Revista Subversa Volume 1 | n.º 3 | out 2014

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SUSANA MACHADO | FRANCISCA RODRIGUES RUI MACHADO | NORBERTO DO VALE CARDOSO MORGANA RECH| BRUNA GIRARDI DALMAS ANDRÉ VICTOR MARQUES | TÂNIA ARDITO

3ª Edição | OUT /1 2014


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SubVersa | literatura luso-brasileira |

© originalmente publicado em 01 de Outubro de 2014 sob o título de SubVersa ©

3ª Edição

Responsáveis técnicas: Morgana Rech e Tânia Ardito

Os colaboradores preservam seu direito de serem identificados e citados como autores desta obra. Esta é uma obra de criação coletiva. Os personagens e situações citados nos textos ficcionais são fruto da livre criação artística e não se comprometem com a realidade.


4ª Edição Outubro de 2014

SUSANA MACHADO | O VELHO E O VENTO | 4 FRANCISCA RODRIGUES |MIGUÉ LAÇA ALMA E O DIA EM QUE FEZ MÚSICA DAS CORES | 9 RUI MACHADO | O QUE VAI SER |12 TÂNIA ARDITO | O HUMOR E O ASSUNTO SÉRIO EM “OS VIVOS, O MORTO E O PEIXE-FRITO”, DE ONDJAKI* | 16 MORGANA RECH | SE VOCÊ É JOVEM AINDA | 20 BRUNA GIRARDI DALMAS | CONVERSAS QUE EMAGRECEM | 22 NORBERTO DO VALE CARDOSO | FRONTEIRAS DOS DARDOS | 24 ANDRÉ VICTOR MARQUES | DITADURA ROTULAR | 28

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O VELHO E O VENTO SUSANA MACHADO PORTO, PORTUGAL.

Lá longe, numa terra bem distante, onde as montanhas se cruzam com o mar, vivia um homem, solto e livre como o próprio ar. Há quanto tempo vivia ali ninguém sabia, ao certo, dizer. Muitos eram os que o viam caminhar até à praia, todos os dias, mas poucos havia que privassem com ele, lhe dirigissem duas palavras ou que percebessem sequer o motivo que o levava a traçar esse caminho com tanta frequência. A verdade é que o homem - o velho, se assim o preferirem chamar era um solitário, desses espíritos que, de tão livres, acabam por cortar até as amarras das relações pessoais. Mas, ao contrário do que acontecia com aqueles que o viam deambular sem saber o que lhe dizer ou fazer, esse facto não o mortificava. Há muito que aprendera a ouvir as vozes da Natureza e achava infinitamente mais interessante e útil ouvir o que estas tinham para

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lhe dizer, do que a voz de muitos humanos. Descia, por isso, todos os dias até à praia, onde se sentava no topo de uma rocha, para ouvir o vento falar. O vento, de há muito seu conhecido, tinha sempre imensas histórias para lhe contar. Trazia novidades de tempestades marítimas e das terras do além-mar. Outras vezes, contava histórias de sereias e marinheiros ou simplesmente lhe falava do tempo que fazia nas terras longínquas que ele nunca haveria de visitar. Fossem novas corriqueiras ou as mais eloquentes novidades, o vento trazia sempre algo para lhe narrar. E não era só o velho que desfrutava com este ritual. O próprio vento degustava cada um desses momentos passados a contar histórias ao homem. Rodopiava em seu redor, ora lenta, ora agitadamente, sibilando aos seus ouvidos as notícias do mundo, que trazia consigo e que não gostava de guardar. E, assim, todos os dias se juntavam, naquela mesma praia, à mesma hora. Por vezes o vento falava baixinho, contando segredos que não queria espalhar, e sussurrava numa brisa leve, quase impossível para o velho, já com a audição afectada pela idade, decifrar. Mas em certos dias, de tanta empolgação, não se conseguia conter e bradava os acontecimentos, com fortes vergastadas que cortavam a face do homem. A população, em redor, apenas ouvia o vento soprar ou uivar, mas do que ele dizia, nada podiam compreender. Apenas o velho tinha ouvido para estas conversas. Quer trouxesse lufadas quentes tropicais, ou rajadas frias polares, as conversas com o vento aqueciam sempre o coração do velho homem, que não tinha mais com quem falar. Mas um dia o vento não veio… À mesma de hora de sempre, o homem desceu até à praia, onde se sentou no topo da mesma rocha de sempre e esperou. Mas o vento não

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chegou. Esperou horas e horas a fio, convencido que este se atrasara. Talvez numa aventura das montanhas do Atlas ou no meio de um qualquer oceano…como saber por onde ele andaria?! Porém, as horas passaram e o dia deu lugar à noite e o sol reflectiu-se na lua e o velho, cansado e fraco de fome, levantou-se e regressou a casa. Triste e curvado percorreu o caminho que separava a praia da montanha onde vivia, sempre olhando para trás, na esperança de ouvir uma voz chamar. Quando chegou a casa deixou a janela aberta, não fosse ele, por acaso querer entrar…não que isso outrora tivesse acontecido, mas também nunca antes deixara de aparecer. Mas ele não apareceu. O velho adormeceu, com a janela aberta pensando: Amanhã volto à praia e ele vai lá estar. Mas, o facto, é que o vento não apareceu. Nem na manhã seguinte, nem nos dias que se sucederam. O velho, com medo que ele viesse na sua ausência e não soubesse onde o encontrar, deixou de ir para casa e ali, na mesma rocha de sempre, se deixou ficar. Os vizinhos, ainda que habituados a ver o homem ali parado várias horas por dia, começaram a estranhar. Havia quem jurasse a pés juntos que, na última semana, ele passara as noites na praia, mas não havia vivalma com coragem para o ir confirmar. Há tanto tempo que na vila ninguém lhe falava, que ninguém sabia que lhe havia de ir dizer. Porém, as conversas sobre ele multiplicavam-se no café, na mercearia, na praça… “Alguém tem de fazer alguma coisa!”, diziam uns. “Será que enlouqueceu completamente?”, questionavam outros. Mas, os dias iam passando e ninguém fazia nada. E o velho ali ficava e esperava, esperava. Não conseguia compreender porque o vento tinha desaparecido…e o resto das pessoas, será que não se apercebiam da ausência do vento?! Ao fim de vários dias, semi-adormeceu e foi acordado pelo que julgou ser uma ténue aragem. Fora apenas um ligeiro salpico de uma

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onda que o acordara, porém. Desiludido pelo quebrar da esperança que este momento lhe trouxera suspirou, de forma tão profunda e magoada, que a própria onda não foi capaz de conter a pergunta: - Que se passa velho? Porque suspiras assim? - Há vários dias que o vento não sopra por aqui. Não saberás o que lhe terá acontecido? – Perguntou o homem, lembrando-se que as ondas e o vento, por vezes se cruzam em grandes viagens. - Olha que ouvi dizer que o vento não vai voltar! O vento é o ar em movimento e, o que consta por aí, é que o ar deixou de se movimentar. Houve quem o ouvisse contar que estava cansado de passar pelos lugares e pelas gentes e ser o único em movimento. Que os edifícios, árvores e rochas tenham uma vida praticamente inerte, ele até conseguia aceitar…afinal foi dessa forma que foram originalmente criados. Mas, nas suas longas viagens o ar começou a perceber que o Homem deixou de se movimentar, como costumava fazer. As pessoas já não saem de casa para se falar, pois têm aparelhos que o permitem fazer sem se cansarem. Não saem de casa para se divertirem, pois têm máquinas que os divertem em casa. Muitos, até já nem saem para trabalhar, porque a tecnologia o permite fazer sem sair. Enfim, o Homem vive agora parado em frente às máquinas, sem se movimentar. E o ar movimentava-se, enquanto vento, para se cruzar com as pessoas, para ver o mundo agitar-se. Corria pelo mundo, soprando ao ouvido deste e daquele, as histórias que tinha para contar. Agora as pessoas estão muito ocupadas para o escutar, para se escutarem umas às outras… Creio que, no mundo inteiro, tu eras o único que ainda tinha tempo para o ouvir. O velho ficou a reflectir nas palavras da onda, enquanto esta se afastava pelo mar dentro. O que poderia fazer para contrariar esta situação?! O que mudar, para o vento voltar?! Então, em muitos anos, resolveu olhar à sua volta e observar o mundo

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que o rodeava e no qual há muito tinha deixado de participar. Viu, ao longe, um e outro vulto olhando a praia. O vulto das pessoas que há dias se preocupavam com ele, mas não tinham coragem de o abordar. Viu que a vida continuava na vila, que apesar de ter perdido as conversas com o vento, tinha ainda muita gente com quem falar. Levantou-se e começou a dirigir-se aos vultos que, ao verem a sua iniciativa perderam o receio e foram ao seu encontro. Depressa uma mulher veio com comida para o alimentar, uma menina com uma manta para o agasalhar e um homem com um ombro amigo para o apoiar. Rodeado por uma pequena multidão, o velho deixou a praia, da qual não saía há semanas e fê-lo para não mais voltar. Nas gentes da vila aprendeu a ouvir o valor das histórias que estas tinham para partilhar. Contam as vozes, porém, que nessa mesma noite, o vento regressou para falar com o homem, mas não o encontrou. Por isso, todos os dias, à mesma hora de sempre regressa àquele lugar, fustigando com as suas rajadas a rocha onde este se costumava sentar, e nessa mesma rocha, vai deixando marcadas as histórias mais eloquentes ou corriqueiras, que traz das suas viagens, só para lhe contar.

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MIGUÉ LAÇA ALMA E O DIA EM QUE FEZ MÚSICA DAS CORES

FRANCISCA RODRIGUES SÃO PAULO, SÃO PAULO, BRASIL

Migué Laça Alma estava dançando os pés um na frente do outro há dias. Sentiu que precisava colocá-los em longo conforto. Lumiou seu cigarrinho de fumo pretíssimo e esbravejou: “Necessito de um teto altinho para eu deitar meu esqueleto num macio leitoso e de bom aroma.” Seguiu adiante e avistou uma casa já beijando a lua. Pôs motor nos pés e findou. Ficou frente à porta e já veio a imagem anuviada desenhando às vezes de quando fez som melodioso, doce em época de presságio. E fez doçura de novo na porta amadeirada. “Tenho dó de mim em dar ré e muito estou precisado”. Aí, dois passarinhos azuis desceram do amarelão circundante da lua com graça num rodopio de dar medo! Simpatizaram com Migué

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Laça Alma e assoviaram bonito até abrir caminho de luzes coloridas em cada ombro de Migué para, então, pousarem. Lançaram seus corpinhos magros para direita e esquerda bem ensaiados dizendo um deles: “Põe teu chapéu! Não tira! A casa é grande e tu pode se perder!” “Grande? Só avistei a porta e uma ventania!”, disse Migué com desdém já mirando seus pés de dedos cogumelo pensando lavá-los em transparência. “Quando abrir a porta, vai estrear uma mulher de vestido branco com esferinhas coloridas, muitas. Cada corzinha é uma vontade! Não apague de sua memória!”, alertou um dos passarinhos. O fato é que a porta dançou. Mas Migué Laça Alma quase voou por causa da luz grande que pegou ele! Quando deu fé estava sentado à frente de uma mesa de comida farta que ele lembrou de quando era só Miguelzinho… Os passarinhos assoviavam em seus ouvidos, mas nada escutava! A mulher de vestido branco e esferinhas coloridas saiu de um portal grande e dourado da sala trilhando caminho de diamantinhos brilhantes e com grande branco sorriso bradou: “Quer comer? Coma! Quer os pés com dedos cogumelo em transparência? Mergulhe! Quer macio leitoso e de bom aroma? Repouse! Mas antes escolha uma esferinha colorida de meu vestido!” “Por causa de que?” “Pra escrevinhar com a ajuda das estrelas teu norte.” “Venho do sul e minha sina é o oeste. Agradecido!” Migué só viu pinicar seus ombros como quando as galinhas ciscam o milho espalhado no chão costurando tapete amarelo: Eram os passarinhos azuis tilintando uma música de boa toada… Quando viu chegou uma mulher de altura até a árvore de mangas. Era alva de doer os olhinhos dos olhões e manto azulzinho,

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bem azulzinho… aí bradou: “Tu tem que escolher a esferinha azul!” “Me agrada o azul mais que o céu azul clarinho do sol e escurinho da lua!” Dito isso, a ceia disposta na mesa cheirou mais que bufa do cão e os bichinhos pequenininhos voadores e verdinhos encontraram morada. As esferinhas coloridas do vestido branco caíram cada uma no chão dando caminho açucarado para o norte. Migué num conseguia botar os pés dedo cogumelo pra caminhar… Ficou com os olhinhos sujos espichados para a mulher de manto azulzinho que mal se via. Resolveu cochichar pedindo aos passarinhos azulzinhos que rapidinho voassem no corpo das esferas. Feito isso, abriram um buracão no céu com cores variadas que ainda nem existem! Mergulharam nele e cada vez que voltavam eram diferentes! Pra livrar Migué começaram a cuspir lá do céu muitas cores traçando um arco íris que levava sina para o oeste. Migué fez mundungos em graça e delicadeza aos dois passarinhos! Rapidinho veio o chapéu para a cabeça dele e desceu escorregando em gargalhada traqueada e alta pelo arco íris. Ao dar fé era o céu abaixando em plenitude e com promessas, muitas.

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O QUE VAI SER ________________________________________________ RUI MACHADO ERMESINDE, PORTO, PORTUGAL

O sol estava quente e fê-los ir para debaixo de uma árvore. Eles não a olharam sequer, era um carvalho ou outra coisa qualquer que saía do chão e se espanhava no alto para defender do sol os que gostam de se Amar por todo o lado. E é por isso que devia haver mais árvores pelas cidades. A história de que dão oxigénio e que purificam o ar é importante, mas proteger os que se Amam deve ser a razão maior, para que se comece a plantar desalmadamente por essas cidades afora. Depois sim, se houver espaço para estradas e prédios, pois contruam-se estradas e prédios. Esta questão é absolutamente essencial, amar faz calor, fazê-lo ao sol do verão é impossível e há urgências de Amor que podem surgir e têm de se cumprir quando se está fora de quatro paredes. Debaixo da sombra e por cima do muro, que marcava o fim daquele parque verde no meio do cinza da cidade, ele colocava o cabelo dela atrás da sua orelha, pequena e perfeita, como ela era inteira. Fazia-o para a beijar de seguida, como refere claramente o protocolo dos apaixonados. Quer dizer, não refere nada. Mas referiria, CANALSUBVERSA.com

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se alguém já se tivesse dado ao trabalho de fazer tal protocolo. Logo nas primeiras páginas - estarei certo com certeza - estaria a negrito qualquer coisa assim: “Nunca toques o cabelo de quem amas, sem que a beijes de seguida”. – Precisava de um café, minha cerejinha - disse ele cansado, mas feliz. – Queres ir então à esplanada? - perguntou ela, também cansada, mas a difarçar melhor. – Podemos ir, se quiseres – respondeu, para lhe dar sempre a decisão. – Temos que ir, ainda me cais em cima – e sorriu como se não soubesse que era o que ele mais gostava nela. – Como se isso não fosse bom – lembrou o malandro. – És tão estúpido – concluiu, enquanto deu um pequeno salto para fora do muro. O vestido foi insinuante no movimento. Ela sabia que assim seria e nada fez para evitar. Ele também não evitou olhar. Na verdade, ninguém evitou olhar. Mas o assunto era só entre eles. Ela queria que a quisesse e ele quere-a. Tudo estava certo. Ele seguiu-lhe o exemplo, abandonou também aquele muro, mas vocalizando algo que sugeria ter dado um salto de metros, não sem deixar de fazer uma pose digna de um super-herói quando os pés tocaram o chão. Ela abanou a cabeça, pressionando os seus lábios um contra o outro, para os soltar de seguida para um sibilino “enfim”. E esticou o braço com a mão bem aberta, para lhe pedir a dele. Ele deulha claro e seguiram o caminho da esplanada que devia ter quase 100 metros. Iam bem devagar. Estavam, de facto, ambos cansados. A noite anterior, como todas as que não estavam juntos, foi passada ao telemóvel, sem dar conta que a noite também se acaba. Se lhes

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perguntassem sobre o que conversaram, por certo não saberiam responder direito. Sabiam que falaram muito, mais ela é certo, sobre muita coisa e variada, sobre tudo quanto lhes apeteceu e lhes permitiu estar a ouvir a voz um do outro, e a respiração, a respiração também, ao ouvido, como quando faziam amor. – Quando tivermos a mesma morada, cerejinha, vamos ter um destes – informou ele, enquanto olhava para um beagle passeado pelo seu dono ou o contrário, não se percebia bem. – Sabes bem que prefiro gatos a cães – retorquiu, quando o beagle procurava lebres pelos arbustos do parque. Nem uma. Mas continuava na certeza de que as orelhudas por ali se encondiam. – Gato é animal de solteira, quando te puser o anel na mão esquerda, essa preferência muda, vais ver. Se bem que deste gato aqui, nunca deixarás de gostar – e fez que estava a lamber a mão esquerda, enquanto que com a direita enrolava os bigodes felinos imaginários. Ela abanou a cabeça a sorrir e disse: – És tão palhacinho que não sei o que te hei-de fazer. – Começa por um beijo, pode ser que melhore. Não melhorou, mas ambos achavam que era importante insistir nesse tratamento, pelo menos até ao resto da vida. Tratamento intensivo, aliás. Molhado e doce. Quente e tumultuoso. Desejado e temoroso. Por ser tudo isto, era de insistir, o mais que se pudesse. Já estavam quase a chegar quando ela, ao passarem por dois pares de miúdos a jogarem à bola, disse: – Agora não dizes que queres um, pois não? – Pois não cerejinha. Por uma razão muito simples. Eu não quero um, quero uma catrefada deles. Por mim, serás uma bolinha geradora de catraios, a tempo inteiro, olha assim – clarificou, enquanto arqueava a pernas, os braços, enchia as bochechas de ar e andava como um

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pêndulo de um relógio de parede. Ela soltou uma gargalhada junta com um “nem pensar!” E chegaram. As mesas e cadeiras eram metálicas, as sombras eram asseguradas por grandes guarda-sóis de pano bege. Escolheram uma mesa livre e acomodaram-se. Ela cruzou as pernas morenas e ele quando deu por si, apertou-lhe a perna pouco acima do joelho, com a mão, com força, talvez demasiada. Ela queixou-se: – Ai! Parvalhão! – Coisa boa! – respondeu ao largar a perna. – O que vai ser? – era o empregado que perguntava como se não tivesse visto, nem ouvido nada. – Para mim um café. E tu cerejinha, o que queres? Ela mergulhou os seus olhos nos dele e respondeu: – Eu quero passar o resto da minha vida contigo.

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O HUMOR E O ASSUNTO SÉRIO EM "OS VIVOS, O

MORTO E O PEIXEFRITO", DE ONDJAKI*

TÂNIA ARDITO SÃO PAULO – PORTO

Criado originalmente para uma emissão radiofônica transmitida pela RDP África no âmbito do África Festival 2006, “os vivos, o morto e o peixe-frito” 1 é apresentado ao leitor, utilizando aqui das palavras de Abderrahmane Ualibo2 como um “exercício literário sobre aparência de texto teatral”, este exercício através da sátira trata sobre a vida dos imigrantes africanos em Portugal. A sátira começa com a denominação do autor para o prédio onde as personagens se conhecem: Migrações Com Fronteiras, para quem não sabe o atual SEF- Serviço de Estrangeiros e Fronteiras era denominado Migração Sem Fronteiras, com a pequena mudança de “sem” para “”com” o autor nos mostra como as fronteiras estão bem presentes. Enquanto esperam pelo atendimento formam uma verdadeira “confraternização palopiana”, termo utilizado para demonstrar a união, os conflitos, as variedades de culturas e as 1 2

Ondjaki. “os vivos, o morto e o peixe-frito” Lisboa: Caminho, 2014. Texto apresentado na contracapa da publicação portuguesa.

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especificidades linguísticas deste verdadeiro mosaico de urgências, problemas em comum e afetos que se formam na condição de imigrantes em terras portuguesas. Obrigadas a adaptarem-se para sobreviver destacamos dentre as personagens um bom exemplo J.J. Mouraria, que reflete a tentativa de adaptabilidade linguística, dono de um português muito específico, consultor de dicionários, mas também um tipo de “bom malandro” que consegue ganhar na conversa a simpátia dos demais: JJMOURARIA: Atendo pelo internacional nome de Jota Jota Mouraria, originário barrigalmente das terras de S. Tomé e Príncipe, mas já vindo ao mundo nesta capital lisboeta de frios e tanta africanidade. É verdade: Jota Jota Mouraria… (pausa) O “Jota Jota” é de raízes familiares, o “Mouraria” é de afinidades urbanas, muito prazer minha senhora…? MANA SÃO: Conceição, mais conhecida por MANA SÃO, e este (aproxima-se de TITONHO) é o seu António, mais conhecido por TITONHO. JJMOURARIA: E as coordenadas geográficas, já agora? TITONHO: Eu sou de cabo-verde, Santo Antão e a minha prima (olhando para o segurança) Mana São, é do sul de Angola, província de Benguela.

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JJMOURARIA: Verdadeiramente encantado por esta repentina confraternização palopiana. (pausa) Então o amigo é um “morabezístico juramentado”, e a prima Mana São vem das correntes frias de Benguela… Que maneira mais optimística de começar o dia, folgo muito em vê-los aqui nesta nossa cidade afro-europeia. O pano de fundo da história tem a 1ª participação de Angola em Mundial de Futebol, confrontando justamente Portugal, com as personagens oriundas de diversas partes “palopianas” que se juntam dentro de um pequeno apartamento para tentar acompanhar o jogo, tarefa que se mostra no mínimo invulgar quando a única maneira de acompanhar o resultado é através do rádio sem pilhas do morto que mesmo em sua condição mortuária ainda é um fanático por futebol, além de desenrolarem-se outras histórias paralelas, como uma gravidez indesejada, uma pistola para garantir um casamento, cervejas para animar e diamantes dentro da barriga do padrinho, além da procura pela iguaria do peixe-frito para alimentar a todos. O humor é utilizado para tratar de forma séria os assuntos dos imigrantes como a precariedade das condições de alguns, além

das dificuldades da

legalização: MÁRIO ROMBO (DESESPERADO.) Eu não acredito nisto… querem me matar do coração… primeiro é porque não há peixe frito… depois é que para conseguir um rádio tenho que trazer um morto e ainda por cima o rádio não funciona e o morto fica aqui a assistir o jogo…

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MINA Calma, pai… MÁRIO ROMBO E agora, mesmo estando na Tuga, a pagar imposto com 21 por cento mais a segurança social… a luz vai… e eu não posso ver o jogo da minha selecção… (MUITO TRISTE.) Mas eu fiz quê a Deus?! Ondjaki consegue nos fazer rir e refletir, garantindo ao público leitor um texto bem cuidado, leve, mas longe de ser superficial e mostrando mais uma vez porque é cada vez um nome a ser levado em consideração dentro da literatura não só “palopiana” mas também mundial.

*Ondjaki nasceu em Luanda, prosador e poeta, co-realizou um documentário sobre a cidade de Luanda “Oxalá cresçam pitangas – histórias de Luanda” (2006). Licenciado em Sociologia, atualmente é um dos membros da União dos Escritores Angolanos, traduzido para diversas línguas, dono de uma obra já reconhecida e ganhadora de diversos prêmios entre eles, o Prémo José Saramago por “os transparentes” em 2013.

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SE VOCÊ É JOVEM AINDA

MORGANA RECH PORTO ALEGRE, RIO GRANDE DO SUL, BRASIL

A noite é carioca e não poderia ser outra. Não é fácil viver uma noite carioca com tudo o que ela dá direito, a começar pelos ritmos da bossa nova que vão

marcando

compassadamente o batimento cardíaco. Porque só numa noite legitimamente carioca a gente olha um pro outro numa profundeza que está em sintonia com o Atlântico, equivalente a duas horas de meditação, em pleno movimento dos pulmões e das cordas vocais. Isso porque em noites como a carioca a fome desaparece na gente, os líquidos que entram e saem do corpo são cada vez mais refrescantes. Lavam a alma e reiniciam o nosso modo de ver a realidade ao redor. Os assuntos são um emaranhado de fios brilhantes e hilários. A memória está cada vez mais fresca. A gente quer explicar como nasceu, e o outro compreenderá. Na noite carioca, táxis aparecem com a força do pensamento. Não faltará dinheiro. Podemos ganhar o mundo com as nossas

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ideias, que estão todas conectadas. Esbanjamos nosso ser sedutor e toda a inteligência finalmente despertará. A música é ambiente e está em toda a parte. Com ela, nos tornamos ainda mais belos. Na noite carioca, o nosso trabalho do dia seguinte se transporta para outra dimensão de tempo. Jamais amanhecerá. São noites como a carioca que confirmam: Estamos no lugar certo. Os astros se ajeitam um pouco no ar, as contas se ajustam com a certeza de que saímos ganhando. A pele faz uma esfoliação pelo riso, o corpo recupera todas as horas que perdeu procurando as chaves do carro. Na noite carioca, o mundo reaparece um pouco e nos dá o luxo de ser visto de perto, dá um banho de alegria na gente, atirado de um balde na nossa cabeça, que não doerá no dia seguinte. É quando números são deixados na mesa, promessas não precisarão ser cumpridas, apostas são gestos de carinho e o beijo roubado é a única certeza de querer ficar mais um pouco e rejuvenescer quantas vezes for preciso.

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CONVERSAS QUE EMAGRECEM

BRUNA GIRARDI DALMAS PORTO ALEGRE, RIO GRANDE DO SUL, BRASIL

Há conversas que fazem a gente emagrecer pelo menos uns dez quilos. Aquelas conversas de velhas botas ou novas fazem a gente se lembrar o motivo pelo qual vale à pena continuar a nadar. De uns tempos para cá venho colecionando mais dúvidas do que certezas. Venho andando mais confuso, mas não menos cauteloso. Dando menos vazão aos meus sentimentos e tentando varrer os meus fantasmas. Até que paro e escuto algumas coisas que ficam ali pairando sobre a minha mente como nuvens de tempestade. O tempo é o que vai dar as respostas que a gente precisa escutar. Muitas vezes não existem respostas para as nossas perguntas, afinal o grande barato da vida é esse mistério de aleatórios que de vez em quando se unem e formam o que somos. Viver é como um apanhado de ingredientes de uma receita, olhando eles ali separados, você nem imagina o resultado final, se é que tem um. Assim, como isso o tempo também é diferente para cada pessoa. Todos nós temos o

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nosso próprio tempo e com certeza com isso dá entender uma porção de coisas. Uma das coisas que dá para entender é que tudo na vida tem um tempo para cicatrizar e tem certas coisas que vão se transformando em cicatrizes invisíveis Tem pessoas que continuarão a existir dentro da gente mesmo que elas já não façam mais parte. Há de não se perder a hora com a pessoa errada. Há de se aprender a dizer não quando queremos dizer não e dizer sim quando queremos dizer sim. Seria tudo bem mais simples se a gente começasse a escutar aquela voz dentro da gente que nos dá sempre uma noção se é uma cilada, se é um tiro no escuro ou se estamos indo na direção certa. Conversas que emagrecem são as frutas da estação. Elas precisam entrar no cardápio das pessoas para que elas possam emagrecer suas consciências. Afinal o mundo está lotado de almas obesas e almas anoréxicas. Fico aqui me perguntando se faço uma dieta ou me conformo com os quilos a mais. Na hora que me peso na balança a consciência está mórbida, o orgulho inflado, o remorso inchado para não falar da preguiça esta que consome. Entretanto preferi ir lá emagrecer, conversas que emagrecem a minha alma, afinam a minha consciência, afrouxam o meu orgulho, reduzem os meus níveis de mentira e o principal aliviam minha alma. Quem sabe um dia a gente perceba que emagrecer seja mais do que estética ou status. É preciso emagrecer as desavenças, as discussões sem motivo, as implicâncias bobas, os ciúmes doentios e começar a conversar.

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A FRONTEIRA

DOS DARDOS ______________________________________

NORBERTO DO VALE CARDOSO CHAVES, PORTUGAL

Parti, atravessei a fronteira. Parti, eu juro, para não mais voltar. Estava cansado. Farto, para dizer a verdade. Farto dos meus fardos dolentes. Farto. Mais do que isso até. Não sei explicar. O meu espaço na vida um compartimento iníquo. Como hei-de explicar? Era uma saturação dos homens, das suas presenças desconjuntadas, das suas sequências. Das suas formas de não viver e de, com elas, não permitirem que os outros vivessem. Parti. Porque fazia a vida como se esta fosse um carreiro e me assemelhasse a uma formiga carregando suas pargas, suas espigas, seus fardos, calcorreando as versas, errando pelos prados. A vida: um empilhado de inutilidades, trabalhos precários, tratados pouco auspiciosos. A vida igual a fatuidade. A vida à minha frente, uma nótula sem importância. A vida atrás de mim, um escrutínio de obrigações, de comportamentos pré-concebidos, de caminhos por traçar sem remédio, um pouco assim como os novelos. Translineio-me, desculpa, mas é para sempre, porque serei sempre um hemistíquio do que quis ser.

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A

fronteira

era

um

campo

matizado,

ainda

que

maioritariamente amarelo, tantos eram os cardos, de tal modo que, no limite, se me embutiu o receio de que um odor tão forte me pudesse levar à letargia. Tapava o nariz, de modo a não inalar o odor das flores dos cardos. O posto fronteiriço era um conjunto de anexos abandonados, votados à degradação, onde as ervas cresciam por dentro e por fora, de fora para dentro e de dentro para fora, enquanto as aranhas teciam suas teias à velocidade da costura, remendando os espaços quebrados. Junto ao antigo posto, carros abandonados, partidos, queimados. Porventura, alguns habitados, se à habituação se pode chamar habitação. Nos anexos, vidros partidos. E escuridão. Quem sabe se vultos na escuridão, rostos olhando-me, e, nas trevas de onde a luz nasce, só a luz dos olhos dos lobos uivando, isto no tempo em que ainda havia as serras, qualquer coisa que se parecesse com os prédios de agora, cada vez menos serras, cada vez mais desertos muros de areia e sal, alcatrão e desabitação. Passaram por ele dois guardas a cavalo, não deviam ir em direção à fronteira, nostalgicamente a cavalo no tempo lento dos não acontecimentos, isto é, no tempo em que os abandonos são vidros partidos e só uivos de lobos dentro dos nossos vales. O tempo em que ninguém mais parte, percebes? Lojas abandonadas. Comércio estagnado. Velhos fumando cigarros fétidos à porta das casas de vidros partidos, velhos, só velhos. (E eu um velho, sempre houve um velho dentro de mim desde que me lembro de existir. Tomo nota, e tu?) Velhos nos cais das serras. Os mesmos velhos que antes viam os rapazes atravessar a fronteira para ir às putas, para fazerem contrabando ou para não mais voltarem, com medo das fronteiras.

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Nesse tempo os anexos tinham luz e guardas revistando os bolsos - e a vida. Este tempo tem espinhos. Este tempo fere-me. Resisto. Este tempo em que passei a fronteira para não mais voltar. Porquê? Porquê passar a fronteira? Era esta a questão que eu gostava que colocasses: Para quê? Para contrabandear? Para abrir a mala e descobrir bocados de sonhos que esventrei a cada dia destes dias em que os espinhos nascem dentro dos meus olhos e dos ninhos nascem pássaros que já não sabem voar? (Os pássaros já não sabem voar, sabias?) Parti. A fragrância das flores consumia-lhe o pensamento. Grandes rochas se interpunham no percurso. Os velhos viram-no, olharam para ele, nada disseram, como se soubessem já o fim desta história e tivessem noção de que esse epílogo era desagradável, ainda que inevitável. Eram os mesmos velhos que já eram velhos quando ele era um puto. Sorriram para ele. Porquê? Por que razão não o denunciaram? Porque ficaram impávidos e sorriram? Terão visto no seu rosto os espinhos da idade? Os espelhos das mãos calejadas de tanto as apertar de tanto sofrer, de tanto pensar? Seria ele já outro ou de outra maneira? Onde estivera então todo aquele tempo? Onde, entre o tempo em que os velhos eram velhos e os velhos que eram velhos continuavam em suas velhices? É que ele não andava com os rapazes a atravessar as fronteiras a ver os velhos, os cigarros, as bebidas, as putas. Onde é que estivera aquele tempo todo? Não te perguntas? Que teria sido feito dele? Os colegas da escola, noutra geração, deveriam ter construindo casas como quem constrói pó.

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E ele, teria ele sido o pó da estrada? Nunca tinha partido. Nunca tinha atravessado a fronteira. Nunca, nunca. Sempre tivera medo, medo de atravessar a fronteira, mais medo do que dos uivos dos lobos nas noutes de breu da aldeia, do que as parcas luzes das lanternas nos caminhos dos montes. Mas tinha medo. Por que é que só agora partira? Pode ser estranho, mas só agora partira. Para não mais voltar. Perdera o medo. (Nótula: estava pronto.) E então os dardos começaram a penetrar na sua pele, e as feridas foram dardejando. Os dardos que não conseguia sequer ver, que, se calhar, eram a adulteração de si pelo odor das flores do maior cardo que algum dia vira, dos campos que tardava em atravessar eternizando-se. Naquele momento só foi capaz de se lembrar da avó e das suas novenas. Não sabia porquê, mas essa era a imagem que, naquele instante, lhe irradiara a mente. Os dardos (que já não sabia se nas flores se na sua pele) iam-lhe polinizando a dor, de membro para membro, de órgão para órgão. Na sua cabeça, sem saber porquê, outra coisa: perdera o medo. Por isso, mesmo que os dardos nas iniquidades corpo, a fronteira podia ser no cabo do mundo. A dor cada vez maior. E então só o tempo de correr. De partir. Mas de uma partida definitiva. Afinal, tinha prometido que era para sempre que atravessaria o sorriso dos velhos.

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DITADURA ROTULAR ANDRÉ VICTOR MARQUES RIO DE JANEIRO, RIO DE JANEIRO, BRASIL

O rótulo ainda será a maior ditadura já vivida no mundo. Ter que se encaixar em algum lugar é um dos piores regimes impostos todos os dias,

a

todos

os

seres

humanos.

Somos

desde

os

primórdios

impulsionados a procurarmos o que seremos, onde estaremos, o que seguiremos, o que somos, onde estamos e o que seguimos. Somos classificados em negros, brancos, pardos, índios, amarelos. Como se nossa cor fizesse alguma diferença, como se nossa cor fosse quem dissesse nosso caráter, nossa índole, nosso pensamento. Somos classificados em homens e mulheres. Como se nosso sexo fosse dizer quem é o mais forte, o mais inteligente, o mais superior. Somos classificados em crianças, velhos, adolescentes, adultos. Como se o mais novo fosse tão desprovido de ensinamento quanto o mais velho, como se o adulto não fosse tão inconsequente e imaturo quanto o jovem. Somos classificados em heterossexuais, homossexuais, lésbicas. Como se nossa condição sexual fosse quem regesse nossa atitude

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desafiadora, nosso pensamento progressista, nossa visão esclarecedora. Somos classificados em classe baixa, classe média, classe alta. Como se nosso momento financeiro fosse o “abridor” ou o “fechador” de caminhos, como se o dinheiro fosse a solução ou a falta dele fosse o problema. Somos classificados em altos, feios, gordos, baixos, bonitos, magros. Como se nossa aparência física fosse quem realmente dissesse quem nós somos, como se o corpo fosse nosso cartão postal. Somos classificados em estudantes, operários, aposentados, vagabundos. Como se nossa tarefa diária fosse responsável pela visão que terão de nós, como se fizéssemos alguma coisa ou não fizermos nada, nos desfavorecerão ou nos idolatrarão. Seremos sempre rotulados, seremos sempre julgados. Nunca seremos

somente

nós

mesmos.

Antes,

terá

sempre

um

nome

classificador, um nome que me dá outra cara, me dá novo pensamento, nova visão. Ainda sim viveremos nessa ditadura rotular, que critica sem piedade, que desmembra, que destrói, que exclui.

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Edição e revisão: MORGANA RECH E TÂNIA ARDITO

Recepção de originais: CONTATO.SUBVERSA@GMAIL.COM Diretrizes para publicação: WWW.CANALSUBVERSA/DIRETRIZES

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