Roteiro 264

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Ano XVI • nº 264 Junho de 2017

R$ 5,90

Dois de ouro João Bosco e Hamilton de Holanda fazem luxuosa parceria em temporada de quatro shows na cidade


CENTRO DE ATENDIMENTO INTEGRADO 18 DE MAIO 307/308 ASA SUL

Vítimas de violência sexual necessitam de um atendimento especializado e humanizado, ainda mais quando são crianças e adolescentes. Pensando nisso, o Governo de Brasília criou, em novembro de 2016, o Centro de Atendimento Integrado 18 de Maio. Um modelo de acolhimento inovador, que reúne em um só lugar atenção e proteção à vítima, apoio psicossocial à família e responsabilização do agressor. Em menos de seis meses de funcionamento, o Centro 18 de Maio recebeu o importante Prêmio Neide Castanha, que reconhece as melhores práticas na defesa dos direitos humanos de crianças e adolescentes. Essa, no entanto, precisa ser uma luta diária de todos. Denuncie os agressores. Encaminhe as vítimas para o Centro 18 de Maio. O Governo de Brasília vai seguir implementando serviços, políticas e ações para fazer da nossa cidade a Capital Criança.

criancacandanga.df.gov.br

Psicologa

Policia civil

Assistente Social


Lúcia Leão

EMPOUCASPALAVRAS Coloca-se, num palco, uma porção de sonoridade extraída dos 40 anos de carreira do cantor, compositor e violonista João Bosco. Acrescentam-se, então, pitadas do virtuosismo e da capacidade de inovação instrumental de Hamilton de Holanda. Adiciona-se, por fim, uma dose generosa do ritmo mais brasileiro de todos. Está pronta a receita de sucesso do show Eu vou pro samba, disponível apenas para quem não abre mão de qualidade quando o assunto é música e marque presença no teatro da Caixa Cultural em algum dia entre 29 de junho e 2 de julho (página 20). Convém também chegar pelo menos uma hora mais cedo para visitar, no mesmo local, duas exposições que mergulham no universo iconográfico e simbólico de diferentes povos primitivos que habitam – ou habitaram – cantos extremos do planeta. Duas salas no andar térreo da Caixa Cultural abrigam uma exposição de arte aborígene contemporânea da Austrália. Na sobreloja, encontram-se o multifacetário artista modernista Flávio de Carvalho, o “arqueólogo malcomportado”, e os registros de expedições que realizou na primeira metade do Século 20 a territórios indígenas no Brasil e no Peru, neste último incluindo a então recém-descoberta cidade sagrada de Machu Picchu (página 28). Quem acha que teatro e religião não têm nada a ver precisa rever seus conceitos e assistir ao espetáculo Estudo para missa para Clarice, em cartaz no teatro do CCBB até 25 de junho. Ao reunir textos de Clarice Lispector sobre sua visão de Deus, o diretor Eduardo Wotzik percebeu ter em mãos um material tão único que renderia uma missa. No palco estão um arauto, o próprio Wotzik, e duas beatas claricianas, vividas pelas atrizes Cristina Rodolph e Natally do Ó (página 23). Da Índia e das Minas Gerais vêm as duas indicações gastronômicas desta edição. A primeira, batizada de Indian House, pertence ao jovem indiano Deepak Raykwar, que, como muitos outros estrangeiros, chegou a Brasília atraído pela paixão a uma jovem brasiliense que conheceu nos Estados Unidos. A segunda atende pelo nome de Casero – assim mesmo, sem o "i", para brincar com o jeito mineiro de comer vogais – e é comandada pelo chef Rubinho, que inaugurou seu primeiro restaurante há 12 anos, em Águas Claras (a partir da página 4). Na contramão da crise, mais de 80 expositores marcam presença na Feira do Livro, que volta com tudo para o Pátio Brasil e traz muita gente boa da literatura para conversar com seu público leitor (página 30). Boa leitura e até julho! Maria Teresa Fernandes Editora

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brasiliensedecoração

Um dos nossos grandes mestres da viola caipira, Roberto Corrêa vai comemorar 40 anos de estrada com uma programação de shows por todo o país.

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ROTEIRO BRASÍLIA é uma publicação da Editora Roteiro Ltda. | Endereço SHIN QI 14, Conjunto 2, Casa 7, Lago Norte – Brasília-DF – CEP 71.530-020 Endereço eletrônico revistaroteirobrasilia@gmail.com | Tel: 3203.3025 | Diretor Executivo Adriano Lopes de Oliveira | Editora Maria Teresa Fernandes Diagramação Carlos Roberto Ferreira | Capa Carlos Roberto Ferreira, sobre foto de Marcos Portinari | Colaboradores Alessandra Braz, Akemi Nitahara, Alexandre Marino, Alexandre Franco, Ana Vilela, Cláudio Ferreira, Conceição Freitas, Elaina Daher, Heitor Menezes, Laís di Giorno, Lúcia Leão, Luiz Recena, Mariza de MacedoSoares, Pedro Brandt, Ronaldo Morado, Sérgio Moriconi, Silvestre Gorgulho, Súsan Faria, Teresa Mello, Vicente Sá, Victor Cruzeiro, Vilany Kehrle | Fotografia Rodrigo Ribeiro Para anunciar 99988.5360 | Impressão Editora Gráfica Ipiranga Tiragem: 20.000 exemplares.

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ÁGUANABOCA

Aromas e sabores

exóticos

POR VILANY KEHRLE FOTOS RODRIGO RIBEIRO

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omida tradicional indiana autêntica”. É como se apresenta a mais nova casa de culinária hindu da cidade. Instalada em um pedacinho aprazível da 109 Norte, bem junto à área verde que separa a quadra do Eixinho oeste, a Indian House abriu suas portas no início de fevereiro. O proprietário, Deepak Raykwar (ao lado), é um jovem de 28 anos que nunca imaginou que um dia pudesse conhecer o Brasil – muito menos morar aqui. Tudo começou quando Deepak conheceu Leela, uma brasiliense de nome sânscrito, em Madison, Estados Unidos, onde estudava cinema. Em setembro de 2013 ele chegou a Brasília e, a princípio, tentou trabalhar com audiovisual, mas não conseguiu. Daí, resolveu tomar outro rumo e em outubro de 2014 montou a Sanskriti (103 Norte), loja que comerciali-

za roupas confeccionadas com tecidos indianos estampados à mão. Depois de dois anos ouvindo alguns clientes comentarem que adoravam a comida típica do seu país, o jovem de Nova Déli resolveu trilhar o

caminho da gastronomia. Foi aí que surgiu o Indian House. Ele diz que sabe cozinhar, mas nunca frequentou escola de culinária. Isso não foi empecilho para montar o negócio, já que Deepak conta com os serviços de Ankit Rawat, chef de cozinha de larga experiência que veio da Índia no ano passado para ajudá-lo. Com uma decoração em madeira rústica, umas poucas mandalas nas paredes, abajures de tecidos coloridos e outros de metal escuro, entre outros toques hindus, a casa – um misto de bar e restaurante – tem capacidade para 50 pessoas. A música, muitas vezes intimista e melancólica, completa o clima de um certo exotismo, mas o Indian House possui um ambiente bem descolado, jovial. Como em qualquer restaurante de comida asiática, os cheiros fortes de especiarias e sabores picantes são o ponto alto. O curry, o tempero da cozinha indiana mais adorado pelos ocidentais, é encontrado em suas versões leve, cremosa e apimenta-


da, mas quem domina o menu é a masala (mistura de vários condimentos, de sabor e aroma intensos), tempero que está presente em quase todas as comidas da Índia, inclusive em doces. São 12 os pratos principais, entre eles o chicken tikka masala (R$ 40), cubos de frango assados no tandoor (espécie de panela) misturados em molho de tomate, cebola e especiarias; o mutton rogan juice (R$ 45), cordeiro ao molho de cebola e especiarias; e o mutton biryani (R$ 48), arroz basmati cozido com frango e especiarias, acompanhado de iogurte. Os vegetarianos têm a seu dispor dez opções de comidas (vale lembrar que a Índia é um país com uma das maiores taxas de vegetarianismo do mundo). Um deles é o mix veggie curry (R$ 32), uma mistura de cenoura, couve-flor e ervilha cozidas, temperadas com especiarias. Outro é o paneer lababdar (R$ 35), cubos de queijo ao molho de castanha de caju, pimentões e tomate. O veggie samosa (R$ 10, duas unidades), pastéis fritos recheados com batata e ervilha ao molho de hortelã, e o chicken samosa (R$ 13, duas unidades), que acrescenta frango no recheio, são duas delícias que os clientes têm como opções de entrada. Ambas com especiarias levemente picantes. A gulab jamun (R$ 8), a mais popular sobremesa indiana (bolinhas airadas à base de leite e semolina mergulhadas em calda de rosa), é um dos doces do cardápio,

junto com a gajar halwa (R$ 7), preparada com cenoura cozida ao leite e açúcar, e a kheer (R$ 7), com arroz ao leite, açúcar e castanha de caju. Além das bebidas comuns, como refrigerantes, cervejas, whisky e vinho, a Indian House oferece o sharbat (R$ 8), uma mistura de água de rosas, limão e açúcar; a lassi (R$ 8), com iogurte, água, açúcar ou sal, e o mango iassi (R$ 8), com iogurte, manga e açúcar. O pão chapati e o arroz acompanham quase todos os pratos e podem ser servi-

dos à vontade, sem acrescentar nenhum custo adicional para o cliente. Deepak diz que a regra é “comer à vontade” e conta, todo satisfeito, que, apesar do pouco tempo de funcionamento, a casa “está bombando”, pois as mesas estão sempre cheias, alguns aniversários já foram celebrados lá e o pessoal do mundo diplomático já descobriu a novidade. Indian House

109 Norte, Bloco A (98173.7181). De 3ª a 6ª, das 12 às 17h e das 18 às 24h; sábados e domingos, das 12 às 17h e das 18h à 1h.

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ÁGUANABOCA

Mineirice requintada POR TERESA MELLO

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hef Rubinho é um mineiro autêntico, daqueles que apreciam uma cachaça no Mercado Municipal de Belo Horizonte, daqueles que foram morar nos Estados Unidos durante o êxodo de conterrâneos na década de 1980, daqueles que constroem uma trajetória sem alarde. Para se ter uma ideia, ele inaugurou seu primeiro restaurante em Águas Claras em 2005. Doze anos depois, os clientes de três dos quatro empreendimentos consomem meia tonelada de filé mignon por semana. Haja carne. Tudo por conta do sucesso do filé à parmegiana, carro-chefe do Restaurante e Pizzaria do Rubinho, do delivery Tele-Itália e do Rubinho Express, aberto no Venâncio Shopping. Agora, o empresário de 54 anos trabalha para implementar o delivery na 303 Norte, enquanto costura detalhes do projeto de franquias. “Estamos na fase final”, comemora. Mas o famoso parmegiana ficou fora do cardápio do Casero, restaurante e bistrô à moda do chef: quase escondido para quem passa na Rua 25 Sul, em Águas Cla-

ras, pois fica dentro do Condomínio Park Stylle, área residencial e comercial nova e arejada, com fonte numa pracinha. “A proposta lá é ser diferente e não competir com as outras casas”, explica. “No almoço temos um cardápio mais regional e à noite um jantar mais requintado, com a nossa carta de vinhos.” Com 20 funcionários e capacidade para 104 pessoas, o Casero funciona diariamente e já tem pratos de sucesso: “Os

mais pedidos são a carne de porco na lata e a galinha caipira, mas a feijoada na sexta e no sábado também pegou pra valer”, comenta Rubinho. À frente da cozinha, o maranhense Francisco Rodrigues, ex-chef do Mercado 153, informa que a lata, na verdade, é um vidro: “O pernil inteiro fica no tempero por 24 horas, é confitado em fogo baixo na própria gordura animal e colocado em vidros de dois quilos que ficam 15 minutos


Fotos: Divulgação

na água quente”. O resultado agrada em cheio. A carne suína desmancha de tão macia. Segundo ele, são consumidos cerca de 50 quilos do produto por semana, em pratos individuais (R$ 29,90) e para duas pessoas (R$ 54,90). No almoço executivo diário, sai a R$ 23,90 e R$ 44,90 (de segunda a quinta-feira). Já a galinha caipira serve bem duas pessoas por R$ 69,90. O gerente mineiro Denilson Francisco Amaral, de 32 anos, chama a atenção também para os risotos. Pode-se escolher entre filé mignon, frutos do mar, salmão, parmesão e ossobuco, também com preços especiais no almoço de segunda a quinta (R$ 33,90). “Nosso cardápio ainda oferece bife de Angus australiano, bacalhau, mix de carnes”, acrescenta. Como entrada, há linguiça de pernil com ou sem pimenta, burrata com tomate cereja, picanha a palito (440g) com fritas ou mandioca. No segundo andar da casa, a atmosfera é outra: o teto preto sobre as paredes cor-de-vinho emolduram a adega de 250 rótulos, com origem na França, na Espanha, em Portugal, na África do Sul, na Nova Zelândia, na Argentina. Entre os italianos, destaque para o branco Ciao Bella Pinot Grigio (R$ 79) e o tinto Brunelli Amarone Valpolicella (R$ 479,90). O restaurante criou o Clube do Vinho, no qual os sócios têm 20% de desconto no produto. A bebida também é vendida na taça (R$ 14,99) e em meia garrafa. É agradável frequentar o Casero tanto sozinho quanto com a família e os amigos. As mesas de madeira que se prolongam pela área externa ganharam tampo de azulejo hidráulico e vieram da terrinha: “Elas são de Lagoa da Prata”, conta Ruben Costa, nascido em Ouro Branco. E por que Casero, uai? “É da forma que nós, mineiros, falamos.”

Casero Restaurante & Bistrô

Rua 25 Sul, Condomínio Park Ville, Águas Claras (3578-3939). De domingo a 3ª feira, das 11h30 às 15h; 4ª e 5ª, das 11h30 às 15h e das 18h às 23h; 6ª e sábado, das 11h30 às 15h30 e das 18 às 24h.

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PICADINHO Presença recorde

Que a maioria das pessoas gosta de frequentar restaurantes, ninguém duvida. Imagina, então, ainda ganhar um dinheirinho extra com isso, bastando indicar aos amigos suas casas preferidas. Isso mesmo. Um novo aplicativo desenvolvido em Brasília, o Magpi, premia os frequentadores de restaurantes pela propaganda que, na maioria das vezes, eles já fazem gratuitamente. Ao clicar no aplicativo, disponível para download na versão beta, o usuário acessará uma lista de restaurantes e o que cada um oferece – pode ser, por exemplo, R$ 2 por visita, R$ 3 por indicação e 10% da conta para consumo. A rede Pizza Hut, o Bartolomeu e o Tejo são alguns dos restaurantes que já aderiram a esse novo canal de relacionamento com os clientes.

Nada menos que 24 vinícolas do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Goiás confirmaram sua presença no Brinda Brasil – Salão do Espumante Brasileiro, que ocupará três ambientes do Brasília Palace Hotel, além da varanda e dos jardins, dias 28 e 29 de junho. Segundo os organizadores, Rodrigo Leitão, Cris Cavalli e Emília Carvalho, as vinícolas apostam na recuperação do mercado, com safra recorde este ano. Cerca de 100 rótulos serão degustados nesta sétima edição do evento, que terá um espaço gourmet com estandes do Oliver, Baco, Ilê, Bolos do Bê, Delicate Saladas e Conservas, Antonello Monardo, Cantinho do Azeite, A Mineira (Doce Gourmet), Doux Brigaderia, Confiserie, Vanilla Cookieria e Cia, Que Maçã é Essa, Aurum Boutique de Pudim, além do restaurante Oscar, do próprio Brasília Palace.

Substituição

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No Pontão do Lago Sul, sai o Devassa, entra o Fausto & Manoel, um dos mais frequentados botecões da cidade, presente também no Sudoeste, Asa Norte e Asa Sul. O sistema de atendimento é o mesmo das demais unidades, misturando o bufê com pratos clássicos da culinária brasileira, petiscos, drinques e chope gelado. Mas o visual mudou bastante, tornando-se mais sofisticado. Com 480 lugares, o barzão tem projeto de decoração assinado pela Quality Solution Arquitetura,

Colombina, Corina, Criolina, Máfia Beer, Cerrado Beer, Seresta, Uma, Lola, Jinbeer, Providência e Stadt Bier serão algumas das 30 marcas de cervejas artesanais servidas durante o Casinha, primeiro de uma série de eventos que antecedem o Casa Bier 2017, dia 24 de junho, das 17h à meia-noite, no Ilha das Tribos, flutuante às margens do Lago Paranoá. Apenas 400 ingressos serão colocados à venda, ao preço de R$ 150 (meia, para estudantes e doadores de 1kg de alimento ou agasalho), com direito a open drink e hamburgada de Gill Guimarães, do Parrilla Burger. Tudo isso ao som de muito hip hop, trap, pop e rap.

Custa R$ 79 e serve de três a quatro pessoas qualquer uma das três versões do piatto famiglia servido aos sábados e domingos na Hostaria dei Sapori (212 Sul, Bloco A, tel. 3346.3234): espaguete com almôndegas, com três opções de molhos (foto), filé à parmegiana, com massa ou arroz, e duo de pastas (espaguete ou talharim com dois sabores de molhos escolhidos pelo cliente, entre carbonara, pesto, amatriciana ou queijos). “Os clientes comem uma quantidade satisfatória gastando um pouco menos”, afirma o chef e proprietário, Giuseppe Modafferi.

Aproveite o dia

O jovem e talentoso chef Lui Veronese, ex-Cru Balcão Criativo, acaba de assumir o comando da cozinha do Sallva Bar & Ristorante (Pontão do Lago Sul, tel. 3522.4352). E começou criando logo uma novidade: café da manhã nos finais de semana. No cardápio, entre outras iguarias, wafles e panquecas com syrup, geleias variadas, manteiga e mel (R$ 18), tostex especial com presunto de parma e muçarela de búfala (R$ 27), tapiocas, ovos, omeletes, bolos, frutas da estação, tigelas de cereais, sucos, vitaminas, cafés e chocolates quentes. Os clientes podem optar pelo menu completo, pagando R$ 45. ​ ​

Divulgação

De chef novo

É o que vai fazer, com certeza, a fiel clientela do Carpe Diem (104 Sul, Bloco D, tel. 3325.5301) no comemoração de seus 26 anos, dia 24, a partir do meio-dia, com muito samba, chope gelado (Brahma ou Stella Artois) e a tradicional feijoada da casa (R$ 49,90). Ao abrir as portas, em 1991, o Carpe Diem inaugurou um conceito inovador na cidade, ao reunir no mesmo local bar, choperia, restaurante, empório de produtos gastronômicos e espaço para lançamento e venda de livros, CDs e revistas. Além de gerar quatro filhotes (no Brasília Shopping, no CasaPark, no Terraço Shopping e no Iate Clube), tornou-se um dos

Weivson Andrade

Substituição (2)

Piatto famiglia

Esquenta Divulgação

Sai o amazônico Jambu, entra o contemporâneo Leo. Muita gente se surpreendeu com a decisão do chef Leandro Nunes de encerrar precocemente as atividades de seu primeiro restaurante e apostar em um novo projeto, no mesmo local (Rua dos Conselheiros, Lote 2, Vila Planalto, tel. 3081.0900), batizando-o com o apelido que recebeu dos amigos. Ele explica: “Quem vier ao Leo terá uma ideia melhor de como eu sou, de como me expresso”. Grafites de Mikael Guedes, o Omik, imprimiram um ar mais jovem e descolado ao ambiente em que Leandro seguirá praticando sua cozinha autoral. Na nova casa, os pratos do cardápio foram pensados para serem compartilhados pelos clientes de uma mesma mesa.

mais animados pontos de encontro da cidade, sob a batuta do chef Fernando La Rocque, coadjuvado pelos filhos Fernanda e Ricardo.

Divulgação

Ótima novidade


HAPPY HOUR

Onda cervejeira

RONALDO MORADO www.ronaldomorado.com.br ronaldomorado.blogspot.com.br @ronaldomorado

“No céu não existe cerveja, portanto vamos bebê-la aqui”. Inscrição no portal do mosteiro trapista Chimay.

A percepção do consumidor brasileiro diante do aumento da oferta de cervejas diferentes do comum é a de que está acontecendo um grande movimento de inovação no mercado. Isso é verdade, mas o fenômeno precisa ser explicado considerando diversos fatores. O primeiro deles é que a base para esse crescimento de oferta é a cultura milenar cervejeira. Apesar de discreta na história brasileira, a cerveja sempre esteve presente nos lares e nas comunidades da maioria das sociedades ocidentais, assim como o leite. Somente no final do Século 19 é que passou a ser considerada uma bebida alcoólica e, portanto, sujeita a restrições por abuso. A multiplicidade de receitas, estilos e variações é proporcional à diversidade na culinária regional. O segundo fator está relacionado às mudanças sociais ocorridas a partir de 1970: crescente sofisticação sensorial (gastronomia, design, conteúdo versus aparência); valorização do artesanal e local; preferência pelo uso de ingredientes naturais; busca por novas experiências etc. Imersos nesse caldeirão cultural, a partir dos anos 1980, os norte-americanos geraram uma onda gigantesca de inovações e provocações que culminaram numa releitura da cultura cervejeira com impactos mundiais. Surgiram por todos os lados os cervejeiros caseiros, a «galera» que se encontra nos fins de semana para produzir sua própria cerveja na cozinha, na garagem ou na varanda de casa. Assim como surgiram as «bandas de garagem» apareceram as confrarias cervejeiras ou grupos de amigos interessados em fazer sua própria cerveja, num misto de festa, curiosidade, diversão e...prazer! O terceiro fator é o crescimento do impulso empreendedor nos últimos dez anos, que provocou o surgimento de milhares de novas e pequenas cervejarias. Os cervejeiros caseiros mais bem sucedidos passaram a encarar a sério a recente «capacitação» e avançaram mais um degrau. É assim que, com investimentos modestos, surgem as «nanocervejarias» e, a seguir, as microcervejarias trilhando um caminho sem volta até, eventualmente, se tornarem grandes cervejarias. Para se ter uma ideia,

em 2001 existiam menos de 15 microcervejarias no Brasil. Esse número cresceu para 34 em 2007, chegou a 300 em 2014 e já está em mais de 1.000 atualmente. Para todos nós, consumidores, o maior ganho é o aumento da oferta de produtos. Não apenas na variedade de fabricantes, mas principalmente na oferta de tipos e estilos de cerveja. Até dez anos atrás, no Brasil, a maioria das pessoas conhecia, no máximo, quatro estilos de cerveja: pilsen, trigo, bock e stout. Considerando que existem 104 estilos diferentes de cerveja, o consumidor já começou a perceber que o velho e bom estilo Pilsen é pouco para representar a riqueza do que existe nesse universo cervejeiro. Ou seja, a era da “ditadura pilsen” está terminando. Aqui no Brasil, o desconhecimento era tal que as cervejas cujos estilos ainda eram desconhecidos – ou seja, todas que não eram pilsen – foram chamadas de “cervejas especiais”. Esse tsunami cervejeiro é considerado fenomenal porque foi originado por consumidores e não por fabricantes. Além disso, não é resultado de uma grande inovação ou descoberta. Tampouco é domínio de uma grande empresa ou instituição que detenha patentes ou qualquer vantagem competitiva. Todos são bem-vindos a produzir sua própria cerveja, no fogão de sua cozinha e, quem sabe, se tornar um novo empreendedor nesse mercado ávido por novidades. O processo de produção da cerveja é de conhecimento público, seus ingredientes estão disponíveis a qualquer pessoa e as receitas dependem apenas da criatividade individual. Acrescente-se a tudo isso a própria essência da cultura cervejeira: o coletivo e a confraternização desde a produção até o consumo. A grande indústria tem reagido. A AmBev, por exemplo, foi às compras e adquiriu várias marcas mundo afora (incluindo o Brasil), aumentando seu portfolio e, portanto, podendo distribuir vários estilos desconhecidos do público em geral. Tornou-se difícil, hoje em dia, não perceber essa transformação no mercado, para alegria e prazer de todos nós.

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GARFADAS&GOLES

Dúvidas existenciais:

LUIZ RECENA

lrecena@hotmail.com

garfos, pratos, goles

Quebrante ou quebranto? A primeira palavra é corruptela da segunda, embora muito usada país afora. Nos interiores, nos grotões do Brasil profundo, o povo utiliza mais a primeira. Nos meios intelectuais, a segunda. E quem trabalha com a cultura popular, a sério e de verdade, opera com as duas vertentes, para jogar mais luz na questão. São sinônimos de mau olhado, com uma advertência: o mal de olho é mais para plantas e animais; capaz de secar uma folhagem, retardar o crescimento do animalzinho. O quebranto é para pessoas e pode ser relacionada a tudo que existe de bom, ao amor, à riqueza, saúde ou uma singela felicidade. Um simples estar bem pode provocar a violência dessa inveja ocular. Viajar duas vezes a Porto Alegre em um mês, então, pode ser um delito imperdoável e provocar a ira de muitos olhos contra você. “O menino olhava a lua e dizia foge, lua, foge, porque chegam os ciganos; e o menino olhava a lua”. Na poesia de Garcia Lorca o menino olhava a lua para protegê-la. No caso que narro não há nada disso: não são ciganos, estão por perto e nem olham para estrelas. Comprar passa de pêssego e charque de ovelha no Mercado Municipal, e depois em churrascaria nova e pequena, destroçar costelas e um cordeiro, com um bom tinto portuga e um sobrinho velho parceiro, enquanto lá fora chovia fino e fazia frio, pode? Não pode, Arnaldo, é demais! E mandou-me Diana, a bela caçadora, sua flecha certeira de gripe, pois Zeus, o malvado, errou a seta da dengue. Ficou na suspeita. Deu negativo, bateu na trave. Sobraram virose e febre. Quatro, cinco dias de 37 a 39 graus. Mas passa e eu volto. Sempre tem volta! PS: ainda em Porto Alegre, uma “big” surpresa: um espumante brut chamado Letitia. Leve, frutado e com perlage duradoura. Para uma noite fria, um acontecimento!

O Setor de Rádio vive

O Setor de Rádio e Televisão Sul, onde nasceram e cresceram muitas emissoras, está passando por um belo esforço de modernização e novas atrações. Os principais responsáveis são o antigo Venâncio 2000, agora rebatizado Venâncio Shopping, e o já veterano Pátio Brasil, que igualmente passou por remodelações e criou novas atrações. O Venâncio trouxe novas e diferentes marcas, principalmente para o setor

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de alimentação rápida, um leque que chega até aos veganos. Vixe! E tem coisa que dá para comer...

A happy manda

Mas é na happy hour que os dois centros crescem. Comece pela adega DOC, local de bons rótulos, bons vinhos e bons papos. Pode-se escolher a garrafa e beber ali mesmo, ou levar para o vizinho, o Merkadão Paulista, um goiano em Brasília, com

belos tira-gostos e boa e farta comida. Também dá para pedir um petisco lá e comer na DOC. Fecha o ciclo o Outback, bem conhecido do público e com competente e simpática loja próximo da adega. No Pátio, o Madero está em ótima fase: atendimento legal e bons preços, além de permitir que você leve seu vinho. Ao lado dele, um sobrevivente Francisco de quase duas décadas, sempre se renovando e mantendo um bom bacalhau.


PÃO&VINHO

Triste fim de um sonho de verão Havia dois anos que eu não comparecia àquela que já foi considerada a maior feira de vinhos da América Latina, a Expovinis. Historicamente, desde que teve início, 21 anos atrás, a Expovinis sempre se demonstrara o grande evento de vinhos destas bandas, no qual produtores encontravam importadores para trazerem seus produtos ao Brasil e consumidores se aproximavam das importadoras e produtores locais para melhor conhecer seus produtos. De alguns anos para cá o evento vinha demonstrando uma certa desaceleração, mas o que presenciei nesta edição da feira que visitei no ultimo dia 6 foi, de fato, o “triste fim de uma noite de verão”. Reduzida em quantidade de expositores e em qualidade de produtos, e já atraindo pouco público, não animou nem quem lá estava expondo nem quem lá foi visitar. Para mim, uma decepção tamanha que nem merece maior nota do que esta. A boa surpresa veio de uma iniciativa que parecia ousada, mas que se provou extremamente acertada. A importadora Grand Cru marcou sua feira de vinhos, a Grand Cru Tasting, para a mesma data da Expovinis. Pensei que seria muito arriscado, pois imaginava que a Expovinis fosse atrair a maioria do público. Ledo engano. Foi na verdade a salvação de uma semana de exposição de vinhos. Lá estive no dia seguinte ao de minha desgostosa visita à Expovinis, e pude, aí sim, aproveitar o que há de melhor em uma boa feira de vinhos: muito bem frequentada, ofereceu ao visitante, em local extremamente agradável, ótimas opções dos mais variados caldos ênicos. Esta, sim, merece destaque e comentários sobre diversos vinhos apresentados, tantos, aliás, que tive de selecionar alguns para comentar. Iniciemos pelas borbulhas: havia nada menos que 15 espumantes, dentre eles três champanhes, dos quais comentarei dois. Primeiro, um nacional, da Cave Geisse. Tradicionalmente um dos melhores produtores de espumantes do Brasil, trouxe, dentre outros, o seu Victória Geisse Vintage Gran Reserva 36 meses, que, pelo preço nada

ALEXANDRE FRANCO pao&vinho@agenciaalo.com.br

módico de R$ 149 é, todavia, um belíssimo espumante. Notas nítidas de maçã e toques florais, com a agradável nuance de panificação advinda dos longos meses em contato com as leveduras. E, para coroar o tema, a maravilhosa Billecart-Salmon Vintage, pelo salgado preço de R$ 549, é, porém, excelente. Vasto de aromas cítricos, florais e tostados, com borbulhas finas, elegantes e persistentes, é repleta de mousse e vai muito bem em voo solo ou gastronômico. Excelente. Dos brancos destaco um português surpreendente, o Van Zellers VZ. Embora com preço também um tanto alto, R$ 349, é tudo que se pode querer de um vinho branco gastronômico. Com bom corpo, dourado palha, aromas de frutas e um tostado pungente e maravilhoso. Na boca é fresco, mas altamente gastronômico. Fantástico branco da terrinha. Sobre os tintos poderia discorrer por várias páginas, mas, não sendo possível, elegi três exemplares: primeiro, um excelente Borgonha, o Bouchard Volnay Clos de Chênes 1er Cru 2011. No mais clássico estilo de um grande Borgonha, traz aromas de couro, amora preta, húmus e toque de baunilha, além de um sedutor apimentado. Sedoso em boca, já está ótimo e ainda vai melhorar muito. O El Ixsir 2011, quase exótico para nós, que não estamos acostumados aos bons vinhos do Líbano, com esse corte de Syrah, Merlot e Cabernet Franc se apresenta com cor escura, vinho denso, quase mastigável, com aromas pungentes de frutas vermelhas em geleia, especiarias doces e algum caramelo amadeirado. Muito gostoso. Por fim, meu predileto da feira, o Soprasasso Amarone 2012. De um profundo púrpura, traz a alma dos Amarones. Encorpado, com muitos taninos e álcool, mas tudo muito bem equilibrado. Aromas herbáceos com baunilha e chocolate. Em boca, pasta de frutas negras, especiarias e muita maciez. Excelente!!! Parabéns à Grand Cru! O melhor tasting do momento.

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DIA&NOITE

festajuninadoIate O forró da cearense Hannah Vanessa, o sertanejo universitário do goiano Lucas Vianna (foto) e o arrasta-pé de Adriana Samartini vão fazer tremer as estruturas do Iate Clube em sua tradicional festa junina que, este ano, vai trazer todo o legado cultural das tradicionais festas sertanejas. Nos dias 22, 23 e 24 de junho, o clube será dividido em três áreas temáticas. Na Fazenda Ipê Cerrado estarão a tradicional fogueira de São João, o lounge temático e o Espaço Kids, com show do Mágico Steiner. Na Fazenda Arrasta-Pé, claro, estará a pista para as apresentações das quadrilhas e para os bailes. Na Fazenda Chitão os jovens terão um lounge temático e o Arraialzinho, com tiro ao alvo, chute a gol e pescaria. Ingresso gratuito para sócios. Não sócios pagam R$ 40 e R$ 20.

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festajuninadocotamil O ponto alto será a apresentação da Formiga da Roça, maior quadrilha junina do DF, e da banda de Forró Balalaica, com a participação da dupla sertaneja João Arthur e Daniel (foto). Nascidos na cidade mineira de Unaí, mas radicados em Brasília há seis anos, vão apresentar sucessos de Luan Santana, Jorge e Mateus, Rick e Rangel. Na programação da festa, que acontece sábado, 17 de junho, vai ter ainda arrasta-pé dos forrozeiros, quitutes juninos, pescaria, pau de sebo, touro mecânico, dança de quadrilha e muito forró. A banda Balalaica, comandada pelo músico Rodrigo Castanheira, vai atacar de forró universitário com toque brasiliense. Ingressos a R$ 15 para sócios e R$ 30 para não sócios. Informações: 3225.4489.

Fernando Elias

carimbóchamegado Uma roda reunindo os ritmos de tradição negra e as cores e os sons da cultura cabocla. Assim pode ser resumido o show Banzeiro, nome também do segundo álbum autoral da musa do carimbó chamegado, Dona Onete, que acontece dia 23, às 22 horas, no Outro Calaf. No alto de seus 77 anos, ela promete quebrar a barreira da moral e do pudor com sua banda, capitaneada pelo músico e pesquisador Pio Lobato. O nome do disco lançado em 2016 e disponível em www.naturamusical.com.br remete à onda forte provocada pelos motores de barcos que navegam pelos rios da Amazônia. Integram sua banda JP Cavalcante (percussão), Vovô (bateria) e Breno Oliveira (contrabaixo). Ingressos a R$ 30, até 22 de junho, e a R$ 40, no dia 23.

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caprichoespanhol

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“A dança é minha vida, me dá prazer, emoções e satisfação”. A autora da frase é a bailarina e coreógrafa Patrícia Weingrill, que comemora os 25 anos de seu grupo de flamenco Capricho Espanhol com dois espetáculos, dias 27 e 28. Os destaques são o compositor e guitarrista Fernando de La Rua e a mestra de flamenco e coreógrafa Yara Castro, ambos radicados em Madri. Na programação estão Márcio Bonefon (canto e baixo), Lucas Trigeiro (canto e guitarra) e Patrízia Veloso (cajón). Várias coreografias foram realizadas sobre composições de Fernando de La Rua, como o Tangos Ibicencos. No Teatro da Escola Parque (307/308 Sul), às 20h30. Ingressos: R$ 80 e R$ 40. Informações: 3244.6648.


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caligrafiadasnuvens

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Assim foi batizado o quarto livro da jornalista e poeta Carla Andrade, a ser lançado dia 27, a partir das 19 horas, no Martinica Café (303 Norte). É o cantor e compositor Leoni quem assina a orelha da publicação: “A natureza, a família, o erotismo, a rotina, o ar seco de Brasília, o amor que falta e o que brota dão o tom do universo poético de Carla Andrade, em Caligrafia das nuvens; tanto a doçura quanto a força inflamável desses temas são costuradas por uma escrita íntima e sincera”. Segundo afirma no prefácio a também poeta Adriane Garcia, Carla Andrade "nos leva a um passeio pela infância, pela roça, pelo amor, pela violência, amparada pela memória que sublinha as imagens guardadas, tesouros que capturou da efemeridade das nuvens; é registro que quer eternizá-las”. A autora mineira vive em Brasília há 17 anos.

É a segunda vez que o festival de cinema dinamarquês Buster chega ao CCBB de Brasília. De 11 a 30 de julho é ele que vai encher de cor e som a agenda de férias de crianças e jovens brasilienses. Uma programação de 36 filmes, distribuídos em 54 sessões, terá curtas e longas-metragens e episódios de séries para a TV recomendados para crianças a partir de 3 anos de idade e para jovens de 16 anos em diante. A segunda edição do Buster no Brasil dará ênfase à produção nórdica (Dinamarca, Suécia, Alemanha) e incluirá títulos brasileiros, alguns fazendo pré-estreia no festival. Segundo informa o curador Nikolai Schulz, entre os títulos estão produções recentes e alguns clássicos que vão conquistar público de todas as idades. Alguns dos destaques da programação são os dois filmes assinados pela dupla de diretores dinamarqueses Michael Wikke e Steen Rasmussen, Hannibal & Jerry, um clássico que completa 20 anos em 2017, e Skymaster. Entre as produções brasileiras está Peixonauta – O filme, lançamento de 2017. Programação em http://culturabancodobrasil.com.br.

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Os 68 textos que publicou no blog A pequena leitora a jornalista e escritora Graças Ramos acaba de reunir no livro Habitar a infância: como ler literatura infantil. Lançado no último dia 6, a publicação convida os leitores a visitarem temas variados, leves ou densos, que tanto podem ser sugestões de leitura para as férias da criançada como uma delicada incursão pelo tabu da morte. Cada artigo é pontuado por livros relacionados ao principal tema abordado, o que acaba se transformando em bela fonte de referência bibliográfica. Publicado pela Tema Editorial, é um guia para os chamados intermediários, aqueles que se colocam entre o livro e a criança. Graça busca envolver os adultos no jogo de imaginação e sentidos proposto nas obras que abordou. Na visão da autora, não se trata de induzir os pais a uma visão utilitarista da leitura, como se interessasse apenas formar futuros profissionais bem-sucedidos. O que ela quer é liberar o imaginário infantil, deixar que as mentes levantem voo graças a textos e imagens irresistíveis. O livro está à venda em www.travessa.com.br por R$ 31,60.

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Vem aí a 12ª Mostra de Cinema de Ouro Preto, a ser realizada entre os dias 21 e 26 de junho, na cidade distante 850 km de Brasília. Cenário barroco da antiga capital de Minas Gerais, Ouro Preto deve atrair mais de 15 mil pessoas e receber 300 cineastas, atores, produtores e pesquisadores nacionais e internacionais. Único evento do circuito de mostras e festivais a enfocar o cinema como patrimônio, a mostra estrutura sua programação em três temáticas: preservação, a história e a educação, com a oferta de uma programação intensa e gratuita, que inclui exibição de filmes em pré-estreias, retrospectivas e mostras temáticas, debates, oficinas, exposição, lançamento de livros, cortejo e shows musicais. Programação completa em www. cineop.com.br.

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escritacomimagens

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DIA&NOITE

“Cada obra que a gente faz em um lugar diferente marca o trabalho. Fora do seu habitat, das influências brasileiras, você interage com as pessoas, o local e a cultura. Quando vou para um lugar desses, eu vendo o Brasil, mas também compro a cultura local”, diz o artista plástico Tarciso Viriato, que até 2 de julho apresenta a mostra Short connections, no Museu da República. São 50 obras inéditas, entre colagens, desenhos e pinturas que traçam um perfil de sua frenética produção dos últimos dez anos, quando passou por Hungria, Polônia, Bélgica e EUA. Conhecido pelas cores vibrantes que utiliza em suas telas, parte agora para a sutileza e certo minimalismo na série de desenhos e colagens sobre papel. Algumas obras produzidas na Hungria irão revelar um lado pouco conhecido do artista, o papel como suporte, em que remonta ao início do mundo em folhas de 60 cm, com 3,5m. “Quando escrevo não uso palavras, uso imagens. E foi isso que apliquei nesses painéis”, ressalta o cearense que mora em Brasília desde 1978. De terça a domingo, das 9 às 18h30. Entrada franca.

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recortesurbanos

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Será a mostra Ordenamentos, de Bruno Moreschi, que marcará a reabertura das novas instalações do Espaço Cultural Marcantonio Vilaça, do TCU, a partir de 29 de junho. Primeira exposição individual do artista fora do Estado de São Paulo, apresenta trabalhos realizados entre 2012 e 2017. De acordo com a curadora, Caroline Carrion, “o recorte curatorial da exposição parte da constatação de um procedimento comum ao processo produtivo do artista, de onde vem o título da exposição”. Entre os trabalhos apresentados está O museu está fechado para obras, de 2014, no qual Moreschi se apropria da pintura Independência ou morte, de Pedro Américo, obra integrante do acervo do Museu Paulista. “As experiências propostas por esse trabalho fazem menção ao fato de o museu estar fechado por vinte anos, período em que ninguém poderá ver a pintura pessoalmente”, explica o artista. Essa obra é uma realização conjunta de Bruno Moreschi com pintores da Praça da República e do Parque Trianon. De comum acordo, os artistas decidiram criar, a partir de imagens encontradas na internet, uma versão da tela original. Já a obra Pintores (foto) é composta por 25 faixas coloridas pintadas por cinco trabalhadores de construção civil. Paranaense de Maringá, Moreschi vive e trabalha em São Paulo. Até 19 de agosto, com visitas de terçafeira a sábado das 9 às 19h. Entrada franca.

Bia Medeiros

namedidadopossível... ...tudo saiu como não deveria. Esse é o nome da mostra que revela o trabalho dos jovens artistas Derik Sorato e Thales Noor a partir de uma provocação: a arquitetura que se fragmenta e rompe os limites de seu significado. São desenhos, recortes e encaves sobre papel nas poéticas dos dois artistas, que podem ser vistos até 1º de julho na Sala Um da Galeria Alfinete (103 Norte). Na Sala Dois está a obra da artista visual Bia Medeiros, que apresenta a exposição Per-fura, permuta, per-verte. Conhecida por sua atuação à frente do Grupo de Pesquisa Corpos Informáticos, que ela coordena desde 1992, Bia Medeiros percorre da gravura à performance, chegando ao desenho íntimo. Às quintas e sextas-feiras, das 14h30 às 18h, e sábados, das 15 às 20h, com entrada franca.

Desenho e colagem sobre papel em técnica mista, usando diversos materiais, representam flashes ou aspectos do cotidiano extraídos da vida urbana das grandes cidades. O trabalho do paulista Mario Tagnini pode ser visto até 19 de julho no Espaço Cultural STJ, de segunda a sexta-feira, das 9 às 19 horas, com entrada franca. Premiado em diversos salões de arte, como o Paulista de Belas Artes, Arte Contemporânea de Curitiba e Arte Contemporânea MAC/BH, o artista possui em seu currículo inúmeras exposições no Brasil e no exterior. De acordo com a curadora, Cláudia Damiani, “a arte que Tagnini nos apresenta nessa exposição prende o olhar através do espaço primordial do papel (aqui usado como suporte e meio de expressão) e a sua interação à geometrização da cor; as angulações matemáticas, aparentemente simples, resultam em forma e cores variadas conjugadas que salientam a relação entre luz e espaço, onde o branco da tela não é fundo, mas destaque”. Informações: 3319.8460.


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normose

Sandra Koche

jogodecenajunino Sai Welder Rodrigues, que alçou voos globais, e entra Rodolfo Cordón, da Cia de Comédia G7. Juntamente com Ricardo Pipo ele vai conduzir o tradicional projeto brasiliense Jogo de Cena. Dia 28 de junho, às 20 horas, o Teatro da Caixa Cultura vai virar um arraial inspirado nas festas juninas de Santo Antônio, São João e São Pedro, onde brincadeiras comandadas pela dupla de caipiras serão embaladas pela trilha sonora do DJ Chuchu. Ingressos a R$ 20 e R$ 10, à venda na bilheteria do teatro, aberta a partir das 9 horas do dia 24 de junho. Informações: 3206.6456. Mas atenção: como é tradição no Jogo de Cena, dirigido por James Fensterseifer, não será permitida a entrada após o início do espetáculo.

pontodevista Dança, teatro e música se integram para traduzir os diversos pontos de vista de uma criança sobre várias situações. Dia 29 de junho o espetáculo Ponto de vista será apresentado na Funarte, com elenco formado por atoresbailarinos mirins e artistas já consagrados para que possa haver maior interatividade com o público. A proposta da peça é trazer, por meio do universo lúdico, uma reflexão sobre a aceitação das diferenças, com inspiração nos livros Ponto de vista, de Sônia Salemo Forjaz, e A águia e a galinha, do frei Leonardo Boff. Às 15 e às 19h, com ingressos a R$ 20 e R$ 10. Dia 5 de julho estará no palco do Teatro Newton Rossi, em Ceilândia Norte, com entrada franca, e no dia 7 de julho no Teatro Paulo Autran, de Taguatinga Norte, também com entrada franca.

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Disse uma vez um crítico: “O fabuloso destino de Amélie Poulain já nasceu cult e clássico; o filme de Jean-Pierre Jeunet é um brinde à vida e à sua simplicidade.” Esse sucesso lançado em 2001 inspirou 15 artistas plásticos a participar da exposição Desvendando o Universo de Amélie Poulain, em cartaz na FNAC até 30 de junho. Com curadoria de Hugo Umberto Carmesim, apresenta os trabalhos de Adriano Catenzaro, Marília Marques Silva, Cecília Dalcanale, Elizabeth Titton, Veronica Fukuda, Milena Kovalczuk, Rodney Rauth, Sandra Koche (foto), Ana Isis Ribas, Patrícia Virmond, Lourdes Giglio, Bárbara Zacchi, Claudia Colnaghi, Bruna Fraga e Washington Takeuchi. Para quem não se lembra, o filme conta a história da inocente Amélie (Audrey Tautou), que se muda para o bairro parisiense de Montmartre e encontra uma caixa escondida no banheiro de sua casa. Vai atrás do antigo morador, que chora de alegria ao reaver seu objeto perdido. A partir daí, a jovem adquire uma nova visão do mundo. De segunda a sexta, das 10 às 22h; domingos e feriados, das 10 às 20h. Entrada franca.

picnik Blank Tapes - por Yoko

umbrindeàvida

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Para os leigos, dizer que uma obra de arte foi feita com a técnica do stencil pode parecer grego. Mas não é tão complicado entender o que vem a ser essa estrela da arte urbana. Criado a partir de recortes em moldes e pintura, o stencil requer trabalho minucioso e superfícies planas. E se um artista decide romper essas regras e realiza obras com uma proposta de sustentabilidade? A resposta pode estar na exposição Normose, montada no Museu Nacional da República até 2 de julho, com trabalhos do artista visual brasiliense Kleber Cianni. Em sua primeira mostra individual, ele escolheu falar do conceito criado por Pierre Weil (1924-2008) para designar a ‘patologia da normalidade’ que afeta o mundo contemporâneo. O trabalho de Kleber tem um atrativo a mais: ele trabalha sobre peças de madeira que recolhe no mar e nas ruas de Florianópolis, onde vive atualmente. Depois de lixar e tratar cada pedaço de madeira, ele cria obras de arte que, além de belas, são sustentáveis.

No último 21 de abril ele completou cinco anos de atividade e 26 edições realizadas. No fim de semana de 24 e 25 de junho, o Picnik vai ocupar a área externa da Torre de TV com uma programação musical ampliada que passa por psicodelia, indie rock, surf music e brasilidades. Concebido para acontecer em diversos locais da cidade e sempre a céu aberto, o Picnik reúne festa, shows, oficinas, palestras e produtos de expositores diversos do Distrito Federal (moda, design, arte e gastronomia). No sábado se apresentam Bixiga 70 (SP), Ava Rocha (RJ), Seu Estrelo e O Fuá de Terreiro (DF), Firefriend (SP), Teach Me Tiger (MG), Não ao Futebol Moderno (RS), Congo Congo (MG), Transquarto (DF), Oxy (DF) e Bílis Negra (DF). No domingo, O Terno (SP), a banda norte-americana The Blank Tapes (foto), Tagore (PE), Glue Trip (PB), Mustache & Os Apaches (SP), The Dead Rocks (SP), The Raulis (PE), Supervibe (DF), Virada Cuca (DF) e Saci Weré (DF). Entrada franca. Informações em picnik.art.br.

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GRAVES&AGUDOS

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Parceria de luxo

POR HEITOR MENEZES

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o já famoso bordão “Obrigado, gente!”, com o qual reverencia o público que o aplaude e que de certa forma é a consagração de João Bosco, podemos retribuir dizendo “Obrigado, João” e “Obrigado, Hamilton”, pela providencial união de esforços que fa-

zem brilhar bem lá no alto a música popular brasileira. Ao público ávido por música de qualidade, é o seguinte: João Bosco, cantor, compositor e violonista de mão cheia, encontra o bandolinista Hamilton de Holanda no show Eu vou pro samba, em temporada de 29 de junho a 2 de julho, no teatro da Caixa Cultural.

Tudo é muito autoexplicativo. O consagrado João Bosco, que desde os anos 1970 nos oferece um cancioneiro do mais alto calibre, terá ao lado o bandolim de Hamilton de Holanda, músico cujo virtuosismo e capacidade de inovação instrumental agradam em cheio aos amantes da boa música. E como o som em questão é o samba, uma frase resume tudo: é luxo só. Luxo mesmo, porque João Bosco sozinho com o violão é uma festa para os ouvidos. Quem o acompanha sabe que, no palco, o cara vale por uma orquestra. Assim tem sido desde que, a cada aparição em disco, trouxe ao público canções antológicas, como as imortais O bêbado e a equilibrista, O mestre-sala dos mares, Dois pra lá, dois pra cá, Kid Cavaquinho, O ronco da cuíca e Caça à raposa, parcerias com Aldir Blanc. Nessa contabilidade entram muitas outras de igual quilate, como Papel marchê (parceria com Capinan), Quando o amor acontece (com Abel Silva) e Odilê, odilá (com Martinho da Vila). E mesmo quando se aventurou a tocar o repertório alheio, João Bosco nos encheu de alegria, como por exemplo no disco Dá li-

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Cinco perguntas para João Bosco

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Ao olhar no retrovisor, vê-se mais de 40 anos de carreira artística. O que o João Bosco vê exatamente nesse espelho? Eu gosto muito daquela imagem “lanterna na popa e facão na proa”. É preciso olhar pra frente, mas vez por outra consultar o retrovisor até para que se tenha uma ideia do que já passou e buscar novos caminhos sem repeti-los. Neste momento estou terminando a gravação e mixagem de um

novo CD de inéditas que deverá ser lançado em agosto/setembro. A verdade é que nesta altura da vida você passa mais tempo se desviando do que já fez. Mas, olhando de forma retrospectiva, eu gosto do que vejo, principalmente porque o que vem acontecendo ao longo dessa trajetória me trouxe até aqui com desejo de seguir. É essa vontade que me faz permanecer vivo. Uma das coisas que falam do artista João Bosco é que ele é homem-música e homem-canção. É verdade? Existe tensão entre música e canção? Esse é um tema de longa discussão conceitual, mas na prática o que interessa é você poder decifrá-las e existir com elas. Aos 70, João Bosco é um só? Existe separação entre o João Bosco autor e o João Bosco intérprete?


Eu vou pro samba

De 29/6 a 2/7 na Caixa Cultural (SBS, Quadra 4). 5ª, 6ª e sábado, às 20h; domingo, às 19h. Ingressos (meia): R$ 10. Classificação indicativa: livre. Informações: 3206.9450.

Essa é uma questão que aprendi muito cedo com Dorival Caymmi: a canção, a voz e o violão são partes inseparáveis de uma composição. Todas as partes contribuindo para o nascimento de um. A atual maneira de tocar violão e de cantar é diferente daquela de 40 anos atrás? O que mudou? Não saberia dizer o que mudou. É uma dinâmica tão natural... Como é tocar com Hamilton de Holanda? É um grande prazer. Tudo que você venha a compartilhar com ele se desenvolve de maneira maravilhosa e fácil. Alguém já disse: ou é fácil ou é impossível. Sempre que entramos juntos no palco temos a sensação de que tudo é possível, e da música fez-se um brinquedo também.

Cinco perguntas para Hamilton de Holanda Dizem que Hamilton de Holanda é responsável por fazer do bandolim o protagonista da música, como nunca se ouviu na história da música brasileira. Como é trazer o bandolim para o centro do palco? Acho que, com esse instrumento, consigo me comunicar com estilos diferentes, com culturas diferentes, principalmente porque tenho raízes muito fortes. Desde muito novo aprendi a tocar choro e samba. A partir daí, aprendi muitas outras coisas. É a maneira que tenho de levar a cultura de meu país para outros lugares e conhecer a cultura de outros países. Da mesma forma, é a maneira de conhecer as culturas dentro do meu país. Esse foi o meu caminho na música e vai continuar sendo assim. O que o instiga a tocar com diferentes formações? O bandolim vai bem solo, em duo, trio, quarteto. A orquestra é o infinito? Exatamente. O infinito é que é o negócio, pois chega uma hora na vida em que a gente descobre quantas músicas pode fazer, quantas formações e combinações diferentes são possíveis com esse instrumento. É uma busca que nos move, encontrar sempre algo novo e também repetir o que já foi feito, pois ali estão nossas referências. Pode falar sobre o que significa o norte “moderno é tradição”? Esse norte surgiu de umas das primeiras conversas que tive com o Marcos Portinari, meu grande parceiro no trabalho de produção e criação. São palavras que dão um significado ao que faço. O moderno é tradição, pois a tradição foi onde eu aprendi, mas o tempo já passou. O moderno, que faço hoje, amanhã já não é mais, o futuro a gente não sabe. E tem o “é”, que é o momento presente, que é o encontro das duas coisas. Vivo o momento presente, criando meus trabalhos e composições, sabendo que tenho uma tradição nas veias e, ao mesmo tempo, o mundo pela frente, para conhecer e descobrir. Aos 40, percebe-se que sua ligação com Brasília é umbilical. O que mais

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cença, meu senhor (1995), em que interpretou Noel Rosa (Um gago apaixonado), Milton Nascimento (Pai grande) e até Tom Jobim (Desafinado). E o que dizer do premiado carioca Hamilton de Holanda, que muitos imaginam ter nascido em Brasília? Na verdade, chegou aqui com um ano de idade e formou-se em Música na Universidade de Brasília. Armado com o bandolim, o cara simplesmente extrapolou as fronteiras do choro, sendo reconhecido atualmente como um dos maiores jazzistas do planeta. Se nos Estados Unidos o chamam de “Jimi Hendrix do bandolim” é porque alguma coisa acontece quando dedilha esse rico instrumento de dez cordas, parente distante do antigo alaúde. No vasto currículo, Holanda registra parcerias de toda ordem, de André Mehmari a Yamandu Costa, passando por Hermeto Pascoal, Rosa Passos, Wynton Marsalis, Richard Galliano e Diogo Nogueira, só para citar alguns dos grandes com quem atuou. Resumindo: João Bosco e Hamilton de Holanda juntos é a música em estado de graça. Encontros assim não se repetem com muita frequência. Vai perder?

o agrada nesta cidade? Minha relação com Brasília é muito forte. Só toco o que toco e tenho essa cabeça aberta e questionadora do ponto de vista cultural porque eu cresci em Brasília. Acho que é uma cidade que tem uma relação franca e de curiosidade com outras culturas, que aceita o que é diferente. Aos 40, o que eu mais gosto são as pessoas que fazem a cidade. Gosto da qualidade de vida da cidade e dessa coisa de Brasília ser um museu a céu aberto. Aqui temos o céu muito próximo na vida das pessoas. Praticamente você levanta os braços e aperta as mãos dos anjos. Isso é algo muito especial, que sempre vai me atrair. Como é tocar com João Bosco? O João Bosco é um dos pilares da nossa MPB. É um compositor de quem gosto demais, e que me instiga. Ele tem um jeito muito peculiar de mexer com o ritmo, a harmonia da música. Canta de maneira muito afinada, tem interpretação muito clara, muito forte. Isso me atrai, me deixa em uma posição de observador e admirador. As músicas que escolhemos para esse show são especiais, tem coisas dele, do Tom Jobim, do Moacir Santos. Temos um equilíbrio muito legal entre a música cantada e a música instrumental, improvisada. A gente se entende muito bem, mesmo porque temos no palco grandes músicos, como o Kiko Freitas, na bateria, e o Guto Wirtt, no contrabaixo. É um encontro muito suingado, tem tudo a ver com o samba. 17


GRAVES&AGUDOS

Prelúdios para a modernidade Pianista de Sobradinho lança álbum com inéditas de Cláudio Santoro, em resgate histórico da obra de um dos maiores compositores do país

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u me recordo que sentia como se uma coisa borbulhasse, como se fosse um vulcão que explodisse, algo de muita intensidade.” O pianista e compositor Pablo Marquine fala de sua primeira vivência com a obra de Cláudio Santoro, ainda aos 12 anos, quando se encantou com as composições do maestro amazonense. De lá para cá, sua percepção se aprimorou e se aprofundou. Vieram experiências, história, um mestrado e, agora, um doutorado. E é da sensibilidade e da bagagem adquirida com toda essa trajetória que nasceu o disco Cláudio Santoro: obra completa para piano solo. Volume I – Prelúdio, que está sendo lançado em Brasília nos meses de junho e julho. O presente dado à música brasileira e ao público, com a participação do Fundo de Apoio à Cultura (FAC), se distingue ainda mais porque traz composições inéditas. Segundo Marquine, quatro delas per-

tencem ao período de influência impressionista de Santoro. “Sabia-se que ele tinha tido uma fase assim, mas não havia ainda as músicas. Isso é muito importante, não só pelo desenvolvimento acadêmi-

co, mas também porque são prelúdios maravilhosos”, acrescenta o compositor, que é natural de Sobradinho e iniciou seus estudos de piano aos cinco anos, somando mais de 25 anos de aprimoramento. Fotos: Renata Prado

POR ANA VILELA


Claudio Santoro: Obra Completa para piano solo. Volume I – Prelúdios Concertos de lançamento: 19/6, às 20h, na Escola de Música de Brasília (602 Sul). 5/7, às 20h, na Área Especial, Quadra 12, Sobradinho. Ambos com entrada franca.

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Esse primeiro projeto, que teve Raffaello Santoro, filho mais novo do compositor, na engenharia de som, já é resultado do doutorado em Musicologia/ Performance realizado na University of Florida. O álbum, composto por 42 músicas, traz todos os prelúdios, gravados em três dias, no Rio de Janeiro. De todas as peças, somente 34 eram conhecidas. Para Marquine, o trabalho é de grande importância histórica, pois não há no Brasil e no mundo registro da obra completa do maestro para piano solo. “O Brasil precisa de trabalhos que enalteçam sua figura histórica. A modernidade é muito rápida e criam-se muitas convenções que não estão ligadas à tradição. É um processo de ressignificação de convenções que não tem lastro”, analisa. Claudio Santoro: obra completa para piano solo é o primeiro de três volumes. O segundo – “ainda não está confirmado” – trará as obras isoladas ou agrupadas e o terceiro, também provavelmente, virá com as sonatas e as sonatinas. Ainda para o doutorado, o compositor fará a pesquisa biográfica sobre Santoro e uma reflexão musicológica sobre sua obra, entre outras metas. “É uma pesquisa muito profunda, muito árdua, confesso”, avalia Marquine, que, aos 11 anos, ingressou na Escola de Música de Brasília, exatamente a época em que descobriu Santoro. “Havia certo mistério na obra dele. Era uma música que parecia sair de dentro, muito íntima, havia muita intimidade nos prelúdios. E isso foi confirmado posteriormente.” Após os concertos de lançamento em Brasília, o pianista segue em turnê nacional, passando pelo Rio de Janeiro e São Paulo, e internacional, com concertos nos Estados Unidos e na Europa. As expectativas são muitas para esse essencial resgate histórico brasileiro, mas uma coisa é certa: houve mudanças várias no cenário e no próprio pianista desde seu primeiro contato com as composições de Cláudio Santoro, porém a paixão é a mesma. “Devido à pesquisa, investigação histórica e biográfica com as partituras, a visão sobre Santoro é muito mais profunda. Atualmente, eu digo, com certeza, que Santoro é o compositor da história do Brasil.”

Alegre reencontro POR HEITOR MENEZES

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esde que, em 2007, a revista Rolling Stone elegeu Acabou Chorare, segundo álbum dos Novos Baianos, lançado em 1972, como o maior disco de música brasileira de todos os tempos, parece ter reavivado o interesse pelo trabalho da trupe centrada em Baby Consuelo, Pepeu Gomes, Paulinho Boca de Cantor, Morais Moreira e Luiz Galvão. Pois agora, batizada de Acabou chorare, a turnê da volta dos Novos Baianos, iniciada em 2016, chega a Brasília. No dia 1° de julho, no Ginásio Nilson Nelson, antigas e novas gerações terão o privilégio de ver e ouvir o que os baianos (ainda) têm. É a grata oportunidade de conferir ao vivo todos os clássicos contidos naquela obra – de Brasil pandeiro (Assis Valente) a Preta, pretinha (Moreira/Galvão) – e entender como o grupo conseguiu processar de maneira genial a música popular brasileira, a bossa nova, o rock, o samba e o chorinho com originalidade e muito bom humor. Acabou chorare é, digamos assim, um dos grandes produtos da antropofagia que o Tropicalismo, iniciado nos anos 1960, levou aos extremos na cultura brasileira. Não foi a primeira investida dos Novos Baianos, sabemos, pois em 1970, em pleno desencanto da geração flowerpower, na ressaca de Woodstock, com o regime militar baixando o cacete, o gru-

po havia lançado seu primeiro LP, É ferro na boneca. Nesse, a grande influência exercida por João Gilberto (sempre ele) ainda não se fazia tão presente, mas canções como a faixa-título, além de outras assinadas por Morais e Galvão, já apontavam os caminhos que viriam. Conta a história que, certo dia, bateu à porta do lugar onde o grupo morava, no Rio de Janeiro, em espécie de coletivo, um senhor engravatado. Alguém viu pelo olho mágico e disparou: caramba, tem alguém da polícia aí. Nada disso, era João Gilberto em pessoa, fazendo uma visita de cortesia. Logo, o grande João estava sentado na roda, tocando violão, enquanto um certo baseado passava pra cá e pra lá. Os Novos Baianos foram o ponto de partida para carreiras vitoriosas de seus integrantes. Pepeu Gomes e Baby do Consuelo, antes de virar Baby do Brasil, engataram romance, emplacaram inúmeros sucessos e foram até barrados na Disneylândia (lembram?). Morais Moreira também seguiu caminho glorioso e até integrantes da base musical, como o baixista Dadi, colheram frutos por terem participado do grupo. Por tantos motivos, ver esse pessoal de volta é uma alegria só. Para cantar em uníssono na plateia: “Abre a porta e a janela, e vem ver o sol nascer”. Acabou chorare

1/7, às 22h, no Ginásio Nilson Nelson. Ingressos: de R$ 50 a R$ 400. Classificação etária: 14 anos.

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BRASILIENSEDECORAÇÃO

Um mestre da

viola caipira

POR VICENTE SÁ FOTOS LÚCIA LEÃO

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uem imaginaria que uma paixão tão diferente daria tão certo e chegaria até a um casamento duradouro, de 40 anos. Alguns músicos mais antigos ainda lembram do início da paixão do estudante de 20 anos, Roberto Correa, pela idosa viola. Ela, que morava pelos interiores do país, já fora acusada de destruir lares e reputações na corte por tuguesa nos idos de 1450, antes mesmo de o Brasil ser descoberto; e ele, um jovem aficionado pelos estudos, buscava informações sobre sua nova paixão em todas as bibliotecas de Brasília, em 1977, e quase nada encontrava. Depois, inconformado, iniciando um intenso trabalho de pesquisa a partir de Campina Verde, sua cidade natal e terra de velhos violeiros, como seu avô, e de lá por todo este

imenso e musical Brasil. Para nós outros, que pouco sabíamos do instrumento, o mais incrível era não ter nada sistematizado sobre a viola no Brasil, depois de tantos anos e de tão forte influência na cultura nacional. Mas era assim e assim foi. Talvez por isso, o primogênito desse casamento é também o primeiro livro sobre o instrumento no Brasil. Publicado em 1983, Viola caipira foi o primeiro livro de Roberto Corrêa. E foi divulgando esse livro que nosso personagem conheceu, na redação do Correio Braziliense, o jornalista e também multiartista Ary Pára-Raios. Com ele montaria um espetáculo fundamentado no livro Brasil – Viola, prosa e verso, e formaria a primeira dupla caipira de sua carreira . O Roberto pesquisador sempre dividiu seu tempo com o Roberto músico. Em 1987, seu nome ultrapassou as fronteiras de Brasília e sua virtuose na viola come-

çou a ser reconhecida em todo o Brasil após sua participação no disco Ao Capitão Furtado – Marvada viola, produzido por Hermínio Bello de Carvalho, ao lado de nomes de peso como Zé Mulato e Cassiano, Rolando Boldrin e Sivuca. Gravou também vários trabalhos com Inezita Barroso, a eterna musa da música caipira tradicional. Ao mesmo tempo, seus CDs individuais Viola caipira, Viola andarilha e Uróboro foram muito bem recebidos pela crítica e pelo público, e seu nome firmouse de vez no cenário da música brasileira. O amor pela viola parece que nunca vai parar de crescer e, sendo tão grande, não podia mesmo respeitar fronteiras. Assim, a convite do Itamarati, em programas de difusão da cultura brasileira, Roberto Corrêa foi mostrar sua querida viola e sua música mundo afora. Realizou recitais em importantes salas de concertos internacionais como Konzerthaus (Viena), Beijing


Concert Hall (Pequim) e Haus der Kulturen der Welt (Berlim). Foram, ao todo, 29 países que passaram a conhecer e admirar a viola caipira e Roberto Corrêa. Isto tudo sem afetar sua carreira de professor, pois, afinal, ele havia criado a primeira cadeira de viola caipira na Escola de Música de Brasília, onde leciona desde 1985. O reconhecimento chegou em gravações de documentários sobre seu trabalho e especiais de TV e rádio. E tudo parece vir para aumentar o entusiasmo de Roberto, que continua pesquisando e publicando livros e trabalhos sobre a viola. No livro A arte de pontear viola, ele conta a história do instrumento e mostra técnicas, inclusive a dele, de execução do instrumento. Esse livro se tornou tão necessário aos estudiosos que, posteriormente, virou um DVD. A paixão e a dedicação pela viola e, é claro, seu enorme talento o levaram a conhecer palcos em todo o país e desenvolver trabalhos com dezenas de artistas novos e consagrados, como Siba, Lima Duarte, Mauro Rodrigues e Quinteto de Cordas. O compositor criou também trilhas para televisão e teatro, fez pesquisas para documentários e peças, além de tra-

balhar como curador em diversos projetos musicais do Itaú Cultural e da Petrobrás. Hoje, com tantos discos e trabalhos publicados, aos 60 anos de idade e 40 de casamento com a viola, será que Roberto Corrêa pensa em parar? Não, de jeito nenhum. Apenas dar um tempo para o pesquisador descansar e deixar o compositor reassumir. “Estou sentindo necessidade de me dedicar so-

mente à criação. Quero compor e me apresentar”, revela o violeiro, que está comemorando as bodas de esmeralda com uma intensa programação que não ficará restrita aos palcos da capital, mas se estenderá por todo o país (confira em www.facebook.com/RobertoCorre-RC). É isso. Quem gosta de cultura brasileira tem que ficar de olho que as comemorações estão para começar.

o s o i c i l e D

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QUEESPETÁCULO @franzpavan

alegresaporta.com

Circo voador POR JOSÉ MAURÍCIO FILHO

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uem apostava que o circo estava com os dias contados deve andar surpreso. Renovado, recauchutado, agregando linguagens diversas e novas técnicas, o circo segue encantando e fazendo novos admiradores. Para isso, aliou-se ao teatro, à dança, à performance, ao audiovisual e a outras artes, dando origem ao que vem sendo chamado de ‘novo circo’. Uma prova dessa fusão de gêneros é Pisando as nuvens, espetáculo de circo contemporâneo com a trupe panamenha La Tribu Performance, que faz curta temporada na Caixa Cultural de 23 a 25 de junho. Prepare o fôlego. Os artistas prometem provocar suspiros de admiração, sustos, aquele frio na espinha e gritinhos assustados. Pendurados em cordas, fios e tecidos, vão usar a fachada do prédio da Caixa, suas paredes e lajes, como suporte de aventuras artísticas. Serão números aéreos, tirolesa, dança vertical, tudo salpicado com projeções em 3D e bastante humor.

Pisando as nuvens apresenta em Brasília o trabalho da La Tribu Performance, a primeira companhia de circo experimental do Panamá. Seus integrantes misturam as técnicas tradicionais circenses a influências da dança, do teatro, da música. O trabalho vem dando certo: eles ganharam, por quatro anos seguidos, o prêmio do Fundo Iberescena para as artes cênicas. Embora nascida no Panamá, La Tribu Performance reúne artistas de várias nacionalidades: colombianos, venezuelanos, panamenhos (é claro) e uma brasileira, alagoana, daí a companhia ter estreado no Brasil em Maceió, em 2015, quando participou das comemorações pelos 200 anos da cidade. A inspiração para Pisando as nuvens veio do belíssimo trabalho do fotógrafo norte-americano Robert ParkeHarrison, um dos grandes nomes da fotografia de arte no mundo, e seu universo surrealista. No espetáculo, um anjo vem para a Terra viver como ser humano. Assim, trava contato com diferentes facetas da ex-

periência humana, até trilhar o caminho de volta às nuvens. La Tribu Performance tem 15 anos de existência e sempre divide o tempo entre apresentações artísticas e um sólido trabalho de formação. Em Brasília não vai ser diferente. Os integrantes da companhia vão promover três oficinas, uma voltada para uma instituição de atendimento a crianças e adolescentes em situações de vulnerabilidade social e as outras duas (de acrobacia em tecido e acrobalance) voltadas para artistas de circo e atores. Tudo de graça! Estarão em cena os dois fundadores da companhia, o venezuelano Edwin Borden e a italiana Eleonora Dall Asta, a brasileira Lisete Farias, os panamenhos Hector Carrasco e Anadelia Gudiño e o colombiano Cesar Archila. Participação especial dos colombianos José Miguel Martinez e Gabriela Diaz. Pisando as nuvens

Dias 23 e 24/6, às 20h, e 25/6, às 19h, na área externa da Caixa Cultural (SBS, Quadra 4), Entrada franca. Informações: 3206.9448.


Comunhão entre diferenças Ao reunir textos de Clarice Lispector sobre sua visão de Deus, Eduardo Wotzik percebeu ter em mãos material tão único que renderia uma missa Leonardo Alvim

POR ANA VILELA

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eatro e religião. Dois templos onde contemplamos, mergulhamos nesse divino que é cada um dos seres humanos sobre a Terra e em Deus, seja ele qual for e onde estiver, seja para negá-lo ou para tentar compreendê-lo. Unido a eles, outro templo: Clarice Lispector. Ao recolher fragmentos sobre a obra da escritora que mais o encantavam, o diretor Eduardo Wotzik percebeu que selecionara diversos textos sobre mistério, sobre o imponderável. Nasceu desse mergulho a peça Estudo para Missa para Clarice – Um espetáculo sobre o homem e seu Deus, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil. “Missa para Clarice foi surgindo com o tempo e intuído ao longo de décadas. Não é um espetáculo produzido a reboque de alguma moda, ou por causa de um pedido, ou por conta do mercado, ou mesmo por encomenda. Foi todo construído à medida do ‘impulso e da necessidade’, como quis Clarice”, pontua Wotzik. Em dado momento dessa construção, o diretor percebeu que o pensamento religioso de Clarice não conciliava com os existentes. Dava um passo além. Era original e único. “Poderia me proporcionar e ao público uma aventura diferente. Pelo espaço cênico, poderia construir um culto em conteúdo e forma inéditos.” Se em um primeiro momento parece haver uma dicotomia entre o teatro e a igreja, basta uma observação mais profunda para notar o oposto. Uma missa já é, por si só, uma encenação teatral. E por que não ser o teatro também uma missa? Mas não qualquer uma. Um culto clariciano, como costuma dizer Eduardo Wotzik. Uma comunhão para o despertar. “O fato de realizar um espetáculo que agrega dois sistemas que representam a mais alta utilização da inteligência humana, que são o sistema religioso e a arte, potencializa sua força transformadora.” O grito de Clarice é para dentro e diz

que “a salvação é pelo risco”, que “tudo no mundo começou com um sim”. Um sim para Deus, para a depuração necessária à evolução, ao desvelamento. Porque a peça se propõe, sim, a ser catártica: “Interessante notar que acontece nesse espetáculo uma catarse diferente do que se pretendia na Grécia, dionisíaca, movida a muito vinho. Em Missa para Clarice, a autora nos propõe uma catarse apolínea, silenciosa, meditativa”. Já foram realizadas pelo Brasil quase 200 missas, comungando universos os mais distintos, criando interação, seja do público com a peça ou consigo mesmo. Wotzik conta que o espectador fala, reza, canta junto, compartilha o silêncio, lê e ouve junto, como em um ritual. “Cada um interage à sua medida, como quiser, sem imposições ou constrangimentos, cada qual no seu tempo, no seu limite, a partir do entendimento de cada um. Não é um espetáculo imperativo, muito pelo contrário. É uma comunhão entre diferenças.” A trilha sonora foi escolhida pela alma, ainda mais que pelo ouvido. É ao som

do compositor polonês Henryk Gorécki que se passa a homilia. O diretor conta ter sido acometido de tamanho encantamento, de ter sido elevado a tal estado de beleza e meditação, que teve certeza: era aquela a música para amparar as palavras de Clarice Lispector no templo que estavam criando. “Cheguei a achar que Clarice conhecia Gorécki, e que escrevia ouvindo sua música, o que não é verdade.” No palco estão um arauto, o próprio Wotzik, e duas beatas claricianas, vividas pelas atrizes Cristina Rudolph e Natally do Ó. O espetáculo está há mais de um ano e meio ininterrupto em cartaz e passou por mais de 15 teatros. Em Brasília, a temporada será curta, mas tempo suficiente para proporcionar uma reflexão sobre o divino de (ou em) Clarice Lispector – “Deus é o que existe. E todos os contraditórios são dentro do Deus” – e, muito além dele, em uma imersão em si mesmo. Amém! Estudo para missa para Clarice

Dias 15,16, 17, 18, 21, 22, 24 e 25/6, às 20h, no CCBB (SCES, Trecho 2). Ingressos: R$ 20 e R$ 10. Classificação: 14 anos

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DIÁRIODEVIAGEM

Na terra de “Santa Dica” TEXTO E FOTOS SÚSAN FARIA

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25 quilômetros de Pirenópolis existe um povoado que traz reminiscências de um passado não muito conhecido, mas impregnado de história, lendas, misticismo, cultura e tradições. Passado estampado nas ruas, nas casas antigas, na igreja, nas falas do povo, nas festas, em filmes e textos. O povoado é Lagolândia, que chegou a ser cidade e a abrigar sete mil moradores, em 1958. Hoje é apenas um distrito de Pirenópolis, tem 250 moradores e algumas casas vazias, de gente de Goiânia e Brasília. Conheci Lagolândia – terra de Benedita Cipriano Gomes, a “Santa Dica” do imaginário popular – a convite do Grupo Caminhadas de Brasília, o GCB. Para ir ao povoado, só de carro particular (vencendo os buracos e a poeira da estrada, entre asfalto e terra), a cavalo, de bicicleta ou a pé. Não há linha de ônibus para o local. Dezessete caminhantes do GCB fizeram a pé o chamado Caminho de Santa Dica, percorrendo 53 quilômetros entre serras, vales, rios e cachoeiras, durante três dias.

Mas como surgiu Lagolândia? Quem foi essa “santa” e o que nos deixou? Benedita Cipriano Gomes, a Dica, nasceu em 13 de abril de 1905 na Fazenda Mozondó, a 40 quilômetros de Pirenópolis. Fundou Lagolândia – antes República dos Anjos – e atraiu com a cura milhares de peregrinos, que ela incentivava a viver em comunidade seguindo “as leis celestes”, com terra e trabalho para todos. Para uns, anjo; para outros, demônio. Ou seria um Antônio Conselheiro do Cerrado? Ou um coronel de saia? O certo é que Dica fez história, incomodou fazendeiros, coronéis e padres, sendo até excomungada; mais tarde, aliou-se à oligarquia goiana para tentar reverter sua rejeição, enfrentou a Coluna Prestes, à frente de 400 homens, lutou nas revoluções de 1930, em Goiás, e de 1932, em São Paulo, abalou hierarquias e valores e deixou um grande legado, inclusive poderosas orações. Conheci a irmã de Dica, Bernarda Cipriano Gomes, 89 anos, lúcida, indo para a Igreja com a filha Brigite, de 51 anos. “Dica fazia caridade pra todo mundo. Nunca fez mal a ninguém, mas sofreu muito e foi perseguida”, afirmou do-

na Bernarda, que falou das dificuldades da irmã por ter ficado grávida de um forasteiro. Explicou que Dica era acometida de fenômenos: “Estava num baile dançando, de repente caía, falava em outras línguas, se modificava”. Outro morador de Lagolândia, Benedito Francisco Neves, 66 anos, diz que conheceu “a madrinha Dica” e ajudou a sepultá-la. “Era espírita e católica”, conta. A casa de Santa Dica é patrimônio


do povoado, com a “sala da cura” e um altar para rezas diárias, às 18h. Na cozinha há uma longa mesa de madeira, fornalhas e grandes tachos de cobre para fazer doces para multidões. A casa fica próxima a um rio cheio de mistérios, o “Rio da Serpente”, onde dizem que muitos cristãos foram devorados. Dica trouxe fé, devoção e muitas festas para Lagolândia, como a que ocorre sempre no terceiro final de semana de julho. Na festa de três Santos – Divino Pai Eterno, São Benedito e Nossa Senhora do Rosário – qualquer um pode se fartar de comer doces, almoçar e jantar de graça, dançar e rezar. São nove dias de novena e, ao final, muita dança e comida. Os doces são servidos desde os tempos de Santa Dica e homenageiam os “anjos”, crianças do céu que a protegiam e com quem ela falava. Em 8 de dezembro acontece a festa de Nossa Senhora da Conceição e, no último dia do ano, a folia de Reis com preces ensinadas pelos “guias” da santa. Nos dias 23 e 24 de junho realiza-se a folia de São João Batista. O turismo no povoado é incipiente, mas há uma boa pousada e outras começam a surgir. O que não falta ao redor são belas cachoeiras e um rio que já foi chamado de Jordão. A praça da cidade é florida e bem cuidada pela Associação Feminina. Nas ruas, casarões antigos, construídos na década de 1920. Em frente à casa de Santa Dica fica sua sepultura e, em volta, duas enormes gameleiras centenárias que parecem querer arrebentar o túmulo da corajosa mulher, mãe de cinco filhos. Com base em longa pesquisa e depoi-

mentos de moradores, a historiadora Waldetes Aparecida Rezende reconstituiu a vida de Lagolândia e de Benedita Cipriano Gomes no livro Santa Dica – Histórias e encantamentos. Ela conta que a imprensa e a Igreja Católica queriam conter a mulher, que não se alinhava aos moldes instituídos para a época. Em outubro de 1925, 100 militares e jagunços, que prestavam serviço a coronéis da região, metralharam casas de Lagolândia, matando alguns moradores. Muitos, enlouquecidos, gritavam, faziam orações e, a mando de Dica, correram em direção ao Rio do Peixe, de águas escuras, por causa das enchentes da noite anterior. Dica se atirou junto, sendo resgatada e arrastada pelos cabelos por um tio.

Muitos moradores se esconderam e outros se perderam na mata. Mais tarde, Dica se apresentou voluntariamente, junto com outros indiciados, prestou depoimento e foi absolvida. Por influência do marido, o jornalista Mário Mendes, ela se envolveu em política, adotando outros hábitos e ideais. “Dica foi um coronel que não precisou de dinheiro ou terrenos para conseguir uma posição de liderança”, explica Waldetes. Segundo a escritora, Benedita foi amiga do exgovernador Pedro Ludovico, que a livrou de um complô para matá-la, quando presa, em 1950. O ex-presidente Juscelino Kubstichek e o ex-governador Mauro Borges tinham-lhe apreço. Mas Dica também foi vendida pelo marido

Bernarda Cipriano Gomes, irmã de Dica, com a filha Brigite

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DIÁRIODEVIAGEM

para seu sócio, Francisco Luís Teixeira, com quem viveu até a morte, em 1970, ao passar por uma cirurgia de intestino. Segundo Waldetes, antes de nascer Dica já demonstrava comportamento estranho: passava dias sem se mexer na barriga da mãe, parecendo morta, e depois estremecia. Ao nascer, o bebê não chorou, nem apresentou sinais de vida. Só 24 horas depois, quando o enterro era preparado, ouviram seu choro. Por quatro vezes a menina foi considerada morta e voltou. Romarias de fervorosos e crédulos roceiros migravam para pedirlhe a benção e conseguir graças. Dica aboliu o uso do dinheiro, rezava missas e dava conselhos. Pregava a igualdade, a abolição de impostos e a distribuição de terras. Comandou legiões de adoradores. Sua estátua está junto às flores da pracinha do povoado.

A partir da esquerda, acima: o túmulo de "Santa Dica", sua estátua, na pracinha do povoado, o forno a lenha de sua casa e a "sala da cura".

Experiência transformadora

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O Grupo Caminhadas de Brasília cortou transversalmente, de norte para sul, serras e vales de Pirenópolis, durante três dias. Ao final do primeiro dia, após longo percurso, os caminhantes desceram 180 degraus, mergulharam na Cachoeira do Rosário, voltaram e caíram nas redes para acordarem de madrugada e iniciarem nova caminhada, com mochilões nas costas, levando alimentos, água e barracas para dormirem no meio do mato, no meio do nada, vendo estrelas e respirando ar puro. Em meio à jornada, admiraram lindas paisagens e nadaram em águas límpidas de lagos e cachoeiras.

Antes da caminhada, prepararam documento de 17 páginas com referências históricas sobre a região, características do ambiente, mapas e dicas para orientar o percurso, que resgatou antigos caminhos que ligavam os povoados da região, como as travessias da Cidade de Pedra ao Rosário pela Várzea do Lobo, as caminhadas pelo vale do Rio do Peixe, a Serra do Macaco e a Estradinha do Frota. Para o funcionário público João Carlos Machado, 51 anos, residente na Asa Norte, o Caminho de Santa Dica é uma rica experiência. “Foi uma oportunidade de ver de perto a história de formação de Goiás, do garimpo do ouro à busca de justiça social com Santa Dica, por caminhos e

povoados que datam do Século 18. E, ao mesmo tempo, contornar um conjunto espetacular de montanhas, rios e vales que formam a Serra dos Pirineus.” Para a servidora da Anvisa Fátima Naves, 56 anos, goiana de Turvânia residente no Condomínio Belvedere Green, em Brasília, realizar a caminhada de Lagolândia foi uma experiência transformadora. “Observar e vivenciar cheiros, tons, cores e formas da natureza e ao mesmo tempo conhecer e interagir com pessoas tão interessantes e diversas foi um reencontro comigo mesma. O caminho é lindo. Um caminho que vale trilhar.”


Fotos: Divulgação

ESPORTE&LAZER

Diversão de inverno POR VICTOR CRUZEIRO

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ia 21 de junho o inverno começa oficialmente no Hemisfério Sul. Aqui bem pertinho, no Pontão do Lago Sul, abrem-se as portas de um mágico reino de inverno: o Brasília Ice Park. Até 13 de agosto, o público brasiliense poderá, literalmente, entrar numa fria – no caso, uma pista de patinação de 450 m², atração principal de um evento que, durante 57 dias, terá também shows, espetáculos de teatro e cinema ao ar livre. O Ice Park foi pensado para ser mais do que um espaço de shows combinado com um rinque de patinação. É, na verdade, um parque temático de inverno – o primeiro da sua linhagem. E, como todo parque, conta com uma história por

trás da sua criação, invocando não apenas o espírito lúdico de um amusement park, mas também a graciosa e delicada magia do inverno. A história gira em torno da esquimó Mina, que possui um laboratório no Pólo Norte, onde conduz experimentos tentando encontrar uma maneira de tornar o inverno menos rigoroso e, assim, mais divertido. Ao lado de seu único amigo, o urso de estimação Tarçä (o trema dá um tom nórdico), Mina realiza um experimento que os suga acidentalmente por um canal subterrâneo, até jogá-los em pleno Lago Paranoá! É aqui que a aventura começa. Impressionados com o clima convidativo e o indefectível céu de Brasília, eles resolvem se divertir. Junto com um pinguim que passava férias no Zoo da cidade – o simpático Gelaldo – eles dedicamse a reconstruir um pedaço da sua terra no solo da cidade, deixando – é claro! – a porta aberta para os amigos entrarem. A cenografia do parque gira em torno das três personagens, utilizando-as inclusive como forma de divulgação para além do espaço do Pontão. A partir do dia 19, o urso Tarçä estará pela cidade, numa campanha de engajamento virtual que consiste em tirar fotos com ele, utilizando a hashtag #brasiliaicepark, e convi-

dar todos os amigos para curtir. Se a foto for vencedora, o dono poderá levar seus amigos como convidados para o reino gelado de Mina e seus amigos. Para quem acha que o Ice Park vai ser só mais uma pista de patinação, o organizador, André Fratti, diz que haverá uma programação diária de cinema, espetáculos infantis da Cia. Néia e Nando (de sexta a domingo), um espaço musical voltado para o blues, o soul e o jazz (toda quinta), uma zona de degustação de vinhos (com a presença de um sommelier) e um espaço para comemorações de aniversário. “Por se tratar de um evento tão longo”, pontua André, “estamos buscando atrações que surjam e, porventura, tenham aderência e impacto!”. De shows de música a stand-ups, as opções são infinitas. A programação será lançada semanalmente nas redes sociais. No que tange à comida – uma das melhores partes, afinal de contas – haverá uma vila gastronômica comandada pela chef Mara Alcamim, do Universal Diner (210 Sul), que recentemente esteve no programa Master Chef Brasil e preparou um cardápio de delícias especialmente para o Brasília Ice Park. Brasília Ice Park

De 21/6 a 13/8, das 15 à 1h, no Pontão do Lago Sul. Acesso ao parque: R$ 5 (de 2ª a 5ª feira) e R$ 10 reais (de 6ª a domingo). Pista de patinação (30min, das 17 às 24h: R$ 30 (de 2ª a 5ª feira) e R$ 50 (de 6ª a domingo)

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GALERIADEARTE

Mergulhos na cultura

de povos primitivos

POR LÚCIA LEÃO

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uem visitar a Caixa Cultural nesse final de junho e início de julho terá a oportunidade de emergir, por caminhos absolutamente distintos, no universo iconográfico e simbólico de diferentes povos primitivos que habitam – ou habitaram – cantos extremos do planeta e constatar que, apesar da distância, eles guardam uma essência comum – a submissão às forças sagradas da natureza – e padeceram do mesmo mal – o jugo dos colonizadores. Duas salas no térreo da Caixa Cultural abrigam a exposição O tempo dos sonhos, arte aborígene contemporânea da Austrália (com a participação do artista brasileiro

Xoha, da etnia Karajá). Um andar acima, na Galeria Vitrine, encontram-se o multifacetário artista modernista Flávio de Carvalho, o “arqueólogo malcomportado”, e os registros de expedições que realizou na primeira metade do Século 20 a territórios indígenas no Brasil e no Peru, neste último incluindo sítios pré-incaicos e a então recém-descoberta cidade sagrada de Machu Picchu. Quando se fala em arte aborígene é difícil imaginar paredes cobertas por uma sequência de 60 quadros, a maioria telas de tecido pintadas com técnica primorosa em tinta acrílica e avaliadas em milhares de dólares no mercado internacional, como destacam o catálogo de O tempo dos sonhos e todos os materiais de

divulgação da exposição. Nada mais ocidental e distante das culturas primitivas. E não há como o visitante não perceber essa dicotomia e sentir um certo estranhamento. Mas o sonho, na cultura aborígene, é o começo de tudo, a base do conhecimento. E esse princípio está claramente refletido em todas as obras e dá identidade à coleção. São obras produzidas a partir de meados da década de 1950, quando um movimento coordenado de antropólogos, críticos de arte e marchands identificou o potencial artístico de aborígenes que até então ilustravam com desenhos artefatos utilitários e cerimoniais. Como as bark painting, pinturas feitas a pincel de cabelo humano com pigmentos naturais


Flávio de Carvalho CEDAE - UNICAMP

sobre entrecascas de eucalipto. Originalmente utilizadas como paredes nas cabanas, hoje são peças de indiscutível valor artístico (e monetário, no mercado de arte), como o quadro Canguru, de Thompson Yulidjirri, um dos destaques da exposição. Outro exemplo é o quadro Punmu – O universo, em silk- screen sobre prancha de madeira. Antes de serem reconhecidas como obras de arte, essas pranchas eram carregadas pelos dançarinos em rituais religiosos do povo Gija, no norte da Austrália. Ao lado de obras carregadas de tradicionalismo, seja nas temáticas, materiais e cores utilizadas (preto, marrom e vermelho), uma outra parte da coleção explode em cores de tintas acrílicas sobre telas ou tecido de linho, com representações abstratas que se aproximam de artistas como Miró, Kandinsk e Mondrian. Como as telas de Emily Kame Kngwarrey, aborígene da etnia Anmatyerre que começou a pintar ao 79 anos. Viveu até os 86, e nesses sete anos produziu cinco mil quadros, entre os quais a tela sem título exposta na Caixa e a adquirida para a coleção do MoMA, de Nova York. Entre uma e outra vertentes, O tempo do sonho apresenta artistas que utilizam suas obras para denunciar a violência da colonização e mesmo a exploração. Como Richard Bell, autor de uma das obras mais emblemáticas da exposição, o quadro Você não tem que mentir!, um verdadeiro manifesto em que denuncia, em técnica mista, a violência da colonização. Fotos e documentos são colados sobre um fundo de desenhos tradicionais aborígenes desfigurados, dissolvidos. As mazelas da colonização também estão presentes em outras obras, como O casaco vermelho narcisista, de Gordon Syron, representação em óleo sobre tela de um soldado inglês, de símbolos cristãos e de lixo suplantando os mares australianos e tornando sombras opacas seus habitantes originais. Com todas as ressalvas que podem ser feitas à inserção da arte aborígene no mercado de arte “dos brancos”, O tempo dos sonhos apresenta ao público brasiliense um dos grandes movimentos artísticos contemporâneos e talvez o único ancorado em valores tradicionais de povos primitivos, historicamente oprimidos e desvalorizados em todo o mundo. A poucos metros dos aborígenes australianos está a exposição de Flávio Car-

valho, um multiartista modernista que, como parte de suas pesquisas antropológicas para aplicação em diversas atividades – arquitetura, dança, artes plásticas, cenografia e cinema, entre outros experimentos performáticos – fez incursões junto a aldeias indígenas do Brasil Central e da Amazônia e sítios pré-colombianos do Peru, inclusive de civilizações que precederam o império inca. Dessas incursões, na primeira metade do Século 20, resultou um rico acervo de diários de viagem, recortes de jornais, fotografias e filmes que registram detalhes das culturas dessas civilizações – como A deusa branca, que une pesquisa etnográfica e drama ficcional de tons surrealistas, realizado durante sua expedição à Amazônia. A exposição também apresenta as expedições Viagem à Europa (1934-1935), que rendeu os relatos do livro Os ossos do mundo (um verdadeiro caleidoscópio de questões e especulações que o artista desenvolveu a partir de observações sobre cada país) e a Rumo ao Paraguai (19431944), além de um documentário que apresenta a trajetória do polêmico artis-

ta, considerado por Oswald de Andrade “o antropófago ideal”. Então, da Austrália a Machu Picchu, experimente; faça a sua expedição!

O tempo dos sonhos: Arte aborígene contemporânea da Austrália Até 16/7, de 3ª a domingo, das 9 às 21h.

Flávio de Carvalho – Expedicionário

Até 20/8, de 3ª a domingo, das 9 às 21h. Ambas as exposições na Caixa Cultural (SBS, Quadra 4), com entrada franca. Classificação indicativa: livre. Mais informações: 3206.9448/3206.9449.

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VERSO&PROSA Divulgação

Ana Miranda

Divulgação

Miltom Hatoum

Bia Wouk

João Almino

Na contramão da crise Com mais de 80 expositores e foco na formação de novos leitores, Feira do Livro volta com tudo para o Pátio Brasil

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azer uma feira literária neste clima de crise política e econômica que vive o Brasil (e especialmente Brasília) é, sem dúvida, um desafio e tanto. Mas uma turma de brasilienses ligados à Câmara do Livro e à produção poética e literária topou a parada e a 33ª Feira do Livro se tornou uma realidade a partir desta sexta, 16, e até o dia 25, no Pátio Brasil, cuja área externa está toda reformada, mais ampla e com recursos de acessibilidade. Estandes e espaços culturais ocupam nesses dez dias o entorno do shopping, como em outras edições. Além de estrelas da literatura e da poesia nacionais – o filósofo/poeta Antônio Cícero, o antropólogo/poeta Antônio Risério, o acadêmico João Almino; os escritores Ana Miranda, Milton Hatoum e Cristovão Tezza – a feira terá este ano o Café Tropicália, onde serão realizados debates e palestras com poetas e escritores locais – Nicolas Behr, Francisco Alvim, Maria Lúcia Verdi, Cristiane Sobral, Jorge Amancio, Luis Turiba, Noélia Ribeiro, Romulo Neves, José Sóter, Anderson Braga Horta, Santiago Naud, Maurício Melo e outros.

A Câmara do Livro espera movimentar mais de R$ 5 milhões em vendas de livros nesta edição da feira. As escolas vão levar estudantes de todo o DF e Entorno para percorrerem o caminho da literatura. Mais de 80 expositores, entre livrarias, editoras, instituições literárias e órgãos publicadores estarão presentes com seus produtos. O livreiro Ivan da Silva, o “Ivan da Presença”, será homenageado por sua dedicação aos livros e à leitura (leia quadro na próxima página), assim como o escritor João Almino e o poeta Gustavo Dourado, da Academia Taguatinguense de Letras. Serão homenageados, também, “in memoriam”, os poetas Ferreira Gullar, Torquato Neto e Belchior. Cada criança candanga vai levar um livro pra casa”, é o lema da Feira do Livro 2017, inserido no conceito da inclusão. Será lançada uma campanha para estimular a formação de uma nova geração leitora no DF, por meio de ações que vão promover o amplo acesso aos livros e à leitura. Cada criança que visitar a feira vai participar das atividades literárias e ganhar pelo menos um livro.

Café Tropicália Este será o centro dos acontecimentos literários e poéticos da 33ª Feira do Livro, uma homenagem aos 50 anos de existência pop-antropofágica do Tropicalismo. Um dos poetas homenageados será o piauiense Torquato Neto, expoente do movimento que contou com Caetano Veloso, Gilberto Gil, Glauber Rocha, Tom Zé, Capinam, Zé Celso, Chacrinha e outros. Uma exposição de fotos de Angela Raymundo sobre os “monumentos” aos quais se refere Caetano Veloso na música Tropicália e uma linda escultura de Dom Quixote, o utópico, do artista plástico Zaqueu Vitor, comporão o ambiente do palco do Café Tropicália. Bem ao lado funcionará o Lançódromo, espaço para lançamentos coletivos de livros, de forma integrada e democrática, com interação entre os autores e conversas sobre os temas com os leitores. Estão previstos cerca de 150 lançamentos. Os escritores e poetas brasilienses terão um espaço e um valor todo especial na feira. Disso o curador geral Luis Turiba, poeta e ex-editor da histórica revista Bric-aBrac, não abre mão, com apoio de


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Antônio Cícero

participantes de inúmeros movimentos poéticos brasilienses e nacionais. Juntouse a ele, na missão de organizar o programa do Café Tropicália, a professora e escritora Lucília Garcez. Haverá uma super mesa que debaterá os movimentos literários e poéticos da cidade. Arena Jovem Com curadoria de Barbara Morais, autora da trilogia Anômalos, a vigorosa e próspera literatura da juventude vai ocupar o centro da feira com a Arena Jovem. Será um lugar de encontro de escritores de todo o país com boa conversa sobre os temas que permeiam o universo literário de jovens que movimentam o mercado editorial brasileiro de forma surpreendente, impulsionando os índices de leitura. Escritores como Thalita Rebouças, Mauricio Gomyde, Laureane Antunes, Juliana Baltar vão ocupar o espaço da juventude, que também terá blogueiros e youtubers. Os movimentos culturais e literários da região do Entorno também terão um espaço nobre dentro da feira. Segundo a curadora desses movimentos na Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno (RIDE-DF), Nilva Bello, de Olhos d’Água, 12 municípios participam da feira com grupos culturais especialmente voltados para a contação de histórias infantis e performances para os alunos das escolas públicas. 33ª Feira do Livro

Até 25/6 no Pátio Brasil Shopping. Informações: www.feiradolivrobrasilia.com, camaradolivrododf@gmail.com e 3033.6815.

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Antonio Risério

André Tezza Consentino

Cristovão Tezza

Ivan, o Presença POR LUIS TURIBA Quando você anexa ao seu nome próprio a marca de uma atividade profissional ou pessoal, este (nome) passa a transcender à sua existência como pessoa. Ou seja: você não mais será o que foi antes, mas será sempre aquilo que um dia você representou. Se não deu pra entender direito, vamos ao exemplo concreto. O camarada nasceu lá pelos anos 50 em Niterói e ganhou o nome de Ivan. Como sabemos, Ivan é um nome russo de origem grega que quer dizer mais ou menos “Deus é gracioso”. Os russos tiveram inúmeros reis e czares de nome Ivan. O mais famoso foi o “Terrível”. Aqui em BrasíIia, o nosso Ivan ganhou o sobrenome de “Presença”. Falo do livreiro Ivan da Silva, o criador de maior livraria que a cidade já teve: a Presença. Quem, naqueles heróicos tempos dos anos 70/80, não marcou presença na Presença estava um pouco ausente. A primeira Presença foi na rua das Farmácias. Cresceu tanto que ganhou uma sucursal no Conic, onde também funcionou um histórico café com o mesmo sobrenome. Ali Ivan recebia escritores anônimos, poetas bêbados, intelectuais alucinados, jornalistas bem ou mal informados. Aquilo virou um centro de saberes e dizeres, visitado por poetas como Ferreira Gullar, Cora Coralina, Manoel de Barros e o russo Eugênio Evchuchenko. Há histórias incríveis envolvendo o prêmio Nobel da Literatura de 1998, o português José Saramago, que não vinha a Brasília sem antes consultar o Ivan. Mas, antes de finalizar quero contar aqui uma breve historinha mágica. Para quem duvidar, tenho uma foto que posso mostrar. Assisti no final dos anos 80, em São Paulo, à estreia do recital Poesia é risco, em que o poeta concreto Augusto de Campos recitava poemas seus musicados pelo filho e músico de vanguarda Cid Campos, além de outros poemas traduzidos de Ezra Pound, Mallarmé e Artur Rimbaud. Fiquei absolutamente hipnotizado por aquele estilo que misturava erudição com sonoridades estranhas e bem compassadas. Contei ao Ivan e ele prontamente me disse: “Vamos trazer para Brasília”. Dito e feito: dois meses depois, o fantástico recital foi apresentado pela segunda vez por Augusto e Cid Campos em um palco improvisado na porta da Presença para mais de 300 pessoas, entre eles mendigos, embaixadores, prostitutas, artistas e muitos lúmpens e vagabundos que sempre frequentaram aquele ambiente sombrio do Setor de Diversões Sul. Ou seja: além de tudo que fez pelos livros, pelos escritores, pelos poetas e principalmente pelos leitores, Ivan Presença também quebrou barreiras e fronteiras. Eis porque ele mereceu o trófeu “Quixotinho” desta 33ª Feira do Livro. 31


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LUZCÂMERAAÇÃO

Todas as cores

do arco-íris

Cine Brasília vai exibir, com o apoio de 13 embaixadas, 12 longas sobre a temática LGBTI, todos acompanhados de curtas dos respectivos países POR SÉRGIO MORICONI

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assunto já deixou de ser tabu há vários anos, a ponto de festivais importantes, como os de Berlim e São Francisco, dedicarem espaço especial para obras voltadas às questões LGBT. A sigla agora recebe a companhia do I, “intersexo”, termo atualmente utilizado para designar uma variedade de condições em que uma pessoa nasce com uma anatomia reprodutiva ou sexual que não se encaixa na definição típica de sexo feminino ou masculino. O Festival LGBTI, com sessões sempre às 21 horas, no Cine Brasília, quer justamente trazer ao público o leque mais amplo possível de opções da temática, com visões das Américas, Europa e Escandinávia. O filme de abertura, que será exibido excepcionalmente às 19h30, é o ótimo A garota dinamarquesa (2015), de Tom Hooper, com performances marcantes e aposta no emocional. Hooper é o mesmo realizador de A teoria de tudo, filme que deu o Oscar de melhor ator a Eddie Redmayne. Muitos defendem que obras com conteúdo gay já deixaram o nicho cult e contam (muitas delas) com grande suporte financeiro e larga distribuição. A garota dinamarquesa, assim como Minha vida em cor-de-rosa (1997), de Alain Berliner, e Café da manhã em Plutão (2005), de

Neil Jordan, são exemplos eloquentes disso. Todos eles estão programados no festival. No filme de Berliner, Ludovic é uma garota transexual que está começando a assumir sua verdadeira identidade perante o mundo. Seu desejo é se casar com o filho de sua vizinha, mas os novos rumos que dá a sua vida surpreendem a própria família e vizinhos, que não conseguem aceitar, de fato, a felicidade, os desejos e a real identidade de Ludovic. Não deixa de ser surpreendente o fato de Berliner ter estreado na direção com esse filme e ter conseguido um equilíbrio tão sutil entre a realidade e o sonho. Minha vida em cor-de-rosa consegue abordar – num coquetel com igual dosagem de humor, drama e tragédia – as sensações íntimas dos personagens e os ditames sócio-culturais de uma família convencional. Ao contrário de Berliner, o irlandês Neil Jordan já era um diretor inteiramente consagrado quando fez Café da manhã em Plutão. A companhia dos lobos, Mona Lisa e Traídos pelo desejo, realizados entre 1984 e 1992, dão bem a dimensão do seu talento. Curiosamente, os três filmes tocam na questão da sexualidade. Se não é uma especialidade dele, ao menos uma inclinação inteiramente explicitada em Café da manhã em Plutão. A personagem de Patrick “Pussy” Braden é um travesti numa pequena cidade da Irlanda, filho

de um relacionamento entre uma empregada doméstica e um padre. Vejam só o drama: abandonado pela mãe, criado por uma mulher que o odeia. Os trejeitos afeminados do garoto incomodam a mãe adotiva, que o considera uma vergonha para a sociedade. Patrick então decide sair de casa e partir em busca de sua mãe biológica. O filme tem a mesma estrutura do livro em que foi baseado, seguindo, capítulo por capítulo, sua estrutura, no caso específico da adaptação para o cinema, uma opção muito adequada para os futuros desdobramentos da história. Tradicionalmente, países como Noruega (O Homem que amava Ingve, de Stian Kristiansen/2008), Suécia (Beije-me, de Alexandra Therese Keining/2011), Canadá (C.R.A.S.Y. – Loucos de amor, de Jean-Marc Vallée/2005), Países Baixos e Bélgica (Strike a pose, de Ester Gold e Reijer Zwaan/2016), França (Meninos do oriente, de Robin Campillo/2013), EUA (Rompendo barreiras, de Steven Hilliard Stern/1997), Alemanha (Sacha, de Dennis Todorovic/2010) costumam ser mais (muito mais) liberais, abertos, receptivos ou tantas quantas adjetivações mais queiramos dar à tolerância em relação à abordagem gay. Não vamos nos esquecer de que estamos na América Latina! Sacha, o filme de Todorovic, de certa forma aborda as diferentes maneiras de encarar a


Índia plural

No CCBB, 15 filmes que revelam uma nova faceta do cinema indiano

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uando o assunto é cinema, a Índia é geralmente lembrada pelos filmes de Bollywood, como é chamada a gigantesca indústria cinematográfica em língua Hindi, responsável pela produção de filmes popularíssimos, em grande parte tramas de romance, comédia ou ação no formato musical. No país, que chega a produzir quase 2 mil longas-metragens anualmente, também são realizados filmes com diversas outras abordagens, temas e estéticas que formam uma alternativa ao estereótipo bollywoodiano. Nos últimos anos, porém, o cinema autoral da Índia vem chamando a atenção tanto por lá quanto internacionalmente, em festivais pelo mundo. A mostra Novo cinema indiano, que ocupa CCBB entre 20 de junho e 9 de julho, faz um recorte dessa recente produção com 15 longas lançados a partir de 2013, sendo 13 inéditos nas telas de Brasília. São filmes que apresentam um retrato contemporâneo do país em diversas de suas facetas sociais, culturais e refletem anseios e preocupações de sua população. A programação da mostra conta com filmes rodados em sete regiões da Índia e falados em sete de suas 18 línguas oficiais. A seleção das produções foi feita pela brasileira Carina Bini e pelo indiano

Shankar Mohan. Veterano profissional da área do cinema, com décadas de atuação, Mohan foi chefe e diretor do Departamento de Cinema do governo da Índia. Sobre o atual momento do cinema de seu país, ele afirma: “A cada ano, o cenário em constante mudança traz diferentes gêneros de filmes e cineastas”. Produtora de mostras de cinema que viveu vários anos na Índia, Carina Bini aponta três destaques da mostra: “Dirigido pela cineasta Shonali Bose, Margarita com um canudo aborda questões de gênero e inclusão social, dois temas importantes e impactantes dentro da cultura indiana. Protagonizado por duas crianças, O ovo do corvo, de M. Manikandan (foto abaixo), mostra as aventuras desses meninos para juntar dinheiro e comprar uma pizza. Delicado e divertido, foi premiado como melhor filme infantil e melhor ator no Indian National Awards. Já Projecionista, de Kaushik Ganguly, conta a história de um homem que trabalha num cinema que ainda projeta filmes em película, algo cada vez mais raro”. Novo cinema indiano

De 20/6 a 9/7 no cinema do CCBB Brasília (SCES, Trecho 2). Ingressos: R$ 10 e R$ 5. Sinopses e programação completa em bb.com.br/cultura. Divulgação

homossexualidade em diferentes regiões do planeta. O enredo segue o percurso dos Petrovics, moradores de Colônia, na Alemanha. Eles resolvem ir a Montenegro, ex-Iugoslávia, mantendo o mesmo comportamento que tinham em sua cidade original. Sasha está apaixonado pelo seu professor de piano e tem medo de revelar sua sexualidade ao ultramachista pai. A notícia de que ele tenciona se mudar para Viena precipita sua “saída do armário” e produz o conflito que irá se desenvolver a seguir. “Sair do armário” é uma matéria recorrente entre gays. C.R.A.Z.Y. recorre ao realismo fantástico e a um tratamento cômico na esquisita história de amor entre pai e filho. As letras do título dizem respeito aos cinco filhos do machão Gervais Beaulieu. Cada um dos filhos possui as iniciais do nome formando a palavra crazy – que tal? Crazy é também o nome da música favorita do pai. Um dos filhos dele, o penúltimo, Zachary, é o protagonista que nos interessa. O filme é narrado em primeira pessoa por “Zac” desde a barriga da mãe até a idade adulta. A música das décadas de 60, 70 e 80 marca a narrativa, fazendo o contraponto entre o conflito do filho gay e sua inserção em uma família cristã de Quebec nos anos 60. A música de Madonna também é uma definidora do contexto de época e do comportamento do protagonista em Strike a pose, mas já sob o fantasma da Aids. Se o contexto social é desimportante aqui, em Meninos do oriente ele assume uma importância vital: o filme trata de um grupo de meninos provenientes das mais variadas regiões europeias, frequentadores da Gare du Nord, em Paris, e que são observados por um sinistro indivíduo de meia idade. Nenhum deles se parece com o jovem efebo Ingve, de O homem que amava Ingve. A beleza renascentista de Ingve nos faz imediatamente pensar no Tadzio de Morte em Veneza, clássico de Luchino Visconti em que o belo transcende gênero e sexualidade. Uma perspectiva oportuna (do filme e da mostra LGBTI), num momento em que o país, o Brasil, se vê emparedado pelo conservadorismo, por toda sorte de preconceito, e luta para criminalizar a homofobia. Festival de filmes LGBTI

De 22/6 a 2/7 no Cine Brasília. Abertura dia 22, às 19h30, com a exibição de A garota dinamarquesa. Demais sessões às 21h.

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CRÔNICADACONCEIÇÃO

Crônica da

Conceição

Chegando aos 60

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á vivi 21 mil dias. A caminho dos 60, me pego com muitas idades – com 5, quando devoro, sôfrega, um chocolate; com 15, quando estremeço diante de um homem que me chama a atenção; com 30, quando em atividade física; com 40, quando imagino quantas vidas ainda posso viver; com 70, quando me inquieto com o filho que ainda não me deu um neto. Não gosto muito de declarar que estou chegando aos 60 – o que não se faz por uma boa crônica (ou, pelo menos, por uma boa ideia de crônica)? O cronista empresta a si mesmo à crônica, fere a pele na tentativa de encontrar o que de mais verdadeiro possa compartilhar com a alteridade. De um modo límpido e leve. Chego aos 60 como quem se aproxima da nascente do rio que me trouxe aqui. Como diz meu amigo Severino Francisco, daqui pra frente não há tempo para perder tempo – há que se fazer o essencial. Chegando aos 60, encontrei Walt Whitmann. Já não era sem tempo!

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“Dentro de mim a latitude se alarga, a longitude se alonga, Ásia, África, Europa, estão para leste – América está provida no oeste, E atando a saliência dos ventos da terra, o quente equador, Curiosamente para o norte e para o sul viram-se as pontas dos eixos, Dentro de mim está o dia mais longo, o sol gira em anéis oblíquos e não se põe durante meses a fio, Esticado na hora certa dentro de mim, o sol da meia-noite se ergue bem acima da linha do horizonte e aparece novamente, Dentro de mim zonas, mares, cataratas, florestas, vulcões, grupos,

Malásia, Polinésia e as grandes ilhas das Índias Ocidentais.” É uma força da natureza, Walt Whitman. Mais do que inventar uma dicção literária norte-americana, ele namorou o sagrado, o sublime, a completude de tudo quanto há. Fez as pedras estremecerem, sentiu o pulsar do gelo, viu as cores da escuridão. A poesia de Walt Whitman toca no dedo de Deus. Fernando Pessoa não conseguia ler WW de um estirão. Precisava de tempo pra não se perder no poeta: “Nunca posso ler os teus versos a fio... Há ali sentir demais... Atravesso os teus versos como a uma multidão aos encontrões a mim, E cheira-me a suor, a óleos, a atividade humana e mecânica. Nos teus versos, a certa altura não sei se leio ou se vivo, Não sei se o meu lugar real é no mundo ou nos teus versos, Não sei se estou aqui, de pé sobre a terra natural, Ou de cabeça para baixo, pendurado numa espécie de estabelecimento, No teto natural da tua inspiração de tropel, No centro do teto da tua intensidade inacessível.” Perto dos 60, fico mais perto da poesia. Nenhuma outra forma literária é mais intensa e concisa. Às vésperas dos 60, pouca coisa me aborrece ou preocupa verdadeiramente. Tenho em mim a compreensão da finitude. Meu copo não está quase vazio. Ele ainda tem dois dedos de mar pra eu

navegar. Já não quero ir às profundezas, prefiro flutuar ao rés-da-água. Não quero ter razão nem opinião. Pouco discordo e muito menos ainda concordo. Tiro o corpo para não me aborrecer. Deixo a arrogância passar ao largo – e rio dela e de mim, quão arrogante já fui. Não me lembro a última vez que fiquei muito brava. Nem muito triste, nem muito alegre. Perto dos 60, trago em mim todas as idades que vivi e que deixei de viver. Sou criança nas crianças, adolescente nos adolescentes, jovem nos jovens. Sou adulta do meu tamanho, com a soma e a diminuição das vitórias e dos fracassos. Com as coisas que não resolvi ou que ficaram resolvidas pela metade. Nada se resolve por inteiro. A caminho dos 60, já sei o quão pequenininha sou diante do Mistério, com M maiúsculo. Não sou feliz nem infeliz. Sinto o gosto do dia e o cheiro da noite. Vibro, vibro, quando compartilho a condição humana com um desconhecido. Conversas rápidas, únicas, a maioria das vezes superficiais. Na padaria, na feira, na fila. É quando me sinto parte da humanidade. Em larga escala, quando faço parte das multidões uníssonas – nas manifestações políticas da década de 1980/1990. E nas mais recentes, contra o golpe, e nas que virão, por certo virão. Nunca imaginei que daria conta da travessia da vida – ela que, muito cedo, me assustou demasiadamente. Chegando aos 60, tirei os entulhos do meu barquinho e sigo remando rio acima, rio abaixo, indo e voltando, voltando e indo, até o dia em que minhas águas seguirão, por conta própria, até o misterioso mar. Terá sido bom.




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