Revista subversa vol 3 nº3 | Setembro de 2015

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SUBVERSA VOL. 3 | N.º 3 | SET/2015

ISSN 2359-5817

Ilustrações MARILIA MOSER

HEITOR DE LIMA | ANDRÉA MASCARENHAS BRENO RICARDO | SAT AM | ROCHA OLIVEIRA ESTEVAN KETZER | MARTA CORTEZÃO VANDER VIEIRA | MAURICIO LIMA | JORGE PEREIRA Entrevista com Marília Moser Vol. 3 | N.º 2 |AGOSTO/ 2015

ISSN 2359 5817


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Subversa | literatura luso-brasileira | V. 3 | n.º 03

© originalmente publicado em 01 de setembro de 2015 sob o título de Subversa ©

Edição e Revisão: Morgana Rech e Tânia Ardito

Ilustrações MARILIA MOSER | mariliamoser@gmail.com | www.facebook.com/mariliamoser.arts

Os colaboradores preservam seu direito de serem identificados e citados como autores desta obra. Esta é uma obra de criação coletiva. Os personagens e situações citados nos textos ficcionais são fruto da livre criação artística e não se comprometem com a realida


SUBVERSA VOL. 3 | N. º 3 | SET/2015

ISSN 2359-5817

DONA ROSA | HEITOR DE LIMA | 5 FILOSOFIA EM AMARELO |ANDREA MASCARENHAS | 8 O PENOSO CÍRCULO DA TRISTEZA | BRENO RICARDO | 10 PRESOS NA CRIPTA| SAT AM | 12 A RELÍQUIA DAS NAÇÕES | ROCHA OLIVEIRA | 15 COMPRO MÍSSIL OU FÓSSIL (?), DAQUI A MIL ANOS VAMOS DESCOBRIR | ESTEVAN KETZER | 18 ODISSEU ERRANTE | MARTA CORTEZÃO |25 MORRERAM OS DIAS | VANDER VIEIRA | 28 COLCHETES DE RETALHOS | MAURICIO LIMA | 30 PÁSSAROS AZUIS | JORGE PEREIRA | 33 ENTREVISTA COM MARÍLIA MOSER | 39


EDITORIAL E seguem os trabalhos aqui na Subversa. Volume três, número três. Número carregado de significados que traduzem o momento estável da revista, através de elementos indispensáveis como união, equilíbrio, expansão, comunicação e criatividade. É tudo isto que celebramos aqui, um momento de passo firme e caminhada linear. Digno seria, então, dedicar o número aos “autores da casa”, colaboradores que vem acompanhando, lendo e escrevendo a revista durante algum tempo. São os verdadeiros criadores da Subversa, alguns que estão conosco desde o primeiro volume. Na ilustração dos textos, um reencontro com Marília Moser, que inaugurou a modalidade da revista, em Janeiro de 2015. Com a alegria e o privilégio que sentimos ao receber, em primeira mão, as imagens que a artista plástica gaúcha desenhou especialmente para o número, temos o dever e a honra de apresentar um pouco mais sobre a Marília em uma breve entrevista. Com precisão, ela traz um pouco do que estamos acostumados a ver em toda a superfície que pinta: delicadeza, força e uma exuberância de cores e sensações. É, com efeito, uma felicidade enorme apresentar este número, dedicado inteiramente aos autores que elevam diariamente o nível desta revista e a tornam cada vez mais imbatível. Desejamos uma boa leitura. Que ela traga aos leitores antigos um recorte essencial da Sub em sua versão quase ontológica. Aos novos, que provoque a vontade de ficar e se perder por essas páginas.

As editoras.

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DONA ROSA HEITOR DE LIMA | FORTALEZA, CE

O sequestro de meus dias me foi contado no meio-fim daquela versão epopeica da vida diária que li entusiasmado. Esse livro, artigo, papel sequer existe? Existe assim por que lhe dei o sentido que quis. Estava exata no teu vestido de letras. Li-o tanto, bem como teus olhos, que até lhe peço um terço de desculpas. Desculpo-te quando me fere o dedo e nada perco, coágulo que sou. Sabes que teu nome é outro, inclusive tuas pétalas, e nada me disseste sobre o que tenho perdido. Olho a flor que se abre no meu peito como um sorriso cifrado e quando cruzo as ruas avessas do já ido, o resto de cor se dissolve no rosto cambiante das coisas. O torso de alma vê teu solo fundido de húmus e consoantes. O quão medrosa era diante da possibilidade da

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perda de algo não dito, o quão inteligíveis permanecem teus passos e como se elide no ar e, já distante de mim, volta para todos. Rosa

de

dentes,

talvez

guarde

alguma

cena

em

teu

entendimento de pólen e negas egoísta o meu próprio entendimento: erro meu de querer saber dos fatos que nem de si sabem. Não. Não sei nada de mim. Já dizia Lacan algo sobre a gambiarra do inconsciente ser estruturado como uma linguagem... Guardo-te aqui em mil entranhas de tempo e nesta minha forma arredia de encarar a própria face quando é pronto o susto do espelho. Sobre o que tenho perdido nada me disseste: querida teus olhinhos cor de folha me convidam para o avesso: my fault. Agora o que me resta é um passo após o outro. Nem tanta importância tem o liso dos teus cabelos; Minhas mãos escorregam sobre qualquer possibilidade de contato. Penso para o mesmo lado que correm os anelos e tu não tens sequer um grama do que me inclina para a pena, pesado que sou. Lê-se como papila: “E sem alma, corpo, és suave.” Vida montada como foz num fundo de ametista. A casa quer cheiro. Apanho o arranjo vítreo de flores da memória e danço.

HEITOR DE LIMA rabisca em versos desde os 9 anos de idade, espera que o mundo escolha a poesia, mesmo que inconsciente. Vive a heterogeneidade de ser quem é | heitor_limaq@hotmail.com

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SUBVERSA # 1 – Versão Impressa | Volume 1 (2014) Adquira e participe do crescimento da revista. 7


FILOSOFIA EM AMARELO ANDRÉA MASCARENHAS | Salvador, BA.

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borboleta amarela se acerca de mim em teus matos.flores . incerto vai meu corpo pelo mundo, em voo raso, quase ao chão . algodão desgarrado me abriga em pouca trama . perco a casca do que não sei, antes de presumir um fim . almejo filosofia de passarinhos, pouco assustados com mal tempo ou espinho . ainda não decifro lágrima espontânea porque me ensinaram a contê-la . pratico exercícios de oscilação, pra não perder sempre o equilíbrio rarefeito . lírica me abandona enquanto é tempo de insurgências por escrito . cresce uma cegueira exteriorizada, vendida por qualquer tostão . erva daninha nos alcança, sorrateira, sem disfarce . voltamos à borboleta amarela ou ao tempo oco da mera contemplação .

ANDRÉA DO NASCIMENTO MASCARENHAS SILVA é docente da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), da área de Literatura. Doutora em Comunicação e Semiótica - PUC-SP. Reside em Salvador, capital da Bahia – Brasil. Edita o Blog literário ..Arquivos.. impertinentes <http://arquivosimpertinentes.blogspot.com.br/>. Publicou textos poéticos em Revistas Literárias, tais como: Revista Cultural Artpoesia (2012) e SUBVERSA (2015 - edições 10, 11 e 12). Pela Pastelaria Studio (Portugal) participou de três antologias literárias (2015). Pela Editora Pragmatha (Brasil) participou do Caderno Literário n. 66 e da Antologia 'Sou Poeta Com Orgulho 2' (2015). |marenhas@hotmail.com

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O PENOSO CÍRCULO DA TRISTEZA BRENO RICARDO | Juiz de Fora, MG.

Paulo pelo parque passeava No gramado, posto então, pisava. Este, a morte encobria De tal modo que ninguém mais a via.

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Paulo – oh! Nosso Paulo querido! Deixou o chão, pelo choro, chovido Os defuntos – a umidade os comoveu! Levantaram-se, vieram chorar consigo o choro seu.

Oh quão tremendo o teatro das trevas! Fê-lo jogar-se no caminho de pedras! As muitas gotas de seu lânguido humor;

Nessas foi que ele por fim se afogou Regressando retraído à reles cova; Permitindo ao cemitério voltar à paz que o renova.

BRENO RICARDO, desde os quinze anos, escreve poemas, peças teatrais e crônicas; possui três livros publicados on-line e um impresso; atualmente compõe o Conselho Editorial da Cacareco Editora, em Juiz de Fora; publica regularmente na Revista Subversa e em alguns blogs. brenohsricardo@hotmail.com

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PRESOS NA CRIPTA SAT AM | CURITIBA, PR.

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Consagre a ruína de teus dias, A solidão do silêncio e morte, O vazio provocado pelo desejo de ser amado. E contemplando tua cova fria, Percebas a resposta que há tempos esteve diante de ti. A só nasceste e desde o ventre de tua mãe só esteve. E agora, buscas um sentido a teu teatro a outros; Mero ator sem talento em uma peça escrita por terceiros. E clama por atenção, E chora buscando as palmas, Desta plateia surda formada por mortos de bocas costuradas. Bebes vinagre, por lhe dizerem ser vinho, Comes vermes, por lhe passarem por pão, Gritas dizeres bíblicos, sendo que lhe saem da boca blasfêmias. Como gato ronrona, mesmo que lhe atirem peixes decompostos, E segues tua vida desproporcional esperando tua recompensa. Ouça a imensidão espacial e atemporal de palavras desconexas, O uivo do vento que ronda as estrelas e a todos os dias enche teus ouvidos.

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A neblina exalada de teu corpo é apenas tua, A lágrima que rola de teus olhos secos é apenas tua, O grito de liberdade que guardas na garganta é apenas teu, O tempo, que ainda insistes em compartilhar, é apenas teu. E, dia após dia, mais velho ficas; Mais burro, Mais inútil. Levanta-te, e anda.

SAT AM é estudante de Letras-Japonês da Universidade Federal do Paraná. Desde que se entende por gente, escreve poesia/músicas como válvula de escape. Seus textos sempre estão carregados dos seus pensamentos: Ódio, raiva, terror, luxúria, são temáticas recorrentes nos meus trabalhos. andrey_sat@hotmail.com

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A RELÍQUIA DAS NAÇÕES ROCHA OLIVEIRA |São Gonçalo, RJ

Um alvoroço imenso na entrada, mal exibira o Sol a luz antiga. Não obstante, um raio morno lambia já a escassa escadaria do Museu de História Natural, porém não antes de lamber a testa ou a nuca aos visitantes. Um mar deveras de cabeças e chapéus. Todos ávidos por ver o jamais visto! A formar a enorme fila em “S”, presentes desde a nata culta e abonada da cidade até o desprovido populacho. Incluam-se aí os despojados, e diga-se, também, os “marginais”; que a curiosidade, – como a fisiologia –, abrange a Sociedade como um todo, e ainda que esta invente outra casta. Igualmente, um e outro estrangeiro, que em não podendo circunscrever a sua própria, achou por bem lha embarcar para estas plagas. E cá estão a enfileirarem-se aos nativos.

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Confabulam entre si a ansiedade, bem como a sua expectativa, todos aqueles que, sofregamente, aguardam sua entrada no museu. Um velho falante e, aparentemente, muito humilde, deixa escapar a sua alegria e surpresa de ver exposta na cidade, – em sua própria terra natal –, tão tamanha cousa. Já uma senhora de meia-idade, distinta no porte e na aparência, bufa então toda a sua indiferença ante o comentário do velhote, e mesmo frente ao que poderia acaso vir a ser a tal Relíquia das Nações. E, assim dizendo, fala como a ser ela própria um grande achado: empinado o nariz à altura das orelhas; a boca bem ao nível do nariz; as ventas como a reclamar o ar em volta. Estaria ali, não por gosto ou interesse, mas porque o seu status – entendia – exigialhe o ostentar do que em verdade não possui – a mais sábia ignorância, o pedantismo mais esclarecido. Um homem, que estava a observar um mendicante, – que estendia na calçada a sua miséria –, não pôde acabar de suspirar a dor daquela triste existência: um outro, atrás de si, postado rente às suas costas, quisera afanar-lhe a carteira. Ao que ele, em pressentindo o roubo iminente, fez-lhe um movimento ríspido a afastá-lo. O impulso era de dar-lhe u'a cotovelada, que a ira lhe subira até o pescoço, porém se contentou ao gesto brusco. O outro, disfarçando-se do intento, – a “mão leve” oculta em uma toalha –, saiu a pedir ordem aos demais. Estes que, revoltosos com a demora demasiada, davam-se, pois, ao burburinho. Tão logo a segurança é acionada. Uma escusa e uma justificativa fizeram calar a maioria insatisfeita. Os demais, inconformados, conter fez a ameaça ou o cassetete... Atraso à parte, dá-se início à visitação. A entrada faz-se afoitamente, e pecuniariamente, que se diga: tal exposição demanda um ingresso a preço razoável. Mas, tão breve quanto houvera entrado, um homem se retira do museu com ligeireza, a pisar duro. Vocifera, aborrido, toda a sua indignação. E diz, entre

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acintes: — “Não vale a vida este absurdo! tão menos o valor do ingresso. Exijo ser restituído!” Outros, porém, boquiabertos com a Relíquia das Nações, – que é a Verdade –, fitam-na, uns chocados, outros aturdidos. Quase todos não discernem o que veem; nada entendem. Uns se fazem até pessoalmente ofendidos. Desejam-na velar ou depredá-la. Alguns lhe são indiferentes, – como é o caso da senhora bem distinta –, outros, frente a ela, tão-somente agem com desdém. Uns lha negam e outros querem desmenti-la, como fosse ela própria – a Verdade – alguma fraude – um engodo, embuste apenas. E o velhote, entretanto, pós contemplá-la assaz maravilhado, se retira do museu como a planar...

ROCHA OLIVEIRA é romancista, contista e poeta. Inspirado especialmente em obras clássicas, particularmente em Camões e Machado de Assis. Escreveu a coletânea de sonetos Como Nasce um Poeta, um livro de contos sob o título d'Outros Rasgos, e o romance juvenil Ao filho das Estrelas (entre os céus e a Terra). Está em fase de conclusão de um livro de poemas, um de contos e outro de microcontos. No momento, além de contos eventuais, trabalha em três romances. Visite a página do autor. | fred.rummer@hotmail.com

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COMPRO MÍSSIL OU FÓSSIL (?), DAQUI A ALGUNS ANOS VAMOS DESCOBRIR! ESTEVAN KETZER | Porto Alegre, RS.

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Tomada na esteira da ponta grande, alta, inigualável e fálica. Olhar sedento de um atrevimento sexual. Chama-me Édipo para ouvir sua sinfonia exultante. Instante! Ali, na esquina há um louco com esse mesmo nome, um farsante que canta aos domingos para expiar sua dor de sua geração. Também há quem tome muita Fluoxetina para contrariar a psicanálise... - Sabe, há algo de incrível nesse artefato aqui na frente. - Arak veras tinktun. – Era possível ouvir de um estrangeiro sorridente. - E como é encantador pensar no som que sai de cada pessoa! Escutar e escutar, como se ficasse esperando uma reação espontânea da vontade do foguete. Certamente se você apertar esse botão... Não faça isso, por favor! - Sim, ele deve ser feito de pedras para ser tão pesado. E por que você não me chamou antes pelo Face? – ela perguntou tão inquiridora, deixando a saia justa e aquele sonoro “você não se importa comigo” como um velho hino que descambava em um rio de lágrimas. É natural que ela faça essa pergunta. Incapaz de sentir as dores de um parto, um homem fica impossibilitado de ter uma experiência legitimamente feminina. Cuidado: como nossa intimidade fez tanto barulho. Numa ruela estreita, com má iluminação, pode ser o melhor lugar para lembrar que um homem não tem útero. - Já lhe disse que por mim estaria com ele durante nove meses, destruindo minha pele, mais envelhecida e flácida. Ninguém deve durar para sempre no mesmo corpo e na mesma vontade. Enquanto a resposta não vinha, ele a convenceu a levantar a cabeça para cima, um pouco enfastiada com aquele movimento todo das pessoas ao redor. Nessas horas o sorriso acertou o alvo como aquele tesouro bem no fundo do Oceano Índico! Foram sete anos para chegar lá,

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naquela zona com maior incidência de silvanita do mundo. Difícil foi explicar para a comunidade científica que aquelas pedras possuíam silvanita como quaisquer outras em qualquer lugar do mundo. Não importa, pois o dinheiro é do Governo Federal e há muito precisava ser investido na prospecção de silvanita, mesmo sem a esperança de achar ouro. Quem poderia imaginar, quando perguntassem sobre prospecção de metais leves, que um nome seria sempre escutado na história da mineralogia: e não seria o dele. - Eu só quero ver melhor as montanhas ao longe... – conseguiu responder (ufa!). - É porque esse artefato diz algo sobre você? – novo olhar inquiridor dela. Estava certo de que toda a expedição tem seu preço. O tempo de fazer dinossauros ainda não chegou. - Não! Você nem está olhando! Olhe pelas laterais. Sei que parece assustador, mas é assim mesmo. As laterais possuem pontas, como agulhas cheias de expectativas de proteção, imanentes. A arquitetura também mudou muito. Hoje um míssil não pode falhar! Ele tem uma missão a cumprir... - Peraí! – mais uma vez interpelado no meio de um raciocínio eufórico – Isso é uma nave! Acho que adivinhei o seu sonho da última noite: foi um pouco como olhar os monges em seus claustros por aquelas portinholas e ver Erwin von Steinbach, no século XIV, continuando a tradição que lhe foi incumbida desde o ano de 1015. Você não tem curiosidade sobre a vida sexual de uma figura tão importante da arquitetura? Saiba que os monges eram portadores da acídia e depois do meio-dia as torturas psicológicas começavam. Com eles iniciou a história do mal-estar na civilização ocidental.

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Subiram a nave por uma escada nos volumosos cabelos dela, pelas órbitas celestes de seus olhos, e com os gracejos de um sorriso estrelar. Lá eles planejaram aquela cusparada rumo ao solo, realizando a profunda experiência das vertigens. “Deixa que eu faço isso por ti...” (seguido da onomatopeia da gota espatifando no chão). Veja que olhar para baixo não é cair no próprio cuspe! Logo, a situação estava sob controle. O cuspe gera um som seco demais para uma sensação tão molhada. Subiam mesmo num míssil ou num fóssil? Estava escrito no rosto dela. Ele olhava ainda incrédulo aquilo tudo, sonhando com um mundo menos explosivo ou retentivo anal... E a vida nascia por debaixo da ponte, depois seguia a viela cheia de rosas e por fim chegava àquela praça magistral. Ali um sorriso de contentamento por continuar viva. Esteve sempre tão perto e tão longe. Por quê? Nas duas ruas atrás eles pensavam em rir de uma maneira tão natural, pois ali nada mais era um absurdo, nem o toque de seu corpo inteiro com todo o prazer que um toque provoca no tecido nervoso epitelial, despertando hormônios que ruborizam e levam a uma sensação que, se fosse descrita num sussurro, parecia ridícula a ouvidos pouco afeitos à arte de escutar. Abraços que formam correntes sem o domínio das palavras. Esse é um outro tipo de vocabulário só para mostrar o ridículo de certas explicações afetivas que se valem de repetições exegéticas para demonstrar generalidades. Uma nota de roda-pé ou uma lei em que os seres humanos não precisariam mais legislar por serem desobedientes demais. - Não, o Messias não virá se você deixar de comer devido ao tamanho de seus quadris. Aliás, amore mio, comer demais também entra na conta da acídia medieval. - E desde quando você é nutricionista? – Rubor por toda a parte, afinal era muito sexy quando utilizava as palavras para um atrevimento tão

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interpessoal. – Só falta você me dizer que não tive voz suficiente para te peitar, utilizando argumentos débeis. Ora, isso não leva a lugar nenhum... De algum jeito eu sinto exatamente onde você sente vergonha. E tanta graça era necessária para fazer o ar passar dos pulmões para a boca. Sufoco que uma pessoa mais nova do que velha toma em mãos para saber qual é o melhor momento de desaparecer. Da próxima vez ela tentará me persuadir com os argumentos da maternidade. Ser mãe, sem ter sido filha, ser filha decifrando a distância que a voz da mãe aumentava com o passar dos anos, pois a cada vez um borrão do passado parecia maior entre as memórias. Ela fazia isso sempre acariciando levemente a barriga e enxugando os olhos da tristeza que era esquecer. Ele preferia pegar o binóculo, desajeitado como eram seus dedos. - Chegamos, finalmente. - Por quê? Isso é loucura e turismo também... - Turismo é uma forma de entretenimento. Eu prefiro a sua barriga colada à minha. – disse ela com delicadeza. Será que o tamanho da nave é uma diferença significativa para nos cativar? Nem a cor de nossos corpos é tão diferente a ponto de não ser possível um encontro entre nós. A vida nos espera, esta virtude em sono brando. A nave diz que vai partir. Um aviso eletrônico não poderia ser visto, porque não havia qualquer aviso eletrônico e por esta razão um aviso imaginado cairia bem. - Imagine o roteiro de uma nave espacial indo diretamente para um planeta novo, mil anos depois de ter sido feita... - Imagino o quanto deve estar sendo difícil para você aprender esse alienígenês... – uma nova pausa constrangedora dela.

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- Neste planeta valorizam meu esforço pela quantidade de criatividade e de ruptura com uma regra ditosa que eu possa indicar em jornais de baixa qualidade. Isso pode demorar algumas vidas para ser realmente um movimento legítimo da minha alma. Por isso preciso continuar repetindo: Arak veras tinktun. A Idade Média era repleta de quebra-cabeças como esse de uma língua supostamente alienígena. Por algum motivo, isso sempre me lembra Alea jacta est, tão alienígena quanto pagar uma penitência na frente a um míssil de antiquário. - A sorte está lançada, como se traduz do latim vulgar. Mas não sei o quanto você valoriza o meu sonho da barriga grande, repleta de gente feliz – perguntou ela incrédula. - Preciso te dizer que antes de vir para esse teu planeta, o melhor momento de sonhar era o instante de despertar. Agora tudo mudou um pouco. Sonhar é um ritual, como um movimento que consome o cotidiano, crença em uma verdade que pode continuar construindo universos de realidades múltiplas e inatingíveis pelos limites da consciência humana. - Acho que foi por isso que nos encontramos, não é mesmo? Porque a realidade não nos suporta querendo dialogar o tempo todo com todas as coisas, querendo superar as leis da lógica e os princípios gravitacionais da física newtoniana; porque falar da acídia ao meio-dia é o mesmo que enfrentar um abismo de depressão; porque um dia você pode compartilhar do meu útero se me escutar. Tudo isso dito para que agora eles possam abrir os olhos, lentamente, pela primeira vez os dois juntos. Observam que para cada pedaço daquilo que acreditavam ser um míssil havia um desenho talhado em pedra, assim como uma pedra mais pontuda e outra angular. As duas pedras juntas lembram uma catedral esquecida no tempo ordinário. Mais de perto, caminhando com o olhar, as pedras se mostram cheias de pontas góticas

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e cruzetas. Ela sorri de leve, demonstrado pelos seus dentes brancos e lindos, como a ternura de uma descoberta calma e lúcida. Era assim que nascia o risível, da calma profunda que ela enxergava nas coisas. Disse a ele, então, simplesmente: - Prometa-me, amore mio, que voltaremos a fechar os olhos o mais rápido possível!

ESTEVAN KETZER é psicólogo clínico. Doutorando em Letras pela PUCRS. Pesquisa a relação entre poesia, filosofia e psicanálise na obra do poeta Paul Celan. Além de ensaísta, é poeta. | estevanketzer@ibest.com.br

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ODISSEU ERRANTE MARTA CORTEZテグ | Tefテゥ, AM.

Quando a escuridテ」o em mim se faz Ainda que o Sol desponte radiante Perco o sono, perco o tino e a paz Sinto-me o Odisseu mais errante Dentre todos os mortais Cansado de astテコcias e guerras

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De tantas naus e saqueios perdidos De tantos sonhos caídos por terra Odisseu de sentimentos oprimidos Dessa grande vida procela Sem Destino, sem timão Exilado em um submundo Desprovido de toda a ilusão Odisseu do Hades profundo Decrépito, de amargo coração Levianas juras e vãos amores Esvaíram-se tal água pelos dedos Carrego do mundo as dores Odisseu dos tormentosos segredos Isolado, em belicosas torres. Castigado pela ira netúnia Atormentado pelo abandono do lar Largado à própria sorte, à penúria Odisseu sem porto aonde chegar E de grandes glórias estapafúrdias Onde perdi o poder da imortalidade? Quando os triunfos viraram fardos? Por que me abandonaram as divindades? Odisseu de trêmulos e vagos passos

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Por que tudo em ti é fatalidade? O peso da idade me consome Tal como ao leal amigo Argos. Quiçá as forças não me abandonem Quero voltar a retesar o arco Ser Odisseu caído, mas Homem E reerguer-me sublime e cauto

MARTA CORTEZÃO é professora da rede pública do Estado do Amazonas. Professora da Universidade do Estado do Amazonas (UEA/CEST/TEFÉ) entre os anos de 2001 a 2010 e da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) no ano de 2011. Atualmente, estudante do curso de Mestrado "Mundo Clásico y su proyección en la cultura occidental", em Segovia - Espanha. martabartez@hotmail.com

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MORRERAM OS DIAS VANDER VIEIRA | Vit贸ria, ES.

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eu estou depois das tempestades João Guimarães Rosa

Morreram os dias. Choveram os meus peitos. As minhas horas, elas secaram – sem Sol... As igrejas, os túmulos, os casebres. As circunstâncias todas, acabadas. Dias mortos, os dias mortos, e esta caneta mesma sem ser de escrever. Ai, viajei, viajo; não choro de chorar: choro sem olhos – e de tudo o que me fica o que mais importa é nada. Analisei os poemas: fiz errado... Esmiucei os pássaros: equivocado... Acordado varei a noite: eu não dormi naquela noite, e em nenhuma noite – foram mil, os compassos.

Não choro de chorar, choro de poças d’água parada – sem vento, fim de mar.

VANDER VIEIRA é bacharel em Filosofia e vive em Vitória/ES desde 2009. Venceu o prêmio UFES de Literatura 2013/14 na categoria Coletânea de poemas e também foi publicado pelas revistas Subversa, Diversos Afins, Samizdat e Desenredos | vandervieira22@gmail.com

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COLCHETES DE RETALHOS MAURICIO LIMA | Novo Hamburgo, RS.

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a calma[ria] das violências sutis que cada um cometia dia a dia a dor Messias permanecia dormente coletivamente individual [já]mais desconfiavam tudo [se]guia normal as ruas eram jaulas lotadas de animais livres os prédios matadouros onde morria-se pouco (há pouco) de tédio e [b]ravata o dia (a)dia um suicídio involuntário se vi(via) entre parêntesis sob colchetes de retalhos (a)talhos de gente

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de vidas, (de)mentes (in)devidamente reticentes agressivamente resolutos animalesco era o luto diário relapso, displicente coadjuvantes do barulho que faziam do silêncio (,) da mente

MAURICIO LIMA é músico, poeta e professor. Tem seus textos publicados em revistas e coletâneas nacionais e regionais, impressos e online, tais qual Entreverbo, Gente de Palavra, Cabeça Ativa e também a Subversa. Trabalha no momento em seu primeiro livro de poesias.

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PÁSSAROS AZUIS JORGE PEREIRA | Recife, PE.

Carta de Herta Antipoff para Gunnar Seymour Gunnar, Antes de iniciar para você um breve relato sobre minha vida nos últimos meses em que estive na ilha de Bali, quero que saiba que os anos em que vivi ao seu lado foram suficientemente construtores para mim, que me senti realizada como mulher e mãe. Mas quero que saiba também que o Amor é uma pequena gota de tinta que vez ou outra escapa das mãos de Deus e colore os nossos quadros brancos com um pouco mais de vida. Nesse momento, escrevo em tom de despedida, mas também de gratidão, afeto e profunda admiração pelo homem que você é. Quando

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retornar à França em uma ou duas semanas estarei indo vê-los, pois tenho saudades de você, de nossa casa, de nossos filhos. Mas para lhe ser fiel e sincera, adianto-lhe que não existirá mais entre nós nenhuma ligação primordial de homem e mulher, apenas um sentimento de respeito e cumplicidade. E é por conhecer intimamente essa alma compreensiva disfarçada de ser humano que existe em você, que descrevo-lhe as sensações, amores e conexões com o divino que experimentei nesse lugar maravilhoso. Tornarei a escrever em poucos dias, quando chegar ao Paquistão, pois a mim restou apenas o dever e a necessidade de realizar os seus últimos desejos de vida. *** Existia entre nós, algo menos metodológico e mais pluralizado em relação aos sentimentos que nos cercavam. No primeiro dia de sua chegada à ilha, contive-me em apenas elaborar um plano sucessivo de voyeurismo filosófico longe de qualquer óptica carnal e primária que fosse possível. Tinha pela Ashna um sentimento espontâneo de admiração em sua capacidade de permitir-se enxergar de outras formas, em outros olhares, pontos de vista, simétricas, parábolas. Desembarcou em meio às chuvas torrenciais que chegam ao arquipélago todos os meses de maio, e junto com ela havia um casal de ingleses e espanhóis, que aparentemente não se conheciam e tornaramse companhias de viagem, o que é para mim, um fato completamente normal visto que eles seriam as únicas pessoas estrangeiras com as quais manteria contato por estes lados do Índico nas semanas seguintes. Ashna saiu por último com seus cabelos esvoaçantes frente ao vento sul que soprava forte, mas não fora isso que me chamou a atenção, não fora a sua beleza ou características físicas, mas o pequeno baú chinês que carregava nas mãos e algumas telas em branco debaixo dos braços.

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A jovem paquistanesa, além de ser a primeira artista que eu conhecera pessoalmente na vida, fora também a primeira mulher que amei intensamente. Havia entre nós duas um espaço intransponível que ligava qualquer razão de sentimentalismo e racionalidade. O início dos exercícios de amor não veio à minha presença como algo premeditado ou arrebatador, eu sequer fui capaz de perceber a sua essência, a sua forma de manter-se vivo ou de nascer dentro em mim. Tenho uma ideia fixa em minha mente que o amor nasceu às cinco horas da manhã de uma quarta-feira à noite bastante fria e perturbadora. Fora somente quando avistei de minha janela dois pássaros azuis voando baixinho por entre as flores tropicais, que ele brotou em minha alma. A partir daí, tive que conviver com esse pequeno deus das misérias que nos traz toda a sorte possível e deslumbre com o mundo e os seres que nele vivem. Fosse como fosse, inesperadamente ou não, o amor tinha dessas características mais sublimes de nos tomar o tempo de repente, e agir como se fôssemos pequenas peças de um quebra- cabeça onde tudo estava interligado. Tudo que Ashna pintava, desenhava, rabiscava em seu caderno de anotações, ou mesmo escrevia, era para mim como um retrato, uma fotografia, uma arte concreta de si mesma. Nunca fui capaz de entender os seus desejos de desvencilhar-se de suas obras logo assim que elas estivessem prontas, não gastando mais do que dez ou quinze segundos para apreciar a sua magnitude. Foi assim também com as cartas que me escrevera um dia, fora assim com alguns pequenos textos e anotações de seu caderninho, fora assim comigo. Mas a sua presença ainda reverbera, isso eu não posso negar. Aliás, tudo que ela construiu ainda a contém, e por isso mantenho sob meu

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alcance seus desenhos, quadros e anotações desde o primeiro dia em que esteve em Bali. Se havia algo de resplandecente no sorriso da Ashna, era o fato de que ela havia se tornado uma das pessoas mais contraditórias que se pode imaginar. Não bastava apenas amar-me, mas também usar-me de inspiração para as suas mais tristes aquarelas, e escrever sobre mim como uma de suas divagações psicológicas no seu caderninho de anotações. Foi a partir dela, que comecei a perceber que algumas coisas eram mais simples e menos figurativas do que eu poderia imaginar. No dia em que nos encontramos, o céu era azul e as ondas ondeavam lentamente os mares do sul. Ashna mostrou-me um desenho que havia acabado de concluir enquanto esperava pelo café da manhã em uma das belas sacadas do prédio em que nos hospedamos. Na ocasião, vestia-se com um lindo vestido floral alaranjado e um chapéu com algumas flores pintadas. Hoje posso dizer com toda certeza que ela mesma fora responsável pelos desenhos no chapéu. Chamou-me para conversar e sem receios atendi ao seu convite, era o início de uma amizade de longos anos, que culminaria com um amor eterno e uma vida bastante curta. Conversamos sobre a sua viagem e sobre o seu trabalho, ela me contara que havia voltado de uma exposição naturalista no Brasil, e que estava inspirada em trabalhar com algo semelhante ao que houvera visto. Aparentemente, ela experimentava uma nova áurea pela pintura, um novo sentimento instigador e inspirador, estava começando a criar um novo conceito para suas obras, e escolhera as remotas ilhas da Indonésia para momentos de paz e tranquilidade enquanto depurava as doses extras de arte que recebera.

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Foi nesse mesmo dia que ela me fez outro convite muito mais formal e irrecusável que o primeiro. Depois de me presentear com o desenho de dois pássaros feito em nanquim e papel naquela mesma manhã, perguntou-me se eu estaria interessada em posar para algumas telas que ela estaria pronta a começar. Queria retratar algo mais natural e bruto das riquezas de Bali, e queria começar pela sua visão mais antropofágica e enaltecedora. Olhando bem em seus olhos, fui tocada por cada som das palavras que lhes eram emitidas pela boca e soavam como sinfonias delicadas e chamativas, fazendo-me aceitar o convite como se as ninfas o tivessem feito ao pé do ouvido. Saímos juntas naquela manhã e nunca mais voltei ao quarto do hotel onde me hospedei. Ashna me presenteou com os dois quadros que fez nas duas semanas seguintes em que ficamos juntas, o primeiro apenas o meu rosto tomava conta de toda a extensão da tela, o segundo havia uma floresta e algumas flores com insetos e pássaros azuis. Algo de surrealista permeava as suas pinturas e eu somente fui capaz de perceber essa essência particular quando já era um pouco tarde demais. Todas aquelas noites foram encantadoramente maravilhosas, assim como também os dias, as horas e todos os ternos segundos que estive ao seu lado. Mas foi ao final da pintura de uma série de sete quadros intitulados ‘Divagações em Bali’, que Ashna adoeceu. A deusa da enfermidade transpassou a sua órbita universal e desposou de seu corpo. Seu olhar era doentio, sua boca era pálida, sua face amarelada, apenas o seu coração frutificava. No dia do ocaso, Ashna ainda estava bastante fraca, mas fez-me prometer que iria levá-la ao monte Gunung Agung, o ponto mais alto da ilha. Assim, dizia ela: - “Estarei mais próxima o possível de Deus e de toda a

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criação”. E foi somente quando chegamos que ela beijou-me ternamente, conversamos durante muito tempo sobre as armadilhas do destino e como fomos felizes em nos encontrar naqueles dias em Bali. Juramos viver intensamente qualquer amor que nos fosse oferecido, desde que fosse puro e gentil. Estava prestes a amanhecer o dia quando ela retirou do bolso de seu vestido um pequeno caderninho de anotações, o qual eu nunca houvera visto. Havia em sua capa algumas inscrições em português e imaginei que se tratava de um poema, e que ela o tivera trazido de sua última viagem ao novo mundo. Em suas páginas, uma série de poesias intituladas “Biografia da Esfinge”, e hoje, dias passados desde a sua morte, percebo que a Esfinge a qual ela se referia era muito mais próxima de mim do que eu poderia imaginar. Cada verso seu me ressoava. No final do caderno de anotações, havia um endereço na cidade de Lahore, próxima a divisa do Paquistão com a Índia. E é para lá que me direcionarei nas próximas horas, meu voo sairá em poucos minutos, e uso o tempo que me resta em Bali para redigir-lhe esta carta e avisar-lhe que nunca estive mais feliz em toda minha vida. Antes de enviar esse correio eletrônico, vejo pela janela da cafeteria do aeroporto uma imagem arrebatadora.

Está

chovendo,

assim

como

no

dia

em

que

nos

conhecemos, e sou capaz de avistar dois pássaros azuis voando: eu e ela. Herta Antipoff, Bali, 2005

JORGE PEREIRA é biomédico e pesquisador do CNPq. Publicou poemas em antologias espanholas e ibero americanas, e colaborou com revistas literárias como a Revista SubVersa e Flaubert | contato.writer@gmail.com

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ENTREVISTA COM MARÍLIA MOSER: “Quando pequena, achava que tudo tinha que ter cor”.

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SUB | Como foi o início do seu desenvolvimento artístico? Como surgiu o interesse e de onde vieram as principais influências? Marília | Quando pequena, achava que tudo tinha que ter cor. Comecei pintando as coisas de casa. Móveis, vasos, louças, prendedores de roupa. Até que um dia, por acaso, encontrei guardadas a maleta de tintas e as telas do meu avô, já falecido na época. Ele pintava com tinta a óleo, e foi como comecei. Nem sabia direito como usar, mas fui tentando, descobrindo. E foi então que surgiu a primeira tela, aos treze anos.

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SUB | Como é a questão da formação acadêmica para você? Que peso elas têm no seu trabalho? Marília | Quando decidi que seguiria na arte, escolhi ter uma formação livre. Sabia que o caminho seria mais longo e difícil, mas permitia que eu fosse dando o rumo do meu aprendizado. Comecei com o que mais me instigava. Fui tentando técnicas até descobrir com o que mais me identificava. Comecei com pintura, desenho, passei por gravura, escultura, teoria da arte e sigo transitando neste universo que nunca deixa de me fascinar. Por último surgiu a aquarela, onde sinto que realmente posso me soltar, com pinceladas mais livres, traços menos comedidos e a possibilidade do acaso.

SUB | Quais as principais técnicas e materiais que você utiliza e como ocorreu essa ideia de trabalhar com a pintura fora do quadro? Marília | Acho que minha pintura fez o caminho inverso. Acabou entrando no quadro. Mas minha ideia é fazer com que a arte faça parte da vida das pessoas ocupando outros espaços, além das paredes. Não só como objeto decorativo, mas que também possa ser utilizado. E possibilta que eu continue explorando diferentes superfícies de pintura. Quanto mais inusitada a superfície, mais estimulante é para mim. Gosto muito de pintar com tinta acrílica, e sou apaixonada por pinceis! Tenho muitos. Quer me ver feliz? Me dê pinceis!

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SUB | Como você vê as dificuldades de trabalhar como artista visual, hoje em dia? Quais delas você enfrenta de forma mais significativa? Marília | Hoje em dia vejo mais facilidades do que dificuldades. Até poucos anos era bem difícil mostrar o trabalho, conseguir espaço. Hoje, com a internet, um universo de possibilidades se abriu.Um desenho que antes poderia ficar por anos guardado no fundo de uma gaveta, hoje pode ser mostrado assim que fica pronto. E o retorno é imediato.

SUB | E sobre os projetos e planos futuros... Por quais caminhos Marilia Moser pretende andar? Marília | Quero seguir colorindo tudo por aí, respingando tinta por onde passar. Seguir explorando superfícies, caminhos, sendo guiada e motivada pelas incertezas deste universo. Acho que para quem vive de arte, certezas não existem, mas as possibilidades são infinitas.

CONTATO: mariliamoser@gmail.com www.facebook.com/mariliamoser.arts

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PARCEIROS:

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Edição e Revisão: Morgana Rech e Tânia Ardito

Recepção de originais: CONTATO.SUBVERSA@GMAIL.COM

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