe-se em www.facebook.com/Corinacervejas) e oferece sete bicos de chope da melhor qualidade. Vale a pena conferir.
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GARFADAS&GOLES
Viagens, cordeiros e deuses
LUIZ RECENA
lrecena@hotmail.com
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Agnus Dei qui tollis pecatta mundi Ora pro nobis! Agnus Dei qui tollis pecatta mundi Miserere nobis! O Cordeiro de Deus, que tira os pecados do mundo, ora por nós e de nós sempre tem misericórdia. E nas asas do mundo em que vivemos e voamos, viajamos e comemos, o cordeiro sempre volta. Desta feita em São Paulo, levado por paladares amigos, o colunista aportou no Gardênia. O restaurante é um clássico. Mais clássico é o cordeiro ali servido. Assada, a paletinha para dois, que serve três, vem corada, quase vermelha, soltando do osso. Carla, ao servir, demonstra perigosa habilidade clínica, uma Carmem de ópera cigana. Nossos medos atávicos só se dissipam quando o prato chega servido e acompanhado por sorrisos que acalmam e recuperam a fome e a lembrança do objetivo original: o cordeiro de sabor divino. O acompanhamento verdadeiro, em forma de risoto de cordeiro e batatas Gardênia, deixa tudo em perfeita harmonia. A filigrana foi o Malbec argentino, justa e merecida em tarde de conversas de trabalho. Pauta: arrumar a comunicação pública, mais uma vez maltratada por mãos que desconhecem o carinho. E mentes mal formadas, que só pensavam no próprio bolso, na demagogia e no populismo rasteiro. Políticas fora, a tarde chuvosa não surpreendeu. Nem o engarrafamento que logo se seguiu. Definitivamente, a Pauliceia Desvairada é para ser visitada, fazer negócios, rever amigo. E comer bem, muito bem. Morar lá? O Agnus Dei que tira os pecados mundo nos livrará de mais essa. Ora pro nobis!
Geração esperta
Os meninos e meninas da geração Brasília brilhante continuam aprontando. Gil, Mara, Renata, Lui, Claude, e mais uma grande galera, todo mundo junto, criando, aprontando e seguindo a canção. A cozinha da cidade vai desfilar em São Paulo, no final deste mês. O aquecimento foi sábado, na Quituart do Lago Norte. Sob olhares protetores de Dom Francisco, alquimista Veronese, Jael, um dos inventores do eterno Carpe Diem, Armando, il vecchio, Lu, a odalisca mágica dos quibes e faláfeis, enfim, deuses de todos os credos abençoando a reunião. E a porchetta? A porchetta é nossa! Parabéns ao craque. Sim:
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a galera levará para São Paulo uma galinha de sol. Novidade? Sim. E feita aqui. Made in Brasília.
A chuva não vem
Enquanto Deus não faz as nuvens chorarem, chora o colunista. Por que? Pela maldade do mundo, pelos males que a seca traz, pelos bares e restaurantes que fecham na cidade, por falta de clientes, por falta de consumo. Farão falta e sentiremos falta. Mas o sinal macro mudou. A moça foi embora e com ela seus fazedores de males. A roda vai girar. O Brasil vai melhorar. E Brasília com ele. E a revista e a coluna, todos vão melhorar.
PÃO&VINHO
Do lado de cá e do lado de lá Para mim, permanecer durante várias edições sem falar sobre vinhos do Velho Mundo, em especial franceses e italianos, além de espanhóis e portugueses, que são os meus preferidos, é um sacrifício. Certamente não pelo consumo dos vinhos do Novo Mundo, pois certamente há exemplares excelentes, mas pela simples falta da possibilidade de compartilhar alguns dos caldos que mais me deliciam. Enfim, compromisso é compromisso e aqui vamos nós mais uma vez com uma bela garrafa de cá e outra de lá. Pois é, essa brincadeira que faço identificando os de lá e os de cá separa meus vinhos “novomundistas” entre os produzidos nas Américas (os de cá) e os demais (os de lá). Nas últimas edições falamos de um vinho brasileiro e de um ótimo norte-americano, e hoje trago o que para mim é, talvez, o melhor vinho chileno e um bom exemplar australiano, para finalmente falarmos de um dos de lá. Cá pelas Américas são muitas as castas viníferas que se proliferaram e passaram a produzir bons vinhos, mas fica claro e patente que algumas delas se tornaram verdadeiros ícones em seus países de origem. E isso não é à toa, pois comumente produzem os melhores caldos de cada um desses países. Todos sabemos da importância e da força da Malbec na Argentina e da Tannat no Uruguai, por exemplo. Nos Estados Unidos, especialmente no Napa Valley, a casta mais importante é sem dúvida a Cabernet Sauvignon, e dela trouxemos o excelente Etude. No Chile, que para mim é o melhor produtor de vinhos do Novo Mundo, a rara casta Carménère é extremamente emblemática, posto que, considerada extinta até duas ou três décadas atrás, teve seu redescobrimento e renascimento em terras chilenas. Mas, apesar disso, a casta que ainda
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produz os melhores exemplares de vinho tinto chileno é a Cabernet Sauvignon. Alguns de seus maiores ícones, como o Dom Melchor e outros, são varietais da Cabernet, e outros tantos, como o Alma Viva, são assemblages cuja participaçãoo principal é da mesma Cabernet. De todos, porém, creio que o melhor Cabernet chileno é o Domus Aurea. E foi uma garrafa desse belo vinho, da safra de 2008, que bebi recentemente com meu amigo Chico Santa Rita, para acompanhar um delicioso magret du canard. Com mais de 85% de cabernet, o vinho é carnudo, potente, terroso e muito bom. De cor rubi intensa, traz ao nariz notas de terra, frutas vermelhas em geleia e um toque mentolado. A boca é macia, mas poderosa, com taninos bem construídos e amaciados pelos 20 meses de barrica. Grande cabernet, grande vinho. Já do lado de lá, a Austrália produz certamente grandes vinhos, inclusive da mesma Cabernet Sauvignon, mas sua casta tinta mais emblemática e que produz seus maiores ícones é, sem dúvida, a Syrah, de origem francesa, que por aquelas bandas se traveste em Shiraz, outro nome para a mesma uva, porém com personalidade toda própria no vinho que produz, bastante distinta dos vinhos franceses da mesma casta. Escolhi de lá um clássico, o Koonunga Hill 2012, da Penfolds, uma das maiores e mais conhecidas vinícolas australianas, que produz, por certo, alguns dos melhores vinhos daquelas terras. Esse exemplar se apresenta também em cor rubi muito intenso, escuro, e traz ao olfato típicas frutas silvestres vermelhas e maduras, com claras notas de pimenta e toques de violeta, além de nuances de baunilha e cedro aportadas pelo carvalho. O paladar é intenso, de ótima acidez e muito saboroso. Ótimo vinho.
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vivalorca Bernarda Alba é uma mãe dominadora que mantém Angústias, Madalena, Martírio, Amélia e Adela, suas cinco filhas, aprisionadas em casa, com as janelas fechadas. Duas delas, porém, disputam o amor de Pepe Romano, um galanteador das redondezas. Assim é a peça A casa de Bernarda Alba, do dramaturgo espanhol García Lorca (1898-1936), em cartaz dias 21 e 22, às 20h, no Instituto Cervantes (707/907 Sul). A montagem é do grupo Coletivo de Quarta e foi idealizada para o I Seminário Internacional Frederico Garcia Lorca, realizado na UnB. O grupo teatral nasceu do projeto de extensão Quartas Dramáticas, agora em sua décima primeira edição. A encenação recria o ambiente opressor da casa de Bernarda Alba com objetos cênicos (molduras) e com um luz minimalista. Isso acentua a crítica à religiosidade e ao regime patriarcal presente na peça de Lorca e, ao mesmo tempo, o caráter metafórico do texto. “No palco, oito atrizes em cena. Duas delas são também musicistas, responsáveis pela sonoridade da peça, e, às vezes, elas são acompanhadas pelo elenco”, explica André Luiz Gomes, assistente de direção, junto com Bárbara Figueira. A apresentação no Instituto Cervantes é em homenagem aos 80 anos da morte do escritor andaluz. Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (pagamento só com dinheiro).
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aventuranoespaço Síndrome de chimpanzé é o nome da comédia de ficção científica que tem nos anos 1970 o ponto de partida para uma odisseia no espaço de nossos medos, desejos, esperanças e obsessões. Entre 21 e 30 de outubro, a Caixa Cultural apresenta esse espetáculo que tem texto e direção de Alex Cassal, do Grupo Foguetes Maravilha. Os atores Felipe Rocha, Renato Linhares e Stella Rabello formam a tripulação de astronautas russos que se vê isolada numa distante estação espacial quando uma catástrofe extermina a humanidade. Eles precisam administrar os recursos que se esgotam pouco a pouco, tentando manter a lucidez em um cotidiano invadido por delírios e acidentes que ameaçam sua existência. Afinal, um computador neurastênico, algumas plantas, um peixe e um gato são tudo o que restou do planeta Terra. O espetáculo traz referências dos filmes Solaris, A última esperança da Terra, Barbarella, 2001, uma odisseia no espaço e Planeta dos macacos, clássicos da ficção científica dos anos 1970. “O tema da aventura espacial é um pretexto para falar do que nos é próximo – a necessidade que temos do outro, as dificuldades nos relacionamentos, a consciência de que somos mortais. Os astronautas encurralados em uma estação espacial também podem ser vistos como um casal fechado em uma relação que se esgotou. E a própria viagem aos confins do sistema solar é uma viagem íntima, de reconhecimento da própria identidade, com seus limites e possibilidades”, explica Alex Cassal. Sextafeira e sábado, às 20h, e domingo, às 19h. Ingressos a R$ 20 e R$ 10. Mais informações: 3206.6456.
Quando sobe o pano, mãe e três filhos remam num lago. Parece que vai chover, mas eles seguem rumo às profundezas de relações delicadas da família. A sincronia deles ao remar destoa da realidade convulsiva de cada um, desde que o pai morreu. Um barco de madeira de quase dez metros marca a abertura de Inútil a chuva, mais recente montagem do Armazém Companhia de Teatro, que faz curta temporada de 27 a 30 de outubro no CCBB Brasília. Com acidez está exposto o avesso de relações familiares no primeiro texto original de Paulo de Moraes e Jopa Moraes. A peça se orienta em torno do desaparecimento do pai dessa família, pintor cuja obra começa a ser reconhecida justamente depois desse sumiço. Estão no elenco Patrícia Selonk, Andressa Lameu, Leonardo Hinckel, Tomás Braune, Marcos Martins e Lisa Eiras. Formada no Paraná, a companhia está instalada no Rio desde 1998, tendo feito os espetáculos Toda nudez será castigada, Inveja dos anjos e Alice através do espelho. De quinta a sábado, às 21h, e domingo, às 19h. Ingressos a R$ 20 e R$ 10.
Ainda dá tempo de assistir a alguns dos espetáculos do MID – Movimento Internacional de Dança, em cartaz até 24 de outubro em vários palcos da cidade. Um deles é Velejando desertos remotos, terceira obra coreográfica de Marcos Buiati que se debruça em pesquisa sobre os universos do livro As cidades invisíveis, de Ítalo Calvino (1923/1985). Inspirando-se nos caminhos do grande viajante Marco Polo, personagem central do livro, a viagem e o deserto servem de metáfora para o fechamento de um ciclo coreográfico onde a busca do lugar almejado apenas se torna visível quando se está em movimento. Dia 25, às 20h, no Sesc de Ceilândia, com entrada franca. Outra opção é o espetáculo O crivo (foto), a ser apresentado dia 21, às 21h, no Teatro do CCBB, com entrada franca. O MID tem curadoria internacional de Anita Mathieu, diretora do festival de dança francês Rencontres Chorégraphiques Internationales de Seine-Saint-Denis, e dos brasileiros Sérgio Maggio, Yara de Cunto e Giselle Rodrigues, no recorte nacional. Programação em www.movimentoid.com.br.
Lu Barcelos
movimentodança
Roberto Setton
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Thaynan Moraes
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feminino Assim foi batizada a exposição da obra da artista plástica Chris Contreiras, em cartaz somente até o dia 21 no Espaço Cultural STJ. Em sua poética busca pelo belo, a artista utiliza a tinta acrílica para pintar as mulheres e as flores, elemento comum em suas obras. Com 14 anos de carreira e diversas exposições no Brasil, Europa e América do Norte, seus trabalhos poderão ser vistos, ainda neste semestre na Bulgária, Noruega, República Dominicana e Estados Unidos. Brasiliense, Chris é também psicóloga e encara a psicologia e a arte como processos que se completam. “A psicologia me proporciona ver o caminho da busca. A arte me proporciona andar por ele”. A mostra está aberta à visitação das 9 às 19h, de segunda a sexta-feira. Mais informações: 3319.8460.
Uma dúzia de fotos de mulheres e vinhos compõe a mostra em cartaz no ParkShopping entre até 31 de outubro. Clicadas por seis fotógrafos brasilienses – Kazuo Okubo, Kakau Lossio, Bernardo Moreira, Marcus Oliveira, Pryscilla Dantas e Rodrigo Zago –, as imagens integram também um calendário de 2017 produzido pelo Clube de Vinhos GB, à venda no local. O valor arrecadado será revertido para o Instituto Oncoguia, que desde 2009 auxilia mulheres com câncer de mama a transpor as barreiras impostas pela doença. A ação se encaixa no movimento Outubro Rosa, que teve ínicio nos Estados Unidos e chegou ao Brasil em 2002, quando um grupo de mulheres simpatizantes da causa do câncer de mama iluminou de rosa o Obelisco do Ibirapuera, em São Paulo. Com um número expressivo de 65% de mulheres entre os sócios do Clube de Vinhos GB, o diretor executivo Guto Jabour decidiu convidar algumas associadas para posarem como modelos da exposição Mulheres e vinhos. “A base utilizada para a seleção desses artistas foi o profissionalismo, a delicadeza e a empatia que cada um deles tem com o universo feminino”, explica Jabour. No primeiro piso do shopping, próximo à loja Kopenhagen. Entrada franca. Divulgação
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Os mais recentes trabalhos de Elder Rocha (foto) e Polyanna Morgana estão expostos na Alfinete Galeria (103 Norte) até 12 de novembro. Em comum, o fato de serem mestres do Departamento de Artes Visuais da Universidade de Brasília. Um dos artistas de Brasília mais premiados de sua geração, Elder apresenta, na Sala Um, a exposição Soft Porn, enquanto Polyanna inicia, na Sala Dois, o projeto Relato o cotidiano. Elder Rocha explora as possibilidades de diálogo entre a pintura e outras linguagens como instalação, escultura, desenho e colagem. Segundo o artista, a ideia é deixar que o espectador construa as pontes para uma relação emocional com as obras. Já Polyanna Morgana discute dois aspectos antagônicos e, de certa maneira, complementares da realidade brasileira: a mídia corporativa e o ativismo independente. As duas mostras podem ser vistas de quarta a sábado, das 15h às 19h30. Entrada franca.
Orlando Brito
centenáriodeulysses Ao longo de mais de 30 anos, o fotógrafo Orlando Brito clicou o Senhor Diretas, Ulysses Guimarães (1916/1992), que nasceu há 100 anos, completados dia 6 de outubro. Essas imagens de instantes decisivos de acontecimentos políticos podem ser vistas até 11 de novembro na exposição Ulysses 100 anos. Instalada no corredor de acesso ao plenário da Câmara dos Deputados, ela resgata a história política de Dr. Ulysses, símbolo da liberdade e do combate à censura. Na galeria do salão nobre, outro módulo da exposição mostra trechos de discursos de Ulysses e o documentário produzido pela TV Câmara especialmente para as comemorações pelo centenário de seu nascimento. Natural de Rio Claro (SP), o parlamentar ingressou na vida política no final dos anos 40, quando elegeu-se deputado estadual pelo antigo PSD. Em 1987, acumulou as presidências da Câmara, da Assembleia Nacional Constituinte e do PMDB, e em outubro de 1988 promulgou a nova Constituição Federal. Diariamente, das 9 às 17h, com entrada franca.
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ciêncianatevê Quem foi que disse que ciência é coisa para ficar restrita aos laboratórios e acessível a cientistas que nossa imaginação compara com o Professor Pardal, das histórias em quadrinhos? Até o dia 23, domingo, a 22ª edição da mostra VerCiência vai provar que é possível transformar entretenimento em conhecimento. Parte da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, exibirá 51 programas de televisão de oito países que conseguiram tornar a ciência divertida e acessível a todos os públicos. A programação está agrupada em cinco temas: Ciência e Alimentação; Ciência Alimentando o Brasil; Sessão BBC, uma seleção da emissora britânica que é referência mundial em programas de ciência na TV; Sessão Ciência, Corpo e Mente, com programação dedicada à produção de temas ligados ao bem estar físico e mental; e Aventura da Ciência, uma animada excursão ao mundo do conhecimento científico-tecnológico. As exibições serão no Planetário, na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), na Universidade de Brasília, no Parque Nacional de Brasília (Água Mineral) e na Coordenação Regional de Ensino do Gama. A mostra VerCiência busca disseminar a cultura científica pela televisão, pela internet e outros meios de tecnologias audiovisuais, especialmente focada no público infanto-juvenil (a partir dos 14 anos), mas com exibições gratuitas para todas as faixas etárias. Programação em verciencia.com.br/mostras/brasilia.
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O Espaço Cult (215 Sul) promove entre 27 e 30 de outubro o curso Oficina de Desenho e Narrativa, que promove um entendimento diferenciado da produção de histórias em quadrinhos. Os alunos serão estimulados a deixar de lado conceitos pré-estabelecidos, como a obrigatoriedade de um desenho virtuoso ou a necessidade de histórias lineares com começo, meio e fim. Ao invés disso, o foco dos professores – o brasiliense Gabriel Góes e o paulistano Rafael Coutinho – será na compreensão dos sentidos, daquilo que nos emociona como autores e leitores. O que, por exemplo, prende nossa atenção numa conversa entre amigos? Ou na observação de uma cena cotidiana que assistimos em casa, no trabalho ou na rua? Que sequência de imagens nos encanta, surpreende ou até mesmo repele? A partir dessas reflexões, serão promovidos exercícios de histórias curtas com enfoque na construção de enredos, percepção de ritmo, diálogos e no uso das imagens. Preço do curso: R$ 390. Inscrições: www.espacocult.com.br. Informações: 3321.6665/99961.2534.
Ao longo de seis meses, artistas de Brasília foram convidados a desenvolver objetos a partir do material selecionado por 14 mulheres que trabalham na Central de Reciclagem do Varjão (CRV). Dessa parceria surgiram luminárias, mesinhas, espelhos, cadeiras poltronas e ainda instalações, registros fotográficos, 30 cartazes e um audiovisual. Entre 1º e 18 de novembro, todas as obras estarão à venda na Galeria Athos Bulcão (Via N2, 1.330) e o total arrecadado será revertido para a cooperativa. Participaram do projeto os designers Nina Coimbra e Thiago Lucas, a fotógrafa Tatiana Reis, que registrou todo o processo criativo, e as artistas cartoneiras Lúcia Rosa e Maria Aparecida, do Coletivo Dulcinéia Catadora de São Paulo. Elas vieram a Brasília para ensinar suas técnicas de uso do papelão como matéria prima para a confecção das capas dos 500 catálogos a serem vendidos na exposição. O Coletivo Transverso, das artistas Patrícia Del Rey, Patrícia Bagnewski e Rebeca Damian, concebeu uma instalação com garrafas de vidros, e o artista plástico Antônio Beracochea criou uma segunda instalação que se reporta a situações de degradação e as possibilidades de reverter esse quadro. De segunda a sexta, das 8 às 18h, e aos sábados e domingos, das 10 às 18h. Entrada franca.
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espaçoparaexposições Vai até 31 de outubro o processo seletivo de exposições temporárias artísticas e históricas para 2017 no Centro Cultural Câmara dos Deputados. O edital contempla projetos nas áreas de fotografia, escultura, pintura, gravura, desenho e obras em papel. As produções institucionais históricas também poderão participar, desde que sejam patrocinadas por entidades estatais ou organizações sem fins lucrativos. Os projetos apresentados serão analisados pela Comissão Curadora do Centro Cultural Câmara dos Deputados, e os selecionados entrarão na agenda cultural para 2017. Inscrições pelo e-mail centrocultural@camara.leg.br ou por via postal, neste endereço: Palácio do Congresso Nacional – Câmara dos Deputados, Anexo 1, Sala 1.602, Praça dos Três Poderes, Brasília-DF, CEP 70160-900. Informações em www2.camara.leg.br/participe/cultura-na-camara/edital-2016-2017.
Luís Macedo/Acervo Câmara dos Deputados
Tatiana Reis
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cinemaespanhol Vencedor de dez categorias do Prêmio Goya 2014, entre eles melhor filme e direção, o longa-metragem de suspense Pecados antigos, longas sombras, de Alberto Rodríguez, abre a Mostra de Cinema Atual Espanhol nesta quarta-feira, 19, no Cine Brasília. O filme conta a história de uma dupla de detetives em busca de adolescentes desaparecidos em uma pequena cidade, em meio a uma rede de tráfico de drogas. Realizada pelo Instituto Cervantes em parceria com o Escritório Cultural da Embaixada da Espanha no Brasil e a Sociedade Cultural Brasil-Espanha, a mostra vai até o dia 23, com exibições gratuitas de cinco longas premiados em importantes festivais na Espanha e no mundo. Na programação estão ainda Todos estão mortos (foto), de Beatriz Sanchís, melhor filme, fotografia, música e prêmio do júri jovem no Festival Cinespagna Toulouse 2014; Linda juventude, de Jaime Rosales; Ártico, de Gabriel Velázquez; e Flores, de José Mari Goenaga e Jon Garaño. Mais informações: http://brasilia.cervantes.es/.
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ossaltimbancos Domingo, 23 de outubro, às 16h, a criançada poderá conhecer ou relembrar a história de um jumento que, cansado de tanto trabalhar sem recompensa alguma, decide fugir para a cidade, onde procura emprego como músico. No caminho, encontra um cachorro, também desiludido, que segue com ele na viagem. Os dois conhecem uma galinha, que também tinha fugido de um dono malvado, e uma gata que não suportava mais viver presa e também decide acompanhar o trio. O desfecho da aventura estará no terceiro piso do Pátio Brasil. Na semana seguinte, dia 30, é a vez de Hotel Transilvânia, ambientada num hotel cinco estrelas que serve de refúgio para monstros cansados do árduo trabalho de perseguir e assustar os humanos. O local é comandado por ninguém menos que o Conde Drácula. As duas peças têm entrada franca.
O maior símbolo da resistência africana à colonização foi uma mulher. Rainha do Ndongo, atual Angola, Nzinga Mbandi (1582/1663) entrou para a história como combatente destemida, exímia estrategista militar e diplomata astuciosa. Ela chefiou pessoalmente o exército até os 73 anos de idade e era tão respeitada pelos portugueses que Angola só foi dominada depois de sua morte, aos 81 anos. A história dessa personagem histórica será contada no espetáculo Axé Nzinga – A força de uma rainha além do seu tempo, nos dias 26 e 27 de outubro, às 20h, no Centro Cultural de Brasília (601 Norte). De acordo com Jonas Sales, diretor e ator do espetáculo, “Nzinga somos todos nós, frutos da cultura africana”. É com uma trilha sonora original, com bailados inspirados nas danças afro-brasileiras e com textos poéticos que Sales vai reviver a eterna rainha negra angolana, uma mulher revolucionária para sua época. Em sua estreia oficial na capital federal, o potiguar Jonas Sales vai apresentar para o público o feminino, a luta e todo o mito que gira em torno de Nzinga. “Ela é um mito presente na cultura popular. Os negros escravizados acreditavam que ela chegaria ao Brasil para libertá-los. Ela é um mito, uma guerreira. Por isto, resolvi trazer e apresentar um pouco da sua história no Brasil, em sua capital”, relata o diretor. Ingressos a R$ 20 e R$ 10.
Rubens Craveiro
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museunovo Pinturas e esculturas de Cândido Portinari, Di Cavalcanti, Carlos Scliar, Tomie Ohtake, Oscar Niemeyer, Athos Bulcão e Burle Marx fazem parte do acervo do Museu Banco do Brasil, inaugurado no dia 10 passado na sede do CCBB (SCES, Trecho 2). A exposição de estreia, intitulada Acervos do Brasil: história, cultura e cidadania, apresenta documentos de valor histórico, cédulas, moedas, equipamentos e mobiliário, além das obras dos artistas citados no início. A proposta é promover uma reflexão sobre a história econômica, social e cultural do Brasil. O patrimônio do Banco do Brasil, catalogado e organizado para o lançamento do museu, conta com 1.100 obras de 727 artistas plásticos, além de 35 mil itens de valor histórico como moedas, cédulas e objetos ligados à atividade bancária, mais de 16 mil títulos de livros e 20 mil registros fotográficos e audiovisuais.
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Carol Reis
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Boaventura de Sousa Santos
Adélia Prado
Viagem ao universo dos livros A
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Bienal Brasil do Livro e da Leitura chega à terceira edição neste mês de outubro, entre os dias 21 e 30, consolidando sua presença no cenário literário nacional e especialmente no de Brasília, onde injeções de ânimo cultural se tornam cada vez mais necessárias. Com teatros, museus e bibliotecas literalmente fechados em função da penúria do governo, a Bienal será realizada, pela primeira vez, nas dependências do Estádio Mané Garrincha, o que não deixa de ser, para os bons leitores, uma cruel ironia. Afinal, o enorme custo de construção desse elefante branco inviabilizou a reforma de espaços da maior importância para a cultura da cidade, como o Teatro Nacional, o Museu de Arte e o Espaço Cultural Renato Russo, da 508 Sul, enquanto até os elevadores da Biblioteca Nacional estão parados há mais de seis meses por falta de manutenção. Mas a realização de uma Bienal do Livro e da Leitura é sempre motivo de festa, ainda mais sendo uma das poucas alternativas para a população ter acesso ao livro na capital do país. Assim, espera-se um público superior a 300 mil pessoas, a média de visitantes de cada uma das bienais
anteriores, realizadas em 2012 e 2014. O acesso é gratuito, ao contrário de eventos semelhantes em São Paulo e no Rio. O espaço será ocupado por 170 expositores, desde pequenas livrarias até representantes das principais editoras do país, e o compromisso é de oferecer livros a preços abaixo dos praticados no mercado. Repetindo o formato das edições anteriores, a terceira Bienal presta homenagem a dois grandes escritores, um estrangeiro e um brasileiro. De Portugal virá o pensador Boaventura de Sousa Santos,
referência no campo da ciência social, um dos criadores do Fórum Social Mundial. Adélia Prado, poeta mineira, uma de nossas melhores representantes do que se pode chamar de escrita feminina, é a brasileira homenageada. Ambos participarão de encontros com a plateia e autografarão seus livros. Estão previstas atividades com cerca de 150 escritores convidados, 100 lançamentos de livros, 80 sessões de contação de histórias, 40 apresentações teatrais, além de dez shows de músicos de Brasília Divulgação
POR ALEXANDRE MARINO
As 16 obras de autores brasilienses que serão lançadas durante a Bienal do Livro foram selecionadas por uma comissão formada por Hamilton Pereira, Conceição Freitas, Nicolas Behr e José Resende Jr.
Convidados
Além dos homenageados, a programação promete escritores que poderão levar à Bienal um público curioso. É o caso de Mário Prata, Bernardo Kuscinski, João Gilberto Noll, Marcelino Freire, Maria Valéria Rezende, Viviane Mosé, Renato Janine Ribeiro, Leandro Karnal e Leonardo Sakamoto, entre vários outros brasileiros convidados. Entre os estrangeiros, contam-se o sociólogo francês Dominique Cardon, a romancista mexicana Guadalupe Nettel, o jornalista argentino Martin Carrapós e a romancista cubana Teresa Cárdenas. Todos virão lançar livros e alguns deles participar de debates e seminários. Talvez fosse o caso de se discutir as razões por que grande parte dos convidados não são puramente escritores de literatura, mas ensaístas, jornalistas, sociólo-
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gos, historiadores. Também será extremamente reduzido o espaço para a poesia, apesar da vinda de Elisa Lucinda e da merecida homenagem a Adélia Prado. Entre os escritores de Brasília que lançarão seus livros também há poetas, embora não tenham sido divulgados os gêneros literários dos livros selecionados. Outra questão não explicada nesta terceira edição foi o desaparecimento do Prêmio Brasília de Literatura, que consagrou livros e escritores brasileiros importantes nas duas primeiras edições. Reflexão
Maria Teresa Slanzi
Dominique Cardon
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Alguns temas dos seminários e mesas serão interessantes para atiçar a reflexão do público. Deslocamentos: geopolítica, cultura, etnia, economia e religião é um deles, uma questão do momento em todo o mundo. Novas tecnologias e os efeitos na cultura, outro tema importante. Vida urbana, novos espaços, novos caminhos é assunto presente, ainda mais em Brasília, cidade tão jovem e tão cheia de problemas aparentemente insolúveis. Por fim, um tema eterno, mas enriquecido por um olhar contemporâneo: Amor, afetividade e individualidade nos tempos modernos. Como a Bienal Brasil do Livro e da Leitura agora faz parte do calendário oficial de eventos do Distrito Federal, por força de lei, era de se esperar que houvesse coesão no interior do governo para a sua promoção. Mas o próprio diretor geral da Bienal, Nilson Rodrigues, lamenta que a Secretaria de Educação não participe do evento. Em cada uma das duas edições anteriores, 70 mil estudantes da rede pública compareceram, leram livros e fizeram trabalhos relativos à Bienal. “A tendência é esse número diminuir”, afirma Rodrigues. A Secretaria de Educação alega falta de recursos para participar. Isso inviabiliza o Vale Livro, que garantiu R$ 4 milhões em livros para as bibliotecas das escolas, em cada uma das edições anteriores. Para este ano, a Bienal deve fechar uma parceria com as escolas particulares para ampliar sua participação no evento. Sorte de seus alunos, que terão ótima oportunidade de descobrir o mágico universo dos livros. Ou de reforçar sua viagem dentro dele.
Martin Carrapós Divulgação
e do Brasil, entre eles Arnaldo Antunes e Chico César. Entre os lançamentos previstos na programação oficial, 16 são de autores de Brasília, escolhidos entre 81 livros inscritos, de uma forma tão incomum quanto polêmica: foi feita uma chamada pública por meio de edital e os escritores interessados se inscreveram. A comissão de seleção foi formada pelo poeta Nicolas Behr, os jornalistas Conceição Freitas e José Rezende Jr. e Hamilton Pereira, ex-secretário de Cultura do DF no governo Agnelo Queiroz. A comissão considerou que, se foram escolhas difíceis, o resultado revela uma literatura de qualidade na cidade, com destaque para autores jovens e estreantes. Entre os escolhidos há livros de poesia, contos, crônicas, romance, biografia, reportagem, infantis e juvenis. De acordo com Nilson Rodrigues, diretor geral e um dos curadores da Bienal, há o risco de injustiças, mas a escolha teve que ser feita, diante da grande demanda de lançamentos. “Foi melhor assim, já que a comissão foi formada por pessoas que conhecem a literatura local, e a injustiça poderia ter sido maior se a seleção ficasse a meu encargo”, disse ele. O governo do DF também abriu chamada pública para selecionar escritores de Brasília para participar desses seminários, mediar palestras ou debates. Grupos de teatro e contadores de histórias também foram chamados a se inscrever. Até o fechamento desta edição o GDF não havia divulgado a lista de selecionados.
3ª Bienal Brasil do Livro e da Leitura
De 21 a 30/10, no Estádio Nacional Mané Garrincha, com entrada franca. Mais informações: www.bienalbrasildolivro.com.br.
Teresa Cárdenas
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QUEESPETÁCULO
Linhas de dor POR TERESA MELLO
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Sartoryi Sartoryi
tempo é o grande personagem de Duas gotas de lágrimas no frasco de perfume, que estreia dia 27 de outubro no Teatro 2 do CCBB. O núcleo Criaturas Alaranjadas Cia. de Teatro remexe emoções coaguladas no tempo, espreme sofrimentos sem fim. “Corpos, que corpos?”, gritam as vozes de milhares de pessoas ligadas a cada um dos 140 desaparecidos políticos durante a ditadura militar no Brasil. No palco, quatro atrizes desfiam as angústias e as incertezas de ter alguém da família sumido sem deixar ossos nem rastros. Quem costura com delicadeza essas linhas de dor é o dramaturgo e diretor baiano Sérgio Maggio, açoitado pelo tema desde jovem, quando lia escondido obras sobre o militante Carlos Lamarca e o compêndio Tortura nunca mais, indicados pela professora de português Cecília Moura, em Salvador. Décadas depois, morando em Brasília, mergulhou na biografia Paixão de Honestino, de Betty Almeida, que narra a vida do jovem desaparecido em 10 de outubro de 1973. “A mãe dele, dona Rosa, vai definhando a partir daí, vai morrendo viva nessa busca sem solução. Fiquei impressionado com esse lado que não é contado, o de quem ficou em casa esperando por notícias”, depõe Maggio.
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O assombro levou-o a desenvolver pesquisa sobre a vida de Honestino Monteiro Guimarães com o grupo Trincheira, formado por alunos do Teatro Dulcina. A leitura de Antes do passado – no qual a autora, Liniane Brum, desfia a sina de Cilon, tio desaparecido no Araguaia – empurrou o dramaturgo para um mergulho profundo nos relatos da Comissão Nacional da Verdade. Daí nasceram os múltiplos personagens representados por Rosa, Lola, Tuca e Sofia. “Elas são um espelho dessas milhares de vozes”, define o diretor, que dialoga com o clássico Esperando Godot, de Samuel Beckett. No palco estão Sílvia Paes, Gabriela Correa, Tainá Baldez e Gelly Saigg. “Fizemos uma leitura dramática da peça de Beckett numa escola de Taguatinga e sentimos bem a ideia do tempo”, acrescenta Tainá. “A montagem é muito atual, porque vimos recentemente pessoas querendo a volta de ditadura”, diz Gelly. A cada ensaio, uma vírgula pode ser colocada. “Estou no sexto tratamento do texto, que vai sendo reescrito com os atores”, diz um desapegado Maggio, autor de Cabaré das donzelas inocentes, Mitos do teatro brasileiro, Eu vou tirar você desse lugar, Eros impuro e Desbunde, reconhecendo que a cria não lhe é exclusiva. Mas o lirismo, sim. O perfume do título faz reverência a mães que sempre se arrumavam pa-
ra esperar os filhos, como se fossem viúvas de pescadores tragados pelo mar. “É um tempo avassalador de espera que se impõe na vida das pessoas.” No cenário, assinado por Jones de Abreu, essa passagem se traduz em objetos de impacto: “São as goteiras, um galho na parede, as folhas que sempre caem”, antecipa Jones. A trilha sonora é ponto forte da montagem. As atrizes, com preparação vocal do maestro Matheus Avlis , cantam músicas sem viés político. Pode ser uma canção de Mariah Carey ou de Aracy de Almeida. “Tempo, tempo, tempo, tempo”, murmura a letra de Caetano Veloso no teclado de Tiago Yanuck, o quinto elemento em cena. Com patrocínio do Fundo de Apoio à Cultura (FAC) e apoio do CCBB, o espetáculo tem ainda Gilson Cezzar na assistência de direção, Jones de Abreu na coordenação artística e Vinícius Ferreira no desenho de luz. Fica em cartaz até 20 de novembro e depois emenda apresentações no Sesc de Taguatinga e de Ceilândia e na Mostra Dulcina de Moraes, em dezembro. Duas gotas de lágrimas no frasco de perfume
De 27/10 a 20/11, de 5ª a domingo, às 19h, no Teatro 2 do CCBB (SCES, Trecho 2). Ingressos a R$ 20 e R$ 10 (meia). Classificação indicativa: 12 anos.
Nathalia Azoubel
Brincar para se expressar Grupo Tripé subverte lógica do teatro em montagem dirigida por Similião Aurélio
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ssim que chega ao Usina – Centro de Arte e Entretenimento, você é convidado a deixar sua bolsa no guarda-volume. Convite que soa estranho. Afinal, estamos entrando para ver um espetáculo, por que, então, guardar a bolsa? Ah, porque aí mora a primeira excentricidade de O novo espetáculo (Tudo está à venda), trabalho do Grupo Tripé em cartaz até dezembro. Não há cadeiras, bancos ou arquibancada. Lá dentro é tudo de pé, como em uma festa. Ou melhor, como em um grande pátio de escola, com bolas, corda de pular, música e muitos amigos. Segundo trabalho autoral do Grupo Tripé, o espetáculo tem dramaturgia e encenação calcados nos motes da criança, do espírito do jogo e da veracidade e intensidade do universo infantil. Mas o que isso tudo significa na prática? Significa que a encenação acontece intercalada com momentos de forte interação com o público, com muitas brincadeiras, como pular corda e jogar bola. “Sabe aquela imagem clássica de filme, com o menino novinho na janela olhando a chuva sem poder sair pra brincar? A presença do público nesse espetáculo é o oposto disso. É o dia de sol, na época das férias, em um bloco onde todas as crianças se juntam para brincar. O público é fundamental. Ele é jogador assim como nós, inventor dessas histórias. E ele pode até não parti-
cipar... Não existe certo e errado, só a liberdade de usufruir desse jogo como quiser”, explica o ator Gustavo Haeser, intérprete do monarca absolutista Haeser II. A peça se passa em 2103, em um Planeta Terra pós 3ª Guerra Mundial, vencida por um monarca absolutista e temeroso, o tal Haeser II. À frente de um governo planetário e totalitário, o novo comandante proíbe a liberdade de expressão, extermina as tecnologias de comunicação e, sobretudo, persegue quem ousa não seguir as novas regras. Lei do silêncio, chacinas, escravidão, oligopólio da mídia. Ou seja, um caos generalizado, até que um jovem, depois de presenciar o assassinato de toda a família, foge com a promessa de restaurar a paz. Se isso soou familiar, não é mera coincidência. O trabalho começou a ser gestado em 2014, mas com outro propósito, argumento e direção. “A peça nasceu na sala de ensaio de outro espetáculo. Começamos a trabalhar em cima de um texto clássico e, durante três meses, pesquisamos, adaptamos e improvisamos. Mas vários motivos impossibilitaram a realização do projeto da forma como ele devia ser. Decidimos, então, criar um espetáculo de baixo orçamento, que falasse exatamente do que estávamos passando, de uma crise não só financeira, mas também de credibilidade para o teatro. Então, não é só um espetáculo, é um
manifesto, um convite para o questionamento do teatro, do seu engendramento, da sua pose, das formas de financiamento, de processo criativo, das estéticas vigentes”, desabafa Gustavo. O subtítulo Tudo está à venda engrossa o manifesto. O ingresso é uma colaboração espontânea dada no final, no melhor estilo “passar o chapéu”. Na entrada, a galeria de arte e loja colaborativa Tripé oferece diversos objetos com a franquia do grupo, como imã de geladeira com cenas de espetáculos, CD com trilhas, programas, camisetas e até uma cerveja exclusiva. Lá dentro, há um momento especial em que uma cena é leiloada para alguém do público assistir sozinho. “Levamos para o público a discussão do valor da arte. Isso é questionar e extrapolar as formas atuais de financiamento cultural. Desde a nossa estreia, em 2015, essa mesma cena já foi vendida por valores entre 50 e 700 reais, e aí já se tem muito o que discutir”, diz Gustavo, que divide a cena com Elisa Carneiro, Davi Maia e Miguel Peixoto. O novo espetáculo (Tudo está à venda)
19 e 20/10, 10/11 e 1/12, sempre às 20h, no Usina – Centro de Arte e Entretenimento (Setor de Oficinas Norte, Quadra 1). Ingresso: contribuição espontânea a partir de R$ 20, a inteira, e R$10, a meia. Ingresso gratuito para estudantes de graduação em artes e alunos de escolas públicas. Mais informações: 98425.6885 e www.grupotripe.com.
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Divulgação
GRAVES&AGUDOS
POR HEITOR MENEZES
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mantes da boa música ao vivo começam a entrar em clima de despedida, pois é evidente que o ano (quase) acabou e só resta esperar por dias melhores em 2017. Não fosse a dobradinha Anthrax/Iron Maiden, em março, oh, não, este ano teria sido mortalmente modorrento, com as atrações de praxe, pelas quais temos apreço e cartão de crédito. É verdade, temos alegria em vista, pois a formação original dos Guns N’ Roses nos visita em 20 de novembro. Porém, não custa bater na tecla de que uma capital como Brasília deveria abrigar número maior de shows, concertos, recitais, o que for, em locais e horários decentes. Questões de mercado à parte, economia ruim e tal, o radar captou as seguintes atrações, pelas quais vale a pena ter apreço e bala na agulha (cartão de crédito), sempre que solicitada. Cheque a agenda e aproveite.
O grande encontro. Centro de Convenções Ulysses Guimarães, 21/10, às 21h. Elba Ramalho, Geraldo Azevedo e Alceu Valença juntos só pode ser “o grande encontro menos Zé Ramalho”. E é isso mesmo. Desta vez, só Elba, Geraldo e Alceu comemoram o sucesso do projeto iniciado em 1996, no qual compartilham palco, e que rendeu álbum campeão de vendas. Zé Ramalho acústico só em dezembro. Aguardem! Ana Carolina. Centro de Convenções Ulysses Guimarães, 22/10, às 21h. Faz década e meia que Ana Carolina passou a ter presença constante em playlists mundo afora. Quem de nós dois, Encostar na tua, Garganta, É isso aí... Ana Carolina tem muitas canções do agrado de muitos ouvidos. Desta vez, é só voz e violão, ou, como dizia Nelson Gonçalves: é no gogó, Gugu. Legião Urbana. Net Live Brasília, 28/10, às 22h. Legião Urbana de volta?
Leo Aversa
Desacelerando
Não e sim. Não, porque depois que Renato Russo (1960-1996) virou mito, não tem sentido algum a Legião existir com novos integrantes. Sim, porque Marcelo Bonfá e Dado Villa-Lobos, ao que consta, têm algum direito de prestar tributo ao companheiro Renato Manfredini Júnior e contabilizar dividendos com a marca Legião Urbana. Legião Urbana XXX anos volta à capital com os dois integrantes originais aumentados com as presenças do baixista Mauro Berman (Cabeza de Panda e Marcelo D2), do guitarrista Lucas Vasconcellos (Letuce), do tecladista Roberto Pollo (Cirque du Soleil) e do ator e cantor André Frateschi, segurando os vocais. Repertório atemporal, de grande impacto, só vendo e ouvindo para crer. O lado bom da solidão – Zélia Duncan. Teatro da Caixa Cultural (SBS, Quadra 4), de 3 a 5/11, às 20h, e 6/10, às19h. Não temos mais festivais polêmicos, mas ainda temos prêmios da música etc e tal. Este ano, o 27° Prêmio da Música Brasileira deu a Zélia Duncan o galardão em três categorias: melhor canção (Antes do mundo acabar), melhor álbum de samba (Antes do mundo acabar) e melhor cantora de samba. Antes que o mundo acabe e o samba entre em polvorosa, vale conferir a eclética Zélia Duncan, sozinha no violão, no show O lado bom da solidão, em cartaz de 3 a 6 de novembro, no teatro da Caixa Cultural. Zélia tem 35 anos de carreira,
tem aquela voz, aquela personalidade, e, no currículo, músicas como Catedral (versão do sucesso da cantora alemã Tanita Tikaram) e composições dos Mutantes, de Luiz Tatit, Itamar Assumpção, Ná Ozetti, Lenine... A mulher é um verdadeiro compêndio da boa canção. Maria Gadú & Céu. Net Live Brasília, 10/11, às 21h30. Dois em um interessante, duas cantoras do que entendemos como representantes da moderna música popular brasileira compartilhando o mesmo palco, porém cada qual no seu quadrado. Maria Gadú percorre as estradas ainda divulgando Guelã, seu terceiro álbum de estúdio. Shimbalaiê, estejam certos, tem uma dezena de outras concorrentes no balaio da Gadú. Céu, por sua vez, não deixa por menos e nos oferece um pop moderno brasileiro que, como poucos, dialoga com outros gêneros sem parecer vazio, eclético ou chato. As músicas do mais recente trabalho, Tropix, dominam a cena, mas Céu domina a arte do groove e tem som para boas horas de divertimento. Guilherme Arantes in Concert. Centro de Convenções Ulysses Guimarães, 15/11, às 20h . Escrever uma canção digna de fazer parte da grande antologia de sucessos da música popular brasileira não é para qualquer um. Guilherme Arantes, amigos, trouxe várias pérolas para este grande tesouro chamado MPB. Em sua
Rama de Oliveira
próxima visita a Brasília, no feriado da Proclamação da República, teremos Arantes apresentando Meu mundo e nada mais, Planeta água e Amanhã, entre outras joias, com o grande acompanhamento da Orquestra Brasília Sinfônica, formada por 40 integrantes. A regência é do maestro Joaquim França.
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Fernando Schlaepfer
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Possato Photography
GRAVES&AGUDOS
Porão revigorado
Planet Hemp
Em sua 19ª edição, festival terá 28 atrações, entre elas Planet Hemp, Ira!, Nação Zumbi, Emicida e Boogarins. POR PEDRO BRANDT
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or muito pouco o Porão do Rock não foi realizado em 2015. Com a verba reduzida, a solução foi enxugar gastos, resultando numa escalação formada quase exclusivamente por bandas brasilienses. Situação bem diferente do Porão deste ano, que chega parrudo, com mais atrações, entre locais, nacionais e uma banda internacional, que formam um cardápio musical mais atraente, diversificado, com bandas veteranas e novatas. A 19ª edição do Porão do Rock está marcada para 29 de outubro, no estacionamento do Mané Garrincha. A estrutura contará com três palcos, pelos quais passarão 28 atrações. Entre as mais conhecidas estão as bandas Ira!, Nação Zumbi e Planet Hemp, além do cantor Supla. Grupo paulistano liderado pelo guitarrista Edgard Scandurra e pelo vocalista Nasi, o Ira! fará um show especial relembrando seu segundo álbum, Vivendo e não aprendendo, lançado há 30 anos, de hits como Envelheço na cidade, Dias de luta, Flores em você e Pobre paulista.
No ano em que Chico Science (19661997) completaria 50 anos, a Nação Zumbi, da qual foi vocalista e mentor, celebra seu legado e festeja as duas décadas de Afrociberdelia, segundo disco do grupo pernambucano, de onde saíram os sucessos Macô, Manguetown e Maracatu atômico. Os cariocas do Planet Hemp anunciaram no ano passado que a atual reunião da banda é pra valer, com possibilidade de músicas novas e até um disco de inéditas – ou seja, chance de alguma novidade pintar no show do Porão. Supla volta ao festival para mostrar um apanhado da carreira. Um dos principais nomes do rap brasileiro atual, o paulistano Emicida será a voz da cultura hip hop no evento. Para quem gosta de som pesado, o festival terá desde bandas que fazem uma versão renovada do heavy metal, caso dos gaúchos da Híbria e dos paulistanos da Voodoopriest, passando por sonoridades mais brutais, que juntam metal e hardcore, a exemplo das brasilienses Quilombo, As Verdades de Anabela, Peso Morto e Lost In Hate e das paulistanas Project46, Worst e Oitão, e chegando ao
metal sombrio do Miasthenia (DF). O punk rock será representado pelos paulistas do Zumbis do Espaço (cujo repertório é inspirado em Misfits) e pelos brasilienses Os Til e My Last Bike. O festival terá também bandas que bebem de várias fontes, do hard rock ao punk, caso de Zamaster e Trampa, ambas de Brasília, e da cearense Nafandus. Para quem gosta de grunge, a pedida é a banda Darshan, de Sobradinho. O trio Passo Largo, do DF, faz rock instrumental entre o hard rock, o pop e a experimentação. Quem curte influências mais antigas, como psicodelia, folk e surf music, deve conferir as também brasilienses Almirante Shiva, Joe Silhueta e Os Gatunos (todas são destaques da atual cena candanga), além dos goianos Boogarins, que têm conquistado público no Brasil e no exterior com sua neo-psicodelia. Porão do Rock
29/10, a partir das 15h, no estacionamento do Estádio Mané Garrincha. Ingressos (meia) à venda em www.bilheteriadigital.com/ porao-do-rock-01-de-outubro: R$ 20 (pista) e R$ 60 (camarote) + 1kg de alimento não perecível. Classificação indicativa: 16 anos. Informações em www.poraodorock.com.br.
Sons e imagens Conhecido por seu trabalho como instrumentista e produtor, Rodrigo Bezerra se firma como cantor ao lançar o primeiro DVD.
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efinitivamente, os tempos são outros. O CD físico praticamente desapareceu, enquanto que sites como o YouTube ganham cada vez mais espaço como plataformas para se ouvir música. Inserido nesse mundo visual, o guitarrista e compositor Rodrigo Bezerra não quis apenas o registro em vídeo de um show para seu primeiro DVD. Quis mais. Imaginou algo como um filme, formado por clipes de algumas de suas músicas, mesclados às imagens de uma apresentação montada no capricho, com banda escolhida a dedo. E convidou para a empreitada ninguém menos do que o diretor Iberê Carvalho, de O último cine drive-in. O sonho se realizou. Intitulado A música de Rodrigo Bezerra, o DVD será lançado neste 21 de outubro com um show na Sala Sílvio Barbato, do Sesc Presidente Dutra, no Setor Comercial Sul. São 12 canções extraídas dos dois últimos discos do músico – oito de Tempo ilusão, de 2013, e quatro de Três, do ano passado. Sete músicas ganharam clipes, roteirizados por Rodrigo em parceria com Iberê. “É muito interessante trabalhar com artistas de outras áreas. A gente percebe a sinestesia na cabeça deles acontecendo com outros materiais. Enquanto para mim é o acorde, a combinação de instrumentos e ritmos, para eles é o enquadramento, a luz, o tempo que também está na música. Ou seja, no final das contas, a gente quer a mesma coisa, só que usa armas diferentes”, afirma Rodrigo. Os clipes foram gravados em locações pela cidade, alguns se valendo de anônimos como protagonistas. É o caso de Esperar, música de trabalho. Rodrigo, Iberê e trupe montaram acampamento na Rodoviária e deixaram a câmera ligada para quem quisesse participar. Já Circular leva os olhos do espectador para o alto, mostrando uma cidade de contornos e curvas.
Com todas as imagens captadas, chegou a hora de gravar o show. Também com direção de Iberê, e direção artística de Dalton Camargos, Rodrigo reuniu uma super banda, com duas baterias, no palco do Sesc Garagem da 913 sul: “O Célio Maciel tem uma experiência muito boa com bateria eletrônica, uma concepção interessante para essa mistura com hip hop. Já o Renato Galvão domina a bateria acústica. Aí veio a ideia de juntar a banda do Tempo ilusão, que era só bateria e teclado, com a do Três, que tinha também baixista”. A apresentação, que não teve plateia, contou ainda com Felipe
Viegas, no teclado, Sandro Jadão, no baixo, Thanise Silva, na flauta, e Bruno Patrício, no saxofone. “É um privilégio ter uma banda com uma sessão rítmica tão variável, com quem você pode ir para tantos lugares. Eles são meus amigos há muito tempo, são muito competentes. Chegaram e compraram essa briga comigo”, comemora Rodrigo, que ainda dividiu com a cantora Ana Reis os vocais da faixa Além de acordes, parceria dos dois, e dobrou as guitarras, com Pedro Martins, na música Tempo Ilusão.
Diego Bresani
POR MELISSA LUZ
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ARTESGRÁFICAS
Coisas do coração Ilustrador brasiliense Caio Gomez lança seu primeiro livro, Mini-infartos POR PEDRO BRANDT
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palpar os bolsos e perceber que o celular sumiu, entupir o vaso sanitário da casa de um amigo, trancar as chaves dentro do carro, soltar um pum na sala de trabalho um pouquinho antes de alguém entrar pela porta... Quem nunca passou por uma dessas situações desesperadoras? Ilustrador e quadrinista, Caio Gomez transformou em cartuns uma série de episódios – vividos por ele ou narrados por amigos – capazes de causar arritmia. Ou, como define o título da primeira publicação individual do autor, autênticos Mini-infartos. Dono de um desenho de personalidade e de uma percepção da realidade ao mesmo tempo bem-humorada e mordaz, Gomez tem ganhado destaque no universo dos quadrinhos e da ilustração brasileira ao longo dos últimos anos com trabalhos capazes de fazer rir e emocionar. Vencedor do Salão de Humor de Piracicaba em 2007, ele publica atualmente em jornais, revistas (como Mundo Estranho e Superinteressante) e publicações independentes. Três perguntas para Caio Gomez
Fotos: Divulgação
Quem você considera suas principais influências na ilustração e em quadrinhos? Acho que na ilustração minha principal
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influência foi o Fido Nesti, que tem um traço que desde moleque eu gosto demais, além das cores lindas – até hoje roubo umas palhetas de cores dos desenhos dele. Tem também um quadrinista francês, o Blanquet, fiquei viciado no trabalho dele por anos, colocava do lado e copiava na cara dura. Muita coisa que eu sei de enquadramento e sombreamento vem desse monstrão. Os amigos Stêvz e Gabriel Góes também foram grandes influências. Para completar a lista tem os clássicos: Crumb, Angeli e Laerte. Como surgiram os Mini-infartos? Tive a ideia quando topei com uma exnamorada e parei numa blitz no mesmo dia. A sensação foi mais ou menos a mesma: coração na boca e falta de ar. A ideia inicial era fazer um quadrinho simples, para o Correio Braziliense, mas coincidiu com o começo do Inktober (projeto de dimensão mundial no qual artistas gráficos publicam na internet uma ilustração temática ao longo de outubro). A aceitação foi muito boa, me surpreendeu. Como sou bem indisciplinado e preguiçoso, achei que não passaria do décimo dia, mas o feedback do pessoal me empurrou a fazer até o final. Depois, outra surpresa: algumas editoras me procuraram para publicar a série. Escolhi fazer com meus amigos da Beleléu, uma editora independente carioca que lançou um pocket book lindão e que tem vendido bem. Você tem planos de produzir histórias mais longas? Eu tenho vários fragmentos, preciso amarrar isso e pensar numa possível graphic novel. O lance é ter tempo e disponibilidade. Quadrinhos pequenos são menos trabalhosos, mas é meio raso. Seria um projeto de vida se afundar num livro de 200, 300 páginas. Algumas histórias maiores saíram no jornal Pimba – a terceira edição sai em novembro. Meu projeto individual agora é montar um site para colocar minhas histórias que só saíram em impressos.
Mini-infartos
De Caio Gomez. 80 páginas. R$ 20. À venda em beleleu.iluria.com. Conheça o trabalho de Caio em www.facebook.com/caio.gomez.96.
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MEXA-SE
Nunca é tarde pra (re)começar POR SÚSAN FARIA
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las amam dançar, especialmente balé. Adoram os pliés, tendus, frappés, en dehors, cambrés, pas de baques... Mas deixaram de dançar durante uma ou mais décadas por contingências da vida: casamento, filhos, trabalho. Com o tempo, seus corpos mudaram, perderam um pouco da flexibilidade e elas se sentiram “estranhas no ninho” quando tentaram entrar nas academias, com professores e colegas de outra geração. Contudo, elas estão voltando e quebrando tabus. E se preparam para sua primeira apresentação dentro do projeto Bailarinas por que não? Será o Ballerinando, dia 28 de outubro, sexta-feira, às 21h, no teatro da Escola Parque da 308/309 Sul. “Mais do que dançar, essas mulheres buscam o resgate da autoestima, da alegria de viver e de se permitir ser aluna, independentemente da idade”, explica a diretora do Ballerinando, Cláudia Bengtson,
jornalista, 48 anos. O projeto traz à sala de dança ex-alunas de balé ou aquelas que não ousaram dançar por se se acharem “velhas” para realizar um sonho de infância. No retorno, a limpeza dos movimentos e o respeito ao corpo como instrumento de dança, sem a pretensão de serem profissionais. Sayonara Bracks, psicanalista de 53 anos, começou a fazer balé aos 49: “O adulto já traz uma história corporal. E começar a dançar já adulto não é simples”, diz. Mas elas vão vencendo os obstáculos e progredindo, como Renata Varachavsky, 43 anos, mãe de três filhos e que faz balé mesmo depois de uma operação na coluna. Além dos filhos, cuidou da mãe, e ainda enfrentou a cirurgia. “Sempre adiava. Um dia, comprei a roupa, que ficou guardada. Tive vergonha de recomeçar”, conta. A carioca Jaqueline Aguieiros, 37 anos, só conseguiu realizar o sonho de ser bailarina depois de se estabelecer profissionalmente: “Vivia no interior,
não tinha acesso às artes. E tinha que resolver minha vida profissional, estudar, passar em concurso... Mas cada obstáculo é um estímulo para continuar”. Cada uma traz uma história. A cantora lírica e professora da Escola de Música de Brasília Vilma Bittencourt voltou a dançar depois dos 40. Tatiana Guskow, que também começou já adulta, e antes não tinha elasticidade, hoje dança na ponta das sapatilhas. Adriana Fittipaldi, 38, estudou para ser profissional, parou de dançar para ser mãe e voltou há pouco. Daniela Landim é outra mãe que também voltou recentemente, depois de anos parada. E tem a caçula do projeto, Camila Gastal, 20 anos, estudante de Psicologia da Universidade de Brasília, que viu no grupo uma oportunidade de dançar sem stress, com dedicação, pelo prazer de fazer o que gosta. “Esse é um grande diferencial do balé adulto. As alunas chegam por vontade própria, sem obrigação, com maturidade. O compro-
pianista Francisco Bento Júnior. Em 20 de novembro, o corpo de baile do projeto se apresentará no Teatro Brigadeiro, em São Paulo, durante a 2ª Gala D’Élégance, produzida pela terapeuta ocupacional e bailarina Karen Ribeiro, pioneira de balé para adultos, e que reunirá grupos de todo o país.
Ballerinando
28/10, às 21h, no teatro da Escola Parque 308/309 Sul. Ingressos: R$ 60 e R$ 30 (para estudantes e doadores de materiais de limpeza para a Escola Parque). Mais informações: 98299.3402 e www.bailarinasporquenao.com.
2ª Gala D’Élégance
20/11, às 18h, no Teatro Brigadeiro, em São Paulo (Avenida Brigadeiro Luís Antônio, 884, Bela Vista). Fotos: Divulgação
metimento é maior”, garante a professora Adriana Pallowa. Fundamental para essas alunas é o preparo em aulas específicas de condicionamento físico, ministradas por Camilla Cavalcante. “O balé tem ápices: equilíbrio no giro, forças diferentes, picos de agilidade e lentidão”, explica. Aos poucos, elas vão sentindo melhor a respiração, ganhando elasticidade e consciência corporal. Algumas irão ao palco pela primeira vez. O nome do espetáculo é uma brincadeira com a figura da bailarina. “Um verbo inventado para dizer que a dança é acessível a todos”, explica Cláudia Bengtson. Trechos de La bayadere, Serenade, Quebra nozes, A bela adormecida e outros clássicos estarão no Ballerinando, que terá a participação de cerca de 30 bailarinas, entre as mais experientes (corpo de baile) e iniciantes, além das professoras e convidados especiais. O projeto Bailarinas por que não? foi fundado em 8 de agosto de 2015, com ensaios para apresentações gratuitas em escolas, hospitais e espaços púbicos. Uma vez por mês, aos sábados, todas as alunas participam de aulas ao som do
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Lúcia Leão
BRASILIENSEDECORAÇÃO
Uma vida em muitos atos POR VICENTE SÁ
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ator está sentado à mesa encostada na janela. O apartamento tem bom espaço e é arejado. Nas paredes, fotos de sua filha Luciana em tempos diversos. A entrevista começa e Gê Martú fala de sua cidade e de sua infância. Sua voz é agradável e um pouco metálica. Encanta. Pelo canto dos olhos percebo um menino, em pé, na outra extremidade da sala, a me fazer sinais. Levanto-me e vou até o menino. Ele está vestido como Gê se descreveu: sapatos pretos, calças curtas com suspensórios e camisa amarela. Tem o rosto pintado à moda dos palhaços italianos e um chapéu cônico na cabeça. De mãos dadas, caminhamos e percebo que já não estamos mais em um apartamento, mas sim numa pequena cidade – Paty do Alferes, onde ele nasceu. Vejo a casa de sua tia e, ao fundo, a dele. Ao lado, um grande terreno baldio, onde os circos e os parques de diversões se insta-
lam. Mas agora não há nenhum. Vamos até uma casa onde há uma festa de aniversário de criança. O pequeno Gê entra e eu fico da janela observando. Ele canta uma cançoneta italiana e faz alguns passos de dança. As crianças aplaudem, alegres, e eu percebo que esse espetáculo já aconteceu outras vezes. Sinto ao meu lado, na janela, a presença da mãe, dona Olívia: “Ele é muito talentoso. Por isso, eu tenho medo de que o pessoal do circo o leve com eles e só deixo ele se apresentar quando eu vou assistir. Mas quando tem parque de diversões eu deixo que ele se apresente, que cante, porque posso ouvi-lo lá de casa enquanto trabalho, por causa dos alto-falantes. Ele sempre ganha o prêmio, que também sempre é brincar em todos os brinquedos. Essa pintura do rosto, somos nós que fazemos, eu e a vó, que ele também chama de mãe e também é,” diz dona Olívia, entre encabulada e orgulhosa. Sinto um toque na mão e vejo que é o pequeno Gê a me puxar novamente.
Deixamos para trás a cidade e já estamos no Rio de Janeiro, em Nilópolis, no Cacique de Ramos, e eu o vejo se apresentar aos oito anos nos concursos promovidos pela agremiação e conversar, com olhos encantados, com a cantora Elizete Cardoso. Três anos depois, já maiorzinho, eu o vejo aprendendo dança de salão com as bailarinas do Circo Garcia, que, duas vezes ao ano, se instalava no bairro. Novamente sou puxado pela mão e agora o vejo, aos 12 anos, entrar numa igreja em São João do Meriti. É lá que ele começa sua carreira de teatro com a peça sacra O mártir do calvário. Nela, o jovem ator faz diversos papéis, ainda com o nome de Geraldo Martuchelli. Por cinco anos ele reapresenta a peça todas as semanas santas e vai, cada vez mais, sentindo crescer sua ligação com o teatro. Agora estou em frente ao Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Corre o ano de 1952, e vejo os cartazes de estreia de O conselheiro, uma adaptação de Os sertões, de Euclides da Cunha, e lá está o nome
Diniz e Francisco Rocha. Mas o homem continua o mesmo. Quanto mais vivência, quanto mais trabalhos em cinema e televisão, quanto maior reconhecimento, mais ele continua simples e ator para todo papel e toda peça. Mesmo depois de mais de 80 peças de teatro, 50 filmes, dezenas de prêmios, ele continua sendo o mesmo jovem que limpava o teatro e trabalhava de contrarregra sem se diminuir. Por fim, estou parado no CCBB e o vejo voltando ao teatro depois de graves problemas de saúde. Sua segurança não é a mesma. Vejo que ele teme subir no palco. Dois jovens teatrólogos o ajudam, Sérgio Maggio e Jones Schneider, e ele encena uma homenagem a um dos grandes mitos do teatro brasileiro: Procópio Ferreira. Ao findar a peça, enquanto ele vai fazer o último gesto de homenagem ao ator de Deus lhe pague, uma voz da coxia o chama: “Vem, Gê Martú, vem fazer o coelhinho Juju em Brasília”. É aí que ele percebe que não estava homenageando
apenas Procópio, mas também contando a história de sua vida na peça. As lágrimas caem junto com o pano e o público emocionado também chora. De repente, um jovem de branco entra em cena para colher seu sangue. Assusto-me com a intromissão inesperada e vejo que estou de volta ao seu apartamento e o jovem enfermeiro que o atende durante o dia está verificando sua taxa de glicose no sangue. Gê me olha, sorri e fala: “Mas não pense que eu estou entregue aos problemas de saúde não, porque não estou. Duas noites por semana ensaiamos aqui mesmo no meu apartamento uma peça onde dirijo Humberto Pedrancini e Nielson Menão. E olhe que, embora o espaço seja pequeno, eles dizem que enquanto estão aqui comigo se sentem viajar para longe, para outros teatros. Você acredita numa coisa assim?” Sorrio, enquanto vejo o vulto do pequeno palhaço rindo à minha direita, e confirmo que acredito sim. Afinal, estou diante do grande Gê Martú. Edu Barroso
de Geraldo Martuchelli. Daí em diante o acompanho, sempre guiado pela mão do pequeno clown, em uma vida dividida entre o trabalho burocrático no Ministério da Educação e o teatro à noite. Ensaios, conversas na madrugada, bondes e lotações. Aquele incansável ator franzino que nunca conseguia papéis de personagens jovens por causa da calvície precoce. E a peruca? Naquele tempo, só quem podia usar peruca no teatro era o Rubens de Falco, corria à boca pequena nos bastidores dos teatros do Rio de Janeiro. E, ano após ano, eu fico observandoo nos ensaios, nas montagens, fazendo de tudo e apaixonado mais que todos pelo teatro. Qualquer papel, por menor que fosse, era bom, valia. Quando fez o coelhinho Juju, na encenação infantil Príncipe Valente, o herói da floresta, de Orlando Miranda, seu personagem quase não tinha fala e ficava lá no canto esquecido das crianças. Ele se resolveu observando os coelhos que seu cunhado criava e aprendendo seus trejeitos, como os pulinhos e a mexida de nariz. Assim, com uma pequena ajuda do iluminador, que jogava uma discreta luz em seu canto, o coelhinho Juju, munido de uma cenoura de feltro e suas caretas, conquistou o carinho das crianças que o assistiam e passou a ser um dos destaques da peça. E foi com essa peça que sua trupe veio pela primeira vez a Brasília, em 1966, na inauguração da Sala Martins Pena do Teatro Nacional. Por questões técnicas, tiveram que apresentá-la no teatro da TV Brasília e ele ainda trabalhou como contrarregra no musical Primeiro tempo 5 x 0, de Peri Ribeiro e Leny Andrade, que também veio para a inauguração. Gostou da cidade. Cinco anos depois, voltaria para ficar, pois havia deixado aqui uma esposa e uma filha. O palhacinho continua a me puxar pela mão e a mostrar cenas de peças, ensaios em apartamentos, nos tempos em que fazer teatro em Brasília era um sacerdócio. São dezenas de montagens, prêmios, amizades. O palhacinho para comigo em frente a uma oficina, e vejo que lá dentro funciona um teatro. É o Teatro Oficina do Perdiz. O ano, 1992. Vejo-o então esbanjando talento como Giovanni Barachetta em Bella ciao e ganhando o prêmio de melhor ator numa montagem inesquecível dirigida por Mangueira
Contracenando com Juliana Zancanaro em Elizabeth tudo pode, em 2013.
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LUZCÂMERAAÇÃO
O gigante
afetuoso
Em cartaz no Cine Brasília a partir do dia 27, Desajustados, aplaudido nos festivais de Sundance, Berlim e Tribeca, reafirma a onda de curiosidade em relação ao cinema da Islândia. POR SÉRGIO MORICONI
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á pouco o mesmo Cine Brasília exibiu o também islandês A ovelha negra, de Grímur Hákonarson, uma comédia amarga – ou seria um drama com um insólito humor negro? – que trazia toda a estranheza de uma cinematografia inteiramente fora do radar mundial até poucos anos atrás. Desajustados, o filme de Dagur Kári, autor do também premiado Nói, o albino, tem uma veia cômica muito mais acentuada. É uma obra terna, sensível, quase sentimental, sobre um “ameaçador” homenzarrão de mais de 130 quilos, mas de bom coração,
e que sofre de um infantilismo crônico. Em países de língua hispânica, a obra de Kári recebeu o título de Fúsi (nome da personagem) com o acréscimo em parêntesis de Corazón gigante, induzindo assim os espectadores a perceberem Fúsi de uma forma unívoca e restrita. A Islândia passou a ser percebida pelos outros habitantes do planeta a partir do surgimento meteórico da cantora e compositora Björk, nos anos 90. Depois dela, muitos outros artistas do país ganharam a atenção dos meios de comunicação, entre eles a banda Sigur Rós. A placidez imóvel, insular, a melancolia agreste e fria são características muito
marcantes da cultura dessa ilha nórdica situada no estremo norte da Europa. Elas estão muito presentes em Desajustados, seja pela rarefeita presença humana, seja pela hostilidade da paisagem natural. Aos olhos dos brasileiros, os islandeses são exóticos, assim como nós o somos para eles. Então imaginem a surpresa quando Björk pediu ao nosso Eumir Deodato os arranjos para três de seus discos (Post, Telegram e Homogenic). Excêntrica, inclassificável, criatura extraterrestre deslocada dos parâmetros musicais convencionais e mesmo de moda existentes, Bjök deve ter sentido uma alma gêmea ao ouvir o herético arranjo de
em A ovelha negra, ambos citados anteriormente, Desajustados não se passa num ambiente rural e nem apresenta o tipo de psicopatologia das personagens desses dois filmes. O contexto é urbano. A ação se passa numa Reikjavik invernal, entre interiores e exteriores glaciais. O infantilismo de Fúsi – a dificuldade em se desapegar de seus brinquedinhos – aparece, entre várias outras coisas, como uma conseqüência da solidão (do isolamento geográfico da Islândia, de sua natureza hostil), produzindo o ensimesmamento patológico dele. O afastamento de Fúsi da realidade está excepcionalmente sublinhado em inúmeras cenas. Uma delas o mostra dirigindo o veículo de carga do aeroporto da capital. A câmara está no interior do veículo, de forma que a paisagem (o que está do lado de fora) só se pode ver deformada através dos vidros embaçados. Fúsi faz seu trabalho vestindo fones de ouvido, como aqueles utilizados pelas estrelas futebolísticas em seus trajetos até o campo de jogo ou de treinamento. São autistas alheios ao mundo exterior e eles podem estar na ensolarada Espanha, no Brasil ou nas frígidas nações nórdicas. Simbolicamente, o aeroporto não deixa de ter um caráter emblemático na trama do filme. Os aeroportos, sem querer fazer aqui uma análise canhestra, são, também, “portas de saída”, de fuga. Quase todos os filmes islandeses recentes – incluo aqui também O bom coração, do mesmo Dagur Kári, filme imediata-
mente anterior a Desajustados – colocam o dedo nas duas principais mazelas do país, o alcoolismo e a desagregação familiar. Os fatores que mais contribuem para isso são a desolação da paisagem exterior e a presença de espaços interiores opressivos. No caso do nosso filme, Desajustados, devemos igualmente levar em consideração o fator da infantilização e egoísmo dos indivíduos adultos que circulam em torno de Fúsi – os companheiros de trabalho, cujas conversas não ultrapassam a vulgaridade dos temas de sexo, mulheres e emulação competitiva de macho. Mesmo sua mãe, controladora, imatura na forma um tanto quanto adolescente como assume, já na meia idade, um novo namorado. A redenção de Fúsi vai estar na personagem feminina de Sjöfn, nos novos companheiros de trabalho ou talvez no seu desejo de conhecer o Egito, lugar tão distinto da Islândia como o preto está para o branco e o céu para a terra. No fim das contas, com o perdão dos antropólogos, Desajustados quer nos dizer que algumas de nossas identidades podem se tornar alguns dos nossos piores inimigos e que a contaminação das culturas seria capaz de tornar indistintos, e próximos, o preto do branco e o céu da terra. Desajustados
Islândia/Dinamarca/2016, drama, 93min. Roteiro e direção: Dagur Kari. Com Gunnar Jónsson, Ilmur Kristjánsdóttir e Margrét Helga. Em cartaz a partir de 27/10 no Cine Brasília.
Fotos: Divulgação
Deodato para Assim falou Zaratustra, poema sinfônico de Richard Strauss. Strauss com um forrozinho entremeado, uma blasfêmia para os críticos, um estrondoso sucesso de vendas. Dá para explicar? Faço essa digressão pensando no sentimento estrangeiro, adventício, quando nos deparamos com culturas muito diferentes da nossa. O que isso tem a ver com o filme de Dagur Kári? Tem a ver com quase tudo daquilo que está nas margens do enredo principal (enquadramentos, objetos, pequenas atitudes) e assume um papel muito preponderante quando compreendemos toda a abrangência e universalidade do conflito de Fúsi. Os pequenos detalhes de Desajustados nos ajudam a ver o que há de universal no excêntrico e vice-versa. Não é preciso mencionar de novo Deodato x Björk, apenas lembrarmos que o diferente faz muito mais parte de nós do que imaginam as nossas vãs filosofias. Sentimento universal, a solidão joga um papel central em Desajustados, da mesma maneira que a candura casta de Fúsi o faz de maneira marginal. É curioso ver o título do filme em países de língua anglo-saxônica: Virgin mountain, aludindo à castidade, assim como ao incomum e desmedido tamanho do herói do filme. Sim, Fúsi é virgem e nunca deixou a casa da mãe. Há um enorme brilhantismo do diretor ao descrever a psicologia pueril e solitária de Fúsi. Os dois elementos estão imbricados um no outro. Ao contrário do que vimos em Nói, o albino e também
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CRÔNICADACONCEIÇÃO
Crônica da
Conceição
Floresta de humanidades
A
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se contar das primeiras barracas de lona fincadas num clarão de terra vermelha, Brasília completa 60 anos neste fim de 2016. A cidade mais antiga do Brasil, Olinda, tem 479 anos. As mais antigas do mundo, Jericó e Damasco, 11 mil anos. Jericó foi povoada e despovoada muitas vezes nesse período. Aleppo tem mais 6 mil anos – ou teve, dada a guerra civil que já destruiu boa parte da cidade síria. Em tempos extremos, como esses que nos coube viver (aqui e alhures), festejar o nascedouro de uma cidade renova as forças para o bom combate. A menos que se queira saltar do barco e sair em busca de um novo Eldorado, no meio do mato, na escarpa de uma montanha, à beira da praia, a menos que se decida renunciar às cidades, não há saída senão nelas, com elas e por elas. Durante muito tempo, as cidades foram muito malvistas. Nas selvas de pedra vicejariam o caos, a brutalidade, a solidão e a indiferença (“Estou sozinho no quarto, estou sozinho na
América”, lamentaria Drummond). Mas foi na busca por um espaço de possibilidade urbana e humana que surgiu a utopia. Ela é nativa das cidades. Que seja uma quimera, mas cumpre o papel fundamental de apontar para o horizonte – lá pode ser melhor. A ocupação e humanização das cidades tem sido um dos movimentos mais significativos destes tempos. São muitas as experiências positivas em grandes metrópoles mundo afora. Transformar a selva de pedra numa floresta de humanidades. E neste sentido, Brasília é exemplar. Brasília festeja neste 2016 o aniversário germinal, a marca do nascedouro, como se conta o tempo de vida de um ser humano, como se conta o tempo de existência de uma cidade, a partir de uma data arbitrária, legal ou afetiva, mas que representa o começo da ocupação urbana. A Cidade Livre, a Vila Operária e a Vila Paranoá já existiam no fim de 1956. Então, Brasília está fazendo 60 anos. Pois foi a partir de setembro de
1956 que Juscelino começou a dizer ao país que iria mesmo cometer a loucura de construir uma capital nas profundezas do território. Foi em setembro que ele parou o carro na Casa das Canoas, no Rio, e convidou Oscar Niemeyer para projetar a nova capital. (Como se sabe, o arquiteto não aceitou o convite. Sugeriu um concurso). Por que recusou a responsabilidade de projetar a capital de seu país? É uma pergunta que ele nunca respondeu. Sabe-se que se empenhou, como pode, para que o projeto de Lucio Costa fosse aprovado. É certo, porém, que o júri ficou encantado com a cidade deitada em papel-manteiga e com o memorial descritivo. Nos últimos três meses de 1956, começou-se a ouvir um sopro, a princípio suave, quase imperceptível, que foi tomando potência num crescendo de delirante ousadia até que 60 mil homens tiraram a cidade do papel-manteiga e a deitaram no chão de cerrado. É um feito épico, que servirá de inspiração para os poetas de muito depois daquele tempo.
Uma cidade cheia de monumentos só podia ter muitos talentos monumentais.
5 shows imperdíveis por noite 20 grandes talentos do df feira de troca de instrumentos EXPOSIÇão e oficinas
27 a 30 de outubro de 2016
Teatro Sesc Garagem - Sesc 913 Sul
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