Roteiro 275

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Ano XVII โ ข nยบ 275 Abril de 2018

R$ 5,90



Divulgação

EMPOUCASPALAVRAS Pesquisa divulgada no último dia 11 pelo IBGE confirma o que já sentíamos no bolso: crise no mercado de trabalho faz renda do brasileiro encolher. Outra pesquisa realizada no ano passado pela Kantar Worldpanel, empresa especializada em comportamento de consumo, confirma o que também já sabemos faz tempo: brasileiro adora uma promoção. Baseados nessas duas premissas, saímos em busca de exemplos de ações realizadas pelo setor gastronômico no sentido de atrair o consumidor de grana curta para experiências em restaurantes que normalmente não teriam condições de frequentar. Esse é o lado bom da crise destacadi em nossa matéria de capa (página 4). Ainda dentro dessa máxima de levar a sério a relação custobenefício, 21 bares do Plano Piloto, Núcleo Bandeirante, Guará, Vila Planalto, Taguatinga e Águas Claras estão embarcando no Festival Comida di Buteco, que até 6 de maio vai permitir aos clientes experimentar petiscos caprichados ao preço fixo de R$ 25,90. Hora de traçar seu roteiro botequeiro lendo Petiscos de raiz, nossa matéria da página 10. Já quando o assunto é alimento para a alma, saiba que não faltam oportunidades para quem gosta de música e mora na nossa cidade. Só shows imperdíveis estão citados em nossa seção Graves & Agudos, na página 26: Paralamas do Sucesso, Maria Rita, Alceu Valença, Elba Ramalho e Geraldo Azevedo, Fagner e Zeca Baleiro, Jota Quest, Sidney Magal, Chico César e muitos outros. Também não faltam oportunidades para quem aprecia as artes plásticas. A partir de 21 de abril o CCBB vai hospedar uma nova exposição com potencial para atrair muito público, como tem acontecido com todas que acontecem por lá. A bola da vez é a arte inquieta de Jean-Michel Basquiat, aquele jovem norte-americano que começou pichando muros em Nova York e pouco a pouco sua arte foi conquistando a cidade, o país, até ganhar o mundo com seus retratos de músicos de jazz, pugilistas e heróis revolucionários negros (página 24). Aproveitando as comemorações do Dia do Índio, a mostra Yawalapitis – Entre tempos apresenta o trabalho do fotógrafo francês Olivier Boels, que clicou com maestria um pouco da cultura de um dos muitos povos indígenas ameaçados pela ganância de políticas de produção predatórias: os Yawalapiti. Estarão no Museu do Índio mais de 150 fotografias com flagrantes da vida na aldeia situada no Parque do Xingu (página 22). Boa leitura e até abril. Maria Teresa Fernandes Editora

22 galeriadearte Mais de 80 obras de Jean-Michel Basquiat, o grafiteiro que levou sua arte de rua para importantes galerias do mundo inteiro, serão expostas no CCBB a partir do dia 21.

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ROTEIRO BRASÍLIA é uma publicação da Editora Roteiro Ltda. | Endereço SHIN QI 14, Conjunto 2, Casa 7, Lago Norte – Brasília-DF – CEP 71.530-020 Endereço eletrônico revistaroteirobrasilia@gmail.com | Tel: 3203.3025 | Diretor Executivo Adriano Lopes de Oliveira | Editora Maria Teresa Fernandes Diagramação Carlos Roberto Ferreira | Capa Carlos Roberto Ferreira, com fotos de divulgação | Colaboradores Alessandra Braz, Akemi Nitahara, Alexandre Marino, Alexandre Franco, Ana Vilela, Cláudio Ferreira, Conceição Freitas, Elaina Daher, Heitor Menezes, Laís di Giorno, Lúcia Leão, Luiz Recena, Mariza de Macedo-Soares, Pedro Brandt, Ronaldo Morado, Sérgio Moriconi, Silvestre Gorgulho, Súsan Faria, Teresa Mello, Vicente Sá, Victor Cruzeiro, Vilany Kehrle | Fotografia Rodrigo Ribeiro, Gadelha Neto | Para anunciar 98275.0990 | Impressão Editora Gráfica Ipiranga Tiragem: 20.000 exemplares.

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ÁGUANABOCA

Picadinho Carioca à Wolf Maya, do Paris 6

O bom da crise POR LÚCIA LEÃO

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e vale a máxima de que tudo tem seu lado bom, nada como tempos de crise para estimular a criatividade, abrir novos caminhos e até derrubar preconceitos. Como os mais diferentes setores da economia, é assim também que restaurantes de primeira linha, incluindo incensados pela crítica gastronômica e que se privilegiam de um público seleto e cativo, estão aderindo cada vez mais a uma técnica de vendas até há pouco identificada com produtos e serviços ditos “populares” e de pouca qualidade: as promoções. Descontos em horários ou situações especiais são uma ferramenta cada vez mais utilizada seja para enfrentar a concorrência ou para reduzir os períodos de ociosidade dos estabelecimentos, inevitáveis mesmo em restaurantes reconheci-

dos e badalados pela qualidade de sua cozinha e atendimento. Mas, mesmo com as evidentes vantagens postas na ponta do lápis, tanto para empresários como para clientes, esta não tem sido uma tarefa exatamente fácil, já que implica numa quebra de tabus, esses sólidos obstáculos invisíveis que se põem no caminho das inovações. “É muito comum que alguns consumidores avaliem um restaurante pelo status que ele oferece. Uma ideia que muitas pessoas têm é que restaurantes que oferecem descontos não são bons. Acreditam que o desconto é oferecido apenas por restaurantes que não estão tendo movimento e que precisam encher a sua casa e por isso ‘apelam’ para os descontos para atrair clientes”, constata Guilherme Mynssen, executivo do Chefs Club, uma plataforma de gastronomia que oferece descontos em mais de três

mil restaurantes no país. Quem pensa assim perde! Só o Chefs Club oferece descontos entre 30% e 50% para os sócios, que pagam uma anuidade de R$ 170, em 53 estabelecimentos de Brasília que vão desde fast- foods e pizzarias mais simples até algumas das mais estreladas e caras casas da cidade, como a churrascaria Fogo de Chão e o japonês Nakombi. Segundo a Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), 28% dos restaurantes fecharam o segundo trimestre de 2017 no vermelho porque os consumidores estão segurando os gastos e as casas têm trabalhado com períodos muito ociosos. Oferecer vantagens nesses períodos, portanto, é um ovo de Colombo. “Dar descontos permite aos clientes terem maior número de experiências gastronômicas. Isso é possível com promoções nos horários em que os estabeleci-


rantes, cinco mil clientes cadastrados e mais de cem reservas de mesas por mês”, comemora Clarisse Mendonça. O restaurateur Roberto Magnani só tem elogios para a parceria do seu Avenida Paulista com a Primeira Mesa. A sofisticada casa de cozinha napolitana plantada há três anos numa das áreas mais nobres de Brasília – ao lado da Ponte JK, na beira do Lago Paranoá – conta com uma seleta clientela cativa, mas que estagnou no paradeiro da crise econômica. “Esse tipo de promoção tem se mostrado uma estratégia de marketing mais eficiente do que as ferramentas tradicionais. Ela efetivamente permite conquistar novos clientes que, atraídos pelo desconto, conhecem a casa e passam a frequentá-la. E como aproveitamos os períodos mais ociosos, o custo-benefício do investimento é muito positivo”, atesta Magnani. Na outra ponta, os clientes também aprovam. As amigas Ilva Pequeno e Letícia Anjo cultivam o hábito de periodicamente almoçar ou jantar em algum lugar diferente para comer bem enquanto colo-

cam a conversa em dia. Graças ao Primeira Mesa, foram ao Avenida Paulista pela primeira vez. “Estou adorando a comida, o lugar... A gente gosta muito desse tipo de programa, e com essas promoções podemos fazer isso mais vezes”, elogia Ilva. Outra iniciativa de vendas coletivas que usa a estratégia de descontos aproveitando os períodos de ociosidade em bons restaurantes é o Yoloclub, que vende talões de descontos que contemplam 39 estabelecimentos com promoções bem atraentes. O passaporte com 60 vouchers custa R$ 80 e, se for todo utilizado, soma descontos de R$ 400. Diferente do Primeira Mesa e do ChefsClub, o consumidor não tem a opção de repetir a promoção, já que são vouchers fechados. Mas isso, para a terapeuta Tathiana Rocha – usuária e fã do programa – é mais uma vantagem. “Essa diversidade de vouchers nos levou a novas experiências, a frequentar lugares que não conhecíamos. Eu, por exemplo, moro no Sudoeste, e a tendência era ficar ali por perto de casa, ir sempre aos mesmo lugaLúcia Leão

mentos são ociosos, porque nem mesmo os melhores restaurantes conseguem manter um movimento estável em todos os dias e horários. Ou seja, é um bom negócio tanto para os empresários como para os consumidores”, completa Mynssen. O mesmo princípio, de aproveitar os períodos ociosos dos restaurantes, inspirou a Primeira Mesa, plataforma de descontos criada pelos empreendedores paulistas Leonardo Cuófano e Talyta Vecina e que chegou a Brasília no final de 2017 com franschising dos empresários Clarisse Mendonça e Aloísio Vieira, ambos profissionais da área de marketing. Também operada por um aplicativo digital, a plataforma oferece descontos de 50% nos horários de abertura das casas. O consumidor compra um voucher que custa R$ 3, reserva mesa e horário (normalmente ao meio dia para o almoço e às 18 horas para o jantar) e tem o desconto diretamente na hora de pagar a conta. “No início houve alguma resistência à proposta. Mas a aceitação está crescendo rapidamente. Hoje já temos uma rede de onze restau-

Ilva Pequeno e Letícia Anjo com um amigo no Avenida Paulista, observadas por Clarisse Mendonça e Aluízio Vieira, do Primeira Mesa, e pelo restaurater Roberto Magnani.

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ÁGUANABOCA Os pratos em promoção nos restaurantes Peixe na Rede: tilápia ao molho de creme de cebola (abaixo) e ao molho de brócolis e tomate (à direita).

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ChefsClub

www.chefsclub.com.br

Primeira Mesa

www.primeiramesa.com.br

Yolo Club

www.yoloclub.com.br

Fogo de Chão

SHS, Quadra 5 (3322.4666)

Nakombi

404 Sul, Bloco B (3264.6888)

Peixe na Rede

12 unidades em Brasília e uma no Rio de Janeiro (endereços e telefones em www. peixenarede.com.br)

Paris 6

Shopping ID – SCN, Quadra 6 (3037.3437)

Mucho Gusto

309 Norte, Bloco A (3208-4129)

Abbraccio

Iguatemi Shopping (3468.4854)e ParkShopping (3361.0249)

Fotos: Divulgação

res. Com o Yolo, tive surpresas muito agradáveis, como o restaurante Otramanera, que eu, embora goste muito da cultura e da culinária latino-americana, nem sabia que existia.” Fora dos grupos de venda coletiva, muitos estabelecimentos reconhecidos no mercado e com público cativo também estão investindo individualmente em promoções para estimular as vendas. Como o Peixe na Rede, que criou um cardápio especial para se adaptar à concorrência das praças de alimentação quando abriu as unidades nos shoppings da cidade. “É uma clientela formada em grande parte por funcionários das lojas que precisam comer fora todo dia e querem fazer uma alimentação saborosa e saudável. Então criamos um cardápio especial, mantendo nosso padrão de qualidade, mas com um custo mais barato”, explica a empresária Maria Luiza da Mata, que criou pratos executivos de filé de tilápia grelhado com dois acompanhamentos a R$ 19,90. “Temos a mesma promoção em toda a rede, mas nas lojas de rua elas são menos procuradas porque é um público diferente”. O badalado Paris 6, queridinho dos artistas do eixo Rio-São e presente em Brasília desde meados do ano passado, também não ficou fora da onda de promoções para atrair mais clientes nos períodos menos movimentados. Desde o dia 9 está oferecendo no almoço, de segunda a sexta-feira, um menu com entrada e prato principal por R$ 37, preço bem abaixo do padrão da casa. São quatro opções de entradas e sete de pratos principais, todos batizados com nomes de artistas da televisão, como o Picadinho Carioca à Wolf Maya, a Parmeggiana de Frango à Karina Bacchi, o Penne

Alla Arrabiata à Maria Clara Gueiros e o Patinho Fit à Bella Falconi. Para ter o desconto, o cliente deve baixar o voucher diretamente do aplicativo da loja. No mexicano Mucho Gusto, da 309 Norte, a promoção é às terças-feiras, com o rodizio de tacos (nove variedades de recheios servidos à vontade durante toda a noite por R$ 45). E quem quiser jantar no Abbraccio Cucina Italiana – no Iguatemi ou no ParkShopping – pode escolher um dia, de segunda a sexta-feira, e aproveitar a promoção “Massa em dobro”, válida até 4 de maio. O cliente pede um prato de massa e ganha o segundo de graça. Assim, um casal pode se fartar, por exemplo, de Casarecce Terra e Mare (massa artesanal com molho à base de vinho Marsala e frutos do mar, com camarões grelhados, manjericão e rúcula, servidos com uma tagliata de filé mignon e finalizado com farofa crocante de pão italiano) por R$ 70. Se o casal optar por

um prato mais simples, como a lasanha com creme de espinafre e brócolis gratinada com um mix de queijos muçarela, ricota cremosa e grana padano, paga ainda menos (R$ 53,50). Como se vê, há promoções gostosas para todos os gostos. Então, fique atento e aproveite o lado bom da crise!

No Abbraccio Cucina Italiana, quem compra uma massa ganha outra, no jantar de segunda a sexta-feira.


Mumbai em plena Londres

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uando a mare vazá, vo vê Juliana, vo vê Juliana ê, vo vê Juliana”... (Dorival Caymmi). Fui ver minha amiga Juliana Ramos, que é quase uma londrina, sem imaginar que ela me surpreenderia com o Dishoom Café, uma das melhores casas de comida indiana que já conheci. Fundado em 2010 pelos primos Shamil e Kavi Thakrar, o Dishoom é um microcosmo londrino, com funcionários e clientes que parecem mesclar suas variadas bagagens étnicas, históricas e culturais, proporcionando um ambiente descolado. Um deleite nesses tempos de intolerância. A proposta do restaurante é trazer a autêntica comida indiana para o Reino Unido e fazer um resgate de anos de história dos antigos cafés de Mumbai. “Se você não quer que suas memórias desapareçam ao vento, pegue as memórias, cozaas em um prato. Então, literalmente, assamos essas histórias em 80 dos nossos pratos”, ensinam os proprietários. A experiência virou rede – são hoje seis cafés. Durante a implantação de cada unidade eles visitam Mumbai duas ve-

zes – uma para desenvolver o conceito, com objetos de prédios antigos, e uma segunda vez para comprar o mobiliário. Em suas malas sempre voltam com um banco de trem, objetos da antiga estação de Mumbai, um balcão de farmácia, uma banca de jornal. Entrar ali é ultrapassar um portal para os anos 50. São azulejos antigos, grandes ventiladores, antigos retratos de importantes figuras históricas da Índia, luminárias vintage, madeiras escuras e cores pardas nas paredes, em composição com as fotografias desbotadas de parentes. Os pratos indianos com influência iraniana reeditam receitas de familiares e comidas típicas de rua de Mumbai com um toque europeu. Servem cafés da manhã, almoços, jantares e chás, com opções mais leves e sem curry para quem não quer se aventurar muito. Os drinks são criativos no conteúdo e na descrição. O cardápio de bebidas vem com avisos do tipo “esqueça a cerveja e beba só isso”. Minha opção foi um Bollybellini com framboesas, lichias, rosas, cardamomo e espumante. De entrada pedi samosa, um pastel de massa bem fina, vegetariano e recheado com batatas, ervilhas e, é claro, curry, que

Dishoom London

Reservas em www.dishoom.com/reservations. Fotos: Divulgação

POR MÔNICA SIQUEIRA

tem minha total devoção. As samosas me levaram a crer que o resto também seria bom. Como prato principal escolhi pequenas porções de quiabo empanado e frito, lentilhas pretas cozidas durante 24 horas e lulas crocantes com molho agridoce. Minha amiga pediu costeletas de cordeiro grelhadas, marinadas com gengibre e rapadura, um caso de amor à primeira mordida. Os preços dos pratos são bons, até na conversão em libras. Na década de 1950 havia 350 cafés iranianos em Mumbai, mas hoje apenas cinco permanecem. Um dos locais de alimentação mais populares é o Kyani Café, de 102 anos, um marco patrimonial no sul de Mumbai. Esse cafés eram reduto de ricos negociantes, taxistas, prostitutas, estudantes, namorados e escritores. “Convivíamos com tolerância e todas as diferenças eram niveladas. Uma cidade sem espaços sociais compartilhados colapsa em prejuízo, distopia e violência” diz Shamil. Em nossa experiência no Dishoom de Londres pudemos conhecer literalmente a fila indiana, já que só aceitam reservas para grupos com mais de seis pessoas e os restaurantes ficam lotados o dia todo. A solução, portanto, é chegar cedo.

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ÁGUANABOCA

River Cuanza (posta de peixe frita acompanhada de arroz jollof e salada)

Primeiro e único africano POR SÚSAN FARIA

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Fotos: Divulgação

calor, a força e as cores da África se fazem presentes no Simbaz, inaugurado há sete meses na Asa Sul. É o primeiro e único restaurante africano na capital. Quase tudo ali lembra aquele continente: a decoração, a culinária, a música ambiente, os atendentes e o chef nigeriano Chidera Ifeanyi, há oito anos vivendo no Brasil. Logo ao entrar nos deparamos com a expressão “hakuna matata”, que na língua sauíli significa “sem problemas” ou “não se preocupe”. Muito utilizada na Tanzânia e Qu-

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ênia, foi imortalizada na década de 1990 pelo filme Rei Leão, dos estúdios Disney. Chidera cativa os clientes conversando, perguntando, explicando cada prato. “Quero que sintam amor e energia na casa. Que saiam daqui melhores do que entraram”, afirma o chef. Desde criança ele gostava de cozinhar e o projeto de montar o Simbaz vinha sendo acalentado há quatro anos. “Mas tinha certo receio de começar. Então, pensei em Simbaz, o leão que não tem medo de nada. Um nome para mostrar que iria dar certo”. Ele veio para Brasília estudar Engenharia Elétrica na UnB. Junto vieram os irmãos Kelvin e Kosi. São dez colaboradores no restaurante, dos quais um brasileiro – no atendimento – e os demais procedentes de diferentes regiões da Nigéria, do Togo e de Camarões. No cardápio, um aviso: vários pratos têm ingredientes como o amendoim, o den-

dê e a pimenta. Alguns lembram os da Bahia e de Minas Gerais, como o Akara (R$ 10), porção de bolinho de feijão fradinho, mas sem o recheio dos acarajés baianos. Entre os mais pedidos está o Ashanti Uphills (R$ 35,90), um filé com cogumelos acompanhado de arroz branco ou batatas fritas, típico do oeste africano e muito consumido em Serra Leoa, Gana, Nigéria, Togo e Libéria. Para quem gosta de peixe, duas boas opções são o River Niger, tilápia grelhada com azeite, pimenta calabresa, alho, vinagre e molho de tomate, acompanhada de banana da terra frita ou cozida, e o River Cuanza, postas de peixes fritas com arroz jollof e salada, ambos por R$ 46,90. O Pico Basile (salada de tomate italiano, laranja, manga e cebola roxa com um toque de vinagre de vinho tinto, azeite extra virgem, manjericão fresco e flor de sal) custa R$ 35,90. A ideia é servir pratos de vários países africanos, como o Yassa, do Senegal – pedaços de frango com cebola, alho, limão, vinagre, servido com arroz jollof e salada (R$ 30,90). Sopas, cremes e entradas como o Plantains Chips (chips salgados de banana da terra) e o Obudu Mountains (caldeirada sem carne para vegetarianos) são outras


Okro Soup e Fufu (sopa de vegetais servida com bolinho de farinha de arroz)

opções da casa, onde até os vinhos são africanos, como o Nederburg e o Obikwa. Por enquanto não há sobremesas, mas a ideia é servir doces típicos com chocolate ou amendoim à moda Kilimanjaro.

todos os funcionários da casa. Recomendo e com certeza voltarei muitas vezes” Agora com novo espaço na sobreloja, o Simbaz deve oferecer não só cardápios especiais, mas sessões de filmes africanos e um curso de yorubá, às terças e quintasfeiras, à noite. Chidera domina esse idioma e o inglês, língua muito comum em seu país. Alguns colaboradores, estudantes da UnB, falam francês ou inglês. Marcus Oliveira

Com capacidade para 50 pessoas no térreo e outras 40 na sobreloja, o Simbaz tem ambiente rústico, com cores fortes, paredes nas cores marrom, verde, azul e branca, com listras azuis ou pretas, luminárias de vime, quadros de mulheres e carrancas africanas talhadas por Du Grafitte (o artista Carlos Eduardo Lopes dos Santos, de Brazlândia) e um grande mapa estilizado do continente africano. A decoração externa, inclusive as pinturas e a fachada, são do artista Fabiano Silva Ribeiro. A comida é sempre à la carte. Karolina Varjão, 37 anos, assistente social, já foi três vezes ao Simbaz: “A comida é boa e o atendimento perfeito”, elogia. Kelly, 42 anos, irmã de Karolina, diz que no restaurante teve a oportunidade de conhecer o chef e achou a refeição deliciosa. Nas redes sociais são quase 1.800 seguidores, entre eles Nina Peixoto, para quem o Simbaz traduz uma gastronomia simples e de altíssima qualidade. “As delícias do chef Chidera são frescas e preparadas com muita competência. Você come bem e desfruta de um ambiente agradável, boa música, cerveja gelada e o carinhoso e atencioso atendimento de

Simbaz

412 Sul, Bloco D (3346.7540). De 3ª a sábado, das 12 às 24h; domingo, das 12 às 17h.

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ÁGUANABOCA

Cascudo, do Mercado 301.

Petiscos de raiz POR VICTOR CRUZEIRO

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onhecer lugares em uma cidade é bastante diferente de simplesmente viver em uma cidade. Por mais que você more há anos na mesma cidade, haverá lugares escondidos, surpreendentes e inesperados, muitas vezes bem ao seu lado, que você dificilmente vai descobrir – a não ser por sorte ou incentivo. Um desses incentivos é o festival Comida di Buteco, que até o dia 6 de maio realiza sua nona edição em 21 bares espalhados pelo Distrito Federal. Mas o que é um buteco? Na gíria cotidiana, o boteco (essa a grafia correta) é o bar simples, com suas cadeiras e mesas de plástico e tubos de isopor gastos para manter as garrafas de cervejas geladas – eventualmente, com uma televisão mal sintonizada que pega um único canal, para a qual garçons e clientes olham vidrados, ansiosos por comemorar um gol do seu time do coração. Por muito tempo, no entanto, o boteco foi um termo pejorativo para um bar não apenas simples, mas sujo, perigoso e desagradável, onde uns poucos homens bebiam em silêncio com suas solidões. Longe disso, o boteco é uma peça im-

portantíssima no quebra-cabeças de uma grande cidade. Uma história de vida materializada em comida e bebida, que busca simplesmente alcançar e unir outras pessoas. Gerido diretamente por seu dono, criando ali suas receitas, sem o controle atento de uma grande rede ou de um dono misterioso, o boteco é o anti-franchise, um negócio que transpira criatividade e paixão de alguém que decidiu viver para receber pessoas e oferecer-lhes outros momentos e outros sabores – além do gosto fugaz e muitas vezes amargo do dia a dia. Por isso, cada um dos 21 bares brasilienses – do Plano Piloto, Núcleo Bandeirante, Guará, Vila Planalto, Taguatinga e Águas Claras – apresenta um pedaço da história da cidade. Seja um homem que veio do Nordeste à procura de uma nova vida e acabou criando um boteco onde sua cultura pulsa da comida à hospitalidade – o Ceará, do Guará I, pai de um suntuoso Filé Arretado, que une filé mignon, queijo coalho, batata doce e aspargos – seja um casal de servidores aposentados que quiseram simplesmente estender sua casa para um espaço maior onde pudessem receber “mais amigos e os amigos dos amigos” – como o Abençoado, na 105 do Sudoeste, lar do impensável Sushi Mineiro,

uma releitura do clássico japonês com carne suína, frango, jiló empanado e molhos de abacaxi e pimenta dedo de moça. Cada um desses bares desenvolveu um petisco único que poderá ser degustado até 6 de maio pelo preço único de R$ 25,90. Durante todo esse tempo, o público poderá avaliar cada bar em quatro categorias – 1) petisco (70% da nota); 2) atendimento; 3) higiene; 4) temperatura da bebida (somando os outros 30%) – numa votação que, juntamente com a do júri técnico do concurso, elegerá o melhor buteco do DF, classificado para a edi-

Quarteto Fantástico, da Confraria do Chico Mineiro.


Fotos: Divulgação

Filé Arretado, do Ceará.

ção nacional do concurso, que finalmente irá coroar o melhor do país de 2018. No site do festival há um mapa com todos os participantes, seus pratos e fotos. Na dúvida de por onde começar, pode-se tentar o campeão do ano passado, o Mercado 301, de Águas Claras, que es-

Sushi Mineiro, do Abençoado.

te ano apresenta uma delicada construção gastronômica batizada de Cascudo – numa cesta crocante, mousseline de batata baroa, filé de costela, dados de queijo coalho e pimenta. Outra sugestão é comecar pelo mais próximo de você, para conhecer um pouco mais da história que

o cerca, seguindo depois para o resto do mapa, completando aos poucos essa colcha de histórias que é a nossa cidade. Festival Comida di Buteco

Até 6/5 em 21 bares do DF. Relação dos participantes, fotos e descrição dos pratos em www.comidadibuteco.com.br/brasilia.

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PICADINHO

Sotaque alemão na Asa Sul

TERESA MELO

picadinho.roteiro@gmail.com

Bruno Aguiar

bistrô Le Parisien, dos franceses Maxime Colin e Jérémy Gentilleau, estreia almoço executivo. É servido de terça a sexta-feira, das 12 às 16h, no Bloco C. “O restaurante começou bem e percebemos que podíamos ter duas turmas funcionando na cozinha”, analisa Max, que tem a mentoria do chef Leandro Nunes nas criações. São duas entradas, três principais (sendo um deles vegetariano) e duas sobremesas. Se o cliente preferir uma entrada e um prato principal ou um prato principal e uma sobremesa, vai pagar R$ 42,90; se pedir os três, R$ 47,90. O menu é renovado duas vezes por mês. O da primeira quinzena de abril teve acém braseado com mandioca e farofa de bacon, costelinha suína com purê de agrião e ravióli recheado com gorgonzola e pera. A salada de folhas leva ainda maçã-verde, nozes e tomate-cereja, e o Crème Caramel é a versão francesa de pudim. A taça de vinho custa R$ 13,90.

A Bäckerei (padaria em alemão, fala-se bequerai) chega com 20 tipos de pães e cerca de 30 doces europeus à Asa Sul (Galeria Karim, 110/111). Com capacidade para 56 pessoas, a segunda loja da marca funciona em soft opening desde 2 de abril, de segunda a sábado, das 8 às 21h. “São produtos originários da Alemanha, da França, da Itália e da Dinamarca, com farinha importada e sem aditivos”, explica o brasiliense Mac Marques, 43 anos, formado em gastronomia e que trabalha ao lado das sócias Ana Vitória Neddermeyer e Karine Dias. Entre os pães, todos com fermentação lenta, o empresário destaca o de nozes e gorgonzola; o de aveia e mel; e o lumberjack, da cidade de Weinheim, com semente de abóbora, trigo, centeio, amêndoa e farinha de linhaça. A confeitaria apresenta macarons, éclairs e inovações a cargo do francês Dominique Ganster. É o caso da Around Midnight, uma mousse de chocolate com biscoito de cacau e recheio de compota de banana, manga e maracujá. A casa também fabrica geleias, como a de caramelo com flor de sal, a de ameixa com especiarias, a de morango e a de creme de avelã com chocolate. O sotaque da Bäckerei pode ser europeu, mas o leite especial é produzido na Fazenda Cicinha, na zona rural do Novo Gama. “Eu chamo de ‘leite da vaquinha feliz’, pois elas são muito bem-tratadas lá”, diz Mac.

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Para celebrar o aniversário de Brasília, o restaurante do primeiro hotel inaugurado na cidade exibe o colorido Menu Surreal. Sempre no almoço executivo, das 12 às 15h. Até 21 de abril, o cardápio assinado pelo chef Arnaldo Guedes está disponível no Oscar, espaço para 70 pessoas no Brasília Palace Hotel (SHTN, Trecho 1), fundado em 1958 e revigorado em 2005. Inspirados no movimento surrealista, os pratos levam nomes de obras. Há duas entradas – como a Delirium, mix de folhas, manga e morango, e a Desire, tomate recheado com

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creme de pupunha – e três principais (R$ 62): o Girafas em Chamas (foto à esquerda)) tem escalope de filé e fettuccine, enquanto o Toureiro Vertiginoso é um nhoque de batata-doce, e o Quimera vem com a leveza do robalo grelhado e purê tricolor (ervilha, baroa e beterraba). A sobremesa Insania (R$ 12) é um bolo Red Velvet servido na taça. No comando das operações estão a gerente de gastronomia Darci Souza e a analista de marketing Luísa Ágnes.

Pudim e vinho Em frente à quadra residencial da 103 Norte, o

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É surreal!

Hamburgueria nova no Pier

Com investimento de R$ 3,5 milhões, foi inaugurada, no fim de março, a Jeronimo Smash Burger, hamburgueria do Grupo Durski (Madero) no Pier 21. Com área de 355 m2 e capacidade para 106 pessoas, a arquitetura exibe tijolos aparentes, assim como tubulações e dutos, e os grafites dos artistas locais Daniel Toys e Omik reforçam a pegada urbana da casa. A estrela é a carne tipo smashed (amassada), prensada em chapa de aço carbono e acompanhada por pão brioche, maionese artesanal, alface, tomate, cheddar derretido. “Nosso burger tem apenas 15% de de gordura e é preparado na hora do pedido”, afirma o empresário paranaense Junior Durski, que planeja abrir 13 unidades da hamburgueria ainda em 2018. Há totem para autoatendimento, além do caixa tradicional, e o cliente é chamado pelo nome no balcão, prática cada vez mais comum nas hamburguerias modernas da cidade.


Vento na varanda

Novos jeitos de fazer café

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O charmoso contêiner do Páprica Burger será replicado em Águas Claras até o fim do semestre. Ficará na Avenida Castanheiras, segundo informa a assessoria de imprensa. Enquanto isso, as unidades da Asa Norte (204) e do Setor Hoteleiro Sul (Quadra 3) apresentam, das 12 às 23h, o burger da temporada: o Wasabi. É feito com black angus gratinado, cheddar, bacon, picles (removível ao fazer o pedido), alface e molho wasabi (tempero verde). Tudo acomodado no pão brioche. Custa R$ 30. Já os combos variam de R$ 36 a R$ 44. Os chips de raízes são supercrocantes e feitos de batata asterix, batata-baroa, beterraba, batata-doce e cenoura. Entre os shakes, destaque para o de acaí com maracujá e o de creme brulée, com caramelo e sorvete de creme. Os molhos picantes da hamburgueria estão à venda por R$ 22 em embalagens de vidro de 275g nas versões Red Hot Chili Páprica e Really Hot Chili Páprica. Há mais novidade no cardápio: “É o Venice Burger, com frango orgânico”, conta William Marques, 27 anos, gerente do contêiner no SHS. A estrutura tem acesso para cadeirantes e wi-fi. Escolha as mesas da varanda lateral. São bafejadas pelo vento.

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pessoas. No dia 18, o cardápio será polenta recheada, com Priscila Ávila; no dia 25, nhoque à matriciana, com Eliane Régis; e, no dia 26, pão sírio e pasta de azeitona, com professores do Senac. As vagas abrem uma semana antes de cada aula, e as inscrições podem ser feitas pelo telefone 2107.7404. Na primeira quinzena de abril, a programação incluiu tutoriais sobre lasanha à bolonhesa e carbonara, além de etiqueta à mesa e receitas de drinques.

Você não precisa ter conhecimentos de um barista para fazer e apreciar um bom café. Mas informação é fundamental, certo? Por isso, o Ernesto Café (115 Sul, Bloco C) convidou o barista e mestre de torra Luciano Salomão, da torrefação paulista Wolff Café, para dar o minicurso Preparo de Filtrados. “A gente já tem uma rotina de cursos e nosso desejo é criar pontes, melhorar a comunicação com os nossos clientes”, diz o gerente de eventos da casa, Giordano Bomfim. Haverá turmas nos dias 28 e 29 de abril, e os alunos vão aprender sobre os métodos Hario 60, prensa francesa e aeropress. Esse último foi criado em 2005 por Alan Adler, um inventor de brinquedos norte-americano. É uma mistura de prensa francesa, espresso e coado em um único equipamento. O workshop de quatro horas de duração custa R$ 150, e os interessados podem entrar em contato no e-mail quero@ernestocafesespeciais.com.br.

Desce uma Tesourinha As homenagens aos 58 anos de Brasília merecem um brinde com uma cerveja especial: a Tesourinha, novo rótulo da marca goiana Colombina é inspirada na arquitetura e nos símbolos da cidade, como os azulejos de Athos Bulcão e os totens das superquadras. Classificada como “cerveja forte clara com seriguela”, a bebida chega a 24 restaurantes, bares e outros

pontos da capital em 13 de abril. Com 7% de teor alcoólico, é uma American IPA (India Pale Ale), comercializada na forma de chope e em garrafa de 600ml a preços entre R$ 32 e R$ 38. “O sabor foi resultado de um estudo feito com muito carinho e pesquisa”, diz Alberto Nascimento, sommelier de cervejas da Goyaz, cervejaria há 14 anos no mercado.

Fábio Mira

Que tal aprender receitas de graça com chefs do Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) e da Federazione Italiana de Cozinheiros? É o que oferece o projeto Pátio Gourmet. São aulas no 3º piso do shopping, sempre às 19h30, para turmas de até 24

No mês em que se comemorou o Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo (dia 2), criado pela Organização das Nações Unidas em 2008, a gastronomia local revela-se engajada em um projeto de cidadania. É o Quitu na Kombinha, parceria entre a chef Inaiá Sant’Ana, da Quitutices (216 Sul, Bloco A), e o Instituto Ninar. “Eles eram meus clientes na loja, a maioria faz dieta sem glúten ou lactose, e o projeto estava parado por não ter o que vender. Em 15 dias, formatamos a proposta e deu certo”, alegra-se Inaiá. Toda sexta-feira, a Kombinha Azul – cor do autismo, que atinge mais homens do que mulheres – estaciona, das 17 às 20h, em algum ponto do Plano Piloto. No food truck com produtos da Quitutices, adolescentes autistas, sob supervisão de uma terapeuta do instituto, atendem o público, lidam com dinheiro e interagem por meio do trabalho. “Eles vendem cookies de baunilha e de chocolate, bolos no pote de cenoura, abacaxi com coco e nozes, brownies, tortas de frango e de palmito, tudo em porções individuais”, informa a chef (na foto com a equipe de vendas). Para saber a rota da Kombinha Azul, acesse a página do Facebook ou do Instagram.

Sergio Marques

Cidadania na kombi azul

Aula gratuita de culinária

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GARFADAS&GOLES

LUIZ RECENA

Argentinos em dois tempos

lrecena@hotmail.com

Para desespero dos amigos do futebol, gosto da Argentina. Da cultura, da história, de exemplos. Há mais de século teve presidente mestre-escola. Resultado: décadas de alfabetização e leituras na nossa frente. Tipo Cristobal de Buarque castelhano, há mais de cem anos. Na virada do século passado, participei de grupo de estudo sobre tiragem de jornais. Nos domingos, nossos dez principais jornais, juntos, não alcançavam os dois principais de Buenos Aires: 2,6 milhões de exemplares! Não dá nem para ter vergonha. A comparação era mortal: não líamos. Melhor não falarmos sobre o tamanho das populações... Por isso, de tempo em tempo “vuelvo al Sur”, volto a escrever sobre a Argentina. Mantenho nossa única divergência, o futebol, onde, ainda bem, seguimos melhores. É o que penso.

O PRIMEIRO TEMPO foi em Brasília. A passagem de um dos melhores “fazedores de vinho” do momento, no mundo, o winemaker Marcelo Pelleriti, de Mendoza. E ainda por cima roqueiro! Foi uma tarde na DOC Vinhos, do Venâncio Shopping . Marcelo tem idade e layout de roqueiro. E é roqueiro, tem banda, amigos de rock pelo mundo e faz, neste mês, a oitava edição de um festival, na propriedade dele, em Mendoza. “É música e vinho, tudo a ver; e se sou moderno, minha musica é o rock”, disse-me com o maior sorriso na cara. Sou fã de um vinho dele, que tem nome musical, “Sol Fa Soul”. Tem branco e rosé, mas prefiro o Malbec. Malbecão macho, diria a colega veterana em litragens de uvas. Ao comentar com o autor, ouvi: “Passo meses sem voltar a ele; fiz e faço vinhos mais elaborados, mas toda nova safra, provo e penso: que vinho bom eu fiz”. Nostalgia de artista, sentir a criação e gozá-la no tempo. Bom de papo, não foi a primeira boa frase do “rockwinemaker”. Teve outras e destaco mais uma, depois que viu a plateia, jovem e que pagara ingresso para degustar seus vinhos. “ É porque continuo, nossas gerações são próximas e o vinho se moderniza e fica”. Se ainda não é um sábio, está a caminho. Com uvas bem tratadas e notas musicais no tom. A degustação, trazida para a DOC pela Del Maipo importadora, teve ainda espumante rosé Sol Fa Soul, Festivo Malbec, Octava Alta Chardonay, Marcelo Pelleriti Grand Reserva, Vinhas Velhas 1853. A data é o ano em que tudo começou. Para encerrar: o “bandwineleader” é o único latino do ramo a ter vinho com cem pontos do Robert Parker. Vinho feito na França, ok, mas é dele.

O SEGUNDO TEMPO foi em la ciudad porteña de mi único querer. “Buenos Aires, hay otra?”, perguntava um argentino borracho a um mexicano idem, discutindo cidades da América Latina. Em Brasília, claro, a cidade complacente que nasceu famosa. Não pelo tempo. Não fez por merecer pela idade, só pelo gesto inovador. A cidade velha conhecida é assim: sempre surpreende e está lá. O primeiro gole, a primeira garfada é sempre no mais próximo do hotel. Di Italia, sobre a rua Maipu. Um garçom correntino, duas empanadas, milanesa de ternera e um Malbec Cafayate, na moda em qualquer bar do bairro. Bom jovem de dez dólares. Volver é voltar. E insistir e perder. Galerias Pacífico. A comodidade da vizinhança, a velhice chegando... e o vinho chegando ao fim. Perto do hotel, dá sempre para levar a garrafa e sair na foto clássica, “mamao, abrazado en la botella”. Quadro impossível com madame por perto. Ainda bem! Depois do oceano, rios pequenos e conhecidos. El Capataz, ainda Maipu, mas na Florida, perto da Radio Nacional. Costela. Rins. Malbec. Precisa mais? No! Só um detalhe: o garçom era um jovem médico da Venezuela. Engenheira a garçonete do outro bar e policial o do terceiro. A Venezuela deságua no estuário do Prata. Então, o final, La Gran Parrilla del Plata, rua Chile com Peru. Total! Costela, sempre ela, desta vez grande, com salada de rúcula. Um raviolon al pesto fez coro. Duas copas de champã e um Luigi Bosca que ganhou cruzando a fita. Disputava com outro, mas la señora da sala sentenciou: “ Me cansé del Trumpeter, vá de Bosca, nunca nos engana”. Assim foi. Ao final, um doce de leite, duas copas de cortesia. Um homem solidário bebe também por sua mulher. E assim passam os dias. Simples assim.

AS DELÍCIAS DE MINAS PERTINHO DE VOCÊ 14

Queijos, doces, biscoitos, castanhas, pão de queijo, pimentas, farinhas, polvilho caipira, massa para tapioca, mel, manteiga, cachaças, linguiça, frango e ovos caipira.

Av. Castanheiras, Ed. Ônix Bl. A - Loja 2 - Águas Claras


PÃO&VINHO

ALEXANDRE FRANCO pao&vinho@agenciaalo.com.br

Maravilhas da Toscana Durante o Carnaval estive na excelente feira de vinhos chamada Buy Wine 2018. Nesta que foi sua oitava edição, reuniu na Fortezza da Basso de Florença 215 produtores e um total superior a 1.500 rótulos de vinhos toscanos da mais alta qualidade. Foram dois dias de degustações contínuas na feira, seguidos de um tour de mais dois dias no qual se visitou duas feiras de áreas específicas da Toscana, uma só de produtores de Vernaccia di San Gimignano e outra da região de Morellino de Scansano. E, para terminar, mais três dias visitando produtores específicos. Eu estimo ter degustado cerca de 600 rótulos diferentes nesses sete dias toscanos. Foi fantástico, mas também exaustivo. Pelos números expostos, fica claro ser impossível trazer todos os vinhos degustados aqui para nossa coluna, mas trarei nesta e nas próximas edições alguns dos que mais gostei e, principalmente, aqueles que selecionei para a importação da Winemania e que, portanto, deverão estar disponíveis ao nosso consumo no decorrer deste ano. Iniciemos pelos três vinhos que considerei a melhor relação qualidade x preço que encontrei. O produtor, de Morellino de Scansano, chama-se Tenuta Pietramora. Com certificação biológica, já esteve no Brasil e retornará logo mais pelas mãos da Winemania. O vinho base deles, o Germile, seria top em muitos dos produtores de lá. Safra 2015, 100% Sangiovese com 14% de álcool que não se percebe. O afinamento aqui é só no aço inox e em garrafa. Com nariz muito agradável e marcante de frutas vermelhas maduras, com cerejas, mirtilo e ameixas vermelhas, é fresco e intenso. No palato é muito equilibrado e, mais que tudo, gostoso. E novamente muito fresco. Deverá chegar ao Brasil abaixo dos R$ 100, o que fará dele uma pechincha imperdível. O segundo vinho é o Brumaio 2015, também 100%

Sangiovese, com 14,5% de álcool. Nesse já há estágio moderado em madeira, que se soma a um estágio em garrafa, totalizando de 9 a 12 meses de afinamento. O resultado é excelente. O vinho é macio, elegante, frutado e profundo. Aqui já aparecem, além das vermelhas, as frutas negras, não só maduras, mas em geleia. Notas de frutas do bosque, especialmente black berry e mirtilo, além de pronunciada nuance de cacau e chocolate. Na boca mostra taninos sedosos e muito equilíbrio, com boa acidez, trazendo de volta as frutas negras maduras. Ótimo, deverá chegar aqui pouco acima dos R$ 100. Será uma preferência de muitos. Agora, o top da vinícola, o Petramora 2015, um vinho já mais sério que, no caminho dos supertoscanos, corta 85% de Sangiovese com 15% de Merlot. Com 14,5% de álcool, passa sete meses em barricas francesas de primeiro uso, após dois meses no aço inox, e é finalizado com três meses em garrafa. De cor rubi com tons granada, traz um nariz intenso e persistente, com cereja negra madura, baunilha e tomilho. Na boca, é quente e volumoso, com taninos aveludados. Grande vinho, que chegará pouco abaixo dos R$ 200, sendo também uma grande opção para ocasiões mais refinadas. Para completar essa primeira vista da Buy Wine, falemos de um branco, o Scantianum Vermentino Toscana 2017. O melhor entre os mais de 50 Vermentinos de Toscana que por lá degustei. Da Cantina Vignaioli Scansano, é um vinho fresco, sem passagem em madeira. Amarelo palha, com nariz marcante a flores e frutas brancas e boca com acidez agradável e precisa para o consumo de frutos do mar e para acompanhar aperitivos. Vinho delicioso que chegará ao Brasil por volta dos R$ 80 e será um grande companheiro do nosso verão. Mês que vem tem mais.

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Thyago Andrade

DIA&NOITE

vivavianinha Os mais vividos sabem muito bem quem foi Oduvaldo Vianna Filho (1936-1974), mais conhecido como Vianinha, um dramaturgo que soube como ninguém imprimir uma dimensão humana aos seus personagens. Entre suas peças está Nossa vida em família, ou simplesmente Em família, que ele escreveu no início dos anos 1970 e agora tem montagem de Aderbal Freire-Filho rebatizada de Vianinha conta o último combate do homem comum. No palco, um casal de idosos que é despejado da casa onde vive por muitos anos e reúne os filhos para dar-lhes a notícia e procurar uma solução para o problema. Tentando ganhar tempo para buscar uma solução definitiva, os filhos decidem separar os pais temporariamente: Souza vai passar um tempo com a filha Cora em São Paulo e Lu fica com o filho Jorge no Rio. O tempo vai passando e a triste solução encontrada é separar definitivamente o casal, no fim de suas vidas. A peça ocupa o palco da Caixa Cultural de 27 de abril a 6 de maio. Sexta-feira e sábado, às 20h, e domingo, às 19h. Não recomendado para menores de 14 anos. Duração: 120 minutos. Ingressos à venda a partir de 21 de abril, a R$ 20 e R$ 10.

cinderelavemaí

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Não se sabe ao certo quem escreveu Cinderela, um dos contos de fadas mais populares do mundo. Há quem jure que foi o escritor francês Charles Perrault, em 1697, baseado no conto italiano A gata borralheira. Há quem garanta que foram os Irmãos Grimm, no começo do Século 19, enquanto há quem aponte a origem de tudo numa história escrita na China, por volta de 860 antes de Cristo. Certo mesmo é que a magia dessa história permanece eterna. A prova é o sucesso de Cinderela, o musical, que estará no palco do Teatro Unip (913 Sul) nos dias 5 e 6 de maio. Visto por mais de 120 mil pessoas no Rio e em São Paulo, o espetáculo dirigido por Charles Moeller e Claudio Botelho tem ingressos entre R$ 25 e R$ 150, à venda na Central de Ingressos do Brasília Shopping, na FNAC do ParkShopping e no site eventim.com.br. Sábado, às 16 e às 20 h, e domingo, às 16 h. Classificação indicativa: 12 anos.

Nathalia Britto

Além do enredo intrincado e repleto de mistério, o espetáculo convida o espectador a refletir sobre os preconceitos e os terríveis danos que causam tanto aos que o possuem quanto aos que dele são vítimas. Essa é a proposta da peça Traze-os cá fora a nós, em cartaz no Teatro Goldoni (208/209 Sul) até 22 de abril. Dirigido por Berilo Carvalho, conta o encontro de amor e ódio entre Nilo e Teo, dois homens sem memória que, entre sonhos, delírios e lembranças imprecisas, tentam entender suas trajetórias até chegarem ao insólito e tenebroso quarto em que se encontram presos. Nesse suspense psicológico com toques de nonsense, humor e drama não faltam referências a grandes nomes do teatro, como Nelson Rodrigues, Bertold Brecht e Samuel Beckett. Sexta e sábado, às 21h, e domingo, às 20h. Ingressos a R$ 20 e R$ 10. Mais informações: 3443.0606.

naquelaestação João Paulo Fernandes

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sobrepreconceito

Envelhecimento, abandono e solidão. Esses são os motes da peça Naquela estação, em cartaz entre 27 de abril e 13 de maio nos Sesc de Ceilândia, Gama e Taguatinga. A criação coletiva do grupo Cutucarte apresenta cinco personagens enigmáticos reunidos na estação de Seu Bitolinha. Eles aguardam ansiosos algum acontecimento que mude suas vidas e, durante essa espera, revelam muitos segredos. “A peça fala sobre a solidão como um sentimento devastador, abordando principalmente a perspectiva do idoso. Mostra o vazio deixado pelas pessoas que passaram por nossa vida”, diz um dos diretores da peça, Getúlio Cruz. As apresentações começam em Taguatinga nos dias 27, 28 e 29 de abril, depois seguem para o Gama, dias 4, 5 e 6 de maio, e terminam em Ceilândia, dias 12 e 13 de maio. Sextas e sábados às 20h, e domingos, às 19h. No dia 12, sessão também às 17h. Entrada franca.


Paula Pratini

exposiçãoprorrogada O sucesso foi tanto que a mostra Contraponto – Coleção Sérgio Carvalho, em cartaz no Museu da República, foi estendida até 29 de abril. Em cartaz desde novembro, com a presença de cem mil visitantes, tem no acervo 430 obras de 34 artistas brasileiros, alguns indicados ao Prêmio PIPA, entre eles os finalista de 2017 Antônio Obá, e 2013 Berna Reale, e os vencedores pelo voto popular em 2012 e 2013, Rodrigo Braga e Camila Soato, respectivamente. Com curadoria de Tereza de Arruda, a exposição se vale da pluralidade de técnicas e linguagens das obras, além da variedade de eixos temáticos, que atravessam desde questões pessoais que rodeiam o cotidiano dos artistas até discussões mais amplas, envolvendo representação e identidade social, política e imaginário coletivo. Dessa maneira, pretende evidenciar diversos contrapontos que se complementam, numa dinâmica em que uma obra reforça e contesta a outra, simultaneamente. As obras são do acervo do advogado e procurador paranaense Sérgio Carvalho, que mora em Brasília e é colecionador de arte desde 2003. De terça-feira a domingo, das 9 às 18h, com entrada franca. Mais informações: 3325.5220.

poemasdaengenharia

duasemuma

Mari Lasta

Há pouco mais de dez anos, Elyeser Szturm entrou em contato e se aprofundou no estudo da cianotipia, uma técnica de sensibilização do papel para imprimir fotografia datada da primeira metade do Século 19. Já Helô Sanvoy tem como matériaprima de seu trabalho recortes de jornais e páginas de livros. Os dois artistas plásticos estão expondo suas obras nas mostras Dobras e Hiatos, respectivamente, na Referência Galeria de Arte (202 Norte). Na primeira, Elyeser trata de um dos temas mais importantes e discutidos da pintura: os drapeados que surgem desde o período barroco. Na segunda, Helô retira textos e imagens de livros e jornais e deixa alguns brancos que se tornam espaços de criação. Ambos os artistas são de Goiânia, mas o primeiro vive em Brasília desde 1994. De segunda a sexta, das 12 às 19h, e sábado, das 10 às 15h, com entrada franca. Mais informações: 3963.3501.

Ponte JK, Ponte da Amizade, Ponte de Monet e muitas outras serviram de inspiração para Mari Lasta, a artista plástica que expõe seu trabalho até 30 de abril na Pátio Galeria, do Pátio Brasil. “Pensei nesse tema porque as pontes têm o papel de ligar distâncias, unir pessoas, aproximar lugares, atravessar alturas. Suas cores e traços são versos dos poemas da engenharia”, afirma a artista, que selecionou 13 telas para a mostra atual. Nascida no Paraná e residente em Brasília, Mari Lasta iniciou sua série de pinturas retratando uma das principais pontes de lá: a Ponte da Amizade, que liga Foz do Iguaçu ao Paraguai. E, enquanto selecionava outras pontes brasileiras, decidiu pintar também a que foi consagrada como mais famosa no mundo: a ponte de Monet, no Lago das Ninfeias, em Giverny. De segunda a sábado, das 10 às 22h, e domingo, das 14 às 20h. Entrada franca.

Elyeser Szturm

Bruno Bou

linhadefrente As fachadas de alguns edifícios localizados em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte foram clicadas pelo jovem fotógrafo carioca Bruno Bou, num jogo de contrastes de luz e sombra que cria imagens inusitadas em tudo conectadas com o modernismo brasileiro da década de 1950, época de Oscar Niemeyer, Athos Bulcão, Vinícius de Moraes e Tom Jobim. O resultado de seu trabalho estará no Centro Cultural Câmara dos Deputados entre 18 de abril e 23 de maio, de segunda a sexta, das 9 às 17h, com entrada franca. É a primeira exposição fotográfica individual de Bruno, que apresenta oito obras no Espaço do Servidor. Atualmente ele pesquisa e fotografa os diferentes ciclos de folia na cultura brasileira. Já cursou Fotografia – Práticas Históricas Artísticas Contemporâneas na Casa França-Brasil (RJ), com o professor Andreas Valentim, participou da exposição coletiva Memórias da democracia, no espaço cultural Dragão do Mar, em Fortaleza, e coordenou a pasta artística e cultural do Circuito Universitário de Cultura e Arte da União Nacional dos Estudantes. A exposição Linha de frente poderá ser vista de segunda a sexta, das 9 às 17h, com entrada franca.

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vivaoblues

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DIA&NOITE

O músico norte-americano Omar Coleman, uma das grandes referências do blues moderno, é um dos pontos altos da sétima edição do festival República Blues, que chega ampliado para engrossar as comemorações de aniversário de Brasília, dias 20 e 21. Serão dois palcos e 23 atrações do mais puro blues, sem deixar de fora o rock e o jazz, na área externa da Funarte, com estrutura para receber cerca de dez mil pessoas. Na programação internacional, destaque também para o cantor, compositor e guitarrista são-tomense-congolês Yannick Delass. Entre os nacionais estarão craques como Hermeto Pascoal, o gaitista carioca Jefferson Gonçalves, a cantora carioca Taryn Spilman, Hamilton de Holanda e o guitarrista baiano Armandinho Macedo, além da banda Blues Etílicos. Sexta, às 19h, e sábado, às 18h. Criado em 2006 pelo Clube do Blues de Brasília, o festival República Blues vem obtendo progressivo crescimento de público e interesse nacional ano após ano. Entrada franca.

festivalindependente

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A imagem acima é do filme Farnese, o primeiro sobre arte de Olívio Tavares de Araújo e seu segundo filme profissional, realizado no Rio em 1970 e premiado em 1971 como melhor curta-metragem do Festival de Brasília. Ele é um dos mais de 200 títulos constantes na programação da 17ª Mostra do Filme Livre, em cartaz no CCBB de 24 de abril a 20 de maio. Foram 1.140 inscritos, sendo que apenas 186 obtiveram apoio de leis de incentivo. Desse total, 160 foram selecionados e 70 foram convidados para participar. Vindos de todas as regiões do Brasil, foram submetidos à avaliação dos curadores Gabriel Sanna, Diego Franco, Scheilla Franca e Guilherme Whitaker, criador e organizador da MFL. Na programação estão ainda debates e o curso Cinema e memória, ministrado pelo pesquisador Hernani Heffner. Considerada a maior mostra de filmes independentes, a MFL é também pioneira na exibição de filmes de diferentes formatos, gêneros, durações e épocas. Já passou por Rio de Janeiro e São Paulo. Entrada franca.

utopiasurbanas Córdoba, Sevilha e Granada, cidades espanholas da Andaluzia, e Brasília. O que há de comum entre elas? A resposta para essa indagação está na mostra Fragmentos de utopias, em cartaz no Museu dos Correios (SCS, Quadra 4) até 10 de junho. Lá estão 76 fotos selecionadas por Nick Elmoor, fotógrafo, e Patrícia El-moor, socióloga, cujo projeto comum incluiu também Max Simon, fotógrafo alemão já falecido que fugiu do nazismo, visitou Brasília algumas vezes e, posteriormente, apaixonado pela Andaluzia, a escolheu para morar. Nick e Patrícia apostaram numa espécie de “crowdfunding ao inverso”, ou seja, arcaram com o orçamento da mostra e convidaram os que se apaixonarem pelo projeto a participar de um leilão virtual com lances iniciais abaixo dos preços de custo de produção. Assim, no dia do encerramento os apoiadores poderão levar para casa um “fragmento de utopia” também, explicam. Na exposição, as imagens são pontes entre dois mundos, ambos carregados de significados, uma vez que são monumentos e cidades outrora declarados patrimônios da humanidade pela Unesco e que trazem à tona discussões importantes sobre suas reais contribuições culturais, artísticas e históricas. Córdoba, Sevilha e Granada foram testemunhas de um período conhecido como al-Andalus e que se estendeu por quase oito séculos na Península Ibérica. Em seus tempos áureos, essa civilização foi conhecida pelo intercâmbio cultural e religioso sem precedentes. Utopia não muito diferente permeia a história de Brasília, cidade que em 1883 apareceu em sonho a Dom Bosco, que previu o nascimento de uma civilização rica e próspera entre os paralelos 15° e 20°, exatamente onde Brasília está. De terça a sexta, das 10 às 19h; sábado, domingo e feriado, das 14 às 18h. Entrada franca.

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cineastasingular Ainda dá tempo de conhecer o trabalho de Helena Solberg, diretora de quase 80 anos que já dirigiu 17 filmes. Eles estão na Retrospectiva Helena Solberg, em cartaz no CCBB até 22 de abril, com entrada franca. Em carreira singular que completa cinco décadas, sendo três delas nos Estados Unidos, ela manteve sempre uma militância política e feminista que, somada à experiência como única mulher a participar do Cinema Novo, resultou em uma cinematografia rara, atenta aos movimentos de sua época e engajada em modos de olhar e atuar no mundo. Na programação está Carmen Miranda: bananas is my business, de 1994, um documentário sobre a cantora nascida em Portugal e criada no Brasil e que, em 1939, foi para os Estados Unidos e se tornou a figura caricata com uma pilha de frutas na cabeça. No filme, Helena tenta retirá-la desse estigma, conferindo-lhe o que há de mais fundamental: sua identidade. Da fase mais recente da carreira de Helena Solberg está o longametragem Vida de menina (2004), baseado no diário de Helena Morley, que marca sua estreia na direção de uma adaptação ficcional. Programação em http://culturabancodobrasil.com.br/portal.


legadodeoscar Desenhos e croquis originais do arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012), pinturas, esculturas móveis, projetos gráficos, joias e as revistas Módulo e Nosso Caminho, além de raros manuscritos, estão na exposição Oscar Niemeyer – Territórios da criação, em cartaz no Espaço Cultural Marcantonio Vilaça, do Tribunal de Contas da União, até 9 de junho, com entrada franca. De acordo com o curador Marcus de Lontra Costa, o material reunido apresenta uma síntese de trabalhos criados pelo arquiteto que ultrapassam os horizontes de sua atuação profissional, com ênfase em toda a sua capacidade criativa. “Niemeyer elaborou uma sofisticada estratégia artística que superou os limites da arquitetura e serviu de base para definição de um pensamento estético nacional, inovador e surpreendente. Criou uma iconografia que nos identifica como nação, e ela se faz presente não só nos prédios que projetou, mas também em seus desenhos, pinturas, projetos gráficos, mobiliário, joias etc”, afirma. A exposição apresenta alguns desses exemplos que revelam a maestria, o talento e a inteligência do nosso arquiteto maior. Há ainda dois segmentos: obras de grandes artistas nacionais que colaboraram periodicamente com Oscar Niemeyer e estiveram presentes em diversos projetos de sua autoria e retratos do arquiteto registrados por dez dos mais renomados fotógrafos brasileiros. No primeiro podem ser vistas obras de Cândido Portinari, Roberto Burle Marx, Bruno Giorgi, Alfredo Ceschiatti, Athos Bulcão, Joaquim Tenreiro, Tomie Ohtake, Franz Weissmann e Carlos Scliar. De terça-feira a sábado, das 9 às 19h, com entrada franca. Agendamentos para escolas: 3316.5221.

Ake Borglund

históriadepioneirismo Não é de hoje que a argentina Mercedes Urquiza leva mundo afora a história da epopeia da construção de Brasília. Com imagens clicladas pelo premiado fotógrafo sueco Ake Borglund, para quem serviu de intérprete em matéria da revista National Geographic em 1957, Mercedes montou uma série de exposições que viajaram pelos quatro continentes. Agora, a história dessa embaixadora não oficial de Brasília está contada no livro Na trilha do jaguar: na alvorada de Brasília, lançado no último dia 11 pela Editora Senac. Ela e o marido, Hugo Maschwitz, chegaram ao que seria Brasília em 1957 e se juntaram aos candangos na Cidade Livre. Moraram num barraco de madeira sem luz, água quente ou telefone, e participaram ativamente da construção da nova capital, onde Mercedes trabalhou como corretora oficial da Novacap e revendedora de material de construção para os primeiros prédios da cidade. Em 1962, ao lado do marido, fundou a primeira agência de viagens da cidade, no recém-inaugurado Hotel Nacional. O livro está à venda nas principais livrarias e custa R$ 98.

Um resgate da identidade dos povos do Hemisfério Sul. Essa é a proposta do artista plástico Aldo Yamandú Grau, um uruguaio que mora em Brasília há mais de três anos e cuja obra estará na galeria de arte do 10º andar da Câmara dos Deputados entre 25 de abril e 9 de maio. São 17 óleos sobre tela que mostram o estudo dos símbolos, da luz e das cores, com o objetivo de ampliar a identidade cultural dos povos do Hemisfério Sul. Intitulada És tiempo del sur, a mostra pretende relembrar que as representações das direções norte e sul e dos sentidos horário e anti-horário são convenções colonizadoras. Grau é representante do movimento construtivo uruguaio, sendo sua tradição de pintura a Escuela del Sur, fundada pelo pintor uruguaio Joaquim Torres Garcia. De segunda a sexta-feira, das 9 às 17h, com entrada franca.

brincadeiranopanteão Teatro, contação de histórias e design são os instrumentos utilizados para encantar as crianças de três a seis anos que participarem do projeto Brasília brinquedo de ler, em pleno gramado do Panteão da Pátria, entre 28 de abril a 2 de junho. Dois personagens irão experimentar as infinitas possibilidades dos seus brinquedos de papel e vão compartilhar seus sonhos, repletos de humor e encantamento, sobre a cidade onde vivem. A narrativa da dramaturgia trata da relação desses personagens metaforicamente inspirados em Lúcio Costa e sua mulher, Julieta Guimarães. O projeto de Brasília, frequentemente comparado a um avião, foi na verdade inspirado em uma borboleta, homenagem de Lúcio a Julieta, a quem o urbanista chamava carinhosamente de Leleta. A diretora Ana Flávia Garcia convidou o multiartista Gabriel Guirá a pensar na fusão entre dramaturgia e design, considerando as perspectivas poéticas da criação de Brasília. O público é ilimitado, mas para a interação com os brinquedos cada sessão comporta no máximo 15 crianças. Agendamento em brinquedodeler@gmail.com ou whatsapp 99997.5969. Só aos sábados, às 15 e às 17h, com entrada franca.

Nathalia Britto

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gonzaguinhanopalco Explode coração, Começaria tudo outra vez, O que é, o que é, Moleque, Recado... Atire a primeira pedra quem nunca se encantou ao ouvir esses e outros inesquecíveis sucessos de Gonzaguinha (1945-1991), o cantor e compositor homenageado no musical O eterno Gonzaguinha, que estará no Teatro da Unip (913 Sul) nos dias 28 e 29 de abril. Encarnando o filho de Gonzagão, o ator Rogério Silvestre interpreta um texto poético para relembrar momentos marcantes da vida do artista carioca, como a infância no morro do São Carlos, os primeiros passos na carreira artística, os embates com a ditadura militar e a relação conflituosa com o pai. Uma banda formada por dois cantores e cinco músicos propõe um diálogo enriquecedor entre produção artística e vida pessoal e profissional de Gonzaguinha, um dos poucos a falar com tanto domínio poético e olhar crítico sobre o morro, as questões sociais e o amor. Com direção de Breno Carvalho, o espetáculo estreou em Belo Horizonte e já passou por São Paulo, Salvador e São Luís. Sábado, às 21h, e domingo, às 20h. Ingressos entre R$ 75 e R$ 300.

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Jaylton Pimentel

cajónnampb O instrumento de percussão de origem peruana, tão presente nos ritmos latinos, tem sido bastante utilizado também por artistas de outras vertentes musicais. Em função disso, foi criado o primeiro método de ensino do cajón voltado especificamente para a música popular brasileira. Dia 23 de abril, às 19h, o pesquisador de ritmos Ruiter Castro, recém-chegado do Peru e da Espanha, vai apresentar seu novo método na loja Musimed (505 Sul). “Nossa proposta é oferecer aos músicos e percussionistas possibilidades de desenvolver um vasto repertório de padrões rítmicos com esse instrumento, além de estimulá-los a identificar e acompanhar a maioria das situações musicais existentes”, explica Ruiter. Podem participar pessoas de qualquer idade. Seu método custa R$ 49,90 e está à venda na própria Musimed ou no site http://www.musimed.com.br, com acréscimo do preço do frete.

Portadores de fraldas, chupetas e mamadeiras poderão entrar no Teatro Goldoni (EQS 208/209) entre 28 de abril e 6 de maio, período em que estará em cartaz o espetáculo Achadouros. Concebido especialmente para bebês de seis meses a três anos de idade, será apresentado em oito sessões, duas aos sábados e duas aos domingos, às 11 e às 16h. O projeto tem circulado pelo Centro-Oeste e traça percurso emblemático partindo do DF (Plano Piloto, Santa Maria, Recanto das Emas e Samambaia), passando por Goiás (Formosa e Anápolis) e seguindo até Mato Grosso (Chapada dos Guimarães e Cuiabá, cidade de origem do poeta que inspirou o espetáculo, Manoel de Barros). Livremente baseado em seu livro Memórias inventadas – Para crianças, é resultado de criação coletiva entre o diretor José Regino e as atrizes Caísa Tibúrcio e Nara Faria. A entrada é gratuita e os ingressos devem ser retirados na Loja Infinita (305 Sul). Informações: 3206.9449.

Diego Bresani

teatroparabebês

Luiz Brambilla

Bita e os animais estão de volta a Brasília, onde encantarão a criançada que for ao Teatro da Unip (913 Sul) nos dias 21 e 22 de abril. Lila, Dan e Tito, figurinhas saídas dos canais Discovery Kids, Netflix e YouTube, apresentam Bita e os animais, musical que está em turnê pelo país e vem direto do Mundo Bita, “um planeta localizado na Galáxia da Alegria, ao lado do planeta Música, do planeta Circo e de muitos outros astros divertidos”. A principal missão é fazer com que os convidados a seguir a turminha tenham experiências de aprendizado de forma leve e atrativa. Todas as músicas têm foco nos diversos ambientes da natureza em que vivem diferentes espécies. Bita sai em suas viagens musicais cantando e brincando com muitos tipos de animais, apresentando os habitats, os costumes e as principais características dos bichos, sempre com muita alegria. Sábado e domingo, às 15h, com ingressos entre R$ 60 e R$ 120, à venda nas lojas Cia Toy e na Belini Pães e Gastronomia (113 Sul).

Os sambódromos do Rio e de São Paulo abrem alas para homenagear Brasília em seu aniversário. Vem aí a 1ª Roda de Samba-Enredo do Brasil Capital, com a comissão de frente formada por Wantuir (foto), da Unidos da Tijuca, Igor Sorriso, da Mocidade Alegre, Nêgo, que vem a ser irmão do Neguinho da Beija-Flor, e Grazzi Brasil, da Vai-Vai e da Paraíso do Tuiuti. O samba vai rolar no estacionamento da Caixa Cultural nos dias 21 e 22 de abril, sábado e domingo, sempre das 16 às 19h. Também participam da roda de samba Cláudio Vagareza (Aruc), Renato dos Anjos (Vila Planalto) e o grupo local Brasil Capital, produzido por Ronaldo Castro da Silva. Nos dois dias, às 18h50, o encerramento será da bateria da Acadêmicos da Asa Norte, que trará passistas, mestre-sala e porta-bandeira.


Jadson Douglas

QUEESPETÁCULO

Quinzena da dança POR VILANY KEHRLE

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dança, uma das mais importantes e vigorosas expressões da arte, ganha um lugar de destaque na cidade, neste mês de abril. Durante vários dias, espaços do Plano Piloto, Gama, Ceilândia e Taguatinga abrigam a quarta edição do Movimento Internacional de Dança, com espetáculos nacionais e internacionais das mais diversas vertentes: dança contemporânea, dança de rua e de investigação da linguagem, hip hop e cultura negra. Paralelamente às apresentações há debates, workshops, rodadas de negócios, batalha de break e atrações para a criançada. Até o dia 29 o público brasiliense será contemplado com a beleza estética do evento e a riqueza corporal de profissionais da dança vindos das mais diversas localidades do país e do planeta. Com o espetáculo Lub dub, que abriu a programação, o Balé do Teatro Castro Alves da Bahia reproduziu, por meio de metáforas, as batidas e os movimentos da vida. O pernambucano Nas Trilhas do Manguezal vai apresentar um “bailado enlameado”, que enaltece um dos ecossistemas mais importantes do mundo. O candango Massa charme, com o grupo PraCima, interage com várias tribos, como samba, rock, rap, funk, soul, adotando estilo periférico e movimentos sensuais. Sórdito, da Costa Rica, é um solo de dan-

ça contemporânea sobre um homem e sua necessidade de desfigurar sua identidade, para reconhecer o seu corpo como território de encontro. A África será representada pelo solo Kifwebe.01, com Miguel Mavatiko, que vem do Congo, e pelo dançarino moçambicano Idio Chichava, do espetáculo BlackBelt, da companhia francesa Kubilai Khan Investigations, um poema movido pela paixão por formas vivas e em evolução. Eufonia, do grupo paulista Cia. dos Pés, voltada para o público infantil, é um olhar poético sobre a mágica de perceber o mundo por meio dos sentidos. O argentino Acto Blanco traz ao palco uma evocação ao espírito do movimento romântico e o francês Boomerang, da Malka Compagnie, fala da violência que se expressa em atos e palavras. O MID, que teve início em 2009, conta ainda com espetáculos da Itália, Colômbia, Alemanha, Eslovênia, Portugal e Espanha, e de grupos locais como o Corpo de Baile Noara Beltrami, Charadas, Anti Status Quo e Foco Cia. de Dança, uns com entrada gratuita e outros com cobrança de ingressos. A reflexão crítica ficará por conta dos workshops que vão discutir temas como a criação através dos sentidos, a palavra, o fluxo do movimento, conceitos estéticos, iluminação cênica e consciência espacial. Além da residência artística, onde dez bailarinos foram selecionados para

trabalhar sob a regência do conceituado bailarino Marcelo Ferreira, o evento presta homenagem à coreógrafa e bailarina Yara de Cunto, que faz parte da primeira geração de intérpretes-criadores de dança contemporânea da capital, e ao adido cultural da Embaixada da França, Jean-Pascal Quiles, pelo trabalho relativo às conexões artísticas e culturais entre os dois países. O diretor-geral do MID, Sérgio Bacelar, diz que, além de colocar em cena a rica diversidade dessa expressão artística, o evento busca trazer maior visibilidade para o cenário da dança na capital federal, que tem uma grande produção em todos seus segmentos, e formar um público novo e reestruturado. “Entretanto, o movimento tem dificuldade de se fazer visto e produzido, pois precisa de maior investimento para que o público tenha mais acesso a ele”, afirma, reconhecendo, ao mesmo tempo, que o campo da dança, felizmente, tem se mostrado em um caminho ascendente: “Exemplo disso são as verbas que vêm sendo liberadas pelo Fundo de Apoio à Cultura e a reinauguração do Centro de Dança de Brasília, o que acaba por estimular o estudo e a qualificação da dança na cidade”. Movimento Internacional de Dança 2018 Até 29/4 no CCBB, Complexo Cultural da Funarte, Sesc Gama, Taguatinga e Ceilândia, Rodoviária do Plano Piloto e Centro de Dança de Brasília. Programação completa em www.movimentoid.com.br.

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GALERIADEARTE

Riquezas do Xingu POR ALEXANDRE MARINO

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Fotos: Olivier Boëls

ada mais oportuno que a exposição Yawalapitis – Entre tempos, que será aberta no Dia do Índio, 19 de abril, no Museu Nacional do Con-

junto Cultural da República. O fotógrafo francês Olivier Boëls, fascinado por riquezas culturais, leva para o coração da capital brasileira um pouco da cultura, história e artes de um dos muitos povos indígenas brasileiros ameaçados pela ga-

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nância de políticas de produção agressivas e predatórias – os Yawalapiti. Sua aldeia fica no Parque Indígena do Xingu, com 27 mil quilômetros quadrados, constantemente ameaçado pelas fazendas de soja e gado. Olivier é apresentado como um Pierre Verger dos tempos modernos, e poderá ser conhecido pessoalmente no dia 24 de abril, numa mesa-redonda com os três caciques Yawalapiti – Aritana, uma das maiores lideranças indígenas do Brasil, Makawana e Waripirá – que será realizada no auditório do museu, com tradução em língua brasileira de sinais (Libras). Olivier pretende contribuir, com a fotografia, para o fim da discriminação, oferecendo informação e incentivando a empatia. Ele já levou o mais prestigiado prêmio da fotografia mundial, o World Press Photo, além de vários outros internacionais, e fez 45 exposições em vários lugares do mundo. Desde 2006 seu trabalho compõe os acervos permanentes das galerias do Zone Zero, um dos sites de fotografias mais visitados do mundo. A mostra contará com a participação de 90 integrantes da comunidade Yawala-


piti, que interagirão com o público contando histórias, ministrando oficinas de artesanato, explicando detalhes de sua cultura, como a pintura corporal e o uso de instrumentos musicais. Em 21 de abril, aniversário de Brasília, a cúpula do museu receberá projeções de vídeos e fotos produzidos pelos próprios indígenas e haverá apresentação de dança, das 18 às 23h. No dia seguinte, guerreiros da aldeia farão uma demonstração da tradicional luta Huka Huka, das 17 às 19h. A exposição será composta por 150 imagens do cotidiano da aldeia, colhidas ao longo de mais de cinco anos de convivência entre Boëls e os Yawalapiti. Os próprios indígenas redigiram as legendas das fotos e os textos explicativos, depois traduzidos para o português e o inglês. É a primeira vez que a comunidade Yawalapiti compartilha sua história e sua cultura. Boëls considera que a cultura dos indígenas, longe de estar estagnada, permanece em constante mutação. Sua língua corre o risco de se perder e seu povo é estigmatizado pela sociedade não-indígena. O Parque do Xingu, onde vivem, localizado no norte do Mato Grosso, numa região entre o Planalto Central e a Amazônia, é cortado pelo Rio Xingu e afluentes, mas não abarca as nascentes dos rios, o que deixa as comunidades indígenas sob constante ameaça. Os mais jovens são pressionados pela cultura dos brancos, que se apresenta com seu modo

de vestir, a comida industrializada, o lixo e até a internet. O Parque do Xingu acolhe cerca de 5.500 indígenas de 14 etnias diferentes, das cerca de 305 que vivem em todo o Brasil. A comunidade Yawalapiti vive no Alto Xingu, ao sul do Parque, com cerca de 250 indivíduos. Sua aldeia segue o padrão das demais aldeias xinguanas. Seus integrantes vivem em grandes casas coletivas, dispostas em formato circular, com uma grande praça central, onde ocorrem

as festas e rituais da aldeia, e onde fica também a Casa dos Homens. As fotografias de Boëls mostram flagrantes de danças, lutas e eventos de rotina na vida da aldeia. Há belas imagens cheias de cores, tanto as cores da natureza exuberante do Parque do Xingu quanto das pinturas corporais, carregadas de simbologia. Yawalapitis – Entre tempos

Exposição fotográfica de Olivier Boëls. De 19/4 a 20/5 na Caixa Cultural. De 3ª a domingo, das 9 às 18h30, com entrada franca.

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GALERIADEARTE

Procissão (1986)

A arte inquieta de Basquiat POR ALESSANDRA BRAZ

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976. Nas ruas de Nova York começaram a aparecer pichações poéticas e instigantes assinadas por um tal de SAMO. Ou “Same Old Shit” (“mesma merda de sempre”, em tradução livre). Era a união entre Al Díaz e Jean-Michel Basquiat. O mundo da arte ficou curioso para saber quem era a entidade que pichava a cidade. A união entre os dois amigos que estudaram juntos e tinham apenas 16 anos durou pouco. Três anos depois, Basquiat decretou o fim do projeto, embora ainda tenha usado a assinatura em algumas obras. Antes de entrar de cabeça no mundo da arte, Basquiat também montou uma banda, a Gray, em 1979, onde tocava clarinete e sintetizador. O grupo acabou sendo convidado para fazer a trilha sonora do filme Downtown’81, escrito por Glenn O’Brien e dirigido por Edo Bertoglio. A película está disponível na exposição JeanMichel Basquiat – Obras da Coleção Mugrabi, retrospectiva com mais de 80 peças do artista que entra em cartaz no CCBB de

Brasília no dia do aniversário da cidade, 21 de abril, após uma temporada bem sucedida em São Paulo. Só esse começo da vida artística de Basquiat já mostra o quanto ele tinha para apresentar ao mundo. Em 1980 participou pela primeira vez da mostra coletiva The Times Square Show e recebeu a primeira crítica elogiosa da carreira. Dali em diante as coisas foram acontecendo. Expôs em várias galerias importantes e chegou até a Europa. O negro é o centro de grande parte de suas obras. Basquiat optou por retratar músicos de jazz, pugilistas e até heróis revolucionários. Sem negar sua origem, pois era filho de pai haitiano e de mãe descendente de imigrantes porto-riquenhos. Por isso, sabia falar não só inglês, mas também espanhol e francês. “Basquiat era um dos poucos afroamericanos em um mundo artístico predominantemente branco. Ao longo de sua carreira, sua arte profundamente política trouxe à tona a experiência de ser negro e as conquistas culturais dos negros. Sua obra se tornou uma plataforma para um comentário social marcante e para a

compreensão histórica. Mostrou os traumas experimentados pelos negros nos Estados Unidos e a falta de diversidade no mundo artístico”, explica o curador da mostra, Pieter Tjabbes.

John Lurie (1982)


Outro ponto que gostava de explorar era a anatomia humana. Quando criança, sofreu um acidente, foi atropelado por um carro e durante a longa recuperação sua mãe lhe deu o livro Gray’s anatomy. Sendo assim, há na mostra uma ala de gravuras dedicadas a seus estudos anatômicos, enquanto em suas pinturas essas figuras se sobrepõem nas telas. Sua obra é uma grande mistura de pinturas, colagens, frases e objetos, o que faz dele um expoente da cultura de remixagem e da mistura do que se chama hoje de “alta” e “baixa” cultura. “Do ponto de vista estético, Basquiat foi um artista plástico cuja pintura transcendeu as telas. Isso é uma prática própria da arte urbana, mas que, com Basquiat, ganhou as galerias do mundo. Como é possível perceber na exposição, ele pintava tudo: pratos, portas, esquadrias de janelas e peças de madeira que achava pelas ruas. Ou seja, ele enxergava qualquer superfície como um suporte para a arte. Isso era novo na época e, hoje, se tornou uma prática consolidada no meio artístico.

Fotos: Divulgação

Flash em Napoles (1983)

Ele foi um expoente no universo das artes plásticas: pela primeira vez, um negro incitou um estilo autêntico, vindo das ruas, para as galerias e museus do mundo”, comenta Tjabbes sobre a importância e a marca que Basquiat deixou no

mundo da arte. Além de sacudir e marcar a arte para sempre, o artista ainda se juntou a Andy Warhol, de quem se tornou grande amigo e com quem criou uma série de quadros que acabaram por deixá-lo bastante chateado, já que a mídia se dividiu na hora de criticá-los, quando vieram à tona, em 1984/85. A amizade foi parar nas telonas no longa Basquiat (1996), de Julian Schnabel, com o jovem e atormentado artista sendo interpretado por Jeffrey Wright e com David Bowei na pele de Wahrol. Basquiat também foi o responsável por fazer o amigo voltar a pintar com tinta, algo que já havia abandonado há anos. Em 1988, ano de sua morte prematura (tinha apenas 27 anos), expôs em Paris e em Dusseldorf. Basquiat morreu após uma overdose de ocaína e heroína. Jean-Michel Basquiat Obras da Coleção Mugrabi

De 21/4 a 1/6, no CCBB (SCES, Trecho 2, tel. 3108.7600). De 3ª a domingo, das 9 às 21h, com entrada franca.

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GRAVES&AGUDOS Press Pic Supplied

Glenn Hughes

Divulgação

Elba Ramalho e Geraldo Azevedo

Só shows imperdíveis POR HEITOR MENEZES

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iver sem música, arte elevada, é difícil, pois é o tal tipo de alimento para a alma. Logo, impossível de se privar. Em contrapartida, diriam os biólogos que lá no fundo da genética a música é irrelevante no contexto da sobrevivência. Pode ser, mas mesmo assim, tal qual as aves canoras, nós, seres humanos, cantamos – e praticamos a música – porque podemos. Yes, we can. É um assunto complexo, uma vez que tem sempre alguém que não dá a mínima para a música, como dizia Leonard Cohen. Mas, aleluia, um dia os antimusicais acordarão para o lado luminoso da Força e perceberão que a agenda intensa de shows musicais no período que coincide com o 58° aniversário de Brasília é propícia para saciar corpo e alma. Ou seja: experimentar a música nos mais diferentes estilos e formatos. A seguir, alguns destaques. Abrindo a agenda em grande estilo, temos a rara visita do inglês Glenn Hughes, “a voz do rock”, dia 17, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães. Amigos, trata-se do lendário baixista/segunda voz do Deep Purple, lenda do panteão do hard rock mundial. Para quem chegou agora, Hughes, 66 anos, esteve no Purple entre 1973 e 1976, período em que a ban-

da – com David Coverdale (Whitesnake) nos vocais – mandou três álbuns clássicos. Glenn Hughes mantém carreira solo de alta qualidade e presença em diversos projetos (atualmente integra o supergrupo Black Country Communion). A propósito, a turnê que chega a Brasília se chama Classic Deep Purple Live. Para os fãs do classic rock, é um dos deuses entre nós. Nesse mesmo 17 de abril uma opção interessante é o show da dupla Vitor Araújo & Negro Leo, no CCBB, no contexto do projeto Admirável música nova. Isso tem nada a ver com sertanejo, ok? Vitor Araújo é aquele pianista pernambucano, uma vez considerado enfant terrible da música erudita made in Brasil, lembram? De camiseta e jeans, subia no piano, batia nas tampas, tocava Radiohead. Muito bem, esse rapaz amadureceu e em 2016 lançou o álbum Levaguiã terê, uma experiência que une candomblé e orquestração sinfônica. Quanto ao experimentalista Negro Leo, esse é o novo canto urbano brasileiro. Tropicália em 2018? É por aí. Nesse mesmo diapasão de música não exatamente para as massas vale conferir o violão solo recheado de nuances new age do paulista Ulisses Rocha. Ele abre a sequência de shows mensais do projeto Solo música, de volta ao Teatro da Caixa, a partir do dia 18.

Quem também faz aniversário no mês é o Iate Clube de Brasília. Este ano, o clube, na L4 Norte, promove um festão de arromba, dia 20, com ninguém menos que Sidney Magal. O grande amante latino continua ardendo em chamas com um repertório abrasador para a alegria geral: Sandra Rosa Madalena, Meu sangue ferve por você, Tenho e muitas outras gravadas para sempre no imaginário popular. O Iate avisa que a festa é à base do traje esporte fino, mas as senhoras e senhores podem ir fantasiados de ciganos, tá tudo certo. Voltando ao projeto Admirável música nova, no CCBB, dedicado à música popular pouco ou nada convencional, quem encerra a série de shows, dia 25, é a PianOrquestra, que divide o palco com a cantora Ana Cañas. O grupo liderado pelo pianista Claudio Dauelsberg literalmente faz de um único piano uma orquestra em cena. Ana Canãs volta à cidade depois de temporada realizada no mês passado no teatro da Caixa Cultural. Existe país mais apaixonado pela canção do que o Brasil? A moça tem as respostas. Os Paralamas do Sucesso voltam a respirar o ar do cerrado, dia 27, no Stage Music (antigo Villa Mix), na Vila Planalto. O trio Bi Ribeiro (baixo), João Barone (bateria) e Herbert Vianna (guitarra/voz) não larga o batente, Brasil acima, Brasil


Marcos Hermes

Divulgação

Sidney Magal

Todos cumprem intensas agendas individuais, mas sempre abrem espaço para o projeto O grande encontro, iniciado lá atrás, em 1996. Consta que os shows originais arrastaram mais de um milhão de espectadores e os produtos venderam também qualquer coisa na casa dos milhões. Como avisa o material promocional, vinte anos depois a magia se renova, e o vento torna a sacudir cabeleiras vermelhas em raios de sol lilás (!). Essa curtição acontece dia 10 de maio, também no Centro de Convenções Ulysses Guimarães. A música salta do profano para o sagrado quando o Padre Fábio de Melo subir ao palco do Centro de Convenções Ulysses Guimarães, dia 11 de maio. É a música a serviço de outra curtição, a saber, o entretenimento envolto em adoração católica e algo mais que toca corações e mentes. Fábio de Melo não é só padre, mas um pop star do tipo que o antigo padre Zezinho (precursor nesse lance de padre-

Jota Quest

cantor) jamais sonhou. Se tem um cara que colocou a paraibana Catolé do Rocha no mapa, esse cara é Chico César, um dos mais incríveis criadores da nossa boa música popular da atualidade. O paraibano cumpre temporada de três shows no intimista teatro da Caixa (11, 12 e 13 de maio), espaço perfeito para sonoridades de autor. Quer saber como se faz arte engajada? Chico César é o cara. Por último, mas não menos importante, a temporada prossegue com a premiada Maria Rita, celebrando 15 anos de carreira, com Amor & música, no Ulysses Guimarães, dia 12 de maio. A filha da Elis Regina há muito não é só a filha da Elis Regina, embora o sorriso seja praticamente o mesmo. A menina tem números próprios impressionantes, é uma das artistas de samba e música popular brasileira que mais vendem no combalido mercado fonográfico. Acima de tudo, tem muita qualidade naquilo que faz. Divulgação

abaixo. Desta vez, o que faz rodar é a turnê em torno do disco mais recente, Sinais do sim. Além das novas, claro, não vão faltar os paralamas e o caminhão inteiro de hits de trinta e tantos anos de muitas estradas e histórias para contar. Quem também acumula milhas de sucesso e agenda cheia rodando o país são os mineiros do Jota Quest. Rogério Flausino, Marco Túlio, PJ, Paulinho Fonseca e Márcio Buzelin seguem lotando os espaços, desta vez com o projeto Jota Quest Acústico, a primeira incursão da banda inteiramente nesse formato. Em Brasília, o pit-stop acontece no dia 4 de maio, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães. E por falar em pop-rock brazuca, na sequência não poderia faltar a Blitz. A renovada banda liderada por Evandro Mesquita é a atração da festa I love anos 80, dia 5 de maio, no Minas Hall, o espaço de shows do Minas Brasília Tênis, no Setor de Clubes Norte. Pois é, já estamos em maio, e nesse mesmo dia 5, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, a gastança com shows prossegue com a dupla Fagner & Zeca Baleiro, em reencontro que promete reviver estrondoso sucesso de 15 anos atrás. Em 2003, foi lançado o disco Raimundo Fagner & Zeca Baleiro, que por sua vez gerou DVD e turnê vitoriosa para a dupla. Desta vez, cada um aparece com sua banda e lá pelas tantas junta tudo no palco. Alceu Valença, Elba Ramalho e Geraldo Azevedo. Você não para de ver esses nomes em cartaz porque há muitos anos esse pessoal trabalha pra caramba.

Maria Rita

Divulgação

Paralamas do Sucesso

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LUZCÂMERAAÇÃO

O continente

imaginário

POR SÉRGIO MORICONI

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aseado no livro homônimo de Antonio di Benedetto, Zama, de Lucrécia Martel, gira em torno de Don Antonio di Zama, um oficial de segunda linha do Império Espanhol. Sua trama está centrada nas angústias do protagonista que dá nome ao filme em conseguir uma transferência, primeiro para Buenos Aires, em seguida para a Espanha, onde se encontram sua mulher e filhos. Ambientados num remoto império espanhol do Século 17, no Paraguai, ambos, filme e livro, concentram-se nessa tentativa de aguardar uma decisão do rei. O tema de Benedetto e de Martel são o que podemos chamar de “dramaturgia da espera”. No caso de Benedetto, trata-se de uma trilogia que inclui El silencio (1964) e Los suicidas (1969), publicadas anteriormente como parte de uma narrativa histórica. Zama, o livro que os sucede, é considerado uma das obras primas da literatura argentina em todos os tempos. Publicado em 1956, Zama causou um

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tal arrebatamento quando traduzido para o inglês – lançado nos Estados Unidos apenas em 2016 – que um crítico dos EUA chegou a considerar se seria possível essa novela “americana” ter sido escrita por um argentino. O que impressionava os norte-americanos era o fato de o livro trazer algumas das questões mais profundas sobre a vida dos indivíduos em contextos culturais de fronteira. Quando conhecemos o cinema de Martel, ficamos imaginando o tipo de impacto que Benedetto lhe causou. Vida e obra: o escritor foi preso e torturado durante a ditadura do general Vilela nos anos 1970. Tornou-se um exilado na Espanha e, segundo muitos, não ficou tão conhecido como vários de seus contemporâneos latino-americanos por não ter sido tão traduzido no estrangeiro. Sua literatura existencial trata dos êxtases da alma quando movidos por circunstâncias exteriores e interiores. Benedetto e Martel são almas gêmeas. Para ambos, a realidade é subjetiva. Martel lida com a realidade de uma maneira toda sua. Em Zama, esqueça-se do drama

Fotos: Divulgação

Zama, primeiro filme da diretora argentina Lucrécia Martel desde A mulher sem cabeça, de 2008, faz uma pessoal e original incursão num drama histórico ambientado no Paraguai do Século 17.

histórico ou lembre-se dele apenas de vez em quando. O real no filme é uma nuvem de fumaça, reconstruída a partir das sensações vividas pelo protagonista. A diretora manipula com grande destreza o tempo, as imagens e o som (que num determinado momento se sobrepõe às falas), transformando aquilo que vemos numa impressão subjetiva da cultura e da história introjetadas no indivíduo. São os elementos sonoros, verbais e físicos que constroem a história, sempre a partir de uma sensualidade das emoções. As cenas de Zama


Darren Hughes

Lucrécia Marte

Fotos: Divulgação

na casa da dama espanhola são um exemplo. Há nelas uma carnalidade lúbrica indefinível, entrevista pelos vãos das portas, pelos corpos que se tocam, pelo não dito, pelas entrelinhas do que foi languidamente sussurrado. O mesmo tipo de tratamento sulfuroso, “realista-irrealista”, pode ser visto em O pântano e A menina santa, filmes anteriores de Martel. O real parece sempre deslocado, ao mesmo tempo familiar e irreconhecível. A atmosfera é frequentemente aflitiva, insólita, como demonstra a presença (em Zama) da lhama e dos corpos negros e indígenas. Tanto nos filmes já mencionados como em Zama há sempre uma tensão entre o que se mostra e o que se passa. Frequentemente temos a impressão de que o que realmente se passa não se mostra nem se diz. São as sensações vivenciadas pelos personagens que dão a relevância e o tom do filme. Muito do que interessa está nos detalhes, na refinada filigrana das pausas, dos silêncios. São eles que definem a poética de Martel. A crítica Gabriela Halac disse que Martel “mostra sem evidenciar. Nos seus filmes se pode sentir a respiração dos atores nas nucas, o cheiro dos lençóis, a umidade dos corpos, a textura da pele, o estado do tempo”. De fato, há nos seus filmes um espaço enorme para a incerteza e a subjetividade. Por isso nos surpreendemos com as elipses de tempo, especialmente em Zama, com o verdadeiro “golpe de teatro” de sua última parte. Alguém já disse que o filme que se conclui é um filme insatisfatório, medíocre, imperfeito. Na arte deve sempre existir um espaço para a ambiguidade e a indeterminação. Como costumam dizer os franceses, a colonização para Martel é “la colonization à elle” – a sua colonização, a colonização a seu modo. Muito argumentaram

que seu “drama histórico” (definição, aqui, inexata) é demasiadamente estático, o que nos leva imediatamente a pensar em O marinheiro: drama estático em um quadro, de Fernando Pessoa. O escritor português chamava de “teatro estático” aquele cujo enredo dramático não constituía ação, onde não haveria conflito nem propriamente enredo. Para o escritor, o teatro transcendia o teatro meramente dinâmico. O enredo do teatro estático não seria a ação nem a consequência dessa ação, mas, em essência, a revelação das almas através das palavras trocadas e da criação de situações de inércia reveladoras da alma, sem janelas ou portas para a realidade. Não seria esse também o processo dramatúrgico em Zama? O marinheiro, escrito em 1914, segundo muitos especialistas, estaria na origem de uma ficção do absurdo que viria a dar, muito depois, no “teatro do absurdo” que Samuel Beckett e Eugène Ionesco viriam a

consolidar como uma das correntes da vanguarda das artes cênicas da segunda metade do Século 20. A peça de Pessoa é considerada “uma longa e magistral meditação sobre a passagem do tempo e da condição humana, sobre a realidade e irrealidade do mundo e da vida”. Através de imagens oníricas e de transes mentais, esses conceitos ganhariam forma e luz através da imobilidade dos personagens. Na peça, uma das personagens – definida simplesmente como Primeira, diz: “Ele é tão verdadeiro que não tem sentido nenhum. Só pensar em ouvir-vos, me toca música na alma”. Em Zama, é essa música silenciosa que dá consistência, volume e forma às coisas apenas insinuadas. Zama

Argentina/Espanha/França/EUA/Holanda/ Brasil/Portugal/México, 2017, drama, 115min. Direção e roteiro: Lucrecia Martel. Baseado na obra de Antonio di Benedetto. Com Daniel Giménez Cacho, Lola Dueñas, Rafael Spregelburd, Matheus Nachtergaele, Juan Minujin, Daniel Veronese e Mariana Nunes.

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CRÔNICADACONCEIÇÃO

Crônica da

Conceição

CONCEIÇÃO FREITAS

conceicaofreitas50@gmail.com

Dona Miudinha

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ouve um tempo, nem tão distante assim, em que o mundo se equilibrava nos ombros de dona Miudinha. Até hoje, a civilização não implode porque as Miúdas ficam caladas pra não assustar ainda mais o capiroto. Fui tomada de paixão pelas Miudinhas com as quais cruzei em minhas errâncias de repórter. O que me prendia a elas é que se achavam poucas demais para minha caneta e papel. As donas Miudinhas que conheci quase pediam desculpa por ocupar meio metro quadrado sobre a Terra. Nunca passou pela cabeça de dona Miudinha que ela tivesse direito ao prazer— de uma tarde à toa, de alguém pra lhe ceder o lugar, de um almoço pronto e servido, de um papel de presente. Dona Miudinha sempre fez, fez e fez. E se parar de fazer, fazer e fazer, dona Miudinha morre. Dona Miudinha não existe do lado de dentro. É toda entregue para o lado de fora. Acorda pensando no filho que perdeu o emprego, na filha que nunca está satisfeita com nada, no marido que não quer fazer o exame da próstata, na geladeira que tem feito uns barulhos estranhos, no cachorro que chegou mancando. Nem filho nem filha nem marido nem cachorro nem geladeira têm olhos para dona Miudinha. Ela não ronca co-

mo a geladeira nem reclama como a filha — quem haverá de vê-la? Acabou o tempo de dona Miudinha, mas dona Miudinha não acabou. Creio mesmo que boa parte do frágil equilíbrio da vida humana sobre a Terra se deve às donas Miudinhas. É capaz de ainda haver donas Miudinhas rarefeitas em toda a Terra. Até na Antártida deve ter restado uma dona Pinguim Miudinha. Dona Miudinha existia para bordar os enfeites da vida do outro. Serva da alteridade — suas pernas sustentavam não o próprio corpo, inexistente, mas o corpo do outro, dos muitos outros que contornavam a casca de seu vazio. Na minha rua de adolescência, havia uma dona Miudinha negra e alcoólatra. Morava num quartinho de fundo, ela e a neta a quem criava. Éramos amigas, eu e a neta de vó Miúda. Quando não tinha cachaça, tomava álcool, os olhos e o nariz derramando lágrimas de solidão. Quase não falava. Fazia a comida num fogão enferrujado e deixava pronto o prato da neta. Que eu tenha visto, a menina nunca lavou uma calcinha. Vó Miúda cambaleava, cozinhava e lavava. Mais tarde, nos arredores de Brasília, conheci mais uma Miúda. Morava na roça, com o marido e quatro filhos homens. Fazia de tudo dentro e fora de casa. Capinava, plantava, ia buscar o cavalo, arrumava a cerca, matava cobra

e punha o chinelo aos pés do marido quando ele, sempre resmungão, chegava do trabalho. Deixava a toalha na cadeira e saía, quase se desculpando a ele por ele estar irritado. A cem quilômetros do Plano Piloto, na divisa de Minas, Goiás e DF, conheci dona Nega, minha linda e inesquecível Miudinha. Morava numa casa de adobe que parecia ter perdido uma perna. Tombava de um lado, a casa. Minha querida Nega falava num dialeto dos goianos de séculos passados. Cuidava do marido e do cunhado, Nhanhão, criança em corpo de adulto. Quando a conheci, os filhos já não estavam mais em casa. Andava léguas e léguas a pé para cozinhar e rezar nas folias. Contava que era “oca de pai”, que não sabia falar bonito, mas mesmo assim conseguia se comunicar com “a Nação”. Quando ficou doente, foi ao postinho: “Vim buscar minha saúde”. Tinha medo de ficar numa cama: “Muito trabalho tira o amor”. Dia desses, cruzei com outra Dona Miudinha no metrô. Parecia um passarinho do dia numa caverna da noite. Todo o corpo miúdo tremeu quando as portas se fecharam e a cobra zuniu. Sentiu certa inquietação, quase um pavor. Finalmente, a estação. Desceu, disfarçando suas aflições miúdas. E jurou nunca mais habitar subterrâneos.



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