MARIA EDUARDA PALMA | MORGANA RECH BRENO RICARDO | VICTOR PRADO JULIANA BEN| CHUANA DI FRANCO MOURA ANDREA ARREBOLA AZEVEDO | TÂNIA ARDITO
2ª Edição | SET /1 2014
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SubVersa | literatura luso-brasileira |
© originalmente publicado em 01 de Setembro de 2014 sob o título de SubVersa ©
2ª Edição
Responsáveis técnicas: Morgana Rech e Tânia Ardito
Os colaboradores preservam seu direito de serem identificados e citados como autores desta obra. Esta é uma obra de criação coletiva. Os personagens e situações citados nos textos ficcionais são fruto da livre criação artística e não se comprometem com a realidade.
2ª Edição Setembro de 2014
ANDREIA ARREBOLA FIGUEIREDO | DOROTEA, A GIRAFA LUNÁTICA | 4 VICTOR PRADO |ISTO NÃO É UM AVISO | 8 BRENO RICARDO | A MISSA |10 JULIANA BEN | A VISÃO DO PARAÍSO | 12 MORGANA RECH | A PERGUNTA MAIS DIFÍCIL DO MUNDO | 15 MARIA EDUARDA PALMA | JASMINE O SEU CONTO | 19 TÂNIA ARDITO | BOM CAFÉ | 24 CHUANA DI FRANCO MOURA | MERTERIZ | 26
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DOROTEA, A GIRAFA LUNÁTICA
ANDREA ARREBOLA AZEVENDO SÃO PAULO, SÃO PAULO, BRASIL
Dorotea era uma girafa diferente. Não apenas pela aparência física, bem mais alta e pescoçuda do que as demais, mas pela sua personalidade sensível e sonhadora. O seu maior desejo era ser livre, sair dali, viver na selva. Só de pensar na infinidade de folhas que poderia provar, na textura das águas dos rios, no barulho das asas dos pássaros voando ao seu redor.... Os outros bichos do zoológico apelidaram-na de lunática. Dorotea, a girafa lunática, mas Dorotea não se importava. Durante o dia, as demais girafas riam dela, caçoavam, mas a suave Dorotea não revidava. À noite, ela olhava para a lua e imaginava como seria o céu na selva, quantas estrelas conseguiria contar, quantas cigarras suportaria escutar, até ser interrompida pela risada nervosa das barulhentas ienas, outra espécie que vivia a lhe importunar. Claro que nem todos os animais a repudiavam, já que Dorotea
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era dócil e generosa. O macaquinho Olavo, por exemplo, indiferente à irritação dos tratadores por viver perambulando de lá para cá, era seu melhor amigo. Era ele quem contava a Dorotea tudo o que via pelo zoológico durante o dia e à noite, os dois escutavam as histórias de Fabíola, a coruja albina, igualmente fujona. Há tempos os três planejavam fugir para a floresta, mas sabiam que não seria fácil, até porque, uma das histórias favoritas de Fabíola era relatar como a sua avó havia morrido atropelada por um caminhão ao tentar escapar do viveiro. O plano, entretanto, não os impedia de aproveitar os pequenos prazeres do zoológico. Dorotea, por exemplo, adorava as cenouras parrudas que eram servidas às segundas. Olavo preferia as bananas, mas seu maior prazer era provocar as insuportáveis ienas enquanto dormiam. Já Fabíola, gostava de bisbilhotar pela janela do zelador as cenas dos filmes de terror que o sujeito assistia após a ronda noturna. Havia também um gosto comum entre o trio: as risadas das crianças. Aos domingos o parque ficava cheio delas correndo de lá para cá, atirando pipocas para os animais, acenando, tirando fotos com seus familiares. Nem todos, contudo, compartilhavam da mesma opinião. Núbia, a pantera negra, odiava crianças. Aos finais de semana ela se enfiava na pequena caverna dentro do seu recinto e só saia de lá para apanhar a comida e ainda assim, com nítido mau humor e irritação. O espaço de Núbia ficava ao lado da área das girafas, mas não havia qualquer sinal de amizade entre elas, pelo contrário. Núbia as considerava seres inferiores e as girafas, com exceção de Dorotea, que sentia pena dela, detestavam-na. E assim, de cenoura em cenoura, banana em banana, de beliscões noturnos nas ienas a cenas de filmes de terror, eles prosseguiam com suas vidas no zoológico.
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Mas foi numa tarde de sexta-feira que Olavo chegou afoito para contar uma novidade a Dorotea. Para variar, as ienas à frente riam dela e Olavo contou com a ajuda de alguns amigos macacos para, através de um divertido tiroteio de mamomas, tapar-lhes a boca. Dorotea achou graça e Olavo sentou-se ao seu lado com um sorrisinho maroto e os olhinhos brilhando. Em segredo, ele contou para a amiga que um caminhão repleto de aves chegaria da selva na próxima terça-feira e retornaria na própria terça-feira para apanhar mais. Naturalmente eles teriam que agir rápido. O único problema era como camuflar Dorotea. À noite, eles contaram o plano para Fabíola e os três só pensavam em uma coisa: como fazer para esconder Dorotea? Olavo sabia que o caminhão era grande, muitos do gênero já haviam circulado por ali, Fabíola concordava, mas ainda assim, não era grande o bastante para que Dorotea não fosse vista dentro dele. E de tal modo, eles se deitaram, mas não dormiram. Na manhã seguinte, um sábado de sol, as crianças chegaram e os três conseguiram se distrair. À noite, porém, a dúvida: como esconder Dorotea? Não, sem ela, definitivamente não iriam, isso já estava decidido. No domingo, Dorotea saboreou alguns tomates e folhas e foi para a beira do cercado apreciar o movimento dos pequenos. Não que ela não gostasse dos adultos e idosos, mas eram os pequenos que lhe encantavam. Nos dias de visitação, Olavo não escapava, o zelador batia nele se o fizesse e ele não gostava de apanhar. Fabíola também permanecia quieta e como qualquer coruja, dormia na maior parte do tempo. E foi assim, com os três pensando a mesma coisa, que foram surpreendidos, como a todos por ali, pelos gritos de uma mãe desesperada após seu filho mais velho atirar o filho mais novo para
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dentro do cercado de Núbia. A pantera, que dormia no momento, despertou com o barulho e não escondeu sua satisfação ao ver aquela criança chorando dentro da sua área. Nos arredores as pessoas gritavam por socorro, alguns correram em busca do zelador e de outros funcionários, a mãe desmaiou e o irmão mais velho se arrependeu. Núbia, por sua vez, aproximou-se vagarosamente e já ia golpear o bebê no pescoço quando foi surpreendida pelo pescoço de Dorotea, a qual abocanhou o pequeno pela roupa e conseguiu arremessá-lo para o cercado das girafas, instantes antes de ser gravemente ferida por Núbia. A multidão ficou chocada e não sabia se aplaudia pelo salvamento do bebê, ou se chorava após o pescoço de Dorotea cair inerte e ficar pendurado, já sem vida, no cercado de concreto. Algumas horas depois os visitantes foram embora, assim como o corpo de Dorotea. Olavo chorou tanto que achou que fosse morrer também. Fabíola não quis assistir a filme algum e até as irritantes ienas calaram suas risadas. Na segunda-feira à noite, envolvidos pela tristeza, Olavo e Fabíola decidiram prosseguir com o plano em homenagem a Dorotea. Não foi difícil para eles, num pequeno descuido dos carregadores ambos se esconderam atrás de algumas caixas no caminhão e ali permaneceram até sentir o movimento das rodas. O que estaria por vir? Não sabiam. Mas nada poderia ser pior do que continuar no zoológico sem a presença de Dorotea. E foi assim, pensando na amiga que os dois adormeceram, e ao mesmo tempo, sonharam com a gentil Dorotea correndo na selva, experimentando as mais variadas espécies de folhas, bebendo a água dos rios e correndo feliz com os pássaros à sua volta.
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ISTO NÃO É UM AVISO
VICTOR PRADO PALMEIRA D’OESTE, SÃO PAULO, BRASIL
Quatorze mil almas e o fundo oceânico em chamas: em festa; Vim fugido daquele que é eu para todos os fins que não necessitam de inícios. Todas essas conversas que só ouço: Não me intrometo de papagaio ou maritaca. Não sou de hoje, esse oceano não me serve, o que me veste bem é riacho e o silêncio orquestrado pelas nuvens. O bom acontece no sem-tempo; Poupar tempo é não comprar relógios
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(abrir os olhos e acordar o sonho). 2 Aquários humanos são feitos de placas e não necessitam de tampa Vocês são seres aquáticos que escapuliram a si mesmos e hoje pensam em mares como quem brinca de telefone sem fio. 3 E todas essas coisas podem ser provadas, mas os gostos variam de acordo com o paladar. Isso não é um aviso. Aviso é fechar os olhos e abrir a boca.
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BRENO RICARDO BELO HORIZONTE, MINAS GERAIS, BRASIL
A MISSA
De repente decidi ir à missa, mas antes precisava voltar à república para entregar a um colega um litro de pinga que eu havia comprado. Subi a minha rua até o número 259; depois, as escadas até o apartamento 403. Afobado, Oscar pegou a garrafa de cachaça, agradeceu-me e deu-me o troco: apenas R$3,00. Entregue a bebida, podia ir-me, imaculado, para a celebração eucarística. Pensei em vestir calças em vez de bermudas, mas, súbito, resolvi arriscar-me a entrar no santuário com as pernas à mostra mesmo. Retirei-me e fui ao templo. Antes de subir as suas escadarias, distraí-me a admirar uma beldade e imaginar-me junto a ela. Contudo, refiz-me rápido e pus-me a elevar-me pelos degraus que, tantos eram, nos faziam sentir ascendendo ao próprio céu. Entrei lentamente. Esqueci-me do sinal-da-cruz. Pensei em fazê-lo tardiamente – desisti. Havia gentes em demasia, enchiam todos os bancos e, por isso, mantive-me de pé todo o tempo. Geralmente, ao adentrar igrejas católicas, sou inundado por um forte espírito piedoso, mas dessa vez foi como se entrasse em qualquer outro prédio secular. CANALSUBVERSA.com
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Estava lá por mero compromisso religioso. A missa já tinha começado. À medida que avançava a liturgia, avançava um sentimento cristão em mim. No momento das ofertas, eu, pensando ser o da comunhão, fui até os arredores do altar. Deparei-me com a sacolinha que – mantém vivos os pobres em sua pobreza, a igreja local em situação razoável e o Vaticano em seus luxos exacerbados. Desconheço que fim tomarão as moedinhas que doei por constrangimento, mas espero que sejam enviadas à postergação da fome e da morte, caridade apelidada. Mais tarde, houve o clímax: a inexplicável cristianização do meu ser – a comunhão. Recebi a hóstia, mesmo sem ser oficialmente um católico romano, retirei-me ao meu lugar de origem onde ajoelhei-me, fiz o sinal-da-cruz e orei, pedindo a misericórdia e a paciência divina no concernente à oscilação da minha fé. Clamei também para que a saída de Edemburgo me não cause arrependimento; que a vida nova na Nova Cidade seja próspera e digna de orgulho. Eu precisava ir àquela missa, ouvir o padre moralista, rezar e operar todas aquelas parafernálias litúrgicas que pretendem aproximarnos de Deus. Mas que podem facilmente tornarem-se em simples dever religioso e compromisso com uma instituição dúbia – antagônica em demasia. Afinal, o cristianismo é uma estranha sobreposição de antíteses.
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A VISÃO DO PARAÍSO
JULIANA BEN PORTO ALEGRE, RIO GRANDE DO SUL, BRASIL
Durante todas as manhãs de março daquele ano, Maria Lúcia desejou profundamente invadir aquela paisagem. O verde vibrante das árvores, o azul resplandecente das águas, a areia branca e fina, pedindo um pisar leve e suave. Tudo a envolvia de tal forma, que se tornava cada vez mais difícil concentrar-se em suas tarefas diárias. Nenhum foco mostrava-se tão irresistível. Não sabia ao certo o real motivo desse desejo. Talvez a ausência de férias. Talvez o tédio do ofício. Talvez a fixação pelo inatingível. O fato era que Maria Lúcia estava apaixonada pela imagem paradisíaca de um calendário de Ação de Graças. No início era apenas um hobby. Ela se distraía ao admirá-lo nas horas vagas. Na hora do cafezinho, na passagem para o banheiro, ou quando se dirigia a algum colega para trocar uma ideia. Mas com o passar do tempo, tornou-se um vício. Maria Lúcia não conseguia tirar os
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olhos da paisagem. Havia um magnetismo que a atraia, uma certa identificação. Os colegas começaram a comentar: - A Maria Lúcia anda estranha... Passa horas parada em frente àquele calendário. Às vezes nem presta atenção quando a gente fala! - Pois é ... Ouvi falar que é depressão. Outro dia, na saída do trabalho: - Tu viste a última da Maria Lúcia? Estava eu saindo do banheiro e me deparei com ela acariciando a imagem do calendário! Tens noção do disparate? - O caso anda crítico. - E sem contar que daqui a pouco será Abril, e a página será virada! Certo dia, Valter, um dos colegas mais próximos, resolveu investigar: -
Maria Lúcia. - Ah? - Tu estás bem? - Claro, Valter, por que? - Não sei... as pessoas comentam. - Comentam o que? - Esse teu comportamento... Não parece normal. - Que comportamento? - Ah Maria Lúcia, não te faças de sonsa! Eu falo da fixação por esse calendário. O que tanto tu vês nessa paisagem? - Lá é o meu lugar, Valter. Eu sinto. - Como assim, Maria Lúcia? Tu sabes ao menos que lugar é esse? - Não. - Então, mulher, como podes dizer que lá é o teu lugar? - Não sei, eu apenas sinto.
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No dia 31 de março, por volta do meio-dia, todos na repartição saíram para almoçar. Chamaram Maria Lúcia, mas ela preferiu ficar na companhia da sua paisagem, afinal, amanhã seria 1º de abril, e a página seria virada. Passada uma hora, os colegas retornaram ao trabalho, mas não encontraram Maria Lúcia. Viram apenas suas roupas e sapatos no chão em frente ao calendário. Intrigados com a situação, perceberam que, misteriosamente, a figura de uma mulher nua aparecia entre os coqueiros da paisagem de março. Devido à insistência da colega em admirar a fotografia, os colegas passaram a observá-la melhor nos últimos dias. Não havia ninguém ali antes. Apenas o mar, a areia, os coqueiros e o céu. Não restavam dúvidas. Maria Lúcia tivera a definitiva visão do paraíso.
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A PERGUNTA MAIS DIFÍCIL DO MUNDO
MORGANA RECH PORTO ALEGRE, RIO GRANDE DO SUL, BRASIL
Sábado à noite. A ocasião é comemorativa e familiar. Parentes, amigos, amigos de parentes e parentes de amigos estão
finalmente
juntos.
O
encontro
é
agradável,
alegre
e
emocionante. A prima, estrela da noite, tem um namorado impecável, que transborda felicidade como só um homem dignamente apaixonado é capaz de expressar, com a entrega de um menino. Um rapaz calmo com o coração quase transparente, que teve a sorte de ter uma irmã simpática e extravagantemente divertida. A irmã, por sua vez, que não perde a oportunidade de agradar a todos com uma frase engraçada e descontraída, está animadíssima pela nova conquista da sua cunhadinha querida, é claro, e trouxe o marido para diverti-lo um pouco. O marido, mais contido, distrai-se com a plenitude socializadora da mulher e tenta acompanhá-la fazendo o máximo esforço para se comunicar de forma natural, de dentro de sua concha mental de CANALSUBVERSA.com
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silêncio, números e computadores velhos. Tudo vai muito bem até que este senhor que acabo de mencionar, esbanjando simpatia e interesse pelo circuito social, após aceitar um pedaço de pão com alho antes de a sua comida ser devorada sem dó pela esposa, resolve dar um passo à frente e perguntar sobre a minha atividade profissional. De
dentro
da
concha
mental
de
silêncios,
números
e
computadores velhos, o sujeito se esforça num ar curioso e me faz a pergunta mais terrível que eu já ouvi e que me causou o estranho efeito da petrificação instantânea. Do fundo do seu cérebro algorítmico, eis que vejo surgir anunciada como um déjà-vu do sofrimento cardiovascular dos grandes nomes
da
Grande
Literatura
as
palavras
que
soam
como
a
aproximação do assalto das almas inocentes, e formam o susto do pior dos pesadelos infantis, dizendo: “Você escreve como hobby, ou como profissão?” A frase passa como um vento forte e ao mesmo tempo suave. Ela tem passado, presente e futuro. Vejo-me diante de um grande problema da raça humana e um profundo sentimento dialético que se desenvolve
em
forma
de
pânico
e
perplexidade,
sutilmente
acompanhado de uma calmaria, também profunda. Sorrio constrangidamente como quem acabou de ganhar um elogio corriqueiro, como por exemplo (algo que ele poderia ter dito, ao invés de fazer a pergunta mais difícil do mundo): ah, que interessante, seu trabalho deve ser muito entusiasmante), e olho rapidamente para todo o prato, virando todo o rosto para baixo pensando o que fiz de mal para estar ali naquele momento. Nem quando uma criança de cinco anos me perguntou se um dia o mundo iria acabar foi tão difícil, até porque a pergunta da criança tem fundamento. Que fundamentos tinha a pergunta mais
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difícil do mundo, afinal? Pela lógica do interessado, seria a função da literatura. O ato de escrever um livro, na sua cabeça se resumiria a duas opções para encontrar uma função: hobby ou profissão. Hum… No primeiro caso, fiquei imaginando alguém, por exemplo, que pinta quadros. Um belo dia, a pessoa reúne o seu trabalho, cria, divulga e realiza uma exposição com suas obras num pequeno museu que está ao seu alcance. Seguindo o raciocínio, o mesmo sujeito dificilmente perguntaria: “você expõe seus quadros como hobby?” O voo do garfo com a comida, que estava prestes a adentrar as minhas glândulas salivares desta vez fracassou e caiu, pousando no prato novamente enquanto esfriava. A esposa, que sentava à frente do sujeito que sentava ao meu lado esquerdo, continuava tagarelando algo com alguém que estava sentado do lado oposto dela, mas curiosamente manteve um canto de olho no nosso milésimo de segundo paralisador e eterno. Num suspiro profundo, terminei de mastigar e me certifiquei que estivesse com a boca bem limpa para que pudesse ter uma conversa franca, como pedia a ocasião. Deslizei o guardanapo em volta dos lábios e virei o pescoço para o lado esquerdo e pisquei os olhos relaxadamente. Olhei para a esposa, para o sujeito (que continuava esperando pela resposta e bebendo o seu refrigerante no canudinho) e depois olhei para o nada. Foi o segundo mais longo de todas as conversas que tive. Dizem que nestes momentos um filme passa pela nossa cabeça. É verdade. A minha estante de livros, branca, iluminada, organizada por cor, num belo arco-íris literário veio à minha mente como a mais tranquilizadora das visões. Apenas respondi com outra pergunta, tão idiota quanto: “Depende, o que tu consideras por hobby”.
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Tão, tão, embaraçada. Claro,
a
resposta
correta
seria:
“Hum…
É
um
hobby,
definitivamente, pois a escrita só representa 5% da minha renda mensal, portanto posso considerá-la uma profissão quando esta porcentagem passar dos 51%. Pelos meus cálculos, isso acontecerá em 2034, com uma margem de erro de 3,4%. Ou seja, vinte anos. Nada mal, né?” Acrescentei, antes que ele pudesse responder, que esta era uma conversa muito chata para uma comemoração tão alegre. O sujeito resmungou qualquer coisa e eu percebi que, afinal, estava salva. A literatura realmente não chegará jamais a todos. Tudo bem até aí. Mas a arte não chegará, eis a grande tragédia envolvida neste fragmento de minuto da minha vida. Enquanto um membro nosso, enquanto um braço e uma perna nossa, um pedaço do cérebro, a arte não será o centro das pesquisas e dos avanços tecnológicos. Das profissões e das inovações. Dos requisitos e pré-requisitos. Da religião e dos saberes, os sabores e o riso. Ainda que se mostre o contrário, a arte não será nada disso, e esta percepção do mundo eu engoli a seco naquela pergunta, entalada para sempre na minha garganta, no meu estômago e no meu coração.
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JASMINE E O SEU CONTO MARIA EDUARDA PALMA COIMBRA, PORTUGAL
O meu nome é Jasmine, tal como a princesa do conto de Aladino. Tenho 10 anos e hoje a professora disse que como eu tinha o nome de personagem de uma história, que escrevesse sobre outros protagonistas de outras histórias. E então eu escrevi isto: “Era uma vez uma menina que nasceu num país mágico onde o sol sempre brilhava e a temperatura era sempre amena. Mas um dia todos os habitantes desse país acordaram com tudo coberto de neve. Durante a noite e pela primeira vez tinha nevado e tudo estava branco, de uma maravilhosa brancura que levou todos para a rua desfrutar daquela prenda da natureza. Nesse mesmo estranho dia, nasceu uma menina a quem foi posto o nome de Branca de Neve.
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Branca de Neve era muito bonita mas ao contrário do nome, era uma menina morena de cabelos e olhos pretos como a maioria dos habitantes desse país. Quando tinha 8 anos a Mãe morreu e quando tinha 16 o Pai, com quem sempre vivera feliz, casou de novo com uma senhora viúva que tinha 2 filhas. E Branca de Neve começou a sentir-se infeliz porque eram muito más para ela. Quando o Pai estava em casa eram atenciosas, mas quando ele não estava, o que acontecia frequentemente pois tinha de viajar muito por motivo de negócios, faziam-na trabalhar o tempo todo e mal tinha tempo para estudar e sair com as amigas. Numa tarde fresca de verão, vestiu o seu polar vermelho de capuz e foi dar uma volta pelos bosques pois gostava de ver os esquilos e de sentir o aroma dos pinheiros e demais árvores. Naquele dia, quando estava sentada a descansar um pouco apareceu um lobo que lhe gritou: “Vou-te comer! “ Tu és a Menina do Capuchinho Vermelho e eu tenho de te comer como no conto.” Branca de Neve ficou muito assustada e desatou a correr com quantas forças tinha, até que cansado, o lobo que era gordo e não corria tanto como ela acabou por desistir e ir procurar outra coisa para o almoço. Quando finalmente parou de correr e viu que o lobo já nem se avistava, respirou descansada e viu ao longe uma pequena casa. Como já não sabia bem onde estava, dirigiu-se para lá a fim de pedir um copo de água e telefonar para casa a pedir para a irem buscar. Mas quando chegou viu que aquela casa era toda feita de chocolate e doces. Quando ia tocar à campainha para ver quem seriam os seus
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estranhos habitantes, reparou que esta era uma bela bomboca de chocolate e não resistiu a comer um bocadinho. Depois foi espreitar pela janela onde estavam uns vasos feitos de gomas e provou também um bocadinho. Como não viu ninguém, empurrou a porta que era uma tablete de chocolate e entrou. Estava tudo impecavelmente arrumado mas parecia uma casa de bonecas, pois tudo lá dentro era pequenino. No quarto havia sete camas de chocolate com colchas de gelatina. Os candeeiros das mesas de cabeceira eram brigadeiros e não resistiu a comer um… Estava para se ir embora quando ouviu umas vozes a cantar ao longe. Espreitou pela janela e viu sete anões que todos em fila a marchar enquanto cantavam alegremente: Eu vou eu vou Para casa agora eu vou Parara-tim-bum Parara-tim-bum Eu vou Eu vou Eu vou Eu vou Eu vou Para casa Agora eu vou. Branca de Neve sentiu-se cheia de vontade de ver de perto aqueles estranhos habitantes de uma casa de chocolate perdida na
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floresta. Quando
chegaram
foram
simpáticos
para
com
ela
e
convidaram-na para almoçar. Comeram frutos silvestres, pão com mel e beberam sumo de malvas. No fim, Branca de Neve despediu-se deles, agradeceu a hospitalidade e pediu que lhe indicassem o caminho para casa. O Dengoso prontificou-se para a acompanhar enquanto o Soneca dormitava sentado numa cadeira de mortadela de chocolate e o Atchim não parava de espirrar porque sofria de alergias. Quando iam a caminho, passaram por uma casa a cuja janela uma carochinha gritava: “ Quem quer casar com a Carochinha que é rica e bonitinha”? E uma data de animais iam-se oferecendo para a desposar e ela ia rejeitando todos. Até que apareceu um rato muito bem vestido que disse que gostaria muito de casar com ela pois adorava comer coisinhas boas e sabia que ela era uma ótima cozinheira. A Carochinha aceitou e enquanto se beijavam felizes Branca de Neve retomou o caminho para casa. De repente viu um bonito rapaz num descapotável amarelo que parou ao pé dela, retirou um sapato de cetim da mala do carro e perguntou se podia ver se lhe servia. Ela disse que não se importava mas que achava o sapato feio e com ar incómodo e que não precisava de apenas um sapato pois tinha dois pés. Então o rapaz ajoelhou-se aos pés dela e delicadamente enfioulhe os sapatos no pé direito. Quando viu que lhe servia perfeitamente, ergueu-se e com ar radiante declarou :
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Finalmente encontrei a rapariga com quem andei a dançar no baile da rosa e que fugiu perdendo este sapato! Branca de Neve disse-lhe que estava confundido pois não tinha ido a nenhum baile. Então o rapaz perguntou-lhe se ela queria ao menos ir tomar uma bebida com ele. Como era um rapaz bonito e educado, ela esqueceu que não devia aceitar boleia de estranhos e despedindo-se e agradecendo a Dengoso ter andado com ela, lá foi no descapotável amarelo com os cabelos pretos ao vento”. Pronto, eu gostava de escrever mais, porque ainda há muitas mais personagens de que gostava de falar mas a campainha tocou e tenho de entregar o meu conto. Espero que a professora goste e me dê uma boa nota. Jasmine
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BOM CAFÉ ______________________________________
TÂNIA ARDITO SÃO PAULO – PORTO
Após a minha terceira tentativa de acertar o ponto do café granulado e instantâneo, pensei que esta é, talvez, uma das muitas artes que eu ainda não domino: a arte de fazer um bom café. E, refletindo sobre o caso, percebo que estou longe de dominar qualquer das modalidades artísticas de se obter o precioso líquido. Devo confessar que ainda não testei todos os meus dotes, garantindo uma certa esperança de salvação, penso até em adquirir daquelas máquinas de café com cápsulas – dizem ser a maneira mais fácil – é só colocar a quantidade de água recomendada, encaixar a cápsula na máquina e pronto! Sirva-se de um café digno! Da variante em pó há uma forma tradicional de utilizar um coador do tempo da vovó, isto é, coador de pano ou de papel, sendo para mim uma tarefa ainda mais difícil, principalmente ao tentar testar a habilidade de fazer “a olho”, ou fica fraco ou forte, ou coloquei muita água ou pouca e para o caso de adoçar o café que ainda está no bule a tarefa parece ainda ser mais complicada, logo percebo que o
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café virou algo parecido com o melaço. Quando quero complicar ainda mais a minha vida utilizo a cafeteira italiana dividida em três partes, na primeira coloca-se a água, a segunda parte é destinada ao pó das arábias e a parte de cima reservada ao líquido derivado da mistura de café mais água; uma opção que mostra-se muito da infeliz, já que o resultado é constantemente o meu fogão ser dominado pela cor marrom, além de certa vez, por um milagre alquímico, ter obtido um autêntico café turco desses em que é deixada a borra para ler o destino. Entretanto, o meu maior desafio diário está na minha luta em transformar o tal café com que comecei a minha pequena dissertação em algo decente, tudo bem não precisa ser um café de barista desses ganhadores de prêmios internacionais, mas já estaria muito bom se pelo menos o meu nariz não vira-se para o lado a cada gole, ou mesmo verter todo o conteúdo da xícara pela pia, pois não havia condições de salvamento. Desta forma, conformo-me e confesso que declino do trabalho de melhorar a minha técnica, só para me entregar a um delicioso hábito adquirido desde que cheguei em terras lusitanas: ir a um café, sentar, pedir um curto e ficar observando a vida a passar.
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MERTERIZ CHUANA DI FRANCO MOURA RIO DE JANEIRO, RIO DE JANEIRO, BRASIL
Esgueirando-se pelas sombras Lá vai ela Exibindo suas curvas em trajes mínimos Insinuando-se com seu malicioso rebolado Não é artista circense,nem sambista,nem atriz Prostituta,mulher da vida,meretriz! Vende o corpo,vende a alma Por uns trocados Saciando os desejos dos tipos mais variados Do ébrio ao sóbrio Do juiz ao malandro Não importa qual estilo de vida
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A satisfação é garantida E quando a manhã despeja sobre a Terra seu manto alaranjado Quando cessam os gemidos E os coitos são terminados Ela se veste,deixando de lado um corpo estirado E se prepara para mais um dia Em que venderá suas curvas Por mais alguns trocados
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Edição e revisão: MORGANA RECH E TÂNIA ARDITO
Recepção de originais: CONTATO.SUBVERSA@GMAIL.COM Diretrizes para publicação: WWW.CANALSUBVERSA/DIRETRIZES
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