Valeu Junho 2015

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Editorial Esse negócio de puxar a brasa para a sua sardinha é por demais verdadeiro. Quando falamos de cidades então, é qualquer coisa de notável! E, por isso, vale a pena a discussão. O bairrismo supera até as deficiências que a cidade da gente por certo tem. Mas, existem cidades que fazem a diferença! Não é à toa que a Big Apple é considerada a mais cosmopolita delas. Ao lado de Nova York, estão Londres, Paris e uma série de outras incríveis cidades que oferecem meios para se viver, que geram a chamada qualidade de vida. E cada uma com suas peculiaridades. Somente aí é que se diferem; pelos detalhes. Nosso país também tem cidades encantadoras e cada uma delas com um jeito de viver diferente, apesar da globalização. Mas, trazendo a discussão para o nosso quintal, nos deparamos com cidadezinhas incríveis. É o caso do Vale do Itajaí, onde estão situadas verdadeiras maravilhas. São pequenos municípios onde se tem a impressão de estar em uma cidade grande, pois, salvo alguns eventos de ordem cultural e artístico, se desfruta de quase tudo. Vive-se num pequeno paraíso e disso ninguém duvida. Um detalhe primoroso nessa disputa pelo título de melhor cidade reside no aspecto competição. E, por isso, quando essa disputa se acentua, quem ganha é o morador e, num segundo momento, quem visita esses lugares. Temos aqui, grudadas uma a outra, Timbó e Pomerode. Elas exercem hoje lugar de destaque em vários cenários, da gastronomia ao poderio econômico. E essa disputa saudável gera um papo pra lá de gostoso. Imagine um confronto (no bom sentido): de um lado um pomerodense, de outro, um timboense. E sai de baixo, ou melhor, assista de camarote, quem sabe saboreando uma SCHORNSTEIN ou uma BORCK. A “briga” começa pela cerveja. E aí vai. Segue pelo lado da gastronomia. De Pomerode, começam a desfilar seus famosos restaurantes. Na linha de frente o Wunderwald, seguido pelo Siedlertal, pelo Mundo Antigo, pelo excelente La Spezia. Abram alas para a incrível Pizzaria Tarthurel e para oTorten Paradise, seu representante eclético dos doces e salgados. E chega a vez de Timbó apresentar na passarela seus competidores. Começa pela Thapyoka e a magia do lugar. Vai seguindo com o Jardim Botânico da família Corsani. Agora sai de baixo, pois vem aí o internacional Magnani. Abram alas, pois chegou a vez do Takô (o Japão é aqui!). Desfila agora o Bistrô Entre Parênteses, aquele do sem cardápio e das surpresinhas maravilhosas. Segue a apresentação com o Villa Gourmand, o Paromas e fecha o bloco com o Rooster Bar e Grill. De Pomerode, ainda vêm os chamados pequenos restaurantes de comida boa, muito boa. De Timbó nem se fala. Tem uma série deles com as comidinhas do momento, servidas nos bistrôs de 5 ou 6 mesas. Enfim, nessa competição de gastronomia Pomerode liderava com folga, agora não mais! Timbó se habilita! No campo das atrações, aí Pomerode leva vantagem com seu Zoológico, grande fonte do interesse turístico regional. E tem mais. Na questão cultural, enquanto Pomerode tem teatro, Timbó (só tem o prédio) compete com sua Feira do Livro e com o Museu da Música. No cenário econômico, a guerra do PIB é monumental! É briga de cachorro grande! Pomerode tirou de Timbó a identidade das grandes malharias, mas Timbó domina o setor metal mecânico. E assim vai. Timbó se vangloria de possuir umas 30 ou mais lojas de shopping, belíssimas. Nessa Pomerode não responde à altura. E nas festas, ah… nas festas, Pomerode dá às cartas e sai de mão. Os pomerodenses são bons demais e a Festa Pomerana é o que há de melhor. Nos hotéis, aí Timbó se impõe com o que tem e o que vem. Deixa pra Pomerode o reino das pousadas. Enfim, a gente poderia ficar brincando com esses temas sem esgotarem-se os motivos e as razões. Mas é bom parar, falta espaço para o texto e a brasa já está queimando a sardinha. Bom demais morar por aqui, e melhor ainda é desfrutar das duas cidades. Um privilégio! por Carlos Henrique Roncálio

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colaboradores Beto Barreto Dono da loja Espanha Club de Timbó. É colunista social do Jornal Café Impresso. Além da Valeu colabora para as revistas Studiobox de Portugal e Angola. Carlos Henrique Roncálio Carlos Henrique Roncálio tem 45 anos de profissão. É âncora do Repórter Cultura, edições matinais da Rádio Cultura de Timbó há 24 anos. Clara Weiss Roncalio Clara é repórter principal e editora da VALEU. Ativista na defesa dos direitos dos animais e do meio ambiente. Daniel Fabricio Koepsel Professor de História na rede pública e privada de ensino em Santa Catarina. É graduado em história pela Universidade Regional de Blumenau e autor do Representações da cidade: discussões sobre a história de Timbó. Blumenau: Edifurb; Timbó : Fundação Cultural, 2008. Esdras Floriani Holderbaum Nascido em uma família de artistas, trabalha como produtor musical e remexer, através do projeto Soundyouwish e utilizando o pseudônimo principal EFHLive, por mais de 10 anos distribuiu suas trilhas pela internet já ouvidas em mais de 130 países. Gabriel Weiss Roncalio Ambientalista e agricultor orgânico. Membro da PROORG - Associação de Produtores Orgânicos de Timbó. Heitor Castel’Branco Trabalha como Técnico Superior de Turismo e, durante o verão, exerce funções de Guia de Mergulho na empresa Norberto Diver. Colabora em diversos trabalhos na érea do Turismo e com a revista StudioBox Viseu. João Albuquerque João Albuquerque Carreiras é arquiteto paisagista licenciado pelo Instituto Superior de Agronomia de Lisboa, em Portugal. Viajante compulsivo é autor de inúmeros artigos de viagens. João Moreira Editor e Repórter principal da Revista Valeu. Juliana Weiss Roncalio Fascinada por cultura, gastronomia, saúde e viagens! É mãe, esposa, filha, irmã, amiga, neta e sobrinha. Adora encontros criativos, musicais, familiares e gastronômicos. Leo Maier Músico, guitarrista, professor, apaixonado por Blues, louco por música e um sonhador.

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Capa: Gilmar Chiste, Teresa e Artur Cristelli. Foto: Chlôe Fotografia Criativa.

Lopo Castilho É licenciado em História, e desde longa data tem participado em diversas iniciativas de promoção de vinhos, bem como de defesa de produtos de Denominação de Origem Controlada. É o fundador e responsável pelo projecto Museu do Saca-Rolhas. Luiz Garcia 44 anos, é jornalista e cronista. Graduado em Comunicação Social com habilitaçao em jornalismo pela Universidade do Vale do Itajaí, trabalha como editor em publicações corporativas e institucionais. Mantém o blog de crônicas luizgarcia.blogspot.com Margot Friedmann Zetzsche Enfermeira na Secretaria Municipal de Saúde de Timbó, Professora de Saúde Coletiva na FURB. Fotógrafa e escritora amadora. Marlon Janke É músico e estuda matemática. Encontrou no desenho um hobbie e uma forma de se expressar. Micheli Vicenzi e Eduardo Godri, Fotógrafos e sócios do estúdio Chlôe Fotografia Criativa. Com uma fotografia charmosa, criativa e expressiva, ele especialista em Casamentos e eventos e ela em Moda e 15 anos. Procuram fazer uma fotografia diferente, emocionante e autêntica. Nadége Caroline Giovanella Começou a desenhar por hobby. Emotiva e sentimental, gosta imensamente de poesia e romantismo, então resolveu reunir o desenho e poesia numa única figura! Fez cursos relacionados a desenho de moda, curso de desenho clássico e depois cursou um sequencial de fotografia na FURB, em Blumenau! Ah… e adora gatos! Thérbio Felipe Professor Sobre Rodas, conferencista, Turismólogo, Gastrônomo e Administrador Hoteleiro, escritor, experiente cicloturista. Tiago Minusculi Tiago é formado em etiqueta a mesa e comportamento no meio gastronômico. Maitre, sommelier registrado na Itália com certificado internacional reconhecido, atribuído pela AIS Associazione Italiana Sommeliers. VALEU // 3ª EDIÇÃO JUNHO. 2015 DIREÇÃO // Carlos

Henrique Roncálio . Bruno Esteves Moreira . Clara Weiss Roncalio COORDENAÇÃO // Susana Andrade . João Moreira DESIGN GRÁFICO e redação // Studiobox.pt IMPRESSÃO // Tipotil Indústria Gráfica CONTATOS // João 47 9168-5244 Clara 47 8822-0029 geral@revistavaleu.com.br EDIÇÃO // João


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Die Siegel/Ney Silva

Meca Esta não é uma reportagem jornalística tradicional. Não o é, porque o seu autor não é isento na matéria em questão. Por isso, é necessário, antes de tudo fazer uma declaração de interesses. Quando conheci Magda Pollman, a Meca do Bistrô Entre Parênteses, pelas mãos do João, um amigo de infância, também ele emigrado para estas verdejantes terras “al sur”, fiquei marcado por uma frase que, no seu jeito absolutamente direto e transparente, disparou durante a nossa primeira longa conversa: Escolho os meus amigos pelos seus defeitos. Com o decorrer do tempo, pude constatar como era verdadeira esta máxima que adotou para a sua vida. A Meca é assim. Quando gosta verdadeiramente de alguém, adota-o como amigo e leva-o consigo para sempre. A maioria das vezes no coração, mas muitas outras, de forma efetiva, integrando-o na família e entregando-lhe dignidade e amor. Comigo aconteceu um bocadinho de tudo isso. Fui adotado, como antes de mim muitos outros emigrados o foram, por ela e pela sua irmã Xuxa, no caloroso recanto de esquina transformado em bistrô. Por ali, afoguei a solidão em conversas intermináveis sobre cada uma das nossas vidas, sobre as idiossincrasias culturais de cada um dos nossos países e, sobretudo, sobre a condição humana. Muito do que aqui se escreverá resulta 6 dessas conversas madrugada afora, ouvindo as muitas histórias que a Meca tem para contar e que, como a sua própria vivência,

atravessam o Brasil de norte a sul ao longo de mais de cinquenta anos da sua História. A vida da Meca daria um livro. Daqueles com sucesso editorial garantido, assim encontrasse alguém com talento suficiente para verter no papel as extraordinárias façanhas que relata. Um livro que passaria a ser de leitura obrigatória em qualquer curso de gastronomia digno desse nome, tal a riqueza do seu conhecimento culinário. Mas, sobretudo, um livro sobre a beleza das diferenças culturais dos muitos brasis que fazem o Brasil, da magia da descoberta dos cheiros, das cores, dos sons e das gentes de um dos mais belos países do mundo. Quando regressou a Timbó há 10 anos, depois de viajar Brasil afora e aterrar, qual “peixe fora de água” na dengosa Bahia de Caymmi e João Gilberto, trazia na bagagem o sonho de doar à sua terra natal o conhecimento adquirido ao longo de anos de trabalho e aprendizado. Afinal, fora ela, alemã branca na mais africana e negra das cidades brasileiras, que fora a escolhida para banquetear os Reis de Espanha, o Presidente de Cuba, os Príncipes do Japão e tantas outras individualidades recebidas na sede da Aeronáutica de Salvador. Eram suas as cocadas com que Antônio Carlos Magalhães presenteava os políticos de Brasília. Era ela que organizava as festas dos colunáveis artistas e empresários da Bahia de Todos os Santos. Fora a ela que as entidades públicas de Salvador haviam recorrido para desenvolver


cursos de gestão doméstica para moradores das muitas favelas da cidade, recuperando tradições ancestrais na reutilização de matérias primas locais e no aproveitamento cuidadoso dos recursos existentes. Ora, se o seu trabalho fora tão reconhecido e proveitoso na Bahia, também o seria em Timbó. Infelizmente, assim não aconteceu. Os responsáveis públicos locais, provincianamente amarrados a preconceitos inqualificáveis, desmereceram da sua sabedoria e do seu impressionante curriculum. Disponível para formar graciosamente fornadas de novos cozinheiros, padeiros e pasteleiros na sua cidade, foi-lhe ostensivamente recusada essa disponibilidade. Porém, como é seu apanágio, Meca não desistiu e juntamente com a sua irmã e com o apoio incondicional do seu marido Carlos, um dos primeiros, senão o primeiro provador oficial de café do Brasil, responsável pela criação do polo cafeeiro da Bahia e uma das maiores autoridades vivas da matéria no país, meteram mãos à obra e abriram o Bistrô Entre Parênteses. Contra a opinião de todos, apostaram numa cozinha de autor, cuidadosamente elaborada, rica em frutos do mar (cuja tradição de consumo se reduzia ao litoral) e em produtos exóticos para a região, conjugando-os de forma harmoniosa com a gastronomia local. Assim, afirmaram o espaço como uma das referências gastronômicas mais importantes do Vale do Itajaí. Fintando os arautos da desgraça, Meca, com o pioneirismo que a caracteriza, transformou os hábitos alimentares da cidade, inovando na panificação, ao introduzir os pães de fermentação natural, artesanais e com diversos sabores; trazendo uma brisa de modernidade à apresentação de coquetéis e eventos; provando ser possível fidelizar clientes com propostas gastronômicas diferentes e ousadas e, sobretudo, ajudando, por sua conta e risco, a formar uma nova geração de futuros gastrônomos. Para quem duvidar, basta ler os rasgados elogios espalhados pelas redes sociais, por sites de gastronomia e por blogues de diversos países do mundo. Queiramos ou não, para sermos justos, em matéria gastronômica, existe uma Timbó antes e depois do regresso de Magda Pollman à sua cidade natal e isto é muito mais do que se possa dizer sobre qualquer chef de cuisine. As páginas que se seguirão são uma tentativa de resumo da vida desta mulher extraordinária, que, apesar dos meus muitos defeitos, ou, como ela diz, talvez por eles, me deu o privilégio de ser minha amiga.

Memórias em torno de um passeio a Itajaí Passa pouco das 11 horas de uma dessas manhãs solarengas de maio quando entramos no ferry que nos transportará a Navegantes. Um solavanco violento anuncia o início da curtíssima viagem até a outra margem, quando Meca, ou melhor, Magda Pollman, olhar fixo no céu azul, exclama:

- Que lindo esse bailado das aves!!!! Está vendo, João? Parece que estão se apresentando pra gente. O rosto cansado, mas com um não sei o quê de juvenil, ilumina-se com o mesmo sorriso que me encantou quando nos encontramos pela primeira vez. Um sorriso genuíno. Puro. Abençoado, assim o imagino. Por momentos ficamos em silêncio, enquanto as gaivotas continuam rasgando o céu, exibindo as suas perícias. - Sempre trabalhei muito, por isso habituei-me a transformar o trabalho em lazer. A aproveitar o que o Papai do Céu nos vai oferecendo. É tão fácil. Basta estarmos atentos e olharmos o mundo com olhos de ver. Agarramo-nos a tranqueiras a vida inteira. Queremos mais e mais, para quê? Quando morrermos não levamos nada. Não dou valor nenhum às coisas materiais. Mas, a isto – olhar postos na brincadeira das gaivotas - à beleza do mundo, às cores, aos cheiros, às emoções, aos momentos... a esses, sim! Ficam gravados na nossa alma para sempre. A viagem começou bem cedo, ainda a névoa ofuscava o verde das montanhas para os lados de Benedito e foi decorrendo sem sobressaltos, pautada por este olhar atento à nossa volta. Meca não gosta de itinerários principais. Prefere a tranquilidade das estradas secundárias, cheias de pequenas surpresas e da descobertas permanente de novas paisagens em velhos circuitos. Talvez este gosto por rotas alternativas lhe tenha ficado dos tempos em que,

vivendo solitária, em Curitiba, ainda antes de ultrapassar a barreira dos vinte anos, se habituou a ocupar os raríssimos dias de lazer com viagens de ônibus, sem destino, escolhidas ao acaso no quadro do terminal rodoviário, como que preenchendo com a beleza das paisagens o vazio humano para onde fora empurrada. Mas, estou a adiantar-me à história, como escreveu Karen Blixen em Out Of Africa, e a Meca não ia gostar disso. A Meca gosta de uma história bem contada. E a sua história começou muito antes, na Pérola do Vale, já lá vão mais de 60 anos, num tempo em que lazer era sinônimo de preguiça. Nascida no seio de uma das mais tradicionais famílias timboenses de origem alemã, Magda Pollman sempre foi irreverente. Pelo menos, é essa a imagem que guarda de si própria. Gostava de ler, de passear, de teatro, tudo o que os rígidos cânones de uma educação luterana consideravam fútil para uma menina. A verdade é que os tempos eram outros e no Vale, nascido da coragem desbravadora dos colonos de origem germânica e trentina, a vida nunca fora fácil. A austeridade familiar era fruto dessa tradição de labuta diária, de empenho permanente, de trabalho, de esforço, de dedicação. - A educação que a mãe nos deu foi rígida, mas era a que ela conhecia. A que ela aprendera. Não conhecia outra e, mesmo assim, foi muito menos rígida do que a que recebeu. Como posso julgar isso? – Olhar levemente inquisitivo a que correspondemos com um aceno de compreensão.

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Uma história paradigmática do espírito rebelde da jovem Magda é a da comemoração dos seus quinze anos, data marcante, ainda hoje, para todas as jovens brasileiras. Como suas amigas, Magda sonhava com uma festa glamorosa que registrasse o momento da sua apresentação social, uma espécie de ritual de passagem da infância à adolescência, por isso, como os pais optaram por não aceder à sua vontade, decidiu tomar em mãos a organização da sua própria festa e convidou as amigas, impondo a necessidade de cada uma levar algo para comer. O local escolhido: a Sociedade, o único que conhecia por intermédio da família. Quando o seu pai, frequentador habitual, adentra o local do evento e questiona os garçons sobre a festa que decorria, é informado de que se trata da comemoração dos 15 anos de sua filha. A cena que se seguiu adivinha-se à distância. Festa terminada abruptamente e Magda recambiada para casa e severamente punida pela ousadia. Meca conta a história entre gargalhadas, mas não consegue esconder no olhar a tristeza por uma austeridade que não entendia.

de 19 anos, carregando o rótulo socialmente inaceitável de ser divorciada!

Porém, apesar desta ligeira mágoa por se sentir como um peixe fora de água na sociedade tradicionalista em que nascera Magda guarda da infância e da juventude lembranças felizes.

- Um dia sentei-me na Rua Quinze, acho que hoje é Rua das Flores, pertinho da Boca Maldita e comecei a me questionar sobre a minha vida. Meu Deus, eu não vou conseguir me sustentar vendendo estes produtos. Abri o jornal, que comprara para procurar emprego (já tentara de tudo. Ser cozinheira, porque já nessa época adorava cozinhar, mas ninguém queria uma cozinheira tão jovem e bonitinha, como diziam.

- A Timbó desse tempo, tinha um glamour e uma elegância inimagináveis. Os bailes eram maravilhosos, com orquestras extraordinárias; havia um restaurante do Nelson Koprowski, que servia faisão, pernas de rã, perdizes, codornas, coisas que depois foram resgatadas e apresentadas como novidades gastronômicas, mas que nesse tempo já existiam na cidade. Então, apesar de uma rigidez que não tinha a ver comigo, com o meu feitio, eu tive o privilégio de viver numa Timbó muito elegante. A escola era excepcional. Tivemos uma formação muito boa, com grandes mestres, Zanella, Bonessi, Gelindo Sebastião Buzzi, polêmico e maravilhoso e muitos outros que não me vou lembrar. Nessa época, a gente tinha uma cultura única. Como eu sempre digo, Timbó era uma cidade bibelô. – Risos. – Tudo bonitinho, arrumadinho, certinho, coberto por uma redoma de vidro. Você só vai descobrir como é a vida, quando você sai debaixo dessa redoma de vidro. Quando você sai, descobre que o teu pedigree, o teu sobrenome que era tão importante e que tanto te orgulhava, acaba no perímetro urbano. Quando você sai do perímetro urbano de Timbó, a tua vida muda. Magda fala por experiência própria. Uma experiência dolorosa e traumática que marcou a sua vida para sempre. Casada muito nova, como era tradição à época, com o filho de um renomado deputado estadual, a jovem Meca apercebese, um ano passado sobre o matrimónio, que o compromisso assumido não podia ser mantido sem trair a educação que recebera e a sua dignidade pessoal e opta pela separação. Os motivos guardou-os para si, contrariando a insistência familiar para divulgá-los publicamente, o que a libertaria do ónus de tão dramática decisão, por considerar desnecessário denegrir a imagem do homem que amara e a quem decidira, em consciência, tomar como marido. Essa insistência em manter privado o que só ao casal pertencia, valeu-lhe a saída da redoma de vidro timboense e a descoberta de que, como afirmou, o seu pedigree terminava no perímetro urbano. - Não podia continuar casada. Tinha de me separar e isso era ir longe de mais para a sociedade timboense da época. Uma des8 quitada na família era algo inaceitável. Mantive a minha decisão e paguei o preço. - Um preço altíssimo para uma menina-mulher

Saiu de Timbó e foi para Curitiba, onde a família do marido tinha raízes antigas. Mas, Magda não queria amarras com um passado que doía demais. Começou a trabalhar, vendendo de tudo um pouco, porta a porta: enciclopédias, livros, detergentes concentrados, cursos de inglês. Não foi fácil. Muito menos para uma mulher. - Hoje vivo numa casa que lembra as muitas que percorri e na soleira da porta das quais me sentava chorando, por não entender porque aquelas pessoas, que tinham casas tão grandes, tão bonitas, não compravam os produtos que eu vendia. Para aquelas famílias era tão simples. Eram coisas que elas precisavam. E para mim, era a diferença entre ter ou não ter uns cruzeiros para poder comer alguma coisa ao fim do dia. Talvez por isso, hoje, eu compre tão compulsivamente algumas coisas. – Afirma entre risos.

Muito menos, inteligente e eu achava que era importante mostrar que era inteligente – Magda entre risos) e saltou-me à vista um anúncio discreto, que dizia: Urgente. Precisa-se secretária. Eu traduzi imediatamente: urgente – preciso de emprego. – Gargalhada geral! - No dia seguinte, às sete da manhã, estava sentada no escritório desse senhor. Só que eu não tinha roupa condizente com Curitiba, muito menos para ir procurar emprego. Então, tive de pegar escondido uma roupa da pessoa com quem eu estava morando: uma blusa preta de gola fechada, porque era Inverno, uma saia de lã e uns sapatos mocassin pretos, que eram meus. Ao meio dia tive de sair do escritório porque fechou para almoço e eu ainda não tinha sido atendida. Uma e meia da tarde, quando retornaram, lá estava eu à porta. Sete horas da noite, fui chamada para ser atendida. Eu estava roxa de fome, indignadíssima e com uma enorme vontade de matar o meu futuro chefe. Só que isso me ajudou muito, por estranho que possa parecer. Quando entrei na sala ele estava sentado, com as pernas cruzadas em cima da mesa e atirou: - Você é persistente! - Não, necessitada. Ele olhou para mim e deu uma risada. Então iniciou um questionário: - Boa datilógrafa? - Não senhor. - Boa taquígrafa? - Não senhor. - Experiente em secretariado? - Não senhor. - E o que é que você está fazendo aqui? - A mesma coisa que o senhor deve ter feito há vinte ou trinta anos atrás. Procurando o primeiro emprego e altamente necessitada dessa vaga. Ele esboçou um sorriso e disse que não tinha nenhum motivo para me contratar.


- Claro que o senhor tem um motivo para me contratar. Se eu consegui ficar sentada do lado de fora, com fome, com sede e com paciência para ser atendida, o senhor tem condições para me contratar sim. Até porque lhe dei uma prova de que sou teimosa e altamente persistente. Além disso, sou inteligente e lhe garanto que aprendo com grande rapidez. Ele riu muito, muito, muito e disse: eu nunca contratei uma pessoa como você, mas vou fechar esse contrato. Só uma coisa, a roupa que você trás não serve para trabalhar aqui. - Então eu não posso aceitar o emprego, porque essa roupa aqui já não é minha. Já peguei escondido. Ele olhou para a minha cara como se não estivesse acreditando que isso pudesse ser verdade e pediu um momentinho. Ligou para a mulher dele e disse: Mirta, amanhã você está muito ocupada? Ao que ela deve ter respondido não. – Então eu preciso que você faça compras para a minha futura secretária e compre um enxoval para ela. E fomos! Ele deu 100 cruzeiros. Era uma nota vermelha, que eu acho que nunca tinha visto. Compramos a roupa que a mulher dele achou adequada. Tudo em saldão, claro. Imagine eu, uma Pollman de Timbó, comprando refugo. – Risos. - Entre as muitas coisas, comprei um par de sapatos, que no momento não percebi terem um pé mais curto que outro. Sempre que caminhava mordiam-me os calcanhares. Magoavam bastante e eu dizia – me mordam muito, para me recordar que eu tenho de ter sucesso. Foram os maiores parceiros desse tempo da minha vida! Eu ia da Marechal Deodoro até ao setor administrativo entregar processos e em todo o caminho eles me magoando, sangrando e eu sempre conversando com eles e lembrando que esse era o caminho para endireitar a minha vida. Assim, Magda conseguiu o seu primeiro emprego. O velho autoritário sentado de pernas cruzadas atrás da secretária, que decidiu arriscar e contratá-la era o Dr. Rubens. Um dos anjos que o Papai do Céu foi colocando na sua vida, como gosta de lembrar. Funcionária dedicada e inteligente, Meca foi progredindo profissionalmente, ultrapassando, com provas dadas e muitas e muitas horas de trabalho e dedicação, a resistência inicial do seu chefe. Nesse tempo, morava com Marisa, com quem trabalhara como vendedora de porta em porta e a quem cuidava do filho todas as noites, em troca do quarto onde descansava umas quantas horas. Um dia, ao chegar do trabalho, encontrou as malas na portaria, com um bilhete informando que a sua senhoria tivera de mudar de cidade por motivos de saúde e com a indicação de uma morada, na Cruz Machado, onde deveria dirigir-se em busca de alojamento. Assim fez. - Na época eu achava que não tinha direito a nada. Depois de sair de Timbó, de casa de meus pais e de ninguém me procurar, ninguém se preocupar comigo, cobrava-me muito. Achava que o que me acontecia era justo, uma espécie de penitência, afinal de contas, eu devia ter algo de muito errado. Na solidão diária do meu quarto, todas as noites me questionava sobre o que teria feito de tão terrivelmente negativo para me sentir tão abandonada, tão solitária. Por isso, nem questionei a indicação de Marisa e lá fui para a Cruz Machado, para um pensionato. Fiquei a morar no primeiro andar e tinha direito ao café da manhã e jantar, só

que a pensão custava 100 cruzeiros por mês e eu recebia apenas 85. Trabalhava muito e passava o dia todo fora, só regressando à noite. Aí encontrava umas moças muito bonitas, muito arranjadas, que achava serem filhas de fazendeiros que tinham vindo estudar para a cidade. Eu tinha lido muito a biblioteca das moças e essa era uma imagem que me vinha na cabeça. – Risos – Com o tempo, uma delas, a Adelaide, se tornou minha amiga. Um dia, saindo bem cedo de manhã para trabalhar, como habitualmente, vi do outro lado da rua o Secretário de Saúde que conhecia bem do meu trabalho com o Dr. Rubens. Muito feliz e faceira, resolvi chamá-lo – Oi Doutor, tudo bom, como vai? Não me diga que também mora aqui? – Ele abaixou o rosto e foi embora. Quando cheguei ao escritório, contei indignada, o que tinha acontecido ao Dr. Rubens e ele imediatamente perguntou onde vivia. Quando respondi que morava na Rua Cruz Machado ele exclamou: - Na Cruz Machado? Isso é o puteiro da cidade! – Se era o puteiro da cidade eu não sabia. - Aí eu conversei com a Adelaide e disse-lhe o que o meu chefe tinha dito. Ela, muito querida e tranquila, perguntou: - Você acredita mesmo que nós somos filhas de fazendeiros ricos? – Acredito, respondi. – Não, Magda, hoje, quando estiver no seu quarto, depois das 10h da noite, olha pela janela e aí vai ver que vamos todas sair, muito arranjadas, porque somos bailarinas de uma boate. – Foi um choque para mim!

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O austero chefe, conhecedor do local indevido onde morava a sua secretária, deu-lhe um prazo para encontrar outra casa ou ver-se-ia obrigado a dispensá-la. Porém, compadecido com a ingenuidade de Magda e encantado com a sua eficiência laboral, optou por encontrar-lhe, ele mesmo, outro local para morar. - Essa foi uma das cenas mais hilárias da minha vida! – Exclama Meca com um sorriso rasgado. De fato, a solução encontrada, em casa de D. Ilda, era de uma decência irrepreensível, no entanto, distava apenas cinquenta metros do pensionato onde morara: um na esquina da Cruz Machado, a outra, na esquina da Voluntários da Pátria.

cidiu ir passar um final de semana na praia, onde encontrou um grupo de amigas de Curitiba que a convenceram a ir com elas à boate “Arrastão”. Mal ela sabia que essa incursão noturna mudaria para sempre a sua vida. De fato, assim foi. Nessa noite, conheceu Carlos.

- Eu estava com a turma, sentada e, de repente, entra um moreno no bar e toda a turma – Carlão, você voltou quando do Rio? – Eu pensei pra mim, tudo o que eu não gosto num homem: preto e exibido. Desse nem chegar perto. – Gargalhada geral!!!! – Daí eu fui dançar e quando parei sentei-me numa área reservada e ouço atrás de mim: a que devo a honra? Apanhei um baita susto. Era o tal do - Como é que eu podia adivinhar que cinquenta metros podiam Carlão, me convidou para dançar e amanhecemos o dia dançando. fazer tanta diferença? – Pergunta retoricamente entre gargalha- Danço com ele há quarenta e cinco anos! – Olhar vibrante e sorriso das. Mas faziam! aberto. A verdade é que D. Ilda acabou por ser mais um dos anjos que o Papai do Céu colocou na sua vida, numa fase em que realmente começou a retirar proveitos financeiros do seu empenho profissional, sobretudo, a partir do momento em que, conhecedor da sua experiência publicitária no Jornal de Santa Catarina de Blumenau, o Dr. Rubens a incumbiu de dinamizar a Revista de Odontologia do Paraná. - Aí a minha vida encarreirou. Após uma viagem hilária a São Paulo, que jurei ao meu chefe conhecer, omitindo que, apenas de cartão postal, passei a viajar todo o estado e a participar de diversos congressos, em que palestravam as maiores sumidades nacionais e mundiais de odontologia. Ainda hoje, quando pego as fotos, até me emociono. – No olhar, uma intensa expressão de saudade. - Interessante que quando eu saí de Timbó, e isso é bastante importante que referenciem para as meninas e meninos timboenses, saí com a sensação de zero. Saí de Timbó com a certeza de que não era ninguém, não servia para nada. Quando comecei a ter sucesso no trabalho, a ser respeitada e a perceber que eu não era apenas uma certidão de casamento desfeita, que a frase “você já foi casada, já não serve mais pra nada” era mentira, eu comecei a me conhecer, a acreditar em mim. 10

Por essa altura, com 21 anos, quase a completar 22, Magda, autônoma, determinada e profissionalmente bem sucedida, de-

- Apaixonei-me, perdidamente, naquela noite. Quando saímos da boate, já de dia, convidou-me para ir com ele para Paranaguá e eu fui. Três dias! - Quando regressei, D. Ilda recebeu-me em prantos, desesperada por não saber o que me tinha acontecido, acompanhada pelo meu cunhado Rui. Preocupadíssima, contatara a minha família em Timbó... Esse foi um dos momentos que marcou a minha vida. Essa genuína preocupação de alguém que não me era nada, com quem não tinha laços de sangue, devolveu-me a dignidade perdida. Eu passara a ser importante para alguém e isso mudou tudo. Entretanto, Carlos, 20 anos mais velho e com família no Rio, partira, como era justo que acontecesse, deixando o coração de Magda despedaçado e preso para sempre. Passou um ano sem passar um dia em que Meca não recordasse o preto exibido da boate “Arrastão”. E, esse ano passado, surpreendentemente, ou talvez não, porque nestas coisas do amor Deus gosta de brincar conosco, Carlos liga. – Ainda tem espaço para mim na sua vida? – Sim, Carlos. Não consegui esquecer você. – O carioca gingão tinha sido destacado para Maringá e o casamento, debilitado com há algum tempo, terminara em separação. - Vim a Timbó comunicar à mãe a minha decisão de ir viver com Carlos e lá fui com ele para Maringá. A mãe disse apenas: nicht bringen sie mir einen schwarzen hause – Não me venha com um preto para casa. – Sorriso entristecido.


- Não queria ter sabido daquilo. Preferia ter ficado com a imagem que tinha do ex-marido.. Preferia ter continuado na ignorância. - Afirma Magda, com uma tristeza genuína estampada no rosto. Porém, sabe que não é verdade. Foi a noção exata dessa conspiração, que lhe deu ainda mais forças para, ao regressar anos mais tarde a Timbó, encarar com altivez, mas sem soberba, uma sociedade que a julgara e condenara sem culpa formada e que, mesmo confrontada com a verdade escarrapachada nos autos dos vários processos judiciais em que o seu ex-marido se viu envolvido a posteriori e em que usara indevidamente o seu nome, preferiu continuar a conviver com o manto diáfano da mentira que criara.

Passar uma vida em Itapoã

E Magda foi como sempre até aí, seguindo um destino que não programara, mas que Deus desenhara para si. Apesar das incríveis perseguições que viveu durante este período: das expulsões de casas por não ter informado que era desquitada, às abomináveis acusações de perversão de menores, levantadas indecorosamente pelos familiares do ex-marido, Magda prefere guardar da experiência curitibana o que de bom lhe aconteceu e, sobretudo, os muitos anjos que foi encontrando nesse atribulado percurso de uma jovem solitária, entregue a si mesma, numa cidade, senão hostil, pelo menos desconhecida. É necessário saltar muitos anos nesta história, já com Magda mãe dos seus dois filhos, Kleber e George, e uma vida tranquila com Carlos, na sua casa frente ao mar em Stella Maris, o bairro nobre da capital baiana, para que se encerrasse definitivamente o capitulo traumático da sua separação e do ostracismo que lhe valeu cinco anos de solidão curitibana. - Lembro que estava na sala com o Carlos e as crianças e recebo uma ligação de Santa Catarina. Sabe quem está falando? – A voz familiar lembrou-me um amigo que estava sempre a pregar partidas. – Daqui é o seu marido. – Eu já entrando na brincadeira, quando ouço um soluço entrecortando a frase – Estou ligando para te pedir perdão. Meu Deus!!!! Era mesmo o meu ex-marido que chorava compulsivamente. – Já te perdoei há muito. Aliás, não há nada a perdoar. Seguimos os nossos caminhos. - Não, você tem de me perdoar pelo muito mal que te fiz. – Aí começou a relatar as mentiras que dissera a meu respeito a senhorias minhas em Curitiba e que levaram à minha expulsão dessas casas, as falsas e caluniosas acusações em locais onde procurara emprego, que implicaram, inclusivamente, tentativas de abuso por parte de possíveis contratadores, entre outros horrores que já esquecera e que sempre atribuíra a mim mesma, à minha insegurança, à minha fragilidade, à minha condição de desquitada. - Esse telefonema foi um choque. Nunca me passara pela cabeça que o homem que em tempos amara pudesse ter sido tão cruel, tão maldoso, tão perverso. Por que, meu Deus? Por quê? Se, por um lado, para Magda, estas revelações foram chocantes, por outro foram um bálsamo, ao constatar através delas, que não era ela, menina-mulher, que era um zero, não era ela que não tinha valor, era a maldade de alguém que, ao marchar-lhe a dignidade, a tinha impedido de mostrar o seu valor.

Uma das maravilhas que Meca encontrou no seu percurso, foi o da diversidade cultural do seu país. Da experiência infanto-juvenil de uma regrada educação alemã, mesclada com a abundância exagerada e festiva da tradição italiana de Ascurra, passando pela descoberta dos traumas de guerra da colônia ucraniana de Curitiba, que ainda respeitava o blackout noturno, ao choque da chegada à Maringá, onde os cardápios eram em japonês, de tudo Magda viveu um pouco, absorvendo sempre o muito que cada uma destas vivências extravagantes tinham para oferecer. Foram bons os tempos de Maringá, onde nasceu o seu tão desejado primeiro filho, Kleber. - Foi muito exótico viver ali. A colônia japonesa era muito grande. Majoritária. De tal forma que ali me senti discriminada pela primeira vez no meu país. Nos clubes de japoneses, os brasileiros não podiam entrar. Acredita nisso? Eduardo e Massaio se apaixonaram. Massaio, japonesa e Eduardo brasileiríssimo. Tiveram de fugir para conseguir casar. Era uma regra instituída. Foi lá o meu primeiro contato com a comida japonesa. Na feira vendiam sushi e sashimi feitos na hora, isto há 45 anos atrás e apareciam japoneses na porta da nossa casa para vender raiz de lótus, broto de bambu, broto de soja e fui-me envolvendo com a cultura oriental. Aprendi a usar todos estes ingredientes, a fazer bolinho de folha da batata doce e a preparar o feijão guando com uns nordestinos que viviam próximos de nossa casa. Vejam esta mescla, esta mistura de culturas! Nesse tempo, Magda vivia ao sabor das comissões de trabalho de Carlos no IBC, que a levaram a Minas, São Paulo, Espírito Santo, onde se familiarizou com o preparo do chocolate e depois ao Rio e a Salvador, como que de ex-capital em ex-capital, percorrendo as entranhas históricas do seu país. - Isso foi muito enriquecedor para mim. Se você olhar uma cidade como apenas uma cidade, todas são iguais, mas se você olhar a cultura do local, você aprende muito. Eu sempre me entreguei para as cidades onde vivi. Eu amo as cidades onde tive o privilégio de morar, amo a cultura do povo, porque cada história, cada cultura, cada prato, cada comida tem a ver com a sua origem. A comida, ela não é aleatória. Ficou aleatória por causa da indústria, que tem contribuído para emburrecer o povo. Eu não sou contra a indústria, mas contra os efeitos que ela tem gerado de diluição de conhecimentos ancestrais e que farão com que daqui a uma ou duas gerações tenham desaparecido por completo. Eu gosto de procurar esses conhecimentos locais, regionais que revelam as tradições mais enraizadas dos brasis do meu Brasil. Por exemplo, Minas é um Estado maravilhoso, tão grande que quando tu está de um lado de Minas, é uma história, quando tu estás no meio

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é outro e quando está lá na ponta de Minas, no Caraça, é outra completamente diferente. As dificuldades da extração de ferro, a poluição, os problemas de tuberculose de um lado e a delicadeza do Convento do Caraça, com os Lobos Guarás, o banho do Imperador, que mais não era do que um poço dentro do rio, do outro. Aí você começa a conhecer um Brasil coloridíssimo, um Brasil rico. Como eu sempre digo, nós brasileiros somos como filhos de rico, não conhecemos os bens que nós temos e essa é a maior doença do nosso país. Essa é a maior doença, nós não sabemos o que nós somos. É horrível isso. - No meio destas andanças, o IBC levou-nos para a Bahia e isso sim, transformou-me para sempre! Há uma Meca antes e depois da Bahia. – afirma determinada, com um sorriso estampado no rosto, enquanto começa a trautear – “eu vim de lá pequenininho, alguém me avisou pra pisar nesse chão devagarinho”. Eu tive de pisar muito devagarinho porque eu era alemã e branca. Logo nos primeiros dias, com o Kleber pela mão e o George na barriga eu fui pra praia da Barra. Quando pisei na areia, todo o mundo se virou para olhar e eu virei também para ver qual era a atração e aí percebi que a atração era eu, transparente, nem era branca, era transparente. Hoje me chamam de cabocla aqui em Timbó, mas na época eu era transparente, branca de doer na alma e virei atração da praia. Foi muito hilário, isso! A Bahia foi um choque cultural e financeiro gigantesco. A diferença de nível de vida de Maringá para Salvador era assustadora. Salvador era uma cidade portuária e turística, uma das capitais mais caras do Brasil, até hoje e para nós sulistas, habituados a ver casas bonitas e jardins bem tratados, uma grande favela. Além das pessoas, com uma forma displicente de agir, “minha tia e meu tio e mermão, meu rei”, pensei, estou morta! Quando ia fazer compras, percebi que havia uma descriminação muito grande, tratavam-me por “a Dona Branca, a Dona Gringa, Branca Azeda, Dona Barona” e o preço era um, mas quando ia com Carlos e era ele a comprar, o preço era outro. Meu Deus! Nos primeiros tempos chorei muito. Chorava todo o dia. Não me adaptava e tinha saudades da minha família, da minha mãe, que estava a 2300 quilômetros de distância. Isso me custava muito! Apesar das diferenças de opinião, eu amava a minha mãe. Minha mãe sempre foi para mim a minha maior e única mestra. Era muito difícil estar ali, tão distante e numa cidade que eu considerava tão hostil. Magda continua: - Um dia, fui com Carlos a uma festa e não me deixaram entrar porque era branca. Ele podia entrar, eu não. Isso foi demais para mim e aí decidi entrar no jogo. Esculhambavam-me e eu esculhambava também. Ia ao mercado e se o preço que faziam era diferente, falava em baianês: ó seu filho da puta, tu pensa que sou gringa? Sou gringa não! – Risos - Tudo mudou a partir daí. Virei baiana e acho que para sempre. Daí, mais adaptada, comecei a fazer doces e pão e a vender para fora. De repente, começaram a aparecer clientes indicados por outros, que vinham tomar café e comprar pão lá em casa, já em Stella Maris. Nessa época, Stella era um deserto. Só dunas. Fomos uns dos primeiros a ir morar para lá, mas era lindo! Uma vista maravilhosa sobre as dunas e o mar. E daí a coisa pegou e comecei a trabalhar mais e mais. A coisa foi ganhando dimensão. – Orgulho estampado no rosto.

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Como tudo na vida da Meca, o início não foi fácil. Foram centenas, os quilos de farinha gastos para fazer pães, que oferecia, de porta em porta, ainda a madrugada mal começara. - O melhor marketing é dar a conhecer o nosso produto e eu acreditava muito no que fazia. A sua experiência em publicidade, que já lhe tinha valido aquando do seu trabalho com o Dr. Rubens, em Curitiba, voltou a revelar-se essencial, desta feita para dinamizar o seu negócio. Durante e estadia em São Paulo, lembrava-se de ter visto painéis publicitários em alguns ônibus e, com o auxílio de um marqueteiro amigo, decidiu implantar em Salvador o que a surpreendera na capital paulista. Fez uma proposta à empresa de ônibus da cidade e em pouco tempo, todos os ônibus baianos anunciavam em letras garrafais: “Pão de Magda, o melhor pão de Salvador.” A qualidade do produto aliada a este genial golpe de marketing, transformaram a sua padaria na mais famosa da capital baiana. Daí para a frente, nada mais parava a sua empresa! Passou a abastecer os melhores espaços da cidade e, em pouco tempo, transformou-se na responsável pelos eventos da Aeronáutica. - Foi a minha melhor escola! Uma lição de vida e a possibilidade de trabalhar com produtos, que apenas em sonhos entrariam na minha cozinha. Certa vez, o capitão Sousa, meu interlocutor, entrou na minha padaria e disparou – A Dona Magda sabe fazer comida espanhola, não sabe? – Eu que aprendera a dizer que sim a tudo, respondi de imediato que sim. – É que vamos receber os Reis de Espanha e precisamos que a senhora faça um jantar espanhol. – Meu Deus! Eu não fazia a mínima ideia de como seria a culinária de Espanha. Peguei nos meus livros e comecei a estudar. Preparei um coquetel extraordinário, que acabou por ser elogiadíssimo. As histórias deste período não têm fim. Do banquete preparado para Hillary Clinton, à investigação exaustiva da sua vida pessoal e de toda a sua equipa, levada a cabo pelos serviços secretos cubanos, para que pudesse banquetear Fidel Castro. Pelo meio, ficou amiga de diversas celebridades que a visitavam na sua padaria do Farol de Itapoã ou, mesmo, na sua casa virada ao mar. O negócio corria de vento em popa, de tal forma que Magda e Carlos se acharam no direito de usufruir de um merecido descanso e optaram por alugar o negócio ao braço direito da empresa, um funcionário que os acompanhava desde a primeira hora, ao mesmo tempo em que decidiram abrir uma filial, gerida pelo filho Kleber. A ideia era que as duas se completassem e durante uns tempos assim foi. Até ao dia em que a doença de sua mãe a devolveu à sua Timbó Natal. - Regressar a Timbó trinta anos depois não foi fácil. Eu vinha entusiasmada, com vontade de ensinar o que aprendera. Tinha uma vida tranquila, um ótimo rendimento e podia dedicar-me a ajudar a formar jovens na área da gastronomia, mas não tinha um canudo. Os mais de quarenta anos de experiência, para os responsáveis locais não serviram de nada, nem o curriculum das empresas com quem trabalhara. Isso foi um choque! Por essa altura, o meu funcionário a quem alugara a padaria deixou de mandar o pagamento dos aluguéis. Roubou-me o negócio. Confiei demais nele, roubou tudo. Mas, roubou tão bem que roubou também as responsabilidades legais e laborais que eu teria. Enfim, fez um bom serviço! – sorriso aberto. - Com a perda desse rendimento, decidi voltar a trabalhar. Primeiro, ajudando o Kleber no Campo do Zinco, que era do marido da minha irmã Chica e depois, com a Xuxa, fundando o Bistrô.


Deus, de fato, desenha. Se não tivesse perdido a padaria, talvez me tivesse acomodado, mas esse fato estimulou-me e regressei à cozinha. - Ainda bem que voltou, pensamos nós! - Agora, que o bistrô já está firmado e é uma referência na região, vou regressar a Salvador. O meu patrimônio está lá e o Carlos, que já está com mais de oitenta, quer voltar para a nossa casa de Stella Maris. É justo que assim seja. Com muitos problemas nessa caminhada conjunta, Carlos sempre foi um ótimo pai e um excelente companheiro. Como posso negar-lhe esta vontade? – Questiona retoricamente Magda, com a voz ligeiramente embargada. É hora de almoço quando chegamos a Balneário Piçarras. À porta do restaurante onde paramos para almoçar, um menino de rua, já não tão menino quanto isso, esboça uma espécie de sorriso quando nos aproximamos. Deixando-me para trás, Magda vai conversar com ele uns breves momentos, antes de lhe oferecer algum dinheiro para que possa comer algo para enganar a fome. - Reparou no olhar dele, João? – Pergunta-me ao vir ao meu encontro. – Reparou nos olhos dele? – Insiste – Os olhos dele falavam. E tinham tantas coisas para dizer. Contavam uma história. Pediam ajuda! Há tantos olhos a pedir ajuda... Talvez tenha sido esse pedido de ajuda que Meca vislumbrou nos olhos de Ricardo e do seu companheiro de rua, quando os viu à porta de sua padaria em Salvador e os mandou ir a sua casa para comerem uma sopa. Olhos de súplica de quem é quase nada. Mas, deixemos que seja Ricardo a contar essa história: - Morávamos numa favela em Salvador. O meu pai era um excelente carpinteiro de violão, mas bebia muito e um dia chegou em casa e me deu uma surra de cabo de martelo e eu fugi e fui morar na rua. Foi assim que conheci a Meca, com 8 anos de idade. Estava com outro menino à porta da padaria dela, quando ela passou e perguntou o nosso nome e nos mandou ir na casa dela comer um prato de sopa. Eram 11h da manhã. Nós fomos e ficámos. Quando ela chegou, deu um banho de caco de telha na gente. Estávamos cheios de piolhos. Aí comemos e fomos ficando. Eu ia ver ela fazer pão e ela perguntou se eu queria aprender, que a minha vida iria mudar se eu quisesse aprender e assim foi. Eu comecei a aprender. Aprendi tudo com ela, os pães que ainda faço. E fui ficando, morando com eles, até que um dia ela disse que vinham para Santa Catarina e eu fui morar para o interior com a minha avó que a Meca tinha descoberto. Eu fui e ainda bem, senão teria virado marginal, mas era muito bagunceiro e não deu certo. Regressei para ir ter com ela e vim para Santa Catarina. Isto já tinha 17 anos. Antes a mãe (referindo-se a Meca) e o pai

Die Siegel/Ney Silva

Die Siegel/Ney Silva

(Carlos) me colocaram na escola, professores só para mim, para eu aprender a ler e escrever, mas não dava. Sou bom de contas, mas ler e escrever, não. Mas, sei fazer muitas coisas que muita gente que sabe ler e escrever não faz e isso, aprendi com a mãe. Tudo o que eu sou, eu devo a eles. Hoje tenho uma empresa, a Especialidades de Ricardo, que a mãe me ajudou a fazer, para produzir os pães que aprendi com ela. Eu amo muito os dois. Eles é que me deram a dignidade que eu tenho hoje. Se eu tenho oportunidade de vencer na vida, não posso dizer que foram os meus pais verdadeiros que me deram essa oportunidade, foram eles. O meu maior medo é perder os dois, o meu pai e a minha mãe. A história de Ricardo é contada com orgulho. O orgulho de quem fintou a morte no dia em que conheceu Meca e encontrou uma família que preencheu o vazio da rejeição. O menino de rua de Salvador, que Meca e Carlos adotaram, verte no olhar gratidão e amor sempre que fala dos pais, uns anjos que o Papai do Céu colocou no seu caminho. Entramos para almoçar, deixando para trás aquele par de olhos com tantas histórias para contar. A Meca está triste, embora não queira aparentar. Triste porque, mais uma vez, larga um projeto que alavancou com a sua sabedoria e a sua enorme capacidade de trabalho. Talvez seja mesmo a cigana que afirma pensar ser, feita para, de tempos a tempos, mudar de vida. Seja como for, a decisão está tomada e Magda e Carlos partirão em breve, no mesmo Monza com que, por tantas e tantas vezes, atravessaram o país, rumo à Bahia com h. Vai fazer-me falta! Vai fazer-me tanta falta! Mas, nada de tristezas, afinal de contas, como ela gosta de dizer: é Deus desenhando!

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Therbio Felipe – Professor Sobre Rodas - Brasil O tempo tem sido considerado como uma das maiores frustrações da humanidade, porque quanto mais julgamos contêlo, menos dele aproveitamos. Desde que Einstein provou que não existe o tempo absoluto, parte determinante de sua Teoria da Relatividade, ficamos todos nós, humanidade, presos, atrelados, enfim, acorrentados a esta medida incerta e subjetiva, tão cronológica e concreta quanto simbólica e complexa. O que quero dizer sobre o tempo é que nunca o temos. Fazemos parte do tempo e não o contrário. Não o detemos ou o controlamos. Então, quando realizamos a escolha de como fruir pelo tempo e espaço usando nossa bike, somos autores de uma forma de turismo que se contrapõe diretamente àquela denominada Turismo de Massa: o Turismo de Experiência. Enquanto o primeiro é um turismo de ‘destino’, tal é a relevância que tenham os verbos ‘chegar’ e ‘consumir’ nesta prática, o Turismo de Experiência sugere e possibilita que a tônica seja a ‘paisagem’, da qual também fazemos parte. Os verbos que acredito corresponder a esta prática são ‘experimentar’ e ‘compartilhar’. O Turismo de Massa, por sua vez, pode até impactar positivamente na entrada de receitas numa comunidade, mas desconfio que não colabore tanto assim na distribuição equânime dos seus benefícios.

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O Cicloturismo, em contrapartida, é uma possibilidade de Turismo de Experiência, pois é considerado como um deslocamento voluntário (viagem) valendo-se da bicicleta como meio de interação, mais do que simplesmente de transporte.


Voltando à ideia inicial de tempo, ao praticar Cicloturismo temos a nítida sensação de que sua escala é distinta daquela que conhecemos em nossas práticas cotidianas entre a moradia/trabalho/estudo/moradia. Ao ciclonavegar em momentos de lazer sobre rodas, nos permitimos experimentar de uma nova concepção de tempo, a qual ouso chamar de ‘tempo das sensações’.

Ciclonautas: co-autores do Turismo de Experiência Ao praticar o Cicloturismo nos apresentamos e nos percebemos em busca e não em fuga. E não há receitas para esta prática, ainda que existam orientações e métodos de seguir um roteiro ou circuito pré-estabelecido, o que assegura uma experiência com imprevistos menos dolorosa, além de uma cicloviagem com sugestões valorosas de outros companheiros de caminho. Baseando-me no que sempre me orienta o mestre Antonio Olinto, percebo o Cicloturismo como uma proposta de descoberta pessoal, mais do que, oportunamente, descobrir novos lugares naturais, outras culturas e personagens. Ao fazer isto, nos transformamos. Já não conseguimos mais sermos os mesmos após encontrar o cidadão que visitamos, tal é a maneira como se desvela aos nossos olhos, simples e ao mesmo tempo impactante. Seja numa estadia longa ou num par de horas a perambular pelo centro histórico; seja no artesanato delicado ou na gastronomia irretocável; no andar diferente ou no falar caprichado composto por palavras e expressões que nos saltam aos ouvidos. Sim, não há como, pelo Cicloturismo, deixar para traz o que visitamos. Sempre fica um pouco de nós lá, e vai conosco outro tanto do que lá havia, subjetiva, simbólica e imageticamente.

A estrada, trilha de terra batida ou cascalho, as veredas, a vegetação e o vento a favor ou não; o cheiro da relva, o silêncio, a ave desconhecida ou o animal silvestre apenas visto em programas televisivos; os aromas das uvas do sul e dos frutos do cerrado, os sabores das mesas e os encantos das paisagens construídas, carregadas de sentido; as ‘gentes’ tão lindas e ricas de sua natureza simples e que, debruçadas nos caminhos, emolduram o que vemos e moldam o que somos. E apenas para aproveitar a oportunidade, há uma frase que me acompanha desde as primeiras pedaladas que em muito justifica o sentido que dou ao Cicloturismo: “Todo caminho leva a algum lugar e a alguém”! No Cicloturismo o tempo da experiência ou das sensações nos promove a todos, visitantes e visitados, a nos tornarmos descobridores de nós mesmos. Considero, ainda que eu seja acadêmico demais em alguns momentos, o Cicloturismo como um dos mais pacíficos e românticos movimentos socioculturais das últimas décadas, e mais precisamente, um dos maiores promotores de minimização do abismo entre os diferentes, de positivas transformações atuais e futuras. E digo isto, por haver experimentado nestes últimos dez anos o que o tempo do acontecer, no Cicloturismo, permite. Porque o tempo, no Cicloturismo, é um tanto mais contemplativo do que objetivo, mais terno do que compromissado com a performance. É um ‘tempo de ir-se profundamente’, em direção de si mesmo e do outro. Humildemente, agradeço a Einstein por me fazer acreditar em um outro tempo possível, um tempo de sensações navegando minha bike. Salve a Bicicleta! Therbio Felipe M. Cezar – Professor Sobre Rodas

Penso, simplesmente, que seja um grande desafio a todos os ciclonautas passar a ‘ser paisagem’, porque isto incorre em dar a garantia de mínimo impacto presente nesta modalidade de ciclismo e turismo, ou melhor, nesta simbiose entre os dois conceitos. Ao vagar pelo mundo (calma, nenhuma alusão ao termo ‘vagabundo’, por mais lógico que isto possa parecer), o cicloturista interage com a paisagem, passa a ser paisagem. Interage, também, com a comunidade, se faz comunidade, enquanto de sua permanência por lugares interioranos, zonas ribeirinhas, arraiais, colônias, vales e serras, e porque não dizer, centros urbanos. Ele empresta de sua presença para mover pequenas economias ou suscitar negócios comunitários, geradores de novas cadeias que permitirão responder às demandas locais como a fome, a exclusão sociocultural, educação básica, saúde estrutural, xenofobia, entre outros aspectos.

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Frangos Você já viu o nascimento de uma ninhada de pintinhos? Não é especial? Eles bicam a casca do ovo com tanta dificuldade... e fazem o próprio parto! Quando conseguem se libertar saem todos melados, como um bebê recém nascido. Mas dentro de poucos minutos estão brilhando, embaixo das asas da mãe... e se aconchegam no calor do ninho. Lembro de ficar bastante tempo com eles quando eu era criança. Tinha uma hora que começavam a me seguir, como se eu fosse a mãe. Era engraçado!

Isso tudo é muito bonito. Até a parte em que esses animais crescem e viram nossa comida. O Sul é o maior produtor de frango no país. O Brasil, de acordo com a União Brasileira de Avicultura (relatório referente ao ano de 2013), é o terceiro país que mais consome carne de frango no mundo, atrás somente dos Estados Unidos e da China. Aqui, come-se, aproximadamente, 41,80 Kg por habitante ao ano. Com esse consumo exorbitante e com a criação em larga escala, o tratamento que é despendido para com esses animais acaba sendo muito cruel. Você sabe como é a vida de um frango de granja? Como são tratadas essas aves durante o curto período de vida que têm?

NASCIMENTO

DEBICAGEM

Pra começar, os ovos são colocados para serem chocados em prédios de incubadoras. O calor do ninho e das asas da mãe é algo que eles jamais conhecerão.

Logo que nascem, entre o primeiro e o décimo dia de vida, é realizada a debicagem, que, conforme Mauro Gregory Ferreira, é “[...] um processo cirúrgico, com a finalidade de se prevenir o canibalismo e a escolha das partículas maiores de ração [...] é um fator de stress para as aves”. O canibalismo não é um comportamento natural dos frangos, e só acontece devido às circunstâncias precárias e estressantes em que são criados: superlotação (acima de 10 aves/m² ), o calor excessivo, a ração em comprimidos, são os principais fatores que levam estas aves a cometerem o canibalismo. O que vem a ser a debicagem? A debicagem é a remoção de uma parte do bico do animal. Ela é geralmente feita com uma lâmina elétrica quente que corta e cauteriza o tecido do bico.

Peter Singer, em sua obra “Libertação Animal”, relata que pesquisadores ingleses, ao examinarem os bicos das aves debicadas, constataram que os nervos cortados cresciam novamente, transformando-se em neuromas, que, por sua vez, provocam muita dor em seres humanos que tiveram membros amputados. Ou seja, os animais sentem dor e a debicagem é a forma mais econômica que os criadores de frangos encontraram para continuar criando estas aves nestas condições adversas. Poderiam aumentar o espaço onde elas vivem, mas não! Isso geraria mais gastos. Logo, optam por cortar seus bicos, como se fossem unhas, que não têm terminações nervosas.

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ILUMINAÇÃO Visando a maximização da lucratividade, os criadores de frango adotam um sistema de iluminação que fica ligado praticamente o dia inteiro, para que os animais se alimentem o tempo todo, principalmente nos primeiros dias de vida. Nas primeiras semanas, a luz fica ligada vinte e quatro horas por dia, para fazer com que os frangos ganhem peso mais rápido. Em dias muito quentes de verão, as luzes são acesas de madrugada para que haja o aumento no consumo de ração nas horas mais frescas. O que é totalmente contra a natureza dessas criaturas, pois as aves, todos sabem, recolhem-se com o pôr-do-sol. Essa exposição à luz é um fator estressante, que faz com que os frangos comam mais, sem ter necessidade ou fome. É o que o stress e a ansiedade fazem. E isso nós sabemos! CAPTURA PARA O ABATE E TRANSPORTE A fim de serem introduzidas em caixas para serem transportadas aos abatedouros, as aves são apanhadas pelo dorso ou pelo pescoço. Sendo que as que são capturadas pelo pescoço apresentam um maior número de contusão. Alguns produtores de frango optam por capturarem as aves com colheitadeiras, o que, em tese, proporcionaria menos sofrimento, mas não é o que acontece. Existem vídeos na internet que mostram como alguns frangos sofrem com esse tipo de procedimento. Muitos apresentam feridas abertas. Se existe alguma cautela em alguns procedimentos é apenas para que a qualidade da carne não seja afetada, não pelo bem-estar do animal. Ou seja, a preocupação existente é com o prejuízo financeiro que a má qualidade da carne acarreta.

De acordo com Singer, depois de retiradas do caminhão, a caminho do frigorífero, as aves são empilhadas em gaiolas e esperam horas, sem comida e água, para serem dependuradas, de cabeça para baixo, em uma esteira transportadora, que as leva até a lâmina que tirará suas vidas. Guilherme Carvalho Felipe Leal relatou ao visitar uma granja: Uma vez que o caminhão estaciona ao lado do aviário, homens encarregam-se de apanhar as galinhas e encaixotá-las na carreta. Utilizando grandes sacos de material de construção, apanham com brutalidade e eficiência as galinhas apavoradas, enfiando sete em cada saco sem qualquer critério de posicionamento ou organização. Rapidamente, e ainda em tempo de as galinhas não morrerem asfixiadas, os homens colocam o saco sobre uma balança registradora, a fim de medir o peso vivo total que está sendo vendido, e despejam o conteúdo do saco em uma caixa de transporte, já sobre o caminhão, que mede aproximadamente 77x57x28 cm. Isso significa que as galinhas ficam acondicionadas a uma densidade de 16 galinhas por metro quadrado, ou ainda um espaço correspondente a uma folha A4 para cada galinha totalmente crescida. Ademais, o teto das caixas-gaiolas obriga as galinhas a ficar com o pescoço bastante retorcido. Sobre cada pilha de seis ou sete caixas, os carregadores vertem um balde de água a fim de minimizar a chance de mortalidade por desidratação durante o transporte. As pilhas são estruturadas lado a lado até preencher todo o espaço da carreta, de forma que muitas caixas no interior do empilhamento ficam totalmente cercadas por outras caixas, com pouca ou nenhuma ventilação.

ABATE Os frangos são pendurados e ficam com a cabeça imersa num tanque com água, onde passa uma corrente elétrica de alta frequência e com baixa voltagem. Cintia Rodrigues Gonçalves explica: O atordoamento elétrico aplicado em aves acontece quando estas passam com suas cabeças imersas em um tanque com água (ou salmoura) e são submetidas à aplicação de uma corrente elétrica durante um período médio de sete segundos, para que atinjam a inconsciência [...] É muito importante que esta operação seja bem executada, pois as aves seguirão respectivamente para a sangria e escalda, e não estando inconscientes poderá resultar em problemas de bem-estar (dor e sofrimento). 18

O biólogo Sergio Greif constatou, ao visitar um abatedouro de frangos, que quando esses animais são submetidos à insensibilização, ao invés de ficarem atordoados ficam mais agitados.


Foi indicado, em pesquisas realizadas, que algumas aves continuam vivas e conscientes depois de feito o atordoamento e também depois da sangria, e seguem assim para o escaldamento. O problema do método elétrico de atordoamento é que, se for muito forte, pode ocasionar a morte das aves e a sangria não será feita da maneira adequada. Então, usa-se uma voltagem muito baixa, o que muitas vezes não resulta na perda de consciência das aves durante o processo de sangria e escaldagem. E elas têm uma morte dolorida e cruel.

Pronto! É assim que funciona! E agora é só escolher como você vai querer o seu frango: assado, frito, à milanesa, galeto, peito, coxa, asinha, coraçãozinho, nugget, linguicinha? O prazer de comer vale todo esse sofrimento? “É fácil nos posicionar sobre um assunto remoto, mas revelamos nossa verdadeira natureza quando o assunto bate à nossa porta. Protestar contra touradas na Espanha ou o assassinato de foquinhas no Canadá e continuar comendo frangos que passaram a vida toda apinhados em gaiolas, ou carne de vitela de bezerros que foram separados da mãe, de deitar-se com suas pernas estendidas é o mesmo que denunciar o apartheid na África do Sul e ao mesmo tempo pedir a seus vizinhos que não vendam a casa a negros.” Peter Singer

ENGLERT, S. I. Nutrição Correta o Segredo do Sucesso. Avicultura, tudo sobre raças, manejo e nutrição. 7. Ed. Porto Alegre: Editora Agropecuária, 1998, p. 135-140). FERREIRA, Mauro Gregory. Produção de aves: corte e postura - Guaiba: Agropecuária, 1993, p. 44 e 77. GONÇALVES, Cíntia Rodrigues. Fluxograma de Abate de Aves. Disponível em: <http:// pt.scribd.com/doc/52499169/10/Atordoamento-ou-Insensibilizacao. GREIF, Sérgio, 2007. Disponível em:< http:// www.anima.org.ar/escravidao/comida/anotacoes/visita-ao-matadouro.html). LEAL, Guilherme Carvalho Felipe. Aspectos Éticos e Jurídicos da Produção de Carne e Ovos de Galinha em Pernambuco. Disponível em: <http://adarecife.files.wordpress.com/2009/03/ guilhermecarvalho-tcc-final-revisado.pdf. ROCHA, J. S. R.; LARA, L. J. C.; BAIÃO, N. C. Produção e bem-estar animal: aspectos éticos e técnicos da produção intensiva de aves. Ciência Veterinária nos Trópicos, v. 11, n. 1, 2008, p. 50). ROQUE, Vânia Ferreira. Aproveitamento de Resíduos de Carne de Frango: Uma análise Exploratória. Disponível em: <http://www.eps. ufsc.br/disserta96/vania/cap2/cap2.htm>. SINGER, Peter. Liberação Animal. Tradução Marly Winckler. Porto Alegre: Lugano, 2004, p. 113 e 116).

por Clara Weiss Roncalio

http://www.fotolog.com/freewords/23498095/ http://www.emparncaico.com/2013/04/manejo-matrizes.html 19


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Marlon Janke

por Nadége Caroline Giovanella

Ele me veio Assim tão de repente Tímido e manso Com essa mania De me fazer sonhar Com uma vontade De querer ficar Ficou

Fez meu peito Sua morada Mais um chá Mais um café Invento poesias Faço cafuné Do dia clarear Pra gente se amar

Da noite escurecer Pra gente se perder No frio, o mato Uns goles de vinho Vidros embaçados As curvas da estrada Fica um pouco mais E já não sei se volta Assim tá tão bom

Pega o violão Me faz uma canção Esquece o que não importa Deixa desse jeito Que desse jeito tá bonito Tá tão lindo de viver Esse nosso romancear Essa coisa simples que é A gente se gostar.

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Amigo Verde

Elisabeth Germer

Colonos à beira da extinção Por volta de 1870, chegavam em nossa região os primeiros imigrantes alemães e italianos. Provavelmente, decepcionados com o que viram ao chegar na Colônia de Blumenau, pois antes de embarcar nos navios que os trouxeram, foram iludidos por enganosas propagandas do Império, que prometia àqueles que se dispusessem a deixar todos seus pertences a fim de colonizar as terras do sul do Brasil, a viver em um lugar muito próspero, com grandes lavouras e abundantes colheitas, além de garantir alimento por seis meses, casa própria, ferramentas, animais domésticos, sementes, etc. “Cosa sarála sta Merica?”. Sabemos que não foi cumprido. Houve sofrimento, fome e miséria. E ainda falam que o “povo alemão” daqui é desconfiado, por que será? Dentre estes desbravadores e desbravadoras, destacaram-se os que tinham alguma afinidade com os trabalhos da terra, denominados então colonos. Esta palavra também significa o indivíduo que habita a colônia, mas na nossa região é sinônimo de agricultor e são estes indivíduos a quem quero dedicar minha homenagem. Sei que para o meio ambiente a chegada do homem branco, em qualquer lugar do mundo, inclusive aqui no Vale do Itajaí, foi sinônimo de desmatamento, poluição, chacina dos povos indígenas, doenças, etc. Mas estamos aqui por causa dos imigrantes, principalmente europeus. Não acho que a maioria deles destruía por maldade, pelo contrário, tinham que sobreviver e para isso 22 faziam aquilo que conheciam com as ferramentas que tinham e, assim na época como hoje em dia, penso que qualquer trabalhador é vítima de um processo de utilização da mão-de-obra

para fins questionáveis, que visam lucro rápido para uma minoria elitista. Sempre foi assim. E o que o Colono daqui tem a ver com isso? Existem histórias verdadeiras de comerciantes e industriais da região do Vale do Itajaí, que conseguiram dar o pontapé inicial de seus negócios graças a empréstimos cedidos por colonos. Muitas vezes, estes inventores e empresários não tinham credibilidade na cidade e sabiam que havia nas zonas rurais colonos com muito dinheiro, que acumulavam suas economias, pois não gastavam com quase nada, além do fato de que a agricultura estava em alta na época. E hoje, muitas destas empresas são destaque a nível estadual, regional, nacional e até internacional. Logo, aqueles colonos que incentivaram as atividades industriais na região são dignos de mérito, não são? Deveria, mas não é bem o que acontece. Sabemos que não foi só com a ajuda financeira inicial que as indústrias daqui tiveram êxito, mas também e, principalmente, por causa de uma mão-de-obra específica, de gente acostumada a trabalhar, que acordava cedo e andava vários quilômetros de bicicleta, saindo de suas propriedades rurais até a cidade e ficavam dez, doze,... até dezesseis horas trabalhando em locais fechados e ainda levavam bronca do patrão. Muitos chegavam em casa cansados e ainda tratavam e tiravam leite das vacas ao anoitecer. Sim, eram colonos que, por via de políticas progressistas pró-indústria, abandonaram aos poucos sua profissão marginalizada de agricultor para atender a propósitos políticos e empresariais de crescimento desenfreado. E o campo? O que aconteceu com as zonas rurais? Aconteceu o inevitável. Propôs-se um crescimento urbano e um não respeito às áreas de produção rural. Quero, por exemplo, citar cidades como Blumenau, Indaial, Jaraguá do sul e outras em menor es-


cala que, ao longo de poucos anos, permitiram a ampliação do perímetro urbano em áreas tipicamente rurais. Instalaram-se loteamentos irregulares, sem condições sanitárias e ambientais. Terraplanagens retiraram colinas e tamparam nascentes. Riachos onde havia pesca e tomava-se banho, viraram esgoto, algumas pastagens até tornaram-se depósito de lixo e entulhos. Quem ganha com isto? É certo lucrar com a desgraça de alguns? O pior de tudo é que quase não existem lideranças que defendam a agricultura familiar em nossa região, que está a mercê de lobbys empresariais e políticos que transformam lugares encantados em uma selva de fios, concreto, asfalto e outdoors. Aqui a política agrícola se resume em passar a patrola nas estradas, quando convém ao poder público, e também fazer uma festa no dia do colono, uma vez por ano, onde ele, o colono, ganha um churrasco. A indústria e o comércio vêm recebendo ao longo dos anos vários tipos de incentivos do poder público, que, claro, adora bajular para depois em época de campanha política receber apoio. Mas, por que não incentivam o colono a ficar no campo produzindo? Os benefícios sociais e ambientais seriam muitos para o município. Teríamos geração de empregos, menos veículos no trânsito urbano, verdadeira qualidade de vida, áreas produtivas no entorno das cidades o que faria com que a população urbana consumisse produtos locais, frescos, mais ecológicos, além de toda uma logística prática com menos emissão de carbono na atmosfera. Teríamos um eficiente turismo rural. Hoje, os mochileiros e o pessoal do cicloturismo, não encontram um típico café colonial em propriedades rurais. Encontram inúmeros sítios à venda, chácaras de final de semana, diga-se, improdutivas, galpões que desobedecem critérios arquitetônicos, muitas vezes impostos pelo plano diretor de alguns municípios. E aí o passeio perde a graça.

Elisabeth Germer

Se você é empresário ou empresária aqui do Vale Europeu, acho, sinceramente, que você tem uma dívida para com os colonos que ainda existem aqui na região. Acho que juntos, possam colaborar para salvar a figura do colono, preservando seu espaço, seus costumes, sua água, seu ar puro, sua nobreza de transformar, junto com a Terra, trabalho em alimentos saudáveis e saborosos, porque não devemos apenas comer para encher a barriga, mas sim, alimentar-se de produtos com sabor e que nos façam bem. Ajudar a ensinar os produtores locais e seus descendentes da importância de preservar as florestas em seus terrenos, porque existem exemplos aqui e no resto do mundo, que é possível produzir e preservar ao mesmo tempo. Sei que podem aprender com isso também. Que as diferenças econômicas e sociais que os separam não atrapalhem na construção deste futuro mais justo para com todas as partes. Então, todos ganharão. por Gabriel Weiss Roncalio

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A Feirinha ...o lugar mais democrático da Cidade. Sexta feira, fim de tarde. A cada final de uma semana de trabalho, o ritual repete-se: o encontro familiar na feirinha. Chope Borck na mão, em torno de uma mesa que, à medida que o tempo passa, vai aumentando de tamanho, agregando amigos e amigos de amigos que, como nós, vêm usufruir do mais democrático dos espaços de Timbó. Por aqui não há lugar para distinções sociais, títulos acadêmicos e diferenças de credos. Aqui somos todos iguais, partilhando um espaço comum de verdadeiro convívio e diversão. A feirinha da Assagro teve início no ano de 1998, no mesmo lugar onde é realizada atualmente, no Pavilhão de Eventos e o espírito mantém-se igual, desde o início. Não me recordo exatamente da primeira vez que por lá passei, mas sei que durante algum tempo fiz parte integrante dela. Foi na época em que participamos com uma barraquinha, minha mãe, minha cunhada Renata e eu. Revendíamos os queijos do Dario e da Jacomina Eccel, lá de Rodeio. Eram queijos maravilhosos! Tinha de todos os tipos e para todos os gostos. Dos mais fortes como o Nostrano, divinamente cremosos como o Crescenza, e outros com suas peculiaridades: cacciota, provolone, scamorza (defumado e normal), puína, gorgonzola. Minha mãe também fazia apfelstrudel, torta de maçã e torta de ricota pra vender. No primeiro dia, lembro que comi tanto queijo (acompanhado de chope Borck – combinação perfeita, aliás!) que até passei mal. Hoje já não existem mais os queijos do Dário e da Jacomina, nem os apfelstrudel de minha mãe. Mas continua a existir a feirinha e nem imaginam como isso, para mim e acredito para tantos e tantos timboenses, é tão importante. Durante um tempo, a feirinha foi transferida para um local mais central da cidade, na Avenida 7 de Setembro. Ali era feita uma promoção. Quem frequentasse quatro sextas-feiras seguidas, ganhava 1 chopp de graça e, na primeira vez que completasse essa ´façanha,´ ganhava uma caneca da Borck (VIP, segundo meu amigo Piter, grande frequentador na época). Quem ia durante seis meses direto, ganhava uma sexta-feira de chopp livre!!! Pra comprovar, tinha até que bater cartão! Algo que deveria ser retomado, na minha opinião! Mais tarde, em 2009, pela falta de condições técnicas do local, por ser uma estrutura muito antiga, voltou a acontecer no Pavilhão de Eventos. A princípio, seria temporário, até um local mais adequado ser encontrado. Mas, é o lugar onde a feira acontece até hoje. Às terças e sextas-feiras, a partir das 15 horas, as barracas estão montadas, prontas para receber quem queira comprar fresquíssimos produtos verdadeiramente orgânicos, comer tilápia, uns pastéis feitos na hora ou doces e geleias caseiros, beber um chope da cerveja viva da nossa cidade ou, simplesmente, passear 24 e trocar ideias com feirantes e outros visitantes.

O clima da feira é muito agradável. Dos feirantes com os clientes, entre eles e também das turmas que se reúnem pra comer e beber. O pessoal dos orgânicos até joga truco! Muitas informações são trocadas, desde receitas, aos benefícios que determinada planta traz para a saúde, tanto por parte dos feirantes como dos frequentadores da feirinha. Às vezes, alguém leva um legume diferente, para os feirantes verem. Esses dias, um senhor levou uma berinjela branca, enorme. Eu nunca tinha visto e acredito que a maioria dos presentes também não! É esta partilha de conhecimento e até mesmo de produtos que faz da feirinha um local especial, despretensioso e descomprometido, entregando-lhe uma genuinidade rara de encontrar num tempo dominado pelo excesso de individualismo e por uma concorrência desenfreada. Comprar na feirinha produtos diversificados, naturais, orgânicos, feitos no forno à lenha, produzidos com respeito e com amor, é sinônimo de qualidade de vida. Além de significar um incentivo às pessoas da nossa terra que acreditam ser possível manter vivas tradições que vêm dos seus pais e antes deles dos seus avós e dos avós dos seus avós. É a garantia da manutenção de um legado que firma a história da nossa região e que honra a memória dos colonos do Vale. Ter a possibilidade de levar esses produtos pra casa colocá-los em cima da mesa, ver o seu colorido tão rico, experimentar a pureza do seu sabor, é dignificar a riqueza da nossa região e constatar, com orgulho, como a nossa terra é tão generosa! FEIRANTES As verduras e frutas que são vendidas pelo pessoal da PROORG são todas orgânicas. São produtos sazonais, plantados na região.


Jair Francisco Dallabona Frutas da época: amora preta, morango, figo, lichia, laranja champagne, graviola, banana, physalis e tomate-cereja. Gilmar Chiste Chuchu, alface, repolho, pimenta, feijão azuki, gengibre, cenoura, acelga, aipim, batata, hortelã, morango, uva, caqui-fuiú, xinxim, carambola, laranja, maná, melão de São Caetano, limão e banana.

Dentre os produtores que fazem parte da PROORG e que vendem na feirinha estão: Wilson e Bianca Perboni Cebolinha, salsinha, nirá (alho em folha), rúcula, chicória, alface (vários tipos), batata doce roxa, cenoura, beterraba, beringela, páprica, manjericão, couve, brócolis, repolho coração de boi, quiabo, morango e amora-preta.

Alinor Krieser Pepino, aipim, batata-doce (roxa, branca e amarela), quiabo, vagem, berinjela, repolho (roxo e verde), brócolis, alface, abóbora, pimentão, chuchu, batata yacón, couve-flor, banana e amorinha.

Vanusa e Rodrigo Kertischka Cenoura, açafrão, batata-doce, chuchu, berinjela, salsinha, cebolinha, rúcula, alface, gengibre, pimentão, pepino japonês, tangerina e laranja.

Se você quiser comprar geleias, encontra dos mais variados tipos na barraca da Arlete Draeger: Figo, acerola, morango, ameixa, laranja, jaboticaba, carambola, banana, amora preta, Ela vende também pepino na salmoura, melado, mel, filé de tilápia limpo e caldo de peixe congelados. Também são vendidos buquês de antúrios.

São pessoas que respeitam o lugar em que vivem, respeitam a saúde de seus clientes e fazem isso com muito amor.

Na barraca da Dona Anatália e de sua filha Dorlize Klitzke têm produtos feitos no forno à lenha: pães (arroz, cará, batata-doce e aipim), bolachas (araruta, amanteigada, de melado), bolachas de Natal, orelha de gato, bolos, rocambole, bolo seco, pão de mel e o famoso heringsbrot. 25


Tem a barraca da Dona Gisela Dargert, de sua filha Márcia Suely Dargert Janke, do genro, Alfeu Janke e do neto Paulinho (Paulo Henrique Janke) onde são vendidos deliciosos pastéis (quejio, frango, carne e pizza), bolinhos de carne, coxinha, bananinha e X-salada. Esse pessoal não para!

A Márcia Margarete Nones e o marido, Ademir Bonfim, também vendem produtos feitos no fogão à lenha. Pães (de milho, cará, integral, batata-doce e aipim), bolo seco, cucas, rocambole, torta de queijo, bolos confeitados, tortas salgadas e doces, bolachas de Natal, bolachas (amanteigadas, coco, melado) e pão de mel. Também tem um delicioso caldo de cana e sucos de polpa.

O Edson Lanznaster e sua sobrinha Roberta, junto com o Fabrício Martins e com a Adriana Reis, vendem tilápia. Tem espetinho, enroladinho, bolinho, filé, em postas, filé chapeado com castanha e alcaparras, caldo de peixe, batata e polenta fritas. Aqui é preciso de senha!

E temos o nosso chope predileto, o chope Borck. O chope da família do Seu Brunhard e da Gladis. Conta com a ajuda do filho Thiago, da filha Michele, do genro Luciano, também do Alcides, do Oscar e da sua esposa, Suely. Tem o chope de Trigo (Weiss), o escuro, o Pilsen e o Red. 26 por Clara Weiss Roncalio


Saibamos conservar o que é bom No seu extraordinário ensaio “As Ideias Conservadoras Explicadas a Revolucionários e Reacionários” (Edições Três Estrelas), o pensador português João Pereira Coutinho, partindo de uma das mais célebres definições de conservadorismo avançada pelo pensador britânico Michael Oakeshott no clássico “On Being Conservative”, afirma: “Todos somos conservadores. Pelo menos, em relação ao que estimamos. Família, amigos, livros, memórias até. Conservar e desfrutar são dois verbos caros aos homens que ainda estimam alguma coisa. E, em alguns espíritos, esses verbos são conjugados com maior intensidade e frequência, a ponto de se transformarem na sua gramática essencial.” Eu sou assumidamente um desses espíritos. Talvez por ter nascido no país com fronteiras definidas mais antigo da Europa, com mais de 900 anos de história. Talvez por ter percebido que, para que tal acontecesse, foi necessário o empenho de gerações e gerações para a sua conservação e preservação. Talvez por ter aprendido, muito novo, a amar as coisas intrinsecamente genuínas, verdadeiras e a perceber que é através delas que se desenha a História e cada uma das nossas histórias. A cor das pedras gastas das muralhas dos castelos, o peso das madeiras talhadas à mão, a beleza dos azulejos cuidadosamente pintados, o efeito do reflexo do Sol nos vitrais das escuras Igrejas medievais, lado a lado com o amarelo das giestas floridas antes do dia da Ressurreição do Cristo Crucificado, o cheiro do pão acabado de cozer nos fornos comunitários e dos fumeiros de embutidos caseiros, os ninhos de cegonhas no cimo das torres das igrejas, os campos cultivados, brotando vida nas sementes transformadas em flor, as alfaias agrícolas cuidadosamente arrumadas na antecâmara do estábulo dos animais. São coisas antigas, eu sei, mas fundamentais, porque são a essência de tradições ancestrais, nas quais radica a nossa identidade cultural! Por isso as quero preservar, porque as estimo. Em Timbó, que se tornou também a minha cidade, existem muitas e muitas coisas que estimo, que amo e que quero ajudar a preservar, uma delas é a feirinha da Assagro. A origem das feiras remonta à antiguidade, mas a sua disseminação e formalização aconteceu durante a Idade Média e radicou na necessidade de troca de excedentes entre produtores agrícolas. Este mercado de troca direta foi sobrevivendo ao longo dos séculos e perdura até hoje. Com o decorrer do tempo, pelo afluxo de gente que atraíam, foram sendo enriquecidas com a introdução de espaços de lazer e animação, transformando-se em polos de riqueza e desenvolvimento para as cidades onde se realizavam. Por diversas vezes, os arautos do progresso tentaram acabar com elas, afastando-as do centro das cidades, relegando-as para espaços longínquos e de difícil acessibilidade ou, pelo menos, querendo emprestar-lhes uma modernidade que apenas serviu para descaracterizá-las. Isso aconteceu um pouco por toda a Europa durante o século passado, até ao momento em que, percebendo o erro de tais decisões, os responsáveis políticos iniciaram o caminho inverso. Um caminho de revitalização das mesmas, devolvendo-lhes a mais importante das suas características: a sua genuinidade. Hoje, é comum encontrar feiras semanais nos centros de Paris, Londres, Bruxelas e um pouco por todas as cidades da Europa.

Foi por isso, com uma alegria enorme, que descobri a feirinha de Timbó. Uma feira autêntica, verdadeira, genuína. Onde produtores agrícolas vendem os seus produtos verdadeiramente orgânicos. Onde descobri a magia medicinal do melão de São Caetano, o poder curativo da raiz do taiuiá, o sabor da tilápia e do heringsbrot. Onde experimentei pela primeira vez o chope Borck de que me tornei indefectível consumidor. Onde vi um grupo de alemães tocar samba. Onde fiz amigos, com quem discuti política, música e literatura. Onde me habituei a ver as diversas “tribos” de Timbó convivendo sem restrições numa enorme mescla cultural, como que entregando cosmopolitismo a um espaço iminentemente rural. Habituei-me a ir ler para a feirinha, enquanto aguardava o espetáculo do sol, espraiando por trás dos morros verdejantes o avermelhado dos seus raios de fim de dia. De há uns tempos a esta parte, a Prefeitura iniciou obras de melhoramento no espaço envolvente ao pavilhão, o que a meu ver é bastante positivo e enquadrar-se-ia numa perspectiva verdadeiramente contemporânea de gestão urbana, ao melhorar as acessibilidades de um dos polos mais emblemáticos da cidade. Acontece que fui informado de que tal projeto implicará a realocação da própria feirinha, para uma área a criar especificamente para o efeito, separando fisicamente os pontos de venda de produtos orgânicos, da área de alimentação. Esta intenção, a confirmar-se, representará o desvirtuamento de um conceito ganhador, que, inclusivamente, é motivo de estudo por parte de entidades públicas de outras cidades, nomeadamente Curitiba, cujos representantes visitaram o local há pouco tempo, visando perceber os motivos do seu sucesso e, eventualmente, copiar a solução existente. A feirinha resulta, exatamente, pelo fato de mesclar no mesmo local físico, área de lazer, alimentação e venda de produtos locais e não perceber isto é não perceber a magia do conceito instituído com sucesso comprovado. Tem sido a união, por vezes atribulada, mas efetiva, dos feirantes existentes, que tem permitido a introdução de pequenas melhorias para os clientes, preservando, no entanto, a essência do projeto inicial. Querer alterar o que existe, numa ótica de dar mais dignidade e conforto ao espaço, é desvirtuar uma tradição já enraizada nos timboenses e nos muitos visitantes que a frequentam e matar um dos poucos casos de sucesso na interação social na cidade. Apelamos, pois, aos responsáveis políticos, para que não cedam à tentação provinciana de importar soluções supostamente modernas que apenas resultam nas apresentações computorizadas dos supostos arautos de um progressismo na maioria das vezes retrógrado. Ao Estado, nas suas várias estratificações políticas, cabe intervir no que está errado ou não funciona e auxiliar a preservação do que de bom acontece. A feirinha é um caso de sucesso de público, de imagem da cidade e de negócio para os seus intervenientes, saibamos conservá-la por muitos e bons anos. Por João Moreira Fotografia: Chlôe Fotografia Criativa

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A Música Ela pode chegar em nossas vidas de diferentes maneiras, pode vir de longe ou de perto, forte ou suave, agarrando instantaneamente nossos corações ou causando algum receio à primeira vista. Pode ser triste ou alegre, relaxante e reflexiva, ou dançante e energética. O que realmente importa é que ela chegue e faça a diferença, faça parte do nosso dia-a-dia, inspire o nosso redor e nos torne pessoas mais completas. A música é vista e ouvida das mais diversas maneiras pelo mundo inteiro, mas ninguém pode negar que o amor e o respeito por ela são os mesmos por todos os povos. A seriedade com que o Japão carrega sua música é a mesma com que a Nigéria, a Grécia e o Uruguai carregam as suas. Ela representa a força, os costumes e as verdades de uma nação, uma região ou vilarejo. Se buscarmos conhecer a música de um povo, estaremos pesquisando e conhecendo a história verdadeira das pessoas, e com isso, vem o respeito, a compreensão e admiração pelos seus costumes. Música é comunicação! Para que ela apareça em nossas vidas, precisamos estar com a mente e o coração abertos, sentir suas notas e absorvê-las de forma natural. Nossa relação com a música mudou e é até difícil definir quando isso começou. Alguém poderia imaginar que um ela se tornaria algo muitas vezes descartável, exclusivo para vendas e até artificial? Os tempos mudaram e a forma como a musa inspiradora para tantos artistas é feita teve de ser lapidada. 28 As músicas atuais que lideram as paradas de sucesso são o reflexo do mundo atual, sem sombras de dúvidas. Sempre foi assim!

Gosto de pensar que os grandes mestres da Música Clássica lotavam todos os teatros por onde passavam, que o Jazz e o Blues já foram os gêneros mais tocados das rádios, que o Rock & Roll dominou os anos 50 e mudou até a forma de pensar dos adolescentes da época. Gosto de pensar que a verdadeira música sertaneja e o samba de raiz já foram muito mais valorizados aqui no Brasil, assim como outros estilos que transmitem a mais bela poesia para seus ouvintes. Ao longo da história, muitos músicos conseguiram transmitir belas mensagens através de suas obras, que agora, ficarão para a eternidade e continuarão a fazer a diferença em nossas vidas. A música existirá para sempre e continuará fazendo do mundo um lugar melhor. Sempre irá nos trazer alegrias, reflexões, ideias e liberdade. Que os amantes desta arte infinita continuem a difundi-la, inspirando pessoas e lugares, e que ela sempre receba o seu devido valor! Texto dedicado ao eterno BB King. Escrito no dia 14 de maio de 2015. Leo Maier


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A Festa vai começar Em tudo que faço, sempre tenho um pezinho no passado. Adoro pensar em como as coisas eram, sem ser chato e antiquado. Gosto de imaginar como deveria ser a atmosfera nas festas de gala, regadas a grandes banquetes, bons convidados, vestidos a rigor, com ótimos assuntos e muitas gargalhadas. O cheiro do charuto se misturando ao ar e tomando conta do ambiente junto com o som da banda que ecoava janelas afora, até chegar aos jardins, onde as pessoas mais discretas se encontravam, embriagadas e cheias de sentimentos misturados. Amo essa magia passada que inspirou muito do que somos hoje. Como nessas épocas, hoje também há pessoas que amam beber ou degustar boas bebidas. E garanto a você que uma bebida que nunca saiu e duvido que vá sair de moda é o nosso queridinho vinho. Sempre presente nos melhores eventos da alta sociedade, ele pode ser muito cruel com os que não o respeitam. Acredito, que em todas as confraternizações, o que não pode faltar é a etiqueta comportamental. Ela nos deixa mais seguros e confortáveis ao nos ensinar o limite, seja na mesa ou no salão. Devemos ter o mínimo de civilidade para não acabarmos sendo vitimas de nós mesmos. Etiqueta é algo que muitos dizem conhecer, poucos realmente conhecem e raros são os que a usam com categoria. Na verdade, a etiqueta serve para nos ajudar a nos comportarmos melhor em várias situações do dia-a-dia. Devemos saber dosar o seu uso para não parecermos, ao invés de elegantes, verdadeiros elefantes brancos no meio de uma festa. O vinho pede um pouco de conhecimento lógico sobre ele e um pouco de etiqueta para podermos desfrutar de sua preciosa companhia. Devemos levar em conta detalhes básicos que servem para um deleite maior na hora do banquete ou conversa com os demais convidados. Quero passar algumas dicas que são ótimas para eventuais dúvidas. Se estivermos com sede, esperamos o garçom passar ou iremos até o bar. Não o chamamos com gestos ou assobiamos como para um cachorro. Ao sentarmo-nos à mesa levantamos a cadeira e jamais a arrastamos. Colocamos o guardanapo ao colo, se de tecido, se de papel deixamos na mesa. Os talheres devem ser usados sempre de fora para dentro, conforme menu estipulado pelo anfitrião. (É sempre bom evitar gesticular com talheres a mão, isso pode não ser uma boa idéia, assim como falar de boca cheia). Se mesmo assim bater aquela duvida espere que os outros comecem a se servir para ver como funciona. Assim que servido, espere pelo menos três pessoas estarem servidas para começar a comer, não é falta de educação começar a comer sem todos estarem servidos. Imagina uma mesa de dez, até o último estar servido você vai comer frio. Para as meninas lindas de plantão: se borrar a taça com batom, não tente limpar e tente usar sempre o mesmo lado da taça. Nunca pegamos uma taça pelo bojo, sempre pela haste ou base, para não alterar a temperatura da bebida. Ao terminar a refeição, JAMAIS use palito de dentes ou fio dental (para os mais vida loca) na mesa. Lugar de higiene bocal é no lavabo ou banheiro, ok? Somente ao se levantar você coloca o guardanapo na mesa, antes disso ele fica no colo. E ao nos levantarmos sempre pedimos licença aos demais. E claro que o cotovelo nem preciso falar aonde ele deve ficar. Gente, essas são regras que nos ajudam a nos portarmos melhor, cabe a você usar ou não. Como uma pessoa se comporta diante de um prato de comida pode nos dizer muito sobre ela. O mesmo serve para o vinho ou demais bebidas. Elas devem ser apreciadas sempre com moderação e respeito. Devemos intercalar com água e pausas para podermos degustar a bebida e manter uma conversa. O vinho pode facilmente alterar sua pressão e senso de espaço. São vários os casos de pessoas que passam um pouco da conta e acabam tendo uma conta meio alta no final. Festas são criadas para confraternizar, dividir alegrias e experiências, boas, que o vinho harmoniza. O mundo gastronômico e de bebidas é maravilhoso e cheio de sensações sem igual. Desejo a todos, muitas festas, muitos brindes e momentos cheios de alegria. Acredito que somos, além de tudo, privilegiados por podermos desfrutar de coisas tão boas como uma boa comida, uma boa bebida e companhias tão agradáveis como as que temos. por Tiago Minusculi

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A rolha de cortiça e o saca-rolhas têm futuro? O que será pensam deste assunto os nossos leitores? Muitas vezes, quando pensamos em futuro, em modernidade, somos levados a pensar em materiais “modernos” que afinal já não são tão modernos assim. É o que sucede a alguns produtores de vinho que, seja por uma questão de “moda”, ou por uma questão de custos, mesmo quando tentaram fazer bons vinhos, despois os colocam dentro de garrafas tapadas com as tais modernices, que afinal são velharias do século passado! É o caso das “rolhas” sintéticas, fabricadas com derivados de petróleo – plástico, etc. – ou de metais pouco nobres, que pouco diferem da lata…e quem quer um vinho “vira-lata”?

Cortiça, Material do Futuro

Quanto às primeiras, as “rolhas” sintéticas, ainda nos permitem a satisfação e o “glamour” de abrir uma garrafa com saca-rolhas… Mas no que diz respeito ao vinho que é suposto protegerem, não são garantidamente a melhor opção; e, se pensarmos em meio ambiente, e no nosso planeta, então o cenário fica mais feio ainda! Será necessário falar da imensa pegada ecológica que os derivados de petróleo acarretam? E será mesmo necessário recorrer a estas falsas rolhas, quando temos um produto 100% natural e amigo do ambiente, disponível para cumprir com a mesma função de uma forma muito mais eficiente? Quanto às segundas, essas tampinhas metálicas roscadas que actualmente vedam muitas garrafas de vinho dos sectores de gama baixa e média, do sector vínico, estão ainda mais longe de cumprir dignamente com a função que anunciam. Igualmente poluentes, também não são tão práticas como apregoam… Os seus fabricantes dizem que são práticas, pois dispensam o uso de saca-rolhas (é isso uma “vantagem”???) mas a verdade é que muitas vezes a sua abertura não é tão fácil assim, acabando mesmo por ferir as mãos do seu usuário! Sim, as arestas da sua extremidade podem ser verdadeiramente cortantes! E, quando a dita “lata” teima em não abrir? Nunca lhe sucedeu? Então, é necessário recorrer-se a alguma faca, ou objecto similar, e esta luta para consumar essa abertura supostamente “prática”, é mais uma “boa oportunidade” para que as mãos que teimam em libertar o conteúdo da garrafa, sejam vítimas de algum golpe; será esse um bom pronuncio para um serão entre amigos, ou para uma noite romântica? Quanto à suposta vantagem também apregoada pelos fabricantes das ditas tampinhas rocadas, de, em caso de o vinho não ser todo bebido nessa ocasião, poder ser “protegido” pela dita tampinha roscada, também nem sempre funciona… Ainda recentemente tal nos sucedeu, não com um vinho, mas com uma aguardente vínica; confiámos na dita tampinha mas esta, ao ser aberta alargou e, quando algum tempo depois a fomos abrir novamente, parte do seu conteúdo original tinha-se evaporado… Afinal de contas, o álcool é volátil! E se fosse um vinho de mesa? Bom, nesse caso já não seria um vinho, mas sim uma qualquer beberragem avinagrada. E então a cortiça, as rolhas de cortiça? Bom essas não são velhas, poderíamos até dizer que são eternas – um verdadeiro Clássico- , de tal modo a utilização da cortiça, para vedar recipientes contendo vinhos e outros alimentos, recua na história da Hu32 manidade.

Mas ao mesmo tempo, ela é tão actual, são tão fantásticas as suas capacidades como isolante que, ela também continua a fazer parte da tecnologia aeroespacial. Sim, dizemos contínua, pois, desde a missão Apolo XI à Lua, passando pelos famosos vaivéns Espaciais da NASA – esses mesmos que dominaram o Espaço nas décadas de 80 e 90 do século passado – que naves e foguetões aeroespaciais recorrem a inúmeros elementos de isolamento em cortiça, para assegurar uma melhor protecção térmica, contra o imenso calor pelo qual passavam, ao entrar e ao sair da atmosfera terrestre. E hoje como então, a mais moderna nave espacial - desta feita da Agencia Espacial Europeia – também recorre à cortiça, para garantir a integridade física dos seus equipamentos e ocupantes. Bom, mas quanto à rolha de cortiça, será que também ela tem futuro? Quanto a nós sim, sem dúvida alguma! Afinal, se a cortiça até protege astronautas dentro de uma nave espacial, também é certo que é, juntamente com o vidro, um material de eleição para proteger os melhores vinhos! Sendo certo e sabido que uma rolha, para ser extraída de uma garrafa necessita de um saca-rolhas, o seu único “problema” para ser devidamente aberta, é a existência de um saca-rolhas digno desse nome; Se a qualidade deste for fraca, dificilmente cumprirá adequadamente com a sua função.


Os fabricantes de outros vedantes para garrafas, sejam eles sintéticos ou de metal, podem inventar as mais estapafúrdias teorias mas, as rolhas de cortiça serão sempre o material de eleição quando se trata de preservar garrafas com grandes vinhos! Vinhos com caracter, com sabor, aromas, com capacidade de envelhecimento, esses merecerão sempre ser rolhados com verdadeiras rolhas, de cortiça natural. Quanto aos vinhos tipo “suco”, fabricados com “fórmula química”, cujo sabor é sempre igual, seja qual for o ano – bom ou mau, quente ou frio, etc. – esses se calhar nem mesmo garrafa de vinho merecem… E quanto a mim, e na opinião de grandes Chefs, nem para tempero na cozinha servem! Por isso, apesar de modas, os melhores e mais prestigiados vinhos do mundo, continuam a ser comercializados em garrafas de vidro, devidamente protegidos por rolhas de cortiça. E para abrir tais maravilhas, os melhores Designers do mundo, continuam a conceber os mais extraordinários saca-rolhas. Uns, objectos eminentemente práticos, outros, verdadeiras obras de arte. Tal facto quanto a nós é mais uma prova de que não só as rolhas de cortiça, mas também os saca-rolhas tem futuro! Por isso, caro leitor, se é um Homem ou Mulher que deseja desvendar e usufruir do maravilhoso mundo dos vinhos, não hesite em adquirir um saca-rolhas sólido e eficiente, de uso con-

fortável e com um desenho agradável. As escolhas são vastas. Sugerimos-lhe algumas marcas, que contam entre os seus colaboradores com inventores e designers com provas dadas e cujas criações dificilmente o deixarão desiludido. São nomes como, por exemplo, a holandesa VacuVin, a portuguesa ICEL, a francesa Peugeot, ou a italiana Farmitaly, [mas poderíamos ter citado muitos outros.] Bom, mas por agora, o que importa salientar caro leitor, é que os saca-rolhas não são todos iguais, sejam de luxo ou apenas funcionais. Mas sobretudo não hesite em ter um de boa qualidade e que seja adequado para ter em sua casa. Quanto a vinhos, se deseja ter a certeza de que o vinho que vai comprar é um produto sério, de qualidade, não tenha dúvidas e exija garrafas com rolhas de cortiça verdadeira. E por hoje concluímos dizendo, Viva o Vinho, Viva a Cortiça, Viva o Saca-Rolhas! Por Lopo de Castilho Este texto foi mantido no original, seguindo as regras da ortografia utilizada em Portugal antes da introdução do acordo ortográfico.

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BORCK CERVEJA VIVA VIVA COMO NUNCA. BORCK COMO SEMPRE CERVEJARIA BORCK. HÁ 19 ANOS, ARTESANAL DE VERDADE. 35


“Joia Rara” O telefonema surgiu inesperadamente. Cheila Menezes leu as duas edições da Valeu e gostou do conceito. Gostou tanto que decidiu contatar-nos com um desafio: o seu novo projeto, traria a Timbó dois artistas já consagrados em Florianópolis, será que estaríamos interessados em conversar com eles? Claro que sim. Esse é o espírito da Valeu. Encontramo-nos num final de tarde de sexta feira e Cheila trás consigo, não dois artistas, como esperado, mas uma família de artistas. Viviany Amorim, o seu marido, Luiz Gustavo, ou Zago, como é mais conhecido e duas filhas, que como Viviany dá a entender logo à partida, são as joias mais raras da sua criação. Viviany é designer de joias. Trabalha o mais nobre dos metais em formas ousadas, resultantes da inspiração que lhe vai chegando diariamente do mundo que a rodeia. A arte está-lhe no sangue e na alma. Antes de se arriscar a moldar o ouro e as pedras, inspirada pelo cuidadoso trabalho de sua mãe em torno dos metais preciosos, Viviany já era artista. Bailarina, mais precisamente, aliás, professora de ballet. E foi essa magia dos passos desenhados em torno de uma coreografia que transpôs para a transformação dos metais. Desenha as suas joias como passos de uma coreografia musical. Tão intrinsecamente musical, que muitas vezes, abandona por momentos a mesa do seu atelier, para adentrar, porta ao lado, no estúdio do seu Zago, atraída pelo som melodioso do piano, onde o marido, conceituado pianista de jazz, extravasa em acordes os seus estados de alma! Essa é também uma das fontes da sua inspiração. Foi, aliás um presente dele, uma pulseira que a motivou a descobrir o encanto deste mundo glamoroso. - Olhava aquela pulseira, estudava-a, rodava-a. Queria perceber porque prendia ali ou apertava daquela maneira. Dei comigo a pensar o que faria diferente. Não mais parei. Em 2004 fui fazer um curso de ourivesaria e em 2008 entrei na Faculdade de Moda de Florianópolis. Durante esse período, fui fazendo peças por encomenda. As pessoas contatavam-me, explicavam mais ou menos o que pretendiam e eu reinterpretava essa ideia ao meu jeito. Foi uma experiência muito legal e ainda hoje faço muitas peças assim. Mas, com o tempo, surgiu a necessidade de criar as minhas coleções. Algo que viesse de dentro de mim. A primeira coleção surgiu por inspiração das minhas filhas. Elas viam-me trabalhar e iam dando opinião e queriam mexer e tocar as minhas peças. 36 – Mãe faz joias para crianças. – Começaram a pedir e aí surgiu a ideia de juntar as minhas peças à música do meu marido, num projeto de musica para crianças a que chamamos “Joias para ou-

vir”, inspirado no universo do grupo de música infantil “No Dorso do Rinoceronte”. São peças de ouro, com diamantes e pedras brasileiras, representando, o universo infantil. Foi uma experiência maravilhosa. A segunda coleção, que Viviany apresentou na loja “Santa” do shopping Iguatemi de Florianópolis com enorme sucesso, surgiu, mais uma vez por meio de uma de suas filhas e de um trabalho escolar que teve de realizar, baseado em peças geométricas que encaminharam o imaginário da professora de ballet, transformada em designer de joias, para a poesia geométrica do milenar jogo chinês Tangram, que acabou por dar nome à coleção. A nova coleção, com sete peças, tantas quantos os cacos resultantes do espelho quebrado pelo rei, como reza a lenda chinesa, encaixa na perfeição, no conceito utilitário que Viviany tem da joalharia atual: peças adaptáveis, transformáveis, confortáveis e leves, que possam ser usadas nas mais diversas ocasiões. - Gosto de pensar que as minhas joias podem ser utilizadas todos os dias. Que não são peças de museu, guardadas no cofre. É esta coleção, pela qual Cheila Taufemback Menezes se apaixonou e que trará para Timbó e para toda a região do Vale. O gosto pelo brilho das joias está-lhe na alma. Gosta tanto do glamour e da beleza do ouro e das pedras preciosas, que decidiu arriscar trazer para o interior a coleção de sucesso da designer de Floripa. Os argumentos para esta aposta são diversos, da garantia de manutenção do valor intrínseco das peças pela utilização de materiais nobres, à exclusividade das coleções, acompanhadas de certificados de garantia e da assinatura da sua designer. Cheila está confiante. O dia D deste desafio tem data agendada algures pelo início de Agosto, num evento direcionado de apresentação das obras de arte criadas por Viviany. Entretanto, poderá obter mais informações através do seguinte contato: Cheila Taufemback Menezes Contato: (47) 8822-6556 Email: cheilatm@icloud.com por João Moreira


Museu Grão Vasco

MUSEU GRÃO VASCO | O edifício e a fundação do museu No centro histórico de Viseu, o imponente edifício, contíguo à Catedral, acolhe as valiosas colecções e serviços do Museu Grão Vasco. A sua construção teve início em 1593, sendo na origem destinado a seminário. É uma vasta construção em granito mandada edificar pelo Bispo D. Nuno de Noronha, prolongando-se as obras pela primeira metade do século XVII, com o Bispo D. Frei António de Sousa. Adossado parcialmente à Catedral, constitui com esta e com a Igreja da Misericórdia o ponto mais alto da cidade de Viseu, dominando o seu centro histórico. Embora se desconheça a autoria do projecto original, é provável que se deva a um arquitecto de origem castelhana, à semelhança do que sucedeu com o da actual fachada da Catedral, encomendado ao salamantino João Moreno. A fundação do Museu ocorreu precisamente há 99 anos, a 16 de Março de 1916, e surge no contexto histórico das reformas republicanas. O Decreto da criação do Museu Grão Vasco definia-lhe um acervo composto pelos valiosos quadros existentes na Sé de Viseu, pelo importante tesouro do Cabido da Sé, além de outros objectos de valor artístico ou histórico que pudessem ser cedidos e se tornasse conveniente incorporar no mesmo museu. Almeida Moreira, entusiasta da ideia de dotar a cidade de um museu, consegue, antes da sua nomeação efectiva como primeiro director e organizador do mesmo, abrir as portas ao público em 1914, na sala do cabido e seus anexos, junto do claustro superior da Sé. Em 1931, após algumas obras de beneficiação no edifício da Paço dos Três Escalões, inauguram-se as primeiras salas de exposição permanente. Ao contrário do que sucedia com o exterior, já que o edifício conserva genericamente uma marca identitária singular e poderosa, o interior, objecto de obras sucessivas de readaptação aos mais diversos serviços que ao longo dos séculos aí se foram instalando, ainda antes da ocupação do museu e chegando mesmo a coincidir com ele, encontrava-se profundamente degradado e descaracterizado.

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MUSEU GRÃO VASCO | As colecções Em nada surpreende que o pintor Vasco Fernandes, celebrizado no decurso dos séculos como o Grande Vasco, seja a referência maior, na designação e nos conteúdos deste Museu. As pinturas que o artista fez ao longo das primeiras décadas do séc. XVI, precisamente para as diversas capelas da Catedral e para outras igrejas da região, dãolhe, desde logo, um lugar de destaque no panorama da museologia portuguesa e do património artístico nacional. O Museu Grão Vasco possui ainda diversas colecções, constituídas por obras de arte maioritariamente provenientes da Catedral e de igrejas da região. Aos objectos originalmente destinados a práticas litúrgicas (materializados na pintura, escultura, ourivesaria e marfins), acrescem peças de arqueologia, uma colecção importante de pintura portuguesa dos séculos XIX e XX, exemplares de faiança portuguesa, porcelana oriental e mobiliário. Ao longo de quase 100 anos de existência, o Museu Grão Vasco reuniu um extraordinário e diversificado acervo, abrangendo um arco cronológico, artístico e tecnológico muito vasto. Destaca-se o notável núcleo de pintura primitiva renascentista que ocupa o piso superior e que está dedicado, com particular relevo, à obra de Vasco Fernandes, bem como dos seus colaboradores e contemporâneos. Neste núcleo podemos observar diversos tesouros nacionais, evidenciando-se o grande painel figurando São Pedro e a Adoração dos Magos, na qual, pela primeira vez, se representa na Europa a figura de um índio brasileiro. No piso intermédio expõem-se, por amostragem, colecções de arte românica e gótica, escultura religiosa dos séculos XVI a XVIII, arte dos “Descobrimentos” (África, Índia e Extremo Oriente, na qual se inclui um importante hostiário proveniente da Serra Leoa), artes decorativas (mobiliário, faiança, porcelanas e pratas), pintura barroca e neoclássica (destacando-se uma notável Natureza Morta representativa da arte peninsular do século XVII), retrato (com parte da obra do viseense José de Almeida Furtado – 1778-1831 – e uma obra do renomado pintor europeu Raimundo Madrazzo – 1841-1920), terminando na pintura naturalista e modernista portuguesa dos séculos XIX e XX, onde avultam importantes nomes como Tomazini, Alfredo Keil, Tomás da Anunciação, Silva Porto, Marques de Oliveira, João Vaz, Carlos Reis, Veloso Salgado, José Malhoa, Columbano Bordalo Pinheiro, Falcão Trigoso, Artur Loureiro, Joaquim Lopes, António Carneiro, entre outros. Em reserva estão diversas colecções assinaláveis: pintura, escultura, numismática, têxteis, azulejaria, arqueologia e documentação histórica.

Categoria: Pintura Denominação: São Pedro Título: São Pedro Autor:VascoFernandes (c.1475-1542) Local de Execução:Viseu Datação:1530 d.C. Matéria:Óleo Suporte: Madeira de Castanho

Categoria: Mobiliário Denominação: Contador de mesa Autor: Desconhecido Local de Execução: India Datação: 1675 d.C. - 1695 d.C. Matéria: Teca (base), ebano, sissó, marfim, madeiras exóticas e latão (cobreado) Técnica: tecnica de construção: cavilhada e pregada

O Museu Grão Vasco possui nas suas colecções vinte e duas peças classificadas como “Bens Culturais Móveis de Interesse Nacional”, vulgarmente conhecidos como “Tesouros Nacionais”. O Museu assume um papel de relevância patrimonial incontornável, quando nos referimos à quantidade e qualidade de “bens de interesse nacional” integrantes das suas colecções o que nos dá bem conta da importância do Museu Grão Vasco, no contexto da afirmação da identidade cultural do nosso País. Estas obras estão abrangidas por disposições legais especiais, que as protegem e classificam como bens raros e excepcionais. Para a sua classificação foram tidos em conta critérios como o carácter de autenticidade, originalidade, raridade e singularidade, mas também o génio do seu criador, o interesse do bem como testemunho simbólico ou religioso, ou ainda o valor estético, técnico ou material da obra. Significativos são ainda os bens provenientes de doações ou legados, destacando-se o de Alberto Eduardo Navarro (1891-1972), Visconde da Trindade e de Ana Maria Pereira da Gama (1923-2008). O piso inferior do museu dispõe de áreas destinadas a exposições temporárias, 38 livraria, loja, cafetaria, biblioteca de arte e arquivo histórico, contribuindo assim para a diversidade de oferta expositiva e formativa ao visitante.

Categoria: Cerâmica Denominação: Prato Autor: Desconhecido Local de Execução: Lisboa (?) Datação: XVII d.C. Matéria: Faiança Técnica: Peça rodada. Pintura a azul e manganês.


Museu Grão Vasco | Serviço Educativo Em 1960 foi criado o Serviço Educativo do Museu Grão Vasco. Nas palavras do então director, Fernando Russell Cortez, este serviço permitia “… incrementar a função educativa do Museu, acompanhando a evolução de uma nova sociedade, (…) contribuindo de forma destacada para a verdadeira e real democratização do saber, mostrando, sem possibilidades de contestação, a polivalência dos Museus (…) e o largo papel a desempenhar na valorização da grei.” O Museu Grão Vasco tornava-se assim num dos primeiros, a nível nacional, a pôr em prática um serviço de extensão educativa, concretizando o desejo de fazer do Museu uma instituição mais dinâmica. Na década de 70 o Serviço Educativo desenvolveu um programa pedagógico e artístico que marcou profundamente a sociedade visiense, através de actividades de ocupação de tempos livres e dos saraus educativos que ocorriam no auditório Gulbenkian instalado na Casa-Museu Almeida Moreira, nessa altura um anexo do Museu Grão Vasco. Hoje, o Serviço Educativo do Museu Grão Vasco orgulha-se de ser herdeiro deste espírito pioneiro, acumulando a experiência e o saber de todos aqueles que aqui realizaram, ao longo de anos, inúmeras visitas guiadas e actividades que promovem o conhecimento adquirido por prática, observação e experimentação. Hoje, como ontem, o Serviço Educativo do Museu Grão Vasco possibilita uma compreensão acessível das obras expostas e incentiva o enriquecimento pessoal, desenvolvendo competências e despertando emoções, através de múltiplas e diversificadas experiências.

Categoria: Têxteis Denominação: Fragmento de Sebasto Autor: Desconhecido Local de Execução: Inglaterra Datação: 1475 d.C. - 1499 d.C. Matéria: Fio de seda policroma; fio laminado dourado e prateado; cordão de enchimento e linho Suporte: Base do bordado: linho

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MUSEU GRÃO VASCO | Arquivo Histórico O Museu Grão Vasco possui no seu acervo, para além de importantes colecções artísticas no domínio da pintura, escultura, cerâmica, etc, um significativo espólio documental que constitui o Arquivo do Museu Grão Vasco. Reúnem-se neste arquivo cerca de 1300 documentos, 17 livros manuscritos e 4 selos avulsos, abarcando uma cronologia que se estende dos séculos XIII ao XX, na sua maioria provenientes do cartório do cabido da Sé de Viseu, à excepção da documentação posterior à República, relativa ao período de instituição do museu e de criação das suas colecções. Este acervo está organizado pelos seguintes fundos arquivísticos: - Pergaminhos: 1230 - 1840 (90 docs.) - Documentos Avulsos: 1431 - [séc. XX] (cerca de 1200 docs.) - Livros: 1361 - 1844 (17 liv.) - Fragmentos: [séc. XIII] - 1608 (2 docs.) - Selos Avulsos: [séc. XIII - XV] (4 ex.) Não sendo a colecção predominante deste museu, este espólio é, todavia, um precioso testemunho da história da Sé e da cidade de Viseu e um importante instrumento para a fixação da identidade colectiva à escala local, nacional e internacional. A constituição deste fundo documental liga-se, desde logo, à criação do Museu Grão Vasco quando, em 1916, ficavam à salvaguarda do museu os quadros e a escultura da catedral, o tesouro e o não menos importante fundo documental dos cartórios da Sé e do cabido, deixando-se ainda em aberto a possibilidade de incorporar outras peças de relevante valor artístico ou histórico. Em Janeiro de 1932 cria-se o Arquivo Distrital de Viseu, instalado no adro da Sé, na torre de menagem medieval até aí ocupada pela cadeia civil, com a finalidade de albergar, para além dos documentos dos cartórios paroquiais, notariais, judiciais e dos extintos mosteiros e congregações religiosas do distrito, os códices, pergaminhos e papéis avulsos provenientes dos cartórios da Sé e do cabido de Viseu, que até então se mantinham à guarda do Museu Regional de Grão Vasco. No entanto, já em 1919, este corpus documental tinha sido sujeito a uma escolha criteriosa que lhe apartava a documentação relacionada com as obras seiscentistas e setecentistas da Sé, tendo sido então entregue ao primeiro director do Museu Grão Vasco. É esta selecção de documentos que permaneceu no Museu Grão Vasco, nunca chegando a integrar o Arquivo Distrital de Viseu, que hoje constitui a maioria do acervo do Arquivo do Museu Grão Vasco. Em 2007 editou-se o catálogo do AMGV, que permite o acesso virtual a cada documento, acompanhado da respectiva descrição arquivística, a datação (cronológica e tópica) e o sumário (sucinto mas o mais completo possível), seguido de diversos elementos informativos.

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Tão significativo como as demais colecções museológicas que integram o Museu Grão Vasco, e o posicionam como de referência nacional, o Arquivo do Museu Grão Vasco merece especial destaque e afirma-se como indispensável para todos aqueles que querem saber mais sobre a história da Sé e da cidade de Viseu.

Categoria: Ourivesaria Denominação: Jarro de Água às Mãos Título: Aguamanil Autor: Desconhecido Datação: 1740 d.C. - 1765 d.C. Matéria: Prata dourada Técnica: Fundida e relevada

MUSEU GRÃO VASCO | Centenário Prestes a atingir os cem anos de existência e detentor de um acervo de referência, o Museu Grão Vasco foi recentemente classificado formal e oficialmente como “Museu Nacional”, por ser, de facto, uma referência nacional incontornável e por ser assim que todos o vêm, interpretam e consideram. É uma forma de reconhecimento da sua dignidade ao longo destes 100 anos e um meio que o ajudará à melhoria dos resultados que pretende alcançar no futuro. Para as comemorações do centenário do Museu, em 2016, está prevista uma programação diversificada e singular …… Ganham, assim, nova actualidade as palavras do escritor Aquilino Ribeiro: “O Museu Grão Vasco não é Viseu; não é a Beira. É Portugal. Mais que Portugal é o mundo, pois que a arte tem feição ecuménica.” –in Almanaque Bertrand, Lisboa, 1937, pág. 79. Museu Grão Vasco, 2015 Agostinho Ribeiro (Director)

Agostinho Ribeiro - Curso do Magistério Primário, pela Escola do Magistério Primário de Lamego, 1978; - Licenciatura em História, pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1984; - Curso de Pós Graduação em Museologia Social, pelo Departamento de Ciências do Património da Universidade Lusófona, 1993; - Mestrado em Museologia e Património Cultural, pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2002; - Curso de Formação em Gestão Pública (FORGEP), organizado pelo INA – Instituto Nacional de Administração, 2006.


Dr. Ivan Danker, com seus dois filhos que seguiram a profissão de Cirurgião Dentista, Andreas e Richard, realizando um trabalho no sistema CEREC. Esta moderna tecnologia 3D CAD CAM permite a construção de restaurações cerâmicas altamente estéticas em uma única visita, sem a necessidade de moldagens desconfortáveis. A Danker Odontologia oferece serviços odontológicos nas mais variadas especialidades como ortodontia, implantes dentais, periodontia, endodontia, próteses, restaurações e prevenção. Endereço: Rua Eng. Emílio Odebrecht, n. 08 Bairro das Nações, Indaial, SC Contatos: 47 3333 0095 / 47 3394 9481

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Egídio Frankenberger por Clara Weiss Roncalio

Egídio Frankenberger nasceu no dia 1º de setembro de 1946. Filho de Bernardo e Juliana Frankenberger. Seu avô, o Imigrante alemão Franz Joseph Frankenberger, foi o pioneiro da colonização da cidade de Rio do Sul. Casado com Maria de Lurdes Frankenberger.

e eu decidi fazer um concurso para trabalhar como fiscal de tributos, na Prefeitura, e passei! Em seguida, saiu concurso para trabalhar na Câmara. Eu fiz e fui o único que passou!” Onde permaneceu por 10 anos, de 1992 até 2002. Então, de uma vez por todas, resolveu dedicar-se à sua arte.

É descendente de alemão, mas foi criado no meio de italianos. “Quando meus pais casaram, foram morar em Rodeio, depois, mudaram-se para Rio dos Cedros, onde eu nasci, no Hospital Dom Bosco.” Conta que sua mãe teve que ir de carroça para o hospital, passando pelas roças de aipim porque estava tudo ilhado devido à enchente que assolou a região na época.

Geralmente, estaciono longe (até demais) da calçada, mas quando cheguei de fusca na casa 528 da Rua Espanha, provavelmente porque os anfitriões estivessem me esperando na porta, tive que raspar o pneu no meio-fio. Quando entrei na casa do Seu Egídio e da Dona Lurdes, senti o mesmo cheiro da casa da minha professora de piano, Cristina, onde eu fazia aula quando tinha uns 7 anos de idade. Foi uma lembrança boa! A casa é cheia de detalhes especiais, feitos por ele. Por exemplo, a escada é enfeitada com peças de madeira com um broto de planta desenhado, que vai aumentando à medida que sobem os degraus.

“Depois, meus pais mudaram-se, mas até 1958 nós ficamos, minha irmã e eu, na casa dos Buzzarello, para ir na aula. Fazíamos 7 Km a pé até Rio Rosina. O Inspetor da escola era o Ademir Araújo.” Frequentou o seminário em Ascurra até 1965, onde aprendeu a falar o italiano. “Eu me criei lá e era terra de italiano. Fui para o Colégio e era tudo italiano. Antigamente, quando nasciam os filhos de italiano, eles jogavam o cocô na parede, se grudasse, o filho ia ser médico, caso contrário, era mandado para o seminário. ” Brinca!

Após passar um ano em Taquari, onde os padres tinham um Colégio Agrícola, veio para Timbó e entrou no coral da Igreja Santa Terezinha. “Mas era uma bagunça, não sabiam as letras das músicas direito, as pastas sumiam.” Por isso, afirma, em meio a risadas, que todo coral italiano deveria ter um maestro alemão! Seu Egídio é autodidata, daqueles que se não sabe alguma coisa vai atrás até conseguir o que quer. Na época, sem internet, fazia suas pesquisas em jornais e livros “Se eu não conheço a palavra, eu pesquiso! Achava recorte no jornal, ou num livro e guardava.” E foi assim que buscou as letras das músicas e organizou o coral. Hoje, são mais de cem músicas que fazem parte do repertório! E, em meio a Fiamoncinis, Grethers, Ropelattos, o Seu Frankenberger Logo que eu cheguei, começamos a conversar e o Seu Egídio contou como começou sua história com a escultura. diz que é o único italiano legítimo. Quando o Seu Egídio disse que a turma do coral se reúne em sua casa todas as terças, eu me dei conta que antes, quando morava na Rua Bruno Klug, logo ao lado, sempre escutava um pessoal tocando acordeon e cantando em italiano. Morria de vontade de descer do apartamento e participar dessa festa! Agora, o convite eu já ganhei!

Foi em uma de suas visitas ao seu compadre e amigo escultor, já falecido, Max Hartmann, que resolveu pedir emprestadas algumas das suas ferramentas. Queria tentar fazer uma escultura. Já tinha até escolhido o motivo: O rosto de uma índia.

O próximo passo era ir atrás de um pedaço de madeira. Escolheu logo a mais bonita. Uma peroba! Ele conta isso rindo, Em 1966, mudou-se para Timbó e trabalhou na Germer até 1985. porque a peroba é uma das madeiras mais duras para trabalhar. 42 A partir deste ano, começou a trabalhar somente com artes, o que fez até até 1991. “Depois o Collor fez o que fez com as poupanças “É, a gente tem muita coisa ainda pra aprender na vida.” Foi o


que o compadre disse quando viu a obra pronta. O Seu Egídio, muito modesto, ‘acha’ que aquilo foi um elogio.

toda esculpida por nosso artista, trazida por um padre, que mandou cortá-la ao meio especialmente para o amigo.

Quando eu vi o primeiro trabalho do Seu Egídio, não acreditei: ele fez um rosto, que tem um grau de dificuldade muito maior, na peroba, que é uma madeira bem mais dura, comparada a outras. Por isso, não é de se estranhar a reação do compadre!

Ainda antes de chegar na oficina, passamos pelo quintal e o “Loro”, como todo bom papagaio, quis participar também da entrevista. Ali, o Seu Egídio e a Dona Lurdes colhem o que plantam: tomate, temperos e uma parreira de uva linda! Típica de um... alemão? Ali eu aprendi que a poda deve ser feita na primeira lua cheia depois do dia 24 de junho. Animado com o resultado da primeira peça, perguntou para o amigo se poderia lhe vender algumas ferramentas. Disse que não venderia, mas poderia trocar por algumas obras. Ele, então, fez alguns antúrios e copos-de-leite, uma linha que o amigo não fazia, pois fazia um trabalho mais rústico, e trocou por algumas ferramentas mais velhas.

A sala que o Seu Egídio trabalha é mágica. Tem cheiro de arte! São pedaços de madeira, ferramentas, esculturas por terminar... e muitos papeis com anotações, que servem de inspiração para futuras obras.

De todas suas obras, conta que só jogou uma peça fora, de raiva. Outra que ele queria jogar fora, sua esposa, Dona Lurdes, não deixou. E foi a primeira que ela vendeu em uma feira na qual participou. Perguntei se já havia feito algum curso de artes, ele disse que fez um curso de desenho, pois, na época, pretendia pintar. Mas pintar telas era uma coisa cara, um dos motivos que o fez optar pela escultura. “Um joguinho de formão, uma pedrinha pra afiar, na época não tinha esmeril, casqueiro eu pegava de graça, um litro de selador dava para um mês, era bem mais barato...” Na parede da sala tem um quadro seu, que fez a partir de uma foto do ‘Opa Maurício’ (Maurício Germer) retratando a casa de Frederico Donner.

No paço municipal, onde estão as fotos dos ex-prefeitos, a foto de Maurício Germer foi ele quem desenhou. Fomos ver onde o Seu Egídio trabalha e também onde guarda suas obras. No caminho, passamos pela cozinha onde tem uma mesa com uma base feita a partir de uma raiz de uma árvore

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Na sala ao lado, ficam as obras de arte, suas telas e esculturas!

Têm telas feitas dos mais diversos materiais, caixa de leite, caixa de papelão, pano de louça, tudo é aproveitado, muito bem aproveitado, aliás! Algumas peças, mais modernas, são até feitas com motosserra!

Seu Egídio defende que o lugar ideal para exposição de obras de arte é o Centro da Cidade, no Parque Central, ou, então, no CIC. “O Egenolf Theilacker sempre dizia, a Avenida Getúlio Vargas é o coração de Timbó.” Um local central, com exposições sistemáticas, pronto para receber essas excursões que vêm para nossa Cidade. “Meu irmão trabalha com artes em Recife. O artista deixa suas peças no local, quando vendem tantas peças, eles ligam para o artista repor.” Sustenta a ideia de se criar um Roteiro Turístico, juntando os municípios de Timbó, Rio dos Cedros e Benedito Novo. Cita as cidades de Treze Tílias e Pomerode, como exemplo de administrações que investem em turismo e cultura e lamenta o fato da nossa cidade não dar um enfoque especial para esses setores. Perguntei o que é preciso para fazer uma escultura. Tirando um sarro da minha cara, ele respondeu: “Primeiramente a madeira, né?!” Ah pois é, verdade! Continuando, falou que “É preciso saber fazer um desenho, que tem que ser redesenhado conforme tira-se pedaços da madeira. Ter boas ferramentas (ele ainda tem as goivas feitas pelo Seu Piccinini). O ideal é ter uma para cada detalhe. Assim, o trabalho rende. Depois eu passo a lixa, duas ou três mãos de selador e uma cera.” Parece fácil, não é mesmo? Ele disse que vende suas obras com facilidade, mas o problema é a falta de um lugar para os artistas exporem seus trabalhos. O que vem sido comentado aqui, desde a primeira edição da VALEU. Algumas vezes são feitas exposições na Casa do Poeta, também no Museu do Imigrante, mas não são lugares ideais, pois não atraem um grande público. O Museu do Imigrante é visitado por crianças, alunos, não por pessoas que gostariam de 44 adquirir obras de arte dos artistas locais. A localização da Casa do Poeta também não favorece.

Uma coisa é certa, nossos artistas merecem mesmo um reconhecimento maior. E por parte de todos! Eu quero ver as obras de todos espalhadas pela Cidade, em restaurantes, nas casas, e também que eles tenham um lugar na Cidade para expor suas obras. Onde os olhos de todos os lugares, de todos os visitantes, possam conhecê-los. Porque eles merecem! Tratamos a arte como algo supérfluo! Mas, quanto mais a deixamos entrar em nossas vidas, quanto mais vemos coisas belas, ou algo que desperta um sentimento dentro de nós, acredito que nos tornamos pessoas melhores, mais sensíveis, em uma ‘frequência’ mais próxima da ‘frequência divina’. Quero agradecer e parabenizar o Seu Egídio pela dedicação que sempre teve, e continua tendo, com seu trabalho. Por deixar esse dom tão bonito fluir. Por nos presentear com suas obras. Obrigada pela recepção! Espero poder voltar logo. Quem sabe numa daquelas terças... Fotografia: Clara Weiss Roncalio


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NAZISMO E FASCISMO: Vertentes do fascismo na cidade de Timbó. INICIANDO O DIÁLOGO As recentes manifestações contra a corrupção chamaram a atenção de toda a mídia nacional e internacional. Depois dos caras pintadas que pediam o impeachment de Collor, o Brasil havia silenciado, assistia de braços cruzados seus governantes agirem corruptamente, quase sempre, sem punição alguma. Sair às ruas aos milhares demonstram um lento mas importante amadurecimento da sociedade que deseja a punição dos corruptos do país. Mas ir às ruas não basta! Ir às ruas pode custar caro, especialmente quando entre os manifestantes temos pessoas solidárias ao retorno dos militares no poder. As ditaduras no Brasil trouxeram consigo a maquiagem do progresso, do crescimento e da ordem, mas, no fim da festa, a máscara de blush caiu, e sua real mácula se apresentava por meio de violências de todo o tipo. Mas nossa memória parece curta em se tratando de história, por isso, esse artigo tem o objetivo de mostrar que gostamos das ditaduras, e que já tivemos um prefeito eleito por um partido de feições totalitárias. Entretanto, essa tendência pelas ditaduras não trata-se de uma questão apenas local, mas sim, internacional com influências na vida local. Sim! Nós muitas vezes preferimos ser tutelados, ou como paradoxalmente afirma o escritor russo Zamyatin: “a reclusão faz desenvolver o vírus da liberdade, da mesma forma que a liberdade faz os seres humanos suspirarem pelas algemas.”. Mas quais foram nossas algemas aqui na cidade de Timbó e região? OS MOVIMENTOS TOTALITÁRIOS E O CONTEXTO INTERNACIONAL A presença de movimentos totalitários no contexto internacional remonta à década de 1920, sob a bandeira do Fascismo, liderado por Benito Mussolini, na Itália; do Nazismo, de Adolf Hitler, na Alemanha; e do Stalinismo, de Josef Stalin, na Rússia. Sua característica central era a separação dos poderes, por isso, 46 as funções principais cabiam aos líderes e a um único partido político.

Manifestação política integralista com a presença de integralistas. Na imagem é possível ver pessoas realizando o cumprimento, a bandeira e alguns membros uniformizados. Acervo APPGSB

O período pós Primeira Guerra possibilitou o surgimento de uma onda de partidos antidemocráticos e pro-ditatoriais que varreu a Europa a espalhou-se para as periferias do mundo como a América. Na Alemanha, o Nazismo arregimentou multidões; seus ritos e cerimônias estavam voltados ao nacionalismo alemão. Desde o início, o partido nazista criticou as imposições do Tratado de Versalhes, que impôs uma dívida à Alemanha em decorrência da Primeira Guerra Mundial. Entre os imigrantes do Vale do Itajaí, esse movimento encontrou adeptos, inclusive com repercussões na imprensa nacional por meio de uma série de reportagens que colocavam Santa Catarina como foco da temática, visto que, existia um esforço local em manter sua identidade étnica vinculada com a Alemanha. As evidências dessa repercussão foram apontadas pela historiadora Méri Frotscher que afirmava que “a série de reportagens teve como principal objetivo detectar a presença e as atividades dos membros do partido nazista no Vale do Itajaí.” (FROTSCHER, 2003:117). A questão do Nazismo tornou-se fundamental para o governo brasileiro, que revigorou a nacionalização e suprimiu forças políticas para, mais tarde, gerar o Golpe de Estado de 1937. O governo Vargas associava aos alemães a ideia de que poderiam interferir na política de identidade nacional, ou então, representar um perigo internacional, sendo os descendentes de alemães aqueles que auxiliariam o governo alemão a invadir o Brasil. Os primeiros grupos nazistas organizados no Brasil já atuavam antes da criação do Departamento para o Exterior do NSDAP (Partido Nacional Socialista Alemão). Por isso, mesmo antes do partido alemão organizar-se internacionalmente, no Brasil o Nazismo já havia encontrado seus adeptos. Cidades como Blumenau, Rio dos Cedros, Rio do Sul e Timbó, devido à presença de alemães, eram apontadas pelo Jornal “O Globo” como localidades onde o Nazismo poderia florescer institucionalmente. Curiosamente, em 1928, o jornal blumenauense Der Urwaldsbote trouxe, em seu exemplar, a primeira aparição do partido na imprensa de língua alemã da cidade, muito embora não enquanto partido. Tratava-se da


convocação de um morador de Timbó, para que interessados enviassem seus endereços. Contudo, “em outros trabalhos sobre o NSDAP na América Latina, o grupo do NSDAP de Timbó é referenciado como o primeiro do exterior, reconhecido pela direção do partido na Alemanha” conforme pesquisa da historiadora Mery FROTSCHER, (p.117). Os movimentos totalitários ganharam corpo devido ao desprestígio que a democracia liberal adquiriu, associada ao capitalismo econômico que prometeu igualdades e abundância, mas que apenas trouxe desemprego e empobrecimento. Esse foi um dos fatores que contribuiu para inspirar também as lideranças políticas nos países latino-americanos, principalmente porque “o Fascismo, sem dúvida, parecia a história de sucesso da década, um modelo a ser imitado por políticos e, certamente, podia ser encontrado em Berlim e Roma”(HOBSBAWM, 1995:137), sob as bandeiras do Nazismo e do Fascismo. Sob forte influência da política europeia como um modelo a ser seguido, o Brasil também estabeleceu as bases de um partido totalitário de caráter fascista com feições nacionais. Portanto, nascia no Brasil o Movimento Integralista Brasileiro (A.I.B) liderado por Plínio Salgado, um político dissidente do partido Republicano que influenciou milhares de descentes alemães e italianos a entrarem nas fileiras do integralismo já que o nazismo passou a ser combatido em território nacional. O INTEGRALISMO: VERTENTES DE UM FASCISMO BRASILEIRO A Ação Integralista Brasileira encontrou uma rápida adesão de simpatizantes no Brasil podendo ser entendido como um dos primeiros movimentos partidários de expressão nacional, chegando a arregimentar entre 500 e 800 mil aderentes, para uma população do país de 41,5 milhões em 1935 o que a distinguia dos partidos oligárquicos da Velha República que possuíam expressão regional. Os membros do partido integralista ficaram conhecidos como camisas-verdes, devido à cor de seus uniformes. O Integralismo adquiriu as feições dos governos totalitários, primeiramente porque não coadjuvava com a pluralidade político-partidária. Depois, porque propagava que o Estado deveria ser dirigido por um chefe da Nação, a quem caberia indicar diretrizes de funcionamento para entidades culturais e trabalhistas. Com o lema “Deus, Pátria e Família”, o Integralismo compôs rituais e símbolos exibindo o sigma ( ∑ ) e adotou-os nas cerimônias para a adesão de seus membros, bem como nos desfiles uniformizados. O integralismo se definiu como uma doutrina nacionalista enfatizando o valor espiritual da nação através do “nacionalismo integral” assentado em princípios norteadores como: a unidade nacional, o anticomunismo e a consciência nacional. O movimento se caracterizava por uma vertente de conservadorismo extremo, propondo o nativismo e o nacionalismo exacerbados, que combatiam a manutenção étnica (estrangeira) e o cosmopolitismo que para o integralismo era entendido como um desagregador da consciência nacional brasileira. Curiosamente, as comunidades teuto-brasileiras que desejavam a manutenção da cultura germânica ainda assim tornavam-se adeptas do Integralismo. Essa contradição fica evidente em Santa Catarina, terceiro estado brasileiro com maior concentração de integralistas. Em 1936, as estatísticas do partido integralista registravam, um total de 32.898 inscritos na AIB, em 39 municípios do estado; 23.646 (71,8%) residiam em 8 municípios típicos de imigração alemã

Desfile nazista na cidade de Timbó. Ao centro estandarte ostentando a suástica, o principal símbolo nazista. Acervo APPGSB

Sobre a adesão de teuto-brasileiros ao movimento integralista é possível conjecturar que os elementos de semelhança entre as vertentes totalitaristas do Fascismo e do Nazismo e as cerimônias públicas nas quais os integralistas utilizavam uma saudação, proferindo a palavra tupi-guarani “Anauê”, enquanto erguiam o braço na posição vertical, foram essenciais para a identificação dos descendentes europeus com os símbolos do regime nazista alemão. Além disso, a favorável aceitação do Integralismo nas regiões de colonização alemã incentivou a Aliança Integralista Brasileira a empreender esforços para parecer ‘germanófila’. O ‘chefe nacional’, Plínio Salgado, lembrou-se repentinamente que seu bisavô viera em 1816 da Alemanha para o Brasil, como médico, casando com uma cabocla conforme registrava o jornal em língua alemã BLUMENAUER ZEITUNG, que circulava na cidade de Blumenau em outubro de 1934. Portanto, o discurso de Plínio Salgado, nesse caso, articulava-se duplamente: de um lado, lembrando a origem europeia de sua família e, por outro lado, referindo-se ao abrasileiramento de sua ascendência, por conta do casamento de seu avô com uma cabocla. Além disso, o integralismo não tomou posição definitiva quanto à questão dos estrangeiros no país, evidências dessa falta de posicionamento encontram-se no manifesto de Outubro de 1932, o documento base da doutrina integralista. Salgado toma partido que é preciso combater o cosmopolitismo e a influência estrangeira, entretanto, isso não quer dizer má vontade para com filhos de outros países que aqui trabalham para o engrandecimento da nação Brasileira e cujos descendentes estão integrados em nossa própria vida de povo.” (SALGADO, 1932:3) Portanto, fica evidente que a AIB buscava um posicionamento harmonioso entre a sua ideologia nativista e a questão étnica encontrada nas comunidades teuto-brasileiras. Em Blumenau, a primeira bandeira integralista foi fundada em 12 de junho 1934, encabeçada por lideranças locais entre eles: Alberto Stein, José Ferreira da Silva, Rodolfo Rabe, Gustavo Stamm entre outros, que também foram responsáveis pela

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cidiu participar daquele pleito eleitoral para continuar à frente da administração municipal e o Partido Liberal investiu forças em sua candidatura com o propósito de conservar sua ação política na região. O alinhamento do Partido Liberal para as eleições de 1936, no município de Timbó, ficou configurado da seguinte maneira: “[...] Para prefeito - Sylvio Scoz; Vereadores – Julio Jacobsen, Ricardo Hocheim Sobrinho, Leandro Longo, Leonel Paternoli, Anibal Beninca, Herminio Scoz e Leopoldo Koprowski [...]”(CORREIO DE TIMBÓ, 1936); além dos Juízes de Paz de cada sede distrital.

Desfile integralista no interior do Vale do Itajaí. Ao centro Plínio Salgado líder nacional visitando a região na década de 1930. Acervo APPGSB

criação de novos núcleos em toda a região do Vale. (O INTEGRALISMO EM BLUMENAU, 1935:3). Em 1935, passados apenas um ano e três meses de sua fundação, o núcleo de Blumenau já contava 2.186 inscritos no movimento, além de ter disseminado diversos núcleos distritais nas cidades vizinhas de Gaspar (115 membros), Encano [Indaial] (310 membros), Pomerode (868 membros) Massaranduba (458 membros) Nova Berlim (751 membros) e, por fim, Timbó (1.745 membros). Portanto, Timbó se mostrava o núcleo mais expressivo depois de Blumenau se considerarmos que neste período Timbó contava com aproximadamente 2.500 eleitores. A A.I.B. espalhou-se como rastilho de pólvora pelo interior, realizavam suas reuniões em uma instituição muito tradicional e peculiar nas regiões de imigração alemã o “salão de baile” local que os homens ao final da jornada de trabalho se reuniam para atividades de lazer e troca de ideias. Em Timbó, essa realidade também se confirma, ocorrendo uma primeira reunião integralista “em 19 de agosto de 1934 no Salão Rahn” (FALCÃO, 2000:146). Outra evidência da importância do Salão e de sua utilização pelos integralistas é registrada no Jornal Alvorada de 1935 que noticia uma reunião de integralistas na cidade de Timbó com a presença de quatrocentas pessoas, entre partidários e simpatizantes. Na ocasião, foi utilizada a língua alemã para explicar a finalidade do movimento (ALVORADA, 1935). Importante notar que os integralistas, além de utilizarem uma instituição tradicional, astuciosamente também faziam reuniões em língua alemã. Contudo, o crescimento da A.I.B. em Santa Catarina não passou despercebido pelo governo estadual, logo após a eleição indireta de Nereu Ramos ao governo em 1935, o Estado passou a intervir politicamente em diversas esferas. Evidência destas intervenções é encontrada em um relatório da A.I.B. relatando que o integralista Carlos Brandes, líder do núcleo distrital da cidade de Timbó, foi detido pelo Delegado de Polícia por conta de uma portaria da chefia de Polícia do Estado que proibiu reuniões do integralismo. (O INTEGRALISMO EM BLUMENAU, 1935:11) No município de Timbó, o acirramento político entre o Governo de Estado e a AIB é ainda mais perceptível nas eleições de 1936, ano em que a população do município foi pela primeira vez às urnas para eleger seu próprio prefeito. Como representante do Governo Estadual estava Sylvio Scoz, 48 que esteve à frente da administração do município de Timbó por intermédio do interventor Nereu Ramos em 1935. Scoz de-

Em oposição, o Partido Integralista organizou-se com a seguinte composição: para prefeito, Carlos Brandes; vereadores: Armando Scipione Lenzi, Paulo Fuck, Archangelo Tomelin, Augusto Adam Junior; Valentim Gadotti, Martinho dos Santos, Paulo Paganelli; e os demais Juízes de Paz das sedes distritais (ALVORADA, 18/02/1936). O período eleitoral foi marcado por um acirramento entre os dois partidos, em especial pelo Partido Liberal Catarinense, que almejava vencer no município de Timbó, e manter uma força regional aqui no Vale do Itajaí. A política do Partido Liberal ficou evidenciada na imprensa escrita, em especial no Jornal Correio de Timbó, editado no distrito de Rodeio (VOIGT, 1996:51). Esse jornal assumiu uma postura favorável ao Partido Liberal, tecendo fortes críticas à Ação Integralista. A resposta foi encaminhada pelo Jornal Alvorada de Blumenau, que realizava a cobertura dos acontecimentos políticos sob a bandeira integralista, mas evitou envolver-se na disputa com o Jornal Correio de Timbó (ALVORADA, 1936). Além de informar seus leitores sobre a organização política do Partido Liberal Catarinense, o Jornal Correio de Timbó também associava a figura de Sylvio Scoz à do governador Nereu Ramos, sob a justificativa de que a consagração de Scoz para a prefeitura de Timbó configuraria maior força ao Partido Liberal no Vale do Itajaí. O próprio governador Nereu Ramos, sabendo da força política da AIB na região, realizou visitas às cidades para fortalecer a imagem de seu partido. O Jornal Correio de Timbó fez a cobertura da visita do governador às cidades de Indaial e Timbó e, em suas páginas, encontram-se transcrições de discursos e inúmeros elogios voltados às obras de seu governo. Os discursos do governador enfatizavam as eleições de 1936 e conclamavam os catarinenses a unirem-se “[...] para que melhor possa o nosso Estado resistir a invasão da onda extremista, que quer seja da direita ou da esquerda, visa combater as instituições e o regime em que vivemos” (CORREIO DE TIMBÓ, 1936). Seu discurso criticava não apenas o Comunismo, mas também o Integralismo por fomentar ideias de extrema direita. O governador reforçava seu apoio ao candidato Sylvio Scoz, lembrando que “seria intransigente e não apoiaria, embora fossem vitoriosos, candidatos que não fossem prestigiados pelo seu Governo. A má escolha será o regresso, a desorganização, a desordem, o desprestígio do município de Timbó” (CORREIO DE TIMBÓ, 1936). A medição de forças entre os dois partidos políticos em Timbó aparentemente indicava que o Integralismo de Carlos Brandes possuía maior número de adeptos na Sede do município e no distrito de Encruzilhada (Rio dos Cedros), enquanto que o Partido Liberal contava com mais simpatizantes nos distritos de Rodeio e Benedito Novo (CRISTOFOLINI, 1994:4).


A eleição municipal transcorreu em 1º de março de 1936 e foi a primeira ocasião em que os cidadãos timboenses puderam exercer seu direito de voto no seu próprio município. A contagem de votos tornou-se um processo moroso, pois as lideranças locais exigiram a contagem nominal, ‘voto por voto’, pronunciado o nome e conferidas as cédulas (CRISTOFOLINI, 1994:4). O acirramento político da época também fica evidenciado pelo Jornal Alvorada em 17 de março de 1936, enfatizava que as apurações foram, sem dúvida, as mais interessantes, isso porque a abertura das urnas aumentava o suspense em relação aos resultados finais. Após a apuração dos votos, foi declarado, em manchete do Jornal Alvorada, que “O Integralismo vence por 1 voto em Timbó. Essa situação revelou que Carlos Brandes, representante do Integralismo, havia vencido as eleições municipais de Timbó com 1.127 votos contra os 1.126 votos de Sylvio Scoz. As eleições de 1936, em Timbó, não foram encaradas apenas como simples derrota, mas representaram claramente o crescimento do Integralismo no Vale do Itajaí e no Sul do Brasil, sustentado pela adesão maciça dos descendentes de alemães e sua simpatia por uma doutrina autoritária. Carlos Brandes foi o primeiro eleito prefeito eleito em Timbó, inscrito no Partido Integralista, partido de feições autoritárias que buscou inspiração nazifascista, o que em parte demonstra que já nossos antepassados tinham certa simpatia pela restrição da liberdade. Carlos Brandes ficou pouco tempo no cargo, visto que, meses após sua posse, o presidente ditador, Getúlio Vargas, através

Manifestação cívica na cidade de Timbó, ao fundo estandarte nazismo o que demonstra a presença do movimento em Timbó Acervo APPGSB

de um golpe de estado, instaurou o Estado Novo, um regime de governo ditatorial que extinguiu partidos políticos, inclusive o integralismo, impedindo que Carlos Brandes permanecesse no seu cargo ainda que eleito democraticamente. por Daniel Fabricio Koepsel Historiador

Jornal Alvorada noticiando a vitória do Integralismo na cidade de Timbó. Acervo – Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina

Além da disputa política estabelecida em âmbito estadual, podese associar que a rivalidade eleitoral no município de Timbó, “teria se constituído numa disputa entre teuto-brasileiros [Carlos Brandes] e ítalo-brasileiros [Sylvio Scoz]” (GERTZ,1987:189). Essa constatação se sustenta com base na competição eleitoral nos distritos da Sede e de Rodeio, sendo a primeira habitada por um grande número de teuto-brasileiros, em oposição à segunda, constituída por uma comunidade de ítalo-brasileiros. Cabe destacar que a influência étnica não foi a única responsável pela disputa política nessas localidades, pois Carlos Brandes era morador de Benedito-Timbó (Sede) e Sylvio Scoz morava em Rodeio, por isso, a preferência eleitoral em cada uma.

REFERÊNCIAS A CIDADE DE BLUMENAU, 28/12/1935. Acervo: Arquivo Histórico José Ferreira da Silva. Blumenau/SC. _________, 03/02/1934. Acervo: Arquivo Histórico José Ferreira da Silva. Blumenau/SC. _________, 21/02/1934. Acervo: Arquivo Histórico José Ferreira da Silva. Blumenau/SC. ALVORADA, 08/01/1935. Acervo: Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina – Florianópolis/SC. _________, 18/02/1936. Acervo: Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina - Florianópolis/SC. _________, 17/03/1936. Acervo: Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina – Florianópolis/SC. ARENDT, Hanna. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. AZEVEDO, Antônio Carlos do Amaral; LACERDA, Rodrigo. Dicionário de nomes, termos e conceitos históricos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. BUZZI, Gelindo Sebastião. Centenário de Timbó: a pérola do vale: 1869– 1969. Blumenau: Gráfica 43 S.A., 1969. CORREIO DE TIMBÓ, 01/02/1936. Acervo: Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina – Florianópolis/SC. ________, 22/02/1936. Acervo: Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina – Florianópolis/SC. CRISTOFOLONI, Horácio. Timbó e sua história política. In: PREFEITURA MUNICIPAL DE TIMBÓ. Timbó em cadernos. Timbó, n. 1, março. 1984. DE DECCA, Edgar Salvadori. 1930, o silêncio dos vencidos: memória, história e revolução. 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. FALCÃO, Luiz Felipe, Entre o ontem e o amanhã: diferença cultural, tensões sociais e separatismo em Santa Catarina no século XX.Itajaí: UNIVALI, 2000. FAUSTO, Bóris. História concisa do Brasil. São Paulo: EDUSP: Imprensa Oficial do Estado, 2001. FROTSCHER, Méri. Da celebração da etnicidade teuto-brasileira à afirmação da brasilidade: Ações e discursos das elites locais na esfera pública de Blumenau (1929-1950). 2003. 269 f. Tese (Doutorado em História Cultural) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. GERTZ, René E. O fascismo no sul do Brasil: germanismo, nazismo, integralismo. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987. GOVERNOS DE SANTA CATARINA. Decreto de No. 527, de 28 de fevereiro de 1934. Acervo: Arquivo Publico Professor Gelindo Sebastião Buzzi. Timbó/SC HOBSBAWM, Eric. J. Era dos extremos: o breve século XX, 19141991. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. MAIO, Marcos C; CYNTRYNOWICZ R. Ação Integralista Brasileira: um movimento fascista no Brasil. In FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O Brasil republicano. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. 3v. O INTEGRALISMO EM BLUMENAU. Congresso Regional das Províncias do Sul: Org. S.M.E, 1935. Acervo Arquivo Histórico José Ferreira da Silva Blumenau/SC

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Stimmmet: um compromisso com a valorização dos trabalhadores e associados

Por muito tempo, os trabalhadores lutaram - e ainda lutam - pela redução da jornada de trabalho em busca de maior tempo livre. Com a revolução industrial e mais ainda após a Segunda Guerra Mundial, os trabalhadores conquistaram essa redução, diminuindo seu tempo de trabalho e consequentemente aumentando seu tempo livre. Na realidade, muito mais do que tempo livre, os trabalhadores conquistaram também o direito ao lazer; sobrava mais tempo para se divertir, para relaxar, para se entreter e para o seu desenvolvimento pessoal e social, aumentando a sua qualidade de vida. Uma das entidades que sempre esteve junto aos trabalhadores, de Timbó e região, na conquista de seus direitos é o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e do Material Elétrico de Timbó e Região (Stimmmet). O Sindicato que completa 50 anos de atuação, oferece além de uma sede de 1.080 metros quadrados de construção, composta de amplas e modernas instalações, salas para realização de cursos, auditório com 210 lugares, amplo estacionamento e toda estrutura para prestar importantes serviços aos trabalhadores, também está investindo em áreas de lazer para oferecer espaços, onde os trabalhadores possam reunir-se com familiares e amigos, na realização de confraternizações e também descansar nos finais de semana, feriados e férias. 50

Uma das áreas de lazer do Stimmmet, que hoje oferece uma estrutura exemplar, é a Colônia de Férias, localizada em Palmeiras, no município de Rio

dos Cedros. No local, o associado trabalhador encontra quatro casas de campo, amplas e arejadas, que comportam: cozinha, quartos, banheiros e varanda com churrasqueira, além de móveis e utensílios domésticos. No local também é oferecida uma ampla área de camping e churrasqueiras que aliadas à beleza natural do lugar, oportuniza momentos de descanso e lazer às famílias trabalhadoras de Timbó e região. Pensando em propiciar um espaço de lazer para a realização de pequenos encontros e confraternizações, para os associados do Sindicado, a direção também investiu nos últimos dois anos na aquisição e organização do Recanto dos Metalúrgicos. O espaço está localizado próximo ao Jardim Botânico, em Timbó e tem uma área de 23.500 metros quadrados e comporta toda a estrutura necessária para a realização de pequenos eventos, como batizados, aniversários, e outras comemorações especiais. O local conta ainda com um amplo espaço de estacionamento, churrasqueira interna com fogão à lenha para os dias frios, varanda, cozinha completa com eletrodomésticos (geladeira, freezer, microondas, forno elétrico, entre outros utensílios doméstico), área com mesas e cadeiras; dois banheiros completos e demais dependências. Um ambiente exclusivo e aconchegante para realizar um evento especial, com capacidade de até 50 pessoas.


As Ciências da Terra na Idade Média Parte II Entre os procedimentos que esta prática nos legou e ainda em uso nos laboratórios do presente, contam-se o aquecimento à chama e em banho-maria, a destilação, a combustão, e a evaporação.

O alquimista. Pintura do flamengo David Teniers, o Novo (1610-1690) . UM CAMPO do conhecimento medieval com pontes de aproximação às ciências da Terra foi a alquimia, entendida como uma corrente, a um tempo filosófica e experimental, que combinou elementos de química, metalurgia, antropologia, medicina, botânica, filosofia, matemática, astrologia, misticismo, religião e magia. Tanto a química como a metalurgia dos alquimistas tinham os minerais entre os produtos usados nas suas investigações e daí o esboço de uma disciplina - a mineralogia - que, só séculos mais tarde, conquistou o estatuto de ciência. Surgidos no extremo Oriente, o pensamento e a prática que conduziram à alquimia, chegaram à Europa através dos árabes, após a queda do Império Romano do Ocidente. O termo é a tradução do árabe al kimia, expressão cujas raízes ainda são tema de discussão. A alquimia desenvolveu-se depois, na Mesopotâmia, no Egipto, com destaque para a cidade de Alexandria, no mundo Islâmico, na Grécia, em Roma, e no resto da Europa. Muito se tem escrito sobre os alquimistas e a “pedra filosofal” necessária à produção de ouro a partir de metais vulgares como o cobre, o chumbo, o estanho, o ferro e outros, considerados inferiores. Outro tema de interesse de muitos deles foi a procura do “elixir da longa vida”, tido por uma panaceia universal que curaria todas as enfermidades e daria vida longa àqueles que o ingerissem. Muito se tem escrito, ainda, sobre outros domínios da alquimia ligados à filosofia, à astrologia, à religião, ao misticismo e à magia, aspectos associados à ideia de “Idade das Trevas”, expressão muitas vezes atribuída à “Idade Média”. Em simultâneo com estas actividades, que nada tinham de científicas, há que realçar o seu carácter precursor da ciência experimental, nomeadamente a química, a mineralogia e a metalurgia, manipulando minerais e outros produtos químicos no propósito de obter novas substâncias. Muitos alquimistas foram julgados pela Inquisição e condenados à fogueira por alegado pacto com Santanás. Durante muito tempo, o enxofre, material usado pelos alquimistas, foi associado ao Diabo.

Uns, mais, outros, menos, os alquimistas tiveram papel importante na construção do vasto e complexo edifício do conhecimento químico e mineralógico que temos ao nosso dispor. O legado que nos deixaram é algo que lhes devemos e muito. Na Pérsia, Avicena (980-1037) foi um deles e um dos mais distintos. Médico, filósofo, jurista e alquimista de grande ecletismo noutros saberes, é considerado um dos pilares fundamentais da filosofia islâmica e uma das grandes figuras do pensamento universal. A sua cultura foi enciclopédica, dominando campos como os da astronomia, geologia, mineralogia, química, física (com destaque para a descoberta da capilaridade), geometria, gramática, jurisprudência e teologia. Advogando a unidade da filosofia, Avicena estudou profundamente Platão e Aristóteles e procurou conciliar as respectivas doutrinas. A sua influência filosófica na Europa oriental não foi duradoura devido à oposição dos teólogos cristãos ortodoxos. Pelo contrário, foi decisivo no ocidente europeu, no que diz respeito à difusão do pensamento aristotélico nos séculos XII e XIII, tendo influenciado filósofos como Alberto Magno e Tomás de Aquino, que nutriam grande admiração por ele. Avicena deixou-nos perto de 270 obras escritas que cobrem a vastidão do seu saber enciclopédico, com grande destaque para a medicina e a farmacêutica. O seu tratado sobre as pedras, De Lapidibus, já distinguia “terras”, “pedras”, “minerais fusíveis e sulfurosos”, “metais” e “sais”, com base nas características externas directamente observáveis (cor, forma e brilho) e nas propriedades físicas determináveis, entre as quais a fusibilidade. Esta classificação é considerada a primeira sistemática dos objectos do “Reino Mineral”, numa época em que não se fazia distinção entre minerais e rochas. Nessa época dava-se o nome de terra aos minerais e rochas decompostos e/ou desagregados pelos agentes atmosféricos, de aspecto mais ou menos arenoso (terroso) e pulverulento (barrento). É na manutenção deste conceito que nós, com toda a propriedade, chamamos “terra” à fracção mineral, desagregada, do solo e, até, ao próprio solo. É ainda nesta tradição que se chamava “terra de infusórios” ao diatomito, “terra fulónica” à bentonite e terra rossa à argila vermelha residual da dissolução dos calcários, no modelado cársico. Pela mesma razão, os franceses usam terre e os ingleses, earth, para se referiram ao barro.

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Em França, Marbodus (1035 - 1123), bispo de Rennes e mestre em Angers, registou o conhecimento dos minerais no seu “De Gemmis”. Escrito entre 1061 e 1081, é o mais antigo lapidário conhecido, de cujo manuscrito existem mais de cem cópias em diversas línguas e de que há catorze edições impressas entre 1511 e 1740. Os lapidários são pequenos livros manuscritos ou impressos, onde, entre outros, estão registados os conhecimentos de mineralogia acumulados durante os séculos XI a XVII. No geral, apresentam os minerais e outras pedras por ordem alfabética, com destaque para as suas “virtudes” medicinais e mágicas; são, por isso, considerados, por alguns estudiosos, como manuais de medicina e magia.

Renascimento e influenciando, significativamente, a filosofia europeia. Intelectual de grande ecletismo, Averróis foi médico, astrónomo, jurista e teólogo. Estudioso do direito canónico muçulmano, foi um dos maiores conhecedores e comentadores do pensamento de Aristóteles, tendo ficado conhecido na história da filosofia pelo cognome de “O Comentador”. Durante parte da sua vida, Averróis contou com a protecção dos califas locais, até que foi desterrado por Abu Yusuf Ya’qub al-Mansur que, na mesma linha das hierarquias do catolicismo, considerou as suas opiniões desrespeitadoras e em desacordo com o Corão. Muito da sua obra acabou também por ser condenada pela Igreja Católica.

Das cerca de seis dezenas de pedras referidas no lapidário de Avicena, distribuídas por cinco grupos, muitas são puras fantasias e apenas pouco mais de vinte correspondem a minerais, entre os por A. M. Galopim de Carvalho quais muitas gemas, como adamans (diamante), achates (ágatas), crystalus (quartzo hialino), selenites, topazius (topázio), carbunculus (rubi, espinela vermelha e granada vermelha), smaragdos (esmeralda) e, ainda, saphirus, nome que referia, ... continua na próxima edição. não a safira que hoje conhecemos como uma variedade gema de corindo, mas sim o lápis-lazúli, então com aquele nome e considerada a mais preciosa e de maiores virtudes medicinais e espirituais, dada a cor azul forte, celestial. Bem perto de nós, nascido em Córdova, então território moçulmano, viveu o grande filósofo de origem árabe, Abu al-Walid Muhammad Ibn Ahmad Ibn Munhammad Ibn Ruchd (11261198), mais conhecido por Averróis (distorção latina do seu cognome árabe). A Andaluzia era, então, um dos mais notáveis centros de sabedoria da humanidade, e aí teve lugar um movimento intelectual notável que acabou por ser aniquilado pela reconquista cristã. Muitos dos textos dos filósofos gregos salvos das bibliotecas de então, foram ali traduzidos. Durante a última metade da Idade Média, mais de quatro séculos, o árabe foi a língua dominante na filosofia e na ciência embrionária europeias. Embora não tenha abordado temas directamente relacionados com as ciências da Terra, a intensa defesa que fez do pensamento científico e da sua independência relativamente aos dogmas da Igreja, deram sustentáculo ao avanço, tantas vezes difícil, levado a cabo, primeiro, por naturalistas e, mais tarde, por geólogos. Ao afirmar que, “com excepção do sobrenatural, o pensamento se deve sujeitar à força da razão”, este muçulmano ibérico deve ser considerado um precursor do pensamento científico e, neste sentido, a sua influência foi grande e decisiva na evolução da ciência, em geral. Seguidor do aristotelismo, que soube fundir com uma parcela de platonismo, Averróis afirmava que, a par da verdade óbvia do dia-a-dia, observável e aceite pelo povo, e da verdade mística da fé defendida e propalada pelos teólogos, há a verdade científica, fruto da razão, podendo estar em desacordo umas com as outras. Num tempo em que a teologia dominava sobre a filosofia natural, as suas ideias alastraram entre a comunidade de estudiosos cristãos da Universidade de Paris, criando uma corrente de pensamento científico puro e independente das crenças religiosas, oposto à envelhecida tese de Santo Agostinho (354-430), segundo a qual havia uma única verdade, a dos santos evangelhos. Para Averróis, uma dada afirmação pode ser teologicamente verdadeira e filosoficamente (cientificamente) falsa e vice-versa. 52

Este, que foi o mais afamado pensador islâmico da Idade Média, viveu muito à frente do seu tempo, abrindo o caminho para o

Fotografia Jerónimo Heitor Coelho

A.M. Galopim de Carvalho A.M. Galopim de Carvalho, nasceu em Évora, em 1931. É professor catedrático jubilado pela Universidade de Lisboa, tendo assinado no Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências desde 1961. É autor de 21 livros, entre científicos, pedagógicos, de divulgação científica e de ficção e memórias. Assinou mais de 200 trabalhos em revistas científicas. Como cidadão interventor, em defesa da Geologia e do património geológico, publicou mais de 150 artigos de opinião. Foi diretor do Museu Nacional de História Natural, entre 1993 e 2003, tempo em que pôs de pé várias exposições e interveio em mais de 200 palestras, pelo país e no estrangeiro.


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Postais Perdidos III João Albuquerque Carreiras Selçuk, Turquia 12-X-2010

Meu caro

Quando deambulamos sem programa e nos deixamos seguir ao ritmo da viagem, encontramos os mais surpreendentes recantos. A chegada nocturna a Selçuk revelou uma cidade tranquila, aparentemente sem grande beleza ou interesse, com as esplanadas cheias de homens conversando ou jogando cartas e gamão. Cheguei aqui em busca das grandiosas ruínas de Éfeso e dos restos (muito poucos) do Tempo de Artemisa, uma as sete maravilhas do mundo, mas foram outros os motivos que tornaram esta cidade inesquecível. A chegada ao monte onde estão os restos da Basílica de São João, construída sobre o seu túmulo, foi feita ao crepúsculo, quando aquela “magic hour” nos dá uma luz divina. Esperavam-me as ruínas do que terá sido uma majestosa igreja bizantina, envoltas em vegetação e num silêncio só quebrado pelo vento. Em poucos sítios me senti tão bem e tão próximo de qualquer coisa superior como nesse momento. Pode ter sido a proximidade com o meu santo, a beleza das ruínas e o imaginar daquela igreja completa, a localização com uma vista soberba a toda a volta, ou pode ter sido a luz. Não sei se me interessa saber o que foi, mas sei que foi um momento absolutamente inesquecível, em que dei por mim a vaguear por entre capitéis e colunas numa sensação de total bem estar, até que a noite se aproximou e o segurança me chamou para sair. Ainda inebriado, entrei numa loja de tapetes - porque resolvi que queria comprar uma almofada -, onde permaneci até ao fecho, perto das onze horas, com uma pequena pausa para jantar. O Marco teria trinta e tal anos e, como bom turco, começou por meter conversa que, por qualquer estranha empatia, foi continuando e a almofada esquecida. Falámos da vida e ele falou muito, com grande interesse meu, do seu povo curdo, vindo de vez em quando à porta fumar cigarros e conversar um pouco com o seu irmão que tinha a loja em frente e que a certa altura tentava, de gatas e com uma mímica espantosa, explicar a um grupo de jovens americanas que os tapetes eram de lã de ovelha. Após o jantar tentei puxar o assunto da almofada, da qual me havia relembrado, mas ele continuou a conversar sem ligar muita importância a este facto, enquanto ia atendendo, em tom bastante displicente, alguns clientes estrangeiros. Nestas horas de idas à porta ia passando gente que parava para conversar e fiquei com a sensação de que com mais uns dias ficaria a sentir-me um local nesta pequena terra estranha e que no início tão pouco me havia atraído. No dia seguinte parti, passando ainda para me despedir e tomar o pequeno almoço com o Marco, o irmão e uma das americanas que aparentemente se tomara de amores por ele. Parti, mas apenas porque não era possível adiar a partida, porque Selçuk, que nada me disse quando cheguei, se tornou num local mágico. Por isso gosto de viajar e por isso gosto de o fazer sem planos, para que momentos como este possam acontecer. Grande abraço, João P.S. A custo, acabei por comprar a almofada. 54

Este texto foi mantido no original, seguindo as regras da ortografia utilizada em Portugal antes da introdução do acordo ortográfico.


Açores, um paraíso no imenso Azul Atlântico

O Arquipélago dos Açores (nome de aves de rapina, confundidos por serem muito idênticas aos milhafres aí existentes desde a altura do seu descobrimento) situa-se em pleno Atlântico Norte, entre a América do Norte e a Europa, a 760 milhas marítimas de Lisboa e a 2110 de Nova Iorque e é formado por três grupos de ilhas de origem vulcânica, o Grupo Oriental constituído pelas ilhas de Santa Maria e São Miguel, o Central que integra a Terceira, Graciosa, São Jorge, Pico e Faial e o Ocidental que engloba as ilhas das Flores e Corvo, apontadas por alguns investigadores como vestígios da lendária Atlântida.

Ao longo de séculos, os Açores e os Açorianos resistiram a erupções vulcânicas e terramotos, isolamento, invasões de piratas, guerras políticas e doenças. Dois grandes momentos marcam a sua história, a resistência ao domínio espanhol na crise da sucessão dinástica de 1580 e o apoio à causa liberal na guerra civil de 1828-1834. Já no século XX, os Açores atravessam e sobrevivem à epopeia baleeira, ondo os homens e os seus pequenos botes baleeiros de madeira confrontavam no imenso mar azul os gigantes cachalotes.

Longe vai o ano em que pela primeira vez me decidi a viajar até aos Açores. Lembro como se fosse hoje toda a mistura de sensações que, ao olhar pela pequena janela daquele “pássaro de aço”, me invadiram num turbilhão inesperado. Ao ver aquelas pequenas ilhas senti que algo de mim ali pertencia, senti que aquelas pequenas porções de terra iriam ser parte da minha vida. Hoje, passadas quase duas décadas, ainda sinto que pouco conheço e muito “elas” ainda me têm para mostrar, ainda hoje sinto todo o mesmo turbilhão de sensações que me invadem cada vez que, ao olhar pela pequena janela, pequenas ilhas começam a aparecer no meio daquele imenso oceano azul.

Herman Melville, autor da famosa obra literária “Moby Dick”, realça as qualidades destes Homens do Mar. Ele afirma que «não poucos destes caçadores de baleias são originários dos Açores, onde as naus de Nantucket que se dirigem a mares distantes atracam, frequentemente para aumentar a tripulação com os corajosos camponeses destas costas rochosas. Não se sabe bem porquê, mas a verdade é que os ilhéus são os melhores caçadores de baleias». A cultura da baleação açoriana foi interpretada criativamente por escritores e poetas, pintores e artesãos de scrimshaw (arte de trabalhar e pintar o dente e o osso de baleia). No século XX, vários realizadores estrangeiros filmaram os baleeiros açorianos executando uma técnica de caça que parecia desaparecida desde há 100 anos. Após 1986 a caça à Baleia foi definitivamente proibida no arquipélago mas continuou presente no quotidiano das gentes das ilhas e a relação secular entre o homem e a baleia não desapareceu com a interdição da caça, reinventou-se então uma nova atividade – a observação de cetáceos – e multiplicar-

Escrever sobre as Ilhas Açorianas cada vez se tem tornado mais difícil, muito já se tem escrito nos últimos anos e, por mais que se continue a escrever, nada fará jus a toda uma beleza impar e indescritível, a todo um passado histórico e a toda uma cultura única. Tentarei, nesta minha primeira colaboração com a Valeu, descrever de uma maneira generalista esta Região Autónoma Portuguesas e guardarei para próximas colaborações alguns artigos mais específicos, principalmente na área do turismo ou em jeito de literatura de viagem. Historicamente sabe-se já haver referências a nove ilhas em posições aproximadas das açorianas no oceano Atlântico, em livros e mapas cartográficos desde meados do século XIV. Não se sabe ao certo se foi Diogo de Silves, em 1427, ou Gonçalo Velho Cabral, em 1431, o primeiro navegador a avistar a primeira ilha a ser descoberta, Santa Maria, mas foi, decerto, com a epopeia marítima portuguesa, liderada pelo Infante D. Henrique, que os Açores entram definitivamente no mapa da Europa e sendo também com o Infante que o arquipélago começar a ser povoado.

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am-se os polos culturais, científicos e museológicos. Os Açores são atualmente um dos maiores santuários de baleias do mundo. Entre espécies residentes e migratórias, comuns ou raras, avistam-se mais de 20 tipos diferentes de cetáceos nas suas águas, o que corresponde a um terço do total de espécies existentes no Mundo. A observação de cetáceos é uma atividade que pode ser praticada nas águas de todo o arquipélago, sendo o Pico e do Faial as maiores referências nesta área, o que se explica pela forte tradição baleeira presente nestas duas ilhas. A facilidade de encontrar baleias e golfinhos nestas paragens foi acompanhada pelo desenvolvimento de operadores turísticos dinâmicos e respeitadores da vida animal. Segundo a empresa Norberto Diver, os Açores oferecem um conjunto de excelentes condições naturais permite a prática de mergulho nos Açores durante quase todo o ano, o difícil é escolher por onde começar. Existem dezenas de spots, adequados a diferentes tipos de mergulho. Zonas costeiras e baixas onde se contemplam magníficas grutas e arcadas submarinas. Restos de barcos naufragados, agora refúgio de lírios, meros e garoupas que saúdam os visitantes. Aguas oceânicas profundas, habitat de grupos de jamantas que planam na vertigem azul. Mergulhar com tubarões azuis (os Açores são o único spot de mergulho com tubarões na Europa) e, com alguma sorte, com tubarões martelos. Raras e misteriosas fumarolas subaquáticas. Os Açores têm sido considerados por vários órgãos de comunicação social internacional, como um dos pouco locais paradisíacos do Oceano Atlântico. Os Açores são, sem dúvida, um dos melhores lugares para a prática do mergulho na Europa. O arquipélago oferece, também, condições únicas para o desenvolvimento do turismo de natureza, graças ao seu património natural único. Esse património foi preservado e classificado e inclui a biodiversidade marinha, a flora e a fauna, cavidades vulcânicas e geopaisagens, parques e jardins botânicos, bem como outros recursos naturais exclusivos de cada ilha. Tudo isto, juntamente com as cidades e aldeias tradicionais dos Açores, apre-

sentam oportunidades sem igual para o turismo de natureza. A revista National Geographic Traveler elegeu o arquipélago dos Açores como as segundas melhores ilhas do mundo, atrás das ilhas Faroé, na Dinamarca. No artigo Best Rated Islands são avaliados 111 destinos por 522 peritos em turismo sustentável, sendo definidos como “sítio paradisíaco, com construções bem conservadas, natureza respeitada e habitantes sofisticados, cuja maioria já viveu fora”. Os caprichos do clima “impedem” a massificação de turistas seduzidos “pelas montanhas vulcânicas, pelos vales verdejantes das Flores ou pelas baías da Terceira”. Os Açores têm procurado afirmar-se como ilhas de qualidade e excelência, onde aquilo que é genuíno e diferenciador marca a diferença e impõe-se num mundo cada vez mais Global, e contribui para a valorização do seu património natural e cultural, facilmente comprovado pelas iniciativas e galardões nacionais e internacionais, como a eleição da Lagoa das Sete Cidades e da Paisagem Vulcânica da Ilha do Pico como Maravilhas Naturais de Portugal. O Geoparque Açores, que em breve se candidata às redes europeia e global sob os auspícios da UNESCO, representa o mais recente desafio nesta caminhada. A classificação pela UNESCO do centro histórico da cidade de Angra do Heroísmo e da Paisagem da Cultura da Vinha da Ilha do Pico como Património Mundial da Humanidade são reconhecimentos de monta e uma atração turística. Na lista indicativa de candidaturas Portuguesas à UNESCO encontram-se mais dois sítios, o Algar do Carvão e a Furna do Enxofre. Tal como a classificação das ilhas Graciosa, Corvo e Flores como Reservas da Biosfera. Escrever para a Valeu não me parecia correto não referir a presença Açoriana, que é forte, em Terras de Vera Cruz. Entre os Estados Brasileiros os que mais guardam a influência açoriana no Brasil são os de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A cultura açoriana ficou de tal maneira bem preservada que ainda se vê em certas localidades costumes e hábitos populares seculares, como o de contar estórias e lendas fantásticas, fazer rendas e bordados, cultivar ervas medicinais e comemorar as festas do mar e do Divino Espírito Santo. São vários os vestígios da influência Açoriana no Brasil. Se, por um lado as construções típicas dos Açores, casas rústicas de pedra ou madeira com telhado de colmo ou folhagens, já são praticamente inexistentes, já os engenhos de produção de cana e de farinha de mandioca, destilarias rústicas, ermidas e igrejas coloniais, canoas feitas em um só tronco de árvore, aprendidas com os índios, utensílios domésticos, em barro cozido ou madeira, tecidos feitos em teares artesanais, bordados e rendas de bilro, fortalezas e construções mais elaboradas e ricas de tijolos, de um ou mais pavimentos, com janelas em guilhotina, debruadas em relevo ou pintadas com uma faixa de tinta, herança de Portugal Continental antigo, ainda podem ser vistos. Tanto a área litoral de Santa Catarina como a capital, Flori-

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anópolis, têm origem basicamente açoriana. Foram os 6.071 imigrantes do arquipélago que ao se juntaram aos 4.193 locais catarinenses (índios, paulistas, negros e espanhóis) no século XVIII deram origem aos desterrenses, atuais florianopolitanos. Voltando ao arquipélago, e em jeito de despedida. Os Açores estão cada vez mais na moda como destino turístico, contudo é preciso ter o cuidado de não se deixar, não se permitir, uma massificação do turismo nas ilhas. É como destino turístico sustentável, mantendo a beleza natural e selvagem das suas paisagens que as ilhas são consideradas um Paraíso, e assim se devem manter. Será através da sua história, das suas tradições e da sua cultura, usando o Turismo Náutico, o Turismo Cultural, o Turismo de Natureza e Aventura, a Gastronomia e Vinhos e o Turismo de Raízes, que os Açores se poderão afirmar definitivamente como um Destino Turístico de eleição. Cabe, por isso, às entidades competentes o saber “planear”, “organizar”, “controlar” e “dirigir” o futuro turístico de cada uma das ilhas de uma maneira específica e de todo o arquipélago de uma maneira geral. Para mim continuarão a ser uma paragem obrigatória durante os meses de Verão e o meu destino turístico de eleição para a Vida. Local que, pela qualidade de vida que hoje em dia oferece aos seus habitantes, poderia ser perfeitamente a minha “casa”.

Este texto foi mantido no original, seguindo as regras da ortografia utilizada em Portugal antes da introdução do acordo ortográfico.

Por Heitor Castel’Branco Trabalha como Técnico Superior de Turismo e, durante o verão, exerce funções de Guia de Mergulho na empresa Norberto Diver. Colabora em diversos trabalhos na érea do Turismo e com a revista StudioBox Viseu.

A Norberto Diver, propriedade de Norberto Serpa e criada em 1996, é uma empresa pioneira a exercer atividades turísticas ligadas ao mar na Ilha do Faial, Açores. Oferece um vasto leque de serviços que incluem: a observação de baleias, a observação e natação com golfinhos, o mergulho com escafandro autónomo e passeios de barco.

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As lições da luz

O olhar de uma fotógrafa sobre a relação entre vida e a sensibilidade de capturar o tempo e o espaço. A tatuagem no pulso direito é a inscrição de um mantra pessoal da fotógrafa Daniela Buzzi. “Let it be”, o quase-hino dos Beatles, está discretamente impresso no corpo para lembrar à alma o melhor jeito de enxergar a vida. Em seus 31 anos, Daniela aprendeu a aceitar a imprevisibilidade dos dias e a conviver com as incertezas, começando com a própria profissão. “Toda manhã acordo desempregada”, lembra, sem aparente tom de queixa. Especializada em fotografia de arquitetura, ela desbrava um nicho de mercado que ainda desabrocha no Estado. Uma escolha que lhe exige doses diárias de coragem, persistência e talento, qualidades das quais a vida cobrou o preço de dizer “sim” aos convites do destino. Nascida em Rio Negrinho, crescida em Timbó, Daniela seguia, até o final de seu curso de Administração na Furb, o roteiro padrão de quase todo jovem em busca de um lugar ao sol no mercado de trabalho. Ao terminar a graduação, porém, a inquietação do espírito impôs-lhe um desvio de rota. Foi para a Espanha, onde passou dois meses estudando o idioma local e descobrindo um mundo novo. “Sempre gostei de fotografia, e antes de ir para Espanha eu tinha recebido uma câmera. Então, senti a necessidade de contar pelas fotos minha experiência na Espanha, minha primeira viagem fora do País. Meus amigos me acompanhavam pelas fotos e elogiavam meu olhar”. Daniela Buzzi

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A Espanha contaminou-lhe a alma com uma nova ideia. Em vez de voltar ao conforto do emprego na empresa familiar em Timbó, quis provar mais do Velho Continente. Duas paixões reivindicavam-lhe a experiência: a arquitetura e a fotografia. A descendência de italianos encaminhou-lhe para a Itália, onde trabalhou como cuidadora de crianças numa pacata cidade do norte da Itália, Conegliano Veneto. Dali, Daniela explorou o país de ponta a ponta, agarrada à sua câmera. “Morar na Itália foi aquela absorção de cultura o tempo inteiro, de arquitetura, de arte, de culinária, o que me ajudou muito a desenvolver um olhar fotográfico para a arquitetura”. Mas a Itália não foi apenas uma incursão pela arte, pela história e pela arquitetura. Foi onde Daniela exerceu a filosofia do “let it be”, a receptividade para os “sins”. Conheceu os sítios mais bucólicos da Itália, fora do eixo turístico, porque não se recusou a pernoitar na casa de recém-conhecidos, nem a compartilhar viagens com estranhos. Despojou-se de medos que no Brasil poderiam fazer sentido. Conheceu muita gente e viu muita coisa diferente do seu universo barriga-verde. Na Sardenha, ao convite de um professor que conhecera instantes antes, trocou a espera de um ônibus pela companhia do nativo, com quem explorou lugares que não teria tido a chance de conhecer se não fosse de carona. “Ele me disse: estou de férias e vou com você. Vamos com meu carro! Eu pensei, por que não?”.

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Para o desenvolvimento da percepção e do prazer artístico, a Itália foi crucial em sua formação. “A Itália fez com que me apaixonasse ainda mais pela fotografia, pela observação, e sentisse o prazer de sentar num banquinho numa praça e ficar viajando ali, sem hora nem destino. Viajar sozinha, conversar com pessoas e pedir informações, e explorar lugares que as pessoas me indicavam. Isso foi muito importante para o meu olhar”. Para ela, a arquitetura na Itália é um exercício maravilhoso para quem quer se especializar nesse segmento de fotografia. “Em todo canto, você tem volume, tem luz, tem construções importantíssimas de diversos arquitetos e de várias épocas”.


Ao voltar para o Brasil em 2008, já chegara à conclusão que sua paixão pela fotografia e pela arquitetura poderiam caminhar juntas. Mas quando fica pronto um fotógrafo? Ninguém sabe, muito menos Daniela, que se viu agitar, dois meses depois, por outra inquietação. Já em 2009, embarcou num navio de cruzeiros que operava no Pacífico entre o México e os Estados Unidos. Se havia alguma ideia de glamour no trabalho a bordo, a rotina extenuante de todos os dias logo lhe mostrou qual seria a lição daquela experiência. “Acordava às 5h da manhã para trabalhar depois de ter ido dormir à meia-noite. Eu tive oportunidade de desembarcar, mas eu queria cumprir o contrato. Aquele era meu “exército”, dizia meu pai. No segundo mês, eu já não sentia mais nenhum dedo de meu pé. Podia desembarcar a cada duas semanas, mas às vezes nem conseguia porque estava muita cansada”, relembra. “O trabalho no navio te ensina a lidar com todo o tipo de pessoas. Como a gente trabalhava demais, um dia parecia uma semana. Era uma vida intensa. Parece que vivi anos naquele navio”. Para a administradora que queria ser fotógrafa, a dificuldade estava também dentro de sua própria cabine. “Passei sete meses vivendo numa cabine sem janela. A luz, só artificial”. Experiências tão apostas – a de viver sob a luz incopiável do Mediterrâneo e a falta de um facho sequer pela janela de sua cabine – influenciaram seu olhar. “Passei a valorizar ainda mais as pequenas coisas”. Para um profissional da observação, a privação da luz lhe renderia grandes lições. A rotina estressante de trabalho tinha preparado o espírito para o futuro, para o desafio de escolher um caminho evitado por muitos colegas fotógrafos.

Da mesma forma, sua sensibilidade para as coisas simples – uma de suas fotos preferidas é a de uma pitoresca casa rural em São Pedrinho – não reduz seu olhar para os sofisticados ambientes que fotografa, pois é capaz de distinguir seu potencial estético e não meramente seu valor material. “Simplicidade é o último grau de sofisticação”, diria Leonardo da Vinci em sua defesa. Em quatro anos como profissional, Daniela já fotografou imóveis de milhões de reais, decorados com requintes de luxo e com lustres do valor de um carro popular. Uma das poucas profissionais no Estado especializada no segmento, o reconhecimento do setor vem acontecendo. Suas fotos já ilustraram capas de diversas publicações dirigidas. Mas entre um e outro compromisso profissional, Daniela volta a mirar sua câmera para a arquitetura da natureza. De seu apartamento em Penha, tem à disposição o espetáculo diário do nascer-do-sol. A poucos quilômetros, no trapiche da Praia de Armação, Daniela diz capturar o melhor pôr-do-sol do mundo segundo seus olhos. É quando finalmente fica mais fácil render-se ao “let it be” da vida e dizer sim ao presente do tempo.

Ao retornar para Timbó, decidiu formalizar sua experiência. De Por Luiz Garcia 2010 a 2011, foi morar em Curitiba onde completou um curso profissionalizante em fotografia. No ano seguinte, ainda na capital paranaense, fez especialização com o prestigiado fotógrafo Cristiano Mascaro. Talvez a metrópole fosse o melhor lugar para dar início a carreira. Mas desde criança Daniela havia sido capturada pelo pôr-do-sol de Penha, no litoral catarinense, onde a família veraneava todos os anos. E para quem tinha se aventurado pela Itália e aguentado a rotina extenuante de tripulante num transatlântico, decidir morar na pequena cidade dizia muito da natureza da fotógrafa, que crescera em meio à simplicidade.

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Qual a Trilha Sonora Da Sua Vida? Parte 1 - Overture por Esdras Floriani Holderbaum 20 hr e 43 minutos do oitavo dia de abril deste mesmo ano. Cheguei ao bistrô e iniciei o merecido descanso após um dia de trabalho cansativo, porém, sempre muito realizador. Sentado no conhecido banquinho alto em frente ao balcão, espero ansioso e paciente (sim, uma dicotomia) pelo meu jantar ser gentilmente preparado. Estou pensando na vida quando subitamente sou surpreendido por uma frase jogada no ar, como se falada através de um megafone fazendo o anúncio de recrutamento militar relâmpago dizendo “quero um texto seu para a próxima revista”.

Sugestão Musical: Piano Concerto No5 in E Major Largo, J. S. Bach, 1738 Gloomy Sunday, Rezõ Seress, 1933 Caravan, Juan Tizol, Jazz, 1936 Samba de Uma Nota Só, Tom Jobim, Bossa, 1960 Roundabout, Yes, Rock Progressivo, 1971 Under Pressure, Queen and David Bowie, Rock, 1981 The Songs of Distant Earth, Mike Oldfield, Space Music, 1994 Awakening, Craig Pruess, New Age, 2003 Quicksilver Dream, Eivind Aarset, Jazzy, 2007 Rise Up, Pat Metheny, Jazz, 2014

Reconheci a voz e sorri, mas não identifiquei a origem! Ao me virar vejo então que o tal “recrutamento” veio do amigo João, que estava andando às pressas com dois pratos nas mãos para deliciar outros dois clientes que estavam também a esperar o seu jantar. Deixo a tal correria passar para poder perguntar mais informações e saber o que desejava. Explicou-me que precisara de um texto sobre música. Olhei para meus botões e exclamei em pensamento “ele deve estar brincando, mas ok... interessante... acredito que pode dar certo... faz tempo que não escrevo, mas pode ser um bom momento para retornar a tal”. Como um questionador nato de um aluno não tão aplicado, mas esforçado que acho que sou, faço a segunda pergunta para entender qual o assunto, a respeito de música, que ele na qualidade de editor gostaria de entregar para aqueles que forem apreciar esta revista. Pois bem, logo na sequência, notei que deveria ter ficado apenas no primeiro questionamento, pois João, em sua forma peculiar de gesticular balança a cabeça, levanta os ombros, mexe suas mãos e com toda sua formalidade Portuguesa me diz com a tranquilidade de um Buda, “qualquer coisa sobre música”. Sim! Como um grande espetáculo, este foi o momento no qual a mágica se fez, um horizonte de possibilidades infinitas se abriu e ao mesmo tempo a problemática se instaurou. Fico pensativo com as palavras de João martelando a minha mente, pois “qualquer coisa sobre música” me dá a simples opção de poder escolher qualquer coisa que esteja entre o infinito e o infinito. De forma filosófica, sendo o início o infinito, então começar por onde? Aceito honrado o pedido de João, termino meu jantar e vou para casa... Pensativo, preocupado, mas confiante! Pois bem, tendo este pequeno caminho de possibilidades para escrever, eu acredito que a melhor forma é iniciarmos uma viagem sobre o tema. Não uma viagem histórica sobre a origem, aplicações e partes da sua estrutura, mas sim uma viagem sobre a influência da música ao nosso meio. Escolhendo do infinito ao infinito, depois de muito pensar, acredito que talvez ingenuamente eu consegui encontrar o melhor local de partida para falar sobre Ela. Sim, Ela, a música, de forma pronominal ao qual chamarei assim durante esta nossa viagem, uma estrutura de frequências e ritmos que tem enorme influência sobre nós, mas que nem sempre a notamos! Para deixar a leitura mais agradável, cada capítulo desta modesta viagem virá acompanhado com algumas sugestões para que juntos possamos descobrir o resultado das mentes criativas dos mais diversos compositores, independentemente de gênero e atemporal. Então, querido leitor, neste momento você já deve ter se perguntado no mínimo umas mil vezes o que estou querendo dizer e qual a real ligação do título deste texto com o conteúdo apresentado. Bem, se você leu o texto até aqui é porque das duas uma, ou você está querendo ver se ele vai terminar como o seriado LOST (sem pé nem cabeça) ou você está muito interessado no tema. Para ambos eu humildemente agradeço de coração e peço apenas uma coisa em troca... Confortavelmente, arrume-se na cadeira, banco ou onde quer que esteja e leia de mente aberta e de forma despretensiosa os próximos capítulos desta história. Apenas permita-se, perceba-te e olhe ao seu redor. Feche os olhos por um instante e escute. Ela está com você neste exato momento, quando lê atentamente cada palavra deste texto. Perceba os sons que chegam aos seus ouvidos. Para muitos, silêncio, outros uma anarquia de ruídos, mas para todos nós, um pano de fundo necessário para podermos entender que este é o agora. Você pode não estar notando, mas está bem no meio da trilha sonora da sua vida!

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“Landscape” – A paisagem sonora de Esdras Floriani Holderbaum Se tivéssemos de definir a música que EFHLive compõe, colocála-íamos algures entre “The Lamb Lies Down on Brodway”, o mítico álbum conceitual dos Génesis, datado de 74, o ambiente computorizado das músicas de Mike Oldfield e Jean Michel Jarre e os harmoniosos instrumentais de piano de Ryuichi Sakamoto.

masterizados por verdadeiras lendas vivas da música eletrônica, como Mazen Murad do estúdio Metropolis de Nova Iorque, que já trabalhou, entre outros, com Sade, Bjork e The Rolling Stones, EFHLive é uma referência na sua área, tendo sido, recentemente contratado pelo label britânico SECTOR4AUDIO, com honras de artista convidado para lançar o selo da gravadora.

Algumas das suas composições, como “Landscape” e “Dreams”, são genuínas viagens musicais, que nos transportam ao longo de sonoridades geográficas quase antagônicas, numa mescla de isolamento e cosmopolitismo, de passado e modernidade, de tranquilidade e agitação, como que resumindo um conflito interior exorcizado através da construção musical. A sonoridade de EFHLive é, como o próprio pretende, inconfundível e essa é a melhor definição para originalidade, passo essencial para o sucesso.

O que poucos saberão é que EFHLive é o pseudônimo de Esdras Floriani Holderbaum, o especialista em sistemas com que nos cruzamos diariamente, ou quase, no Bistrô Entre Parênteses, no Magnani Bistrô, no Timbó Park Hotel, ou no Barmazém, onde, aliás, é responsável pela escolha da irrepreensível Radio Paradise para trilha sonora.

EFHLive tem mais de 500 músicas instrumentais criadas e está prestes a lançar dois álbuns de originais, ainda durante o ano que agora corre. Ouvido em mais de 130 países e com trabalhos

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Foi exatamente na pizzaria do centro, que Esdras, neto da mais famosa artista plástica da cidade, Dona Cornélia Augusta Floriani, acedeu a conversar com os repórteres da Valeu e a explicar um pouco melhor este gosto pela música e o trajeto que o catapultou para o pequeno núcleo dos mais importantes criadores de música eletrônica mundiais.


- Timbó não tinha muita coisa em termos de música. – Dispara de entrada, ainda nem tempo tivéramos para iniciar a gravação. Esdras é assim, vibrante com os temas que lhe interessam. - O que tinha? Tinha a “Centenário” na esquina e, infelizmente, lá não tinha nada do que me interessava. Era uma cidade pequena e sem grandes opções para quem gostava de música alternativa. Desde a sua chegada, Esdras é cumprimentado por todos os presentes e sê-lo-á ao longo da nossa conversa por quase todos os clientes que vão chegando ao Barmazém. É da casa! - Eu era uma criança meio estranha. Sempre estive ligado com pintura, desenho, música, artes. Os meus avós do Rio Grande do Sul trabalhavam com arte. A minha avó e as irmãs dela faziam arranjos secos, cada um mais lindo do que o outro. Eram feitos com palha de milho. Elas faziam cada coisa que vocês não acreditam!!! Eu vivia no meio de tudo isso. Ia com elas para as feiras de artesanato de rua que faziam lá no Rio Grande. E aqui, a minha avó, sempre pintando. O meu avô tocava piano, compunha e escrevia poemas. Ainda tenho alguns desses poemas. O meu bisavô era maestro. Era um ambiente muito propício à cultura. Muito ligado à criação. Eu desde pequeno vivendo nesse ambiente habituei-me a isso. Preferia ficar a ouvir música, a ler, a conviver com as minhas avós do que sair para brincar. Era naquele meio que me sentia bem. Estranho, não acham? – pergunta entre risos. - Essa convivência marcou a minha infância e adolescência. Fui aprender piano, mas não gostava. Interpretar a música dos outros, ler partituras, não era para mim. Sempre que a professora saía alterava a composição. Começava a criar. – Esdras exemplifica, trauteando um pequeno excerto bagunçado de “Au Claire de la Lune”. - Quando faço música é como quando vocês vão escrever. Vocês estão materializando um negócio que só existe num ambiente que ninguém pode tocar. Então, quando eu faço uma música, estou materializando algo que está dentro de mim. O meu desejo é tentar passar para vocês aquilo que estou sentindo naquele momento. É algo muito especial. - A minha lógica criativa em termos musicais é muito rápida. Então, desenho mentalmente a música, vou para o computador, para o piano e ela sai. Depois tenho de me policiar bastante para não a ir alterando à medida que vou ouvindo. Pra não desvirtuar o que tinha projetado ou sentido inicialmente. - Tu ouves as tuas músicas? Perguntamos curiosos. - Eu praticamente só ouço as minhas músicas! – Risos. - Por exemplo, no caso da música eletrônica, eu sempre tento fazer aquilo que eu quero ouvir. E muitas vezes me apanho ouvindo e ouvindo e ouvindo, uma música minha. Sabe? Play, play, play.... No fundo, eu faço música para mim. Para eu ouvir e aí outras pessoas acabam curtindo. Mas, na essência, faço música para eu ouvir. - As músicas calmas, menos eletrônicas, digamos, são mais intimistas vêm mais de dentro? Indagamos. - Não. Todas elas vêm de dentro com a mesma intensidade. Representam o que estou a viver no momento. Claro que algumas têm uma importância diferente, maior talvez.

Por exemplo, eu tive três processos de depressão e a música me ajudou pra cacete. Nessas fases, o ato de criação musical era o meu escape. A música que fazia era a minha forma de chorar, de rir, de gritar... Nunca esqueço, o meu avô faleceu no dia 6 de janeiro, o dia do meu aniversário. Deixem-me fazer um parêntese para dizer que esse meu avô, também músico e a quem eu tinha uma grande ligação, era meio como eu, ou eu era meio como ele – gargalhada – ele gravava em fita cassete os seus poemas e as suas composições e eu tenho esse acervo guardado e estou até pensando, um dia desses, fazer um livro com os poemas dele, musicados por mim. – Que massa! Exclamamos em uníssono. - Mas, voltando, eu era muito apegado a esse meu avô, mas não fui ao enterro dele e não fiz o luto. Uns tempos mais tarde, estava compondo, tocando e no meio do que estava tocando, comecei a soltar os acordes de uma música que o meu avô costumava tocar para mim. Aí, comecei a chorar, a chorar, sempre tocando. O teclado ia encharcando das minhas lágrimas e eu não parava... foi libertador. Tenho até essa sessão gravada. Um dia desses vou ver se a resgato. - De que forma o teu trabalho, com tecnologia e informática, influenciou a tua música? Ou será que foi o contrário? Que foi o fato de te dedicares à musica eletrônica que acabou influenciando a tua escolha profissional? - Está tudo ligado, eu acho. Eu sempre queria tentar gravar, então voltamos há vinte anos. Onde é que vocês iam encontrar um cabo para ligar o teclado no computador? Do nada eu consegui um software que dava para gravar, só que precisava da placa de som que era caríssima e eu não tinha dinheiro para comprar. Então eu fazia nota por nato na mão. Devo ter clicado umas 2 milhões de vezes. – Risos – Era quase o processo de escrever na pauta! Entretanto, consegui o cabo que permitia ligar o teclado ao software e aí abriu um novo mundo. Aí liguei o cabo, apertei no teclado e gravou no computador! Meu Deus!!!!! Tum!Tum! E se eu fizer assim? Tum, tum... mudava o acorde! Eu não dormia mais! – Esdras é muito onomatopeico. Gosta de exemplificar com sons, com expressões, com os gestos, com certa expressividade corporal o seu entusiasmo. – Virava as noites fazendo musica. Hoje tudo isso mudou. Mudaram os softwares, mudou a divulgação, mudou a distribuição. Hoje, de Timbó, eu faço música para o mundo e recebo royalties dessas musicas vendidas na internet. A Apple mudou isso tudo com o iTunes. Qualquer um pode ser o próximo Billy Idol, a próxima Madona, o próximo Tom Jobim. Está mais fácil para colocar para fora, embora seja necessário o essencial, saber como vai ser a próxima nota. Sem esse dom, esse conhecimento, de nada serve.

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Entretanto, Lírio, o quase eterno garçom do Barmazém chega com as calzones e, por breves momentos, a conversa é interrompida. Mesmo durante este interregno, os olhos de Esdras brilham no lusco fusco da esplanada improvisada sob a majestosa árvore que domina a entrada da pizzaria. Brilham de entusiasmo, o mesmo entusiasmo com que retoma a conversa, já em sua casa, onde instalou o estúdio de gravação, com vista privilegiada para a queda de água do Rio Benedito, cartão postal de Timbó. - Este estúdio está todo improvisado. Mudei há pouco e ainda vou fazer obras. – Esdras regressou a Timbó, depois de uma experiência em Blumenau, que acabou por não resultar como pretendido. – Foi bom estar fora, mas é bom regressar. É neste estúdio ainda provisório que Esdras continua a criar com a mesma chama de sempre. Com um enorme écran de computador ao fundo, teclados por todo o lado e uma mesa grande , este é o seu espaço de fuga. - É aqui que fujo. Que crio. Que interiorizo para depois exteriorizar. - A tua música é necessariamente reflexo do teu estado de espírito? – Perguntamos. – Isto é, se você está triste faz música mais triste e intimista e se está alegre, o contrário, ou não tem nada a ver? - Não tem a ver. Muitas vezes acontece o oposto. Por exemplo, tem uma música chamada “Angel”, que fiz num dia em que estava muito feliz e a música é muito introspectiva, como já aconteceu o oposto, eu estar muito pra baixo e sair uma música muito animada. - Desculpa a insistência nessa vertente da composição, mas gostaríamos de saber se quando você entra no estúdio, vem com algo desenhado previamente.

amente negativo. É solitário, mas no dia seguinte, quando acordas e pensas que criaste o que criaste, ficas maravilhado. Cada música é como um filho. Amo-a como a um filho. É muito amor colocado em três ou quatro horas, para gerar a composição certa.

- Não. A minha música não é proposital. Não tem uma definição a priori. Quando chego a casa e venho para o estúdio, sei que vou tentar compor, mas não trago nada predefinido.

- Uma pergunta difícil. Essa tua entrega absoluta à música gerou problemas na tua vida pessoal, amorosa?

- A composição é necessariamente uma coisa solitária? Questionamos, insistindo no tema da criação. - É extremamente solitária. É algo de dentro para fora. Embora, querendo ou não, muito influenciado por estímulos que vêm de fora para dentro. É algo muito íntimo. A minha vida roda em cima da música, então eu tenho algo que é como se fosse a trilha sonora da minha vida. Eu construo a trilha sonora da minha vida, diariamente. - Mas, o fato da composição ser, como você assumiu algo de extremamente solitário, tem implicações na sua vida? - Tem, necessariamente. Ao invés de sair, de ir a um bar, de estar conhecendo alguém, você está aqui. Por opção, claro, mas aqui, compondo. Isso tem implicações. Tem músicas que estou compondo e pelas quais, durante a fase da criação, é como se estivesse apaixonado. É como se estivesse enamorado. Não posso viver sem elas e busco-as, busco completa-las em cada momento que tenho disponível. E isso, pô, te faz ficar das oito às duas 66 da manhã, ou mais, ali, agarrado a essa composição. Queiras ou não, acabas afastado do ambiente social, o que não é necessari-

- Acredito que em algumas situações, sim. Quando me dedico à música, o mundo para, mas existe outro mundo lá fora que continua a girar. Da mesma forma que quando me entrego a outra pessoa, a música para e isso não é legal. Tenho ondas... A composição é um tesão. Tenho períodos em que, em três meses, faço trinta ou quarenta músicas e depois paro. Uma espécie de retiro para ganhar experiências novas que me servem de inspiração. Mas, não é uma coisa que eu escolha, é uma coisa que acontece naturalmente. Ciclos de criatividade e ciclos de absorção para a criatividade. - É mais difícil encontrar, lá fora, esse mote inspirador numa cidade como Timbó, ou mesmo como Blumenau, longe dos grandes centros, ou é indiferente? - Acho que não. Acho que é indiferente. Se tu estiveres andando de carro e olhares uma nuvem estranha, independe o local onde a vês. Eu não vejo o mundo de uma forma limitada geograficamente, eu vejo o mundo de uma forma muito conectada. Se tu olhares para o lado e vires um casal se beijando, ou gritando, ou a forma como o frentista coloca a gasolina no teu carro, isso não depende do local onde vives.


- Esses flashes fotográficos mentais são fonte de inspiração? - São. Eu tento buscar cada momento como se fosse uma fotografia diferente e usá-lo como inspiração para a minha música. A música é isso... por exemplo, você pode ter um filme muito bacana, mas a trilha sonora é uma bosta e o filme perde. No entanto, pode ter um filme mediano com uma música maravilhosa e o filme parece digno de óscar. Eu tento desenhar essa trilha sonora de cada momento da minha vida. - Todas as pessoas têm uma trilha sonora da sua vida? - Tenho a certeza que sim, mas a maioria das vezes as pessoas não ouvem a sua trilha sonora. - Isso mudaria as suas vida? - Tenho a certeza que sim. - Falta uma trilha sonora para o Brasil? - Falta. Falta uma trilha sonora para o Brasil. E para o mundo. Ou melhor, o mundo e o Brasil têm a sua trilha sonora, mas não a ouvem. Não querem ouvi-la.

- Conta para você, Esdras Floriani compositor, o desconcerto dessa trilha sonora mundial? - Acredito que para mim, até o desconcerto é música, porque três notas desafinadas colocadas no local certo podem ser uma coisa linda. E o mundo em que a gente vive, apesar do caos, também tem beleza para se ouvir e para se olhar. Conta para mim que aquilo existe, cabe a cada um captar. Por exemplo, no Afeganistão, no Iraque, continuam a cair bombas, mas a queda dessas bombas também é música, Uma música de terror, uma música triste, pesarosa, mas música. Uma música que passa uma energia negativa, mas uma música. Cabe a cada um de nós, construir uma trilha sonora menos dramática, mais humana, mais bela... Esdras Floriani Holderbaum, ou melhor, EFHLive, prepara-se para lançar no mercado dois álbuns: “Landscape”, uma viagem musical por cenários distintos e “Angel”, movendo-se entre as sonoridades da house-music e da new age, onde reunirá alguns dos temas que compôs nos últimos tempos e que, como o próprio define, são a sua visão de mundo, a sua trilha sonora para um mundo desconcertado, mas ainda assim musical Clara Weiss Roncalio e João Moreira

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Cinema Todos nós, por um motivo ou outro, temos um filme que nos marcou para sempre e que podemos definir como “O Filme da Nossa Vida”. Talvez não seja o melhor filme que vimos, nem sequer se enquadre naquilo que ousamos definir como “bom cinema”, mas por qualquer razão, é o filme de que nos recordamos com mais frequência e aquele que nos vem à cabeça quando, desafiados, nos pedem para falar sobre cinema.

“O filme das nossas vidas” pretende ser isso mesmo. Um desafio à capacidade de passarmos para o papel a magia que olhamos na tela e que nos marcou para sempre. Um estímulo à forma como interpretamos aquilo que vimos. Um olhar pessoal sobre o olhar, já por si pessoal, do realizador. A Revista Valeu lança um desafio aos seus leitores e colaboradores, para que nos enviem, para publicação, o seu olhar sobre o filme que mais os marcou, o filme a que se arriscariam a chamar o filme da sua vida.

Caro amigo, Aproveito este final de tarde ensolarado para escrever-lhe estas linhas e dizer-lhe que tive a feliz surpresa de, no fim de semana passado ver o filme que tão vividamente me descreveu em sua visita em nossas terras. Samsara... Que lindo! Como você, caro amigo, teve o dom de me fazer ver o filme com suas palavras – e desejar vê-lo! A paisagem majestosa dos altaneiros Himalaias e seu povo de trajes coloridos e coração devoto. Dos povoados de agricultores e pastores de ovelhas e cabras e sua árdua vida no campo. Achei que um filme tão diferente não chegaria a nossos provincianos e tão comerciais cinemas do sul. No entanto, numa noite destas que passei em Curitiba, estávamos em volta de uma mesa de queijos e vinhos com amigos e alguém, de passagem, nos conta que Samsara estará em exibição naquela mesma noite, na sessão da meia noite. Veja só, a sua descrição do filme, meu caro amigo longínquo, foi o argumento para convencer os comensais. Foram-se todos. Mal deu tempo de chegar ao cinema. A sobremesa ficou para a volta com chá e bate papo, madrugada adentro – o filme merecia a discussão posterior.

Quem não almeja a perfeição, a santidade, a excelência? Um rapazinho ingressa nos serviços de um mosteiro. Difícil caminho este que os monges escolheram. O duelo entre sexualidade e santidade, desde o início da história, mexe com as minhas convicções pessoais: Por que é sempre na sexualidade que as religiões manifestam seu braço repressor? Não é nossa energia mais humana, mais poderosa? E tão ligada e tão misturada com o afeto? Milan Kundera, o melancólico escritor da Primavera de Praga, diz que associar o amor à sexualidade foi uma das mais bizarras ideias do Criador. Samsara, o filme, permeia-se deste conflito pra construir uma linda história de amor. De um lado, uma vida dedicada ao serviço do Iluminado – de outro- a vida na terra e o clássico triangulo amoroso. O monge Tashi se apaixona e volta a viver na aldeia como um homem comum. Humano, demasiadamente humano, como nos diria Friederich Nietzsche. Teria deixado de ser santo, o homem que se converte em pai, amante e camponês? A vida na aldeia não é um idílio. As faltas humanas, o trabalho pesado, a faina diária consomem a vida e prendem o ex-monge à terra. Ele se vê, todos os dias, frente a frente com sua finitude. Não existe apenas Pema, a bem- amada. Outra sedutora mulher da aldeia seduz Tashi sem a benção do afeto e o coloca frente a frente 70 com a sua humanidade. Humanos, demasiado, humanos, não é apenas isto o que somos?


O Filme das Nossas Vidas Será esta a constatação que faz o ex-monge desejar em desespero o retorno ao seu sagrado mosteiro? Não é apenas Tashi, quase santo, o herói deste filme. Que grande mulher é Pema, a companheira camponesa! Na juventude ela o amava a ponto de renunciar a ele, para que não perdesse seus votos sagrados. Ela sabia da outra mulher e intuiu o motivo da fuga de Tashi. Corre atrás dele, em sua fuga para os braços de Buda, para lhe levar a oferenda de boa viagem.... Pães e contas de oração. Metafórico isto não? A oferenda era terra e espírito. Ela o fez enxergar que enquanto uns rezam e meditam, outros estão com as mãos e os pés na terra, arrancando dela o alimento. Enquanto muitos, inclusive Sidarta - se evadiram de sua humanidade, outras ficaram - parindo, amamentando as crianças, embalando e fazendo dormir, curando os doentes e cuidando daqueles afazeres que estão mais ligados à terra, mas que, diante da grandeza da vida, perdem a sua pequenez. Quem seria o menos herói? O grande Buda, ou a mulher que ficou só, por sua fuga da humanidade? Uma grande questão para as discussões de gênero... Aceitar a humanidade e a finitude não é um aprendizado simples... Requer muita, muita dor. Não é uma escolha fácil a de Tashi: a aldeia e a bem amada ou a santidade e a excelência do mosteiro? O filme deixa a resposta para cada um...

FICHA TÉCNICA SAMSARA -Um filme de Pan Nalim – Alemanha, Índia, França, Itália. Ano de produção 2001. 138 minutos. Premio especial do júri em Moscow Internacional Festival Film/2002 e Premio do Juri popular em Melbourne Internacional Festival Film/2002. REFERÊNCIAS DE TEXTO: KUNDERA, Milan - A insustentável leveza do ser Rio de Janeiro: Rio Gráfica, 1983. NIETZSCHE, Friederich - Humano, demasiado humano – São Paulo: Companhia das Letras, 2000. Por Margot Friedmann Zetzsche

Mas Tashi deixa cair, num momento de sua fuga, uma capa laranja, uma peça de suas vestes monásticas... Seria uma pista, um indício de qual será a sua escolha? Que mais poderia dizer deste filme a você? Lindas cenas de sexo, de um bom gosto irretocável. Música agradável. Enfim duas horas deliciosas para se passar em frente à tela do cinema. Para citar de novo Kundera, começamos a amar, quando alguém se inscreve com uma metáfora em nossa memória poética! Com certeza, este filme é uma memória poética a ser compartilhada. SAMSARA sempre evocará a lembrança – de quem me presenteou com o desejo de vê-lo - um dos filmes queridos de minha vida.

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Editorial de Moda Beto Barreto

As marcas Dianna, Diametro e D. Portum, todas do Grupo Diana Têxtil, são o carro chefe deste editorial de moda. É o lançamento da coleção de verão. Dianna: A coleção verão da Dianna prioriza o essencial. A simplicidade sofisticada da beleza natural em harmonia com a liberdade. Diametro: A coleção verão da Diametro dá relevância a detalhes sofisticados de alfaiataria, influenciados pelos resorts da década de 50.

Nosso agradecimento especial para a Loja Dikruger, Maga Bee Acessórios, Scheila Pacher Acessórios e Espanha Club.

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Direção Geral: Beto Barreto e Amanda Bona Luef. Produção de moda: Amanda Bona Luef e Aline Pisa. Make e Hair: Salão Belle Corp - Thiago Abreu Bittencourt. Fotos: Tainá Claudino. Modelos Raquel Huewes e Anderson Bell (nemodels – (www. nemodels.com.br), Jéssica Victorino e Maicon Rivan.

Modelo : Jéssica veste Regata em tricot: Dianna Brinco, anel e pulseira: Magga Bee Acessórios Biquini: Dikruger Bota: Acervo pessoal

D. Portum: O verão da marca D. Portum explora a troca de experiências entre pais e filhos com pólos e camisetas que fazem a perfeita conexão entre ambos.


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Modelo Jéssica veste Vestido: Dianna Pulseiras, colar e brinco: Magga Bee Acessórios Turbante: Acervo pessoal

Modelo Maiko veste Camisa: Diametro Calça e cinto: Knoten Pulseiras: Scheila Pacher Acessórios Gravata: Acervo pessoal

Modelo Raquel veste Blusa: Dianna Colar e pulseira: Scheila Pacher Acessórios Brinco e anel: Magga Bee Acessórios Pantalona: Acervo pessoal


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Modelo Anderson veste Camisa: D. Portum Colete: Espanha Club Pulseira: Scheila Pacher Acess贸rios Bermuda: Knoten Colar e rel贸gio: Acervo pessoal


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Modelo JĂŠssica veste Vestido: Dianna Colar, brinco, pulseira e cinto: Acervo pessoal


Modelo Raquel veste Blusa e saia: Dianna Soutien de renda e Peep toe: Dikruger Pulseiras e viseira: Acervo pessoal Modelo Anderson veste Camisa e regata: Diametro Calça: Knoten Pulseiras: Scheila Pacher Acessórios Chapéu: Dikruger Modelo Maiko veste Camisa: Diametro Bermuda: Knoten Pulseiras e relógio: Scheila Pacher Acessórios Óculos: Acervo pessoal

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Modelo Renata veste Blusa: Dianna Sandália: Dikruger Mix de Pulseiras: Scheila Pacher e Magga Bee Acessórios Calça, colar e turbante: Acervo pessoal

Modelo Anderson veste Camisa: D. Portum Bermuda: Knoten Pulseiras: Scheila Pacher Acessórios Calçado: Dikruger Óculos: Acervo pessoal

Modelo Jéssica veste Vestido: Dianna Camisa jeans e peep toe: Dikruger Brinco e colar: Magga Bee Acessórios

Modelo Maiko veste Camisa: Diametro Bermuda e cinto: Knoten Relógio e pulseiras: Scheila Pacher Acessórios Calçado: Dikruger

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Modelo Anderson veste Camiseta: Diametro Bermuda: Knoten Botina: Dikruger Suspensório: Acervo pessoal Modelo Jéssica veste Blusa: Dianna Colete Jeans: Dikruger Pulseiras, anéis e brinco: Magga Bee Acessórios Biquini, óculos e sandália: Acervo pessoal

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Modelo Jéssica usa Vestido: Dianna Peep toe: Dikruger Brinco e anéis: Magga Bee Acessórios Pulseira: Acervo pessoal

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Saboreando a Saudade por Juliana Weiss Roncalio

Hoje em dia, parece que falar sobre comida é banal, pra não dizer chato! Muita gente virou especialista em comida. Comida sem graça se transforma em refeição gourmet apenas pela estética do prato seguir um certo modismo! O que pretendo, escrevendo aqui, é dividir algumas memórias familiares que remetem à comida e despertar o interesse de quem lê a resgatar suas próprias memórias gastronômicas. As lembranças de infância quase sempre remetem a comidas. Morávamos em Joaçaba e tínhamos vizinhas maravilhosas neste lugar. Ali, aprendemos a comer salada amarga, a galinha com polenta sempre foi servida com uma rúcula, radiche ou agrião, temperados com um bom vinagre de vinho tinto. Conhecemos a sopa de agnolini, o brodo e tantas outras comidas boas. A vizinhança sempre se reunia de tarde, mulheres e seus filhos. Tomávamos chimarrão amargo ou mate doce com leite e capim limão, com pipoca e nega maluca. Naquele tempo se brincava muito, eram os anos 80 e o tempo passava devagar! Nas férias de verão vínhamos visitar o Opa e a Oma num sítio, em Timbó, na Mulde. Parecia que voltávamos um século atrás no tempo. Era um lugar lindo, mágico! A viagem era bem demorada... que delícia chegar no fim da tarde e sermos recebidos com pão fresquinho de forno à lenha! Na época, não tinha telefone na área rural, muito menos internet, era sorte ou acaso. O lanche era pão fresco, manteiga caseira, queijinho branco amassado, rodelas de cebola e linguiça, essa por sinal até combinava com geléia. Que segurança e conforto uma criança sente estando na casa dos avós! Um lugar de muita fartura e comidas diferentes. Naquele tempo, 80% da comida vinha dali! se comprava muito pouco de fora. Acho que toda criança gosta do cheiro da casa dos avós (imagino eu). Quando amanhecia e acordávamos, ficávamos um pouquinho na cama nos deleitando com a sensação de acordar no sítio, escutando o relógio grande de madeira, as badaladas sincronizadas com a tosse do Opa e da Oma - adorava ouvir os 2 tossindo, era uma tosse boa, não parecia fazer mal à saúde. Uma tosse era diferente da outra, mas dava uma certa felicidade em escutar, uma alegria por estarmos juntos, sei lá, passarinhos, relógio, tosse, barulho de louças, cheiro de café, fumaça do fogão a lenha e do palheiro que o Opa fumava, cheiro de estrebaria, cheiro do trato das vacas, aromas do passado! Toda pessoa deveria ter uma essência ou um incenso dos cheiros bons do passado.

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A Oma preparava um café preto de manhã bem cedinho, bem doce! Mandava com o Opa a térmica, íamos juntos tratar as vacas, o Opa colocava o café numa xícara e cobria com o leite espumoso e expresso tirado em cima do café! Que bom, não tínhamos nojo nenhum! Melhor café! O galinheiro ficava do lado do rancho das vacas, minha irmã mais velha e eu procurávamos ovos no ninho e, quando estávamos com sorte, tinha ovo morninho recém colocado. Rapidamente pegávamos o ovo, quebrávamos num prego ou quina qualquer e completávamos o “frishtic” ali mesmo.

Quando passeávamos em Timbó, na cidade, com meu avô ou com meu pai, parávamos no Diergo’s, uma lanchonete linda e estilo anos 50. Lá comíamos pão com bolinho de carne e mostarda escura e choco-leite, parece que não combina, mas foi o lanche de muita gente. Se eu achasse a lâmpada do Aladim, certamente, um dos pedidos seria poder saborear de novo a comida de minha mãe! Porque comida de mãe tem um nutriente a mais, parece alimentar à alma, não encontramos comida de mãe servida por aí, com certeza não! E não só a comida, as conversas à mesa eram tão interessantes, assuntos bobos, tristes, engraçados e profundos, quanta coisa aprendemos e compartilhamos numa mesa fazendo uma refeição! Ela morreu faz pouco tempo, parece muito! O Maior luxo que tínhamos era ter uma mãe presente, sim, uma dona de casa, opção de vida que sempre foi desvalorizada, pra não dizer ridicularizada e quase proibida nos dias de hoje! Quando era pequena queria que minha mãe fosse igual às outras mães, que trabalhasse fora. Mal sabia eu que aquela presença constante era por tempo limitado. Ela tinha muito amor por cozinhar, amava fazer comida pro marido, filhos, visitas, mas esse amor aumentou quando vieram os netos, sua cozinha sempre teve perfume, ou de bolo assando, geléias borbulhando, alho e cebola refogando... Me considero uma pessoa rica por ter tido sempre fartura, comidas deliciosas, feitas com generosidade e boa apresentação, desde o café da manhã até um simples lanche da tarde, nada era “jogado” na mesa, tudo era servido com uma certa estética, que só fui ter noção que era bonito, quando pude comparar com os lares alheios! Na minha casa a mesa estava sempre com uma toalha bem passada,


as facas colocadas no lado direito, garfos e guardanapos no lado esquerdo, colheres do lado das facas ou acima do prato, a comida quase nunca era servida em panelas (hoje cometo esse pecado). Caprichos, diriam alguns. Mas, era considerado básico pra Mami, mesmo tendo uma origem simples, sem excessos materiais! Sempre caprichava na decoração da cozinha, fosse num arranjo de flores, ou numa fruteira com frutas lindas que pareciam se oferecer pra quem as quisesse. Tem um trecho de Clarissa Pinkola Estés no seu livro “A Ciranda das Mulheres Sábias, da anciã sábia que está convidando a mulher comum (neste caso a leitora) a entrar na sua casa na floresta e diz assim: “Preparei a lareira perfeita para nós. O fogo vai durar a noite inteira - suficiente para todas as nossas “histórias dentro das histórias”. Um momentinho só enquanto termino de lavar a mesa com menta fresca. Pronto, vamos usar a louça bonita. Vamos beber o que estávamos reservando para uma “ocasião especial”. Sem dúvida, “uma ocasião especial” é qualquer ocasião à qual a alma esteja presente. Você já percebeu? “Reservar” para outra hora é o jeito que o ego tem de dizer, rabugento, que não acredita que a alma mereça prazer no dia-a-dia. Mas ela merece, de verdade. A alma sem dúvida merece.” Minha mãe acreditava nisso, praticava isso, todos os dias, algum momento do dia ela transformava numa ocasião especial, e já notávamos isso enquanto viva, mas depois de sua morte, isso ironicamente ganhou mais sentido.

Aqui vão duas receitas de saladas, elas não têm medida exata, faça a sua medida, calcule com as mãos, olhos e dedos:

Salada da Horta Folhas mistas bem lavadas e centrifugadas: rúculas, agrião, alface, escarola, mostarda, radiche.... Gergelim tostado na frigideira sem óleo 1 cebola roxa cortada em tiras e refogada em azeite de oliva com galhos de tomilho, sal, pimenta do reino. Quando a cebola murchar, derrame devagar, ou rápido, o aceto balsâmico, uma boa quantidade, 1 xícara de café, talvez um pouquinho a mais, ou a menos, deixe ferver uns 2 minutinhos. Tempere a salada com este refogado e espalhe o gergelim por cima! Se quiser, ao invés do gergelim, pode usar nozes tostadas, castanhas, pistache, semente de girassol e, pra quem gostar, ela ganha um sabor a mais colocando lascas de parmesão. Essa é uma ótima salada para comer no inverno como refeição principal ou acompanhamento!

Ela nos ensinou a reverenciar e ter respeito pelos alimentos apenas com exemplos, sem explicações! Colhia as saladas na horta com delicadeza, simplicidade e elegância - pode alguém ser elegante colhendo saladas? Sim, ela era! Pegava uma cesta e colhia alguns tipos de alface, rúculas, cenouras, temperos e cada coisa era colocada graciosamente, com cuidado, uma ao lado da outra enchendo a cesta e os olhos de quem via! Colhia agradecendo e se achando rica por poder colher e oferecer aquilo à família, aquelas preciosidades que foram cultivadas com carinho e amor pelo meu irmão do meio, que virou agricultor orgânico! Depois, chegando em casa com aquela cesta linda, presenciávamos estas cenas sem dar muita importância. Ela separava tudo e começava a lavar as verduras uma por uma, sempre cantarolando, ou escutando uma música, tomando um cálice de vinho, geralmente no final da tarde, era um ritual, quase uma oração! Lavava tudo, arrumava, transformava aquilo num lanche ou numa janta maravilhosa! Esse capricho ao manusear, o respeito e a gratidão acrescentavam um brilho e até um sabor a mais nas suas preparações, uma verdadeira prática espiritual!

Salada especial que minha mãe aprendeu com uma grande amiga aqui de Timbó, geralmente era preparada aos domingos!

Não fazia nada de “qualquer” jeito, fazia sempre do melhor jeito que conseguia, isso soa bem perfeccionista, mas lembra um poema do Fernando Pessoa/Ricardo Reis:

Corte as maçãs em fatias nem muito finas nem muito grossas, em gomos. Pingue umas gotas de limão para não escurecer e tempere com um pouco de sal. Toste as nozes em um frigideira sem óleo, ou asse- as no forno até ficarem douradas. Escalde as uvas passas e escorra Misture a nata (fresca) com o açúcar e envolva as maçãs com esta mistura. Junte as uvas passas e as nozes. Sirva em uma travessa bonita! (Uma travessa bonita é fundamental!).

Para ser grande, sê inteiro: nada Teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és No mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua toda Brilha, porque alta vive. Odes/ Ricardo Reis

Maçãs verdes Maçãs verdes cortadas em fatias sem a casca Gotas de limão para não escurecer a maçã 2 colheres de Sopa de Açúcar Uvas passas brancas ou pretas Nata 1 pitada de sal Nozes picadas e tostadas

Tenha amor por você, pelas suas refeições. Quando estiver com amigos ou com a família, agradeça! E, por experiência própria, nunca brigue para lavar as louças ao final das refeições. Na minha casa sempre tivemos as brigas mais sérias, quase mortais, por causa das louças, queria ter poupado minha mãe disso!

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Competência é o que falta para a educação brasileira! Que bofetada levamos todos nós brasileiros com a divulgação do ranking internacional sobre qualidade de educação. Tão forte que, passados quase 30 dias, ainda estamos na lona, no centro do ringue, passando vergonha. Entre 76 nações, ficamos com a 60ª posição. É isso mesmo! Mas, falando sério, alguém imaginou que isso pudesse ser diferente? Cá pra nós, num país onde o dia a dia escolar está mais nas páginas policiais do que na evolução do ensino e no avanço das pesquisas, não causa surpresa. Na qualidade de educação ficamos atrás de países de economia muito inferior, o que prova que riqueza não significa educação. Pois, afinal, somos uma nação rica. Pobres na cultura e na formação, no entanto. Nosso ensino médio enfrenta uma evasão sem precedentes e as causas para tudo isso são inúmeras, a começar pela desestruturação familiar onde, parece, está toda a origem das várias consequências que nos tornam um país dos desmandos, dos descasos, das justificativas. Mas como justificar esse ranking mundial de qualidade de educação? Quem são os responsáveis por isso? Com toda a certeza, todos somos responsáveis! Começa pela própria falta de cultura educacional. Achamos que sabemos muito e que não precisamos nos aprimorar. Essa é exatamente a forma contrária dos povos de outras nações, melhor ranqueadas, sabem muito e buscam saber ainda mais. Isso faz a diferença! Nesse quesito, os asiáticos dão um show que começa pela valorização do professor. Lá um mestre, aqui em servidor qualquer. Lá um sacerdócio, aqui um emprego. Lá uma obrigação, aqui uma opção. Existem motivos de sobra pra condenar os governos (todos os níveis) por esse quadro vergonhoso. Mas usar somente o governo como forma de muleta para justificar tudo isso, também não é aceitável. Nesse caso, em especial, são responsáveis, como já foi dito, a família, o governo e os educadores. Sim, eles também têm a sua parcela de culpa por tudo isso. Vêm falhando ao longo dos tempos; vêm se especializando cada vez menos; vêm amando a profissão – o sacerdócio – com menor intensidade e, logo, resulta no que aí está. Para reverter esse quadro péssimo, caótico de nossa educação, algumas ações precisam começar agora. E dentro de nós! Dentro desse time de educadores que deve fazer o mea-culpa, afinal, falharam e seus métodos não deram em nada. Sua forma de ministrar aulas tornou-se obsoleta e seus alunos não aprenderam nada, ou quase nada. E nem adianta argumentar, pois o ranking mundial ora apresentado, atesta toda esse incompetência do sistema sim, mas também de cada um envolvido com a educação brasileira. Vamos lá, ministros, secretários estaduais e municipais, diretores, orientadores e professores, vamos reverter isso! O que foi feito até agora é nada, representa um vazio no contexto mundial. A educação precisa ser tratada de outra forma. O que vocês contribuíram e outras gerações antes de vocês, gerou o sexagésimo lugar entre 76 nações. Uma vergonha para todos nós. Um mico mundial que pagamos todos no meio do ringue. Onde, nocauteada, jaz a educação brasileira. Temos de nos levantar e começar tudo outra vez! Luz no fim do túnel? Até parece que tem. Outro dia, num debate na Rádio Cultura AM de Timbó, especialistas em educação manifestaram-se esperançosos em relação ao novo Plano Nacional de Educação que, segundo eles, contempla todos os gargalos hoje existentes. E o melhor, teria sido elaborado apenas por educadores de renome, nenhum político, o que, convenhamos, é melhor, bem melhor! 82

Por Carlos Henrique Roncálio


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