Roteiro 274

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Ano XVII • nº 274 Março de 2018

R$ 5,90

Planeta água

Festival de cinema paralelo ao 8º Fórum Mundial expõe a degradação de lagos, rios e mares


Você tem uma moto e centenas de vidas nas mãos.

No trânsito somos todos responsáveis. Em um ano, reduzimos em 134 o número de mortes no trânsito em Brasília. Cuidar do trânsito e das pessoas que nele convivem é responsabilidade de todos. É por isso que a redução do número de acidentes fatais entre 2016 e 2017 em 34% é também uma conquista de todos os brasilienses. A quem cuidou e utilizou os itens de segurança do seu veículo, respeitou os limites de velocidade e a faixa de pedestres, não dirigiu usando o celular ou sob efeito de álcool, Brasília agradece.


EMPOUCASPALAVRAS Rafael Martins

Faça frio, faça calor, caia chuva ou caia neve, o adolescente indiano que está na capa desta edição faz de tudo para salvar o maior lago de água doce da Ásia, o Wular. Com as montanhas de lixo plástico recolhido de lá, ele consegue também garantir o sustento da família. Chama-se Billa o personagem do filme Salvando o salvador, dirigido pelo indiano Jalal Ud Din Baba, uma das 38 produções a serem exibidas no Cine Brasília ao longo do Green Film Festival. Este, por sua vez, é parte integrante do 8º Fórum Mundial da Água, que vai ocupar o Centro de Convenções e movimentar Brasília a partir deste domingo, 18, e até a próxima sexta-feira, 23. Realizado pelo Conselho Mundial da Água, o fórum reúne muita gente boa com foco exclusivo em promover ações de preservação e uso consciente da água (página 30). Em matéria de artes plásticas, o destaque do mês é a exposição Francisco Brennand – Mestre dos sonhos, em cartaz na Caixa Cultural entre 28 de março e 20 de maio, um panorama dos 70 anos de atividade do artista de 90 anos que vive recluso em sua Oficina Cerâmica, no Recife. São 31 obras do acervo original organizadas de forma cronológica e guiadas por trechos de diários que Brennand escreve incansavelmente há mais de 60 anos (página 20). Imperdível. Não dá para não ir, também, ao show Semente da terra, que Bituca, ou melhor, Milton Nascimento, fará no Centro de Convenções no dia 25. Os mais de 50 anos de uma carreira musical irretocável serão relembrados com interpretações dos clássicos Travessia, Caçador de mim, O cio da terra, San Vicente e Maria, Maria. A programação musical contém outras boas razões para sair de casa e ver ao vivo ícones de nossa MPB, como Toquinho e Ivan Lins, Fafá de Belém e Skank, entre outros (página 22). Finalmente, convidamos o leitor a conhecer a história de uma brasiliense de coração que realiza um trabalho muito bonito de ajuda a pessoas portadoras do HIV. Vick Tavares, da ONG Vida Positiva, faz de tudo um pouco para dar suporte material e afetivo a jovens que convivem com todo tipo de dificuldade para enfrentar a rotina de tratamento e o preconceito: distribui lanchinhos aos que fazem exames em jejum na rede pública e ainda fabrica a Farofa Solidária Vovó Gourmet para vender e ajudar ainda mais aos assistidos pela ONG. Essa verdadeira lição de solidariedade está contada nas páginas 26 e 27. Boa leitura e até abril. Maria Teresa Fernandes Editora

20 galeriadearte O universo místico e fantástico de Francisco Brennand poderá ser visto a partir do dia 28 na Caixa Cultural.

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ROTEIRO BRASÍLIA é uma publicação da Editora Roteiro Ltda. | Endereço SHIN QI 14, Conjunto 2, Casa 7, Lago Norte – Brasília-DF – CEP 71.530-020 Endereço eletrônico revistaroteirobrasilia@gmail.com | Tel: 3203.3025 | Diretor Executivo Adriano Lopes de Oliveira | Editora Maria Teresa Fernandes Diagramação Carlos Roberto Ferreira | Capa Carlos Roberto Ferreira, com imagem do filme Salvando o salvador, do indiano Jalal Ud Din Baba | Colaboradores Alessandra Braz, Akemi Nitahara, Alexandre Marino, Alexandre Franco, Ana Vilela, Cláudio Ferreira, Conceição Freitas, Elaina Daher, Heitor Menezes, Laís di Giorno, Lúcia Leão, Luiz Recena, Mariza de Macedo-Soares, Pedro Brandt, Ronaldo Morado, Sérgio Moriconi, Silvestre Gorgulho, Súsan Faria, Teresa Mello, Vicente Sá, Victor Cruzeiro, Vilany Kehrle | Fotografia Rodrigo Ribeiro, Gadelha Neto | Para anunciar 98275.0990 | Impressão Editora Gráfica Ipiranga Tiragem: 20.000 exemplares.

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ÁGUANABOCA

Gostosuras alemãs... POR TERESA MELLO

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Fotos: Victor Rocha

uem sobe a QI 23 em direção ao Jardim Botânico já pode levar pão fresco pra casa até as 22h. E não só um simples paõzinho francês. São 35 tipos de pães feitos com farinha pura orgânica e preparados na Alemanha, país onde a panificação é cultuada há séculos. A novidade chegou a Brasília em 23 de fevereiro com a abertura da Berlim Casa de Pães. “Sempre morei no Lago Sul e sentia falta de um lugar para lanchar e com bons produtos”, diz a empresária Caroline Lara, 34 anos, dona também da loja de conveniência Inbox na região. “E

o brasileiro não conhece a qualidade dos pães alemães”, lembra. “É uma cultura nova aqui”, completa o marido, o advogado Leandro Veras, 37 anos. Animado em oferecer algo novo e exclusivo, o casal, depois de muitas pesquisas e viagens, escolheu um fornecedor na Alemanha, bem antigo no ramo. Os pães, com fermentação natural, chegam ao Brasil de navio, via Santa Catarina, congelados a 18ºC negativos. “Só não fazemos a massa de pão”, explica Caroline, que apresenta cardápio próprio recheado de delícias doces, sanduíches quentes, omeletes, salgados, cafeteria, drinques e petiscos. Com um detalhe: o cardápio digital é

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afixado nas mesas de madeira clara com capacidade para 40 pessoas. O urso, símbolo de Berlim, estampa a logomarca criada por Raphael de Medeiros e replicada no charmoso avental rústico da equipe de 22 funcionários e nas ecobags. Assados na frente dos clientes, os pães são responsáveis pelo aroma da casa – com vista para o Lago Paranoá, cerâmicas de Davi Ferraz e arquitetura da Bloco. O pão alemão de centeio sai a R$ 39,90 o quilo. Outras escolhas são o de semente de abóbora, o crusty (rústico e de casca mais crocante), o country (rústico e de casca mais macia), o farmer (mais macio, com farinha de trigo), o de girassol, o fitness multigrãos. Há ainda ciabatas e baguetes. Vendidos inteiros, pela metade ou fatiados, exibem tanta variedade que fica quase impossível eleger favoritos: “Não tenho preferidos. Cada um deles tem o seu momento, uns vão bem com manteiga, outros com azeite e vinho”, diz Caroline. A manteiga artesanal de ervas finas faz sucesso. Cremosa, tem duração de 15 dias e custa R$ 4. Os sanduíches especiais levam nomes de cidades como Munique (de salsichão vermelho), Dusseldorf (abacaxi caramelizado), Stuttgart (rosbife) e Frank-


furt (salsicha). Entre os hambúrgueres, o preferido do chef Pedro Henrique Batista é o Munster (dois hambúrgueres de fraldinha de 120g, bacon tostado). Exchef de padaria no aeroporto de Brasília e especialista em confeitaria, ele admite: “Tive de estudar bastante, tornar receitas alemãs agradáveis ao paladar do brasileiro”. Para isso, Pedro sapecou goiabada no bolo de queijo Quark, por exemplo. A torta folhada de maçã – a famosa apfelstrudel – é outro destaque da padaria, assim como as cucas. Para acompanhar, a carta de cafés, a cargo da barista Alessandra de Lima, oferece misturas como o Nutellaccino e o Afogatto e frapês com caramelo, frutas vermelhas e chocolate. Há sodas italianas, cervejas, vinhos e um empório farto em itens importados, como o chocolate dark da Romênia, com sal do Himalaia, bem ao lado do Brownie do Fabin, “100% candango”. Produtos

comuns também são encontrados, como pão de queijo e bolo de cenoura. Até o fim do mês será inaugurada a carta de drinques preparada por Gustavo Guedes para animar o fim de tarde e a noite. Entre eles, o German Coffee (uísque e café), o Negroni (licor de café, gin e vermute) e o Tiramisù Martini (vodca e licor de café). E, para aproveitar bem o café da manhã, a casa preparou três tipos de combos, servidos de sexta a domingo, das 7 às 12h. O Berlim 3, por exemplo, vem à mesa com cesta de pães, croissant ou pain au chocolat, fatia de bolo, ovo mexido com bacon, frios, frutas da estação, geleia, manteiga, café coado e 500ml de suco, a R$ 66,50. “Serve de três a quatro pessoas”, garante Caroline. Berlim Casa de Pães

SMDB, Conjunto 12, Bloco E (3877.8888) Diariamente, das 7 às 22h. Combos de café da manhã de sexta a domingo, das 7 às 12h.

... e sérvias Divulgação

POR SÚSAN FARIA

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Sérvia, um país de 7,5 milhões de habitantes localizado no sudeste da Europa, na região balcânica, bem no cruzamento entre os mundos oriental e ocidental, assimilou muitas culturas e tradições, tem belezas naturais como montanhas, florestas e os rios Danúbio Azul e Sava e é famosa por seus atletas – entre eles o mais conhecido por aqui é o ex-flamenguista Dejan Petkovic. O país, que enfrentou muitas guerras e hoje vive um turismo em ascensão, possui uma culinária única, que agora pode ser provada em Brasília. Um pedacinho da Sérvia está no Belgrado Burger, inaugurado há pouco mais de quatro meses na Asa Norte. O sérvio Goran Dislioskii, 43 anos, economista e engenheiro mecânico, trabalhava em Oslo, na Noruega, quando conheceu a paixão de sua vida, Andrea, uma brasiliense com quem se casou em 2008. O casal, que hoje tem dois filhos, continuou em Oslo, depois foi para Abu Dhabi e em 2014 se radicou em Brasília. Primeiro, Goran montou um food truck com sanduíches sérvios e todo o zelo para que o sabor fosse único. Deu certo e o próxi-

mo passo foi abrir o restaurante, frequentado por pessoas de várias idades e nacionalidades, especialmente do leste europeu. A produção é artesanal, inclusive o pão dos hambúrgueres, carro-chefe da casa, todos com nomes sérvios: Madjan, Avala, Jug, Gurmanska, Adjvar, Pevac, Dunav e Cerak, entre outros. Muitos tem-

peros vêm daquele país. Repolho e pimentão não faltam. A variedade de pratos não é grande, mas tudo é de dar água na boca. “Temos muita influência da Alemanha, da Turquia e dos 500 anos de dominação do Império Otomano. Daí os temperos, as coalhadas, os queijos”, explica Goran, em português quase perfeito. Ele aprendeu a cozinhar com a mãe e se orgulha de fun-

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ÁGUANABOCA

opções para vegetarianos. A cozinha do Belgrado é aberta e prima pela qualidade e limpeza. O restaurante não trabalha com congelados. Tudo é fresco, com tempero especial e características da cozinha sérvia. O restaurante produz sanduíches para o food truck, que agora é uma franquia e transita pelo Plano Piloto, Cruzeiro, Águas Claras e Guará. “Já vim aqui oito vezes. Gosto do atendimento, do qual participa o próprio dono, e a comida é saborosa”, atesta o aposentado Osvaldo Martinez, morador da Asa Norte. Já a arquiteta Sílvia Elena Mota tinha ido ao Belgrado pela primeira vez: “Estou adorando. A carne é substanciosa, o pão e os molhos são excelentes”. O ambiente da casa, com espaço para até 70 pessoas, exibe as cores da Sérvia – branca, azul e vermelha – e pôsteres com fotografias de atrações turísticas do país, como o Parlamento e a Igreja Ortodoxa de Belgrado. E, como não poderia deixar de ser, a música ambiente também é da Sérvia.

Cozinha POR VICTOR CRUZEIRO

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Belgrado Burger

107 Norte, Bloco C (3542.5440). De 3ª a 5ª feira e domingo, das 18h às 24h; 6ª e sábado, das 18 à 1h. Fotos: Divulgação

dar o primeiro restaurante tipicamente sérvio de Brasília e do Brasil. “Na Alemanha são mais de mil restaurantes sérvios. Na Suíça também há muitos”, informa. O embaixador da Sérvia, Veljko Lazic, gosta do Belgrado, onde de vez em quando leva a família para comer o prato principal do seu país, o Cevapi, à base de carne bovina e suína moída e grelhada, com cebola crua, repolho, temperos, molho Ajvar e pasta de pimentão, vendido a R$ 24. “É uma maravilha”, garante o embaixador, destacando que a gastronomia sérvia é uma mistura das cozinhas turca, austríaca, húngara e grega. Lazic gosta dos hambúrgueres – ou pljeskavicas – e lembra que sua terra é famosa pela Sljivovica, uma aguardente feita com ameixa. Outra boa pedida no Belgrado é o sanduíche Avala, feito com hambúrguer, bacon, cebola caramelizada, queijo prato, tomate cereja, alface ou repolho temperado e molho especial (R$ 25). Igualmente apetitosa é a Pitta, torta folhada com recheio de queijo e alho poró, acompanhada de coalhada (R$ 20). Os Palacinkas, crepes que levam nutella e nozes, ameixa e damasco, custam entre R$ 14 e R$ 16 (unidade pequena). Há

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ada pessoa tem um ritmo, um critério de organização, de produção e mesmo de espaço. Assim, dois cozinheiros diferentes, mesmo que fazendo um mesmo prato, terão modos de trabalho e de atuar distintos. No entanto, o mundo da cozinha exigirá, a curto prazo, que ambos trabalhem da mesma maneira: rápido. Afinal, os clientes têm muita fome e, geralmente, pouco tempo. A questão, então, é manter o serviço eficiente, e são várias as possibilidades de se atingir essa eficiência. No entanto, as mudanças de pessoal, de público, de localidade e mesmo de gestão são sempre um fator contrário à manutenção de processos num ambiente de trabalho. Já a necessidade dos clientes, não. Pensando em uma seara tão necessária como a da gastronomia, e ao mesmo tempo tão competitiva, foi que a chef Luciana Félix, sócia da consultoria em gastronomia Cazarrara, organizou um curso de combate ao desperdício voltado especificamente para bares, restaurantes, lanchonetes, padarias e similares. Ora, quando se pensa em desperdí-


Fotos: Divulgação

sem desperdício cio em estabelecimentos comerciais como esses, a primeira coisa que vem à mente é o desperdício de comida. Toneladas de carnes e frutas perdidas sendo jogadas fora, pratos que voltam das mesas quase intactos sendo postos diretamente no lixo, ou mesmo partes de ingredientes que poderiam ser aproveitadas para outros pratos. No entanto, e esse é o grande ponto da empreitada de Luciana, o desperdício de alimentos é apenas a ponta (e quiçá a ponta final) de um longo processo que envolve o desgaste de toda a cadeia produtiva de uma cozinha, começando pelo fator humano. Em um ambiente tão frenético quanto a cozinha de um restaurante, há muito o que ser feito em muito pouco tempo. Há uma necessidade de ordenação contínua do ambiente e uma hierarquia dos processos que precisa ser respeitada. Caso contrário, um simples prato grelhado que fica pronto em 20 minutos demora 40 minutos, e assim o cliente nunca mais voltará. Aplicando os famosos princípios japoneses do 5S (base do processo industrial da nação asiática, aplicado em gigantes como a Toyota), Luciana ensina, em sete vi-

deoaulas, como aplicar os sentidos de utilização (Seiri), organização (Seiton), limpeza (Seis), higiene (Seiketsu) e disciplina (Shitsuke). Na forma de uma escada, cada processo vai se adicionando ao outro e, com o devido treinamento dos funcionários e incentivo dos gestores, o processo se propaga ao longo do tempo, evitando o desbaratamento de funções, etapas, tempo e, finalmente, de ingredientes. Nos vídeos – totalmente gratuitos – a chef apresenta ricos exemplos de como uma noção de organização pode salvar uma cozinha, até mesmo em questões higiênicas. “Uma tábua vermelha para carne vermelha, e uma azul para peixes, e então uma faca com o cabo da mesma cor para identificar qual corta que tipo de carne”. Mais ainda, Luciana fala da própria organização de uma cozinha, pensando num ambiente onde as pessoas estão em constante movimento. “Qual é o melhor lugar para um abridor de latas?”, pergunta. Pensando em um cozinheiro que está com uma massa no cozimento e precisa encontrar um abridor de latas para adicionar um molho, os segundos que ele perde procurando pelo abridor podem garantir o cozimento ex-

cessivo da massa, o que acarreta a completa frustração do cliente – a etapa final de validação. É curioso pensar como atitudes como a de Luciana são raras, e isso nos leva à grande rotatividade de casas na cidade. É importante pensar que muitos lugares não fecham simplesmente por não terem capital, mas por não conseguirem captar e manter esse capital. Para que o cliente volte, o tempo e a qualidade são fatores determinantes, e uma cozinha desorganizada deixa que ambos escorram pelos dedos. Em tempo: há vários programas de televisão com esse mesmo intuito. Um dos mais famosos, o Kitchen nightmares (ou Pesadelo na cozinha), traz o starchef Gordon Ramsay salvando restaurantes à beira do colapso por uma completa falta de organização interna. Ao seu modo, Luciana toma para si a empreitada de Ramsay em Brasília, felizmente sem os gritos. Combate ao desperdício em restaurantes

Curso da Cazarrara – Assessoria para restaurantes https://www.sympla.com.br/curso-decombate-ao-desperdicio-cazarrara__238018 https://www.cazarrara.com/

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Fotos: Divulgação

ÁGUANABOCA

Centenário remédio

para todos os males

POR LÚCIA LEÃO

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oda história precisa de marcos: datas, locais, personagens, motivação. Assim como toda matéria deve começar com um lead – o que, quem, como, quando, onde, por quê. São convenções formais para fechar o foco e facilitar a abordagem de um assunto. Então podíamos começar assim: a caipirinha completa, neste 2018, cem anos. Nasceu em Piracicaba, interior paulista, da metamorfose de um remédio

caseiro para aplacar a febre e fortalecer o corpo para um poderoso e inebriante medicamento para a alma. Isso há quem diga! O remédio misturava cachaça com limão, mel e alho e era administrado para combater os sintomas da gripe espanhola, que aportou no Brasil em setembro de 1918. Daí data cravada, o marco temporal e a motivação. Algum gaiato teria tirado o alho, substituído o mel pelo açúcar, acrescentado gelo e... fez-se a caipirinha! Piracicaba, por sua vez, já era, à época, uma das maiores regiões produto-

ras de cachaça e, sem dúvida, a mais rica, já que dividia a terra entre os plantios de cana e de café, com seus barões. Mantido o marco geográfico de Piracicaba, há quem diga, também, que o drink de cachaça já era drink antes da gripe e regava as festas opulentas nos salões das fazendas cafeeiras. Uma outra versão – esta um pouco mais documentada – leva o berço da caipirinha para o Rio de Janeiro, mais precisamente para Paraty – outra tradicional produtora de cachaça – em data mais remota. Lá também teria nascido como remédio, só que para o controle da cólera. Segundo um Registro de Ofícios da Câmara Municipal do ano de 1856, a mistura era usada para matar a sede dos trabalhadores em tempos de água contaminada. “... tenho provido que a necessidade obrigou a dar essa ração de aguardente temperada com água, açúcar e limão, a fim de proibir que bebessem água simples”, justificava o engenheiro civil João Pinto Gomes Lamego, autor do documento. Entre fatos e versões, vale até a de Jô Soares, que em O xangô de Baker Street atribui ao médico Watson a invenção do drink-remédio “caipirinha” para aplacar uma gripe de Sherlock Holmes. Ou – a de que eu mais gosto – a da escritora Katerine Dumont, que atribui a invenção a Oswald de Andrade. Durante uma festa que oferecia a amigos em seu apartamento, em São Paulo, o poeta modernista, numa surpreendente performance, preparou a bebida símbolo do antropofagismo, como relata Katerine: “Ele foi até o bar que havia na sala, pegou uma taça e colocou uma bebida tipicamente brasileira na taça: a cachaça. E enquanto se movimentava de um lado para o outro falando sobre a antropofagia da cultura estrangeira para absorver o melhor deles e criar algo próprio, algo brasileiro, Oswald foi até a despensa da cozinha e pegou um limão-taiti, que é de origem persa. Na despensa voltou e trouxe um pouco de açúcar, um alimento de origem indiana, em seguida cortou o limão em pedaços com casca, colocou-os dentro da taça com cachaça, socou-os com uma madeira por alguns minutos, depois foi até a geladeira e, com um cubo de gelo nas mãos, levantou-o, mostrando aos seus colegas, e disse que o gelo representava a devoração de todas as culturas onde a neve e o gelo são comuns, como a Europa e a Ásia. Depois Oswald quebrou o gelo em vários pedaços e os introduziu um a um dentro da taça com cachaça e limão, e, por fim, adicionou o


açúcar, misturou com uma colher e, levantando a taça ao alto, conclamou os amigos ao batismo da antropofagia e da nova revolução cultural do Brasil”. Bastante crível, não? Tanto quanto a história que atribui à pintora modernista Tarsila do Amaral a combinação feijoadacaipirinha e sua propagação pelo mundo. Amante confessa de um e de outro, Tarsila promovia almoços memoráveis em seu apartamento em Paris, na efervescente década de 1920, com ingredientes vindos diretamente do Brasil, inclusive a cachaça embarcada aqui como “produto de beleza” para burlar a fiscalização francesa. O nome do drink também teria nascido ali, numa alusão ao quadro Caipirinha, pintado por Tarsíla na mesma época. Independente das versões, há fatos incontestáveis que consagram a caipirinha como um centenário símbolo nacional. Mas o seu reconhecimento oficial é bem mais recente. O primeiro veio em 1993 pela Associação Internacional de Bartenders, entidade que classifica e legitima as poções mágicas que utilizam bebidas al-

coólicas ao redor do mundo. Numa disputada eleição durante sua convenção anual realizada em Toronto, no Canadá (um drink de vodka e abacaxi também pleiteava não só a vaga como também o nome), a associação deu à caipirinha lugar no seu seleto cardápio e hoje ela figura entre os 30 drinks “clássicos contemporâneos” reconhecidos pela AIB. Uma década depois veio o reconhecimento legal. O decreto número 4.851, assinado pelo então presidente Lula em outubro de 2003, definiu que “a bebida com graduação alcoólica de 15 a 36% em volume, a 20o Celsius, elaborada com cachaça, limão e açúcar, poderá ser denominada de caipirinha (bebida típica do Brasil), facultada a adição de água para a padronização da graduação alcoólica”. O decreto garantiria a propriedade intelectual sobre a marca caipirinha na legislação internacional. E assim, entre lendas e histórias – como convém às porções mágicas – nossa centenária caipirinha segue fagueira a inebriar a alma brasileira. Prepare uma dose e deguste!

Receita tradicional Ingredientes: • 60 ml de cachaça • 1 limão taiti pequeno • 1,5 colher de sopa de açúcar • Gelo Modo de preparo: Corte o limão em quatro partes no sentido vertical e retire o centro branco e os caroços (eles podem deixar um gosto amargo na bebida). Corte novamente em cubos e deite a fruta no fundo de um copo baixo e largo, com a casca virada pra baixo. Polvilhe com o açúcar e amasse suavemente com um socador adequado. Cuidado para não amassar a casca, que também pode liberar um amargor. Coloque a cachaça, misture, complete o copo com gelo picado e o drink está pronto. Se puder, beba sem moderação!

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GARFADAS&GOLES

LUIZ RECENA

lrecena@hotmail.com

Jogo até agora empatado Quando morei em Moscou meu endereço era: Rua 8 de Março, esquina do Instituto Psiquiátrico, ou manicômio. Ou ainda, na linguagem popular, “Durdom”: hospício, casa (dom) de loucos (durák). A linguagem popular na antiga União Soviética, na velha e na nova Rússia, tem tudo a ver com a nossa. Vai no simples, no direto. Os amigos perguntavam, lá e cá, se minha morada era boa. E eu respondia: “Melhor endereço impossível; se as mulheres um dia me enlouquecerem, basta atravessar a rua...” Sempre achei que elas, um dia, iriam me deixar doido. Então, no simples: Durdom, ali do lado. Dava para ver de uma das sacadinhas que tinha. Só via prédio e pátio vazios, não via gente. Preocupação passageira. Elas não me enlouqueceram e voltei para o Brasil. Não que o debate tenha acabado. Estamos empatados. Apenas voltei e, longe de qualquer outra Durdom, passei a pensar em melhor proteção. O sucesso ou não da tarefa é tema pra outra coluna. Nesta, fiquemos nas homenagens. Nasci e cresci machinho da fronteira oeste gaúcha. Argentina e Uruguai ao lado. Puro aperfeiçoamento... Declaro, em nome do meu endereço moscovita, que mereci chegar até lá. E voltar. Elas e eu nos queremos muito e assim temos vivido bem. A história está do meu lado, graças ao tanto, tanto que aprendi com elas. Merci. O crescimento é um ser conjunto, o gênero é um só: o da felicidade construída passo a passo, ombro a ombro. “Al andar se hace camino, se hace camino al andar; golpe a golpe, verso a verso”( Antonio Machado, poeta republicano espanhol, poesia musicada por Joan Manuel Serrat).

O ASSUNTO AQUI é comidas e tragos, garfadas e goles. O jovem filósofo francês Ricard Bilô de la Pierrade, quando me visitou em Moscou, queria saber de bebidas e comidas. As primeiras eram fáceis, um espumante da Geórgia e depois ao que interessa: vodka nacional! Da melhor qualidade. Para comer, entradinhas de caviar, ovas vermelhas de salmão (para enganar...), ovas negras de esturjão, para botar moral. Y así pasan los dias e noites de visita e saudade. Passei em dado momento a lembrar de comidas caseiras, de avó, mãe, mulheres. Traço ainda machistinha ou filial e amoroso? Não sei. Elas que respondam. DE TODAS, MINHA MÃE foi a maior. Até hoje sinto registros papilares de manjares caseiros, de origem variada: italianos, espanhóis, campeiros do sul. Macarronada ou raviólis feitos em casa, com molhos sublimes, “puchero”, espécie de cozido espanhol, bacalhau com grão de bico. E outros, tantos outros. Ainda chegaremos ao dia internacional das cozinheiras de casa. E para beber? Vino, claro, tinto e bastante. Salud!

AINDA HÁ MAIS pratos e mulheres marcantes nessa viagem de um machinho em busca da felicidade de gênero. Nada de empoderamento, só a felicidade mesmo, com tudo o que ela exige, provoca, transforma, muda nos homens e nas mulheres. Assim, de um simples macarrão com sardinha até uma fraldinha ao molho roquefort, começando com entradinhas, terminando com saidinhas; tudo junto forma o melhor dos caldos: o da cumplicidade. A VIDA É UM eterno retorno e assim, dia desses, noite dessas, voltei ao Deck Norte, próximo de onde vivo. Casas novas, marcas novas, também lugares antigos. Entre esses, o Quiosque do Chopp, que já tem para mais de década. Agora ampliado, bom chope de sempre, cervejas novas, comidinhas sempre boas, modesta e honesta carta de vinhos, futebol em várias tevês, uma beleza! No balcão e na praça, dona Gláucia mantendo a disciplina e a eficiência trazidas do Piauí. É por isso que gosto e por isso que vou. E volto.

AS DELÍCIAS DE MINAS PERTINHO DE VOCÊ 10

Queijos, doces, biscoitos, castanhas, pão de queijo, pimentas, farinhas, polvilho caipira, massa para tapioca, mel, manteiga, cachaças, linguiça, frango e ovos caipira.

Av. Castanheiras, Ed. Ônix Bl. A - Loja 2 - Águas Claras


PÃO&VINHO

ALEXANDRE FRANCO pao&vinho@agenciaalo.com.br

Parker não morreu A polêmica do momento sobre a saída de Robert Parker da “frente” de suas publicações, cujo principal objetivo é o de pontuar os vinhos do mercado, procurando com isso orientar o consumidor quanto à qualidade de seu consumo, deve ser observada com o devido cuidado. Tendo sido aquele que criou no mercado mundial do vinho a figura do “super” avaliador de vinhos, na década de 1980, gerou a partir daí, baseado justamente em suas publicações e no seu sistema de pontuação de 100 pontos (bem mais simples de entendimento pelo consumidor do que os anteriormente existentes), um sistema de comercialização de vinhos para sempre. É indiscutível que hoje, e desde o seu surgimento, o mercado se baseia intensamente em suas avaliações e portanto sua saída desse cenário parece, num primeiro momento, ter um potencial de catástrofe. Porém, há de se notar os atenuantes a esse temor: em primeiro lugar, Parker não morreu e, mais do que isso, suas publicações deverão continuar realizando as avaliações de sempre com a mesma equipe que já o fazia há mais de uma década. Portanto, não deverá haver uma efetiva alteração nas referidas avaliações. É claro que a oficialização e publicidade de seu afastamento na condução direta de tais publicações trará algum impacto, mas muito menor, creio, do que se possa imaginar. Além disso, temos que lembrar que na sua esteira se consagraram vários outros “super” avaliadores que vêm ganhando ao longo dos últimos anos cada vez mais força, ainda que nenhum tenha chegado ao nível do “imperador do vinho”. Eles tenderão, a partir dessa mudança, a ocupar

mais espaço que venha a surgir em razão do afastamento de Parker. Pessoas como John Hugh, Jancis Robinson, James Sucklin e outros, além de publicações regionais como o Decorchados, na América do Sul, o Penin, na Espanha, e o Gambero Rosso, na Itália, são, em minha opinião, mais adequadas inclusive para orientar o consumidor que vem entendendo isso aos poucos. A decisão de Parker deverá acelerar esse processo. O que é certo, para mim, é que a orientação do consumidor a partir da referência de opiniões de especialistas continuará se fortalecendo cada vez mais e, mais do que isso, creio, tendendo à regionalização. O espaço que venha a ser deixado por Parker nesse mercado fundamental e bilionário será rapidamente ocupado pelas alternativas vigentes e por novas que surgirão cada vez mais. Aliás, o fato de o consumidor se apoiar numa diversidade maior de especialistas para orientar seu consumo só pode ser benéfica para ele. Portanto, essa novidade, longe de ser encarada como o presságio de uma catástrofe, deve ser entendida como uma evolução necessária e benéfica ao mercado mundial do vinho. Importante que minhas opiniões aqui expressas não sejam tomadas como uma desvalorização da figura de Robert Parker, do qual, alias, sou fã inconteste, e que tem indubitavelmente um valor e uma importância para o consumo de vinho no mundo nada menos que grandiosa. Trata-se, apenas, de uma visão menos desesperada quanto ao futuro do consumo do vinho e da orientação abalizada deste, que deverão sofrer, acredito, não mais que o efeito de uma “lombada” em seu caminho.

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Divulgação

DIA&NOITE

arterefeita Durante uma invasão ocorrida na sede do Ministério da Agricultura, no ano passado, cinco obras da artista plástica Veruska Lacroix foram destruídas. Agora, elas foram reconstruídas e podem ser vistas por quem visitar a exposição Até aqui, encáustica, montada no Museu dos Correios (SCS, Quadra 4). “Os quadros destruídos foram os primeiros que pintei. Quando vi no jornal um rapaz levantando um deles para jogar no chão, senti uma dor enorme”, explica a artista, que usou a técnica da encáustica para reconstruir as obras, originalmente pintadas em óleo e acrílico. Batizou essa série de Refazendo. Na exposição sob curadoria de Andreia Cabral estão também trabalhos reunidos na série Renda-se, uma mistura de rendas com encáustica ou acrílico, e nas séries Cobogós e Buritis, estas inspiradas nos traços arquitetônicos da cidade e na vegetação de cerrado. Veruska Lacroix nasceu em Paranavaí, no Paraná, mas se considera brasiliense, já que chegou à capital aos seis meses de idade. Começou sua produção artística em 1994, no ateliê de Marlene Godoy. Até 27 de maio, de terça a sexta-feira, das 10 às 19h; sábado e domingo, das 14 às 18h. Entrada franca.

É a artista plástica Ana Olivier quem abre a temporada 2018 de exposições na Galeria de Arte da Câmara dos Deputados. Até 4 de abril ela apresenta 29 obras realizadas em batik, técnica originária da Indonésia que utiliza a cera de abelha quente sobre tecido, associada a tinta acrílica, aquarela e elementos naturais como sementes, cascas e folhas de plantas. As telas em tamanho grande, a maioria com mais de um metro quadrado, remetem a ambientes rurais, urbanos ou oníricos. Ana Olivier iniciou sua carreira criando gravuras com pedaços de vidro e tinta guache. Desde então, desenvolveu um fascínio pela experimentação de novas técnicas e materiais diferenciados, fato que a fez pesquisar por vários anos. Formada em Literatura pela UnB, também praticou a inserção de textos escritos em painéis, procurando casar sensações lidas com a pintura, com o objetivo de ampliar a percepção do espectador. De segunda a sexta-feira, das 9 às 17h, no 10 º andar do Anexo IV. Entrada franca.

Foi observando cenas do cotidiano, aliadas às imagens trazidas de seus sonhos, que nasceram as figuras femininas das telas de Tony Lima, o artista plástico que expõe seu trabalho na Galeria de Arte do CTJ Hall (706/906 Sul) até 14 de abril. Com livre inspiração nas mulheres de Amedeo Modigliani, mas mantendo seu próprio estilo, Tony Lima usa recursos do cubismo e do expressionismo, imprimindo em suas telas tons fortes e escuros com o dom de captar o que há de mais raro e os aspectos sutis, marcantes e refinados da poética de uma obra de arte. Natural de Parnaíba, Piauí, o artista é autodidata e mora em Brasília desde 1980, época em que conheceu a tinta, telas e pincéis. Dedicado, curioso e persistente, aos poucos familiarizou-se com a tinta e o óleo de linhaça e abandonou de vez seu ofício de garçom. De segunda a sexta, das 9 às 21h, e sábados, das 8 às 12h. Entrada franca.

Até 7 de abril a artista plástica Socorro Mota expõe seu trabalho na galeria do Pátio Brasil. Intitulada Sentido das cores II, a exposição traz trabalhos com temas relacionados a mazelas sociais, fraquezas e necessidades do ser humano. Sem compromisso com escolas e rigores acadêmicos, a mostra reúne 18 quadros da artista, que já expôs em vários estados do Brasil e diversos países. Atualmente é curadora do College Arte em Brasília, órgão que seleciona artistas para representar a capital nas exposições internacionais. De segunda a sábado, das 10 às 22h, e domingos e feriados, das 14 às 20h. Entrada franca.

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festafrancesa O cantor francês Mathieu Boogaerts (foto) é uma das atrações internacionais da 21ª edição do Festival da Francofonia, que acontece entre 18 e 31 de março. Com mais de duas décadas de carreira e conhecido por seu estilo minimalista e bem humorado, ele se apresenta no dia 20 no CCBB. Entrada franca, com retirada de ingressos duas horas antes, na bilheteria do CCBB. Também está na programação o espetáculo da Companhia Mangano-Massip, de Sara Mangano e Pierre-Yves Massip, com seu teatro de mímica. Dias 19 e 27, com ingressos a R$ 30, na Aliança Francesa do Lago Sul (QI 19/21). Na abertura, o tradicional Bazar da Francofonia, que reúne mais de 20 embaixadas de países francófonos e cerca de 50 expositores na Aliança Francesa Asa Sul (708 Sul). De 21 a 31, a Mostra de Cinema Francófono vai apresentar filmes de vários gêneros com foco na cultura francófona. No encerramento do festival, show de Cloé du Trèfle, multiinstrumentista, compositora e intérprete belga que apresentará seu álbum Entre l’infime et l’infini, em duo com a violoncelista suíça Céline Chappuis, no dia 26 de março, no Teatro SESC Silvio Barbato (SCS). A entrada é franca e os ingressos devem ser retirados na Aliança Francesa. Programação completa em http://www.afbrasilia.org.br/festivaldafrancofonia/

revistapolítica Elinize Dezgeniski

aartedebéatrice O destaque em artes plásticas no Festival da Francofonia é a exposição das ilustrações de Béatrice Tanaka, de 22 de março a 15 de abril, na Aliança Francesa Asa Sul. A artista nasceu em 1932, na cidade de Cernauti, na Romênia (hoje Chernivtsi, Ucrânia). Por causa da ocupação alemã de 1944, retirou-se com sua família para a Palestina e em 1947 veio para o Brasil. Foi uma figura simbólica da literatura infantojuvenil. Autora-ilustradora de mais de 40 livros – álbuns, contos, áudiolivros, livros de atividades, peças de teatro, ensaios, romances – publicados na França, no Brasil, na Alemanha, nos Estados Unidos, na Espanha, na Itália, na Holanda e na Dinamarca, Béatrice Tanaka escreveu principalmente em francês. Trabalhou também em revistas para jovens na França, na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos. A exposição Se o Brasil me fosse contado por Béatrice Tanaka começa dia 22 de março e vai até 15 de abril na Aliança Francesa Asa Sul, com entrada franca.

“Nós criamos quatro peças de teatro ao mesmo tempo, sendo que cada uma delas é um sistema distinto, um universo muito diferente do outro”, diz Gustavo Bones, diretor do espetáculo Real, que o grupo mineiro Espanca traz ao palco da Caixa Cultural até 25 de março. Apresentadas em sequência na mesma noite, essas obras compõem uma espécie de “revista política” sobre o país. A primeira, Inquérito, é baseada em texto de Diogo Liberano que propõe um jogo violento entre os atores, numa poética muito próxima da que o grupo já desenvolve. Roberto Alvim escreveu a segunda, O todo e as partes, cuja encenação utiliza princípios do teatro de bonecos. Parada serpentina, a terceira, dilui as fronteiras entre o teatro e a dança, partindo de estudos sobre o movimento, enquanto Maré parte de um trabalho sonoro com o texto de Márcio Abreu, priorizando a musicalidade da fala dos personagens. “Não estamos representando o real, e sim criando a partir dele uma nova realidade em cena”, conclui o diretor. Sextas e sábados, às 20h, e domingos, às 19h. Ingressos a R$ 20 e R$ 10.

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acidadecomoprotagonista Brasília em plano aberto. Esse é o nome da mostra de curtas que o CCBB apresenta no dia 4 de abril, às 19h30, já em comemoração ao aniversário da cidade. Com curadoria de Wol Nunnes e Maurício Witczak, foram selecionados quatro documentários que trazem Brasília em seus roteiros: Cine drive-in, cinema sob o céu, de Cláudio Moraes, que narra os momentos de glória, depressão e recuperação do Cine Drive-in; Afonso é uma brazza, de Naji Sidki, homenagem ao lendário cineasta brasiliense Afonso Brazza; A saga das candangas invisíveis, de Denise Caputo, sobre prostitutas que chegaram na época da construção da cidade; e Braxília, de Danyella Proença, um documentário cujo foco é o olhar do poeta Nicolas Behr sobre a cidade. Entrada franca, com retirada de ingressos a partir de uma hora antes do início da sessão.

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sensaçãodefesta A tradição da balada que teve início há 18 anos em Amsterdã está mantida: todos os participantes devem vestir roupa branca. A primeira The brazilian tour sensation em Brasília vai rolar no dia 7 de abril, a partir das 21h, no Estádio Mané Garrincha. E vem com batalhão de cinco mil pessoas para trabalhar na produção com uma infraestrutura gigante. Serão 30 toneladas de equipamentos de palco, 500 mil watts de som, 1,5 milhão de watts de luzes, além de laser multicolorido e efeitos especiais. Na programação, nomes de destaque da música eletrônica: Mr. White, Bruno Martini, Sunnery James & Ryan Marciano, Fedde Le Grand e Vintage Culture. O segundo lote de ingressos já está à venda em www.ingressorapido.com.br a R$ 195 (pista), R$ 495 (camarote premium), R$ 1095 (camarote diamond) e R$18.450 (exclusive table).

feiradolivrovemaí Agência Brasil

Quem procurar no youtube o vídeo que o violonista e compositor Diego Galeno gravou da música Bicho de 7 cabeças pode ter uma ideia da sua versatilidade. Em arranjo dele para quarteto de guitarras, o músico interpreta uma bela mistura de baião e choro da composição de Geraldo Azevedo e Zé Ramalho. No show que fará dia 23, às 20h, no CTJ Hall (706/906 Sul), Diego Galeno apresentará músicas autorais do seu primeiro CD, Algumas histórias. Trata-se de um trabalho instrumental que une a formação erudita de Diego, especialmente dos períodos renascentista e barroco, à música brasileira, regional e ainda rock progressivo. Gravado no estúdio brasiliense Beco da Coruja, o disco tem como destaques as músicas Andando pela meia-noite e Entre panos, que revelam o casamento perfeito entre o erudito e o popular. Entrada franca.

novaboate

Usha Velasco

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Literatura infantil: a invenção do sonho. Vamos brincar de inventar? Esse é o tema da 34ª edição da Feira do Livro de Brasília, já confirmada para acontecer de 1º a 10 de junho no Pátio Brasil. Promovida pela Câmara do Livro e pelo Instituto Latinoamerica, aponta para um gênero literário que vem crescendo muito nos últimos anos. Dados do Sindicato Nacional dos Editores de Livros mostram que as vendas do gênero infantil cresceram 28% em 2016, em comparação com 2015, contrastando fortemente com a queda de 9,7% do mercado como um todo no mesmo período. Outro fato que pesou na escolha do tema se relaciona com os desafios que envolvem a popularização da leitura desde a infância, num país ainda tão carente de avanços educacionais. A programação gratuita trará shows, espetáculos teatrais de grupos da cidade, palestras e conversas com os autores.

Acaba de chegar a Brasília a Pink Elephant, uma filial da casa noturna nova-iorquina inaugurada com show do trio de DJs Make U Sweat (foto). Localizada ao lado do Pier 21 e do Steak Bull, tem capacidade para até 800 frequentadores, dez lounges e até salões de beleza dentro dos banheiros feminino e masculino. Uma das atrações do novo point é o maior teto de led já construído no Brasil. Terminais de auto-pagamento também são uma novidade tecnológica da casa, permitindo ao cliente pagar sua conta de maneira fácil e rápida, evitando as tão indesejáveis filas na hora de ir embora. A nova casa foi projetada para que pessoas com necessidades especiais possam ter mobilidade e abrirá três vezes por semana. A programação pode ser acompanhada pelo aplicativo da Pink, onde também é possível adquirir os ingressos.

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cinemaalemão Gente no domingo, um filme mudo de 1929 com placas em alemão e legendas em inglês, abre no dia 20, às 19h, a mostra A Alemanha nas telas, que vai até 28 de março no Goethe-ZentrumBrasília (707/907 Sul). Com acompanhamento musical ao vivo do pianista Serge Frasunkiewicz, a projeção vai dar o clima anos 20 do filme de 73 minutos dirigido por Robert Siodmak e Edgar G. Ulmer. A proposta dos organizadores é traçar um panorama amplo do cinema alemão, dos clássicos mudos até obras-primas contemporâneas, passando pela vanguarda do novo cinema alemão da década de 1960. Sob curadoria de Pablo Gonçalo, a mostra apresenta outro clássico, de outra fase áurea do cinema alemão. Trata-se de O jovem Törless, adaptação do romance de Robert Musil dirigida em 1966 por Volker Schlöndorff. O filme é uma das obras seminais do novo cinema alemão, movimento que revelou também Win Wenders, R.W. Fassbinder, Helma Sanders-Brahms, Werner Herzog e Margarethe von Trotta. Na parte final da mostra destacam-se três obras contemporâneas de diretores importantes como Tom Tykwer, Christian Petzold e Fatih Akin, que tocam em temas como a sexualidade, os afetos e traumas vividos na Alemanha pós-guerra, assim como os atuais desafios vividos por um país que se reconstrói a partir de uma configuração multicultural. Programação completa em www.goethebrasilia.org.br/cultura/a-alemanha-nas-telas/.

improvávelamor

Chama-se Entre rios – Entre nós a exposição que o Museu da República apresenta até o dia 1º de abril, das 9 às 17h30. Lá estão 19 bordados em grandes tamanhos realizados pelo grupo Matizes Dumont, um registro da vida na beira d’água em forma de telas confeccionadas em diferentes técnicas. Além delas, estão expostos 16 painéis bordados por participantes de projetos sociais em comunidades ribeirinhas e por pessoas que se movimentam para proteger as águas. O trabalho Gente que Borda Entre Rios surgiu em 1999 na região do Rio São Francisco durante o projeto Caminho das Águas e vem sendo ampliado por meio de oficinas com grupos de mulheres ribeirinhas interessadas em “bordar águas, bordar a vida em várias regiões brasileiras”. Trata-se de uma ação de educação ambiental coordenada pela Ñanduti Planejamento Projetos em parceria com as bordadeiras do grupo Matizes Dumont, que tem 20 anos. Entrada franca.

Um ator com Síndrome de Down e uma atriz gaga. Estreia dia 6 de abril no Teatro Garagem (713/913 Sul) a peça O improvável amor de Luh Malagueta e Mc Limonada, uma história que pretende oferecer ao espectador um novo olhar para com as pessoas portadoras de deficiência. Muito humor, música e dança são os ingredientes utilizados pela diretora Lurdinha Danezy no espetáculo com participação colaborativa de todo o elenco. O artista plástico brasiliense Lucio Piantino viverá o Mc Limonada, um “faz tudo” de uma empresa que, no decorrer da peça, demostrará ser um palhaço muito talentoso e cheio de habilidades. Junto com Mc Limonada, a atriz Luiza Martins representará Luh Malagueta, a chefe do “faz tudo”. De uma relação meramente profissional eles partem para um encontro permeado de respeito, confiança e cumplicidade. “A peça busca evidenciar a pessoa, seus talentos, suas possibilidades e não a deficiência. Muitas vezes, as pessoas só precisam de uma chance para ultrapassar a barreira do preconceito e a sociedade tem um papel importante nisso tudo”, afirma Lurdinha Danezy. Dias 6, 7 e 8 de abril, no Teatro SESC Garagem, com ingressos a R$ 10 e R$ 5. Segue depois para os SESCs de Taguatinga Norte (de 13 a 15 de abril) e da Ceilândia (dias 24 e 25 de abril). Informações: 99931.7100.

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circodachinavemaí Ele montou sua lona em Brasília no ano passado, mas agora o Circo da China tem como destaque uma apresentação inédita sobre o gelo. Dias 12 e 13 de maio o espetáculo On ice, mundo da imaginação terá lugar no Ginásio Nilson Nelson. Com acrobacias em grupo e alto grau de dificuldade, mais de 30 artistas chineses, entre contorcionistas acrobatas e dançarinos garantem muitas emoções para encantar o público. Usando a imaginação que desafia as leis da gravidade, conta a história da Menina da Onda, que é levada pelo Vovô do Vento Norte para voar pelo céu. Inconscientemente, ela se torna a Fada de Cristal e Pura Neve, caindo do céu para o mundo de gelo, o Reino da Neve. De lá, ela vê as fadas da neve andando pelo céu, girando e brincando com chapéus. Ingressos entre R$ 60 e R$ 160, à venda nas lojas Sete Mares, nas lojas da Bilheteria Digital e em www.oquevemporai.com/ingressos.

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QUEESPETÁCULO

Vestibular da Broadway POR VILANY KEHRLE

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esde o começo do Século 19, quando uma certa avenida da mais fervilhante cidade norteame­ricana passou a abrigar inúmeros teatros, tornando-se a maior referência de espetáculos musicais do planeta, a maioria de nós, quando pensa em descobrir o mundo, sonha penetrar naquele universo repleto de luzes, neon, cores, música e dança que caracterizam a famosa Broadway. Embalados por esse fascínio, dois jovens cearenses – o diretor teatral André Gress e o cineasta e produtor Allan Deberton – sonharam e concretizaram o Broadway Brasil, projeto que, em 2013, encantou Fortaleza com as versões Teatro musical no Ceará, O show vai começar e O show não pode parar. Com oficinas de montagem, quatro masterclasses e o espetáculo Cabaret show, o projeto alcança agora em março sua quarta edição – e a grande novidade é que vai ser em Brasília.

O Broadway Brasil – Na estrada vai realizar o sonho de jovens brasilienses, e de outras localidades do país, que terão a chance de interpretar, cantar e dançar canções famosas orientados por renomados profissionais do teatro musical do Brasil e dos Estados Unidos. Sem contar que, no futuro, alguns dos participantes podem ser convocados a participar de processos seletivos para grandes musicais, dentro e fora do país, pois um dos grandes parceiros do evento é a norte-americana Broadway Dreams Foundation, criada há dez anos e responsável por oferecer grandes oportunidades a jovens artistas de países como Canadá, Rússia e Nova Zelândia, além do Brasil. Andrés Gress conta que as edições anteriores funcionaram como ponto decisivo na vida de alguns candidatos, que tiveram a coragem e a ousadia de escolher o teatro musical como carreira profissional. Em 2017, duas atrizes/dançarinas integraram montagens de famosos espetáculos no eixo Rio/São Paulo, seis participantes

foram a Nova York se apresentar para diretores e produtores internacionais e outros estão a todo vapor no mercado de trabalho das cidades onde residem. A semana de atividades, que vai de 26 de março a 1º de abril, no Teatro da Caixa Cultural, vai contar com a participação dos 50 candidatos que se inscreveram e foram selecionados, mas quem não fez inscrição pode comparecer ao local nos dias das masterclasses e participar como ouvinte, sem ter que pagar nada, ficando apenas sujeito à lotação do teatro. Além de Gress e Deberton, vão estar em Brasília os atores e cantores Soraya Ravenle e Luciano Andrey, da cena paulistana, e os profissionais da Broadway Dan Knechtges (diretor e coreógrafo) e Nick Adams (ator, cantor e coreógrafo). Quem também vai marcar presença no evento é Annette Tenner, diretora executiva da BDF, que acompanhará todo o processo criativo, colaborando com as equipes local e internacional. O Cabaret show acontece nos dias 31


Fotos: Camila Cerdeira

de março e 1º de abril, com Gress na direção geral e Tony Lucchesi na direção musical. O espetáculo é composto por vários recortes que, no final, são costurados em uma linha narrativa e musical em que cada diretor convidado mostra seu ponto de vista e seu estilo de trabalho, proporcionando aos candidatos a vivência de trabalhar com diferentes formatos. André lembra que, para os atores selecionados, nesse primeiro momento tudo gira em torno de um sentimento de que essa etapa é apenas o começo. Ele aproveita para deixar um recado que julga muito importante: “O projeto pode servir para dar o pontapé inicial a qualquer jovem artista que queira dançar e cantar no teatro musical, mostrando que é possível viver de arte, mas demonstra também que é preciso estudar muito e batalhar para atingir os resultados desejados, pois ainda há muito chão pela frente”. Broadway Brasil - Na estrada

De 26/3 a 1/4, no Teatro da Caixa Cultural (SBS, Quadra 4).

Cabaret show

31/3, às 20h, e 1/4, às 19h, no mesmo local. Ingressos a R$ 20 e R$ 10.

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GALERIADEARTE

O universo fantástico

de Brennand

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os 90 anos, Francisco Brennand é um artista recluso em sua Oficina Cerâmica no Bairro da Várzea, em Recife, cercada pela Mata Atlântica. Enquanto isso, seu nome é aclamado ao redor do planeta, por sua arte sincrética, ancestral e extremamente peculiar. Pintor, ceramista, escultor, desenhista, tapeceiro e ilustrador, Brennand retira da natureza e dos instintos humanos a energia que emana de sua obra. Uma pequena, mas significativa mostra de seu universo místico e fantástico poderá ser vista em Brasília, onde a exposição Francisco Brennand – Mestre dos sonhos estará em cartaz na Caixa Cultural de 28 de março a 20 de maio. A exposição, que tem curadoria de Rose Lima, procura traçar um panorama dos 70 anos da rica produção do artista, com 31 obras de seu acervo original, organizadas de forma cronológica, numa viagem quase centenária. De fato, os primeiros passos do artista foram dados na antiga Cerâmica São João, de propriedade da família, criada no mesmo ano em que ele nasceu – 1927. Da exposição consta material fotográfico que levará o visitante a esse ambiente, posteriormen-

te reformado e transformado na Oficina Cerâmica Francisco Brennand, que divide com o Parque das Esculturas, construído sobre um arrecife natural na capital pernambucana, o acervo de cerca de duas mil obras de arte mantidas em Recife. Brennand soma mais de 90 exposições em países como Alemanha, França, Inglaterra, Itália, Uruguai, Estados Unidos, Portugal, Espanha, além de diversas cidades brasileiras. E sua obra continua

surpreendendo pela originalidade estética e pelo olhar sobre temas como sexualidade, mitologia, fauna e flora, personagens históricos e míticos, além dos signos da tradição popular do Nordeste. Obras que agregam esses temas estão presentes na exposição, como explica a curadora, Rose Lima: “Nosso objetivo foi fazer um passeio pelo trabalho de Brennand, ao longo dos 70 anos de produção e 90 de idade. Não é um recorte da obra. Seu uniFotos: Rafael Martins

POR ALEXANDRE MARINO


Francisco Brennand – Mestre dos sonhos De 28/3 a 20/5, de 3ª a domingo, das 9 às 21h, na Caixa Cultural (SBS, Quadra 4).

A criação de anjos caídos

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verso temático está bem representado”. A cerâmica, a escultura, a pintura e o desenho são suas linguagens mais marcantes. Embora tenha iniciado a carreira como escultor, Brennand se considerava acima de tudo pintor, e tinha a escultura como uma “arte menor”. Até que, aos 20 anos, viajou a Paris a convite do artista plástico Cícero Dias, que o levou a uma exposição de Pablo Picasso, justamente uma exposição de cerâmica. Brennand, que já nutria grande admiração pelo artista espanhol, mudou seus conceitos e desenvolveu um novo tipo de material, que adotou em suas novas esculturas. A exposição, dividida em quatro alas, apresentará cerâmicas emblemáticas das diversas fases da obra de Brennand. La tour de Babel, de 1975, Antígona, de 1978, e Pelicano, de 1988, são algumas delas. Também está na mostra a Árvore da vida, escultura em bronze com quase 2 metros de altura. Entre as pinturas, chamam a atenção alguns autorretratos, o primeiro feito aos 19 anos, o mais recente aos 79, e as instigantes mulheres que lhe serviram de modelo. Toda a exposição é guiada por trechos de seus diários, que ele escreve incansavelmente há mais de 60 anos, embora tenha queimado alguns trechos nos mesmos fornos que dão vida a suas esculturas. Os diários foram publicados no ano passado, em quatro volumes, sob o título O nome do livro, considerado pelo autor do prefácio, o poeta Alexei Bueno, como a maior obra do gênero da literatura brasileira. Lá estão narradas passagens de sua vida, suas inquietações, questionamentos e reflexões sobre um pouco de tudo. Amigo pessoal do escritor Ariano Suassuna desde os bancos escolares, Brennand ilustrou o jornal literário editado por Suassuna, no Colégio Oswaldo Cruz, do Recife. Posteriormente, criou o figurino da estreia da peça O Auto da Compadecida, de Suassuna, que poderá ser conhecido na exposição. Também lá estarão painéis interativos, um mapa da Oficina que guiará o espectador e irá ajudá-lo a compreender as obras, uma entrevista em vídeo e ainda um documentário realizado por sua sobrinha neta, Mariana Brennand, premiado pela 36ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em 2012.

Exposição revela o processo criativo do artista plástico Sergio Rizo

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trajetória de Sergio Rizo dentro da Universidade de Brasília passa por diversas áreas do conhecimento. Sua graduação é em Arquitetura, e seu doutorado, em História. Ele também deu sua contribuição para o Departamento de Medicina. Mas talvez seja por sua passagem pelo IdA – Instituto de Artes, onde lecionou entre 1991 e 2012, que ele seja mais lembrado. Afinal, mestre do desenho, Rizo foi um entusiasmado incentivador dos alunos para a prática do desenho de anatomia e observação. O corpo humano, afinal de contas, é uma das temáticas mais recorrentes em suas obras. Essa fascinação perpassa a exposição Cadernos de desenhos, em cartaz nas galerias Piccola I e II da Caixa Cultural entre 27 de março e 20 de maio. Nas salas, o visitante encontrará diversos estudos que revelam o processo de criação do artista. “Esses desenhos são a retomada dos meus estudos anatômicos como uma prática imprescindível na compreensão da forma do corpo humano. Penso que é fundamental o conhecimento da anatomia na expressão da figura humana, consoante com a grande tradição da arte ocidental”, observa Rizo, que pondera: “Porém, considero a anatomia um meio, nunca um fim em si”. As influências do artista, carioca radicado em Brasília desde a infância, passam por clássicos como Leonardo da Vinci até as modernas histórias em quadrinhos de Guido Crepax. Os desenhos da exposição são, na

maioria, esboços, imagens e estudos preliminares, tanto de corpos quanto de mecanismos, feitos em seus cadernos de croquis. Neles é possível apreciar, em especial, os bastidores de Cidade dos anjos, no qual Rizo apresenta personagens alados de aura tanto celeste quanto tecnológica. Os desenhos são frutos da minha experiência vivenciada ao longo dos anos como professor de anatomia artística, com estudos na medicina e na veterinária. Daí as hibridizações entre gente, animais e maquinários de algumas figuras, na formação de seres imaginados como anjos caídos”, ele explica. O que vem à tona, em termos simbólicos, ele continua, são anjos que, exauridos de humanidade, perderam suas asas originais e necessitam usar de artefatos mecânicos e de suspensão para se manter acima do chão. “Na verdade, esses anjos somos nós, na constante busca de sentido para nossa existência no mundo, premidos entre o conhecimento da ciência e a esperança da fé”. Durante a exposição, serão realizadas visitas guiadas com o artista e com o curador, Oto Reifschneider. Além disso, em um pequeno ateliê dedicado aos estudos anatômicos, montado na galeria, o público poderá interagir e desenhar um modelo exposto no local. Sérgio Rizo - Cadernos de Desenho

De 27/3 a 20/5, de 3ª a domingo, das 9 às 21h, nas galerias Piccola I e II da Caixa Cultural (SBS, Quadra 4 Lotes 3/4), com entrada franca. Informações: 3206.6456 (bilheteria) e www.caixacultural.com.br.

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GRAVES&AGUDOS

Monumento musical POR HEITOR MENEZES

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iante de um monumento natural (o mar, a montanha, o rio), visão arrebatadora, que reação você tem? A) tira uma selfie e se exibe; B) deixa- se levar pela paisagem, pelo momento, os sentidos, o silêncio, a epifania, onde o que menos importa é fotografar e compartilhar. Se você é da segunda opção, saiba que algo parecido em termos musicais em breve estará ao nosso alcance e deleite. Dia 25 de março, o monumental Milton Nascimento volta a Brasília, desta vez para apresentar no Centro de Convenções Ulysses Guimarães show da turnê Semente da Terra. É mais uma oportunidade de encontrar um velho amigo, que sempre que aparece traz algo especial como a alegria de entreter e encantar por uma hora e meia, duas horas. Minutos que valem para sempre. Isso dito, porque o canto e a presença de Milton neste quadrado ganham especial relevância nestes tempos, só para nos lembrar que algo de sonho e esperança é preciso, e nem tudo é o vil metal, a vida pragmática, o wifi de altíssima velocidade. Milton Nascimento é a definição perfeita do artista, que da música, da canção, da voz, extrai a expressão

poética de profunda conexão espiritual, o lance da epifania dito no início. Brasília é a segunda paragem da retomada da atual turnê. O Bituca vinha rodando o país com ela até que em novembro passado engatou rejuvenescedora parceria com o cantor e compositor Tiago Iorc. Bastaram algumas datas no circuito Sudeste-Sul para fazer Milton ser aceito e descoberto por legiões de novos fãs, ao mesmo tempo em que trouxe o jovem Iorc para o panteão dos grandes artistas da Música Popular Brasileira. E a depreender do que já foi experimentado em outras praças por onde a atual turnê passou, temos Milton condensando mais de 50 anos de vitoriosa carreira musical. Não à toa, Travessia (parceria com Fernando Brant) e Canção do sal (só Milton), do primeiro disco, de 1967, estão no repertório da turnê. Canções igualmente emblemáticas e consagradas do nosso cancioneiro também estarão presentes: O cio da Terra (Milton/ Chico Buarque), Clube da Esquina 2 (Milton/ Márcio Borges/ Lô Borges), San Vicente e Maria, Maria (Milton/ Fernando Brant), além de outras não escritas por Milton, mas que inconfundivelmente pertencem ao universo do Bituca, tais como Caçador do mim (Luiz Carlos Sá/ Sérgio Magrão) e a imortal e

matadora Me deixa em paz (Monsueto Menezes/ Airton Amorim). Em verdade, a essa altura Milton pode montar o show que quiser. Seu vasto repertório permite inúmeras combinações, a alta musicalidade é sempre a pedra de toque. Lembrando que Milton constantemente tem a companhia de gigantes da música, brasileiros ou nascidos além-mar. Na turnê, temos Wilson Lopes (direção musical, guitarra e violão), Beto Lopes (sete cordas); Lincoln Cheib (bateria), Alexandre Ito (contrabaixo), Bárbara Barcellos (vocais), Kiko Continentino (piano) e Widor Santiago (metais). Ava Nhey Pyru Yvy Renhoi (Semente da Terra) é o nome que Milton Nascimento recebeu de 37 lideranças espirituais da Nação Guarani Kaiowá, numa cerimônia realizada em 2010. Esse nome de batismo em Guarani é distinção de alto nível, dado a raras pessoas nascidas fora da tribo, e teria surgido depois que os índios viram uma foto de Milton. Conexões espirituais estão no ar. Semente da Terra

25/3, às 19h, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães. Ingressos (meia): poltrona superior, R$ 100; poltrona especial B, R$ 140; poltrona especial A, R$ 170; poltrona vip lateral, R$ 180; poltrona vip frontal, R$ 270; vip longe (mesa para quatro pessoas, banheiro privativo, whisky 12 anos, água de coco e água mineral), R$ 2.000.


Fotos: Divulgação

Skank

Toquinho e Ivan Lins

Richard Clayderman

Programação eclética POR HEITOR MENEZES

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eríodo animado em termos de atrações musicais. Os tempos bicudos parecem sinalizar algum alívio no mercado da música, depois de um início de ano meio chocho. O que é ótimo para os profissionais envolvidos e o público, que ganha diversidade e opções de entretenimento. Detalhe para a enxurrada de shows no Centro de Convenções Ulysses Guimarães. Na falta de uma casa digna de shows na cidade, é um alívio para os ouvidos. Começando por MC Loma e as Gêmeas Lacração, que detonaram no Carnaval com Envolvimento, um som que grudou na cabeça dos foliões. Agora, dia 23, a loucura revive no Arena Futebol Club (Setor de Clubes Sul). A rapper pernambucana é a atração da festa Cookie, que promete, não exatamente nessa ordem, funk, pop, ragga, bagaceira, hiphop, treme-treme, funk 007 e batidão. Proibido para corações fracos. No mesmo Arena Futebol Club, dia 30, quem dá as caras e o vozeirão é o cantor Bruno Boncini, ex-vocalista da banda Malta, vencedora daquela competição global denominada SuperStar. O tempo voa. Já se passaram dois anos, Bruno saiu da Malta e vem construindo interessante carreira solo. Na oportunidade, Boncini

traz o show acústico, com músicas autorais e covers muito bem executadas, que fazem bastante sucesso nos canais on-line. Ele passeia fácil por músicas difíceis de cantar. Reparem nas covers de Aerosmith e Creed, por exemplo. Há um tempo sem cantar em Brasília, a paraense Maria de Fátima Moura Palha de Figueiredo, a Fafá de Belém, volta à capital para mostrar talento, charme, canto firme e repertório que lhe deram consagração no céu de estrelas da MPB. Dia 7 de abril, o auditório máster do Centro de Convenções Ulysses Guimarães abriga o show Fafá de Belém in Concert, no qual a cantora se faz acompanhar pela Orquestra Brasília Sinfônica, regida pelo maestro Joaquim França. É Fafá com orquestra. Orquestra com Fafá fica estranho de dizer. Mudando radicalmente de assunto, que tal curtir o piano de Richard Clayderman, dia 12 de abril, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães? Espera. Esqueça quantas vezes você ouviu Ballade pour Adeline na sala de espera do dentista. Abstraia os rótulos e mergulhe no talento do pianista francês nascido Phillipe Pagès, em 1953, e formado no exigente Conservatório de Paris. Richard Clayderman toca piano cristalino, sem firulas, e é fonte de admiração de gerações de pessoas que abraçam o rei dos instru-

mentos musicais. Tocar piano é coisa para uma vida inteira e Clayderman é o mestre nesse tipo de coisa. Em um país pródigo como o Brasil, houve um tempo (50 anos atrás) em que grandes compositores da música popular apareciam vindos de todos os quadrantes. Toquinho e Ivan Lins são dois deles que dividem amizade de longa data e agora o palco do Centro de Convenções Ulysses Guimarães. No dia 13 de abril, mal esfriaram as teclas do piano de Richard Clayderman, eles entram em cena para celebrar, cada, 50 anos de carreira artística. São muitas canções memoráveis e muitas histórias desses dois gigantes da MPB. Também houve um tempo em que só dava Skank na cabeça dos ouvintes do pop-rock nacional. Pois a banda mineira liderada por Samuel Rosa volta à capital, dia 14 de abril, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães (olha ele aí de novo), com a turnê Os três primeiros – Ao vivo. Como o nome indica, trata-se de show com músicas dos três primeiros discos campeões que lançaram o Skank à merecida fama: o primeiro, Skank, de 1992, o segundo, Calango, de 1994, e o terceiro, Samba Poconé, de 1996, recheados de hits como Jackie Tequila, Pacato cidadão, Te ver, Partida de futebol, Garota nacional e outros mais.

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Divulgação

GRAVES&AGUDOS

Vibrante e caliente Sabor de Cuba POR SÚSAN FARIA

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les têm suingue, a música no sangue, o ritmo caliente e saleroso... cantam, tocam, dançam e encantam as plateias. Exibem a energia da música negra e latina, da salsa, da cumbia, do mambo, do merengue, do bolero e do jeito cubano de ser. São nove homens – quatro cubanos e cinco brasileiros – que estão fazendo sucesso em Brasília e fora daqui. Aonde o Sabor de Cuba chega, tem molejo, altivez, sintonia e boa música. Por isso, sempre volta aos lugares onde se apresenta e faz agendas em novas casas, aumentando seu fã clube na capital, com quase 1.300 seguidores nas redes sociais. O grupo se apresenta no Clube do Choro, dia 24 de março, e no Feitiço Mineiro, dia 13 de abril. Houve lotação esgotada nas duas casas (no Clube do Choro, mais de 70 pessoas ficaram na fila e não conseguiram entrar) no mês passado, quando o grupo acompanhou a banda do mestre Félix Valoy, um dos remanescentes do Buena Vista Social Club. Também participou dos dois shows o músico e cantor Félix Valdes Ibanez, um dos fi-

lhos de Félix Valoy, que vive em Cuba. Seu irmão Félix Valoy Júnior, 52 anos, um dos integrantes do Sabor de Cuba, diz que pouco a pouco a banda vai conquistando o mercado: “O povo de Brasília tem muito interesse pela música cubana, sobretudo a salsa. O Sabor de Cuba ainda não está como queremos, mas vamos avançando por um caminho responsável”. O diretor musical Gumercindo Reyes, 55 anos, observa que todos integrantes do grupo vivem em Brasília, mas quer levar a música cubana a outros lugares. O Sabor de Cuba foi formado há quatro anos, sob a liderança de Félix Valoy Júnior e focado na música tradicional e contemporânea cubana. Além dele, participam do grupo os cubanos Gumercindo Reyes Aguilera, Hector Hernandez Lores (voz principal) e Gumercindo Reyes Junior e os brasileiros Ricardo Vieira, Westonny Rodrigues, Filipe Silva, Léo Torres da Costa e Carlos Pial. Flauta, trompete, trombone, três cubano (viola com três pares de cordas, tradicional em Cuba), contrabaixo, piano, congas, bongo, campana e timbale são os instrumentos básicos da banda.

Durante os shows, os cubanos dançam ao mesmo tempo em que cantam ou fazem coro musical. Brincam com a plateia e transmitem alegria e sensualidade, com um repertório que inclui clássicos como Sabor a mi, Besame mucho, Dos gardênias, Guantanamera e Chan Chan, além de canções dos cubanos Pablo Milanés, Celia Cruz e Ibrahim Ferrer, do mexicano Álvaro Carrillo e dos brasileiros Humberto Teixeira e Dominguinhos. O percussionista Carlos Pial, um dos brasileiros escolhidos para compor a banda, sente-se lisonjeado pela participação: “Morei em São Luís do Maranhão, onde ouvia muita música cubana. Sempre tive afinidade com os ritmos de lá, ritmos que tenho nas veias”. Outro brasileiro, o trompetista Westonny Rodrigues, destaca que música cubana é muito especial: “Quando a conheci, resolvi estudá-la, entender sua história e como se formou. Sinto-me extremamente feliz em participar do Sabor de Cuba”. Próximos shows

24/3, às 21h, no Clube do Choro (Eixo Monumental); 30/3, às 23h, Clube Sociedade Recreativa Patense, em Patos de Minas; 13/4, às 21h, no Feitiço Mineiro (306 Norte).



BRASILIENSEDECORAÇÃO

Lição de solidariedade TEXTO E FOTOS LÚCIA LEÃO

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eu dia começa pouco depois das cinco horas. Ao primeiro clarear, Vick Tavares já está na calçada da 205 Sul para a corrida matinal que agora é de apenas quatro quilômetros. O percurso do exercício, em outros tempos, já chegou ao dobro disso, mas aos 69 anos o corpo mostra seus limites e avisa que ainda deve dar conta de uma jornada que, pode-se dizer, será olímpica: vai cuidar da casa, de duas filhas ainda adolescentes (os três mais velhos já cuidam de si e de suas próprias famílias) e da Vida Positiva, uma ONG que apoia, de diversas formas, pessoas que vivem e convivem com HIV-AIDS.

E “diversas formas” não é modo de falar. É dar abrigo, alimento e roupa lavada; é levar ao médico ou ao dentista; é visitar familiares, conferir os remédios e os cuidados com a higiene; é verificar o desempenho escolar ou assistir a uma partida de vôlei de 23 crianças e jovens a quem Vick presta assistência direta. Mas também pode ser levar um lanche para centenas de pacientes que tiveram que guardar jejum antes da coleta de material para exame clínico nos hospitais públicos do DF e é – ora vejam! – fazer farofa!!! Mas isso eu explico depois. Vamos aos lanches. “Essa, hoje, é a nossa ação de maior alcance. Sabe aquele lanchinho que os laboratórios particulares oferecem para os clientes que vão coletar

sangue? Nós oferecemos isso para os clientes da rede pública. Todos estão de jejum e têm as mesmas necessidades. Distribuímos mensalmente dois mil lanches para pessoas que fazem o controle do HIV”. Diante de tantas necessidades, tantas carências, é inusitado pensar em como faz falta aquele pão de queijo e aquele copo de suco, como eles amenizam o sofrimento de quem deve ser submetido a uma bateria de exames. Vick pensou, porque pensar e realizar coisas inusitadas é da sua natureza. É uma empreendedora que há 16 anos canaliza esse potencial exclusivamente para ações sociais voltadas para o atendimento de portadores de HIV. “Distribuímos os lanches no Hospital Universitário de Brasília, no Hospital Dia, nos


hospitais de Sobradinho e de Planaltina e no Hospital Materno Infantil de Brasília. Esses hospitais fazem coleta de sangue e muitas pessoas chegavam a passar mal por não consumir nenhum alimento após o procedimento”. Seu interesse por essa parcela da população começou lá atrás, na década de 1980, quando surgiram os primeiros diagnósticos anunciados como sentença de morte e ela teve um amigo muito querido vitimado pela doença. À época, a paraense que vivia em Brasília desde os 15 anos era uma bem sucedida comerciante do ramo de confecções que já se destacava pela consciência de suas responsabilidades sociais como empresária. A partir da sua loja – a Vick Tavares Confecções, na 205 Sul – começou a promover o atendimento aos meninos que viviam pela quadra. Distribuía lanches, roupas e, principalmente, material escolar. Para isso, começou a pedir ajuda aos comerciantes vizinhos, cadastrou as crianças e passou a exigir que elas tivessem frequência escolar para, no outro turno, vigiar os carros e fazer pequenos trabalhos na região. Esse trabalho conjunto foi o embrião da Associação Comercial da 205-206 Sul, a primeira organização desse tipo em Brasília. A iniciativa rendeu um convite para assumir a diretoria social da Associação Comercial do DF, cargo que Vick ocupou por quatro mandatos. Aposentada e decidida a dedicar-se de corpo e alma ao atendimento de portadores do HIV, ela dirigiu por algum tempo uma creche para crianças doentes

e no final do ano 2000 decidiu criar a ONG Vida Positiva, onde desenvolve o trabalho de atendimento até hoje. “A medicina evoluiu muito nesses 30 anos, desde que surgiram os primeiros casos. Hoje é perfeitamente possível controlar e conviver com o vírus com muita qualidade de vida. Mas a sociedade não acompanhou esse avanço. O preconceito e a discriminação com essas pessoas, especialmente as que vivem em situação de fragilidade econômica e social, continuam enormes”. A empreendedora sente isso na reação mesmo de alguns vizinhos da casa na 711 Sul, sede da ONG onde vivem dez jovens e outros 15 são atendidos em regime de apoio – passam o dia, fazem suas refeições, recebem reforço escolar, são levados às consultas médicas e, principalmente, têm a atenção e o carinho de Vick

e de um grupo de voluntários. A casa é também a fabriqueta onde o grupo de voluntários embala os lanches para distribuição nos laboratórios e fabrica a Farofinha Solidária. “Como eu sou naturalmente uma empreendedora, sentia falta de produzir alguma coisa que pudesse vender e reverter o lucro para a instituição. Conversando com meus filhos perguntei: o que eu faço melhor? De pronto eles responderam: a farofa! Daí veio a Farofinha Solidária Vovó Gourmet”. E todos os amantes e conhecedores de farofa atestam: é mesmo uma delícia! Produzida na cozinha da sede da instituição, a Farofinha Solidária é feita na versão tradicional (manteiga e cebola) e com receitas mais sofisticadas – de castanha do Pará, castanha de caju, nozes, banana, pimenta, chocolate, passas, ameixa, damasco, doritos, churrasco, batata palha, torresminho e mix (mistura de granola com vários tipos de castanhas, damasco e ameixa). Embalada em potes plásticos, a iguaria por enquanto só é comercializada na feirinha do produtor que acontece quinzenalmente no Brasilia Shopping. “O shopping nos cedeu um stand onde, além de vender a Farofinha, divulgamos nosso trabalho, conseguimos doações e conquistamos parceiros para trabalhos voluntários. Esse é o maior resultado da Farofinha, porque o que angariamos com a venda propriamente dita ainda é irrisório frente às nossas despesas”. Mas os planos de Vick, como boa empreendedora, são de fazer o negócio crescer. Adquirir algum maquinário, instalar a fabriqueta num local mais adequado, criar alguns empregos para os jovens que cresceram apoiados pelo Vida Positiva e... seguir em frente.

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Divulgação

PROBLEMASBRASILEIROS

Brasil, mostra tua cara Série Diálogos contemporâneos discute o país do Século 21

Rubens-Chaves

Ignácio de Loyola Brandão

Marcia Tiburi TV Brasil - EBC

mação e comunicação. Na terça-feira seguinte, dia 10, Djamila Ribeiro, pesquisadora e mestre em Filosofia Política pela Universidade Federal de São Paulo, discute o tema Diversidade cultural e de gênero no Brasil: a construção de uma sociedade democrática e fraterna e o respeito às diferenças. No dia 17, o sociólogo Jessé Souza, ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), discute o tema A formação do Brasil: do descobrimento aos tempos atuais – A herança cartorial, o patrimonialismo e a cultura de privilégios. A programação de maio começa com o tema Os esquecidos: identidade, território e afirmação das nações indígenas brasileiras, no dia 8, por Fernanda Kaingáng, indígena especialista em biodiversidade. Questões sobre religiosidade e o estado laico serão abordadas no dia 15 de maio pelo professor de filosofia Vladimir Safatle em Estado, igreja e democracia – Novas religiões, teologia da prosperidade e os desafios do secularismo. A última conferência de maio, dia 29, estará a cargo de Ignácio de Loyola Brandão, que vai falar da Cultura do descarte na sociedade de consumo e a tragédia do meio ambiente. As dificuldades de ascensão social serão discutidas na palestra Mobilidade social e empreendedorismo – O estado, o mercado e as possibilidades de superação das desigualdades e de ascensão social na sociedade brasileira, proferida pelo economista Luiz Gonzaga Belluzzo no dia 5 de junho. Diálogos contemporâneos encerra suas atividades no dia 12 de junho lançando luzes sobre duas das condições humanas mais preocupantes do Século 21: a depressão e a solidão, temas da palestra O espaço do amor e da afetividade nas grandes cidades, da antropóloga Mirian Goldenberg.

Luiz Gonzaga Belluzzo Divulgação

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as últimas semanas temos assistido, na televisão, a uma insistente campanha que pretende ouvir brasileiros de todos os municípios sobre o país que eles sonham para o futuro. Educação, respeito à diversidade e ao meio ambiente, ética, honestidade são temas recorrentes citados por aqueles que mandaram vídeos para expressar seus desejos. Praticamente as mesmas questões estão na pauta do projeto Diálogos contemporâneos, com uma diferença: as visões aqui apresentadas não são as de cidadãos comuns, mas de sociólogos, filósofos, educadores, economistas e outros representantes da elite intelectual brasileira. Desde o último dia 12, e durante os próximos três meses, o Museu da República e a Universidade de Brasília serão palco de palestras e debates sobre todos esses temas. De acordo com o idealizador da série, Nilson Rodrigues, “tempos de crise exigem diálogo para planilhar novos caminhos”. Entre os convidados confirmados estão o escritor Ignácio de Loyola Brandão, o ex-ministro da Educação Renato Janine, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, o sociólogo Jessé de Souza, a líder indígena Célia Xakriabá, a psicanalista Viviane Mosé e o professor Vladimir Safatle. Os desafios da educação no Brasil de 2018 serão colocados em pauta pelo exministro Renato Janine. No dia 20 de março ele comanda a palestra A educação no Brasil, a realidade contemporânea e os novos instrumentos para a formação de crianças e jovens. Na semana seguinte, dia 27, será a vez de Célia Xakriabá, professora e líder indígena, proferir a última palestra do mês de março, sobre o tema Mulheres indígenas, resistência e protagonismo. A série continua em abril, com Viviané Mosé, que se apresenta no dia 3. Poetisa, filósofa, psicanalista e especialista em elaboração e implementação de políticas públicas, ela fala sobre o Mundo digital e sociedade em rede – O declínio das mídias tradicionais e os novos espaços de infor-

Diálogos Contemporâneos

Até 12/6 no Museu Nacional de Brasília e na UnB, às 19h, com entrada franca. Informações em www.dialogoscontemporaneos.com.

Viviane Mosé

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LUZCÂMERAAÇÃO

Exília, de Renata Claus: a subida das marés e as mudanças climáticas que afetam a ilha de Tatuoca, em Pernambuco.

Estado líquido, de Fernanda Ramos, é um curta-me

Lixo e poluição na tela Green Film Festival exibirá filmes que falam da degradação do meio ambiente, moda, espiritualidade, questões de gênero e imigrações. POR PEDRO BRANDT

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Fotos: Divulgação

ealizado pela primeira vez no Hemisfério Sul, o Fórum Mundial da Água, em sua oitava edição, ocupa o Centro de Convenções Ulysses Guimarães entre 18 e 23 de março. Criado pelo Conselho Mundial da Água, com sede na cidade francesa de Marselha, a organização internacional reúne

indivíduos e entidades interessadas no assunto e tem como missão promover ações para a preservação e o uso consciente da água. No mesmo período, o Cine Brasília recebe o Green Film Festival, em que serão exibidos 13 longas e 25 curtas-metragens, brasileiros e estrangeiros. Também faz parte da programação do festival a mostra Voz dos Cidadãos, composta por 16 curtas de até quatro mi-

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Ilha, do espanhol Daniel de La Calle, foca uma comunidade que vive na ilha de Boipeba, na Bahia.

nutos, que serão exibidos no Centro de Convenções. Os filmes concorrem a troféus e prêmios em dinheiro. A programação ficou a cargo da equipe do Filmambiente – Festival Internacional do Audiovisual Ambiental, que anualmente organiza exibições de produções nacionais e internacionais recentes sobre questões ambientais. Informações sobre os curtas e longas participantes do festival estão no site filmambiente.com. E a programação do 8º Fórum Mundial da Água pode ser conferida em www.worldwaterforum8.org. “​Procuramos montar uma programação em que a água está presente e é abordada de diferentes formas e olhares variados”, explica a curadora Suzana Amado. Entre os temas abordados pelos filmes do festival estão moda, espiritualidade, questões de gênero, memórias afetivas, imigrações, poluição, distribuição e escassez hídrica. A programação conta também com filmes direcionados ao público infantil, todos com alguma mensagem sobre consciência ecológica. No dia 18, a Monja Coen, persona-


etragem experimental sobre o desastre ambiental de Mariana.

Las damas azules registra a luta de mulheres andinas contra a expansão da maior mina a céu aberto da América Latina.

gem de um dos filmes, estará no Cine Brasília com os diretores Felipe Kurc e Rodolfo Amaral, do filme Detox SP, para participar de uma conversa com eles e com o público. Também vão participar de debates, após a exibição de seus filmes, os diretores brasileiros Bebeto Abrantes e Juliana Carvalho, de Caminho do mar; e Eliza Capai, diretora de O jabuti e a anta, que faz sua estreia no evento brasiliense. Marcos Colón vai debater Muito além de Fordlândia e Ricardo Gomes falará sobre o mundo marinho que ainda sobrevive na baia de Guanabara. Presentes na ocasião, a francesa Bérengère Sarrazin vai apresentar seu filme As damas azuis e o canadense Roger William seu longa Rio manchado de azul. Para Suzana Amado, essas produções contemporâneas que abordam causas ambientais são muito diferentes daquelas produzidas no passado: “Hoje a questão ambiental está muito mais presente no nosso cotidiano, portanto, muito mais cineastas estão tratando desses assuntos”, compara. Ela observa ainda que, se antes havia muito mais produções de militância e denúncias, hoje os filmes ambientais – “muitos deles chegaram ao Oscar e vários saíram premiados” – estão tratando de apresentar soluções para algumas questões ambientais, mostrando personagens que lidam no dia a dia com o ambiente em que vivem de forma a preservá-lo, ou mesmo usando questões ambientais como background para histórias diversas”. Green Film Festival

De 18 a 23/3 no Cine Brasília, com sessões diárias às 14h30, 16h30, 18h30 e 20h30. Entrada franca.

Vila Cidadã Enquanto, no 8º Fórum Mundial da Água, autoridades e especialistas de todo o mundo estiverem discutindo como preservar os mananciais hídricos e evitar a escassez de água no planeta, crianças, jovens e adultos terão a oportunidade de mergulhar nesse tema frequentando a Vila Cidadã, uma área de 10.000 m2 que funcionará de 17 a 23 de março, das 9 às 21h, no estacionamento do Estádio Mané Garrincha. O objetivo da Vila, claro, é ampliar a consciência, a atenção pública e a participação social para assuntos relacionados à água, além de promover soluções inovadoras para os problemas que os cidadãos enfrentam no cotidiano. Logo na entrada, os visitantes iniciarão sua jornada na Avenida Olhos D’Água, sendo recebidos por várias telas de televisão onde poderão assistir aos 110 vídeos do Festival Voz do Cidadão. Depois, no Mercado de Soluções, irão conhecer 60 experiências individuais ou comunitárias de diversas partes do mundo, todas relacionadas a boas práticas e gestão no uso da água. A ideia é que os visitantes percebam que podem replicar as iniciativas ou criar suas próprias soluções. No Cinema Cidadão, crianças e adultos poderão ver diversos filmes nacionais e internacionais sobre o tema água. A Arena das Águas, com capacidade para 300 pessoas, será um ponto de encontro para o diálogo e a interação entre os participantes das diversas áreas do 8º Fórum. Na programação desse espaço, conferências, apresentações e talk-shows com convidados nacionais e internacionais. No Espaço Brasília, a ideia é apresentar a capital aos visitantes de outros estados e países. Bem no centro da Vila estará o Coreto na Praça Água na Boca, onde os visitantes terão um palco de atividades espontâneas, abertas, além de uma programação prévia. O Coreto também será espaço para o cidadão expressar o seu entendimento e sentimento pela água. Destaque da Vila Cidadão é o Espaço Green Nation, onde os visitantes poderão conhecer e interagir com várias instalações. A Submarino, por exemplo, um ambiente multimídia, permitirá que o visitante vá até o fundo do mar e se encontre com as exuberantes fauna e flora marinhas, que sofrem com poluição, lixo e pescas predatórias. Já na instalação Asa Delta, por meio de um simulador em realidade virtual os visitantes “voam” numa viagem emocionante a lugares no Brasil em que a água é protagonista no transporte, na alimentação, na geração de energia e muito mais. Os caminhos da reciclagem e as oportunidades para o reaproveitamento do plástico estarão apresentados na instalação PET Vira PET, que mostra a importância da reciclagem de um jeito descomplicado e a sua relação com a economia de água e a redução do lixo no planeta, a partir de uma máquina de reciclagem de PET. Todas essas atividades e muitas outras têm entrada franca.

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LUZCÂMERAAÇÃO

Pra não dizer adeus

Documentário sobre Torquato Neto, um dos nomes mais importantes da Tropicália, demonstra que a importância de sua obra poética transcende o movimento e chega vigorosa aos dias de hoje. POR SÉRGIO MORICONI

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le tinha pressa e abriu o gás”, disse Gilberto Gil. Torquato Neto – Todas as horas do fim, longa-metragem de Eduardo Ades e Marcus Fernando, investiga o espólio da obra, além de procurar desvendar as razões que estariam por trás do precoce suicídio de um dos mais influentes e radicais poetas do tropicalismo. Ícone da contracultura, Torquato tinha apenas 28 anos quando deixou este mundo. Seu legado ainda está para ser inteiramente assimilado e compreendido. Em sua curta trajetória, flanou do modernismo de Drummond, passando pelo compromisso popular e regionalista, pela antropofagia de Oswald de Andrade, pela vanguarda, indo até o rompimento com tudo e a dramatização de sua própria morte, ou do fim, como bem demonstra o título do filme. É o ator Jesuíta Barbosa quem narra os primeiros versos de Torquato ouvidos no longa. Em seguida, uma sucessão de depoimentos de amigos, familiares e personalidades da música e das artes vão dando corpo e alma ao personagem. Entre os entrevistados, claro, estão seus companheiros (e sobreviventes) de

geração: Tom Zé, Gilberto Gil, Caetano Veloso e, importante mencionar, Ivan Cardoso. Cardoso foi o primeiro a dar voz póstuma ao poeta em seu filme Torquato Neto – O anjo torto da Tropicália. Torquato já havia participado como vampiro em Nosferatu, também de Cardoso, em 1970, no início do rescaldo do fervor tropicalista. A experiência levou o poeta a experimentar no ano seguinte a direção cinematográfica. Terror da verme-

lha foi realizado no período 1971-1972. O cinema era uma de suas paixões. Ainda em Teresina, onde nasceu, foi novamente ator em Adão e Eva: do Paraíso ao consumo, de Edmar Oliveira e Carlos Galvão, filmado em super-8 em Teresina, em 1972, ano de sua morte. O título dessa obra diz muito sobre a angústia de um artista que sonhava com uma arte livre de todas as convenções, especialmente das pressões e perversidades do merca-


Fotos: Divulgação

do. Em alguns momentos, Eduardo Ades e Marcus Fernando utilizam em Todas as horas do fim texturas de filme super-8, aproximando o espectador do contexto marginal da época. A trajetória poética e de vida de Torquato foi tão vertiginosa quanto paradoxal. Se no início suas letras produziam um sentido de beleza ainda convencional – vide Louvação, A rua e Vento de maio, três parcerias com Gilberto Gil – em pouquíssimo tempo Torquato chuta o balde, assume o desbunde, transformando-se num dos espíritos iluminadores da arte e conceito tropicalistas. Marginália II, Geleia geral e Mamãe coragem (as duas primeiras parcerias com Gil, a última com Caetano Veloso) não nos deixam mentir. Mas como podemos definir a Tropicália? No já citado Torquato Neto – O anjo torto da Tropicália (1992), o narrador afirma que “o tropicalismo arrombou a festa da música popular brasileira, introduziu as guitarras elétricas dos Beatles e dos Rolling Stones, criando uma grande polêmica com os estudantes esquerdofrênicos que não aceitavam a inovação”. Era a época de ouro dos festivais da Record e o limiar do apogeu e da confrontação da música de protesto de Geraldo Vandré e Sérgio Ricardo, entre outros, com as novas linguagens e visões de mundo apresentadas pelos tropicalistas nesses mesmos festivais. E onde Torquato se encaixa nisso? Em seu percurso vertiginoso, em apenas cinco anos, Torquato saltou dos textos bem comportados sobre a música popular brasileira publicados no Jornal dos Sports para a dissipação anticonvencional de Geleia geral (expressão cunhada pelo poeta e ensaísta Décio Pignatali), título de sua coluna na Última Hora. Ambos

os periódicos eram do Rio de Janeiro. No primeiro, o poeta demonstrava grande simpatia pelos festivais, discorria sobre caminhos possíveis para a modernização da música popular brasileira. No segundo, não havia conciliação possível. Aqui, “seja marginal, seja herói”, o epíteto que dá nome à importante e emblemática obra de Hélio Oiticica é inteiramente assumido pelo poeta e poderia muito bem estar estampado como inscrição em sua lápide. No filme de Eduardo Ades e Marcus Fernando é o próprio Torquato quem define sua poesia. Sob as imagens do poeta, ouvimos assincronicamente sua voz , voz de um indivíduo jovem, voz que emanava uma presunção tímida: “Escute, meu chapa, um poeta não se faz com versos, é o risco, é estar sempre a perigo, sem medo, é inventar o perigo e estar sempre inventando dificuldades, é destruir a linguagem e explodir com ela, sabendo ser perigoso, divino, maravilhoso”. No já citado filme de Cardoso, o maestro Júlio Medaglia – que ao lado de Damiano Cozzella e Rogério Duprat ajudaram a dar transcendência “erudita” aos jovens compositores baianos – afirma que o movimento englobava uma enorme quantidade de elementos culturais e comportamentais que a poesia de Torquato traduzia de maneira delirante e lúcida. “Tudo que havia naqueles convulsionados anos 60 está presente no tropicalismo, era a música fina, era a música cafona, era a música de vanguarda, era a música do passado, era a refinada música debussyana celestial, mas era também Vicente Celestino, era o teremim e era o berimbau, era a poesia concreta, era o Cuíca de Santo Amaro, então tudo se misturava num gigantesco sarapatel fer-

vendo, que fazia com que nenhum valor se tornasse absoluto dentro daquela crônica de costumes e acontecimentos e comportamentos da época”. Talvez essa seja uma das mais acuradas definições do movimento, mas sua inteira compreensão, e o caráter (também) zombeteiro, farsesco, paradoxal, debochado, antipomposo, revolucionário, antiburguês, farfalhudo e, principalmente, anti-bacharelesco, são desafiadores. Porque a Tropicália de Geleia geral era tudo isso, a crítica disso e o seu reverso. A Tropicália é negação e incorporação. Um paradoxo expresso – no filme de Ivan Cardoso – na imagem do célebre maestro Medaglia pontificando de cuecas sobre o movimento, (des)vestido de gravata borboleta, lenço vermelho no colete de fraque sobre o peito nu, sapato social sem meias, e nas mãos uma solene batuta. Achincalhe generoso, a Tropicália tinha um pé dentro e outro fora da convenção, mas sempre num nível muito alto de elaboração. Para Torquato, era uma equação talvez insolúvel, dolorosa. Torquato, o poeta sublime e triste de “tristeresina”, neologismo que ele próprio cunhou ao se referir a sua cidade natal. Um “anjo torto”, dissonante, um marginal, mas que escreve em 1966 o clássico Pra dizer adeus, parceria com Edu Lobo, compositor da falange oposta, canção imortalizada por Elis Regina, uma elegia a si próprio, e que o filme de Eduardo Ades e Marcus Fernando nega, a nos dizer que não é a hora do fim, mas da permanência do verso. Torquato Neto – Todas as horas do fim Brasil/2018, documentário, 88min. Direção: Eduardo Ades e Marcus Fernando. Classificação indicativa: 12 anos.

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CRÔNICADACONCEIÇÃO

Crônica da

Conceição

CONCEIÇÃO FREITAS

conceicaofreitas50@gmail.com

Nua, delicada e elegante

H

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á em Brasília uma beleza escondida que só se revela para quem tem olhos de topógrafo ou de urbanista ou de Clarice. O chão que nos sustenta, a nós, brasilienses, é uma invenção da natureza com a intervenção precisa de Lucio Costa e daqueles que com ele trabalharam. A ocupação do terreno ao centro de um anel de chapadas foi calculada para ser invisível aos humanos que viriam. Para a maioria de nós, o Plano Piloto pousa sobre um chão plano, um tabuleiro, como se dizia à época. Ao perceber a sutileza da movimentação de terra, “a maestria das concordâncias entre planos, a delicadeza dos acertos de cota, o domínio dos declives...”, a professora Maria Manuel Oliveira, da Universidade do Minho (Portugal), decididamente desviou o olhar da arquitetura para o desenho do chão. O projeto de Lucio Costa incluiu um rigoroso controle da topografia, “só possível através de uma minuciosa modelação do terreno”, escreveu a professora portuguesa. Brasília não é plana nem o terreno onde foi edificada era plano. Rodeado por chapadas, o Plano Piloto foi implantado “no coração de uma cratera”, escreve Maria Manuel em texto publicado na Universidade do Minho. Há, na topografia do Plano, variações de até 250 metros de altitude – o equivalente a um prédio de 66 andares ou a duas torres do Congresso Nacional, uma em cima da outra. O levantamento cartográfico da cidade foi feito com aerofotogrametria – visto do alto, parecia um terreno achatado. Embora os mapas comprovassem uma morfologia diversa, a figura plana que se via de cima se consagrou como sendo verdadeira. A professora Maria Manuel faz uma

comparação preciosa, de dar inveja a quem há tanto tempo se dedica a conhecer Brasília. Ela faz uma analogia da cidade com uma inscrição nazca (as imensas interferências feitas no deserto peruano que só podem ser vistas do alto). Entender o Plano Piloto fica muito mais fácil “àqueles que o sabem ler em voo de pássaro”. Para inventar o Plano Piloto, Lucio Costa reverenciou o terreno no qual a cidade surgiria, deitando-a conforme os declives, mas alterando-o onde necessário fosse para obter o efeito pretendido. “O seu desenho amarra-se, muito intencionalizadamente, à morfologia do terreno: para além do Eixo Residencial que, em arco, acompanha as curvas de nível, o Eixo Monumental implanta-se exatamente sobre a cumeeira do esporão que conforma a orografia local”. (Orografia = estudo das nuances do relevo de um lugar). Então, coloca a Praça Municipal (Praça do Buriti) no ponto mais alto – para, simbolicamente, dizer que Brasília era mais do que a sede do poder, era uma cidade com as funções de qualquer outra. Maria Manuel destaca ainda que Lucio Costa “ignora o norte geográfico e coloca a planta na vertical, imprimindo à imagem uma força icônica que nunca se diluiu até hoje”. E o cabra não escreveu um A, no projeto apresentado ao júri, sobre essas intenções. Deixa em suspenso, como alguém que está seguro da grandeza de seu feito e que não precisa diminuí-lo com explicações. “Todos esses fatores – continua Mané – contribuíram para a confirmação da suavidade do suporte físico, da sua leveza, da sua imaterialidade abstrata”. A “naturalidade” com que o Plano Piloto pousa no terreno foi, na verdade,

“minuciosamente controlada”. Embora um projeto topográfico não tenha sido apresentado, arquitetos e engenheiros da Divisão de Urbanismo da Novacap fizeram minuciosos levantamentos altimétricos, ou seja, tinham o terreno na palma da mão, com seus declives e aclives. Trabalho que se deve, principalmente, aos engenheiros Augusto Guimarães Filho, que fazia os cálculos no Rio de Janeiro, e Joffre Mozart Parada, que, em Brasília, confrontava os resultados com o rés-do-chão. E mais: não foi preciso cavar buracos imensos ou criar morros gigantescos para conformar a cidade ao terreno. Brasília é uma cidade delicada e elegante desde a nudez: tirava-se terra de um lugar e aterrava-se outro. Os dois eixos foram assentados de modos distintos: o Eixão ajustou-se à topografia. Ele obedece às ordens do terreno. O Eixo Monumental não. Faz movimentos dramáticos, sai do chão onde nasceu para se subjugar à cidade do qual é a espinha dorsal. Daí que houve significativos movimentos de terra. Havia, constata Maria Manuel, “meticuloso domínio da topografia” na equipe que demarcou o Plano Piloto. Botar a cidade no chão, conclui a professora, “foi, sob o ponto de vista disciplinar, o primeiro e talvez, na circunstância, o mais intenso desses compromissos (o de assentar a cidade que Lucio Costa inventou tendo em vista o terreno que a recebia).” Quando Clarice Lispector escreveu que Brasília foi construída na linha do horizonte, ela intuiu o que não sabia: que alguém teve o cuidado de pousar a cidade de tal modo que parecesse ter sido naturalmente erguida sobre um terreno de topografia eterna.



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