SUBVERSA VOL. 3 | N.º 5 | OUT/2015
ISSN 2359-5817
ANGEL CABEZA DAVID COUTINHO MARTA CORTEZÃO A. MIMURA PEDRO SILVA Ilustrações ISABELA JERÔNIMO
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Subversa | literatura luso-brasileira | V. 3 | n.º 05
© originalmente publicado em 01 de outubro de 2015 sob o título de Subversa ©
Edição e Revisão: Morgana Rech e Tânia Ardito
Ilustrações ISABELA JERÔNIMO |jeronimoisabela@gmail.com
Os colaboradores preservam seu direito de serem identificados e citados como autores desta obra. Esta é uma obra de criação coletiva. Os personagens e situações citados nos textos ficcionais são fruto da livre criação artística e não se comprometem com a realida
SUBVERSA VOL. 3 | N. º 4 | SET/2015
ISSN 2359-5817
ANGEL CABEZA | CRIAÇÃO | 6 ANGEL CABEZA |FRUTEIRA | 09 DAVID COUTINHO | DA JANELA UMA TABACARIA | 12 PEDRO SILVA | MIGRANTES | 21 A.MIMURA | TRÍPTICO |27 MARTA CORTEZÃO | MARIA E AS OUTRAS | 30 MARTA CORTEZÃO| DEBILIDADES | 32 MARTA CORTEZÃO | QUANDO EU CRESCER | 34
EDITORIAL Abrimos o mês de outubro na Subversa com a leveza da brincadeira e do engajamento. Do lado lúdico, há o dia das crianças que é comemorado no Brasil, que nos deu certa liberdade para brincar com o nosso jeito de fazer a Subversa. Criamos um número diferente, no qual temos um tríptico, um triplo, um duplo, lembranças da infância e até a mais importante das brincadeiras, da qual se continua brincando por toda a vida, que é a arte de se colocar no papel do outro. Do lado do engajamento, temos o prazer de afirmar que a Subversa se consolida por acreditar no poder da palavra e em passa-la adiante. Essa é a função central do nosso trabalho, afinal. Por isso, manifestamos aqui o nosso apoio à campanha internacional do Outubro Rosa, pela conscientização
e
prevenção
do
cancêr/cancro
de
mama.
Em
homenagem a todas as escritoras e poetas que circulam e permanecem publicando na Subversa, queremos juntar essas vozes para afirmar a importância de refletir sobre a saúde da mulher, de forma ampla e atenta. As ilustrações são de Isabela Jerônimo, ilustradora de João Pessoa (Paraíba), que participa pela segunda vez da revista. Achamos muito interessante saber que, por vezes, Isabela utiliza café em suas telas e desenhos, além de trabalhar com nanquim, aquarela e grafite. Segundo ela, todas as pessoas trazem dentro de si uma aptidão para a arte em algum nível e que vai de cada um explorá-la, ainda que assumir a atividade artística seja extremamente difícil, do ponto de vista do reconhecimento e inserção no mercado de trabalho. Pois a Subversa está aqui, para mostrar as possibilidades escondidas dentro das impossibilidades da arte. Desejamos a todos uma excelente leitura. As editoras.
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SUBVERSA # 1 – Versão Impressa | Volume 1 (2014) Adquira e participe do crescimento da revista. 5
CRIAÇÃO ANGEL CABEZA | Rio de Janeiro, RJ.
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O poeta (sem esperança alguma) senta-se em sua cadeira dura apoiado em uma mesa dura para retirar o néctar da vida também dura e transformar toda petrificação (que não passa pelos olhos comuns) em algo dizível repleto de materialidade e sensação quando nada ao seu redor
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se materializa ou é perceptível. Ourives solitário o poeta pule a pedra da vida à procura de alguma gema brilhante.
ANGEL CABEZA é poeta, cronista e jornalista. Atua como produtor editorial e gráfico no RJ. Publicou os livros Vidro de guardados (2010, ed. autor, poemas), Sempre existe um último momento (2011, Hífen Editorial/Ed. Autor, crônicas). Possui textos em revistas impressas e digitais, no Brasil e na Espanha, entre elas Correio das Artes (A União), Generación Espontanea, Corsário, Bula, Cuarto Própio, Capitu, Zunai, Eutomia, Cronópios, Odara, Sinestesia; e participou de algumas antologias, entre elas Geração em 140 Caracteres (Geração Editorial, 2012), Qasaêd Ila Falastin – Poemas Para a Palestina (Patuá, 2012), Antologia Escritores da Língua Portuguesa Vol. I (ZL Editora, 2014). | ANGELCABEZA@OI.COM.BR
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FRUTEIRA ANGEL CABEZA | Rio de Janeiro, RJ.
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A diferença entre eu e esta maçã pousada na fruteira é o prazo de validade que temos. Dois objetos mastigados pela ávida ampulheta que não regurgita restos engole o vasto espaço. A maçã enterrada entre seus pares pende seu último suspiro pela folha seca eu aguardo o meu enterrado entre olhares e dentes. Seguimos encharcados de doçura e polpa coisas despercebidas que só os insetos parecem entender enquanto passeiam calmos sobre a escuridão da casca. Quem passa ao redor não imagina a dor da colheita saber-se semente na aparência de trevas. A fruteira embala o peso da rapidez do dia os sapatos deformam a longevidade do prazo humano não tão duradouro quanto o aroma da fruta
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que perpetuará depois da secura.
ANGEL CABEZA é poeta, cronista e jornalista. Atua como produtor editorial e gráfico no RJ. Publicou os livros Vidro de guardados (2010, ed. autor, poemas), Sempre existe um último momento (2011, Hífen Editorial/Ed. Autor, crônicas). Possui textos em revistas impressas e digitais, no Brasil e na Espanha, entre elas Correio das Artes (A União), Generación Espontanea, Corsário, Bula, Cuarto Própio, Capitu, Zunai, Eutomia, Cronópios, Odara, Sinestesia; e participou de algumas antologias, entre elas Geração em 140 Caracteres (Geração Editorial, 2012), Qasaêd Ila Falastin – Poemas Para a Palestina (Patuá, 2012), Antologia Escritores da Língua Portuguesa Vol. I (ZL Editora, 2014). | ANGELCABEZA@OI.COM.BR
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DA JANELA UMA TABACARIA DAVID COUTINHO | Rio de Janeiro, RJ.
Ao poeta Fernando Pessoa Acaba o fumo Da cadeira defronte à janela estendo as pernas Me tenho observando através das vidraças O que por fora é vazio e opaco
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Aqui dentro Um milhão de mundos (que ninguém saberia) Cruzando ruas e vielas Como se cruzam os pensamentos sobre as ruas e vielas Estou cheio do mistério que cria teia nas paredes Cheio dos cães acuados que cantam para a noite a noite toda Não há mais vida ou menos vida afora da janela do que aqui, onde há mistérios em teias de aranha... Pois me encontro certo Como um milhão de mundos e um milhão de vidas também se encontram E quem poderá dizer, senão? Goteja Porque ontem choveu E lavou a janela E passou como quem morre Vindo novamente o sol E eu assisti, - como quem vive o espetáculo de ser um espectador de si Falharam-me os propósitos E a lealdade que devo a Tabacaria do outro lado da rua Posto que acabe o fumo Acabando-se também o eu que tragava ...traguei-me Para cuspir de volta toda angústia
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Tendo a sensação de que nada penso sentado na cadeira Quisera fosse; que eu fosse o que penso sentado na cadeira Aí então eu seria nada, logicamente Pouco menos que isto Tenho meu nome e sou identificado Tenho a certeza do tempo Que soprará meu nome e identidade Que não deixará mais que pó onde foram gigantes palácios Da vaidade das vaidades O estrume Senão, errado? Concebo tão pouco do que alcançam meus olhos? Não tenho certezas, nem aspirações Altas, nobres ou lúcidas Tudo irrealizável Sendo a minha única Certeza de que sou irrealizável Havia gente nas calçadas Também aqueles cães que cantavam para a noite Nenhum sequer - olhou-me – Nenhum sequer - sentiu-me – Pois sentiria, quem sabe, a rebentação de sete mares sobre sete rochas Mas havia gente na calçada
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Todas refletiam nos espelhos das vitrines Eu também refletia E era como elas Sentado do lado oposto O que fiz dos sonhos Dos segredos, filosofias e humanidades Derramei-os ao chão como se chora o leite derramado Tenho sonhos que já não sonho há muito tempo Pois acabou o fumo e esta aflição não me deixa dormir Pois tenho olhado a vida passar pelo vidro da janela Ainda que a vida que passa não seja a mesma que vejo Tenho o pânico de estar só no meu quarto sem luz Sinto tanto espaço me sufocar Contudo, o mundo é alheio Como indefinido E não haveria um para se importar Risquei todos até que me encontrar só: no quarto, ante a janela. Não tenho nesse instante vontade de chocolates Não como aquela menina que come chocolate em frente à Tabacaria Noto – com sensibilidade singular – que os olhos do homem se enchem de vida Uma pretensa esperança que tão logo o desperta à realidade Conheço aquele homem, é Pessoa Como eu É meu irmão (ainda que não tenha me percebido, olhado ou sentido) Eu sinto com ele
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Estamos apenas uma rua atravessada de diferença Contudo, distantes... Estou enterrado até os olhos Levanto as mãos na mesma esperança dúbia que assisti Há quem possa me salvar? Das paredes que o tempo tornou úmidas Dos tapetes sensatos cheios de poeira e lembranças Dos quantos pés que por ele um dia passaram, inútil Com expectativa de ter o mundo refeito em pequenas mordidas no chocolate Invoco, aquém, alguém E não há quem segure minhas mãos Risquei todos até que me encontra-se só: enterrado até os olhos (Transbordando de esperanças pelas mãos) Sinto frio e ponho uma camisa Que pesam tais quais correntes no calcanhar Tudo foi estrangeiro, como todos E como todos tenho vivido minha possível realidade Tenho passado noites remexidamente procurando o sono Tocando ao peito um sopro qualquer que inspire Na certa decepção que lateja se não inspirar E nada me inspira, neste momento... Penso em mim
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Havia pensando também na chuva do dia anterior Como na madeira desta cadeira que sento e estico os pés à janela Enquanto penso, tudo isso está tão certo Tudo merece estar em paz Do cliva ao castanho claro O brilho – que outrora foi alto – agora manchado (tais quais minhas paredes úmidas) Num cheiro imperceptível de madeira que não há Em sua durabilidade desconhecida Gozar o conhecimento de todas as eras Deleito a sensação E Sorrio francamente Pela possibilidade de parafrasear a cadeira em que sento com a vida De me esticar ausente em meu próprio corpo Assistindo ao dono da Tabacaria defronte Que se chega zangado à porta Trazendo a verdade dos tempos da criação do mundo A verdade dos tempos da criação do homem e da mulher Dou conta de que há tempos acabou meu fumo E não há – agora – outra verdade senão esta Visto uma roupa amassada Uma roupa desbotada Abandono meu mundo por instantes Cruéis instantes em que desço sozinho as escadas Me dou numa calçada Onde as pessoas se cruzam como se cruzam os pensamentos Sobre ruas e vielas
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Mais reais do que pela janela de antes Tão cheias de cores e de passos firmes E sou ali invisível Ninguém toca minhas mãos, nem chama meu nome Como não olhavam ou sentiam o ser que estava depois da janela Aquele que era eu Agora que sou outro Onde a rua nos obriga a caminhar Minha testa ardeu de – vertigem Os músculos da coxa queimaram como o fogo das humanidades Não reconheço o próximo, o próximo não me reconhece Apenas cuidamos de não nos esbarrar Estamos perdidos e não nos salvamos: falta tempo Sobram os chocolates e as verdades Caminho até o outro lado da rua Caminho até a tabacaria do outro lado da rua Um ímpeto caprichoso devora-me de dentro e sobe a espinha Toda vez que fiz – e faço – esse trajeto Toda vez que me exponho a par daquele que ficou na cadeira Olhando-me pela janela Desejo tabaco Entro na tabacaria – tomo nota do quão agradável é o cheiro dos mais variados fumos reunidos num só lugar Pessoa se ergue e sei que sente comigo naquele momento Acende um cigarro...
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Pego o meu fumo, me obrigo ao mal estar de estar disposto Pessoa se senta, se mete para trás na cadeira como se fosse cama (se houvesse uma janela e esticasse os pés...) O dono da Tabacaria volta Traz na áurea tantos destinos Seguindo descaminhos da fumaça que inunda meus pulmões Desfazendo sob meus pés tudo que há de concreto E metafísico num instante Preciso voltar à fortaleza Reestabelecer a concepção de meus sentidos Dou uns trocados, todos os trocados do meu bolso Pago o fumo e saio (com o dono da Tabacaria a me acompanhar até a porta) Sigo confiante de volta à minha janela e minhas pernas esticadas Sigo confiante de volta ao meu desterro E as teias da parede E a sufocante solidão de estar só, atravessando a rua tão perigosa Olho para trás Num golpe repentino Da sensação única que se tem por estar sendo observado É Pessoa sem metafísica Me olhando de uma janela, como antes eu também olhara Aceno; num gesto consentido e honesto Ele grita Adeus, ó Esteves! E morro porque me reconheces
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Morro porque há quem me sinta e me acene às mãos Meu universo se reconstitui em ideal e esperanças, O dono da Tabacaria sorriu.
DAVID BARRETO COUTINHO é professor e pesquisador por ofício, escritor por prazer. É formado em História e possui mestrado em História Política, tendo assim alguns artigos publicados em revistas especializadas nesse meio. Atualmente, dedica-se à pesquisas na área de Ciência da Informação e a divulgação de seus textos literários. | BARRETOCOUTINHO2@GMAIL.COM
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MIGRANTES PEDRO SILVA | S達o Paulo, SP.
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Para Antonio Carlos, meu irmão.
Antes de tudo, este é um relato de ausências. Do que aconteceu e do que poderia ser dito que aconteceu. Porque na real faltou coisa pra cacete. O que poderia ter sido contado e o que poderia ter sido esquecido.
Mentira
minha,
o
esquecimento
não
faltou
não.
O
esquecimento veio junto, coladinho na rabeta do trem que nos trouxe até aqui, rabiola de pipa que quando está ninguém nota e quando falta cria ausência. Porra nenhuma, porra nenhuma. Xi, tá confuso. Este é um relato de três fotos porque as outras faltaram, pediram licença, apresentaram atestado médico e vazaram. Jeito meu engraçadinho de falar que não lembro, não as tive, não as tenho. Estão somente as três fotos enfileiradas ao lado uma da outra na ordem que eu escolhi que ficassem. Imagina agora: três fotos enfileiradas. Já já as descreverei e você entenderá. Por enquanto só imagina. E como todo o resto falta, este é um relato de ausências. Porque foto não é vida: foto é registro. Se só tem o registro, o resto falta. Além do mais, se não fosse eu, quem mais poderia contar? Ninguém. Então, se sou só eu, falta. Falta no futebol é foda. E quando até o futebol falta? - Deixa ele correr, marca o dez, o magrinho deixa aí sozinho que este aí a vida mesmo marca ele, hahahah. - Hahahahahah, vai deixar ele te zuar assim? - Mano, sério, vai pro gol, na linha você não serve. Agarra lá pra gente.
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O gol. O gol, ponto. O gol com o qual todos sonham, aquela marca de que finalmente você chegou lá, sabe? Fazer o gol, marcar o gol, ser o artilheiro do país do futebol, ser o campeão e levantar aquela caneca que, nos jogos finais, fica atrás do gol: pra te atrair. “Bota ele no gol”, “Não põe ninguém pra marcar ele não, este aí a vida marca”; #botaelenogol; #esteaíavidamarca. -Vai pra quermesse? -Quermesse? Mas minha mãe disse que não deixa, sei lá, o povo bebe, fuma maconha. -Áaa!, rásefodê então. Maconha não, macumba não, não me misturo, não se mistura, não sei, não sabe. Não posso ir com o povo da maconha e da macumba. E sabe por quê? Porque hoje você tá rico e compra um bagulho e bota na boca junto com seus amigos ricos que também botam na boca e olha que legal! e olha que barato!, e olha que descolado!, e vamos descontrair!, e é só pra relaxar, e maaaaaaano, cê não sabe quem colou aqui com um barato louco, e vamos no morrinho depois da prova?, e carai, tá cum zóio vermeio heim, fiu? Cê se ligou? Então, tudo isto que é mega moderninho e que você acha bacana, tudo isto que faz de você hoje um cara mais legal, não era muito legal ali, naquela época, naquela década, naquele momento onde fumar aquilo ou não era o que diferenciava os meninos que chegavam à idade do exército vivos e livres e os que não davam certo, os que viravam números. Cê entendeu? Entendeu que o que é maneiríssimo pra um pode ser foda pro outro? Cê já
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sonhou em ter uma caixa de isopor branca e novinha pra vender sorvete no trem? E a macumba? Ah, macumba era frescura mesmo. A mãe achava que era do capeta, ensinaram que era do capeta. Só isto. Três fotos enfileiradas. Lembra delas agora. Imagina. E era tudo que tinha sobrado. Tinha mais foto antes. Tem uma que eu lembro que aparecia o vô. Tinha aquelas fotos que eram pequenininhas, quase transparentes, impressas num filme escurinho. Daí você colocava num negocinho de plástico que parecia um funil retangular. Numa ponta tinha uma lente e na outra ficava a foto apoiada num suporte branco. Daí você apontava este negocinho pro Sol e via a foto. O Sol atravessava. A luz atravessava. Você atravessava a foto e via. E era super tecnológico, bom pra caralho. Mas daí a gente jogava a foto fora e usava o negocinho como lupa pra canalizar a luz do sol em um foco único e tentar matar formiga. Carbonizada. Antes do YouTube ter dó das formiguinhas era isto que a gente fazia. A gente não tinha politicamente correto nenhum para com a #formiguinhaquedó. Era feixe de luz na cabeça. Mas nesta, vai vendo, a foto (lembra da foto) sumia. E ficava só o negocinho de plástico. E foi assim que a gente acabou com o passado. Com infantilidade imprevidente, insensatez, crueldade, falta de educação e ignorância: os mesmos ingredientes com os quais um monte de gente mata um monte de coisa. De travesti a continentes. Daí sobraram só as três fotos enfileiradas. Na primeira tem um sorriso lindo na sua cara, moleque! Porra, como era gostoso te segurar naquela época, super inteligente, esperto pra caramba já, ria de tudo, a vida tinha uma graça imensa. Você sabia junto com o cachorro quando o pai tava chegando. Ele abanava o rabo e você
abria
o
sorriso.
O
barulho
da
Kombi
velha,
papapapapapappappapappapapapapapaaaaaaaa (desliga o motor),
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au, au, au, au, au, gãããããããã, baba! Coisa mais linda. Era bom te ver sorrir, moleque, tô lacrimejando de lembrar. E a colcha cafona e quente da cama? Bagulho enchia de pelo de bicho, esquentava pra cacete, fedia a suor. Hahahaha. E a cortina? Hahhhaha. A cortina, mano, tinha tipo uma estampa de cana-de-açúcar verde, um bambu esquisito. Mas já dava pra ver que iriam te deixar metódico. Sua roupa parecia um uniformezinho, tudo combinando. Daí começou uma coisa esquisita. De querer tirar foto sua e te ver bonito. De te comprar roupa pra te vestir legal. De te fazer ser quem você não é. Tem uma foto, a do meio, que é assim. Cê tá lá, sentadinho tipo um rei no trono. Cara de rei. No trono. Sentadão, pá! Vai vendo. Fundo falso, puta foto fake anos oitenta imitando um bosque outonal num país frio. Vai vendo, fazendo foto em Carapicuíba com paisagem Canadense no fundo. Você lá, mó cara de marrentão, nem sei se era sua ou se mandaram fazer. Não! E o “Trono”? Cadeirinha daquelas que parece que eles entrelaçaram centenas de canudinhos até dar liga pra sentar. E você lá: marrentão. Daí, já viu, né? Terceira foto, pô, to chorando mesmo, djou... terceira foto é foda. Cê tá sozinho. Que nem você iria ficar. Acho que cê fica porque gosta. Mas cê parece triste nesta foto. O cachorrinho preto tá no seu colo e é tudo que você tem. Você segura nele como quem abraçasse, mas seu rosto mostra outra coisa: parece que você segura ele assim porque é a última coisa que você tem. Porque você não tem mais ninguém, porque você nunca teve ou porque todo mundo foi embora. Mas quem teria ido? Não, ninguém foi. Ninguém veio. É isto: na realidade enquanto eles jogavam bola lá fora você olhava da grade de madeira do portão, #botaelenogol, #esteaíavidamarca, só tem você, o cachorrinho e eu batendo a foto. E foi o que sobrou: as três. Faltam fotos porque falta história porque falta família porque faltam elos porque falta orgulho porque falta amor porque falta amor-próprio
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porque falta jeito de se amar porque sobra medo porque houve fuga e culpa porque pra ter foto tem de ter grana porque nos anos oitenta não tinha smartphone porque nos anos oitenta quem tirava foto era rico ou fotógrafo quer dizer não precisava ser rico mas precisava ter câmera quer dizer não precisava ser rico precisava só não fugir não ter medo arranjar um jeito de amar ter amor-próprio ter amor e orgulho pra fotografar precisava ter os elos e pra fotografar precisava antes ter família pra poder ter história. Era assim nos anos oitenta. Mentira, precisava ter nada. Pra fotografar só precisava luz. O resto é desculpa.
PEDRO SILVA admira todas as formas de arte e fica triste sempre que sua vida se afasta deste meio. Escreve desde 2009, mas somente agorinha se convenceu de que poderia dividir isto seriamente com o mundo. publica no blog ESCREVENDO PEDRO | ESCREVENDOPEDRO@GMAIL.COM
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TRÍPTICO A.MIMURA| Lisboa, Portugal.
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I-Proêmino da génese Eis como termina: chegar onde a palavra dá leite e mel onde o seu úbere nos pertence sem que o reclamemos onde a palavra prepúcio e precipício fodem ser uma só: ou uma mil: ou cruz de joão mendes: ou Mefistófeles; pois, são todas: a harpa, da palavra húmus, da palavra: Poema. II-Salmo Quem ergue a estrutura de um salmo_ ficção que o poeta tece sem nenhum esquema pré-definido afora os Deuses e as Musas que o sustentam usitando o seu belo dorso gracioso, sardento e curvado, para guiar a rude pena do maldito compositor como se versasse num planisfério de escrita celestial_?
III-Ordem marcial poética
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Quando a vida era um milagre, e, a nossa falange direita, era composta, exclusivamente, por Deuses e hordas de Mongóis, que cavalgavam, indómitos e ávidos, pela ordem azul imperial Minha do sangue Lótus negro poético de cada frase!
A.MIMURA uma vez que as biografias mentem desagradavelmente; sendo bastante mais interessante dizer mais com menos. Contemplei com simpatia, admiração e algum temor o homem, que apenas desembarcado de perigosa viagem, se alistou imediatamente numa outra, como se a terra lhe queimasse os pés ou como se o coração seu procurasse quietude para a uma paixão violenta e terminada de forma abrupta, num qualquer porto, numa qualquer costa distante, num qualquer outro amor, num qualquer outro exílio, assim me foi apresentado o escritor, Monsieur, A. Miyajima. | PRIVATEMIMURA@GMAIL.COM
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MARIA E AS OUTRAS MARTA CORTEZテグ |Tefテゥ, AM.
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Sou Maria como tantas Cheia de vida e de sonhos Muitas e quantas vezes Sou Maria e vou com as outras Porque as conquistas São fruto das muitas lutas. A sociedade de mim se burla: "Maria Vai-com-as-outras"! Melhor seria se soubesse O caminho de Maria quando Enganjada com as Outras. Caminho das tantas Marias Que lutam por respeito Nesta sociedade Que negligencia A condição anônima de ser mais uma Maria.
MARTA CORTEZÃO é professora da rede pública do Estado do Amazonas. Professora da Universidade do Estado do Amazonas (UEA/CEST/TEFÉ) entre os anos de 2001 a 2010 e da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) no ano de 2011. Atualmente, estudante do curso de Mestrado "Mundo Clásico y su proyección en la cultura occidental", em Segovia - Espanha. | MARTABARTEZ@HOTMAIL.COM
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DEBILIDADES MARTA CORTEZÃO | TEFÉ, AM.
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Sempre haverá um sorriso guardado No rosto sofrido. Um beijo idealizado Na boca que ultraja. Um abraço esquecido Nos braços lânguidos. Um grito contido No peito que escarra. Um prazeroso gemido Na profunda garganta. Um doce toque Nas mãos calejadas. E nos ríspidos passos, Sutis pegadas.
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QUANDO EU CRESCER MARTA CORTEZÃO | TEFÉ, AM.
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Quando eu crescer, Quero ser pequena. A minha grandeza Desejo levar em minha essência, na imortalidade da alma. Os falsos elogios abandonarei pelo caminho, como quem nunca os possuiu. Ambicionarei apenas a simplicidade da vida, porque tudo o que é efêmero é fardo para a alma. Por isso quando cresça, desejo apequenar-me para crescer em sabedoria. Fugirei dos sorrisos vorazes, disfarçados de hipocrisia, dos lábios que vociferam palavras, que não sendo punhais, cortam como se fossem. Num abraço fraterno, me fundirei com a humildade e lhe suplicarei companhia para não perder-me pelos tortuosos caminhos. Por isso quando crescer, desejo ser cunhatã
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De alma leve e faceira e olhos postos no amanh達.
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PARCEIROS:
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Edição e Revisão: Morgana Rech e Tânia Ardito
Recepção de originais: CONTATO.SUBVERSA@GMAIL.COM
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