Roteiro 271

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EDIÇÃO ESPECIAL

Ano XVII • nº 271 Dezembro de 2017

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Rodrigo Ribeiro


Que cidade é esta?

U

ma ideia que parecia completamente surreal. Quando se começou a falar no tombamento de uma cidade ainda muito jovem, as reações foram as mais diversas. E adversas. Já se vão 30 anos desde que essa ideia maluca, tocada pelo Grupo de Trabalho para a Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Brasília (GT Brasília), deu ótimos resultados. Em 7 de dezembro de 1987 a capital brasileira foi inserida na Lista do Patrimônio Mundial, o primeiro bem cultural do Século XX reconhecido pela Unesco. A data coincide com os 60 anos do Relatório do Plano Piloto de Brasília, elaborado por Lúcio Costa; com os 80 anos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan); e, ainda, com os 15 anos da Superintendência do Iphan no Distrito Federal. Momento mais do que adequado a debates e discussões acerca da preservação da cidade e de seus monumentos. É hora de questionar: que cidade é esta? Qual cidade o brasiliense deseja para o futuro? Há muito o que comemorar, com certeza, mas também muito a ser feito, a ser mudado, repensado. A cidade é um organismo vivo, em constante evolução, e o tombamento deve seguir esse processo, impedindo, porém, sua descaracterização. É possível? Segundo o governo e estudiosos do assunto, sim.

A Roteiro foi ouvir a opinião de professores e especialistas da UnB, do Iphan. do Governo do Distrito Federal, de membros dos coletivos e organizadores das ocupações que vêm mudando o jeito de viver Brasília. No centro das discussões está a mobilidade – o ir e vir, o excesso de carros, a falta de transporte público, a necessidade de haver uma integração dos vários meios de locomoção e incentivos a andar a pé e de bicicleta. E o que o excesso de carros tem a ver com a preservação da cidade, com o tombamento? Tudo, como pode ser visto nas páginas a seguir. Gestão, planejamento, cultura, preservação dos espaços culturais, turismo e convivência são outros focos. Os equipamentos voltados à cultura do Distrito Federal estavam abandonados há tempos. Muitos estão fechados. O que está acontecendo com eles? O que diz o secretário de Cultura sobre o assunto? E para o turismo, quais os projetos? Em um ponto todos concordam: há uma moçada fazendo muito não só por Brasília, mas também pelo DF. É a turma dos coletivos e das ocupações. Eles realizam eventos de conscientização sobre a importância do cuidado com a cidade, de andar a pé, de bicicleta e transporte coletivo, e promovem o turismo criativo, usando os espaços públicos para a convivência, priorizando a diversidade. Afinal, a cidade é de todos.

ROTEIRO BRASÍLIA é uma publicação da Editora Roteiro Ltda. | Endereço SHIN QI 14, Conjunto 2, Casa 7, Lago Norte – Brasília-DF – CEP 71.530-020 Endereço eletrônico revistaroteirobrasilia@gmail.com | Tel: 3203.3025 | Diretor Executivo Adriano Lopes de Oliveira | Editora Maria Teresa Fernandes Diagramação Carlos Roberto Ferreira | Capa Carlos Roberto Ferreira, sobre foto de Rodrigo Ribeiro e com aplicação da Marca Brasília | Colaboradores Alessandra Braz, Akemi Nitahara, Alexandre Marino, Alexandre Franco, Ana Vilela, Cláudio Ferreira, Conceição Freitas, Elaina Daher, Heitor Menezes, Laís di Giorno, Lúcia Leão, Luiz Recena, Mariza de Macedo-Soares, Pedro Brandt, Ronaldo Morado, Sérgio Moriconi, Silvestre Gorgulho, Súsan Faria, Teresa Mello, Vicente Sá, Victor Cruzeiro, Vilany Kehrle | Fotografia Rodrigo Ribeiro | Para anunciar 98275.0990 | Impressão Editora Gráfica Ipiranga Tiragem: 20.000 exemplares. 7

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Brasília não é uma Nascida da polêmica, a cidade foi tombada também sob forte controvérsia, 8


Rodrigo Ribeiro

flor de estufa

tanto no Brasil quanto no exterior. Trinta anos depois, o debate prossegue. 9


POR ANA VILELA FOTOS RODRIGO RIBEIRO

“E

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u caí em cheio na realidade”, escreveu Lúcio Costa em 1987, referindo-se a uma visita à Rodoviária do Plano Piloto. Qual a realidade por ele vista? O organismo vivo urbano, tudo muito diferente do que ele havia imaginado, que era “uma coisa requintada, meio cosmopolita”. Ao trazer à tona os 30 anos de inclusão de Brasília na Lista do Patrimônio Mundial da Unesco, é obrigatória esta reflexão: a cidade se constrói cotidianamente. Quando chegou à plataforma da Rodoviária, à noitinha, o autor do Relatório do Plano Piloto de Brasília, que em 2017 completou 60 anos, sentiu “esse movimento, essa vida intensa dos verdadeiros brasilienses”, e viu, então, que “Brasília tem raízes brasileiras, reais, não é uma flor de estufa como poderia ser” (Relatório do Plano Piloto de Brasília, terceira edição, Iphan, 2014). Realmente não. Brasília está mais

para uma caliandra, com flores de vermelho intenso, em pleno desenvolvimento. “Você não cristaliza nada, porque lugares são vivos. Cidades milenares, prédios milenares vão se adequando sem se descaracterizar. A gente fotografa, curte, viaja para ver o quê? O passado, mas com todo o conforto do presente. Agora me diz: como entender esse processo de uma maneira, como se diz aí na mídia, cristalizada, engessada? É impossível.” A análise é da arquiteta e urbanista Maria Elaine Kohlsdorf, professora aposentada da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília, professora de Arquitetura e Urbanismo no Unieuro e membro permanente do Grupo de Trabalho para a Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Brasília (GT Brasília), instituído oficialmente em 1980. Maria Elaine integrou a equipe responsável por trabalhar duro para que Brasília fosse o primeiro artefato moderno a ser inscrito pela Unesco na Lista do Patrimônio Mundial. “O

projeto de Brasília é o mais importante projeto urbanístico do Século XX, pelo menos no mundo ocidental. Quem diz isso não é o Iphan, mas a Unesco. A gente tem que relembrar essa data, avaliar isso, que cidade é esta”, enfatiza o superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Distrito Federal (Iphan-DF), Carlos Madson Reis. E qual é a Brasília preservada? O tombamento da cidade, enquanto patrimônio mundial, é urbanístico e não arquitetônico. Ele compreende principalmente as escalas monumental ou coletiva, concentrada ou gregária, cotidiana ou residencial e a bucólica, última a ser caracterizada pelo urbanista Lúcio Costa. “A questão que importa ao Iphan em Brasília, bem mais do que preservar as edificações, é preservar esse projeto urbanístico, essa concepção de cidade. É evidente que temos também uma preocupação arquitetônica, nós temos bens tombados, protegidos isoladamente somente pelo Iphan. Mas o que é reconhecido pela Unesco


é o conjunto urbano”, explica o superintendente do Iphan. Necessário enfatizar, no entanto, que “ao contrário do que comumente se pensa, as escalas propriamente ditas não são tombadas”, e sim o conjunto urbanístico. As escalas “servem como parâmetro, como referência para a manutenção de características essenciais da cidade” (Superquadra de Brasília – Preservando um lugar de viver, Iphan DF, 2015). Tampouco esse conjunto urbanístico é homogêneo, conforme ressalva Carlos Madson. Além do Plano Piloto, há outros núcleos como o Noroeste, o Cruzeiro, o Sudoeste, a Vila Planalto. As superquadras, fundamentais quando se pensa na Brasília patrimônio, ainda não são protegidas isoladamente, o que está em estudo pelo Iphan. É nas SQS e SQN, com seus grandes quintais, que reside a essência da capital, onde deveria habitar também a essência humana e de convivência, a partir dos pilotis livres, abertos para o ir e vir de todos os cidadãos.

Conjuntos arquitetônicos protegidos pelo Iphan Palácio da Alvorada, Palácio do Jaburu, Espaço Oscar Niemeyer, Palácio do Planalto, STF, Congresso Nacional, Praça dos Três Poderes, Museu da Cidade, Espaço Lúcio Costa, Casa de Chá, Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, Pombal, Esplanada dos Ministérios, Blocos Ministeriais e Anexos, Palácio da Justiça, Palácio do Itamaraty e Anexos, Catedral, Teatro Nacional Cláudio Santoro, Conjunto Cultural Sul, Touring Club do Brasil, Memorial JK, Memorial dos Povos Indígenas, Complexo Cultural Funarte, Quartel General do Exército, Capela Nossa Senhora de Fátima, Catetinho.

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“A proposta de Brasília mudou a imagem de morar em apartamento, e isso porque morar em apartamento na superquadra significa dispor de chão livre e gramados generosos contíguos à ‘casa’, numa escala que um lote individual normal não tem possibilidade de oferecer” (Lúcio Costa no texto Brasília revisitada, 1985-1987: complementação, preservação, adensamento e expansão urbana).

Brasília é considerada a cidade em que “mais profundamente foram aplicados os conceitos do urbanismo moderno, sobretudo naquilo que está contido na Carta de Atenas”, referente ao 1º Congresso Internacional de Arquitetura Moderna, realizado em 1933. Por outro lado, há estudos mostrando que Lúcio Costa se utilizou de várias referências, antigas e modernas, e trabalhou com uma série de conceitos (Superquadra de Brasília), e um deles, apenas inicialmente implementado em sua totalidade, foi a Unidade de Vizinhança (UV). Originárias das ideias do arquiteto e urbanista Clarence Arthur Perry para o Plano Regional de Nova York, de 1923, as unidades em Brasília deveriam ser compostas por quatro superquadras contendo os comércios locais, a igreja, o clube, o cinema, o posto de saúde, a biblioteca, a delegacia e os equipamentos educacionais. Em

uma área a ser percorrida a pé, deveria estar disposto todo o essencial para o dia a dia. “Imaginava o autor do projeto que esses caminhos promoveriam o relacionamento comunitário entre os habitantes” (Superquadra de Brasília). Mas somente uma UV foi construída por completo, o conjunto formado pelas SQS 107, 307, 108 e 308. “Nós temos áreas previstas no projeto original que não foram construídas. Na própria Esplanada dos Ministérios, um dos espaços mais significativos da cidade, o Setor Cultural Norte, próximo ao Teatro Nacional, está incompleto. Nós temos quadras na Asa Norte para serem construídas e uma série de áreas que precisam ainda ser complementadas”, comenta Carlos Madson sobre a Brasília viva e inacabada, tombada tão jovem que pouco dela existia, fazendo o trabalho do GT Brasília ser visto por muitos como uma luta contra moinhos de vento.

Conhecendo as escalas

Gregária: aparece no Plano Piloto, nos setores onde ocorre o encontro da população, ou seja, onde as pessoas circulam em grande aglomeração. É a porção central da cidade, o entorno do cruzamento dos eixos Rodoviário e Monumental. Na escala gregária encontram-se os edifícios mais altos, que se espalham nos quatro quadrantes em torno da Plataforma Rodoviária de Brasília, que correspondem aos setores Comercial, Bancário, de Diversões, Cultural, Hoteleiro, Médico-Hospitalar, de Autarquias e de Rádio e TV, todos com disposição simétrica nas porções norte e sul da zona central. 12

Fotos: Rodrigo Ribeiro

Monumental: é associada aos lugares de representação da função de Capital da República. Espacialmente, corresponde ao Eixo Monumental, desde a Praça dos Três Poderes até a Praça do Buriti, portanto, abarcando as sedes dos poderes da República e do Governo do Distrito Federal.

Bucólica: é compreendida como um elemento que, a um só tempo, serve de moldura, atribui força e leveza ao conjunto urbanístico de Brasília, distinguindo a capital como uma cidadeparque. O predomínio e a presença constante do verde, seja em gramados extensos ou em locais mais arboriza-

dos, entremeado por edifícios espaçados, caracteriza essa escala. Residencial: a inovadora experiência de moradia coletiva que é a própria Brasília, com as superquadras. (Fonte: Superquadra de Brasília – Preservando um lugar de viver, Iphan-DF, 2015).


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A vida passa pelo trânsito.


Entrevista: Carlos Madson Reis

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Fotos: Rodrigo Ribeiro

oi Mário de Andrade, artista fascinado pela identidade cultural brasileira, o responsável pela elaboração, em 1936, do anteprojeto que originou, no ano seguinte, o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), um pedido do então ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema. Passados 80 anos de sua formalização, o agora Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) tem papel inovador reconhecido mundialmente, a exemplo da legislação que trata do patrimônio imaterial. A Superintendência do Iphan no Distrito Federal também tem o que comemorar. São 15 anos fortalecendo a condição de Brasília como patrimônio mundial, título que completa exatos 30 anos neste 2017. Para falar sobre todos esses temas e sobre os 60 anos do Relatório do Plano Piloto de Brasília, nós fomos bater um papo com o superintende do Iphan no Distrito Federal, Carlos Madson Reis, um entusiasta dos caminhos que se configuram para a cidade, a partir dos coletivos que promovem outras formas de ver e de viver o urbano e das ocupações dos espaços públicos com festas e feiras. Para ele, “a cidade é um organismo vivo em permanente mudança. Ela é feita de gente e não somente de pedras”. Por isso, é impossível falar em engessamento, ou que o tombamento cristaliza a cidade. Carlos Madson apresenta ideias, questiona, tenta encontrar soluções e faz dura crítica a atitudes como a tentativa de impedir que crianças brinquem nas áreas livres dos pilotis: “É uma coisa completamente absurda, insensata”.

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Como foi o processo para a inserção de Brasília na lista do patrimônio mundial? Foi um projeto muito polêmico e o reconhecimento se deve em grande parte à competência da equipe do Iphan, que fez o requerimento do bem, no caso Brasília, e o dossiê. Para a apresentação da candidatura à Unesco, é preciso que o Estadomembro, ou seja, o Brasil, faça um dossiê técnico sobre o bem. O primeiro grupo de trabalho para estudar Brasília como patrimônio cultural foi criado em 1980. A cidade ainda não era reconhecida como tal porque se tinha a ideia de que patrimônio cultural era patrimônio antigo. Não se falava da história presente. Brasília veio exatamente quebrar esse paradigma e foi reconhecida pela Unesco com apenas 27 anos de existência. Isso causou muita discussão, não somente aqui, mas também na comunidade internacional, porque se achava que era um bem contemporâneo, moderno, nesse entendimento de que patrimônio é só o passado, só o antigo. A competência da nossa documentação, dos argumentos utilizados, justificou a inscrição. E a partir daí a Unesco passou a reconhecer outros bens contemporâneos. Qual é o caráter do tombamento? É urbanístico. A questão que importa ao

Iphan em Brasília, bem mais do que preservar as edificações, é preservar esse projeto urbanístico, essa concepção de cidade. É evidente que temos uma preocupação arquitetônica, nós temos bens tombados, protegidos isoladamente somente pelo Iphan. Mas o que é reconhecido pela Unesco é o conjunto urbano, que não é homogêneo como a gente imagina. Tem o Plano Piloto, mas tem outros núcleos: o Noroeste, o Cruzeiro, o Sudoeste, a Vila Planalto. É óbvio que esses prédios isolados integram o conjunto urbano, mas não têm um reconhecimento específico enquanto patrimônio mundial. Brasília, apesar de tão nova, já é, portanto, um patrimônio histórico? Sim, porque a história não é somente o passado, mas também o presente. E Brasília é um conjunto urbano que representa um momento muito específico da história brasileira e mundial, que traz princípios de modernidade. O ser humano sempre busca o moderno, o novo, o inovador, e Brasília representa isso. Tanto que um dos critérios que a Unesco utilizou é exatamente isso: o fato de a cidade ser um artefato representativo de um momento histórico da humanidade. É aí que o projeto de Brasília ganha uma dimensão urbanística,

arquitetônica e histórica imensa. Nós temos a responsabilidade de preservar esse bem, não somente o Iphan, mas também a sociedade brasileira, e, agora, a sociedade mundial, a comunidade internacional, da mesma forma como preservamos as pirâmides do Egito e outros bens. O que foi e é mais significativo nesses 15 anos do Iphan no DF? É a importância de reconhecer Brasília como patrimônio cultural brasileiro. Não são somente as cidades históricas, como Ouro Preto, Diamantina e Rio de Janeiro. É um patrimônio moderno. E nós temos que saber como tratar esse patrimônio. Uma superintendência dá a dimensão institucional necessária para abordar esse tema, que é muito novo, não só para o Brasil, mas para a comunidade internacional. Tanto é que Brasília foi o primeiro bem do Século XX reconhecido como patrimônio mundial. Até então a Unesco não havia reconheci- do qualquer bem com menos de cem anos. Qual a maior dificuldade, hoje, de manter o projeto urbanístico de Lúcio Costa? Temos um problema que não é exclusivo nosso, mas em Brasília ele ganha uma relevância muito grande, porque esta é uma cidade nova, o projeto é específico


e autoral. Estamos falando aqui da parte tombada. Outro ponto é que esse projeto ainda não foi implementado na sua plenitude. Nós temos áreas previstas no projeto original e que não foram construídas. Por exemplo, na própria Esplanada dos Ministérios, que é um dos espaços mais significativos da cidade, o Setor Cultural Norte está incompleto. Nós temos quadras na Asa Norte para serem construídas e uma série de áreas que precisam ainda ser complementadas. E isso traz dificuldades no dia a dia. E quanto à gestão? Sim, outra questão é o processo de gestão urbana no Brasil. A área federal não tem competência para fazer a gestão do uso e ocupação do solo, que é de competência dos Estados e municípios, r isso traz dificuldades de gestão, de articulação. O que estamos fazendo em Brasília? Assinamos uma acordo de cooperação técnica com o GDF exatamente para criar um ambiente colaborativo e formar um alinhamento na gestão da área tombada. E isso tem dado bons resultados, porque baliza a tomada de decisão política, e mesmo técnica, com relação a esse projeto. É um trabalho ainda incipiente, mas tem funcionado bem. Um grupo de trabalho técnico instituído para fazer a articulação dos entes envolvidos se reúne quinzenalmente para discutir aspectos técnicos. Estamos avançando ainda. Sempre vem à tona a discussão de que o tombamento engessa a cidade. Isso não procede. O tombamento não engessa a cidade, a cidade vem se desenvolvendo, vem crescendo, muitos setores foram feitos. A preocupação do Iphan é de que não se perca a originalidade e a constituição urbanística da cidade, que não se desvirtue. A superquadra, por exemplo, tem critérios característicos de preservação, como a manutenção do gabarito em seis pavimentos, e na Portaria 166/2016 definimos uma altura máxima, que não existia. Alguns prédios da Asa Norte têm uma altura maior, graças a alguns artifícios arquitetônicos. O pilotis livre, outra característica de Brasília, também é um critério de preservação da superquadra, além da manutenção da Esplanada dos Ministérios da forma como ela se encontra e uma série de outros critérios que são específicos dessa conformação urbana. Não é que o projeto urbanístico não possa ser adaptado e alterado. Muitas modificações aconteceram no projeto desde o início. O júri do concurso recomendou, por exemplo, que a cidade se aproximasse mais do Lago Paranoá. Com isso, o Eixo Monumental foi bastante esti-

cado. Logo na implantação viu-se que a área central estava subdimensionada, então ela foi ampliada. Por isso foram suprimidas as quadras 101, 201, 301... As 400 não existiam no projeto original, nem as 600, 700, 800, 900. Tudo isso demonstra que o tombamento não engessa a cidade, desde que sejam obedecidos os critérios de preservação. Estou em Brasília desde 1972 e vi muita mudança acontecer. Uma delas foi a ligação direta da W3 Norte com a W3 Sul. Isso não existia e era algo que não funcionava. A cidade é um organismo vivo, está em permanente mudança. Ela é feita de gente e não somente de pedras. Como o senhor vê o fato de uma síndica tentar impedir crianças de brincarem sob o prédio? É uma coisa completamente absurda, insensata. Esses são espaços de convivência e foram concebidos para isso. A cidade não foi pensada para os moradores ficaram confinados. Ao contrário. É uma concepção de espaços livres, do livre caminhar, da visualização. As pessoas não entendem que, muitas vezes, esse livre olhar, esse espaço amplo, cria mais segurança. Por ter esse espaço livre, o porteiro de um prédio olha o do outro prédio, vê quem está chegando, e isso cria muito mais segurança do que uma cidade com becos. Então as pessoas começam a cercar e isso cria muito mais insegurança. Não é um mero capricho. É a preocupação de preservar a qualidade urbana e de vida, espacial, com a qual a cidade foi concebida. As superquadras são os quintais abertos, as áreas livres, verdes. Mas há pontos que precisam ser revistos, como a travessia do Eixo Rodoviário. A travessia do subsolo não funcionou, daí o número de acidentes. A velocidade da via é muito alta, 80 km/h, e já foi 100 km/h,

porque é considerada uma estrada, mas é uma via urbana. Brasília tem uma concepção rodoviarista, não podemos nos esquecer desse contexto histórico, ou a gente fica com um discurso anacrônico. Naquela época, o carro era visto como uma grande solução para a mobilidade urbana. Agora, o mundo inteiro está percebendo que não é. Todas as cidades ditas modernas estão revendo essa ideia, limitando o acesso do carro ao centro, criando mais áreas de pedestres e incentivando o uso de outros modais, como a bicicleta. O que Brasília ganha com o tombamento? Primeiro, visibilidade internacional, política e histórica. Cidades disputam ser patrimônio mundial porque isso gera renda, interfere beneficamente na economia. Se as características urbanísticas de Brasília não forem preservadas, há o risco de perder o título de patrimônio mundial? Há o risco de perder, sim. Nós mandamos anualmente um relatório para a Unesco. Não temos risco iminente, mas é preciso ter cuidado, sobretudo com o processo de gestão urbana, mas que é possível é. Existe a intenção de pleitear à Unesco a inclusão de algumas das edificações de Brasília como patrimônio mundial? Sim, existe essa intenção. O Palácio do Itamaraty é um dos exemplos mais significativos da arquitetura moderna mundial, certamente um dos mais belos exemplares, assim como o Palácio da Alvorada. Então, temos a intenção de pleitear, mas isso requer estudo, trabalho, como foi com o conjunto moderno da Pampulha, em Belo Horizonte, reconhecido em 2016 como patrimônio mundial. Não existem exemplares mais significativos da arquitetura moderna no mundo do que os que temos aqui.

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Mario Fontenelle

O presidente JK no Marco Zero de Brasília, com Israel Pinheiro e assessores.

Início da construção dos edifícios que iriam compor a Praça dos Três Poderes.

Nascimento e POR SILVESTRE GORGULHO *

renascimento

O nascimento – Do papel ao concreto Sim, primeiro é a gestação. Depois o nascimento. Há 61 anos, Brasília começava a ser gestada no papel. Era a burocracia das ordens, das leis e dos conformes, antes do ronco dos tratores e das curvas de nível. Antes mesmo de ter um projeto urbanístico aprovado. A criação da Novacap, a própria publicação no Diário Oficial do edital do concurso para escolha do projeto do Plano Piloto e a aprovação dos decretos pelo Congresso Nacional eram imperativos de que tudo viesse antes de se “colocar a mão na massa”. Eu sei. Brasília fez 57 anos. São 57 anos da inauguração. Mas, na verdade, a ‘construção’ pra valer começou em 1956 – portanto, há 61 anos. A Novacap já é uma sessentona. Vale a pena rememorar algumas datas importantes que se deram naquele ano de 1956. Lá se vão seis décadas. Tudo começou com a eleição do presidente Juscelino Kubitschek de

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Lúcio Costa apresenta seu projeto a JK, junto com Israel Pinheiro e Niemeyer.

Oliveira, em 3 de outubro de 1955. Com a posse de JK, o Brasil deu uma reviravolta política, econômica e cultural. O país se redescobriu ao ocupar o grande vazio do Centro-Oeste e ver, em cinco anos, JK cumprir todas as 30 metas prometidas em sua campanha. Trinta metas e mais uma, pois a construção de Brasília era sua meta-síntese. Vamos, então, ao resumo dos principais acontecimentos que se deram em 1956: 31 de janeiro. Juscelino Kubitschek, com 54 anos, toma posse como o 21º Presidente da República do Brasil e garante que vai cumprir o Plano de Metas anunciado durante a campanha. 18 de abril. JK viaja para Manaus num avião da FAB. A comitiva presidencial programa descer em Goiânia. O governador de Goiás, Juca Ludovico, espera JK com uma multidão no aeroporto, para assinar e festejar a mensagem ao Congresso do projeto de lei sobre a mudança da capital federal. Mau tempo em Goiânia. O C-47 da FAB, após várias tentativas de aterrissagem, desloca-se para o aeroporto mais perto, de Anápolis. Eram


Fotos: Acervo do Arquivo Público do DF

5h30 da manhã. Num botequim, depois de uma “média com pão e manteiga” e na presença de alguns curiosos, JK assina a mensagem para o Congresso sobre a transferência da capital do Rio para Brasília e marca a data de inauguração. Antes, corta com um risco a palavra Goiânia e escreve Anápolis. Daí, “Mensagem de Anápolis”. 19 de setembro. O Congresso aprova a lei que o autoriza a tomar as providências para a transferência da capital para o Planalto Central, com dia marcado: 21 de abril de 1960. O projeto se converte na Lei nº 2.874, que também cria a Novacap. A votação é dura. Nas comissões, nunca houve mais de três votos de diferença. Em plenário, quem desempatou a favor de Brasília foi o PRP de Adhemar de Barros, graças ao trabalho de seu líder, o deputado maranhense Neiva Moreira. Nesse mesmo dia, Ernesto Silva, presidente da Comissão de Planejamento da Construção e da Mudança da Capital Federal, lança o edital para o concurso do Plano Piloto. Participaram da elaboração do edital Israel Pinheiro, Oscar Niemeyer, os arquitetos e professores Raul Pena Firme e Roberto Lacombe. 30 de setembro. É publicado no Diário Oficial o edital do concurso para escolha do projeto do Plano Piloto, com premiação para os cinco melhores projetos: Cr$ 1 milhão para o primeiro, Cr$ 500 mil para o segundo, Cr$ 400 mil para o terceiro, Cr$ 300 mil para o quarto e Cr$ 200 mil para o quinto lugar. 2 de outubro. JK faz a primeira visita à área onde vai ser construída a nova capital. E diz a mais forte e a mais lembrada frase sobre o sonho de construir Brasília: “Deste planalto Central, desta solidão que em breve se transformará em cérebro das altas decisões nacionais, lanço os olhos mais uma vez sobre o amanhã do meu país e antevejo esta alvorada com fé inquebrantável e uma confiança sem limites no seu grande destino”. 10 de novembro. É inaugurado o Catetinho, símbolo do idealismo e da esperança de milhares de brasileiros que participaram da construção da nova capital. Seu primeiro nome foi Palácio de Tábuas. Por ser o local em que JK se hospedava para acompanhar as obras, o galpão ganha o carinhoso nome de Catetinho, em referência ao Palácio do Catete, à época sede do governo federal, no Rio de Janeiro. 16 de dezembro. Bernardo Sayão inaugura o primeiro núcleo provisório para servir de centro de atendimento, almoxarifado, centro comercial e de lazer para os trabalhadores da construção de Brasília. O núcleo passa a se chamar Cidade Livre. Hoje, Núcleo Bandeirante.

No sentido horário: o presidente JK no Palácio da Alvorada, a abertura da Avenida W3 Sul e os primeiros edifícios do Setor Bancário Sul e da Praça dos Três Poderes.

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Poligonal de tombamento

O renascimento – Tombamento há 30 anos

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O projeto do arquiteto e urbanista Lúcio Costa, que derrotou outras 25 propostas perante um júri internacional, não era apenas o traçado de uma cidade voltada para a administração pública. O Plano Piloto do doutor Lucio expressou a monumentalidade de um sítio culturalmente sagrado e a grandeza de uma vontade nacional. Em 16 de março de 1957 iniciaram-se as obras de terraplanagem e infraestrutura para a construção da Cidade- Parque. Uma capital a sugerir uma nova concepção de vida, baseada no resgate de valores essenciais ao bem-estar coletivo. E com apenas 27 anos de vida, em 7 de dezembro de 1987, a obra de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer foi reconhecida como Patrimônio Cultural da Humanidade. Sim, a Unesco, que sempre se preocupou em preservar, para o presente, monumentos do passado, a partir de Brasília, ao contrário, passou a preservar para o futuro os monumentos do presente. Essa é a história da preservação da cultura universal que os brasileiros, especialmente os brasilienses, precisam estudar, têm o dever de acompanhar e a obrigação de defender. Como homenagem e para celebração desta data, bem que a geração Brasília podia fazer da bacia do Paranoá o Centro Histórico da Capital da República. Ou seja, providenciar o tombamento de toda bacia do Paranoá e com isto proteger o Plano Piloto e arredores. A filha de Lúcio Costa, Maria Elisa, guardiã de sua memória, explica que essa decisão significaria ter algum controle sobre o que se pretenda fazer nessa área, justamente para

preservar a paisagem do horizonte de Brasília, que é parte da cidade. “É evitar que o ‘avião’ fique preso dentro de uma paliçada de prédios de 20 e 30 andares. Não se trata de propor nenhum plano para a área, mas simplesmente de os órgãos de preservação terem o poder de fiscalização sobre o que der e vier. Com direito de veto”. Vale lembrar o próprio doutor Lucio: “O importante, ao se pensar na preservação, no adensamento ou na expansão de Brasília é não perder de vista a postura original. É estar-se imbuído de lucidez e sensibilidade no trato dos problemas urbanos. É perceber que coisas maiores e coisas menores têm im­portância análoga, considerada cada uma em sua escala. Brasília é a expressão de um determinado conceito urbanís­ tico, tem filiação certa, não é uma cidade bastarda”. Juscelino Kubitschek foi um presidente estadista que fez o Brasil avançar 50 anos em cinco, conforme sua promessa de campanha. A força da personalidade e do destino de JK era tão extraordinária que, se ele não tivesse construído Brasília naqueles exatos cinco anos, Brasília jamais teria sido construída. Jânio Quadros, eleito em 1961, não iria fazê-lo, pois era contra Brasília. João Goulart, cercado de crises por todos os lados, muito menos. E os militares não teriam imaginação para tanto. Brasília continuaria sendo um belíssimo sonho constitucional. Imaginem José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique, Lula, Dilma Rousseff ou Michel Temer tentando construir Brasília. Não teriam licença ambiental do Ibama nem pra fazer o Catetinho. * Jornalista, ex-Secretário de Cultura do DF.


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Acervo Setur-DF

Um tombamento surreal O artista visual Aloísio Magalhães, que morreu em junho de 1982, foi quem teve a ideia maluca de transformar Brasília em patrimônio mundial.

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omo? Uma cidade tão jovem? Imagina!” – foi a expressão incontida da arquiteta e urbanista Maria Elaine Kohlsdorf quando ouviu de Aloísio Magalhães algo mais ou menos assim: “Olha, eu estou com umas ideias aí de tornar Brasília patrimônio da humanidade”. Isso foi em 1979, 1980, quando Brasília era ainda uma menina, como bem pontua Maria Elaine, membro permanente do GT Brasília. “Foi dele a primeira ideia de preservar a cidade. Tem muitos mitos e len-

das aí, que foi iniciativa de um político ou de outro, mas não. O Aloísio revolucionou a visão patrimonial”, afirma Maria Elaine. Aloísio Magalhães, que esteve à frente da então Subsecretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan) e foi o primeiro presidente, em 1979, da Fundação Nacional Pró-Memória, notou que “uma série de agressões imobiliárias ameaçavam a cidade e isso foi o que o fez acender a luz vermelha”. A então coordenadora do GT Brasília, a arquiteta e urbanista Briane

Bicca, que era do Sphan, conta no livro GT Brasília: memória da preservação do patrimônio cultural do Distrito Federal (Iphan-DF, 2016) que os primeiros movimentos para a formação do grupo começaram em 1979. “No início havia até uma ironia a respeito do nosso trabalho, faziam aquele riso chocho assim, de canto de boca, loucos esses... Tratar da preservação de Brasília em 1979, quando ela tinha 18 anos... Mas o Aloísio, com a sua visão de ir abrindo horizontes, se engajou imediatamente, sendo grande incentivador.”


caiu no nosso colo como missão para dentro de 30 a 90 dias, não sei, estar pronto, dentro da Unesco, e a gente tinha material, porque a gente vinha trabalhando nisso havia cincos anos”. A premissa era, portanto, a do planejamento. “O enfoque que se dava, e se dá ainda na Alemanha, é o do planejamento, quando se trabalha com sítios antigos. Não é um enfoque de mera preservação, cristalização, usar um único instrumento, que é o tombamento, mas é muito mais de planejamento integrado”, acrescenta Maria Elaine. Concepção que, no entanto, foi abandonada depois. “Isso foi o final de uma ópera triste, porque todo o trabalho do GT, durante sete, oito anos, foi voltado para o planejamento.” Ao final, houve pressa: “Digamos, um açodamento político, e aí já foi ênfase do GDF, mas teve um resultado positivo, porque também não se sabe, se nós tivéssemos esperado um pouco mais para concluir os trabalhos, para termos um plano de preservação da cidade, se nós teríamos conseguido a inscrição dela na Unesco”, contextualiza Maria Elaine, que chegou a Brasília em 1974 “para ficar pouco”. Mas ela e o marido, que vieram em função da UnB, foram se apaixonando pela cidade, e aqui os filhos e os netos nasceram. Brasília se tornou o laboratório do

casal, não somente o Plano Piloto, “mas a grande Brasília, que hoje tem mais de três milhões de habitantes, onde somos um bairro pequeno”. Fácil ver que a ideia de planejamento se insere até na forma de morar da arquiteta gaúcha. Mas, então, esse tão sonhado planejamento, deixado lá atrás, ainda tem jeito? “Claro que sim. A cidade já se descaracterizou, mas o fundamental não tanto, no sentido da ótica de Lúcio Costa. A nossa caracterização no GT foi mais geral, mas abraça as escalas, ainda preservadas, algumas mais que as outras.” De ideias malucas como a do artista visual Aloísio Magalhães – morto cerca de dois anos depois de ser oficialmente criado o GT Brasília, em junho de 1982, em Pádua – muitas vezes é feita a história. A equipe do GT apostou na insanidade de transformar uma pretendida flor de estufa, ainda muito jovem, em patrimônio mundial. O desvario se fez real e completa 30 anos protegendo Brasília. Entre o azul, o verde, o concreto e a imensidão – “No ar! No amplíssimo celeste!” –, por mãos aqui nascidas ou vindas de todo o Brasil e do mundo, a flor do cerrado, “a cidade branca, a cidade Vênus” (Pablo Neruda), adquire, dia a dia, pinceladas fortes de uma identidade única. Rodrigo Ribeiro

Apesar de o GT, formado pelo Ministério da Educação e Cultura, por meio do Sphan, do Governo do Distrito Federal e da Universidade de Brasília, ter sido o responsável pela elaboração do dossiê enviado à Unesco, que, em dezembro de 1987, inseriu Brasília na Lista do Patrimônio Mundial, ele surgiu antes. Na época, Maria Elaine Kohlsdorf, que havia entrado em contato pela primeira vez com o patrimônio histórico de sítios urbanos em Stuttgart, teve uma entrevista com Aloísio Magalhães. Ele analisou seu trabalho desenvolvido para uma cidade do Século XI, no sul da Alemanha, e declarou logo: “Estou com umas ideias aí...” Maria Elaine realmente achou tudo muito absurdo, mas aceitou o desafio. Assim foi nascendo o grupo de trabalho, voltado, inicialmente, não para o tombamento, mas para a preservação do patrimônio histórico, cultural e artístico de Brasília. Maria Elaine relata que “tudo começou com uma equipe grande, em uma discussão imensa, coordenada desde o início pela Briane, que hoje trabalha com monumentos em Porto Alegre. Nesse movimento envolvendo tanto a UnB quanto o Iphan, que foi incansável em termos de apoio a uma ideia nova, completamente surreal, o GDF ficou um tanto na defensiva”. A arquiteta conta, no livro GT Brasília, que “no caso da preservação da cidade, o trabalho que foi enviado para a Unesco partiu de um exame extenso do que acontecia dentro do território do DF para eleger vários projetos que acompanharam o dossiê”. Portanto, o estudo inicial não teve como foco somente o Plano Piloto: “Começamos pelas fazendas antigas, pelos acampamentos, por Planaltina, por Brazlândia”, acrescenta Briane, que em 2013 passou a coordenar o PAC Cidades Históricas em Porto Alegre. Também integrante do GT, a arquiteta e urbanista Yêda Virgínia Barbosa, no Iphan desde 1982, reforça que o objetivo da equipe não era o dossiê, mas estabelecer parâmetros, diretrizes e abordagens para a preservação de Brasília. “Na verdade, isso [o dossiê]

A arquiteta e urbanista Maria Elaine Kohlsdorf, integrante do GT Brasília.

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Melhorar a cidade

é tarefa coletiva

O tombamento é um instrumento importante, mas sozinho é insuficiente. Todos devem trabalhar juntos para um desenvolvimento humanizado da cidade. Foi pensando exatamente em formar cidadãos conscientes que o Iphan lançou o livro Gabriel em Brasília – A cidade com asas, de Elisa Leonel, para ser distribuído nas escolas do Distrito Federal. Editou também a publicação Superquadra de Brasília – Preservando um lugar de viver, porque o cuidado com o bem público não é obrigação somente do governo. “A comunidade é a melhor guardiã de seu patrimônio”, destacou, um dia, Aloísio Magalhães, que, lá em 1979, à frente da Subsecretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), teve a desvairada ideia de promover o tombamento de uma cidade ainda muito nova. O arquiteto e urbanista Benny Schvarsberg fala de estudos e pesquisas

que revelam a baixa consciência acerca do tombamento, seu significado e alcance, tanto por parte dos brasilienses que moram na área tombada, quanto pela maioria (cerca de 81 %) que vive fora dela. “Com educação patrimonial e políticas públicas voltadas para a humanização da cidade é possível avançar na consciência da preservação do patrimônio histórico de forma democrática e republicana”, incentiva. A exclusão social dos segmentos mais pobres, que não têm direito à cidade no sentido de poder usufruí-la plenamente, é, para ele, outro ponto que exige atenção. Brasília, assim como as demais cidades brasileiras, pode ser cada vez mais humanizada com a qualificação das áreas públicas e coleFotos: Rodrigo Ribeiro

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que falta hoje? “É vontade política, não adianta”, sentencia a arquiteta e urbanista Maria Elaine Kohlsdorf. Mas falta somente vontade política para que a preservação seja efetiva? “Há cidadãos que atuam na preservação e cidadãos que atuam na destruição em função de seus interesses particulares e pecuniários”, completa o arquiteto e urbanista Benny Schvarsberg, mestre em Planejamento Urbano e doutor em Sociologia Urbana, professor de Urbanismo e Planejamento Urbano da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB. Brasília, cidade nascida do nada, praticamente do dia para a noite. Quando se anda por aí, na urbanidade viva cotidiana, poucos devem refletir sobre a importância dessa história. Por que pensar que, entre 1957 e 1959, Hélio Uchôa, Oscar Niemeyer, Marcelo Campello, Sérgio Rocha e outros traçavam as primeiras construções de um sonho? (Superquadra de Brasília – Preservando um lugar de viver, Iphan, 2015)? Por que dar importância, por que olhar o que habita por trás dos “prédios soltos do chão sobre pilotis, no gabarito médio das cidades europeias tradicionais – antes do elevador – harmoniosas, humanas, tudo relacionado com a vida cotidiana; as crianças brincando à vontade ao alcance do chamado das mães?” (Lúcio Costa) Por que perder tempo, no dia a dia, com consciência cidadã e histórica?

O arquiteto e urbanista Benny Schvarsberg, da Universidade de Brasília.

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tivas, “atraindo as pessoas para atividades, usando mais os espaços urbanos como acontece com iniciativas como blocos de carnaval de rua, o isoporzinho para o piquenique nos gramados das quadras, o Eixão do Lazer no domingo, o uso da orla do lago etc. Nada disso fere o tombamento, ao contrário, o fortalece”. Há outra grave vertente, além da exclusão e do sentimento de não pertencimento que ele pode gerar, considerada pela arquiteta Maria Elaine Kohlsdorf. “É uma coisa muito maior, muito mais profunda, muito mais grave, que eu, sinceramente, não sei como resolver nesta altura do campeonato, que são valores culturais, éticos, morais, cidadãos etc”. Para ela, cidadania é amor ao lugar. “O que a gente ama, a gente cuida. Agora, se a gente ama mais o dinheiro do que o lugar,

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esse lugar vai ser visto como um ente que me dá lucro. Como a gente faz aí uma revolução de valores?”, questiona. Institucionalmente, já houve avanços, a exemplo da Constituição de 1988, que trouxe a função social da propriedade. “Nós temos os instrumentos jurídicos, mas nós não temos valores na sociedade, então continua sendo uma batalha... esses puxadinhos... não tem como, são área pública. É crime. O fulano está auferindo lucro com um bem que é de nós todos”. No entanto, Maria Elaine considera as superquadras muito preservadas no que é fundamental delas, que seria o morar no bosque: “È você ter os prédios residenciais e familiares com esse envoltório de massa arbórea.” Ela e o marido moram na SQS 103, uma das primeiras superquadras que tiveram a área do pilotis cercada, para a indigna-

A escritora e jornalista Conceição Freitas: fundamental é ter uma cidade bem cuidada.

ção do casal, que, na briga, foi vencido. Tanto o fechamento dos pilotis quanto as invasões de área pública são, para a arquiteta, inaceitáveis. E o sétimo pavimento coletivo ganha, com a urbanista e integrante do GT Brasília, ainda mais polêmica. “Todos os meus colegas são frontalmente contra. O que adianta proibir o tal do sétimo pavimento coletivo e ter maior fechamento aqui embaixo? Porque foi isso o que aconteceu. Nessa polêmica, teve liberação de maior ocupação de pilotis. Para quê? Para salão de festa, salão de reunião condominial. Ou seja, o sétimo pavimento liberaria os pilotis, deixando as prumadas abertas, tudo livre e um belo jardim, tudo o que se pede em termos de sustentabilidade.” Outro problema é entender a arquitetura, o edifício, como um bem de troca e não como um bem de uso. Maria Elaine revolta-se: “Os setores centrais são um desastre. Então, a mais descaracterizada das escalas é a gregária. Isso afronta a ideia inicial da cidade. A escala gregária só piorou. A liberação do direito de construir foi atroz. O que é aquele Setor Hoteleiro Norte, pelo amor de Deus?”. Quando o assunto é preservação, as opiniões dos moradores são tão divergentes quanto as obras de reforma que vêm sendo realizadas nas superquadras, por exemplo. A jornalista e escritora Conceição Freitas não tem dúvidas: “Brasília está perfeitamente protegida. Porque o grande barato do tombamento foi que você não tombou prédios, você não paralisou a cidade, você tombou o princípio, as escalas, os gabaritos, os seis andares, os vazios, o formato da cidade, o conteúdo mais importante que são os seus princípios”. Natural do Amazonas e com 30 anos de Brasília, o que ela vê, de fato, é a necessidade de a cidade receber mais atenção: “A questão fundamental, para mim, é ter uma cidade bem cuidada, jardins, arquitetura, pistas para pedestres, mobilidade urbana”. Quem vai direito ao ponto, mas na direção contrária, é o poeta Nicolas Behr, que chegou a Brasília em 1974: “O tombamento foi uma coisa muito


Fotos: Rodrigo Ribeiro

boa, se não o Plano Piloto já teria virado uma Águas Claras. O brasiliense se orgulha muito do título de patrimônio da humanidade, mas não quer pagar o preço. Quer mudar fachada de prédio, quer cercar pilotis, quer colocar um andar a mais, quer mudar o gabarito. Se quer ser patrimônio mundial tem que fazer alguns sacrifícios, que não são grandes. Tem que se adequar”. O planejamento deve caminhar junto à consciência do cidadão. Nesse assunto, muitas são as falhas. “Existe um paralelismo no Brasil, que é fatal, e aqui em Brasília se agudiza, entre as duas vertentes de olhar as cidades que são consideradas bens valiosos para as memórias dos povos. Esse paralelismo está situado entre a vertente que fala de planejamento urbano, planos diretores, estatuto da cidade etc. e a vertente patrimonial”, analisa Maria Elaine, para quem o tombamento é ape-

nas um instrumento que, por si só, não garante nada, nem obriga a nada, apenas diz estar sob proteção. O próprio GT Brasília foi inicialmente pautado pelo planejamento, porém houve pressa em tombar a cidade e essa parte tão necessária ficou para trás ou, então, é feita sem atuação conjunta. “A gente acaba tendo planos paralelos. E isso é completamente absurdo. As cidades que são testemunhos importantes da memória dos povos precisam contagiar todos os instrumentos de gestão urbana, não apenas os órgãos de planejamento do espaço urbano, mas todas as concessionárias, as infraestruturas. Não é essa dispersão de saberes, de olhares, de ações etc”. Benny Schvarsberg considera que, em primeiro lugar, é preciso expandir as qualidades do Plano Piloto para todo o DF e a periferia metropolitana para que a cidade se desenvolva manten-

do a qualidade de vida. “Há anos está em discussão o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília, o que é natural, a meu ver, pois o assunto é difícil e os interesses são múltiplos.” Ele destaca como prioritário “qualificar a mobilidade urbana, priorizando o pedestre, o ciclista e a integração intermodal dos transportes públicos, com uma política pública de desestímulo ao transporte motorizado particular”. Neste momento dos 60 anos do relatório de Lúcio Costa, Benny sugere que seja priorizada a discussão da qualificação da chamada escala gregária, ou seja, as áreas mais centrais da cidade, aquelas que constituem o coração da cidade. “Essas áreas demandam muitos projetos e intervenções paisagísticas e arquitetônicas de qualidade que humanizem e promovam a urbanidade, o convívio generoso e plural de toda a população no espaço público e coletivo.”

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Agência Brasília

Menos carro,

mais consciência

Redução de velocidade, melhoria dos transportes públicos com integração intermodal e medidas restritivas ao uso do carro estão entre os caminhos para a mobilidade urbana.

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arro, carro, carro! Cada vez mais carros. Falta de transporte público adequado, pouco incentivo à cultura do andar a pé ou de bicicleta, uma falsa e triste ideia de que andar de ônibus não é para todos, falta de consciência da importância de oferecer carona solidária... Falta de consciência de todos os lados e setores, e ponto. Quando Brasília foi pensada, quando o projeto de Lúcio Costa ganhou o concurso, a relação humana com o carro era incipiente. Acreditava-se que o carro era a solução para a mobilidade urbana. Fora isso, Brasília nasceu de uma concepção rodoviarista: “E houve o propósito de aplicar os princípios francos da técnica rodoviária – inclusive a

eliminação dos cruzamentos – à técnica urbanista...”, escreveu Lúcio Costa em seu relatório. Mais adiante, acrescentou que “... não se deve esquecer que o automóvel, hoje em dia [lá em 1957], deixou de ser o inimigo inconciliável do homem, domesticou-se, já faz, por assim dizer, parte da família”. E prossegue: “Ele [o carro] só se ‘desumaniza’ readquirindo vis-à-vis do pedestre feição ameaçadora e hostil quando incorporado à massa anônima do tráfego. Há então que separá-los...”. Quem vive Brasília com o coração entende profundamente o mal que o carro representa. É o exemplo do poeta Nicolas Behr. “Eu vivo [a cidade] em constante conflito, porque o conflito gera poesia, criação, mas cada vez

menos eu vou me adaptando à cidade, ela é que vai se adaptando a mim. E uma coisa que me incomoda é a questão do carro, a falta de um transporte público de qualidade. O começo do fim de Brasília é o carro.” E agora, o que fazer para evitar esse “fim de Brasília”? “A solução passa por inverter as prioridades. Precisamos raciocinar como pessoas, não como condutores. Nossa condição natural é de pessoas, usando os recursos do próprio corpo para fazer os deslocamentos. Estar a bordo de veículos, como condutor ou passageiro, é uma mera circunstância”, sentencia o engenheiro Paulo César Marques da Silva, doutor em Estudos de Transportes pela University College London (Reino Unido), pro-


zinho. Essa diferença, porém, pode significar sobreviver ou não a uma colisão. Porque a energia envolvida em um choque não varia linearmente com a velocidade, mas com o quadrado da velocidade.” Assim, o conceito de cidade calma está associado justamente ao questionamento da prática de velocidades elevadas, pois o princípio que prevalece é o da preservação da vida e da convivência, em detrimento da pressa. “Valorizar mais o viver a cidade do que o meramente passar por ela”, conceitua. Outra saída é, sem dúvida, o incentivo a formas diversas de locomoção, entre elas o ciclismo, o que, para o especialista em transportes, não é somente uma questão de construir ciclovias. A promoção do uso da bicicleta passaria primeiro pelo compartilhamento do sistema viário entre todos os usuários, motorizados ou não. “A ciclovia protege os ciclistas, mas é uma proteção que segrega, exclui uma parcela de legítimos usuários dos espaços de circulação. É uma solução a ser adotada com critério. O caso geral não é o de segregar, mas o de integrar, compartilhar. Aí voltamos à questão da velocidade”, enfatiza. Benny Schvarsberg também traz uma visão polêmica. De acordo com ele, pesquisas têm revelado que quem mais entope de carros o centro da área

tombada são os moradores do próprio centro e não os da periferia. “Temos altíssimo índice de motorização, especialmente no centro, Plano Piloto e arredores.” Talvez a solução para o que ele chama de “apagão geral da mobilidade urbana” seja somente uma. “Experiências mundiais têm demonstrado que só com integração intermodal com ênfase nos pedestres, ciclistas e transportes públicos, se pode reverter esse quadro que estamos vivendo em Brasília e demais cidades brasileiras. Mas a melhoria dos transportes públicos com integração intermodal é insuficiente; medidas restritivas e desestimulantes do uso do carro particular são também fundamentais.” Essenciais nesse debate são a participação e a conscientização da sociedade. Paulo César Marques ressalta o fundamental papel dos veículos de comunicação social nessa tarefa, assim como aconteceu nos anos 1990 com a campanha Paz no trânsito. “É essencial que a sociedade se mobilize, desta vez por um modelo sustentável de mobilidade. Temos, desde 2012, uma lei federal que estabelece a Política Nacional de Mobilidade Urbana, fundamentada na sustentabilidade, que deveria estar pautando as gestões locais, mas o instrumento é largamente desconhecido da população.” Rodrigo Ribeiro

fessor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da UnB. Ele traz para a reflexão alguns dados já conhecidos e preocupantes. O Plano Piloto foi pensado para abrigar uma população de 500 mil habitantes e hoje o Distrito Federal tem mais de três milhões. “O cálculo de Lúcio Costa, de um carro para cada quatro pessoas, daria um total de 125 mil veículos, mas o DF tem hoje uma frota que é mais de 13 vezes isso” (1.709.339 veículos, de acordo com dados do Detran de 14/11/2017). Também considera necessário resgatar um aspecto essencial do projeto de Brasília: “Esta é uma cidade para se andar a pé. O uso de veículos deveria se restringir a apenas alguns deslocamentos”. Paulo César ressalta que as Unidades de Vizinhança, compostas por quatro quadras, deveriam prover os serviços de que as famílias precisam no dia a dia. Esses espaços de aproximadamente 700 x 700 metros deveriam ser perfeitamente percorridos a pé. “O que falta é assegurar hoje as condições que estão no projeto original e que são objeto do tombamento.” Um dos conceitos que considera interessante trazer para Brasília, como uma das soluções viáveis para a crítica situação da mobilidade, é o de “cidades calmas”. De acordo com o professor, as velocidades elevadas representam muito bem a categoria de valores que muitas pessoas associam ao tombamento de forma inapropriada. “Diz-se que Brasília foi desenhada para que se pudesse correr, mas não há qualquer evidência disso.” Para ele, o que se desejava era que a generosidade da rede viária proporcionasse facilidade para os deslocamentos, “o que é bem diferente de velocidade”. O que nem sempre se percebe, esclarece Paulo César, é que, nos deslocamentos que ocorrem em áreas urbanas, o tempo que se ganha nos trechos percorridos a altas velocidades é absolutamente irrelevante. “Por exemplo, a diferença entre percorrer os 15km do Eixão, cortando o Plano Piloto de ponta a ponta, a 60km/h e a 80km/h é de menos de quatro minutos. Um tempo que mal dá para beber um cafe-

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Randal Andrade

Cia. Ópera Braslia

E a lucidez da cultura?

Patrimônio cultural deteriorado, consequência de muitos e muitos anos de descaso, rende duras críticas ao governo.

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stá lá no Relatório do Plano Piloto de Brasília, de Lúcio Costa: “... cidade viva e aprazível, própria ao devaneio e à especulação intelectual, capaz de tornar-se, com o tempo, além de centro de governo e administração, um foco de cultura dos mais lúcidos e sensíveis do país”. Questionável se a criação cultural carece de lucidez; talvez a falta dela, em certa medida, até lhe faça bem. Mas é certo que as ações em prol do desenvolvimento cultural, sim, precisam de foco, de lucidez, de projetos e de alguém que, de fato, execute e veja a cultura como um bem.

Mas nem mesmo os 30 anos de Brasília na Lista do Patrimônio Mundial da Unesco parecem ter adiantado quando o assunto é a tal da lucidez de que falou o urbanista e a preservação dos equipamentos públicos voltados à cultura. Bem fácil é ter esta constatação. Teatro Nacional Cláudio Santoro? Fechado. Museu de Arte de Brasília? Fechado. Espaço Cultural Renato Russo? Fechado. Centro de Dança? Idem, ibidem. Biblioteca Nacional de Brasília? Sem ar-condicionado e computadores, com elevadores e até a caixa d’água estragados. Só pra começar. Foi assim que o secretário de Cul-

tura do Distrito Federal, Guilherme Reis, encontrou os espaços da cidade quando assumiu a pasta, três anos atrás. O diretor teatral, que sempre foi ativista engajado na área da cultura, passou a ser vidraça. As cobranças surgiram e surgem diariamente de todos os lados. “A imprensa só pergunta quando vai abrir”, brinca o secretário. O que poucos sabem é que “se uma pedra portuguesa da Praça dos Três Poderes sai do lugar e tem que ser recolocada, é acionada a Secretaria de Cultura; se a pira do Panteão da Pátria dá problema na instalação de gás, que nunca teve processo de manuten-


Divulgação

Marina Lima se apresenta na Noite Cultural T-Bone, na 312 Norte.

menos focada em eventos e muito mais no que é estruturante”. Segundo o secretário, o primeiro passo, macro, é pensar em termos legais. Para ele, não há sentido, agora, em partir somente para a recuperação e manutenção pontuais. Em outubro passado foi aprovada pela Câmara Legislativa a Lei Orgânica da Cultura, considerada pelo governador Rodrigo Rollemberg um dos instrumentos mais avançados do país, que vai garantir desburocratização, agilidade, democracia e mais recursos para a cultura. A Rodrigo Ribeiro

ção, a responsabilidade é nossa”. O fato é que a cultura de Brasília padecia e, apesar dos esforços, ainda padece. Realmente, parece impossível que um único governo dê conta de toda a carência dessa indesejada cultura, em contradição à origem da cidade. “Brasília não seria patrimônio mundial se não fosse a sua arquitetura, se não fosse o projeto de Lúcio Costa, se não houvesse essa confluência entre a arquitetura, o urbanismo e a modernidade. É isso que é tombado pela Unesco”, pontua Guilherme Reis, que desabafa: “Se você for olhar do ponto de vista de quem está sentado nesta cadeira, é muito complicado a gente ver uma cidade tão jovem, que é patrimônio da humanidade, ter sido tão mal cuidada nos últimos anos em relação, principalmente, a esses monumentos e a essa arquitetura que nos distingue”. E a tarefa dura que lhe coube, e cabe, ainda coincidiu com a crise, tanto no Brasil, quanto pelo mundo afora. Por aqui, para completar, são várias as crises: financeira, ética, moral, política. Guilherme é categórico ao declarar que “não estamos nos furtando à responsabilidade de contribuir para recuperar o que pudermos e para deixar como legado aí para a frente uma nova visão de gestão pública da cultura,

O secretário de Cultura, Guilherme Reis: de ativista engajado a vidraça.

LOC prevê a criação de um fundo de gestão pública que possibilitará que vários outros recursos originários de captação de patrocínios, de emendas parlamentares voltadas para a questão do patrimônio e verbas advindas da cobrança de ingressos voltem para a recuperação, manutenção e requalificação do patrimônio. Também está prevista a criação de uma fundação voltada para o patrimônio, a exemplo do que cita o superintendente do Iphan, Carlos Madson. “Temos que lembrar que há muitos anos se extinguiu o antigo Departamento de Patrimônio Histórico e Artístico. De lá para cá, nada substituiu esse organismo, que seria o nosso Iphan, e o investimento que vem sendo feito na manutenção dos equipamentos é, historicamente, zero. Estamos falando de mais de 20 anos para cá”, lamenta Guilherme Reis. Para ele, é hora de todos se unirem. Por isso, está sendo cogitada a instituição de um conselho de patrimônio mais amplo, envolvendo entidades – Universidade de Brasília, Ordem dos Advogados do Brasil – e toda a sociedade. “Temos pessoas maravilhosas que se distinguem na história da cidade, intelectuais, artistas, pensadores. Como o mundo está muito louco, preconceituoso, essas pessoas se encolheram e eu acho que está na hora de botar a cabeça pra fora de novo e a gente se juntar.”

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Tony Winston Agência Brasília

Há quatro anos, desde que o Teatro Nacional foi fechado, sua Orquestra Sinfônica se apresenta em espaços improvisados, como o Santuário Dom Bosco.

plexo Cultural da República tem apenas dez anos de existência e eu cheguei na Secretaria, em 2015, e encontrei a Biblioteca Nacional sem ar-condicionado, sem elevadores funcionando sem contrato de manutenção, caixa d’água rachada... é um absurdo!”, indigna-se o secretário de Cultura, lembrando que muita coisa começou a ser construída este ano. O Centro de Dança do Distrito Federal, por exemplo, está praticamente pronto e será reaberto brevemente, o mesmo acontecendo com o Renata Samarco

Quando vai abrir? De um lado, abandono de décadas, falta de verba, um país em crise. Do outro, a impaciência dos artistas e do público e o direito de todos à cultura. Exigem-se respostas. Ninguém se lembra de que os problemas não surgiram agora. Todos almejam resultados. Claro. A culpa não é do cidadão, a quem cabe o dever de cobrar (mas também de cuidar, do que muitos se esquecem). Vamos lá, então: o que vem sendo feito em termos de obras? “O Com-

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Wagner Tiso e Márcio Malard Trio no Clube do Choro.

Espaço Cultural Renato Russo, da 508 Sul. “O Museu de Arte de Brasília, o MAB, finalmente teve sua obra iniciada. Além disso, estamos finalizando a reforma da biblioteca da 512/513 Sul, onde há muitos anos nem se pintavam as paredes”, E o maior de todos os desafios – a recuperação do Teatro Nacional Claudio Santoro, fechado há quatro anos por problemas estruturais detectados pelo Corpo de Bombeiros – finalmente está prestes a ser superado. A Secretaria de Cultura iniciou em outubro o processo licitatório para execução da primeira etapa da reforma, que custará R$ 38 milhões e começará – provavelmente em março de 2018 – pela Sala Villa-Lobos e pela recuperação da fachada. A previsão da Secretaria de Cultura é de que essa primeira etapa esteja concluída no prazo de 12 meses, a contar do seu início. Com certeza, a expectativa dos engajados, artistas e cidadãos é grande – e muito difícil a tarefa de Guilherme Reis. Mas, ao que parece, Brasília e todo o Distrito Federal estão, enfim, iniciando o caminho do que seria a sua vocação: ser “foco de cultura dos mais lúcidos e sensíveis do país”. Porém, se houver descontinuidade...


Brasília que

o Brasil desconhece

O brasileiro reduz a cidade à política e aos monumentos, sem noção da vida real, do verde, da história. Mas um plano de turismo criativo prevê mudar essa visão distorcida. cos daqui vieram, via voto, de todo o Brasil, que dói ouvir críticas generalizadas cabíveis a pouquíssimas pessoas que, na verdade, mal ficam por aqui? Pois é. Mudar essa imagem de Brasília para o brasileiros é uma das tarefas do secretário adjunto de Turismo, Jaime Recena. “É preciso mostrar para o Brasil e para o mundo uma cidade desconhecida. O grande desafio nosso à frente da Secretaria é apresentar a cidade que vai além da Esplanada dos Ministérios e do Congresso Nacional.”

Para Recena, a Brasília que o Brasil conhece é muito estigmatizada. “Brasília é bombardeada, sempre ligada à imagem da política. E a grande imprensa, na hora de divulgar a notícia, não toma o devido cuidado. É necessário sensibilizar as redações dos grandes jornais e emissoras de que, de repente, a notícia negativa não precisa ser dita ‘mais um escândalo em Brasília’. Pode ser ‘mais um escândalo no Senado’, por exemplo, retirando essa carga negativa da cidade”, sugere. Bruno Pinheiro

“B

rasília só tem políticos”. “Mais um escândalo em Brasília”. “Os bandidos de verdade estão todos em Brasília”. Estes são somente alguns dos clichês encontrados aos montes em uma breve busca pela internet ou ditos em grupos de WhatsApp formados por pessoas de outros locais do país. Quem nunca levantou uma discussão para explicar que a capital da República abriga gente comum, que acorda cedo para trabalhar e estudar, que os políti-

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Bruno Soares

Projeto Na Praia, na orla do Lago Paranoá.

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E o que o país ainda desconhece? “O Brasil não sabe, por exemplo, que Brasília tem mais de 70 parques urbanos, é o terceiro polo gastronômico do país e que, ao fazer uma conexão no aeroporto, é possível se deslocar e conhecer um pouco da cidade”, explica o secretário adjunto, citando as conexões aéreas em que as pessoas ficam, às vezes, até seis horas paradas no aeroporto, tempo que, pelas características incomuns de Brasília, permitiria uma visita ao Plano Piloto. Divulgar essa outra Brasília exige trabalho e criatividade. Eventos e a ocupação dos espaços públicos são alguns dos caminhos viáveis. “Hoje é muito comum você ver várias iniciativas, seja na música, na gastronomia ou em outras atividades culturais, de ocupação dos espaços públicos, de eventos que estão ganhando notoriedade na cidade e fora da cidade, atraindo pessoas, a exemplo do PicNik no Calçadão e do Chefs nos Eixos”, cita Jaime Recena. Segundo ele, essa dinâmica dialoga com o que se tem pensado na Secretaria para a cidade. A fotógrafa Zuleika de Souza, nascida em Brasília, vive a cidade a pé, clicando detalhes, pessoas, parques, a vida urbana, e acha as ocupações, os co-

letivos, “muito legais”. Afinal, para ela, Brasília é para ser vivida, “para andar, caminhar”. Mas tem um problema: “A falta de manutenção e de construção de mais calçadas”. Ela mora na 305 Sul e conta da dificuldade de andar com a mãe, pois boa parte dos passeios está danificada. Zuleika deseja que os espaços sejam cada vez mais ocupados, porque, se todo mundo for para a rua caminhar, haverá mais segurança, “a gente vai exportar qualidade de vida”. Exatamente nesse sentido foi lançado no final de 2016 o Plano de Turismo Criativo de Brasília – 2016/2019, voltado para o público que quer muito mais do que apenas contemplar a cidade, visitar museus e pontos históricos. “Isso está ficando ultrapassado no turismo. O turista hoje quer conhecer o lugar aonde o morador vai, onde come e se diverte. Ele quer ter as experiências daquele local e não chegar e receber uma coisa pasteurizada. Ele quer andar pela cidade, ver, sentir-se parte”, acrescenta Recena. O Plano de Turismo Criativo não foi construído somente pelo poder público. É fruto de mais de um ano e meio de trabalho, com seminários, acompanhamento, apoio do Sebrae, participação intensa da sociedade ci-

vil, da iniciativa privada e do trade turístico de Brasília. “A gente entende que as coisas só vão para a frente a partir do momento em que elas fizerem sentido para a inciativa privada, pois se não faz sentido para quem vai operar, não será implementado.” Também este ano, Brasília, que detém a maior área tombada no mundo, com 112 km2, candidatou-se e foi admitida na Rede de Cidades Criativas da Unesco, que abrange sete campos: artesanato e artes folclóricas, design, filme, gastronomia, literatura, artes midiáticas e música. Outro aspecto que se insere na linha do turismo criativo é a tecnologia. Hoje, as viagens são decididas na palma da mão, via celular. E este é mais um conceito a ser reforçado em Brasília enquanto destino. Também será reativada a Brasília Film Comission. “Queremos colocar Brasília como palco e cenário para a produção de vídeo, gravação de comerciais, cinema em geral. A ideia é que possamos lançar a Film Comission em 2018, oficialmente”, prevê Recena. A comissão será um órgão do governo voltado a facilitar a vida de quem quiser produzir cinema e vídeo pelos espaços da capital, o que deverá proporcionar enormes benefí-


Criar uma marca duradora, que refletisse a identidade multicultural, a verdadeira cara da capital da República, foi o objetivo, plenamente alcançado, do concurso realizado pela Câmara de Turismo da Fecomércio, com o apoio de universidades, agências de publicidade e veículos de comunicação. Os participantes foram desafiados a oferecer sua visão de Brasília a partir de premissas como essência e singularidade, atributos urbanísticos e vocação turística. Os três finalistas, entre os 515 trabalhos inscritos, foram submetidos ao voto popular. Com a preferência de 46% dos 1.809 internautas que votaram, a eleita foi a marca Skyline, que ilustra a capa desta edição especial da Roteiro. Seus autores são os jovens estudantes de arquitetura Matheus de Vasconcelos, de 20 anos, e Igor Guimarães Borges, de 21. Agora, a ideia é fazer com que a marca se torne referência da capital, valorizando a cultura brasiliense positivamente e movimentando o turismo local, por meio de campanhas e ações em defesa da cidade.

Rodrigo Ribeiro Rodrigo Ribeiro

Artesanato nordestino na Feira da Torre.

Visita de estudantes ao Museu da República. Gilberto Evangelista

cios, a começar pela visibilidade. Nessa tentativa de criar e divulgar outra imagem da capital para o Brasil, foi realizado o concurso Marca Brasília (leia box abaixo), uma iniciativa de várias entidades, com o apoio do governo. “A marca, já escolhida, será de domínio público. O objetivo é trabalhar a questão do pertencimento do brasiliense.”, afirma o secretário. Elevar esse sentimento de pertencimento de toda a população do Distrito Federal é tão importante que, em 2016, foi retomado o Turismo Cívico, em parceria com a Sociedade de Transporte Coletivo de Brasília (TCB). “Em 2016, atendemos mais de 50 escolas e 1,5 mil crianças”, contabiliza o secretário. Três vezes por semana os ônibus pegam as crianças e fazemos um tour pela área tombada, quando aprendem sobre a construção e as escalas. “Temos privilegiado as escolas mais afastadas do Plano Piloto. Há crianças que nunca tinham vindo a Brasília. Tem sido um projeto muito gratificante.”

Projeto Chefs nos Eixos, na altura da 205 Norte.

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A cidade é nossa! Ocupações e coletivos vêm dando novos traçados a Brasília, riscos mais humanos, de convivência, de uso do espaço público, de formas diferentes de vivenciar o urbano.

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ndar a pé por aí, sob o teto verde das superquadras. Pegar uma bicicleta e sair sem rumo. Morrer de tanto dançar em uma festa no Setor Comercial Sul. Ouvir jazz no canteiro do Eixinho, esparramado em uma toalha de piquenique em plena quinta-feira. Fazer piquenique no Parque da Cidade, no calçadão, em qualquer canto verde, embaixo de uma árvore. Ir à feira de arte, levar de um artista local um quadro, um objeto com design bem diferente, um livro. Sorrir ao ver o grafite alto astral. Comer, no meio do parque, no Eixão ou na 205 Norte, o prato preparado por um chef famoso...

Brasília é dessa moçada que está aí reinventando a convivência urbana, de olho na mobilidade, na integração social, na diversidade e, principalmente, na própria convivência. Brasília é de todo o Distrito Federal. É de todo mundo. É o que vêm mostrando as ocupações, ONGs e coletivos como o Andar a Pé – O Movimento da Gente, Labirinto, Rodas da Paz, MOB – Movimente e Ocupe seu Bairro, Experimente Brasília, PicNik no Calçadão, Buraco do Jazz e muitos outros que vêm florescendo. Depois de passar um ano em Paris, a arquiteta, urbanista e ciclista Júlia Solléro se sentiu incomodada com a

forma como as pessoas se relacionam com Brasília, principalmente por se encerrarem em carros, se isolando da convivência que as caminhadas, o transporte coletivo e o ciclismo permitem. Seu trabalho de conclusão de curso foi um Manual de ocupação de Brasília, em que propôs “ações rápidas para gerar apreço pela cidade”. Foi na metade de 2015 que ela se uniu a outras amigas com a mesma inquietação. Natália Magaldi, urbanista, arquiteta, artista, já tocava a Rua do Jovem do Varjão; Manuella Carvalho, urbanista, arquiteta e poeta, que “prefere andar de ônibus que de carro”, já vinha do projeto Guará pelos Gua-


aí. Claudio Silva, diretor tesoureiro do coletivo, explica que, basicamente, o Andar a Pé existe para mobilizar pessoas em torno de melhorias para o pedestre no Distrito Federal, apresentando propostas viáveis por meio de construção coletiva e da consciência crítica. “Isso porque reconhecemos as dificuldades que há, a exemplo da ausência de calçadas, e acreditamos que as grandes distâncias físicas não

Fotos: Rodrigo Ribeiro

raenses; e a arquiteta e urbanista Eduarda Aun promovia o Conic ao Avesso. Depois, chegou a psicóloga e ativista Ana Gama Dias. “O espaço público é uma arma transformadora de pessoas e as pessoas transformam o espaço público”, pondera Júlia. O MOB promove ações culturais, faz intervenções urbanas em praças e ruas, pinta muro, conserta, envolve a comunidade, levanta reflexões, chama a atenção. O “Véi, na boa”, por exemplo, é uma “multa” deixada sobre carros que ficam por aí fechando a passagem de rampas, que já são poucas. A Caminhada da Joaninha, que leva pais e filhos para olhar, analisar, viver e criticar construtivamente a cidade. “Não se pode ter uma Brasília tão paternalista. Também não há cidade que se sustente só de carros. Você tem que alimentar a convivência urbana e a da diversidade. Temos de pensar: qual é a Brasília que a gente quer hoje?”, convoca Júlia. Andar a Pé – O Movimento da Gente é outro coletivo preocupado com a mobilização para que mais e mais pessoas saiam caminhando por

são impeditivas para incentivar o uso dos pés como modo de transporte. Entendemos que a Brasília moderna é a que acolhe bem o pedestre.” Ele defendeu em maio deste ano a tese de doutorado Brasília sem carros? Um estudo sobre o espaço ocupado pelos carros e a propensão a medidas de restrição e controle de acesso, pelo Programa de Pós-graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB, e acredita que, para se atualizar e ser moderna de fato, a cidade precisa voltar seus olhos para a discussão do uso dos carros e para a valorização da mobilidade ativa. “Esses pontos devem ser entendidos como requisitos da preservação do patrimônio e da redução das desigualdades.” É nessa direção que foi criada em 2003 a ONG Rodas da Paz, associada à União de Ciclistas do Brasil. De olho no crescente número de acidentes e mortes no trânsito do DF, o foco da entidade, segundo seu coordenador, Bruno Leite, é a promoção da mobilidade sustentável, plural e pacífica, como direito de todo cidadão, por meio da sensibilização, do controle social e da influência sobre políticas públicas. Segundo as premissas da ONG, “os pedestres devem ter preferência sobre todas as outras formas de deslocamento”. Também é incentivado o uso cotidiano da bicicleta “como estratégia para dar visibilidade ao tema da mobilidade e do direito à cidade”.

Cláudio Silva, do coletivo Andar a Pé, e Bruno Leite, da ONG Rodas da Paz.

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Rodrigo Ribeiro

Igrejinha Nossa Senhora de Fátima

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E quem diria que, um dia, o Setor Comercial Sul teria até 12 mil pessoas dançando e confraternizando? Pois é. A ideia surgiu de Caio Dutra. Seu pai sempre teve projetos pelo SCS e Caio ia junto, até que, em 2014, passou a trabalhar com ele. Incomodava o fato de só ouvir críticas sobre o lugar, que faltavam segurança, estacionamento etc. “Eu ficava indignado, porque acho o espaço muito legal.” Até que veio a inspiração: “A movimentação cultural cria visibilidade, cria demandas em áreas subvalorizadas”. Caio passou a vender a ideia para a comunidade do setor, mas só escutava: “Quem vai vir frequentar aqui?”. O hobby dele já era fazer festas, mas decidiu chamar mais gente para a empreitada. De novo, as respostas foram evasivas. “Vai lá, testa lá, se der certo, a gente vai. Eu é que não vou ser o primeiro”, conta. Se não tinha companhia, o jeito era começar sozinho. Realizou duas festas na garagem da SCS 3. Na terceira, não deu certo, tiveram que ir para a rua, para o beco. “Foi um sucesso!” Mas os três primeiros eventos foram realizados sem autorização, até que no feriado de Corpus Christi de 2016 veio a primeira festa autorizada. No mês seguinte, uma Criolina reu-

niu 12 mil pessoas, segundo Caio. Quando chegou o período de chuvas, o Coletivo Labirinto, formado por Caio, Raphael Sebba e Phillipe Daher, teve que conseguir outro espaço. Foi quando as festas começaram a ser realizadas no Corredor Central, na SCS 4. “É o direito à cidade. Explorar diferentes espaços de formas diversas”, diz Caio. Mais que promover festas, o Coletivo Labirinto também está de olho na gentrificação, que é, em resumo, a expulsão dos moradores ou ambulantes que ficam em uma região que, de área degradada, passa a ser valorizada. “Falei com o Sebba, tem moradores aqui, como vamos trabalhar isso? Então pegamos uma câmera e saímos conversando com as pessoas, gravando, e, a partir daí, buscamos entender as demandas”, explica. Já foi criado um varal social, pintada uma passarela, feita uma horta urbana. “É uma mensagem que você passa para a sociedade, se você faz um evento no centro da cidade e não fala em bebedeira e coisas assim, mas em plantar, construir, você gera mudanças”, acredita Caio, que reforça a importância de o SCS ser um ponto estratégico, unindo públicos, pois está próximo ao metrô, à rodoviária, às

quadras do Plano Piloto e aos setores hoteleiros. Outro evento é o PicNik no Calçadão, que completa cinco anos de atividades (a primeira edição foi em 21 de abril de 2012) e une gastronomia, música, arte, esportes e interações, em uma ocupação urbana que vem dando muito certo. No evento, quase sempre realizado no Parque da Cidade, cabe a família toda, cachorros, amigos, vizinhos... É só levar a canga ou a toalha de piquenique e pronto. Mais uma ideia muito boa, e totalmente de acordo com o Plano de Turismo Criativo de Brasília, é o Experimente Brasília, cujo objetivo é mostrar para os visitantes a cidade de uma forma diferente, apresentar o que os brasilienses vivem, uma Brasília que também é divertida, cheia de arte e de beleza. E o Buraco do Jazz, realizado toda quinta-feira no canteiro central do Eixinho, na altura da 214 Sul, ou então na comercial da 412 Sul, une boa música e gastronomia. O evento tem bar próprio, mas quem quiser pode chegar com sua canga, sua garrafa de vinho e curtir. Os secretários de Cultura e de Turismo, Guilherme Reis e Jaime Recena, e o superintendente do Iphan-DF, Carlos Madson Reis, aplaudem essas iniciativas, que só têm a agregar valor humano e cultural à cidade. “Eu sou de uma geração que, lá em 1978, ajudou o Néio Lúcio a criar a Galeria Cabeças, que foi, talvez, o primeiro movimento mais estruturado de ocupação da cidade artisticamente falando. Eu sou parte dessa garotada que está ocupando a cidade”, acentua Guilherme Reis. Não somente ele, mas todos deveriam ser “essa garotada”, abraçando Brasília e o Distrito Federal inteiro, cuidando deles com muito mais amor, criando arte e integração, unindo a diversidade, reduzindo diferenças sociais, cobrando mais das autoridades, mais calçadas, mais transporte público, mais ciclovias e integração entre os transportes, menos carros, mais eventos ao ar livre. É hora de amar Brasília de verdade, porque, como diz o clichê, “quem ama cuida”.


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sempre. Já faz tempo que a gente te acompanha. E, a cada dia, não importa se na tristeza ou na alegria, a gente está sempre lá, torcendo por você. Você sabe, nossa especialidade é conhecer o que te move, o que te inspira, o que te faz crescer. Nesta cidade sem esquinas, somos o banco que valoriza os seus sonhos, comemora as suas conquistas e investe naquilo que mais importa para você. Porque, afinal, quem diria, você é o nosso porquê. E a sua vida, cada momento dela, é a nossa razão de ser.

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