Valeu Outubro 2015

Page 1

1


2


editorial “Aliás, por que carga de água o que já não existe tem de ser mais importante do que aquilo que ficou? Não é impossível a ausência definitiva conviver com a presença efêmera das coisas. Não será afinal apenas a isso que chamamos memória?” Carlos Quevedo Como no jogo Banco Imobiliário, aqui as casas estão dando seus lugares a prédios. “É o progresso!!” “São casas tristes com cadeiras na calçada, e na fachada escrito em cima que é um lar...” No caso, que já foram um lar. Casas que já estiveram aquecidas por momentos íntimos, por conversas, por brigas. Casas que estão nos nossos percursos e são figurantes essenciais do nosso dia-a-dia. Casas com almas! Lares! Também terrenos arborizados estão sendo desmatados antes mesmo de serem vendidos. Terrenos que já contribuíram enormemente para a nossa biodiversidade local (fauna e flora)e com grande relevância ambiental, verdadeiros corredores ecológicos. Terrenos urbanos, terrenos centrais, com árvores que serviram de sombra e assistiram algumas gerações crescerem. “Desse jeito, é mais fácil vender.” Diz o empreendedor. “É terreno particular. Nada podemos fazer.” Diz quem governa. E assim uma cidade é constantemente (des)construída. Em meio a vozes soltas. Vontades próprias. Mas não vivemos em uma democracia? Não seria a voz da grande massa que deveria falar mais alto? Somos capazes de compor somente esse uníssono imperfeito? Ou será que algumas, poucas vozes, porém mais poderosas, estão possuindo nosso canto a ponto de fazer com que acreditemos estar tocando nossa própria canção? Queremos acimentar nossos gramados e demolir nosso passado assim? Vamos continuar a mercê de especulações egoístas? E deixar que estas desenhem nosso destino?

Eu estava na casa de uns amigos e estávamos conversando sobre as casas antigas e histórias da região. Eles moram em uma localidade chamada Rio Assis, em Rio dos Cedros. Então, eu perguntei: Por que será que a gente dá tanta importância para essas coisas? Por que será que a preservação dessas histórias e construções é tão importante? Meu amigo falou uma frase, que eu achei sensacional: “Afinal, não é isso que chamamos eternidade? As pessoas acham que falar em eternidade é falar do futuro, mas esse passado faz parte da eternidade. “ Será que seremos um dia altruístas ao ponto de trabalharmos na construção de uma cidade e de um mundo melhores, abdicando de interesses particulares? Não existirá dentro de nós um sentimento comum, força propulsora que desperte e traduza tudo o que há de melhor para nós e para todas as pessoas? Que mundo nós, enquanto seres-humanos dotados de inteligência e de sensibilidade, queremos construir? Eu quero morar numa cidade em que as pessoas se unam por causas nobres. Em que as pessoas sintam-se conectadas. Não virtualmente. Conectadas por um sentimento comum. Eu quero andar na minha cidade, nas suas ruas mágicas, com árvores, com som de pássaros, com casas, com história, com pessoas de verdade. E poder comemorar, não só um dia por ano, mas diariamente. “São doces os caminhos que levam de volta à pátria. Não à pátria amada de verdes mares bravios, a mirar em berço esplêndido o esplendor do Cruzeiro do Sul; mas a uma outra mais íntima, pacífica e habitual uma cuja terra se comeu em criança, uma onde se foi menino ansioso por crescer, uma onde se cresceu em sofrimentos e esperança, canções, amores e filhos ao sabor das estações.” Vinícius de Moraes Texto por Clara Weiss Roncalio

3


colaboradores

João Moreira Editor e Repórter principal da Revista Valeu.

André Schroeder (Pilo) Foi comerciante. Jogou futebol profissional. Atleta dos saltos ornamentais. Mas, se encontrou mesmo no jornalismo fotográfico e é hoje o fotógrafo de Timbó, capturando a sinergia da cidade e da natureza!

Juliana Weiss Roncalio Fascinada por cultura, gastronomia, saúde e viagens! É mãe, esposa, filha, irmã, amiga, neta e sobrinha. Adora encontros criativos, musicais, familiares e gastronômicos.

Beto Barreto Dono da loja Espanha Club de Timbó. É colunista social do Jornal Café Impresso. Além da Valeu colabora para as revistas Studiobox de Portugal e Angola.

Leo Victor Koprowski Formado em Direito pela FURB, Leo é advogado e consumidor compulsivo de música nova.

Bruna Fórmolo Roncalio Estudante de arquitetura e urbanismo, adora corujas buraqueiras, ama observar paisagens e desenhar. Tem a música como companheira de todas as horas.

Lopo Castilho É licenciado em História, e desde longa data tem participado em diversas iniciativas de promoção de vinhos, bem como de defesa de produtos de Denominação de Origem Controlada. É o fundador e responsável pelo projecto Museu do Saca-Rolhas.

Carlos Henrique Roncálio Carlos Henrique Roncálio tem 45 anos de profissão. É âncora do Repórter Cultura, edições matinais da Rádio Cultura de Timbó há 24 anos.

Luiz Garcia Jornalista e cronista. Graduado em Comunicação Social com habilitaçao em jornalismo pela Universidade do Vale do Itajaí. Editor em publicações corporativas e institucionais.

Clara Weiss Roncalio Clara é repórter principal e editora da VALEU. Ativista na defesa dos direitos dos animais e do meio ambiente.

Thérbio Felipe Professor Sobre Rodas, conferencista, Turismólogo, Gastrônomo e Administrador Hoteleiro, escritor, experiente cicloturista.

Daniel Fabricio Koepsel Professor de História na rede pública e privada de ensino em Santa Catarina. É graduado em história pela Universidade Regional de Blumenau e autor do Representações da cidade: discussões sobre a história de Timbó.

Thyara Antonielle Demarchi 27 anos, Pedagoga e Mestre em Educação pela Universidade Regional de Blumenau (FURB), Professora na Escola Barão do Rio Branco em Blumenau. E-mail: thyara.antonielle@gmail.com

Eliane Kinder Professora de balé clássico, diplomada pela Royal Academy of London (exames realizados em São Paulo-SP). Especializada em balé clássico para crianças, também ensina o balé para adultos. Leciona na Fundação Cultural de Timbó e no Instituto Educacional FILEO.

Tiago Minusculi Tiago é formado em etiqueta a mesa e comportamento no meio gastronômico. Maitre, sommelier registrado na Itália com certificado internacional reconhecido, atribuído pela AIS Associazione Italiana Sommeliers.

Esdras Floriani Holderbaum Nascido em uma família de artistas, trabalha como produtor musical e remexer, através do projeto Soundyouwish.

Viviane Roussenq Jornalista, raro exemplar da era analógica se desdobrando para entender e viver em tempos digitais. Começou sua profissão como repórter de geral no JSC em 1982, tendo atuado em diversos órgãos de comunicação. Aos 23 anos escreveu seu primeiro e único livro de poemas, “Batom”.

João Albuquerque Carreiras João Albuquerque Carreiras é arquiteto paisagista licenciado pelo Instituto Superior de Agronomia de Lisboa, em Portugal. Viajante compulsivo é autor de inúmeros artigos de viagens.

VALEU // 5ª EDIÇÃO OUTUBRO. 2015

DESIGN GRÁFICO e redação // Studiobox.pt

DIREÇÃO // Carlos

TIRAGEM // 1000

EDIÇÃO // João

CONTATOS // João

Henrique Roncálio . Bruno Esteves Moreira . Clara Weiss Roncalio COORDENAÇÃO // Susana Andrade . João Moreira

4

IMPRESSÃO // Tipotil

Indústria Gráfica

UNIDADES

47 9168-5244 Clara 47 8822-0029 geral@revistavaleu.com.br

FOTO CAPA //

Timbó 1939

FOTO CAPA // 1º

foto tirada na cidade de Timbó.

Agradecimento // Elisabeth Germer, por ter cedido gentilmente as fotos de capa e do editorial.


uni que.com.br

5


pastor

Nelso Weingärtner “Se é proibido rir no Céu, eu não quero ir para lá.” Martinho Lutero

Quem fixa o olhar sereno e bondoso de Nelso Weingärtner, não imagina o espírito determinado e até revolucionário que lhe está por trás. Há, neste descendente de alemães emigrados para o Vale ainda o século XX não tinha começado, uma inquietude característica dos homens preocupados com o destino do Mundo e dos seus semelhantes. Nelso foi, a vida toda, um pastor de almas, mas é no âmago da sua alma inquieta que se vislumbra um estudioso das coisas do mundo. Do nosso mundo. Um mundo que procurou, sempre, ajudar a transformar num lugar melhor. Sombrinha na mão para nos abrigar de uma chuva repentina de início de Primavera, sorriso aberto e gestos largos de acolhimento caloroso, é assim que somos recebidos pelo Pastor Nelso no seu escritório, transformado em biblioteca, como o próprio gosta de afirmar, ‘de livros mexidos’, onde reúne uma vida em livros dedicados às suas três grandes paixões: Martinho Lutero, Timbó e a genealogia das famílias de origem alemã emigradas para o Vale há dois séculos, em particular a sua. Em frente a uma grande secretária repleta de memórias, uma enorme árvore genealógica da Família Weingärtner dá mote para o início da conversa.

língua alemã. Em Santa Isabel, o povo sofreu muito, pois era uma pequena cidade formada por 50 famílias alemãs, todos descendentes daquele núcleo de 1847.” Nesta época, os cultos não estavam mais sendo realizados. Não havia pastores que falassem o português, eram todos alemães. No ano de 1946, finda a guerra, em um culto de Páscoa, o pastor começou a falar em alemão, trazendo notícias, pouco sabidas, do que havia acontecido com a Alemanha. Contou que o país encontrava-se em ruínas e que não seriam enviados mais pastores para cá, enfatizando a importância de se pensar em começar a formação de pastores aqui no Brasil. “No caminho para casa, minha mãe veio caminhando comigo. Nós morávamos quatro quilômetros distantes da Igreja e eu gostava de andar de mão dada com minha mãe. Na metade do morro, ela falou: ‘Tu ouviste o que o Pastor disse? Que no futuro precisaremos de pastores brasileiros? E tu gostas de brincar de pastor... Tu não tens interesse?’ Ali começou a fermentar a minha vontade de ser pastor.” Com 11 anos, em 1948, veio para Timbó onde, antes da guerra, havia uma escola em frente ao Cine Municipal que formava professores para as escolas alemãs. “Foi um teste! Eu tinha que ficar um ano com o pastor para ver se aguentava o repuxe de depois ir adiante, nos estudos. Aguentei e em 1950, fui para Panambi e fiz admissão para o ginásio, que era um verdadeiro vestibular. Passei e em 52 ingressei no Instituto Pré-Teológico, em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, para depois em 1957 iniciar os estudos na Faculdade de Teologia em simultâneo com Filosofia e Psicologia e me formei em fins de 1961. Era bem puxado. Tínhamos de aprender 6 línguas: latim, grego, hebraico, alemão, português e outra opcional, que eu escolhi ser a língua espanhola.” Depois de formado, Nelso regressa à casa, a Santa Isabel, já como pastor da comunidade onde nascera e onde, com 9 anos de idade fora desafiado pela mãe a seguir a mensagem de Cristo na interpretação sui generis de Martinho Lutero.

As famílias Weingärtner, de seu pai e Haussman, de sua mãe, imigraram em 1847 para o Brasil, tendo como destino a cidade catarinense de Santa Isabel, sua cidade natal, no ano de 1937. Uma família orgulhosamente de agricultores, seus bisavós, avós, pais e seus 3 irmãos, como gosta de afirmar. “Quando eu tinha 9 anos de idade, ali aconteceu uma coisa marcante em minha vida. Durante a Segunda Guerra Mundial, aqui em Santa Catarina era proibido o uso da 6

Em 1962, começou a dar as primeiras aulas do ensino confirmatório: aulas de catecismo, de canto, mas havia um problema, os hinários e livros eram todos escritos na língua alemã e ninguém conseguia ler. Foi quando decidiu que o ensino confirmatório teria que ser dado em português. Mas a decisão não cabia somente a si. Tinha que convencer a diretoria da igreja. “Consegui isso em uma Assembleia. Trouxe dois rapazes e perguntei para um deles o primeiro mandamento.” Nesta hora, o Pastor Nelso imita como um dos rapazes falou, com um alemão arrastado e totalmente errado – “Foi quando disse para a Assembleia reunida, é ou não é que as crianças vêm para o ensino confirmatório para aprenderem os ensinamentos de Jesus?.” Então, eles acabaram concordando. Outros grupos ainda recusavam-se a falar em portu-


guês, como os de senhoras com mais idade e também, por exigência da família, os sepultamentos tinham que ser feitos em alemão ou se não, como o próprio Pastor contou, os parentes poderiam morrer. “Fazia a locução em alemão e repetia em português.” Destes rituais fúnebres até os italianos começaram a participar, pois haviam tido o interesse despertado pela forma como o Pastor Nelso o conduzia.

pelos mais altos representantes de cada Igreja na região.” – O Pastor Nelso mostra, então, a fotografia do seu arquivo que registra este momento de que tanto se orgulha.

Quando, em 1966, o último pastor alemão de Timbó se viu obrigado a regressar à Alemanha para cuidar da filha doente com leucemia, Nelso se candidatou ao lugar e, em Maio deste mesmo ano, chegou à cidade. Os pastores tinham de ser confirmados numa votação, pela comunidade e Nelso foi recusado por larga maioria. Dois anos antes de Nelso chegar a Timbó, o Padre Martinho Stein é nomeado padre da paróquia católica local. “Um dia os dois conversando, eu perguntei ao Padre Martinho – O senhor é natural de onde? – Da Alemanha, respondeu. Do Rio Mosel. Eu insisti, de que lugar? Enkirch. Digo, não é possível!!!!” - O Pastor Nelso, elevando o tom de voz, como que acentuando a surpresa que viveu no momento. – “Os meus ancestrais também são naturais de lá!” – Apontando para a árvore genealógica da família, para que pudéssemos confirmar. – “Aí começou uma enorme empatia entre os dois e não demorou que começássemos a conversar sobre o maior problema da época, o amor entre jovens de origem italiana e alemã. Proibidíssimo pelos pais. Impensável!!! Havia um ditado alemão que dizia que se numa mesa se sentassem frente a frente pessoas de duas confissões, no meio estava o diabo, que impedia que existisse uma comunhão perfeita entre eles. (colocar o ditado em alemão, se possível). Mas, este ditado era válido também para os italianos. Vizinhos que se davam bem, passavam a odiar-se caso os seus filhos ousassem aproximar-se. Era um problema das religiões diferentes, não da origem geográfica, até porque os italianos que tinham vindo para o Vale eram de Trento, no Tirol italiano, com tradições bem próximas às alemãs e austríacas. Então, conversando com o Padre Martinho sugeri que não interferíssemos. Que aceitássemos esses casamentos e os noivos é que escolheriam em que Igreja gostariam de fazer a cerimónia que seria realizada pelos dois. Os primeiros casamentos interconfessionais do Brasil.” – Risos! “Acontecia assim: quando a cerimônia tinha lugar na Igreja Católica, o Padre Martinho fazia a parte litúrgica e eu o Anúncio da Palavra e a alocução, quando era na Igreja Evangélica acontecia exatamente ao contrário. E assim foi, fomos aplainando o terreno e as pessoas começaram a vibrar.” O sorriso sereno do Pastor Nelso ganha um ligeiro esgar de justíssima vaidade, quando afirma “eu sabia que vocês iriam tocar nesse assunto e fui buscar este fotografia ao meu arquivo. É de 1969 e é o registro do primeiro culto ecumênico entre Bispos. realizado no Brasil e que foi promovido por mim e pelo Padre Martinho. Fomos pressionando, cada um o seu Bispo, eu o luterano, Praeses Hermann Stoer e o Padre Martinho, o católico, Dom Gregório Warmeling, Bispo de Joinville e os convencemos da importância desse primeiro culto ecuménico realizado

- Isso transformou a cidade? – Inquirimos. - Não só a cidade como a região. – Realça um entusiasmado Pastor Nelso, acrescentando. – Em Rio Esperança, subindo para a serra, havia uma igrejinha onde era Frade o José Balistieri e um dia ele chegou junto de mim e disse-me – Pastor Nelso, o senhor já fez cultos ecumênicos em Rio dos Cedros, em Rio Ada e o nosso pessoal está reclamando que também quer que o senhor venha realizar um culto aqui. – E ficou combinado. No dia agendado, o Balistieri chegou junto a mim todo preocupado, pois tinha esquecido que o culto era ecumênico e tinha marcado Eucaristia. – Como vamos fazer agora? – Questionou ele. Vejam como tudo era embrionário, pioneiro. Nunca tínhamos chegado ao ponto de realizar uma Santa Ceia em conjunto. Aí o José Balistieri lançou a ideia – E se fizermos segundo o Evangelho? Com as palavras como Cristo as instituiu? O senhor dá a hóstia aos luteranos e eu aos católicos – E assim foi. Só que no momento da comunhão, os católicos vieram todos para o meu lado e os luteranos para os do frade José. Queriam algo diferente. Perceberam a magia do momento e quiseram também eles, ser pioneiros. Foi muito marcante! Anos mais tarde, encontrámo-nos, eu, já Bispo Luterano de Blumenau, e ele, Bispo Católico de Rio do Sul, num encontro ecumênico em Lajes. E eu disse-lhe: Dom José, o senhor é herege!! E rimos a valer! - Foi assim crescendo este ecumenismo que começamos. Em 2000, quando foi instituída a Diocese Católica de Blumenau (antes não existia, estava dependente de Joinville) e foi indicado Dom Angélico Sândalo Bernardino para bispo, eu liguei para ele, em São Paulo, onde trabalhava e disse que lhe queria dar as boas vindas como primeiro bispo de Blumenau, porque eu era o primeiro Luterano. Quando ele chegou, foi visitar-me e convidou-me para fazer a prelação na cerimônia de instalação dele como Bispo. Eu aceitei, mas o mais bonito foi estarem trinta e não sei quantos bispos presentes, todos paramentados de branco e o urubu no meio. – Gargalhada geral, enquanto Nelso, divertido, mostra a fotografia em que aparece na referida cerimônia. – Foi um momento inédito! No final, antes da consagração como bispo, ele chegou junto a mim e sugeriu que trocássemos as nossas Cruzes episcopais e assim fizemos. Por esse motivo, Dom Angélico disse ter sido, talvez, o único bispo no mundo a ser consagrado com uma cruz luterana.

7


“O Padre Martinho me dizia: eu não posso Pastor, eu vou ser excomungado se eu começar a falar de planejamento familiar e de uso da pílula. Mas pastor, podemos dar um jeito, o pessoal está acostumado a ver nós dois juntos. Eu vou consigo quando formos para a rua São Paulo.” O Pastor Nelso conta que as ruas São Paulo, Curitiba, o bairro Quintino, onde hoje está situado o bairro industrial, eram os grandes focos de pobreza da época. - Lá onde é a Associação da Germer, aqueles morros, isso eram favelas! – Realça acentuando o termo favelas, como que querendo deixar bem claro o que hoje pode parecer impensável. “Então, o Padre Martinho convidava para a reunião, chegávamos e ele dizia: Hoje o tema é a família, mas como o Pastor é casado, tem mais experiência do que eu e eu confio nele, vocês sabem, e como ainda tenho umas visitas para fazer, deixo vocês com o pastor.” – Risada geral!

Sabem, foi assim que fomos aproximando as nossas igrejas e as pessoas da nossa comunidade. Foi assim que fomos transformando as coisas. Não fui eu, fomos os dois! Como diz o ditado: uma só andorinha não faz o verão. Outra situação curiosa que aconteceu e mostrou essa ligação interconfessional e a importância de católicos e luteranos correrem junto em defesa da comunidade, foi por alturas do centenário, quando a Lorenz fechou e centenas de pessoas ficaram desempregadas. Foi uma época de grande miséria. A Lorenz era o principal empregador da região. Então, o Padre Martinho e eu, juntamente com diversas associações e a Prefeitura, percebendo a dimensão do problema que o fechamento da empresa tinha criado fundamos a Comissão de Ação Social. Indistintamente, convocamos todo o povo a ajudar para uma caixa conjunta, gerida por uma senhora muito digna, a Rute Gramkow. Ela então... - Neste momento, o Pastor Nelso respira duas vezes, hesitando em contar uma história, que ainda hoje pode ser vista com maus olhos pela Igreja Católica. - Fez um serviço que o Padre Martinho não poderia consentir. Mas ali nós usamos outro truque. – Confessa que está revelando para a imprensa pela primeira vez – Nós tínhamos que começar a trabalhar no planejamento familiar. As famílias de posse tinham no máximo 5 filhos, mas aquelas paupérrimas, que vinham do interior, ainda tinham de 10 a 12 filhos. Não sabíamos como absorver essa gente. E ali, bem naquele tempo, Costa e Silva estava na presidência do Brasil, e foi criada a Bemfam - Programa de Bem Estar Familiar. Decidiram, então, introduzir este programa em Timbó, mas de forma voluntária. O problema que teriam que enfrentar dava-se, pelo fato da pobreza da época vir das famílias católicas.

8

“Eu começava de maneira bem simples a explicar que a Bíblia ensinava que o Homem, criado à semelhança de Deus devia crescer e multiplicar-se, que devia povoar a Terra, mas não superpovoar a Terra! A partir daí a gente podia conversar. Depois, a Dona Rute, que era luterana, passava nas casas com o kit anticoncepcional e perguntava se queriam ou não. A maioria aceitava e então, ela passava no meio do mês, de novo, para ver se estavam usando de maneira correta.” - Mas, isso mudou a cidade! – Afirmamos em uníssono. - Sim, ajudou a mudar a cidade! - E como foi a sua chegada à cidade? Foi bem aceite? - Não. – Afirma peremptoriamente. - Conte-nos como foi. - Eu me candidatei a Timbó. Sabem, os pastores podem candidatar-se ou ser convidados pela direção da Igreja, mas têm de ser eleitos pela comunidade. Então, eu, em dezembro de 65 me candidatei a Timbó e fui à votação e, em 120 delegados que estavam presentes na Igreja, eu recebi 96 votos contra, uns quantos a favor e outras tantas abstenções. Nada feito para vir para Timbó. Mas, Timbó vinha de uma crise muito grande na Igreja Luterana, de tal forma que em 3 anos, a comunidade tinha tido em torno de quatro pastores que tinham sido afastados um atrás do outro. Pode até aparecer estranho eu dizer isto, mas o problema estava ligado com a Revolução de 1964. Porque os alemães e italianos tinham a tradição de pertencer ou ao PSD ou à UDN e quando esses partidos foram extintos e vieram o MDB e a ARENA, aí, parece que a região entrou em parafuso. As coisas não funcionavam mais, igrejas incluídas. Eles desconfiavam de quem vinha de fora e no meu caso, ainda pior, porque acreditavam que eu ia introduzir o português nos cultos como tinha feito no sul. Aí desempenhou um papel muito importante o bispo luterano da época que veio fazer um culto aqui em Timbó e disse: ou vocês pegam ou não terão mais pastor! Aí aceitaram que eu viesse, em maio, em experiência até final do ano.


- Foi bem difícil! Quando eu tentava conversar com alguém, viravam as costas para mim. Além de jovem, com um ar nada alemão, tinham espalhado o boato de que eu era da linha dura, que condenava todo o mundo que dançava que fumava que bebia alguma bebida alcoólica, etc. O primeiro culto que eu dei, em fim de maio, a diretoria da paróquia foi junto, e quando chegámos lá estava uma Oma, a velha Oma Klug e do lado uma festa enorme. A maior folia, banda de música, barracas, etc. Só lá é que a diretoria me informou que havia festa de igreja. Quando chegou às 9h, eu pensei, vou tocar o sino e não veio mais ninguém. Aí o presidente disse que eu podia iniciar o culto e eu fui um pouco grosso disse que não haveria, mas que eu iria falar com a comunidade, na festa. E fui! Cheguei ao pequeno palco e pedi para um dos músicos tocar um silêncio e ele, todo tremendo, lá fez. Eu subi no palco, me apresentei como o novo pastor e disse que imaginava que em dia de festa de igreja não teriam culto e pedi desculpa por não saber disso, senão não teria tocado o sino e convidei a diretoria da festa para ir na barraca da cerveja, tomar uma cervejinha comigo e conversar. Eu fui para a barraquinha, abri duas cervejas e fiquei aguardando. De repente veio um colono forte e perguntou: como o senhor pode beber cerveja se o senhor é meucano? Meucano era uma espécie de super santo! E eu respondi: eu nunca fui isso na minha vida e porque não poderia beber uma cerveja? Porque eles não podem – respondeu ele. E aí eu atirei: e vocês podem? Ele meio embaraçado respondeu: é, nós sempre tomamos. Eu então aproveitei e disse: vocês acham que as coisas boas, Deus só fez para aqueles que não o conhecem? Vamos tomar nossa cerveja! No mês seguinte quando fui para o culto, a Igreja estava a abarrotar. - Um tempo mais tarde, numa boda, debaixo de uma laranjeira, estava um grupo fumando. Quando eu cheguei, só vi cigarros voando em todas as direções e alguns colocando no bolso. – Risos – Eu cheguei perto e perguntei o que estavam fumando e não veio resposta alguma. Aí eu disse: o meu pai que é colono como vocês, fuma palheiro. Então um deles disse: é nós também fumamos palheiro e cachimbo. – O Pastor Nelso apontando para um cachimbo, colocado em lugar de destaque entre os seus livros – Como aquele, que eu recebi na ocasião, oferecido por eles. Ali eu fumei o primeiro charuto da minha vida. Nunca tinha fumado e tinha 26 anos. Mas decidi perguntar: algum de vocês tem um charuto para mim? De tudo quanto é canto apareceu um charuto e eu fumei todo. Quando cheguei em casa, meu Deus, vomitei tudo!!!!! Outra coisa que ajudou a conquistar as pessoas foi que eu andava de jeep, fumando charuto, janela aberta e cumprimentando todo o mundo. – Nelso rindo! – A verdade é que após esse dia, fumei quase vinte anos charuto.

eclesiástica. - E o que mudou em Timbó desde a sua atribulada chegada? Se lhe perguntássemos para resumir numa palavra o que mudou na cidade, que palavra escolheria?- As mentalidades – Respondeu o Pastor Nelso, recostando-se lentamente na cadeira, como que ganhando tempo para pensar a resposta correta. – O timboense mudou! – Reforça. - Claro que a cidade também. Quem começou a moldar Timbó e a construir infraestruturas, foi o Prefeito Henry Paul, disso não tenho dúvida nenhuma. No primeiro mandato, ele tinha uma dinâmica fantástica e uma capacidade de reunir as pessoas certas à sua volta e de ouvir opiniões, extraordinária. Eu e o padre Martinho, pelo menos uma vez por mês éramos chamados a ir ao gabinete dele e darmos conta dos problemas que afligiam os nossos paroquianos e para apresentar os projetos que pretendia implantar e ouvir a nossa opinião. Mais tarde, o Alidor Pieritz, também foi bem importante. Foi o homem que iniciou o parque industrial e preservou o Morro Azul, comprando as terras que estavam para ser vendidas com dinheiro pessoal e depois passando-as para a Prefeitura. Nós tivemos bons administradores aqui em Timbó! Durante um tempo esteve fora, trabalhou doze anos em Blumenau e mais tarde como evangelista em pesquisa histórica a nível nacional, foi quando começou a viajar pelo mundo, chegando representar o Brasil no Primeiro Concílio Mundial de Igrejas em Melbourne, na Austrália, em 1981. “Depois, quando voltei a morar em Timbó, em 1988 faleceu minha esposa, mãe de meus filhos. Casei em 89 com uma timboense, minha Isa...”

- Para terminar esta parte pastoral, e isso quero que publiquem também, fui demitido pela Igreja. – Pastor Nelso deixando um suspense no ar – por aposentadoria compulsória. Quando completamos 65 anos, somos obrigados a abandonar e acabei aposentado como Bispo. Depois disso, comecei a escrever livros. – E começa a mostrar as dezenas de livros a que tem dedicado a sua aposentadoria: livros sobre a imigração alemã para a região, sobre a história de Timbó, sobre a família e sobre Martinho Lutero, mote principal da sua vocação 9


Após passar anos palestrando e participando de grandes encontros pastorais, Pastor Nelso converteu-se, ou melhor, regressou às origens familiares. “Hoje sou colono. Todo dia de manhã quando não chove, das oito e meia ao meio eu estou trabalhando lá em Tiroleses plantando aipim, batata e, pelo menos, uma dúzia de verduras que nós consumimos: a família da Isa, meus filhos e netos, tudo sem agrotóxico. Pra mim é um presente poder fazer isso. Agora eu quero ter tempo para curtir aquilo para que nunca tive tempo.” Sendo o mais novo de seus irmãos e único sobrevivente de uma vasta família, é hoje o opa e ue opa de 130 netos, bisnetos e tataranetos, os quais adotou ou pelos quais foi adotado. E, faz questão de tirar um tempinho para, na rede social, enviar fotos e mensagens no dia do aniversário de cada um.

“Eu acho que no Brasil, os diferentes partidos agora deveriam ter um gesto de grandeza. Esse seria o meu desejo para o Brasil. Vamos lutar juntos! Como o Padre Martinho e eu uma vez lutamos.”

- Essa globalização resultado da aproximação do mundo através da internet e das redes sociais é algo que entende de forma positiva? - Se bem usado sim. Como tudo, se usado com moderação sim. Eu faço um uso muito consciente da internet e das redes sociais, por isso para mim foi uma coisa preciosa o seu aparecimento, mas quando me reúno com os meus netos e os meus três filhos e eles ficam agarrados ao celular, sem conversar comigo ou uns com os outros – o Pastor Nelso simulando o envio de uma mensagem – aí eu não gosto. Eu tive de bater na mesa e dizer: eu gosto de vocês, adoro estar convosco, mas sem estarem agarrados ao celular, conversando, participando. A minha Isa e eu devemos ser dos únicos timboenses que não têm celular. Não gostamos que nos tirem a liberdade e, sobretudo, a intimidade. – Afirma com um sorriso. Olhando nos olhos, Nelso assume que não tem medo do futuro. Não é dos que vêm o apocalipse na virada de cada novo ano. É historiador e estudou, no passado, violências incontáveis e guerras indescritíveis. Acredita num futuro melhor e para o justificar, recorre a Lutero: - Num momento em que Martinho estava muito doente com uma infecção na bexiga e toda a gente lhe perguntava quais os seus pensamentos para o amanhã (sabendo que ele estava morrendo) ele escreveu com giz na mesa ao lado da cama “non moriar sed vivam” (não hei de morrer, mas hei de viver) e aí lhe perguntaram: se você soubesse que amanhã acabaria o mundo, o que você iria fazer? Eu ia plantar uma macieira, respondeu.

Fotos por Clara Weiss Roncalio Texto por João Moreira e Clara Weiss Roncalio

10

- Como vê o Brasil hoje? Como vê a evolução do seu Brasil? Responde que, apesar do medo da volta da inflação vivida no pós-diretas já, tem a esperança de que o Brasil consiga vencer esta crise.

“Hoje fala-se muito em impeachment, o que não resolveria nada, pois quem viesse teria que começar tudo do zero. Historiador como é, o Pastor Nelso sabe bem que, nos momentos decisivos, só a união de todos consegue ultrapassar os obstáculos colocados à ascensão dolorosa do calvário das nações, por isso não hesita em propor: “Eu acho que no Brasil, os diferentes partidos agora deveriam ter um gesto de grandeza. Esse seria o meu desejo para o Brasil. Vamos lutar juntos! Como o Padre Martinho e eu uma vez lutamos.”


11


O MITO FUNDADOR:

Referências Bibliográfica: FERREIRA, Cristina; KOEPSEL, Daniel Fabricio. Representações da cidade: discussões sobre a história de Timbó. Blumenau : Edifurb; Timbó : Fundação Cultural, 2008. LE GOFF, Jacques. História e memória.2. ed. Campinas : UNICAMP, 1992

Frederico Donner e a invenção do herói. Assim começa a história “... Aos 14 anos, Frederico, a mercê de amizades travadas com marinheiros e mormente com um cozinheiro dum navio, deixou a Alemanha em 1857, zarpou para o Brasil, desembarcando em Santos; procurou emprego por 2 meses, sem resultado, quase morrendo de fome. Novas amizades lhes possibilitaram meios de chegar por mar,(...) até Joinville donde deixara um irmão. (...) Na cidade de Blumenau, exerceu a profissão de caixeiro. Conheceu nessa cidade, Ernestine Spiess, com quem se casaria. Casados, instalaram-se em rio Rio Morto, Indaial, em 1867. Em rio Morto, nasceram-lhe dois filhos, os quais faleceram em tenra idade. Além da perda dos filhos, teve a desventura, de, um dia, ao voltar da roça ver o panelão de feijão estragado, dada a falta de água, evaporada que fora pelo fogo. Aborrecido, jogou tudo no rio e munido de uma canoa, rumou rio acima e se estabeleceu bem nas confluências dos Rios Benedito e Cedros, armando uma barraca. Nos primeiros tempos, era muito observado pelos índios que abundavam pelas barrancas dos rios; Frederico não os molestou, tratando, pelo contrário, de cativá-los através de presentes, tais como espelhos.”

Cartão Postal de 1919 representando a primeira moradia de Frederico na confluência do rios Benedito e Cedros. Local que marca a fundação de Timbó CZP - Acervo: APPGSB– Timbó – SC.

Portanto, em 12 de outubro de 1869 fixou-se pioneiro em Timbó, Frederico Donner, indicando o caminho para este progressista distrito (...) Só podia contar consigo mesmo e sua força (...) nenhuma estrada (...) existia só via aquática e a canoa, ou então o próprio lombo (...).

12

Donner era alto, ágil e solícito, um mestre na canoagem. Aportou com sua canoa na ponta de terra na confluência do Rio Benedito e Cedros e o centro de Timbó ainda estava coberto de mata virgem. E através da labuta e da persistência foi obtida da mata uma colonização bela e que, em meio século, pode ser considerado um exemplo. A principio textos ingênuos, que relatam o inicio da colonização da cidade de Timbó, entretanto, tamanha foram sua influência que, atualmente, marcam o calendário de festas da cidade de Timbó, que neste ano comemora 146 anos de fundação no dia 12 de outubro. Marcadamente a data de fundação da cidade fixou-se como a data que comemora a data de aniversário da cidade em detrimento da emancipação política ou da municipalização de Timbó que aconteceu na década de 1930 e que realmente marcou juridicamente a cidade. O primeiro texto escrito por Gelindo Sebastião Buzzi em 1969 (Festa do Centenário) e o segundo escrito cinquenta anos antes em 1919 (Festa do Centenário) publicado no Jornal de Blumenau Der Urwaldsbote sem autor, e, marca o inicio de um calendário festivo. Portanto, o calendário de festas e feriados concordam com a necessidade de alimentar através da festa a recordação da revolução e, no caso de Timbó, um início. Consequentemente, esses extratos textuais associados ao calendário festivo da cidade evocam a exaltação e a recorrência à memória histórica que é em parte forjada na ideia de uma fundação e de um fundador. Para a cidade e a festa de fundação, o calendário é um dos grandes emblemas e instrumentos do poder; por outro lado, apenas os detentores carismáticos do poder são senhores do calendário: reis, padres, revolucionários, nobre e os heróis. Assim a exaltação do passado e a efetiva recorrência à memória histórica são práticas comuns nas festas de aniversário das cidades, pois o ato comemorativo, em geral, é regido pelo lema “lembrar para bem comemorar”, conforme já falava a historiadora Lilia Moritz Schwarcz em trabalhos que fazia referência na construção de heróis nacionais. Tão logo, a comemoração da fundação da cidade de Timbó vem para reforçar a figura de um fundador na figura de Frederico Donner e de um marco geográfico na confluência dos rios Benedito e Cedros. Mas teria Timbó um fundador? A resposta mais conveniente para essa pergunta é NÃO, entretanto, existiu um processo formalização da figura do fundador que pode ser historicamente explicado e que faremos a seguir. Mas vamos iniciar a discussão pela resposta: Não, Timbó não teve efetivamente um fundador.


POR QUE TIMBÓ NÃO TEVE UM FUNDADOR? Essa resposta pode ser efetivada pelo próprio processo de ocupação das terras realizadas a aqui na região do Vale do Itajaí, mas especificamente na cidade de Timbó que do século XIX até a década de 1930 pertencia à Colônia e, posteriormente, munícipio de Blumenau. As terras de Blumenau foram adquiridas pelo imigrante alemão Hermann Otto Blumenau por volta de 1850, seu objetivo era organizar uma colônia rural, vendendo lotes para imigrantes alemães interessados em uma nova vida em solo Brasileiro. De acordo com a legislação da época, a Colônia deveria ser baseada na ideia de minifúndios (lotes pequenos) sem a presença de escravos, visto que, havia o interesse no branqueamento do país. Entretanto, atualmente sabe-se que o próprio Dr. Blumenau possuiu dois ou três escravos no inicio da colonização. Na década de 1860, Dr. Blumenau não conseguiu alcançar os objetivos de seu empreendimento, sem conseguir trazer muitos imigrantes que se interessassem pelas terras as margens do Rio Itajaí vendeu a Colônia Blumenau para o Império Brasileiro. Diante dessa venda, Dr. Blumenau tornou-se administrador das terras, cuja função era implementar a continuidade da imigração de Europeus para a Colônia por ele criada. Assim, a medida que novos imigrantes chegavam à colônia Blumenau, novos lotes foram sendo medidos, sempre margeando os rios da bacia hidrográfica do Vale do Itajaí. A região que corresponde ao município de Timbó foram as terras ocupadas próximas ao Ribeirão Mulde, que é um afluente do Rio Itajaí Açú. Eram terras também pertencentes à localidade de Timbó, as terras que ladeavam os Rio Bendito afluente do Rio Itajaí Açú e o Rio dos Cedros afluente do rio Bendito. Nesse recorte geográfico é que floresceu a colonização de Timbó, chefiada por Hermann Otto Blumenau que conduzia a medição de lotes da Colônia Blumenau rio acima.

Timbó anos antes de 1869 que é oficialmente o ano de fundação de Timbó com Frederico Donner. Esse é um primeiro elemento que possibilita argumentar que Frederico Donner não foi o fundador da cidade como o calendário de festas sustenta. Outro documento que permite uma reflexão sobre a questão da fundação de Timbó é a lista nominal de habitantes feita na colônia Blumenau que relaciona cada imigrante com seu respectivo lote. A listagem configura-se em documento original sobre a colonização do Vale do Itajaí e registra uma detalhada nominata de habitantes de toda Colônia Blumenau. Entre as partes do documento aparece a relação de imigrantes que compraram lotes na região dos rios Benedito e Cedros, sendo que Frederico Donner comprou o lote nº 8 da região denominada Rio dos Cedros de um total de 20 lotes que já estavam ocupados. Já nas regiões do rio Bendito, nas suas duas margens, totalizam mais de 100 imigrantes, e na região do Ribeirão Mulde, mais de 130 moradores. Logo, parece improvável que Frederico Donner tenha sido o primeiro a chegar e que em um espaço tão curto de Timbó tenham chegado e se assentado tão grande número de imigrantes após ele. Tão logo, é possível conjecturar que Frederico Donner não foi o primeiro morador da localidade como afirmam os dois relatos biográficos acima mencionados. Mas então como Frederico Donner ganhou o título de Fundador?

A FESTA DO CINQUENTENÁRIO E A CONSTRUÇÃO DO HERÓI.

“A primeira exploração documentada dos rios Benedito e Cedros ocorreu em 1863, feita pelo engenheiro August Wunderwald, a serviço da Colônia Blumenau, por intermédio de uma expedição com aproximadamente dezoito dias de duração. O Engenheiro afirmava que o rio Benedito era bastante largo e navegável até a barra do rio dos cedros.” (FERREIRA, KOEPSEL.p.192) Portanto, a região dos rios Benedito e Cedros já citados em documentos no ano de 1863 pelo engenheiro Wunderwald, possivelmente tiveram um povoamento simultâneo, pois, em 1868, a colônia Blumenau comunicou à Província de Santa Catarina que possuía 50 lotes medidos à disposição de imigrantes, nos rios Benedito e Cedros.

Autoridades presentes na Festa do Cinquentenário, Frederico Donner posicionado ao centro durante os festejos – 12/10/1919 CCD - Acervo: APPGSB– Timbó – SC.

Essas informações possibilitam compreender que imigrantes a partir do início da década de 1860 já começaram a ocupar as terras, logo, esses teriam chegado a 13


A relação que as sociedades têm com seu passado ou memória histórica passam por um processo de construção, muitas vezes forjado pela perspectiva de um herói. No caso de Timbó, a formalização ou exaltação de uma memória considerada gloriosa e da formalização de um fundador ocorreu através das festas da cidade, portanto as festas tinham a função de rememorar o marco fundador e também ritualizar a data oferecendo a ideia de pertencimento a uma comunidade que teve um inicio e um herói que a criou. A festa do cinquentenário de Timbó em 1919 foi a primeira manifestação organizada para a legitimação de elementos fundadores simbólicos, baseada em um passado histórico exclusivamente vinculado à memória para determinar uma data de comemoração. Portanto a intenção era o de gerar uma constante retomada do evento comemorativo, criando, assim, uma memória coletiva a ser incorporada pelos indivíduos da sociedade local como verdade intrínseca e dotada de significado por si mesma.

Durante a Festa do cinquentenário de 1919, foi realizado um desfile na atual Avenida Getúlio Vargas no centro da cidade. Esse era um ritual comemorativo muito comum neste período. CCD - Acervo: APPGSB– Timbó – SC.

Com o objetivo de reforçar a construção dessa nova memória, a festa passa a confeccionar símbolos que fazem alusão a memória de Frederico Donner, assim, a comissão organizadora da festa de cinquentenário confeccionou um medalha comemorativa ao fundador. A medalha é um novo suporte para fundamentar e sustentar um símbolo de característica nobre cuja função é rememorar a função do Pioneiro-Fundador.

A medalha comemorativa da Festa do Cinquentenário, que registra Frederico Donner como o fundador da povoação Timbó. Em idioma alemão está o registro: 12 OCTOBER 1869 – 1919 50 (Frente) - ZUN 50 JAHR JUBILÄUM TIMBÓS DEM GRÜNDER F. DONNER (Verso) CCD - Acervo Arquivo Público Profº. Gelindo Sebastião Buzzi – Timbó – SC.

Um último símbolo criado em 1919, foi um cartão postal, em língua alemã que representa a primeira moradia de Frederico Donner nas confluências dos Rios Benedito e Cedros. Esse símbolo tem a função de estabelecer um lugar, ou ponto de partida para a colonização de Timbó. Portanto, é possível perceber que a abundância e a virtuosidade das imagens, símbolos e textos que durante os anos foram produzidas a partir de uma memória criada em 1919, tocaram a imaginação dos historiadores e memorialistas formalizando um discurso fundador forjado e reproduzido sem crítica por aproximadamente mais de 100 anos. SE OS HERÓIS SÃO INVENTADOS, O QUE FAZER COM A HISTÓRIA DA FUNDAÇÃO?

Durante a Festa do cinquentenário de 1919, foi realizado um desfile na atual Avenida Getúlio Vargas no centro da cidade. Esse era um ritual comemorativo muito comum neste período. CCD - Acervo: APPGSB– Timbó – SC. A festa que contou com uma programação que incluía diversão e lazer, mas também ocupou-se de fazer o registro histórico sobre a história da fundação da localidade Timbó em um jornal periódico da cidade de Blumenau. Cabe destacar que, em 1919, a região de Timbó ainda compunha a Povoação Timbó , diretamente vinculada ao distrito de Indaial no Munícipio de Blumenau. Portanto, pela primeira vez, a ideia de pioneirismo foi escrita nas folhas amareladas do jornal Blumenauense na língua alemã afirmando que “no dia 12 de outubro de 1869 indicando o caminho para este progressista distrito”. Portanto, a fala já estabelece que graças ao fundador Frederico Donner o progresso pode ser alcançado, logo, a exaltação da memória é também estabelecer a ideia de bem estar no presente. 14

A falta documental, bem como a falta de evidencias até o presente momento impedem os historiadores de conseguirem explicar propriamente quais são os elementos que legitimaram a figura de Donner como fundador da cidade, ou o porquê ele foi escolhido em 1919 pela festividade de fundação. As evidências até o momento apenas demonstram que ele não foi o primeiro a chegar, mas, ainda assim, a população em 1919 o elencou como aquele que deveria representar a ideia de um começo para a cidade. Atualmente, apenas conseguiu-se concluir que a festa do cinquentenário foi a primeira sistematização de uma memória coletiva através de suportes simbólicos como o texto histórico em um jornal de grande circulação na cidade, de medalhas e postais que complementam visualmente o texto e assim estabelecem a memória oficial da cidade. Portanto, agora cabe aos historiadores formalizarem novas perguntas para as fontes existentes, afim de, tentar estabelecer um novo olhar sobre a construção da imagem do fundador . E não trata-se de destituir formalmente a figura de Donner como fundador da cidade, mas sim, de estabelecer uma relação histórica daquilo que foi formalizado no passado, e porque foi assim formalizado. Portanto, agora para explicar a história da fundação de Timbó, será preciso fazer a história da história. Texto por Daniel Koepsel


15


Segundo o famoso professor Mário Sérgio Cortella, educador e filósofo que acompanhamos com admiração, pressa e velocidade, não são a mesma coisa. Pressa pode ser entendido como sinal de desorganização ou despreparo, enquanto a velocidade é um atributo de imprimir ritmos cada vez mais rápidos estrategicamente.

Bicicletas:

ideal para não viver apressadamente Texto e Foto por Therbio Felipe M. Cezar Parte do que fazemos, em nosso compromisso diário com a mobilidade sustentável e sobre nossas bicicletas ainda é visto por muita gente como uma forma de andar lentamente. Ledo engano. Já estamos à frente de nosso tempo. Valendo-nos da historinha infantil da tartaruga e da lebre, apenas para elucidar, podemos dizer que o senso comum, positivo, fez por onde consagrar a máxima de que, aos poucos, podemos ir muito longe. Sobre a questão da pressa de viver, outros são os ditos populares que também fazem tal concorrência, como por exemplo: será que é melhor “viver dez anos a mil ou mil anos a dez”? A abreviação de nossos momentos faz com que percamos mais tempo e deixemos de disfrutar tudo o que nos faz sentir melhores: nossa família, nossos amigos, lugares para visitar, hobbies, e é claro, nossa saúde. Os desafios intermodais pelo Brasil adentro já provaram e vão continuar provando que a bicicleta é, disparado (literalmente), o veículo que alcança, com qualidade e em menor tempo curtas distâncias dentro do tecido urbano. Todas as pesquisas desenvolvidas pela Transporte Ativo e pelo Programa CicloVida (UFPR), por exemplo, reafirmam esta constatação e colaboram substancialmente com a qualificação do debate quando o tema em questão é a mobilidade em bicicleta. 16

Grande parte das pessoas acabam por confundir as duas palavras em seu emprego, e comem apressadamente (engolem a comida) ao invés de comer velozmente; dirigem seus carros apressadamente ao invés de imprimir a velocidade ideal a cada trecho e traçado; enfim, uma é capacidade enquanto a outra é um problema atrás do outro. Nossos companheiros que realizam pedais extremos vivem no limiar da velocidade, não da pressa. Os atletas que nos encantam com suas habilidades sobre rodas no Giro D’Itália e no Tour de France, entre tantos outros, usam tais capacidades para ousar, na velocidade, fazer o relógio contar a seu favor, mas nunca são afoitos porque sabem dos riscos e do dissabor das perdas. As cidades que, dia a dia, optam pela bicicleta como modal de transporte e estilo de vida se dirigem ao futuro a passos largos, ou seja, velozmente. Seriam apressadas e, portanto, gerariam o próprio caos, se escolhessem a pressa dos automóveis e suas consequências. O apressado vive angustiado, sempre reclamando de um passado que não aproveitou e que já não tem tempo a perder, mas já perdeu. A pressa é inimiga da perfeição, diz o dito popular, e a bicicleta é a mais perfeita combinação entre equidade social e mobilidade, entre sustentabilidade socioambiental e cultura democrática, entre presente e futuro, porque de passado vive é quem tem pressa. Carpe Diem!

As cidades que dia a dia optam pela bicicleta como modo de transporte e estilo de vida se dirige ao futuro a passos largos, ou seja, velozmente.


17


Despertando a consciência Breves tópicos sobre a exploração animal.

“Nos tempos da minha infância eu tinha um prazer cruel: pegar passarinhos. Fazia minhas próprias arapucas, punha fubá dentro e ficava escondido, esperando… O pobre passarinho vinha, atraído pelo fubá. Ia comendo, entrava na arapuca, pisava no poleiro – e era uma vez um passarinho voante. Cuidadosamente eu enfiava a mão na arapuca, pegava o passarinho e o colocava dentro de uma gaiola. O pássaro se lançava furiosamente contra os arames, batia as asas, crispava as garras, enfiava o bico entre os vãos, na inútil tentativa de ganhar de novo o espaço, ficava ensangüentado… Sempre me lembro com tristeza da minha crueldade infantil.” Rubem Alves Nunca entendi como algumas pessoas podem sentir prazer em ter passarinhos presos em gaiolas. Uma das práticas mais egoístas, na minha opinião. Trancar um ser que pode voar, um símbolo da liberdade. O fato de gostarem do canto, pra mim, não é justificativa. Outro argumento que tenho sempre que escutar é que, se o pássaro for solto, ele morre. No Brasil, matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente é crime, mas são constantes as apreensões desses animais que, na maioria das vezes, são encontrados com sinais de maus-tratos. O comércio ilegal de animais silvestres ganha medalha de bronze no ranking das atividades criminosas mais rentáveis no mundo, ficando atrás do tráfico de armas e de drogas. O comércio de aves resulta em, aproximadamente, 50 milhões de dólares por ano. Como o Brasil é um dos países com a maior quantidade de espécies de pássaros, é também um dos maiores exportadores destes animais, que são levados, em grande quantidade para a Europa e 18

para os Estados Unidos, sendo que mais da metade dos que são capturados acabam morrendo no trajeto. A cumplicidade de quem cria para com o traficante é bastante evidente. Além de estarem aprisionando uma vida, contribuem para uma das práticas que ameaça fortemente a biodiversidade. Sim, existem as espécies que são criadas já com o fim de comercialização (e não é crime!). São passarinhos que nunca estiveram soltos, não sabem o que é cantar em uma árvore, não sabem o que é voar e nem nunca saberão... isso não é, também, absurdamente injusto? Recentemente, a Índia proibiu o engaiolamento de pássaros.. Nas palavras do juiz Manmohan “ ... todos os pássaros têm os direitos fundamentais de voar nos céus e que os seres humanos não têm o direito de mantê-los presos em gaiolas para satisfazer os seus propósitos egoístas ou o que quer que seja” Parabéns para ele!! É o que eu acredito que deveria ser feito no mundo inteiro: Proibir a prisão de todos os pássaros. Hoje eu acordei ao som de um sabiá, em seguida, começou uma orquestra de pássaros: bem-te-vis, canários, correquinhas, e tantos outros. Cantando em gratidão ao sol... E, em meio a barulhos de motores, eles vão musicando nosso dia. Quem me dera poder fazer uma música como forma de agradecimento a todas essas criaturinhas, que são mesmo especiais! O que eu posso fazer é plantar cada vez mais árvores e cuidar das que já existem, para que nossa convivência seja sempre próxima. Sem gaiolas, claro!

“Por que me prendes? Solta-me, covarde! Deus me deu por gaiola a imensidade! Não me roubes a minha liberdade... QUERO VOAR! VOAR!...” Estas coisas o pássaro diria, se pudesse falar. E a tua alma, criança, tremeria, vendo tanta aflição. E a tua mão, tremendo, lhe abriria a porta da prisão.” Trecho de O Pássaro Cativo de Olavo Bilac. Texto por Clara Weiss Roncalio


Desenho por Catarina Roncalio Petroski.

amadas amoras

É setembro, primavera, estação das flores, ouve-se nas ruas o canto de muitos pássaros, porém, o mais melodioso é o canto dos sabiás. O mês, que é exuberante em flores de todos os tipos, produz menos frutas, mas, com certeza, há uma selecão especial: jaboticabas, pitangas, bananas, morangos, ameixas amarelas e as amoras, tanto as de arbustos quanto as de árvores. A árvore de amora, amoreira (Morus nigra) não é daqui, dizem que sua origem é Asiática, levada para Europa no século XVII e trazida para o Brasil um pouco mais tarde. Ela tinha um grande valor comercial, já que suas folhas servem de alimento ao bicho-da-seda, e veio parar aqui na região com esta mesma finalidade, integrou-se com a vegetação local de um jeito que até parece nativa! Assim como os imigrantes, elas vieram de longe, pra ficar e fincar seus benefícios aqui na região. As árvores de amora me encantam não é de agora, sempre achei a amora roxa parecida com um mini cacho de uva. Decidi escrever sobre ela por ter feito parte da minha infância, e estar fazendo parte da infância dos meus filhos. Quando minha filha mais velha tinha 5 anos de idade, morávamos em Florianópolis bem pertinho da Universidade Federal. Passeávamos muito pela UFSC e lá existem muitos pés de amora espalhados. Esses passeios ficaram bem mais divertidos e interessantes quando era época de amoras, nos fartávamos nos pés de amorinhas, e ficávamos comparando os sabores, os pés que são pequenos sempre nos surpreenderam com amoras ultra saborosas, não sei se tem relação, mas o sabor parecia mais concentrado! Depois de comer agradecíamos às árvores… sempre foram tão generosas!

Agora, morando aqui em Timbó, nas andanças matinais com meu filho mais novo aqui no centro, encontrei vários pés de amora. Elas estão por toda parte, nas pontes, ruas, cercas, beiras de rio, terrenos baldios, todos carregados de frutas brilhantes e suculentas, que alimentam pássaros, insetos e pessoas, presenciei cada cena bonita nos pés de amorinha! Descobri que existe uma música debaixo dessas árvores, composta pelo som dos passarinhos que parecem estar numa festa, o barulho das folhas sacudindo, o burburinho e as risadas das crianças que vão colhendo e se divertindo, porque além de deliciosa a fruta mancha a mão, a boca, a roupa e tudo isso se torna engraçado, bandos de tirivas e papagaios também param por ali, vi pessoas que levam potinhos para colher e levar pra casa, pois elas, as amoras, podem se transformar em tantas coisas… como geléias, licores, pudins, cucas, bolos, tortas, saladas de frutas, suco, sorvete, caipirinha e mais uma infinidade de coisas. Sem contar que a árvore é linda, tem o seu valor ornamental ela preenche a paisagem, dá uma sombra considerável, quando a árvore é adulta sua copa oferece proteção para os animais em dias de chuva, cresce rápido, se multiplica por estaquia. E nem falei do seu valor nutricional e medicinal ainda. A fruta é rica em vitamina C, pectina, vitamina B1 e B2, betacaroteno, antioxidantes, suas folhas e raízes são usadas pela medicina popular para tratar pressão alta, sintomas de menopausa, depressão, diminuir o colesterol entre outros benefícios! Vale a pena pesquisar! Sinto gratidão por morar em uma cidade onde se pode comer amoras por aí...

Texto por Juliana Weiss Roncalio 19


20


Escritos insensatos

A separação como respeito ao amor de ontem

Texto por Viviane Roussenq

que fez a diferença para se firmar na eternidade de seus sentimentos. Até Caetano Veloso um dia disse que “às vezes a separação é a única confirmação possível daquilo que é mais valioso numa união”. 
Faz sentido. Ficar junto por ficar se o casal já se amou demasiado para se contentar com uma relação meia boca? É generoso decidir pela separação antes dela chafurdar no desrespeito, na mágoa, no ressentimento e na famigerada culpa. Como se houvesse culpados para o fim acontecer. Zilhões de coisas encerram relações a cada segundo no planeta. Motivos dos mais variados e insólitos. Concordo com o poeta Cacaso quando diz que o “amor é algo meio ermo” e de fato é. O amor acaba. Na sinaleira, em meio a algum jardim florido, durante as compras no supermercado, enquanto a gente chama um táxi. 
E antes que só restem brigas, choro, infelicidade, o melhor a fazer é ter coragem pra acabar. E não me digam que esta é uma decisão temerária porque pode ser que a coisa mude, pois todos sabem quando a união está enferma, dando seus últimos sinais de vida. Então, antes que ela sucumba, por que não dar a esta relação o devido respeito pelo tempo e felicidade compartilhados?

“Provavelmente só se separam os que levam a infecção do outro até aos limites da autenticidade, os que têm coragem de se olhar nos olhos e descobrir que o amor de ontem merece mais do que o conforto dos hábitos e o conformismo da complementaridade.” Inês Pedrosa

 Fim de relação é sempre ruim. Minhas vivências corroboraram esta visão até o momento em que li a descrição de separação feita pela escritora portuguesa Inês Pedrosa em sua obra “Em tuas mãos”. Em lugar da teimosia de permanecer junto da pessoa que sabemos que já não nos faz mais felizes, a reflexão de Inês Pedrosa provoca uma reação oposta: a coragem de pôr um ponto final antes que as coisas descambem de vez. Claro que o ato de separação derruba nossos sonhos oceânicos de que este amor seria pra sempre. Não há como não viver o luto, a solidão, a ausência (e falta) do outro. Mas há como observar esta perda de outra forma bem mais confortante.
 Se não podemos voltar ao início de tudo, fazer a relação retroceder aos tempos mágicos de alegrias, paixão e paz, não há saída: todos devemos saber o tempo de ficar. E se foi amor pra valer, a relação merece este olho no olho dos dois, esta avaliação difícil mas verdadeira de que é melhor parar quando ainda há coisas boas pra se lembrar, respeito para se abraçar e ir em frente com a ruptura. Outro dia, um casal subia as escadas da portaria do meu prédio de mãos dadas. Se despediram com um tradicional beijo na boca. Ela subiu. Até aí, tudo bem. Só depois fiquei sabendo por ela, que é minha vizinha, que aquele momento foi o término de tudo. 
Aquele gesto, como a frase de Pedrosa me comoveram e mudaram minha visão sobre a separação. Disse minha vizinha, que ambos decidiram se unir até o fim. Foi a maneira que encontraram para armazenar na memória o bom, o que valeu da relação, o grande, o

Coragem pra quem está passando por esta fase neste exato momento. Sei que a decisão pelo término é difícil, por isso, retardamos tanto este ato honesto de ruptura. Nosso egoísmo e medo de ficar sozinhos também estão embutidos nesta decisão. Enquanto isso a relação vai acumulando dor, qualquer coisa é motivo de discussão. Começam as intermináveis DRs- (Discussão da relação) e o inevitável desgaste deste “tudo” que viveram juntos. Pense que a separação antes de tudo ir pras cucuias, vai preservar pra sempre o que de bom o casal viveu. E restará a amizade, um sentimento que suponho seja ainda mais superior do que o amor.
 Em nome do encantamento que um dia uniu duas pessoas, a separação pode ser a alternativa menos convencional mas muito mais generosa para com este sentimento.

21


Liebe Papier

um sonho feito a mãos Texto por Clara Weiss Roncalio e João Moreira. Fotos por Laflor Fotografia Quando o escritor inglês William Granger lançou a sua História de Inglaterra, cheia de desenhos, recortes e páginas em branco, para que os seus leitores pudessem completar com as suas próprias estórias, estava longe de sonhar que tinha iniciado um novo conceito de composição de memórias e recordações – o Scrapbook. Na verdade, apenas as técnicas e os materiais utilizados são novos, porque o conceito é bem antigo. Quase tão antigo como a primeira fotografia, datada de 1826 e atribuída ao francês, Joseph Niépce. Esse primeiro “desenho com luz e contraste”, eternizando no papel um momento que, por qualquer motivo, se pretendeu único, despoletou a necessidade de colecionar as memórias captadas pela magia da câmera. Essa é a origem dos velhos álbuns de que nos recordamos das casas dos nossos avós. Amarelecidos pelo tempo, gastos pelo manuseio de gerações, mas preservando as estórias que marcaram as nossas vidas. Muitos, com anotações, recortes de jornais, postais e cartas recebidas de parentes distantes ou com poemas manuscritos a canetas de tinta, com uma caligrafia perfeita, arredondada, registrando um momento, uma data, um sentimento. O Scrapbook é isso e muito mais, como nos explicam Pâmela Romig Bretzke e Camille Bertoldi Tamanini, as duas sócias do Liebe Papier, o atelier que virou loja e hoje é uma referência do Scrap em Santa Catarina. Revista Valeu – Como surgiu a ideia de criar o Liebe Papier? Pâmela Romig Bretzke – Eu conheci o Scrapboock quando comecei a Faculdade de Moda, há 10 anos, e me apaixonei. Há cinco anos, decidi apostar nessa paixão e abri o Liebe Papier, que significa querido papel, em alemão. Fundei o atelier na minha cidade, Pomerode, e comecei a dar aulas de Scrap. Aí conheci a Camille, minha aluna, uma das primeiras, que também se apaixonou pelo conceito e foi daí surgiu a ideia de trazer o Liebe para Timbó. Ela, na época, trabalhava numa em22

presa, mas saiu e eu a desafiei a ajudar-me com as aulas e os diversos trabalhos que iam surgindo. Apesar de o Liebe Papier ter começado apenas como o ponto de encontro para as diversas pessoas que gostariam de aprender a arte de preservar momentos especiais, a ideia de vir a transformá-la em uma loja, para além das aulas, oferecendo os materiais necessários para realizar os projetos, dando respaldo aos alunos, sempre esteve na mente de Pâmela. E foi isso que acabou por acontecer através da parceria com Camille e a mudança para Timbó. Camille – Conheci a Pâmela e o Liebe numa feira, acho que a primeira onde ela estava expondo e foi amor à primeira vista. Pedi o contato pra ela e logo depois fui buscar informações, fiquei sabendo que ela estava abrindo uma turma para ensinar as técnicas de Scrap e me inscrevi logo. Essa coisa de fazer álbuns, guardar fotos com qualidade, me chamou muito a atenção. E aí começou a minha paixão. Pâmela – No início era bem hobby, nunca me visualizei ganhando dinheiro com isto, eu fazia para mim, porque gostava ou para dar de presente, mas depois, a percepção de que não existia nenhuma loja com este conceito na região, aliás, as únicas que existiam eram em Florianópolis e Balneário, despertou o interesse comercial. Isso e o retorno das pessoas a quem oferecíamos: Ai meu Deus, que lindo, será que tu farias para eu poder dar de presente? Sabe, isso despertou o nosso interesse e as coisas foram acontecendo. Camille – A minha área de trabalho, mesmo, é algo bem estranho para o que faço agora, porque tenho formação em administração, com pós em Psicologia Organizacional. Então, sempre trabalhei na área de recursos humanos, mas da forma como as coisas foram acontecendo, chegou um momento em que tive de ponderar: o que pesa mais? O lado financeiro ou a minha paixão, aquilo que realmente gosto de fazer? Aí, como tudo fluiu naturalmente, optei pelo que gostava realmente de fazer. – Risos. Revista Valeu – Pâmela, como foi a adesão ao Scrap, no início? Pâmela – Na verdade a adesão das pessoas sempre foi muito grande. A curiosidade era enorme, talvez por ser a primeira loja na região e ser uma coisa nova. As pessoas queriam conhecer essa coisa do Scrap, de que nunca tinham ouvido falar. Hoje isso ainda existe, de tal


forma que todas as semanas temos aulas para iniciantes. Muitas pessoas que chegam e perguntam: Scrap o quê? – Risos Camille – Aí nós perguntamos se se lembram daqueles álbuns em papel manteiga que viam na casa das avós, ou os cadernos escolares que personalizavam com recortes, ou fotografias e a partir daí a explicação fica facilitada. Pâmela – Porque o Scrap, realmente, tem 100 anos e nasceu na Europa, com esses álbuns fotográficos e de recortes, personalizados, muitas vezes com folhas de outono, poemas, ou anotações, registros. Aqui, como somos de colonização europeia, ainda temos a memória desses álbuns, das nossas Omas e Nonas. Hoje, os Estados Unidos são o maior polo de produção de scrap. Camille – Pela questão de produção e comercialização. Porque, à medida que o conceito tomou corpo, as pessoas foram percebendo que os materiais usados se estragavam e essa foi a grande sacada do Scrapbook, ele tem essa diferenciação de uma livraria comum. Não é papel de presente, não é cartolina, ele é um papel que é totalmente livre de ácidos, em especial a lignina, que amarela o papel com o passar dos anos. Mas todos os materiais usados no scrap são “acid free”, as fitas, as colas, os carimbos, tudo. Revista Valeu – E qual é a diversidade de oferta do Scrap? O que é possível fazer? Pâmela – O principal são álbuns, mas também agendas, fichários de receitas, cadernos, cartões, convites, embalagens, quadros, caixinhas decoradas, enfim, uma infinidade de coisas. Revista Valeu – Como é a evolução dentro do Scrap?

Camille – Para entender essa evolução é preciso, antes de mais, explicar que nós não temos uma metodologia de ensino tradicional, não funcionamos como as escolas tradicionais de artesanato, ou pintura. A nossa opção é ensinar por projetos. As aulas têm como objetivo o desenvolvimento de um projeto específico, uma agenda, um convite. Cada aula tem seu projeto. E isso acaba por ser aliciante, porque no final de cada aula, a aluna vê o resultado do trabalho, tem noção da sua evolução. Pâmela – É muito gratificante, não só ver essa evolução, como depois receber o feedback das alunas que vão desenvolvendo os seus projetos pessoais em casa. O álbum dos filhos, um presente de aniversário para o marido... Camille – A maioria das alunas, 95%, obtêm resultados muito positivos e aplicam o que vão aprendendo nas aulas em trabalhos que, depois, desenvolvem sozinhas. É curioso, porque para muitas delas as aulas acabam por ser, como elas próprias dizem, uma espécie de terapia. É muito bacana ouvir isso! Pâmela – A aula de iniciante abre as portas ao Scrap. A partir daí, do conhecimento, do contato com as técnicas básicas, é possível ir aprendendo tudo o resto. Embora, cada aula, cada projeto, depois, tenha as suas técnicas específicas. Por exemplo, personalização de cadernos, agendas, fichário de receitas, etc. Depois da aula de iniciante, nós aconselhamos a fazer uma aula de revestimento, encadernação, porque é um processo necessário para realizar diversos projetos. Mas, após a aula de iniciante, as alunas ficam aptas a participar de todas as outras aulas. Revista Valeu – Qual a duração de uma aula de iniciante? Camille – Um dia. Três horas e meia. Quase todas as aulas têm a mesma duração e resultam na concretização de um projeto, de um trabalho. Revista Valeu – Outro projeto que sabemos que vocês estão a desenvolver é o de aulas para crianças. Como funciona e a partir de que idades? Camille – A partir dos cinco anos e acontece uma vez por mês. A metodologia de ensino é diferente, claro. Todos os processos de corte, furação são feitos antecipadamente por nós, mas é muito legal. Pâmela – Muitas vêm dizer-nos que já ajudaram a mãe em casa, ou que ensinaram coisas que aprenderam aqui. É bem gostoso ver como elas vão crescendo e o Scrap vai fazendo parte da vida delas. Revista Valeu – É possível oferecer um presente personalizado, sem fazer aulas? Pâmela – Sim, claro! O nosso atendimento é mesmo isso, personalizado. Então, muitas vezes, vêm clientes que querem oferecer um cartão especial, ou um álbum comemorativo e aí nós ajudamos. Claro que facilita se a pessoa já tem um conhecimento sobre o scrap, se já fez aula. Facilita bastante, mas mesmo assim, nós ajudamos.

23


Revista Valeu – Um caso de sucesso! – Pâmela e Camille sorrindo meio embaraçadas. – Isso foi surpreendente para vocês? Pâmela – Sim! Este projeto foi um sonho em que acreditamos e que tem vindo a ganhar forma, passo a passo. A parte de loja, com esta dimensão, aconteceu com a mudança para Timbó. Os papeis, por exemplo, nós conversávamos quando seria possível ter um display de uma ou outra marca de que gostávamos muito e hoje temos displays de várias marcas. Isso é bem legal! São sonhos, metas que vamos colocando e que temos conseguido cumprir, temos conseguido transformar em realidade. Não é fácil, porque a maioria dos materiais que utilizamos é importada e o Scrap funciona quase como a moda, por tendências, por coleções. Então, temos de estar permanentemente atualizadas. O mesmo acontece em relação às técnicas utilizadas. Eu estou regressando da Europa, de Viena, na Áustria, onde estive fazendo alguns cursos de formação, para me atualizar em relação às novidades do Scrap, quer em termos de tendências, quer de novidades técnicas. Este ano estamos a pensar ir aos Estados Unidos à maior feira do mundo de Scrap, exatamente para ver essas novidades. Camille – Exige muita pesquisa e uma atenção muito grande às tendências do mercado. Pâmela – E como acaba por ser algo de muito personalizado, muitas vezes, a gente está numa feira ou pesquisando as novidades e acabamos por comprar alguns materiais pensando especificamente em determinadas alunas. Sabe, tipo, aquilo é a cara dela, não tem como errar. – Sorriso cúmplice de Camille e Pâmela. Camille - Quando nos pedem encomendas, por exemplo, de álbuns, nós investigamos a vida das pessoas, no sentido de entendermos as preferências, os gostos, a melhor forma de realizar esse trabalho. Isso acontece através de um briefing, de uma conversa em que procuramos entender o que é pretendido, porque quem encomenda este tipo de trabalho quer transmitir algo a alguém, ou preservar algo para si. Algo que é muito importante. Um sentimento. No fundo, nós trabalhamos com sentimentos e isso é muito gratificante. Quando, no final, as pessoas se emocionam, ou nos contam que ofereceram aquele presente e a pessoa se emocionou, é algo de muito especial. O Atelier Liebe Papier, que virou uma charmosíssima loja na Rua Marechal Deodoro 389, em Timbó, vive desta intimidade que Pâmela e Camille estabelecem com os clientes. As muitas horas passadas em conjunto, transmitindo a experiência de trabalhar os materiais, moldando-os de forma a que se transformem no sonho imaginado por cada uma das suas alunas, estimula uma relação próxima que extravasa os tradicionais limites de uma relação comercial. Como gostam de afirmar, o Liebe vive de sentimentos. Do sentimento único de realizar, com as próprias mãos, um projeto que se sonhou e que se vê transformado em realidade e da emoção de eternizar por gerações os momentos mais marcantes da nossa vida.

24


25


Joias Eternizando momentos. Desde a pré-história o homem interessou-se por adornos e os usava, seja diferenciando indivíduos em seu papel na sociedade, seja como amuletos protetores, ou, mais tarde, para embelezar a forma feminina. No inicio, ossos, dentes e conchas moldavam peças, porém já entre a Idade da Pedra e dos Metais, 3.000 AC., o ouro e as pedras minerais ocuparam o lugar de destaque, que se mantém até hoje, graças ao brilho e características únicas de cada gema ou metal. Há muito, designers pelo mundo, desenham formas e esculpem pedras para moldar joias que fazem parte dos sonhos de cada mulher. As joias não são modismos passageiros, pois se perpetuam por gerações, e possuem a magia de poderem ser transformadas e renovadas. As joias de Viviany Amorim (VA) possuem a alma da mulher contemporânea. A missão da marca é inspirar a mulher atual a incorporar as joias ao seu look diário e deixá-lo ainda mais belo e sofisticado, assim como o seu dia-a-dia. No dia 5/08/15 Vivany Amorim esteve em Timbó em parceria com a Belle Corp, Villa di Casa, La Vineria di Aline e Timbó Park Hotel, para encantar o povo timboense com suas peças magníficas. O evento contou com a presença de um selecionado grupo de mulheres, que gostam de valorizar seus looks e de festejar bons momentos. Com a entrada da marca na cidade, Cheila Taufemback de Menezes se une a equipe da VA atendendo Timbó e região com atendimento personalizado e o diferencial de auxiliar as mulheres a encontrar o melhor estilo, realizando o encontro entre os desejos e a designer, materializados em uma linda joia. Cheila Taufemback de Menezes Contato: (47) 8822-6556 Email: cheilatm@icloud.com 26


27


O múltiplo Telomar Florêncio Vida com fome de arte Texto por Viviane Roussenq

Inútil apreender o artista plástico Telomar Florêncio em telas com temáticas eleitas. Inútil aprisioná-lo ao rótulo de pintor surrealista, embora o estilo ainda seja o que mais se aproxima do apelo que o move na criação. Sim, como é de notório conhecimento público, Telomar também não está em vernissages e em nenhum evento que exija pompa e circunstância. Telomar Florêncio, um dos maiores artistas de Santa Catarina, ocupa todos os espaços de sua Casa Ateliê. Seja nos eucatex, telas, instalações – como a de um poço construído com tijolos num canto do Ateliê que há mais de 20 anos convida visitantes para uma espiadinha só pra conferir o efeito da ilusão de ótica-, também há Telomar nos escritos em paredes que variam de citações de Fernando Pessoa a um celular de um cliente ou amigo. Ou o que o senso comum julgaria ser Cristo – uma instalação pendurada no centro da Casa Ateliê com grampos de roupa, pedaços de metal, entre tantos elementos curiosamente utilizados por ele nesta representação. Mas são tantas coisas que impulsionam seu arroubo criativo: latas, parafusos, bombril, cola, espelhinhos. Ali, no meio deste arsenal, o artista cria.

Notem leitores, que ela ora transita por imagens, algumas como a que fotografamos em marcas famosas, como na pintura da Coca Cola. Dentro de casa, a inspiração continua: fogão e geladeira ganharam personalizadas cores assim como o lustre da cozinha- que originalmente era um pote de plástico mas ficou perfeito na nova função. Nas paredes de fora de casa, o artista expõe algumas de suas obras. A ampla cobertura do telhado protege-as das chuvas. Não perguntamos, mas talvez à noite, o artista as guarde dentro de casa. Foi este Telomar que encontramos. Depois falamos sobre como tudo começou. Ainda estamos surpresos com tantos gostos incomuns pouco divulgados. Como pelo Arco e Flecha. É ele quem mesmo elabora sua artilharia com diversos materiais que não poupam o alvo jogado no canto da casa até a próxima pausa do artista para mais uma pontaria.

Sua inquietude em interferir no padrão do objeto dito “normal” para a humanidade, está em potes especialmente criados e pintados para guardar alimentos, mini bicicletas feitas de arame, na aranha ( seria de borracha?) que elaborou e se aninha em algum nicho na grande mesa do Ateliê.

Seria injusto não contar aos leitores o que mais convencional ali encontramos. Telomar adora ouvir clássicos, em particular Brandenburg Concertos de 1 a 6, de Johann Sebastian Bach. Uma vitrola (com a tampa solta) está pronta para tocar o bolachão dos vários que aguardam seu momento solo- quase todos com novas 28


capas pintadas por Telomar. “Descurti de tudo o que era rock, Pink Floyd, anos 80. Agora só ouço clássicos.” O mesmo vale para livros. No ateliê, um exemplar de Os Miseráveis de Victor Hugo disputa espaço com outros livros. Mas Telomar tem sua compilação de textos preferidos. - Este caderno me acompanha há anos. Leia “Foguetes ao Longe”, do escritor mineiro João Alphonsus, é demais. E tudo do Pessoa, não dá pra viver sem ler Pessoa. O tal caderno começou a ser montado pelo Telomar ainda menino, um leitor voraz. Em uma das páginas, Telomar anotou sua definição de felicidade: “Felicidade é estar sentadinho na carteira esperando a “pofessola” mas quem entra na sala é o diretor avisando que não vai ter aula.” Obras embaixo do viaduto Ah, temos que perguntar sobre seu ganha pão, as telas, que ele vende embaixo de casa na curva do Anel Viário Norte, na rua República Argentina, no bairro Ponta Aguda, onde mora, em Blumenau. Isso de expor as obras lá em embaixo impacta o interessado para comprar suas telas? Telomar oferece a cuia de chimarrão e sorri já acostumado com a pergunta. “ Nada, isso de deixar lá embaixo não ajuda em nada, até porque não tem estacionamento, a via é de alto tráfego então ninguém passa devagar pra isso. Mas eu deixo, sempre tem alguém que sei lá porque sobe. Difícil é vender, mas já vendi, então tá bom, né? Me diz se a vida não é boa. Quanta gente não sabe o que é uma noite de sono bom, um bom prato de comida. E vida, o bom da vida é ter os pepinos pra enfrentar.”

Comprador de obra, segundo ele, vem do boca a boca da “força” das redes sociais na postagem de seus trabalhos. Dos ilustres, que não perguntaram nem o preço, ele conta como foi receber Cid Moreira, um dos dinossauros da história narrativa da TV Globo. “Então o Cid Moreira me aparece, sabe naquela fase do Mister M, que ele narrava no Fantástico? Foi logo olhando, simpatizou com meu trabalho. Se apaixonou por um em especial. Quando vi, tinha vendido uma tela minha para o Cid e lá se foi ele com uma amiga que gosta de arte descendo a ladeira de casa. Depois só vendi pra gente daqui mesmo”.

destes temas, mas nunca os elegeu como temática central de sua obra. “Eu gosto realmente do mar, do homem do mar, mas não é o eixo, entende? É o que vem na hora”. Uma passeada pelas obras em eucatex empilhadas na entrada do Ateliê nos convida a ver o mundo sob outras óticas. É um deslocar-se de qualquer zona de conforto. Mesmo ali naquele jardim com crianças, a cor da infância é outra. Seria possível reinventar a inocência? Telomar já mostrou que sabe de tudo um pouco. Desde menino desenhava o tempo inteiro. Com 13 anos de idade, já usava seu traço na publicidade e em ilustrações. Era só o começo. Nunca mais parou. Criou logomarcas, cartazes, rótulos, embalagens, obras para capas de listas telefônicas e para as campanhas publicitárias da Oktoberfest, pinturas em telas e eucatex. Aos 57 anos, embora não apareça em vernissages, já participou de várias exposições, salões e concursos, entre eles, o 1º o 5º Salão Elke Hering – Mostra de Arte Contemporânea, o evento que reúne a mais rica e vasta produção cultural de Blumenau. Famoso e notabilizado pela obra, ninguém questiona. Rico pela venda dos trabalhos? “Que nada. Dá pra ir vivendo, mas também faço o que gosto”. Do mercado formal já se desvinculou há mais de 20 anos. Escreve aí, se tiver um emprego legal em uma firma, tô encarando, brinca ele. Levar uma vida simples, com camiseta e chinelo de dedo é uma simplicidade escolhida pelo artista que torce o nariz para uma rotina digamos mais glamorosa, aquela do artista confinado em galerias, cercado por um público seleto. Na Casa Ateliê vive com a esposa. As duas filhas, já criadas, o visitam frequentemente. Gostam de acompanhar e divulgar sua produção. Recentemente ganhou delas seu primeiro Portfólio. Pediu licença à reportagem da Valeu e foi buscá-lo. Com a voz emocionada de um menino, foi folheando a publicação. Aqui e ali, um comentário. Uma obra que poderia ter sido acabada de outro jeito, outra que ficou muito boa, aquela que postaram no face. Ficou bonito, ficou show. Quantos serão distribuídos, Telomar? Só tenho esse! conta ele. Blumenau também: artista com tanta fome de arte e cá pra nós, com tantas singularidades, só tem o Telomar. Fotos por Carlos Lobe

Mestre na composição de luzes e sombras, Telomar nunca planeja o que vai pintar. Das telas já nasceram e são recorrentes o homem e o mar, sim, Telomar gosta 29


Cultura com charme

Livros e revistas antigas têm público cativo no sebo Book Center de Blumenau

Texto por Viviane Roussenq Na contramão de livrarias que estão desaparecendo no mundo inteiro e das locadoras de vídeo que também sucumbiram à voragem da internet, um espaço cravado no centro de Blumenau garante ao leitor o contato físico e lúdico com o livro. Mas não é o livro novinho em folha, procurado rapidamente no sistema do computador para atender à solicitação do apressado leitor. Aliás, desista da pressa e de localizar o livro que procura num estalar de dedos, ao adentrar neste lugar. No ar, o cheiro inconfundível de publicações antigas, empilhadas em incontáveis prateleiras e espaços improvisados. Ali o convite é a garimpagem, o prazer do desafio de encontrar a obra que enche os olhos de forma aleatória e surpreendente. É o sebo Book Center. Com duas unidades em Blumenau, ele mantém um público cativo, de todas as idades. “As publicações antigas exercem um fascínio junto ao público”, atesta o proprietário Nilto J. Silva, proprietário do negócio há mais de 30 anos que não se acanhou diante do mercado do livro digital. “Nossas vendas giram em torno de mil unidades por dia”. A prosperidade do negócio se dá pelo baixo custo dos livros e qualidade das publicações. O Book Center recebe pessoas do mundo inteiro, que de acordo com Nilto, ficam deslumbradas com as obras oferecidas. É o próprio Nilto que faz as compras. “Escolho tudo, sei exatamente o que está sendo oferecido aos leitores. Há uma intenção de que eles saiam daqui com obras que procuram e outras que resolveram adquirir numa passada de olhos”, revela. Assim ele fez nesta trajetória de 30 anos, leitores cativos, que semanalmente visitam o sebo atrás de novidades. 30

Há quem já tenha sugerido a Nilto impulsionar as vendas através do mercado digital. “Enquanto eu existir não venderei publicações por internet. Poderia até ganhar mais por exemplares raros, mas perderia o que acho mais importante, o meu cliente aqui, conversando toda semana, encontrando alguma coisa que o convide à leitura de forma prazerosa”. Para Nilto, a venda física também possibilita que a cultura local seja enriquecida. “Há uma troca dentro da região. São leitores de Blumenau, Timbó, Pomerode, Benedito Novo, Gaspar, entre outros municípios. Se as obras fossem vendidas on line, o que seria deste espaço que tem em seu DNA, uma alternativa de convívio entre pessoas que gostam de literatura e arte? ” A dedicação de Nilto pelo sebo - essa tenacidade quixotesca-, tem raiz nas dificuldades que o negócio enfrentou para prosperar. “Quando montei o sebo, livro antigo era livro velho. Mas isso não me intimidou”. Num espaço exíguo, raros exemplares eram expostos ao lado de chinelos, mel, linguiça, vassouras, lãs, produtos de limpeza. “ Foi o jeito de colocar o cliente na loja. E deu certo”, garante.

Livros nas escolas Nilto segue à risca seu desejo de estar perto dos livros e dos compradores de livros. Há cinco anos desenvolve um projeto nas escolas da região. A escola faz uma promoção e cada aluno ganha R$10 para compra de um livro no sebo. Após a leitura ele faz a troca do livro. Nestes primeiros seis meses de 2015 23 escolas já participaram do projeto. “São crianças e adolescentes que vêm de ônibus empolgadas com a leitura”. Para Lourdes Thomsen, diretora do COEP- Centro de Orientação e Encaminhamento profissional para jo-


vens e adultos, com mais de mil alunos em Blumenau, Pomerode e Timbó, o projeto estimula a leitura “num tempo em que as pessoas leem cada vez menos. Está aí o ENEM que não deixa dúvidas com redações de português lastimável”, realça. De passagem pelo sebo, ela aproveitou para levar vários exemplares da Coleção Vagalumes. “Serão muito bem aproveitados em sala de aula. Os professores fazem a ponte com os livros, motivam o aluno a ler mais. Este é o papel da escola”.

Histórias dentro de histórias Quem aceita perder a noção do tempo, sentar em um banquinho de madeira e garimpar relíquias nas estantes, terá seu tesouro particular. Aquele peculiar cheiro de mofo e capas corroídas pelo tempo sinalizam a antiguidade da obra. Folheá-la exige um cuidado especial, mas o esforço do leitor será recompensado ao conferir seu interior. Além da história contada, os livros antigos guardam também suas próprias histórias. Vez por outra se encontram dedicatórias em suas páginas que remontam ao itinerário emocional que as obras percorreram até chegar nas mãos do leitor. É o caso do livro A Trajetória da Rua das Flores, de Eça de Queiroz. Breves anotações em alguns trechos acusam o longo roteiro que o livro percorreu.

O charme das revistas antigas Há sempre o leitor disposto a comprar exemplares de revistas antigas, clássicos dos anos 50, que conferem ao sebo um charme à parte. A célebre Manchete, um dos maiores sucessos de vendas da então Editora Bloch, pode ser conferida em vários exemplares. Mais recente, a famosa Grande Hotel, seduz pelo visual das capas. Seus exemplares disputam espaço com as não menos celebrizadas Revista Cruzeiro e Realidade. Na Fatos e Fotos da década de 70, a modelo italiana Esmeralda posa num ousado modelito de biquini sensual para a época. A modelo, mulata, era chamada de capa para a reportagem “Elas estão ricas e felizes em Berlim”. Segundo Nilto, todo dia sai revista. “Muitos ficam impressionados com as propagandas da época, a linguagem dos textos. Quem leva não paga a mais por este diferencial.” Fotonovelas, ah, as fotonovelas que tanto sucesso fizeram também estão lá. A Top Secret, de 1968, da Rio Gráfica Editora, traz na capa a fotonovela “Crimi-

nosa por um dia”.

Os gibis de várias épocas, entretenimento que resiste ao tempo, caem no gosto do público, especialmente o infantil. Os adultos se divertem e matam a saudade da infância ao folhear suas páginas.

Em toda parte há relíquias. Como uma edição alemã de 1936 da Bíblia. Ou livros de Karl May, celebrado autor americano do gênero de faroeste. Um pouco mais de garimpagem e ali está, com suas 500 páginas, uma enciclopédia de arte publicada em francês. Em outra estante, um livro de 1940 mostra, com ilustrações produzidas a bico de pena, as relíquias da Bahia. O ex presidente da Fundação Cultural de Blumenau, Bráulio Maria Schloegel estava garimpando nas estan-

Ex-reitor da FURB, Bráulio Maria Schloegel: sorte no “garimpo”. Segundo ele, paciência e tempo são a chave do sucesso. tes no dia em que a Reportagem da Valeu visitou o sebo. Achou o que considera uma relíquia: a obra “Histórias de Joinville, de 1965, escrita por Carlos Ficker. “ Com paciência, encontro muita coisa interessante. Hoje já saio contente”, comemora.

O “bolachão” de volta

O disco de vinil voltou revigorado e está no auge de suas vendas no sebo, assegura Nilto. São mais de 100 mil discos para todos os públicos. Gente que não dispensa aquele chiadinho da agulha, mesmo a reinventada em novos equipamentos de som especialmente fabricados para tocar o vinil. Há quem só ouça mesmo o vinil, como alguns amantes do jazz que alegam que o chiado confere maior autenticidade à melodia jazzística, que teria sofrido uma assepsia sonora com os aparelhos de CDs e DVDs. 31


Relíquias como coletâneas de vinil de porcelana, também estão ali para quem quiser arriscar uma viagem musical no túnel do tempo. Com o desaparecimento de locadoras de vídeo, o Book Center faz sucesso em vendas de Cds e DVDs com preços convidativos num acervo com mais de 40 mil títulos. “ São filmes de qualidade, muitos raros e não disponibilizados pela internet. Escolho cada um deles. Uma vez comprados, eu faço a limpeza e os recoloco nas capas originais. Quem compra, sabe que está levando material de qualidade”.

Para Nilto, o sebo não vai morrer. Ao contrário, suas vendas só aumentam.

Nilto: “os sebos não morrerão. Quero trocar cultura com gente daqui.”

Excelente notícia em tempos onde os espaços de leitura definham, pessoas alegam falta de tempo para ler e redes sociais servem de “literatura”. Vida longa à proposta de Nilto, espécie de Dom Quixote que gosta de investir dinheiro num negócio pelo prazer de estar próximo dos livros e dos compradores de livros. Sua cruzada vem rendendo bons frutos alheia às armadilhas da modernidade. Fotos por Carlos Lobe

32


33


a toca do vinicius

Uma onda que se ergueu no mar Breves considerações às margens da Bossa Nova Há coisas que não se explicam. Sentem-se. Assim é a minha relação com o Rio. Muito antes de o visitar pela primeira vez, já éramos íntimos. O oceano que nos separava parecia reduzido ao tamanho de um pequeno curso de água, que eu pulava com facilidade para chegar à outra, ambicionada, margem. Quase diariamente, deambulava pela Rio Branco, ou pela Presidente Getúlio, perdia-me nas pequenas ruelas do Centro e parava no Arco do Teles para ouvir as rodas de samba, antes de me sentar na penumbra do Bar Luiz e tomar o melhor chope do centro da cidade. Mais tarde, havaiana no pé, short e camiseta, sorriso aberto ao sol de verão, feito carioca, percorreria o calçadão, do Leme ao Leblon, adentrando, por vezes (mais do que as desejáveis), nas refrescantes ruas de Copacabana e de Ipanema para chopear e bater papo sobre futebol, quase único tricolor, num mundo de vascaínos e flamenguistas. Com o fim de tarde, recolheria à Travessa, para um café regado a livros e revistas, antes de um passeio pela Visconde de Pirajá e uma oração rezada em silêncio na pequena Igreja de Nossa Senhora da Paz, partindo, depois, noite dentro pelos botecos de Botafogo e pela animação incontida da Lapa. Percorri cada um destes pedaços de Rio e tantos outros, num tempo em que a internet era coisa de ficção científica e a única forma de viajar em sonhos era a literatura. Por isso, foi pelas mãos de Vinicius e Drummond, de Garcia-Roza e Rubem Fonseca, de Ubaldo Ribeiro e Nelson Rodrigues, de Machado de Assis e Lima Barreto que deambulei sentado na casa de meus pais, em Viseu, Portugal, pelas ruas desta cidade ímpar.

34

Mas, essa paixão começara muito antes, num final de manhã chuvosa de agosto de 1981, aos dez anos de idade, na Figueira da Foz, onde, por tradição familiar íamos a veraneio mal as aulas terminavam e o calor de verão se fazia anunciar. Nessa manhã longínqua, impossibilitado de ir brincar para a praia, fiquei em casa lendo e tendo como única companhia os sons distantes da velha Philco a preto e branco, que nos acompanhava religiosamente nesta mudança anual. De repente, um som dissonante, estranho, mas melodioso e ritmado começou a ganhar corpo na velha televisão e uma voz quase inaudível confiscou toda a minha atenção. Parei a leitura e concentrei-me na TV, onde um homem de terno escuro, sentado numa banqueta de madeira, violão na mão, entoava “pois há menos peixinhos a nadar no mar, do que os beijinhos que eu darei na sua boca...” Durante quase uma hora ouvi atentamente João Gilberto, num show gravado ao vivo na TV Globo. Meu Deus, o que era aquilo? Que música, que batida, que voz suave e gostosa. Que genialidade, que perfeccionismo. Sei que saí de casa e fui procurar todos os LP’s do João disponíveis no mercado. Comprei dois, os que encontrei: Getz/ Gilberto e João Gilberto e foi um verão inteiramente dedicado à Bossa Nova e à descoberta da cidade que lhe dera origem. Um verão que mudou a minha vida. Muitos anos decorreriam até que aterrissasse pela primeira vez no Galeão, ou melhor, no Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim e pudesse confirmar, ao vivo e a cores, cada um dos motivos dessa incontrolável paixão. Dessa primeira vez, quando a porta do avião se abriu e senti no rosto uma baforada de ar quente, percebi que estava em casa. E nem o trajeto pela Linha Vermelha, ladeada de favelas numa espécie de choque de realidade, nem o cheiro putrefato da Baía de Guanabara, presente de Deus envenenado pelo Homem, mudaram o meu encanto pelo Rio. Nessa viagem inicial, descobri, por acaso, o mais charmoso e encantador recanto de Ipanema, a Toca do Vinicius e por lá me perdi, horas a fio em conversas com o seu fundador e proprietário Carlos Alberto Afonso, sobre a música e a poesia, a política e a sociedade, e sobre as muitas divertidas estórias dos génios que entregaram ao mundo a mais extraordinária das músicas modernas – a Bossa Nova.


Treze anos percorridos sobre essa primeira de muitas outras visitas que foram acontecendo depois, regresso, como editor da Revista Valeu à Toca do Vinicius, para conversar com Carlos Alberto Afonso, um dos mais genuínos cariocas que conheci. Uma enciclopédia viva da riquíssima história da música popular brasileira e um preocupado e empenhado divulgador da diversidade cultural do Brasil. Aqui fica o registro possível de uma inolvidável tarde de conversa à roda da música e da poesia, da política e da literatura. Revista Valeu – Como é que começou a Toca do Vinicius? Por que começou a Toca? Esse projeto que é, antes de mais, de divulgação musical, poética, literária e cultural, mas que também é político e social, com um sentido obviamente interventor e de mudança? Carlos Alberto Afonso – Em primeiro lugar, muito obrigado pela oportunidade desse papo. Bem, nós não visamos às mudanças, acreditamos nas transformações. Eu por princípio acredito na transformação, eu luto pela transformação e acredito que as alterações têm de resultar de transformações e não de mudanças. Eu tenho 65 anos e tive uma criação faustosa, uma adolescência faustosa e uma primeira idade adulta também faustosa, sem problemas financeiros, mas muito presa. Muito fechada em casa. Já na época havia mitos em relação à segurança, a história de um carro preto que raptava crianças. – Sorriso provocante no rosto. - Então, os meus amigos, eram os amigos dos meus pais. Acabei por ter uma infância solitária, não ausente de amor, mas solitária. Numa espécie de solidão camoniana: o andar solitário entre a gente. – Risos. – Eu vivia entre toda a gente, solitariamente. Talvez por isso, sempre gostei de pensar. Sempre senti necessidade de pensar. E isso me acompanhou ao longo da vida. Mesmo na minha atividade profissional, como professor, a minha disciplina não foi exatamente literatura, eu gosto muito de literatura, mas podia ter sido professor de História, de Filosofia, de Ciências Sociais, trabalhei com um grande e querido antropólogo, Darcy Ribeiro durante um bom tempo. Aliás, a minha perspectiva é sempre antropológica, mas a minha disciplina era Teoria Literária, quer dizer, o que me fascinava, não era tanto a emoção que o texto, fosse ele qual fosse, podia produzir em mim, o que fascinava era tentar descobrir o funcionamento daquele discurso.

Carlos Alberto Afonso – Não foi com a minha primeira leitura. A minha primeira leitura, fascinante, inesquecível (eu tive muita sorte com isso), foi “Mar Morto” do Jorge Amado. Eu li “Mar Morto” com catorze anos e “Mar Morto” é um exercício lírico, é uma prosa de carga poética, de essência poética e despertou muito a minha emoção, mas a necessidade da reflexão veio depois, ela veio de Machado de Assis e nunca mais me deixou. Hoje, por exemplo, com 65 anos, eu continuo dependente dele. Depois com Karl Marx. Aliás, estou fazendo uma resenha de “Karl Marx Vida e Obra”, escrita por Leandro Konder e que foi a leitura que salvou a minha vida, pois de certa forma foi ela que me livrou do caminho, obviamente com a melhor das intenções, carinhosamente imposto – risos – pelos meus pais. Com essa leitura eu percebi a minha vocação e foi ela que me orientou vocacionalmente para o ensino da literatura. Por outro lado, há um personagem contemporâneo nosso, por quem eu tenho, em primeiro lugar, um grande, um enorme respeito. Eu respeito esse personagem como a muito pouca gente. O grau de respeitabilidade que guardo por ele, eu precisaria pensar um bocado para conseguir reunir meia dezena de destinatários desse respeito. Depois entra a admiração. Quer dizer, além do respeito, eu sinto uma enorme admiração por ele. Então eu tenho ocupado bastante tempo, destinado o meu tempo disponível, que é sempre muito exíguo, a pensa-lo. Eu estou falando de João Gilberto. João Gilberto. – Repete, como que querendo reforçar a importância desse nome. - E onde entra o Machado de Assis? Eu jamais tive dificuldades em definir as minhas convicções. A minha convicção foi sempre uma convicção fácil em relação ao João Gilberto. A compreensão é que não é tão fácil, exige reflexões, inclusive um pequeno acervo de fatos, em suma, Simão Bacamarte é um personagem de Machado de Assis, no conto “O Alienista” e é um paralelo que eu tenho trabalhado com João Gilberto. Ambos trancam a sociedade no mundo e ficam libertos, ficam inteiramente livres. – Risada generalizada. Revista Valeu – Devia escrever sobre isso. Que paralelo fantástico!

Revista Valeu – Quando aconteceu a descoberta desse gosto pela literatura e pelo funcionamento do discurso literário? 35


Carlos Alberto Afonso – É, estou escrevendo. Então, estas são coisas que vêm a partir da nossa visão de mundo, sempre refletindo. Não apenas em relação à emoção, gostando ou não gostando, se emocionado ou não, mas fundamentalmente, em relação ao material humano, à sociedade – Carlos, esboçando um sorriso marcado pelo arrastar suave da palavra sociedade, com uma acentuação particularmente aberta e prolongada da penúltima sílaba. – A sociedade é a palavra chave de tudo! A minha professora é a história, sem dúvida nenhuma, por isso para mim há um binómio fundamental: produção e sociedade. O professor é assim. Viaja nas conversas mantendo o norte. Parece perder-se em longas explanações sobre a as coisas, quando de repente, quando menos esperamos, retoma a nossa pergunta e aí percebemos como foi importante esse passeio pela história, pela literatura, pela sociedade para a resposta final. Ainda não sabemos como surgiu a “Toca do Vinicius”, mas com certeza, lá chegaremos. Carlos Alberto Afonso – Tudo isto apenas intuído. – Continua. – Mas, a partir de certo momento não apenas intuído, mas, com o trânsito da linguagem para a língua sendo devidamente realizado, efetivamente refletido. Revista Valeu – Isso aconteceu em que altura da sua vida? Carlos Alberto Afonso – Volto atrás, à minha infância. A minha busca sempre foi solitária. Eu aprendi, sobretudo, com essa solidão. A solidão me levou à reflexão, a brincar de carrinho e a ver e a jogar futebol, sempre. O divertimento da minha vida, sempre foi o futebol: ver e jogar. Revista Valeu – Qual é o seu time? Carlos Alberto Afonso – Eu sou vascaíno. Toda a minha família é portuguesa, com dupla nacionalidade, menos eu. Somos patrícios. – Ri Carlos, bem humorado. Revista Valeu – Isso eu lembro. A nossa primeira conversa há muitos anos acabou nas alheiras de Mirandela. Carlos Alberto Afonso após uma sonora gargalhada – Meu Deus, as alheiras. São o alfa e o ômega da minha vida! Tudo começa e acaba nas alheiras. – Brinca so36

bre a sua particular paixão pelo embutido português. Carlos Alberto Afonso – Mas, regressando. Assim, nessa solidão me fui formando e com 19 anos, já escrevia a correspondência do Presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Danton Jobim. E por quê? Porque eu tinha uma boa caneta. Eu tinha uma boa expressão tanto oral, quanto escrita. E foi engraçado, porque durante muito tempo, ele lia, cortava aqui, acrescentava ali e isso me frustrava um pouco. Revista Valeu – O exercício da censura inconsciente não era simpático para si. Carlos Alberto Afonso – É de fato não era. – Expressão de saudade estampada no rosto. – Embora fosse exclusivamente técnica, a minha escrita. Mas, lembro o que senti quando escrevi a correspondência para o Richard Nixon, Presidente dos Estados Unidos, cumprimentando pela chegada do homem à Lua, então o Danton Jobim leu e disse assim: Pode datilografar como está. – Puxa a vida! Você não pode imaginar o que senti. Olhe aqui, ainda hoje me arrepio. – Carlos esticando o braço para mostrar os pelos eriçados pela emoção. - Esse foi o meu primeiro lugar de trabalho. Eu fazia faculdade de direito de manhã para o Itamaraty, faculdade de letras à noite, por minha causa e à tarde trabalhava na ABI que foi a minha primeira grande casa. Acho que o primeiro grande amor da minha vida. Neste momento, a Toca do Vinicius é invadida por um grupo de turistas e Carlos, para quem o atendimento personalizado é fator decisivo da sua empreitada cultural, abandona a entrevista para, sorriso afetuoso nos lábios, receber cada um dos curiosos visitantes do seu pequeno espaço da Rua Vinicius de Moraes em Ipanema. Quem entra na Toca, sabe ao que vem. Mais do que discos ou livros, busca as pequenas estórias que estão por detrás de cada um deles e sabe, à partida, que Carlos é um repositório dos episódios picarescos que fizeram a História da Bossa e da Cidade Maravilhosa. Aproveitamos para fumar um cigarro na Calçada da Fama de Ipanema, outra das ideias do professor, que a definiu da seguinte forma há tempos atrás - Eu diria que é um monumento de autoconstrução, na medida em que não é um escultor que produz essas peças, mas a própria pessoa que está sendo lembrada é quem grava


suas mãos, escreve seu nome e a data. Então a Calçada da Fama não apenas quer ser, ela é um monumento representativo da cultura brasileira, em diversas das suas formas de produção: o esporte, a literatura, a música, a arquitetura e assim sucessivamente. – De fato assim é. Aqui estão imortalizados nomes como os de Elis Regina, Oscar Niemeyer, Chico Buarque, Elizeth Cardoso, Vinicius de Moraes, Ruy Castro, Daniel Jobim, Zico, Pixinguinha, Henri Salvador, Paulo Gracindo, Garrincha, entre tantos e tantos outros, numa espécie de monumento à memória coletiva de um país que se imortalizou pelas suas diversas formas de manifestação cultural. Aos poucos, a Toca vai esvaziando e regressamos à conversa com o nosso anfitrião. Revista Valeu – Voltemos à Bossa e à batida e à voz do João Gilberto. Carlos Alberto Afonso – Item um: A emergência da Bossa Nova e a minha emergência existencial, elas coincidem. A Bossa Nova é formulada durante os anos 50 e eu também fui formulado durante os anos 50, então existe uma coincidência cronológica. Item dois: Tudo começou com o meu interesse pelo mundo. Veja a disciplina de que fui professor: Teoria Literária. Por que teoria literária? A teoria literária ela não só enseja como estimula relações interdisciplinares. Então você está mexendo com teoria literária significa que você está mexendo com escultura, com pintura, com música, ou seja, com aquilo que você achar que deva fazer para fortalecer o seu trabalho. Revista Valeu – A Bossa foi inovadora ao trazer a poesia para a música? Carlos Alberto Afonso – Não, não, não, não. Absolutamente não. Isso é um grande equívoco. A Bossa não precisa de poesia, não precisa de letra. A letra é importante para a canção, não para a linguagem. Música é uma coisa, canção é outra. Pintura é uma coisa, tela é outra. Então, da mesma forma que a tela materializa a pintura, a canção materializa a música. Minha sociedade é uma sociedade inteligente, talentosa, mas garotona, adolescente e imatura culturalmente, não falo de cultura acadêmica, falo de hábitos. Por exemplo, o hábito da relação com a execução musical. A minha sociedade, ela está habituada à relação participativa, então, ela precisa ser sujeito daquela relação musical. Ela pode estar ouvindo João Gilberto no Theatro Municipal e ela vai querer cantar junto com o João Gilberto não percebendo que ele não vai ficar contente, não por nada, mas porque o trabalho dele é a música, sendo a canção a forma como essa música vai chegar às pessoas, mas ele investiu um enorme tempo, muita expectativa na concepção das harmonias, na criação das estruturas harmônicas, na bolação dos arranjos, na pesquisa daqueles acordes, e no momento em que ele serve esse lauto banquete, é como se tivesse servido o vinho mais caro do mundo e você derramasse um pouco de água dentro, porque você gosta de suco de uva. – No meio desta fabulosa dissertação sobre a música de João Gilberto, Carlos atendeu uma ligação telefônica que despachou em segundos – estou muito ocupado, já ligo – sem perder o foco no que dizia sobre o mestre. – A Bossa Nova é uma música contemplativa, é música, é a forma de executar alguma

coisa, seja ela qual for e ninguém tem o direito de desconhecer isso, porque João Gilberto ensinou isso para todo o mundo. Quando João Gilberto gravou canções que nasceram antes da Bossa Nova, Ary Barroso, Noel Rosa e tantos outros, quando ele gravou canções estrangeiras, transformando-as em samba primeiro, ele simplesmente nos sinalizou pela práxis, ele não nos sinalizou com discurso, ele nunca ousou sair daqueles limites, amplos por sinal, da arte. Ele se expressa artisticamente. Ele entende que a sociedade é a grande beneficiária da produção artística. Ele não pode levar para a sociedade nada que não seja o melhor que ele pode levar. E qual é o melhor que ele pode levar? Não é analisar as coisas, porque ele não se propõe ser o analista daquele processo musical. Ele é artista. Ele se propõe à arte. Na hora em que ele quer comunicar coisas é através do exercício da arte que ele comunica. No caso, da Bossa Nova, que nasceu como forma alternativa de interpretar o ritmo samba, como opção à forma tradicional de interpretação, que era o choro. João Gilberto começa a formular a sua interpretação musical desde o final dos anos 40, início dos anos 50, absolutamente fanático pelo samba e enorme conhecedor da música popular brasileira. Começa a formular e não a inventar. A partir de elementos da música popular brasileira ele começa a propor uma nova linguagem, uma linguagem que sirva de alternativa à linguagem choro, para a execução do samba. Ponto. – Termina Carlos assertivo. - Então, a Bossa Nova foi a nave espacial levada pelo movimento, que foi o foguete propulsor que a leva até ao espaço. Chega lá, joga a nave em órbita e ele, foguete, explode e cai no mar. Há histórias musicais que se limitam ao movimento, porque a nave não entra em órbita, então o foguete explode com nave e com tudo. Aquele registro vai ficar na história com respeitabilidade, com seriedade. Nós temos propostas musicais com as quais aconteceu isso, que não têm permanência, que não se desdobram, não têm presença genética em formulações futuras, ficam na história, simplesmente. Não é o caso da Bossa Nova. No caso da Bossa Nova, o foguete levou a nave, colocou-a em órbita e a nave está orbitando e vai orbitar sempre, já presente geneticamente em outras propostas musicais posteriores. Quando você pega o tratamento que o João Gilberto dá às cordas tanto do violão quanto do piano, o trabalho dele com o silêncio, você vai observar isso em outros violões posteriores sem qualquer compromisso com a Bossa Nova, como aquela presença genética dos pais nos filhos sem que faça deles cópias. Você vê a execução instrumental da Bossa Nova e não só instrumental, mas instrumental vocal, porque uma Leny Andrade não tem voz, tem um instrumento na garganta, então você ouve a Leny, aqueles elementos genéticos típicos do Jazz (o Jazz é a grande música, a minha geração, a geração da Bossa, ouve Jazz desde que nasceu e isso foi muito bom), o improviso, o gosto pelo improviso, as dissonâncias, você percebe que esses elementos do Jazz têm com a estrutura da Bossa Nova relação acessória, quer dizer, a sua ausência não compromete a Bossa, não é estrutural. Tem? Bacana pra chuchu, tremenda vibração, adorei. Não tem? Sem problemas, mas o comportamento Bossa Nova está lá presente. 37


Revista Valeu – O que quis dizer ao falar dos silêncios na música do João Gilberto? Carlos Alberto Afonso – Em São Paulo ele foi convidado para inaugurar o Credicard Hall. Isso é fato, embora muito didático, que tenho pena que não tenha sido devidamente aproveitado pela mídia. Então, tinha eco lá no Credicard Hall e ele observou isso e veio o técnico e corre daqui, tenta dali, o público já impaciente e o João – Tem eco, tem eco. Até ao momento em que após muitas tentativas, o técnico vem com a ideia de convencê-lo que não tem mais eco e chega ao pé do João e diz: agora acabou não tem mais eco. E o João: Você fez todos os esforços que podia ter feito? – Carlos baixando o tom de voz, como que imitando João Gilberto – Sim, sim, claro – responde o técnico. – Além desses esforços não há mais o que fazer? – Retruca João. - Não, não. – Aí o João pega o violão e vai embora. Quando ele vai saindo, um jornalista do Globo, ultra hábil, um diplomata, que soube respeitar e admirar o João, que é um artista, que é patrimônio brasileiro, um dos maiores patrimônios da gente, das nossas artes, pergunta: E aí João não deu, né? Ao que João responde: Não. Eu trabalho com a pausa. – Gargalhada geral. – Esse “eu trabalho com a pausa” seria matéria de 2, 3 páginas nos jornais para a nossa sociedade aprender, naquilo ali, o que é a Bossa Nova, o que é João Gilberto, porque é que não pode ter eletrônico. Tudo naquele: “eu trabalho com a pausa”. Claro, a pausa é um elemento fundamental. Para você ter uma ideia, antes dessa linguagem se materializar documentalmente por inteiro, numa gravação, ele acompanhou Elizeth Cardoso numa parceria em uma gravação dela de duas músicas do Tom e do Vinicius, “Chega de Saudade” e “Outra Vez” e o pessoal comentava: esse cara é maluco. Por quê? Porque em vez de fazer aquela pegada, aquela batida contínua de acompanhar o samba, dang dinga dang – Exemplifica – Ele trabalhou o silêncio, ele apresentou a pausa. Quer dizer, nesse momento, e a Bossa Nova não começa aí, há um vagido, um primeiro vagido, quer dizer, um componente estético daquilo que ele estava formulando coloca a cabeça de fora da vagina da mamãe, já está aparecendo ali, olhando, vendo a barra que ia segurar, porque o nascimento mesmo é 10 de Julho de 1958, com a gravação do 78 rpm do Chega de Saudade. Então, olha só, esse componente, quando a Bossa Nova ela vem à luz documentalmente, já havia um prénúncio, já havia um “tô chegando na área”, através de quê? Da pausa! Foi a primeira coisa que surgiu daquilo que estava nascendo, exatamente a pausa, tal a importância! É um componente do quadro estético da Bossa Nova. Para perceber melhor: eu tenho vários amigos paulistas e paulistanos. Um deles, muito meu amigo mesmo, com quem estou sempre brincando, não gosta do João Gilberto e ele é intimamente ligado ao futebol, profissionalmente ligado ao futebol e um dia chegou aqui furioso com o João e eu retruquei: Marcão há possibilidade de uma partida de futebol com uma bolinha quadrada? – Como assim? – Quadrada! – É claro que não, né. – Você consegue imaginar o publico exigindo que a partida se realizasse com uma bola quadradinha? O Público reclamando: Má vontade!! Porque é que não joga com a quadrada? Quebra o galho. O João tocar com reverber equivale mais ou menos ao futebol com bola quadrada. Algum futebolista toparia jogar com bola quadrada? Parece uma piada. 38

Pois olha, para o João, que trabalha com a pausa, o reverber, o eco, é uma bola quadrada, Marco, a gente tem de entender isso. O João Gilberto, Marco, tem dimensão internacional e por quê? O que é que é internacional? É a linguagem. A internacionalidade nasce por causa da universalidade da linguagem. Se a linguagem não fosse universal, a Bossa Nova não seria internacional. O japonês não entende aquilo que está sendo cantado, mas ele entende aquela harmonia, é educado suficientemente para a percepção da música. Eu só quero chamar a atenção para esse fato: a Bossa Nova não é um movimento, é uma linguagem para cuja implementação houve um movimento, ou seja, uma interação múltipla de artistas, de jovens, mostrando uns aos outros e de repente uma documentação gravada, até que ela entrasse em órbita. Entrou em órbita e permanece graças à força de estrutura. Ela não é alvenaria que você quebra com o martelo, ela é alicerces, vigas, pilastras. É isso daí, é uma estrutura.

Revista Valeu

De que forma Vinicius de Moraes entrou na Bossa e na sua vida? Afinal, esta é a “Toca do Vinicius”. Carlos Alberto Afonso – Antes demais, Vinicius entrou na minha vida, porque com 12 anos de idade eu já sabia que seria um profissional da diplomacia, porque os meus pais tinham decidido que eu seria diplomata. Eu não sabia o que fazia um diplomata, não tinha a menor ideia do que era isso de ser diplomata, mas já sabia que ia ser diplomata. Era assim que funcionava na minha casa e em muitas casas durante os anos 50. Aí, com 12 anos de idade, eu que sabia que seria diplomata, vi num jornal (Eu quero dizer a você que eu tenho esse jornal. Meus pais eram memorialistas obsessivos e eu herdei esse fascínio pelo documento) um diplomata de carreira, sentado num night club, de terno e gravata, óculos de lentes escuras (aliás esse par de óculos me pertence, como mexas do cabelo dele, eu sou barra pesada – risos – muitas ex-mulheres dele que o amaram e me amaram, de maneira diferente, claro, reconheceram o meu trabalho e me legaram algumas coisas que guardo cuidadosamente)e fiquei incrédulo. Aquilo me fascinou. Fascinou o garoto de 12 anos e toda uma geração. Foi o fascínio exercido pela informalidade, pela atitude. É preciso entender Vinicius de Moraes do ponto de vista da atitude e do ponto de vista da obra. Do ponto de vista da obra, Vinicius foi um grande poeta. Ponto. Do ponto de vista da atitude ele foi único. Revista Valeu – Um transformador. Carlos Alberto Afonso – Exatamente. Um transformador, não um “mudador”. Um transformador. E isso daí fascinou toda a minha geração. O personagem Vinicius de Moraes e o seu comportamento. O Vinicius sempre foi uma pessoa muito honesta. Nunca estive com ele como estou aqui com você, mas tenho essa impressão dele, de uma pessoa muito correta e muito honesta. Aliás, aquilo que eu falei sobre a Bossa, de não ter ne-


cessidade de letra, apenas o ouvi a outra pessoa – Vinicius de Moraes. Ele um dia afirmou que “a Bossa era o canto puro e solitário de João Gilberto, indefinidamente trancado no seu apartamento, arrancando das cordas do seu violão as harmonias e acordes dissonantes.” O Vinicius era muito inteligente. Olha a facilidade dele, uma facilidade única de fazer o trânsito entre a linguagem e a língua. Quer dizer, ele pensava preciso e correto e encontrava a palavra precisa e correta que correspondia a esse pensamento preciso e correto. É essa química. A minha admiração por ele sempre foi muito grande. Aí, quis o destino que eu fosse o quê? Professor de Literatura. Então usei e abusei de textos de Vinicius de Moraes. Criei muita proximidade. Vira parente. Tenho saudades da minha mãe, do meu pai, do Vinicius... – Risos. Carlos Alberto Afonso – Daí eu escrevi trabalhos, sempre pretendi que o Vinicius de Moraes chegasse aos segmentos mais populares da sociedade, porque eu estava trabalhando sobre alguém muito relevante no meu segmento, nada mais. Então você vê o seguinte, em 1993, ele faria 80 anos e por coincidência, a Toca é de 1993, por quê? Ronaldo Bôscoli e isso ocupa uma página inteira da biografia dele “A Bossa do lobo”, me convidou para fundarmos juntos, a Casa da Bossa Nova. Revista Valeu – Só para enquadrar, Ronaldo Bôscoli que foi um dos pais da Bossa Nova. Carlos Alberto Afonso – Eu diria que ele com Aloysio de Oliveira foram os dois grandes líderes. O Aloysio fundador da Elenco, mais empresarial, mais organizado, mais produtor e o Ronaldo mais ativo, mais passeata, mais sociedade, mais eu. – Risos – Com um detalhe, o Ronaldo Bôscoli era um cara muito culto, um letrista extraordinário. Revista Valeu – O letrista do Rio. Carlos Alberto Afonso – Sem dúvida alguma. Só a canção dele “Rio” – E Carlos trauteia: “rio que mora no mar, sorrio pro meu Rio...” - essa canção ela tem, dentre as canções laudatórias da cidade que eu conheço, a imagística, o acervo de imagens mais rico de todas. “Rio que não dorme porque não se cansa.” Puta que pariu – Exclamamos em uníssono. – “É sal, é sol, é sul...” você sabe o que é isso? Você sabe onde é que ele foi pegar isso? Oswald de Andrade, o futurista. Estou falando do movimento modernista no Brasil no princípio de século e o Oswald ele concebeu um movimento que era a antropofagia e a antropofagia consistia em quê? Em comer os valores existentes, que no caso eram os valores europeus. Então a proposta dele era devorar, simplesmente acabar com a primazia da tradição europeia no comportamento literário. O momento era o momento da América e não mais da Europa. Era o novo, no continente novo. Então, em determinado momento, Oswald de Andrade, arrebatado diz assim: “América do sol, América do sal, América do Sul.” O Bôscoli, muitos anos depois vai consubstanciar isso na cidade do Rio de Janeiro: Rio é sal, é sol, é sul. – Pela segunda vez durante a entrevista, Carlos estica o braço, mostrando o arrepio que sentiu ao recordar esta ligação extraordinária entre o movimento futurista e a poesia de Ronaldo Bôscoli.

Carlos Alberto Afonso – Inspiração? Inspiração o cacete. Ele simplesmente tem uma bagagem de cultura acadêmica gigantesca e ele foi buscar aquele fresco na cabeça dele para atribuir ao Rio a consubstanciação daquela fórmula. Revista Valeu – Dispersamo-nos da questão. Carlos Alberto Afonso – Sim. Regressemos então a 1993 e ao convite de Ronaldo Bôscoli para fundarmos a Casa da Bossa Nova. Ele disse para mim: você é professor e - aí ele usou aquela modéstia vaidosa – eu manjo um pouquinho de show – modéstia vaidosa porque ninguém manjava tanto quanto ele. E ele sabia disso – vai ser muito bom, porque você entra com essa parte de palestras e eu com a organização de alguns shows. O que é que você acha? – Eu estou encantado, porque de certa forma isso é o desdobramento das coisas em que eu acredito, significa interagir com a sociedade. Eu estou maravilhado e por isso diria já eu topo, mas quero conversar em casa e depois te digo. Mas aí, saí de lá e fui conversar direto com o Prefeito da cidade, o César Maia, grande protetor da Bossa Nova, e expliquei a ideia. Ele disse: “Carlos Alberto, a ideia é ótima e eu vou colocar você falando com o Diretor do Patrimônio da Cidade para ver se tem um imóvel disponível, se não tiver nenhum disponível, então faremos o seguinte, eu vou negociar com o Estado ou a União uma permuta, porque a ideia é maravilhosa. Isso é Rio de Janeiro”. Eu fui falar com o Diretor de Patrimônio, analisamos uma lista de imóveis municipais e não havia nada de nada. Aí continuamos procurando e surgiu uma coisa que estava no Arpoador, mas não deu em nada. Entretanto, conversei com a minha mulher e os meus filhos e expliquei que queria fazer uma pequena livraria com discos, voltada para a música e naturalmente, focalizando a Bossa Nova e que tinha de dar uma resposta ao Ronaldo Bôscoli, mas teria um detalhe, eu não tinha como ficar a tempo inteiro porque ainda dava aulas. O conceito seria meu, a direção minha, mas precisava da ajuda deles e eles aceitaram revezar-se. Então, fui falar com o Ronaldo e expliquei-lhe: vamos fazer, mas não

39


uma casa. Se crescer vira casa, mas se não crescer não faremos papel feio, vai ser a Toca da Bossa Nova. Aí ele riu e disse: faz o que você quiser. Aluguei uma lojinha neste quarteirão, na Visconde de Pirajá nº318 e decidimos inaugurar em setembro, porque seria próximo do final do ano e eu precisava vender para manter o espaço. Ficou uma gracinha. Pequenininha, 12 metros quadrados, do tamanho de um banheiro de casa de rico. Acontece que no dia 14 de Abril eu ia fazer uma palestra lá em Bom Sucesso e vejo no Caderno B do saudoso Jornal do Brasil uma página inteira com a seguinte manchete: “Quem salvará o ano do poeta?” Falta de patrocínios, etc para comemorar os 80 anos de Vinicius de Moraes e uma proposta: o lançamento de um movimento chamado SOS Vinicius. Aquilo me deprimiu barbaramente. Eu não li a matéria toda, dobrei o Caderno B, corri para o orelhão e liguei para casa de Sérgio Cabral Pai. Quando o Sérgio Cabral prefaciou o meu livro, ele me contou que quando era vereador ele requereu na Câmara Municipal o título de Cidadão Benemérito Post-Mortem para o Vinicius de Moraes e isso me emocionou por várias razões, mas, sobretudo, pelo mérito, porque isso era a cara do Vinicius. A maior comenda que ele podia receber: ser cidadão benemérito dessa cidade que nós amamos, muito, muito, muito, como a uma pessoa. Só que teve um problema, o Tribunal de Contas requisitou o Sérgio Cabral, ele interrompeu o mandato e o requerimento foi arquivado. Isso nunca me saiu da cabeça. Naquele momento, eu li, corri para o orelhão e falei com ele. Ele já tinha lido e perguntou como podia ajudar. Eu perguntei-lhe se ele me autorizava a pedir ao Saturnino Braga, que era vereador, para desarquivar aquele requerimento. O Sérgio Cabral vibrou e mandou avançar. Fui para a Câmara Municipal, falei com o Saturnino que disse: estou dentro. No dia 19 de Outubro de 1993, dia do aniversário do poeta, à noite, a Câmara Municipal da cidade dele, estava lotada – Carlos emocionado – com artistas, dois ônibus de alunos meus da escola pública e muito mais gente para homenagear Vinicius. Então o Saturnino me preparou uma surpresa maravilhosa porque me condecorou com a Medalha Pedro Ernesto, a mais alta condecoração do Município do Rio de Janeiro e me pediu para que eu proferisse a palestra da noite e eu conduzi toda a cerimónia. Chico Alencar cantou, Baden Powel, enfim, foi maravilhoso. Vinicius de Moraes cidadão benemérito da sua cidade, a cidade que ele amava. Uma emoção muito forte. A outra forma de contribuição foi a decisão tomada familiarmente de mudar o nome da Toca da Bossa Nova, para Toca do Vinicius. Não foi uma decisão facilmente aceite. A minha mulher, descendente de uma família de comerciantes e com uma visão comercial aguçada, perguntou-me: Meu bem, você tem certeza disso? Tenho, respondi. Por quê? Porque quando você falou no nome Toca da Bossa Nova eu achei perfeito porque reunia todos os autores da Bossa, Carlos Lyra, Tom, João Gilberto, Pery Ribeiro, Menescal, Leny Andrade e tantos outros. Já pensou quantos nomes tem por trás desse nome, quantos milhares de fãs de cada um deles? Agora Vinicius? Nem Drummond. Ela tinha razão. Nesse mesmo ano, tinha saído um livro – Carlos vai pegar o exemplar em questão, memorialista como é, e mostra-nos o célebre “Três Antônios e Um Jobim” de Zuenir Ventura – que reproduz 40

uma conversa entre quatro Antônios barra pesada, Antônio Cândido, Antônio Calado, Antônio Houaiss e Antônio Carlos Jobim, os maiores intelectuais brasileiros. O livro é uma reprodução, não é uma paráfrase, ele gravou e reproduziu os diálogos. Isto em 1993, só para que você tenha uma ideia do significado do nosso poeta amado naquele momento, quando eu fiz a Toca. – Carlos procura no livro o trecho que nos quer reproduzir e começa, com voz pesarosa: Antônio Cândido: No momento Vinicius não está bem junto à crítica, digamos que ele não está na moda. Antônio Calado: Claro que não está. Antônio Cândido: Não está na moda, mas eu acho uma grave injustiça. - Então, naquele momento, de fato, Vinicius não era conhecido a não ser por um círculo muito estrito de pessoas. A Companhia das Letras estava, ainda, adotando a obra do Vinicius. Ele não tinha uma distribuição organizada. Ele não chegava ao grande público. Ele chegava a nós, ao nosso segmento, entendeu? A Companhia das Letras estava pegando a obra dele para fazer essa loucura maravilhosa que tem feito ao longo desses anos. Uma semana depois da Toca do Vinicius nascer, em 27 de setembro de 1993, – mais uma vez Carlos busca nas prateleiras da sua extraordinária biblioteca particular o exemplar que quer mostrar – no dia 7 de outubro, eu ganhei esse presente, capa dura, já Companhia das Letras, com a seguinte dedicatória:

“Amigo Carlos, sem você tenho a certeza de que não seríamos ninguém, como dizia o poeta. Toda a gratidão pelo seu empenho e dedicação ao poetinha. Com carinho de seus filhos e principalmente de sua filha Luciana de Moraes.” Então, aqui foi uma grande pedreira. Com o passar do tempo e os lançamentos que a Companhia das Letras foi fazendo da obra do poeta, Vinicius passou a ser mais fácil de carregar. Mas no início, no momento daquele artigo do Caderno B do Jornal do Brasil, não foi fácil. Mesmo assim, em 2008, tive necessidade de colocar na entrada uma facha grande dizendo Bossa Nova, porque Vinicius é poesia e eu cansava de sair daqui de dentro, onde ouço os comentários de quem está na porta, para explicar que aqui não era só Vinicius, também tinha os outros, Tom, Lyra, Menescal, todos. E foi em 2008, porque coincidiram, os 15 anos da Toca e o cinquentenário da Bossa Nova. Nesse ano aluguei um colégio e organizei um Congresso de 30 horas de atividades, naturalmente com um primeiríssimo time, Ruy Castro, Ricardo Cravo Albin, Tárik de Souza e mensagens e depoimentos dos maiores da Bossa. - Desde os cinco anos de idade da Toca que dois amigos meus, um de Curitiba e outro de São Paulo, andavam insistindo para eu franquear o conceito e eu sempre negando. Mas nesse ano percebi que estava em condições de fazer essas franquias. A Toca estava pronta. O


formato dela estava desenhado. A partir daqui, só a Casa da Bossa Nova como tinha sonhado o Ronaldo Bôscoli quando me convidou. Porque o meu plano sempre foi esse, de em torno da Toca, construir a Casa e isso foi acontecendo, não em concepção física, mas em substância, através dos concertos na calçada, dos shows, como o da Escola Naval, do Congresso. Agora precisamos achar um lugar, porque só agora a quantidade de peças do Museu é muito maior do que o espaço em que ele ficava, aqui em cima, o arquivo, é muito maior do que o espaço em que ele ficava, aqui em cima. Precisamos de um novo espaço e eu já estou conversando com o Governo do Estado para o efeito. Revista Valeu – Está para breve a Casa da Bossa Nova? Carlos Alberto Afonso – Não, o Instituto Bossa Nova Rio, que já está registrado, finalmente. O projeto comporta uma sala de exposições periódicas, uma sala de exposições permanentes, que será o Museu da Bossa Nova, uma sala de multimídia, para concertos, workshops, palestras e uma sala de pesquisa e biblioteca, cdteca, videoteca, etc. Então esse é o projeto do Instituto Bossa Nova Rio, que é a Casa da Bossa Nova. Mas, regressando, acabei por fazer as duas franquias aos meus amigos e com o resultado financeiro que daí adveio, fiz o Congresso. Um ano antes, mandei um email ao Prefeito César Maia sugerindo que o ano do cinquentenário fosse decretado Ano da Bossa Nova na cidade do Rio de Janeiro, para engajar os organismos públicos, escolas e demais estruturas públicas. Momentos depois ele respondeu aceitando e sugerindo que eu preparasse o decreto que ele aprovaria. Logo de seguida avancei com a ideia de tombar a Bossa Nova como Patrimônio Cultural da cidade. Tudo isto em 2007, como forma de preparar o ano do cinquentenário. Junto ao final do ano, quando vou tratar do registro da marca para poder franquear, verifico que entre o Natal e o Ano Novo de 2007, tentaram usurpar a minha marca. E quem? Os filhos do Vinicius de Moraes. Agora que era famosa, queriam usurpar-me a marca. Eu escolhi o melhor advogado da cidade, Vieira de Melo e disse-lhe: eu não tenho dinheiro para lhe pagar. Ele respondeu: você não vai me pagar, a causa em si vai me pagar. Levou 4 anos e em 2012 o INPI rejeitou a solicitação deles, reconhecendo o meu direito de precedência. – No olhar de Carlos Alberto, uma profunda e notória tristeza ao recordar essa traição injusta e indesculpável para com quem, tanto fez para elevar o nome do poeta na sua cidade e no país.

“Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça É ela a menina que vem e que passa Num doce balanço, caminho do mar...” Meu Deus!!!! Esse é o Rio que eu amo!

Carlos Alberto Afonso – Contei tudo isto João, para que perceba o que é a Toca e para que entenda que aqui, como dizia o meu avô, aqui tem um gajo. A gente luta, a gente briga. Revista Valeu – “Pela gente com olhos no chão, sempre pedindo perdão porque é quase nada”? Carlos Alberto Afonso – Sobretudo.

Texto e Fotos por João Moreira

Saio para a Rua Vinicius de Moraes com a noite tomando conta da Cidade. Caminho distraidamente em direção à famosa Garota de Ipanema, cabeça ainda cheia dos sons e das histórias da Bossa. Sento numa mesa virada à calçada bebericando um chope gelado e olhando na parede o fac-simile da letra original da música que celebrizou mundialmente a Bossa:

41


572 – The coolest bar in town. Passa pouco das 11h da noite de uma quarta-feira fria de final de inverno. À porta do mais recente bar da cidade, bem a meio da rua mais conhecida de Timbó, a Avenida Getúlio Vargas, um grupo conversa animadamente. Lá dentro, em torno de uma das mesas decoradas com pinturas de Ornella Jacobsen, uma das mais conceituadas artistas plásticas locais, meia dúzia de meninas acabadas de sair da adolescência festejam um aniversário. Ao balcão contam-se histórias de viagens ao som de The National, enquanto Robert Radunz, o eficiente barman e um dos proprietários do 572, prepara com inusitada agilidade um estranho coquetel à base de chocolate. Hoje, apesar de composto, o bar está calmo. A partir de amanhã e até ao final de semana, quem passar na, habitualmente tranquila, avenida por volta deste horário, surpreender-se-á com a agitação na calçada. Tem sido sempre assim, desde que Fernanda Oliveira, a proprietária do espaço, e Robert Radunz decidiram unir esforços e vocações e transformar a antiga lanchonete Sabor Brasil, no bar mais cool de Timbó. Para isso contribuiu, em muito, a mescla decorativa desenvolvida por Manny Pellin Gonçalves, a alma do Garimpo Hippe, responsável pela decoração, apostada num retro cosmopolita, que resume de forma extraordinária o espírito do próprio bar. De fato, o 572 é essencialmente isso, cosmopolita, o que já é elogio mais que suficiente para um bar em Timbó. Porém, mais surpreendente ainda é que, quem o visita à noite, jamais suporá que às 6h da manhã se transforma numa das mais acolhedoras cafetarias da cidade, com um ótimo café expresso e a tradicional panóplia de quentes e frios exigidos por quem tem de enfrentar um dia de trabalho. A ideia de criar dois espaços tão diversos partiu da Fernanda, a Fê, como é mais conhecida, formada em gastronomia e conhecedora dos hábitos da região, ou não fosse ela uma das proprietárias da lanchonete que deu origem ao novo bar. Este é um dos encantos do 572. O cariz camaleônico que Robert e Fê lhe quiseram entregar e um dos motivos da nossa conversa com o timboense que, sonhando com uma carreira musical, partiu para Londres, para se transformar num barman especializado em coquetéis. Revista Valeu - Como surgiu a ideia de abrirem o 572? Robert - Tudo começou quando eu conheci a Fernanda. Ela já tinha, neste espaço, uma lanchonete, meio defasada, antiga e ela estava com a ideia de investir, de renová-la, transformá-la em algo diferenciado. Aí, como eu tinha trabalhado em Londres, nesta área de bar e coquetelaria, ela achou interessante a gente unir esforços e montar este conceito de café bar. Eu tinha acabado de me formar e regressado para Timbó, depois de morar 42

em Balneário Camboriú e achei a ideia interessante. Fomos conversando, criando uma afinidade maior e começamos o projeto direto. Ela veio com a ideia, eu aceitei e começamos a trabalhar juntos. Tudo muito rápido. – Robert meio surpreendido, ainda hoje, ao recordar o processo que o transformou no barman mais cool da cidade.

Revista Valeu – Como foi essa tua experiência como barman, em Londres?

Robert – Eu nasci em Timbó, mas estudei, quase sempre fora. Primeiro em Blumenau, depois em Florianópolis, Curitiba, com regresso à Floripa para fazer Faculdade. Pelo meio, decidi ir para Londres, porque tinha algumas ideias relacionadas à música eletrônica e para me sustentar, acabei entrando neste ramo de bar. Fiquei por lá dois anos e durante esse período, acabei trabalhando exclusivamente em coquetelaria por um ano e meio, no “Number Five”, bem no centro de Londres. Era um baita prédio! No subsolo tinha um Club com área de festas, aí no andar térreo tinha o Cocktail Bar, no segundo andar tinha um restaurante gourmet, no terceiro um bar de whisky, no quarto um suíte hotel, até chegar no terraço, onde tinha um outro bar, que só abria no verão. Foi uma experiência fantástica, porque acabei aprendendo muito, em especial sobre mixologia, criação de drinks, misturas de bebidas e as suas tendências. Desde aí o meu interesse só aumentou. Tudo isso acabei trazendo para o 572, como o conceito de fazer os coquetéis na frente dos clientes, que no Brasil é muito pouco comum e eu acho muito massa!

Revista Valeu – E como tem sido a adesão a essa proposta? Robert – Muito boa. Nós tivemos a preocupação de não querer trazer apenas coisas de fora, então optámos por criar alguns coquetéis próprios, com nomes relacionados com alguns símbolos da cidade e acho que isso também funcionou, chamou a atenção das pessoas, como o “Morcego da Praça” e o “Quero Quero”, ou outros, mundialmente conhecidos, como o “Cosmopolitan”, de que fizemos a nossa versão, com cachaça.

Revista Valeu – Regressando um pouquinho à Londres, onde ficou a música nesse teu trajeto?


Robert – Mais como hobby. Enquanto estive em Balneário até produzi algumas coisas, gravei uns álbuns, mas sempre duma forma mais marginal. Feito quando sobra um tempo, o que, em Londres raramente acontecia. – Risos. – Talvez agora comece a colocar aqui no bar, no meio de uma playlist, até porque são musicas bastante experimentais, menos comerciais. Mas, uma ora rola.

Revista Valeu – Como foi o teu regresso a Timbó Robert – Acabou por ser bem legal com este projeto. O fato de estar a trabalhar nesta área acaba por ser como se estivesse lá fora. Sempre focado nos coquetéis e isso é estranho, porque nunca pensei sentir-me como se estivesse lá fora.

Revista Valeu – Voltemos ao bar. Como aconteceu esta revolução estética que transformou a antiga lanchonete “Sabor Brasil”, num dos espaços mais atrativos da cidade?

Robert – Foi bem rápido. A Fê já tinha a ideia na cabeça. Como ela tinha uma ligação com o Manny, do Garimpo Hippie, que foi quem fez a decoração, e houve uma conexão legal entre todos, as coisas acabaram por acontecer bem depressa e resultaram neste espaço diferenciado. – Robert visivelmente feliz.

Para que não restem dúvidas, regressamos sexta-feira à noite ao spot mais badalado da cidade. Pouco falta para o relógio da Igreja Luterana, quase em frente, anunciar a chegada de um novo dia. Na calçada, dezenas de pessoas aglomeram-se em pequenos grupos, dificultando o acesso ao interior do bar, onde é praticamente impossível circular. Chegamos ao caixa, onde Fê comanda as operações, distribuindo umas originais senhas de bebida, em forma de pequenas bases de copo, passaporte para o relaxe pretendido ao fim de uma semana de trabalho. No telão por cima do balcão, uns skaters fazem ousadas acrobacias pelas ruas de Nova Iorque, enquanto o som grunge de uma banda de Seattle inunda o espaço, uns decibéis acima do necessário, com que ninguém parece incomodar-se. De regresso à calçada, para um cigarro tranquilo, somos tomados pela estranha sensação de não estar em Timbó, mas na Lapa carioca ou num dos agitados bares madrilenos.

Talvez essa seja a grande sacada do 572, fazernos viajar um pouco, sem sair do mesmo lugar. Texto por João Moreira Fotos por 572

Revista Valeu – Explica um pouco o conceito que vocês decidiram instituir.

Robert – A nossa ideia foi criar um espaço que oferecesse opções variadas, ainda que em pouca quantidade, que atendesse tanto os locais, como pessoas que viessem de fora, com uma lógica inovadora na decoração e nos produtos oferecidos. Mas, mantendo a sua tradição de cafetaria da parte da manhã. Isso também foi uma ideia ousada, inovadora. A verdade é que conseguiram o objetivo. O 572, não só conseguiu manter os seus tradicionais clientes madrugadores, como cativou uma ecletíssima gama de novos clientes que se reveem no conceito moderno, mas aconchegante, do espaço noturno.

43


QUAL A TRILHA SONORA DA SUA VIDA? Parte 3 – Sinfonia Simples Planejei... planejei... planejei... e tudo estava certo para este novo texto. Sim... fazemos com cuidado e muito carinho, pois o objetivo é buscar com que o leitor reflita ou que seja conduzido para pensamentos que por vezes não nos deparamos no corrido e atribulado dia a dia. Enquanto escrevo normalmente coloco uma música de fundo para ser a trilha sonora deste momento. Dediquei um par de horas para pesquisar a melhor música que fizesse perfeito encaixe com o momento de dedicação da escrita e me deparei com um resultado que me deixou muito feliz. Sei que a próxima frase que escreverei pode ser um pouco complicada, mas acompanhe: você está lendo aquilo que estou ouvindo. A surpresa? Bem... todo planejamento mudou quando ouvi as primeiras notas desta singela obra, então a surpresa é: tudo pode estar 100% certo, mas, de repente, tudo pode mudar 100%. Escolhi Simple Symphony Op 4, uma “Sinfonia Simples” para cordas composta por Edward Benjamin Britten. Benjamin (1913-1976) foi um compositor britânico contemporâneo, maestro e músico, majestoso em piano e viola. A melodia desta sinfonia reflete de forma digna as origens do compositor que nasceu em Suffolk à beira mar, condado da Inglaterra. Em momentos, principalmente na parte mais romântica da obra, se você fechar os olhos e deixar a mente criar, é possível visualizar um dia nublado em uma praia deserta onde gaivotas plainam no vento gelado por cima das águas quase paradas com ondas pequenas. Sua origem reflete em praticamente todas as suas obras. Todas parecem ter este mesmo brilho, da mesma forma que caracterizamos um cozinheiro através de ingredientes específicos ou temperos básicos. Benjamin faz isto nas suas obras através das notas musicais. Composta quando Benjamin tinha apenas 20 anos, por volta de 1933, esta obra possui quatro movimentos contendo dois temas cada. Aqui aparece algo novo na nossa leitura: tema e movimento. MOVIMENTO podemos dizer que é a divisão da música em partes. Neste caso, a obra “Simple Symphony” é dividida em 4 partes, ou seja, nos seguintes movimentos: Boisterous Bourrée, Playful Pizzicato, Sentimental Saraband e Frolicsome Finale.

44

TEMA é a melodia base de uma música. Para facilitar o entendimento, imagine juntar 100 músicas e ouvir todas. O tema é aquele conjunto de notas que quando você ouve distingue a música das demais. Para exemplificar, a mundialmente conhecida “Parabéns a você” possui um tema que pode ser variado de acordo com o interprete, porém só em iniciar as primeiras notas você já reconhece que é ela. Limitarei desta vez a sugestão musical de forma simples merecido para uma sinfonia simples. Simple Simphony, Edward Benjamin Britten, 1933 Texto por Esdras Floriani Holderbaum

I.Boisterous Bourrée (temas: Suíte nº1 para piano e Canção) II.Playful Pizzicato (temas: Scherzo para piano e Canção) III. Sentimental Saraband (temas: Suíte nº3 para piano e valsa para piano) IV.Frolicsome Finale (temas: Sonata para piano nº 9 e Canção)


Um 2015

musicalmente democrático Quando recebi o convite para escrever sobre música nova e alternativa para esta edição da VALEU!, eu sabia que não conseguiria escolher apenas um artista ou álbum, especialmente em um ano que já ficou marcado com tantos discos incríveis. Nesse texto, além de apontar alguns destaques musicais do ano, busco mostrar como 2015 parece querer lembrar que a música boa não possui gênero, pois transcende qualquer espécie de classificação ou rótulo que já foi ou ainda será criado. Do folk ao hip-hop, há sempre muita música interessante sendo feita!

Kendrick Lamar To Pimp a Butterfly (TDE)

A autorreflexão de Kendrick surge já nos momentos iniciais do álbum, na canção Wesley`s Theory, onde ouvimos George Clinton cantando sobre uma batida produzida por Flying Lotus “Gather your wind, take a deep look inside, are you really who they idolize?”. Essa batalha interna do artista permeia todo aspecto conceitual deste álbum, principalmente através de um poema cujos versos são declamados em pequenos trechos por Kendrick ao longo do disco. Ao mesmo tempo em que cada faixa contém um pouco dessa batalha, é importante frisar que elas cumprem com maestria aquilo que é o objetivo principal do álbum: enfrentar as injustiças já institucionalizadas contra os negros na América. Não é difícil entender por que a primeira frase que ouvimos no álbum é “Every nigger is a star”, um sample da canção de mesmo nome de Boris Gardiner. Musicalmente, Kendrick novamente mostrou ser um artista diferenciado, entregando uma obra que vai muito além do hip-hop convencional, trazendo elementos do jazz, funk e spoken-word poetry por todo o álbum; transformando esse em um verdadeiro estudo da música negra norte-americana. E, justamente por isso, não é uma obra fácil de ser absorvida. To Pimp a Butterfly é uma obra-prima e, se a “revolução não será televisionada”, como já dizia Gil Scott-Heron, ela certamente é transmitida através das canções de artistas como o Kendrick Lamar, que rapidamente vai posicionando seu nome entre os grandes da música. Ouvir: King Kunta, Alright e u

Jamie xx In Colour (Young Thurks)

Nada na carreira do Kendrick Lamar é “de graça”, e To Pimp a Butterfly chega para não deixar a menor dúvida disto. Se em seu álbum anterior, o excelente Good Kid M.A.A.D City, estamos diante de uma obra conceitual que conta e expõe as mazelas do complicado crescimento de Kendrick (e de outras milhares de crianças negras) em Compton/EUA; em Butterfly ouvimos um Kendrick ainda mais consciente tentando manter seu compromisso social, agora em meio às armadilhas criadas pelo sucesso. Quão difícil é permanecer fiel ao seu objetivo perante todo um mundo novo de distração causado pelo sucesso? A fama naturalmente anestesia.

No início do videoclipe da música Sleep Sound, lançada por Jamie xx ainda em abril de 2014, somos lembrados de que a música é arte criada através da combinação de sons e do silêncio. Na sequência, o belíssimo vídeo conta com membros do Centro para Surdos de Manchester, que dançam de acordo com as vibrações sentidas pela música e também pela dança da artista Sofia Mattioli, diretora do vídeo. 45


Talvez a característica mais festejada e inerente a qualquer expressão artística seja justamente a capacidade de ela levar o espectador a conhecer ou imaginar lugares e situações até então inéditos. Com o álbum de estreia da carreira solo do britânico Jamie xx (também produtor e membro do grupo britânico The xx), somos transportados para dentro de um clube noturno de Londres, e nos 43 min. seguintes o que ouvimos (e sentimos) é a história de toda uma cultura e cena musical vinculada à vida noturna britânica nas últimas duas décadas. Desta maneira, ainda que o álbum seja majoritariamente composto por produções eletrônicas (minimalistas, e utilizando samples de outras canções e artistas), há espaço para o hip-hop, chillwave e pop. Cada trecho do In Colour transmite uma gama de sentimentos ao ouvinte. Passagens grandiosas e simultaneamente intimistas percorrem todo o álbum. Assim como a capa do álbum já sinaliza, o In Colour é um destaque vivaz na música moderna, merecendo todos os elogios que vem recebendo. Ouvir: Loud Places, The Rest is Noise e Gosh

Sufjan Stevens Carrie & Lowell (Asthmatic Kitty)

“It’s something that was necessary for me to do in the wake of my mother’s death—to pursue a sense of peace and serenity in spite of suffering. It’s not really trying to say anything new, or prove anything, or innovate. It feels artless, which is a good thing. This is not my art project; this is my life.” Elementos confessionais acompanham toda a carreira do Sufjan Stevens, mas esse pequeno trecho acima, retirado de uma entrevista feita pela Pitchfork com o músico nascido no estado do Michigan, mostra que em Carrie & Lowell sua vida nunca foi detalhada com tanta clareza e sensibilidade. O título do álbum faz referência à mãe, falecida em 2012, e ao padrasto do compositor, que hoje trabalha na gravadora criada por Stevens. Carrie, diagnosticada 46

bipolar e esquizofrênica, abandonou inicialmente a família quando Stevens ainda era criança, voltando a ver seus filhos durante o período em que ela era casada com Lowell Abrams (um período de esperança, como canta Stevens na faixa que leva o título do álbum). Em Carrie & Lowell, estamos diante de um Stevens que, através do amadurecimento natural que a vida proporciona, finalmente se sente preparado para ficar em paz com o seu passado, sem apontar vilões ou vítimas, e entendendo que o viver, aos poucos, esclarece relações que se mostravam amarguradas e conturbadas. A estrutura musical do álbum é composta basicamente por voz e violão, criando assim um ambiente (propositadamente) intimista. Stevens foi um dos músicos responsáveis pelo surgimento do chamado indie folk nos anos 2000, preparando o caminho para artistas como Bon Iver (vencedor de 2 prêmios Grammy em 2012) e Fleet Foxes. A narrativa de Stevens alcança seu ápice neste álbum, fazendo de sua nova obra uma bela e melancólica viagem sobre seus conflitos, anseios, a vida e a morte (e daqueles que ama). Ouvir: Should have known better, Death with Dignity e Carrie & Lowell

Kamasi Washington

The Epic (Brainfeeder)

O brasileiro parece temer o jazz. Não que o jazz seja complicado de se ouvir, é que crescemos (a grande maioria das rádios brasileiras são extremamente comerciais) ouvindo música pop. E o jazz, a priori, é exatamente o oposto do pop. Estreitar essa relação é o grande mérito do álbum de estreia desse saxofonista californiano de 34 anos; The Epic levou o jazz novamente ao mainstream da música. O nome Kamasi Washington começou a ganhar força através de suas colaborações (sempre acompanhado de seu saxofone) em discos de artistas como Kendrick La-


mar e Flying Lotus, chamando assim a atenção de revistas e sites especializados em música. Para entender o fenômeno que Washington vem criando, basta checar publicações mundialmente conhecidas e aclamadas como Rolling Stone ou Pitchfork, que incluíram o The Epic em sua pauta, mesmo sendo veículos que tradicionalmente não resenham discos de jazz. Assim, um artista de jazz voltou a dividir o espaço com outros artistas de fácil absorção pelo mundo pop. O álbum faz jus ao seu nome, possui quase três horas de duração, dispostos em dezessete músicas e três discos físicos, que também representam três atos (The Plan, The Glorious Tale e The Historic Repetition). Washington cresceu junto com aqueles que o ajudariam na elaboração e execução de seu álbum. “Nós sabíamos desde nossa infância que gostaríamos de ser músicos”, diz Washington em entrevista à rede de rádios públicas americana (NPR). O estilo predominante é o free jazz, imortalizado por John Coltrane. Mas esqueça os rótulos, nesse épico musical há referências vindas do soul, funk, R&B, afrobeat, entre outras. A música encanta e, depois disso, é praticamente automático notar que Washington é o senhor de seu próprio tempo, feeling e jazz. Kamasi Washington pertence a um coletivo de artistas situados em Los Angeles que não pode mais ser ignorado. O jazz nunca precisou de um revival, mas é certo que ele e seus amigos estão liderando uma pequena revolução na relação do jazz com o mainstream musical. O mundo da música (e nós!) certamente só temos a ganhar com isso. Ouvir: The Next Step, The Rhythm Changes e The Magnificent 7 Texto por Leo Victor Koprowski

47


PARQUE HENRY PAUL

Orgulho de ser timboense

ORGULHO DE SER TIMBOENSE 48


Dos sonhos... Quantos de nós, não alimentamos sonhos, por uma vida inteira, sem ao menos tentar realizar, uma mínima parte que seja... Alguns sonhos, dependendo do que se oferece em sua cidade, são quase impossíveis de alcançar. Quando comecei a ensinar balé para adultos, pude observar a quantidade de pessoas, que adiam estes sonhos. No caso do balé clássico, a dificuldade de execução dos movimentos em si, os altos custos, e mesmo a ausência de bons profissionais, leva a um adiamento deste “sonho”. Trata-se de atividade artística, que exige certo investimento ( fantasias, sapatilha de ponta). Para a criança pequena é um mundo novo que se abre, de cores, sons e movimentos que na maioria das vezes, não fazem parte (infelizmente) da grande maioria das famílias brasileiras. Uma criança de 4 anos dificilmente decide- “Hoje vou começar minhas aulas de balé!”, mesmo porque, talvez nem saiba do que se trata...e como são levadas na maioria das vezes por suas mães, são alunas(os), que precisam de muito estímulo,(dancinhas, brincadeiras, dia da fantasia, etc) para manter o interesse nas aulas. Criança sempre foi minha especialidade, fiz alguns cursos específicos para crianças pequenas. E dentre muitos detalhes importantes aprendi, que não é possível dar exatamente a aula que se planejou, chega na hora da aula, muda tudo, e acaba surgindo delas mesmas, algo diferente, e é preciso acompanhar o que flui delas. E lá vem uma aula totalmente diferente...

É importante despertar o lado criativo delas. O momento da apresentação , é o que elas mais gostam. Ansiedade e um pouco de nervosismo, antes de pisar no palco, é normal para aquelas que começam a ser responsáveis. E assim cheias de emoção e alegria elas dançam o seu melhor. Por outro lado, há poucos anos, surgiu o “balé adulto, que tem sido uma surpresa, muito gratificante. Ao contrário das pequenas, as adultas, escolheram estudar balé, geralmente são ex- alunas, que tiveram que parar as aulas, por mil e um motivos , casamento, faculdade, falta de escolas, etc.. É adorável descobrir em seus rostos a alegria de aprender, ou executar um passo novo. E a tão esperada sapatilha de ponta! Essas meninas me dão muito orgulho! A disciplina durante a aula é exemplar. Até me assusto com o silêncio e dedicação... É notável o progresso destas alunas, em poucos meses, a maioria já esta executando movimentos nas pontas. Então nunca é tarde para realizar um sonho antigo, se formos atrás deles, a vida vai abrindo portas. Num mundo repleto de contradições, a arte traz um pouco de alento aos mais sensíveis... Vamos dançar? Texto e Fotos por Eliane Kinder

49


50


51


Cinema Todos nós, por um motivo ou outro, temos um filme que nos marcou para sempre e que podemos definir como “O Filme da Nossa Vida”. Talvez não seja o melhor filme que vimos, nem sequer se enquadre naquilo que ousamos definir como “bom cinema”, mas por qualquer razão, é o filme de que nos recordamos com mais frequência e aquele que nos vem à cabeça quando, desafiados, nos pedem para falar sobre cinema.

o filme das nossas vidas

“O filme das nossas vidas” pretende ser isso mesmo. Um desafio à capacidade de passarmos para o papel a magia que olhamos na tela e que nos marcou para sempre. Um estímulo à forma como interpretamos aquilo que vimos. Um olhar pessoal sobre o olhar, já por si pessoal, do realizador. A Revista Valeu lança um desafio aos seus leitores e colaboradores, para que nos enviem, para publicação, o seu olhar sobre o filme que mais os marcou, o filme a que se arriscariam a chamar o filme da sua vida.

“ Guarda-chaves: (...) Só as crianças esmagam o nariz nas vidraças. Só as crianças sabem o que procuram, disse o principezinho. Perdem tempo com uma boneca de pano, e a boneca se torna muito importante, e choram quando a gente toma... Elas são felizes... disse o guarda-chaves.” O Pequeno Príncipe A Canção do Sul não é o único filme da minha vida, mas marcou muito minha infância. Não lembro quando foi a primeira vez que assisti, mas lembro de alugar muitas vezes o VHS na Videolocadora Chaplin. 52

O filme conta a história de Johnny, um menino que vai passar um tempo na fazenda da avó, na Georgia. No caminho pra fazenda, indo com seus pais e a empregada Tempy numa carroça puxada por cavalos, Johnny ouve falar sobre o Tio Remus pela primeira vez, quando seu pai conta uma de suas histórias. “O Tio Remus é real?” – pergunta. Chegando na casa da avó, descobre que seu pai não vai ficar e fica inconformado com a situação. Um dia, decide fugir e voltar para a casa do seu pai. No caminho, ouve um senhor contando histórias para algumas pessoas ao redor de uma fogueira. Fica escondido atrás das árvores, mas sua presença é logo notada pelo, então desmistificado, Tio Remus, que, depois de saber que o garoto está tentando fugir, o leva para sua casa dizendo que vai apanhar algumas coisas para ir com ele.


O filme foi baseado nos contos afro-americanos, da época da escravidão, compilados por Joel C. Harris, no fim do século XIX, e produzido e lançado pelo Walt Disney Studios no ano de 1946. Entre os atores, estavam Bobby Driscoll (Johnny), um menino que alcançou o sucesso muito cedo e que acabou caindo no esquecimento, virando mendigo, alcoólatra e faleceu prematuramente, James Baskett (Tio Remus), Hattie McDaniel (Empregada Tempy), Ruth Warrick (Sally), Luana Patten (Ginny), entre outros.

“Que tal passar lá em casa e pegar uma broa de milho? E quem sabe batata doce”. Talvez não tenha nada a ver, mas o estilo de vida do Tio Remus, sua casa, seu jeito de ser, agora me lembram a Tuta Mueller. Sabe essas pessoas que vivem sozinhas, são simples, e fazem com que a gente tenha vontade de estar perto, de escutá-las... são pessoas que trazem uma sabedoria, pelo jeito de viver a vida. Não que elas sejam as pessoas mais felizes do mundo, mas ensinam a gente a valorizar as pequenas coisas, a simplicidade, a amizade. São mesmo especiais! Johnny afirma pra ele que não pretende voltar nunca mais e o Tio Remus começa a rir e repete a frase “Eu não vou voltar! Foi exatamente o que o Coelho falou!” Então, acontece uma coisa mágica... o “zip a dee doo dah”... e o filme começa a se misturar com desenho. As histórias contadas por Tio Remus eram sobre um coelho, constantemente perseguido pela raposa e por um urso meio bobalhão. Elas sempre traziam uma mensagem, que casavam com o momento que Johnny estava vivendo. Depois de ouvir a história, e convencido a voltar pra casa da avó, Johnny começa a curtir suas férias no campo. Faz amizade com Toby, filho de uma das empregadas de sua avó, e com Ginny, da família Favors, que tinha dois irmãos, super malcriados, sendo que o mais novo era quem comandava (e era o mais inteligente) e o irmão mais velho, digamos, não era lá muito esperto, eles eram mesmo como a raposa e o urso das historinhas do Tio Remus.

A música Zip-a-Dee-Doo-Dah”, de Allie Wrubel com letras de Ray Gilbert, ganhou o Oscar de mulher canção, foi baseada na música folk, que precedeu a Guerra Civil Americana, “Zip Coon” (talvez não seja conhecida pelo nome, mas se você ouvi-la, com certeza reconhecerá). O filme foi acusado por muitos de fazer apologia ao racismo, pelo fato dos empregados serem negros e também por não haverem negros em cargos de destaque. Apesar de não estar explícito no filme o ano em que se passa, por vários fatores, presume-se que tenha sido depois da Guerra da Secessão, uma época em que, apesar da escravidão já ter sido abolida, não se via a ascensão de negros na sociedade americana. Na minha opinião, o filme apenas retratava a realidade de uma época. Para mim, o filme era mágico! Não só pelo fato de misturar filme e desenho. Era mágico porque me fazia querer brincar dessas brincadeiras de antigamente, quando um galho de árvore vira um cavalo, uma folha de inhame jogada no riacho um barquinho... quando a criatividade criava os brinquedos e as brincadeiras. Este filme fez parte da minha infância e acho que teve uma influência sobre ela. E foi uma época tão boa... “As flores e os animais são mesmo interessantes. Eles podem enxergar seu coração e saber quando está feliz.” Tio Remus Texto por Clara Weiss Roncalio

53


Crônicas de viagem Finlândia. Passeio na cidade de Tampere. Ir para a Finlândia no período de inverno parece loucura, mas nada que um ar gélido nas maçãs do rosto e na ponta do nariz não te faça pensar que tudo vale a pena, mesmo com frio. E, além disso, adentrar uma cultura tão rica e tão acolhedora por meses de inverno intenso foi até fácil e deixou muita saudade. A Finlândia é um país cheio de mistérios para nós que vivemos quase no extremo sul do planeta. E eles, estão lá em cima, fazem parte dos países nórdicos, tendo em seu território a linha que traça o Círculo Polar Ártico. Faz fronteira com a Rússia, Noruega, Suécia. Sua capital é Helsinque, porta de passagem para o Golfo da Finlândia no Mar Báltico, que permite acesso a países como a Estônia, destino comum de muitos finlandeses. Deixando de lado a parte geográfica do país e seus vizinhos, preciso ressaltar incessantemente que a Finlândia é um país com uma cultura muito rica e interessante. A minha ida à Finlândia foi com um propósito totalmente acadêmico, devido à coleta de dados para minha dissertação de mestrado, e também profissional, para lecionar inglês na Educação Infantil. Mas ao pisar lá me dei conta de que não se resumia somente a isso. Era para além de sonhos de leituras e de desejos escritos, era viver a cultura, conhecer pessoas, trocar experiências, ser eu em um lugar totalmente exótico daquilo que meus olhos estavam acostumados a ver, pra isso, foi preciso enxergar vivendo o lugar. Foram quase três meses ‘morando’ na Finlândia, entre os meses de Janeiro a Março de 2014. Durante esse tempo, tive a oportunidade de trabalhar em uma Instituição de Educação Infantil na cidade de Jyväskylä, como professora voluntária de inglês para crianças da pré-escola, a partir do intercâmbio ‘Cidadão Global’ da ONG AIESEC. Nada mais gratificante que poder exercer minha profissão em um país totalmente desconhecido. O chegar na Finlândia foi a maior correria. Sem contar é claro o cansaço da viagem, pois fiquei dois dias inteiros entrando e saindo de aeroporto e avião. Mas de qualquer forma cheguei sã e salva na terra nórdica. E encantada com o gelo que foi se formando na janela do avião na medida que sobrevoávamos o mar Báltico. De54

sembarquei em Helsinque e peguei um trem direto para a cidade de Jyväskylä, onde a família Huikko estava me esperando. A família me recebeu bem, foi acolhedora e até hoje sinto saudades dos dias que passamos juntos. Em um período de seis semanas participei e fui integrante desta família e da escola Meritähti (Estrela do Mar). O meu tempo foi dividido em algumas tarefas: meio período trabalhando na escola, o outro período na Universidade de Jyväskylä entrevistando professores e observando suas aulas, e, por fim, aproveitando também o que a cidade tinha a oferecer. Procurei neste tempo encaixar visitas a museus, escolas, passeios e atividades típicas e rotineiras dos finlandeses. Como, por exemplo, nadar em um lago congelado, ir para a sauna diariamente, tentar esquiar, tentar mais algumas vezes fazer snowboard (tarefa que não obtive sucesso algum), patinar no gelo, fazer caminhadas pelas florestas e montanhas, ir aos pubs e experimentar a maior parte de comidas tradicionais do país. Confesso que fiz milagre em tão pouco tempo. Enquanto estive em Jyväskylä fiz uma viagem com algumas colegas da AIESEC. Em três, partimos para a região da Lapônia. Primeiramente paramos por dois dias em Rovaniemi, terra do Papai Noel. O lugar é encantador, mágico! Pra quem gosta de fantasia, se perde no lugar. Dispensa maiores explicações: se você algum dia for para a Finlândia, não deixe de ir para a Vila do Papai Noel em Rovaniemi. A cidade oferece outros pontos turísticos que valem a pena serem visitados, como o Museu ‘Arktikum’. Esse museu tem uma imensidão de acervos do país, do seu povo indígena Sami. Outra parte é totalmente destinada a aurora boreal, onde apresentam um pequeno filme 3D para dar um gostinho àqueles que não conseguiram enxergá-la pelo céu da Lapônia. Como era o meu caso. Partimos então mais para o norte do país, ultrapassando a linha imaginária do Círculo Polar Ártico. O destino foi Ylläs, uma estação de esqui, com diversas atividades na neve, espaços para acampamentos e gastronomia diversificada. Foi uma das experiências mais interessantes e malucas que eu tive. Fomos até a cabana fazendo “snowshoeing”, com direito a parada para fazer almoço em uma pequena fogueira ao lado do rio, em uma caba-


Talvikki da AIESEC de Jyväskylä.

Dia de patinação no gelo com as crianças da escola .

Visita na vila do Papai Noel, em Rovaniemi, na Lapônia.

Veeti, filho mais novo me ensinan do a descer a mon tanha coberta de gelo.

na sem aquecimento, ou sequer paredes. Ao chegarmos na cabana que iríamos passar a noite, nos preparamos pois não havia aquecimento, muito menos água quente para banho e energia. Toda uma logística foi pensada e planejada para não passar frio, fazer comida e tomar banho. Depois de buscar lenha, fazer fogo, derreter neve para termos água, iniciamos os trabalhos para a janta. No fim tudo deu certo. Uma aventura que jamais esquecerei! Depois desse tempo inesquecível em Jyväskylä, chegou o dia da despedida. Parti para Helsinque, a capital do país. Eu diria que é a metrópole da Finlândia, porque lá se concentram muitos estudantes estrangeiros, a cidade quase não dorme, e o movimento acontece dia e noite. Apesar de não ser uma cidade territorialmente grande, em que é possível conhecê-la caminhando, o transporte público é muito eficiente, rápido e acessível. A arquitetura da cidade é magnífica, com traços da época da ocupação russa misturada com a modernidade de construções mais atuais. Helsinque mostrou-se uma mistura de etnias e culturas. De um lado, o mar parcialmente congelado, com suas profundezas cheias de vida. Do outro lado, resquícios de neve pelo chão, árvores com seus galhos secos esperando pelo primeiro sinal de primavera. Uma cidade que não para, com barulhos, ruídos de cidade grande, com vozes em diferentes idiomas, com muita informação. Suas ruelas, ora estreitas demais, outras nem tanto, desvendavam cheiros inimagináveis da culinária finlandesa, tailandesa, japonesa, enfim, uma infinidade de aromas. Penso que Helsinque mostrou-se assim pra mim: pequena, mas grande, cheia de descobertas a serem feitas. Pra quem tem curiosidade em conhecer, é preciso pisar nestes cantos mais escondidos, viver um pouco dos costumes da capital, ouvir o idioma local, misturar-se com gente de outros cantos do mundo, pra que possa sentir a verdadeira cultura da cidade de Helsinque. Ter vivido todos esses momentos possibilitou me conhecer melhor, partilhar e me permitir mais ao desconhecido, a enfrentar meus medos e satisfazer desejos. Sem dúvida, essa foi uma das melhores viagens que fiz. E quando falo da Finlândia é nítida minha paixão por aquele lugar e pelas pessoas que conheci. Texto e fotos por Thyara Antonielle Demarchi

Snowshoeing em Ylläs.’

55


postais perdidos Texto e fotos por João Albuquerque Carreiras Baía Lapataia, Parque Nacional da Terra do Fogo. 1-XII-08 Meu caro Sei que soa pretensioso, mas este vai ser o postal mais remoto que vais receber. Mais abaixo só há gelo. Escrevo a 11832 Km de Lisboa, neste fim a sul, o mais ao sul que uma viagem normal permite, daquelas que não implicam barcos a rasgar glaciares. A solidão é partilhada com a cidade, com a paisagem, tudo é remoto, vasto e infindável. Questiono por que raio o homem aqui quis chegar e aqui se estabeleceu. Há uma enorme beleza, mas uma omnipresente ausência. Não deixei um bilhete dizendo “Fui para a Patagónia”, como Chatwin, mas o certo é que vim e continuei até ao fim do mundo, chegando a esta terra do fogo e dos pinguins. Descubro uma afinidade com a distância, com os espaços vastos, com a falta de limites. Nesta primeira viagem em que me atiro sozinho ao sabor dos ventos e das minhas vontades, descubro uma faculdade terapêutica, uma absoluta sensação de bem estar. Descubro também como é possível viajar só e encontrar a companhia de gente tão diversa e de tão diversas origens. Descubro que a originalidade de viajar quase um mês sozinho mais não é do que uma banalidade perante pessoas que encontro a viajar três meses, seis meses ou um ano. Também não pretendia ser original, apenas queria encontrar mais espaços no meu mundo, no fundo talvez se possa dizer como numa pintura que encontro no porto: “Ushuaia, fin del mundo, principio de todo”. Grande abraço, João Este texto foi mantido no original, seguindo as regras da ortografia utilizada em Portugal antes da introdução do acordo ortográfico.

56


57


“em busca das origens”

Lapa, terra de lenda, de história e de fé! Que terá em comum o Rio de Janeiro, S. Paulo, Angra dos Reis, Araçiba no Brasil, com o Porto, Braga, Vila Viçosa ou Sernancelhe em Portugal?! Tão-somente um Culto Mariano antiquíssimo dedicado a Nossa Senhora da Lapa! Na era da globalização, é interessante constatar como a informação “voa” por todo o lado, e descobrir ou redescobrir os mais variados temas e assuntos é fácil, muitas vezes dependendo de um simples “click” no “enter” do computador, conseguindo-se percorrer grandes distâncias físicas em segundos, sem sair do mesmo lugar. Em tempos idos,quando não existia esta simplicidade de conexão, foi necessário força, perseverança e vontade, para permitir aos seres humanos volutear-se pelos quatro cantos do mundo com obstinação, coragem e fé, desenhando na humanidade uma mistura de culturas e raças, transformando os povos e imprimindo-lhes uma identidade ainda hoje latente. A ciência tem curiosidade nessas misturas de ADN, mas o interesse do homem, concentra também o seu campo de pesquisas noutras formas e manifestações de ser e existir. Uma delas é a Fé! As origens da religiosidade são um dos laços predominantes de união entre povos, relacionando-os com outras culturas, transformando-os e dando-lhes um “cunho característico”, que ostentam e compartilham para a posteridade. Não é por acaso que, ao viajarmos pelos mais díspares destinos, somos surpreendidos pela sensação de encontrar algo que já faz parte do nosso conhecimento ou da nossa vivência: é a percepção de uma informação partilhada, mesmo não sabendo qual o início ou o porquê dessa partilha. Um exemplo, é surpreender a quem viaja com destino a Portugal, ver nomeado nos roteiros ou nas visitas turísticas ao Porto ou a Sernancelhe, este no interior das Beiras, o nome “Lapa”, relacionando-o de imediato com Rio de Janeiro ou S. Paulo no Brasil, consciencializando-se de forma instantânea que algo os relaciona entre si, afilando uma sensação de pertença. Isso se denomina regresso às origens! Em 978 Almançor, a caminho de Santiago, passou pelo interior da Beira Portuguesa, arrastando com enfurecida raiva religiosa tudo o que de fé contrária se impuses58

se ao seu traçado caminho, forçando a fugir de pavor Religiosas que transportaram consigo o seu mais querido e amado símbolo de fé, a Imagem de Na Senhora, procurando escondê-la no mais insólito e recôndito lugar do país, hoje denominado “Lapa”, no alto da serra com o mesmo nome. “Lapa” é um regionalismo beirão, significando pedra ou gruta rochosa. Foi no interior de uma lapa que a Imagem foi encontrada 500 anos depois, por uma pequena pastora muda, que sendo agraciada pelo milagre da fala, fez despoletar um culto fortíssimo de devoção à denominada Nossa Senhora da Lapa. Em ua honra foi erguido um Santuário, e Imagens representativas foram transportadas em caravelas para a India e Brasil, sendo a difusão deste culto facilitada pela actividade missionária da Ordem Jesuíta No Brasil a Devoção à Senhora da Lapa espalha-se rapidamente, levantam-se várias capelas ou igrejas em Sua honra e louvor, atingindo imenso impacto, retornando a Portugal pelas entusiásticas pregações do missionário brasileiro Pe. Ângelo Sequeira que nas cidades do Porto e de Braga conseguiu dinamizar de forma profunda esta mesma devoção. De tal forma no Brasil, Esta foi querida e acarinhada, que a imagem existente no Santuário da Lapa, (Casa Mãe do culto), em Sernancelhe, na actualidade ostenta uma coroa cravejada de diamantes e um colar de 20 brilhantes, feitos com os primeiros diamantes extraídas das minas da Casa de Bragança no Brasil, oferta de D. Pedro II, ( 1677, junho)* e a Igreja da Lapa no Porto, é detentora do Coração de D. Pedro IV, (I do Brasil). Nos dias que correm, facilmente ouvimos falar de “Lapa” ou de “Menino Jesus da Lapa” no Rio de Janeiro, em Silva Jardim - S. Paulo, Vazante- Minas Gerais, Cubatão, Araçuaí- Minas Gerais, Ravena – Sabará, Angra dos Reis, Araçaíba, Rossão, Bom Jesus da Lapa – Salvador, Ribeirão da Ilha, Panamá e em outros lugares do Brasil, subentendendo cada um de nós que também pode encontrar a sua própria entidade não só no ADN da ciência mas também no da Fé. Não se estranhe pois que qualquer peregrino Português, Indiano, Africano ou Brasileiro, galgando ao alto da recôndita e fresca Serra da Lapa, em romagem ao seu Santuário, aí experimente a sensação de regressar às origens *SIPA ,http://www.monumentos.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=3799, consulta em 2015/04/24

Texto por Ana Nunes (Gestora Turística do Santuário da Lapa) Este texto foi mantido no original, seguindo as regras da ortografia utilizada em Portugal antes da introdução do acordo ortográfico.


visita dos príncipes do brasil a portugal O sol lançava seus raios intensos e brilhantes; um vento fresco e suave amenizava a atmosfera, abrindo espaço para uma manhã diáfana. Estávamos a mais de 900 metros de altitude, e o lugar, abençoado pela presença da Mãe de Deus há mais de cinco séculos, tomara o nome de Santuário da Senhora da Lapa, situado geograficamente no Distrito de Viseu e Concelho de Sernancelhe. Era este o ambiente naquele 6 de Junho, sábado matinal, que SS.AA.RR. os Príncipes Dom Antônio e Dona Christine de Orleans e Bragança, acompanhados das filhas, Princesa Maria Amélia e marido e Princesa Maria Gabriela, iam encontrar quando lá chegaram, em peregrinação, pelas dez horas. Alguns membros da Confraria Militar de Nossa Senhora da Conceição, amigos da Casa Imperial do Brasil, convidados (este estes, encontrava-se o vice-presidente da Câmara local) e o simples povo fiel ali presente juntaram-se aos ilustres visitantes. Perde-se na memória histórica as estreitas ligações do Santuário da Lapa à Casa de Bragança. Assim, a peregrinação dos Príncipes do Brasil àquele lugar sagrado revestia-se de um enorme significado simbólico.

igreija da lapa ribeirão da ilha florianópolis-brasil

José Fiilipe Sepulveda

santuário da lapa SERNANCELHE VISEU - PORTUGAL

Depois de terem assistido à Santa Missa, seguiu-se uma ida à sacristia onde assinaram o Livro de Honra. Após este acto, percorreram o trajecto que todo peregrino faz dentro do pequeno templo de granito que alberga a belíssima imagem da Senhora da Lapa. Tornaram-se simultaneamente irmãos e embaixadores do Santuário. Após este acto religioso, a direcção da Irmandade ofereceu um opíparo almoço aos visitantes, que puderam constatar o carinho e apreço com que os responsáveis do Santuário costumam receber os visitantes ilustres e não só. O local onde está situado o Santuário mais parece uma colina rochosa, sustentada por uma formação granítica. Quem ali chega, poderá pensar na frieza da pedra. Engana-se. O Santuário atrai e arrebata pelo seu lado aconchegante, onde a alma repousa de suas angústias; o silêncio que permeia o espaço quebra o ritmo trepidante da vida moderna e apazigua o espírito; o sobrenatural católico que povoa o ambiente atira os pensamentos para as mais altas esferas da contemplação eterna. Como é bom viver sob a sombra da Senhora da Lapa! Texto por José Narciso Soares Este texto foi mantido no original, seguindo as regras da ortografia utilizada em Portugal antes da introdução do acordo ortográfico.

59


Associação Visite Pomerode -

Quando a união faz, de fato, a diferença.

E se de repente, durante um fim de semana, uma cidade de 30 000 habitantes fosse invadida por mais de 140 000 mil visitantes? Isso é AVIP. A sigla que transformou o turismo da cidade mais alemã do Brasil. De fato, foi o que aconteceu em Pomerode durante a Osterfest deste ano. Hotéis, pousadas, restaurantes, cafetarias, lanchonetes, lojas de artesanato, tudo lotado. Segundo dados oficiais, uma “invasão” que rendeu à cidade qualquer coisa como 12 milhões de reais e provou que a indústria limpa pode ser tão eficaz e rentável como qualquer outra. Pomerode já era um ponto de referência turística do sul do país e um dos mais procurados do Estado de Santa Catarina. O epíteto de cidade mais alemã do país entregava-lhe um cunho diferenciado e despertava a curiosidade dos muitos visitantes da região. As características específicas da sua colonização (aliás, comum a tantas outras cidades do Vale), as peculiaridades da sua arquitetura, a riqueza etnográfica das muitas festas tradicionais e a tranquilidade e segurança, inerentes a uma pacata cidade do interior, eram motivos suficientes para aguçar o apetite dos turistas que visitavam Santa Catarina. Então por que este crescimento exponencial da demanda da cidade nos últimos tempos? Por que um crescimento de 140% no número de visitantes em apenas um ano? A resposta está nessa sigla – AVIP. A Associação Visite Pomerode, com sete anos de existência, tem sido o motor do desenvolvimento estruturado e sustentado do turismo do município. Mais do que um nome já por si provocador (visite Pomerode!), a AVIP é o polo aglutinador do dinamismo empresarial privado dos agentes turísticos da região. Percebendo a importância de desenvolver uma estratégia de médio/ longo prazo, indiferente às habituais hesitações do setor público, dependente das lógicas políticas locais e nacionais, os empresários da cidade uniram-se numa associação focada exclusivamente em atrair de forma consistente os turistas para a região. E deram-se bem. Tão bem, que ao contrário do que é tradicional, foram os organismos públicos locais que vieram procurar a Associação, para lhe entregar a organização de muitos dos eventos turísticos do município, reconhecendo, assim, o dinamismo que imprime a tudo o que realiza. A 60

AVIP não tem fins lucrativos, mas tem a consciência de que trabalhando conjuntamente com a Prefeitura e demais órgãos públicos e privados locais, todos lucrarão. E assim tem acontecido. Os números falam por si! Foi com o objetivo de entender melhor os objetivos da associação e as estratégias definidas para o futuro do Turismo em Pomerode, que a Valeu entrevistou o seu Presidente, Deoclides Crispim Correa Filho e a sua assessora, Rejane Koch Goede, nas instalações do Parque Municipal de Eventos, durante a realização do Festival Gastronômico, um dos eventos anuais da cidade que a AVIP tomou em mãos e transformou numa referência da região. Instalados em uma das muitas mesas que pela noite acolherão os comensais curiosos em descobrir as iguarias locais, o mais distantes possível do barulho de um lava jato, empenhado em apagar os resquícios de animação do dia anterior, iniciamos a conversa com a pergunta inevitável: REVISTA VALEU – O que é a AVIP? Deoclides Crispim – Bem, a AVIP é uma associação empresarial que tem já 7 anos de existência e nasceu, inicialmente, com um grupo de restaurantes, virada para a gastronomia e acabou crescendo e hoje tem já 50 associados. É uma associação voltada exclusivamente para o turismo, por isso, para você entrar tem de desenvolver alguma atividade relacionada com o turismo. Nós fazemos uma avaliação bem rigorosa de quem pretende se associar para que o foco não desvirtue. São hotéis, pousadas, restaurantes, bares, zoológico, lojas de artesanato, com a mesma visão e seguindo no mesmo caminho. Do ano passado para cá, assumimos a organização da Osterfest e do Festival gastronômico, que em 2014 foi ainda em parceria com a Prefeitura, mas este ano é organização 100% nossa.


Revista Valeu – E, pelo que sabemos, com enorme sucesso em ambos os casos. Deoclides Crispim – Sim. Nós focamos no profissionalismo organizativo e procuramos apoiadores. A AVIP está dividida em comissões. Por exemplo, quem é responsável pela organização do Festival Gastronômico é a comissão dos restaurantes. A diretoria dá todo o apoio e gere o dia-a-dia. Mas a comissão é responsável. O mesmo na Osterfest, que acontece mais no centro e mais virada para o turismo familiar. Aí são lojas de artesanato, Vila Encantada, Zoológico... O foco é o profissionalismo. Por isso tem dado certo. Revista Valeu – O aparecimento da AVIP deveu-se à percepção por parte dos empresários ligados ao turismo de que existia uma fraca dinamização do potencial da cidade por parte do poder público, ou porque consideram importante unir-se e seguir um caminho paralelo, que complementasse o trabalho desenvolvido pela Prefeitura? Deoclides Crispim – Na época, apesar de ser muito visitada, a cidade não tinha o foco em turismo, então o pessoal da gastronomia decidiu fazer a associação para chamar mais publico. Numa lógica, até, de sobrevivência comercial. E assim foi, devagarinho. Foram acontecendo os festivais, sem espaço próprio. Aconteciam em cada restaurante. Um dia em cada um. E foi crescendo, crescendo. Rejane Goede – Complementando o que disseste, acho que no início a coisa surgiu, porque os empresários viram que tinham de se unir ao perceberem que o turismo aqui tinha potencial e entenderem que o foco do olhar administrativo não era o turismo, mas sim a indústria. Alguém tinha de fazer alguma coisa por um setor que saltava aos olhos ter futuro. Ora quem tinha de pegar nas mãos essa dinamização era quem mais tinha a perder com esse olhar lateral dos organismos públicos para o setor. Os empresários.

Revista Valeu – Isso foi bem aceite? Rejane Goede – Pela comunidade sim. Muito! Acho que todo mundo percebeu que a AVIP não está inventando nada, nem fazendo nada paralelo, ou antagônico. Estamos puxando pelo que Pomerode tem de melhor para oferecer e dar visibilidade a isso. A associação sempre se preocupou em chamar a comunidade, fazendo as coisas acontecer com a participação da comunidade. A Oster foi um exemplo disso. Quando precisámos de pessoas para enfeitar a árvore (a maior Osterbaum do mundo), foi à comunidade que veio auxiliar, aos sábados e domingos, famílias inteiras auxiliando, professores, alunos, empresários, aposentados. Deoclides Crispim – A AVIP tem sempre essa preocupação social. Em todos os eventos fazemos parcerias com diversas outras associações de cariz social. Um exemplo: vamos ter outro grande evento em setembro, a Sonnenfest, o Festival da Primavera e Dia das Crianças e aí envolvemos o Clube de Mães, asilos, escolas. A gente sempre tenta fazer essa ligação com a cidade. Aqui no Festival Gastronômico, não acontece só gastronomia. Estão todos os artesãos locais e suas famílias, promovemos apresentações de escolas de dança, grupos folclóricos, músicos da cidade. Quem trabalha aqui, do guarda até aos garçons, são todos de Pomerode. Isso também é muito importante. Nota-se um entusiasmo crescente nos nossos anfitriões à medida que a conversa vai decorrendo, como se a verbalização dos diversos empreendimentos já realizados, permitisse a exteriorização de um orgulho envergonhado. Revista Valeu – O Festival Gastronômico quantas pessoas reúne? Deoclides Crispim – O ano passado teve cerca de 25 mil pessoas. Este ano, já estamos com 30 mil e esperamos cerca de 40 000 visitantes. Rejane Goede – Estes são números altos, mas ao mesmo tempo são números que nos trazem responsabilidade e nos geram preocupação, porque não queremos que os pomeranos, os habitantes da cidade se sintam incomodados com esta invasão. – Risos. Revista Valeu – E Pomerode tem estrutura para esse crescimento turístico tão exponencial? Deoclides Crispim – Tem. Existe, da nossa parte uma preocupação muito grande com o publico alvo. A nossa opção recai, sobretudo, nas famílias. Isso porque é um tipo de público muito tranquilo e ordeiro e que, a nosso ver, de se encaixa no perfil conservador da cidade. Revista Valeu – A nossa pergunta era direcionada para a estrutura física. Restaurantes, hotéis, etc. Deocildes Crispim – Nesse caso também. Por exemplo, nos próximos meses está prevista a abertura de cinco novas pousadas. Isso, por exemplo, foi uma transformação, porque o público que vinha a Pomerode era de visitantes de passagem e hoje é um público que quer ficar na cidade. Do ano passado para cá, conseguimos um crescimento de 30% no pessoal que fica. Turistas que aderiram aos circuitos instituídos, como a Rota Enxaimel ou o Circuito do Vale Europeu. Neste momento, apenas durante dois meses, não existem eventos na cidade que garantam a lotação de pousadas e restaurantes e isso é muito importante, porque dá uma garantia aos 61


empresários, que sabem que o resto do ano, muito provavelmente, tem os seus espaços ocupados. E mesmo para esses dois meses, estamos buscando novos eventos que preencham essa lacuna. Rejane Goede – É um trabalho permanente. Uma busca constante de bons exemplos. Estamos levando os associados da AVIP para Gramado para que percebam o que resultou por lá e tragam novas ideias e logo depois para a Alemanha, visitando pequenos hotéis e pousadas, com as mesmas características das que existem por aqui, para que possamos aprender com as suas experiências. Revista Valeu – Como tem sido a relação da AVIP com o poder público? Deocildes Crispim – Independente. Com uma óptima relação, mas completamente independente. A AVIP é uma organização não partidária e isso foi uma das características que lhe deu força e embora hoje tenha assento no Contur, na Fundação Cultural, mantém essa autonomia, o que lhe dá credibilidade. Hoje é a Prefeitura que nos procura para saber se não estamos interessados em organizar este ou aquele evento, porque sabe que o iremos organizar com profissionalismo e com uma gestão rigorosa de recursos. Essa é a nossa força. O empenho e o profissionalismo que colocamos nos eventos que realizamos. Um dos nossos objetivos é que, futuramente, possamos indicar o Secretário de Turismo, como acontece em Nova Petrópolis, acabando com a experiência de secretários políticos, colocando no cargo alguém que realmente tenha a ver com o turismo da cidade. Revista Valeu – Esta experiência de sucesso não deveria ser replicada em todo o Vale? Deoclides Crispim – Quem nos procurou há dias foi o Secretário de Turismo de Blumenau e com resultados concretos, criando uma aproximação e uma planificação conjunta de diversas ações, nomeadamente uma Fantur com diversos jornalistas nacionais e internacionais que irão visitar as duas cidades, a participação de uma Feira de turismo em Santos e a criação de material gráfico em conjunto, Pomerode/Blumenau. Estamos abertos à ligação com outras cidades, mas temos de ir devagar, porque quando alargamos muito o leque, sur62

gem dificuldades e não se sai do lugar. Com Blumenau, já existem eventos gémeos, nas mesmas épocas e que as pessoas podem visitar e existe a vontade da parceria. Isso é muito importante. Não serve de nada impor. Mas outros estão nos procurando. Por exemplo, núcleos de gastronomia e hotelaria de Jaraguá do Sul e de Brusque vieram conversar conosco para entender melhor o funcionamento da AVIP e a forma de desenvolver algo similar nas suas cidades. Isso é muito gratificante. Revista Valeu – Foi difícil juntar os empresários do turismo em torno desta ideia comum? Deoclides Crispim – Foi. Muito. Tivemos empresários que saíram outros que não quiseram aderir no início. É sempre uma briga de egos, mas há medida que o tempo passa e os resultados vão falando por si, esses antagonismos vão desaparecendo. Hoje, graças a Deus há mais união do que divergências. Durante toda a conversa, Deoclides e Rejane são constantemente solicitados para atender aos diversos pormenores que têm de ser verificados para que à noite, os muitos visitantes esperados encontrem um Festival Gastronômico surpreendente. Ambos têm consciência do muito que ainda há a percorrer para fazer de Pomerode uma referência turística a nível nacional, mas não escondem essa ambição e menos ainda o orgulho de estarem a cumprir com eficácia os objetivos a que se propuseram. Pela frente, espera-os um ano de muito trabalho e quem sabe, o desafio maior de, em 2017, serem eles, ou pelo menos a Associação de quem são o rosto mais visível, a organizar a mais tradicional das festas da região – A Festa Pomerana. Texto por João Moreira e Carlos Henrique Roncálio Fotos por AVIP


ila3

Projetos únicos

com alta tecnologia

e requinte!

Os clientes exigem cada vez mais agilidade e precisão. Pensando nisso a Marmoraria Uller, no mercado desde 1996, investe continuamente em aperfeiçoamento e tecnologia adquirindo equipamentos modernos automáticos e de última geração.

“Atuando hoje com os olhos no amanhã”

ullergranitos Rua Pomeranos 1603

Cartões

Pomeranos . Timbó . SC

www.marmorariauller.com.br

Financiamos

63


32ª

Oktoberfest sacode o Brasil em ritmo alemão

Texto Por Viviane Roussenq Os olhares de todo o Brasil se voltam para a 32ª Oktoberfest, que acontece de 7 a 25 de outubro, no Parque Vila Germânica em Blumenau. Desde a primeira edição em 1984, a estimativa dos organizadores é de que mais de 18 milhões de pessoas já passaram pelos pavilhões da Festa- anualmente ela reúne cerca de 600 mil pessoas vindas de várias partes do Brasil e exterior. O presidente do Parque Vila Germânica, Ricardo Stodieck anuncia para 2015 novidades nas atrações. Uma delas é o concurso de Fritz e Frida, onde serão eleitos os melhores trajes da noite. Outra novidade é a venda de artesanato local no empório Vila Germânica, em uma parceria com o Sebrae. Os tradicionais desfiles também levam muitas pessoas para a rua XV de Novembro e atraem turistas do Brasil e do Exterior. Stodieck enfatiza ainda que em setembro último um novo setor foi concluído para ampliar a participação do público, o Eisenbahn Biergarten. Ele tem quase 4,5 mil metros quadrados de área construída e capacidade para 4.526 pessoas. O pavilhão tem dois pavimentos e conta com pontos de comercialização de alimentação e bebidas, palco, camarins, restaurante que ficará aberto o ano inteiro e quatro cozinhas, sendo que uma delas poderá ser utilizada em aulas-show.

Inspiração veio da Baviera A Oktoberfest de Blumenau, que em apenas uma década se tornou uma das festas mais populares do Brasil, foi inspirada na festa alemã, que teve origem em 1810 em Munique. Tudo começou em 12 de outubro de 1810, quando o Rei Luis I, mais tarde Rei da Baviera, casouse com a Princesa Tereza da Saxônia e para festejar o enlace, organizou uma corrida de cavalos. O sucesso foi tanto, que a festa passou a ser realizada todos os anos 64

Eraldo Schnaider

Festa que já levou a Blumenau mais de 18 milhões de pessoas não é só cerveja. É folclore, música e tradição, nascida da vontade de superação do blumenaense se reerguer após as duas grandes enchentes de 1983 e 1984.

com a participação do povo da região. Em homenagem à princesa, o local foi batizado com o nome de Gramado de Tereza. A festa ganhou uma nova dimensão em 1840, quando chegou a Munique o primeiro trem transportando visitantes para o evento. Passaram a ser montadas barracas e promovidas várias atrações. Neste local apareceram também os primeiros fotógrafos alemães, que ali encontraram um excelente ambiente para fazerem suas exposições. A cerveja, proibida desde os primeiros anos, só começaria a ser servida em 1918. Logo depois, os caricaturistas já retratavam a luta pelos copos cheios de cerveja e pela primeira vez pode-se apreciar nas telas dos cinemas a festa das mil atrações. Por consequência das guerras e pela epidemia de cólera, a Oktoberfest deixou de realizar-se 25 vezes. De 1945 até hoje, aconteceu ininterruptamente. Atualmente, a Oktoberfest de Munique recebe anualmente um público de quase 10 milhões de pessoas. O consumo de cerveja chega a 7 milhões de litros.

A maior Festa Alemã brasileira A Oktoberfest teve sua primeira edição em 1984 e logo demonstrou que seria um evento para entrar na história. Em apenas 10 dias de festa, 102 mil pessoas foram ao antigo Pavilhão A da Proeb, número que na ocasião representava mais da metade da população da cidade. O consumo de chope foi de quase um litro por pessoa. No ano seguinte, a festa despertou o interesse de comunidades vizinhas e de outras cidades do país. O evento passou então a ser realizado em dois pavilhões. O sucesso da Oktoberfest consolidou-se na terceira edição, e tornou-se necessário a construção de mais um pavilhão e a utilização do ginásio de esportes Sebastião da Cruz - o Galegão - para abrigar os turistas vindos de várias partes do Brasil, principalmente da


Marcelo Martins

Durante 19 dias de festa os blumenauenses mostram para todo o Brasil a sua riqueza cultural, revelada pelo amor à música, à dança e à gastronomia típica, que preservam os costumes dos antepassados vindos da Alemanha para formar colônias na região Sul. A cultura germânica o turista confere pela qualidade da festa, dos serviços oferecidos, através de sociedades esportivas, recreativas e culturais, dos clubes de caça e tiro e dos grupos de danças folclóricas. Todos eles dão um colorido especial ao evento, nas apresentações, nos desfiles pelo centro da cidade e nos pavilhões da festa por onde circulam, animando os turistas e ostentando, orgulhosos, os seus trajes típicos. É por essa característica que a festa blumenauense, versão consagrada da Oktoberfest de Munique, transformou-se, a partir de 1988, numa promoção que reúne mais de 600 mil pessoas por ano. E foi, também, a partir dela que outras festas surgiram em Santa Catarina, tendo a promoção de Blumenau como carro-chefe, fato que acabou por tornar o território catarinense no caminho preferido dos turistas no mês de outubro.

O “pai” da Oktober, Antônio Pedro Nunes

Eraldo Schnaider

Eraldo Schnaider

região Sudeste, e também de países vizinhos. O evento acabou fazendo de Blumenau o principal destino turístico de Santa Catarina no mês de outubro, mas, para quem não sabe, a Oktoberfest não é só cerveja. É folclore, memória e tradição.

Segundo informações de jornais da época, esta festa aconteceria em julho de 1984 - por um período de 9 dias – do dia 20 ao dia29 de julho. Novamente a força das águas do Itajaí Açu inundou a cidade em outra grande enchente ainda maior do que a de 1983. Outubro chegava indefinido para a Administração de Blumenau. Seria possível realizar a 1ª Oktoberfest que já havia sido adiada no ano anterior? O Secretário de Turismo defendia que a festa deveria acontecer, mesmo com a tragédia e os ânimos em baixa. Segundo ele, a Oktoberfest seria uma fonte de alegria e distração após tantos momentos de dor vivido pelos blumenauenses. Era uma oportunidade de poder mostrar ao Brasil, a superação e a força da população atingida pelas águas e externar a gratidão à solidariedade recebida de todas as regiões do país, como também da Alemanha. Neste momento, a atenção da mídia nacional estava voltada para a região, em função dos últimos acontecimentos - com foco na reconstrução da cidade. O evento seria propagado e conhecido nacionalmente, bem como a reação das pessoas mediante a tragédia e também, suas práticas culturais. Nunes assumiu para si a responsabilidade da coordenação dos trabalhos para a realização da 1ª Oktoberfest de Blumenau com o apoio do prefeito e da Associação de Caça e Tiro de Blumenau. O então Complexo da Famosc foi escolhido para a Festa.

Antônio Nunes na sangria do primeiro barril da Okberfest.

A Oktoberfest nasceu no governo de Dalto dos Reis (PMDB) e seu idealizador foi o então secretário de turismo já falecido Antônio Pedro Nunes, que tinha apresentado o projeto da festa ao prefeito, antes mesmo das eleições. O projeto previa a primeira edição da festa em 1983. Imprevisivelmente em julho deste ano, a cidade foi inundada em grande parte de seu território, por águas de chuvas e sofreu uma enchente de grandes proporções. Mesmo a cidade passando por processo de reconstrução, a administração pública, através de Nunes e contra a ideia de muitos, que viam nisto, um ato de insensibilidade após a tragédia, iniciava o processo de organização da primeira edição da Festa de outubro de Blumenau. Nunes defendia que a festa contribuiria para a reconstrução da cidade e não arredou posição.

E assim o Brasil, também conhecia a primeira edição da Oktoberfest. Uma banda que marcou a história da festa blumenauense foi a Banda alemã do renomado músico Hemulth Högl. Também foi de Nunes a iniciativa de convidar a Banda que se apresentava em São Paulo, para animar a Assim, Högl animou a 1ª Oktoberfest Blumenau e muitas edições da Festa. O sucesso da Banda foi tamanho que era impossível pensar em Oktober sem o som e o carisma de Högl que escreveu, especialmente a música Hallo Blumenau, Hino popular de todas as Oktoberfest de Blumenau. A imagem foi cedida por Roberto Nunes, filho do falecido secretário de turismo de Blumenau, Antônio Nunes.

65


confraria

saberes e sabores da beira “grão vasco” ENTREVISTA

viseu-portugal

De forma sucinta defina as linhas mestras do património cultural gastronómico/ou de produtos que a Confraria dos Saberes e Sabores da Beira “Grão Vasco” preserva, investiga e divulga. A Confraria de Saberes e Sabores da Beira, “Grão Vasco”, preserva, investiga e divulga todos os produtos tradicionais da região da Beira Alta. Nos seus Capítulos Temáticos faz uma criteriosa seleção dos produtos tradicionais a serem apresentados e degustados nos seus jantares. Como poderia apresentar a vossa Confraria? A Confraria de Saberes e Sabores da Beira, “Grão Vasco”, tem vindo a desenvolver atividades que honram o compromisso assumido à treze anos aquando da sua criação. As iniciativas centram-se essencialmente na vertente cultural onde salientamos os Capítulos Temáticos, o Festival do Caldo, as Publicações várias (A Importância das Confrarias Báquicas e Gastronómicas na Promoção Turística, Á Mesa com Isabel Silvestre, Alafum de Prazeres, Artes e Tradições Portuguesas I e II, Alexandre Alves – Investigador, Cônsul Aristides de Sousa Mendes, Tributo a Aristides de Sousa Mendes, Arnaldo Malho – Artes e Artistas de Viseu, Malhando o Ferro com Arnaldo Malho, Sete Olhares Sobre Viseu, Festival do Caldo I a VIII, As Plantas do Nosso Contentamento, Encontros com o tempo, O Pratinho da Zirpela e o Mundo Rural,…), a atribuição dos prémios Beirão de Mérito a entidades e personalidades que se destacam em diferentes áreas culturais, desportivas, sociais, … as Entronizações (6 realizadas em Viseu e 3 realizadas em Terras de Vera Cruz), entre outras. Contudo, de alguns anos a esta parte, a Confraria também se tem dedicado aos problemas sociais da sua área geográfica, levando, Natal após Natal, cabazes com bens alimentares essenciais à elaboração da Ceia de Natal e brinquedos (caso haja crianças) a famílias carenciadas. Uma das áreas que também tem vindo a trabalhar nos últimos anos é a ligação com os inúmeros clubes portugueses da Diáspora. A Confraria tem na parte cultural a Tuna “Sabores da Música”. Esta Tuna é a estrutura da dinamização lúdica da Confraria de Saberes e Sabores da Beira, “Grão Vasco”, ligada ao Conselho de Artes e Tradições, no sector “Arca de Saberes da Música”.O Conselho Enófilo tem 66

como patrono o Infante D. Henrique, Duque de Viseu. Este Conselho tem como propósitos promover eventos enófilos bem como defender e divulgar os vinhos da nossa região. O Conselho Gastronómico tem como patrono Aquilino Ribeiro, grande vulto das letras portuguesas e beirão de alma e coração. Este conselho tem como objetivos recolher, defender e divulgar a gastronomia beirã. Sinteticamente explique a importância do vosso produto na alimentação e na gastronomia da comunidade, da região, do país e/ou de outros países. A Confraria de Saberes e Sabores da Beira, “Grão Vasco” não defende um produto em específico mas sim um todo que abrange a gastronomia beirã, a enofilia da região e os saberes culturais do seu povo. Explique abreviadamente a origem desse(s) produto(s) e/ou especialidades culinárias. Foram objecto de classificação e/ou certificação? Tal como foi dito na pergunta anterior, a nossa Confraria não defende um produto específico mas sim um todo gastronómico. Nos capítulos levados a efeito pela Confraria dos Saberes e Sabores da Beira “Grão Vasco”, que propósitos privilegiam? O Conselho Gastronómico tem como objetivos recolher, defender e divulgar a gastronomia beirã. Como tal, os seus Capítulos têm sempre uma forte vertente gastronómica onde são degustados pratos tradicionais da beira. No entanto, os Saberes também ocupam uma grande parte destes capítulos. Os temas abordados versam sempre aspetos culturais da região beiraltina. Para além dos Capítulos enumere outras atividades levadas a efeito com regularidade pela vossa Confraria. Anualmente, a Confraria realiza uma campanha de solidariedade social, recolhendo alimentos, brinquedos e roupas que depois são distribuídos pelas famílias mais carenciadas da sua região. Organiza, com o apoio da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, cursos de formação para dirigentes associativos da Diáspora (já foram feitas 4 edições). Também realizou durante oito anos consecutivos o Festival do Caldo. Neste momento, devido essencialmente à crise que Portugal tem vivido, este evento está parado.


A Confraria tem produzido e publicitado trabalhos de investigação e promoção dos produtos e do receituário local e regional? A Confraria tem tido a preocupação de recolher e divulgar, através de publicações várias e artigos em revistas, algumas das marcas mais significativas da gastronomia da sua região. De entre algumas dessas publicações, destacamos: A Importância das Confrarias Báquicas e Gastronómicas na Promoção Turística, Á Mesa com Isabel Silvestre, Alafum de Prazeres, Artes e Tradições Portuguesas I e II, Festival do Caldo I a VIII, As Plantas do Nosso Contentamento... Descreva resumidamente qual o impacto dessas atividades, ações e trabalhos junto da autarquia, outras autoridades, comunidade local e região. As iniciativas levadas a cabo pela Confraria têm sido sempre bem recebidas quer junto das entidades oficiais do Distrito quer junto da comunidade local e regional. Exemplo disso é a participação ativa das entidades em todas as iniciativas levadas a cabo por nós. Quanto à comunidade local, figuras de destaque ou anónimos participam e recorrem com frequência à Confraria sempre que necessitam de algum esclarecimento ou ajuda nas áreas que abrangem. Também participam nos mais variados eventos por nós promovidos. A Confraria dos Saberes e Sabores da Beira “Grão Vasco” é habitualmente convidada para estar presente ou participar em atos promovidos pelo poder local, regional, nacional? Em caso afirmativo diga quais, como e com que resultados para a Confraria. A Confraria é regularmente convidada para participar e colaborar com o poder regional e nacional. A tuna Sabores da Música, parte lúdica da nossa Confraria, é o sector que mais participa nestes eventos. No entanto, também o seu Almoxarifado é, com frequência, convidado a participar em atos oficiais promovidos pelo poder regional e nacional. Estas participações são importantes para a Confraria pois permite-lhe dar a conhecer todo o trabalho desenvolvido em prol da defesa e conservação da Cultura Popular e Tradicional da região da Beira Alta.

Na sua opinião o trabalho desenvolvido pela Vossa Confraria é reconhecido na Comunidade e na Região? O trabalho levado a cabo pela Confraria, durante os seus treze anos de existência, é reconhecido e apreciado pela comunidade. Exemplo disso são os inúmeros convites que tem recebido para participar em atividades diversificadas por toda a região, para apadrinhar eventos ou outras confrarias. Recentemente, deslocou-se à Suíça para apadrinhar uma Confraria portuguesa nascida em terras alpinas. A Confraria tem parcerias ou protocolos de cooperação com outras Confrarias e/ou Federações/Associações de Confrarias? A Confraria está, neste momento, representada em 22

países do mundo, através da Diáspora portuguesa, e tem 2 protocolos de representatividades recíproca assinados. O primeiro protocolo foi celebrado entre a Confraria e a Casa do Distrito de Viseu no Rio de Janeiro e o segundo celebrado entre a Confraria e a Confraria Feminina do Vinho e do Espumante de Farroupilha, Rio Grande do Sul, Brasil. No ano 2000, a gastronomia foi classificada como património cultural imaterial. Que considerações faz desta classificação? Considero uma decisão feliz pois a Gastronomia, a par de outros aspetos da cultura tradicional e popular é uma das que nos distingue dos outros povos. A nossa Gastronomia é única e apreciada, podemos dizer, no mundo inteiro. Que papel considera que a gastronomia desempenha na promoção turística do País? A Gastronomia Portuguesa é uma das marcas principais na promoção do nosso país. Cada vez mais apreciada por quem nos visita desempenha um forte papel no desenvolvimento da economia local. Como seria possível conseguir a internacionalização da nossa gastronomia? A meu ver a nossa Gastronomia já está muito divulgada e internacionalizada. Para isso, muito devemos aos portugueses da Diáspora que promovem, e bem, tudo que se refere ao seu país de origem. A título de exemplo, um dos melhores restaurantes de Toronto é português, chama-se “Chiado”, e é exclusivo da Gastronomia Tradicional Portuguesa. Em Zurique, um dos restaurantes de maior referência da cidade é português e privilegia, também, a gastronomia tradicional do nosso país. Exemplos como estes existem, felizmente, um pouco por todo o mundo. Também as feiras internacionais de mostra de produtos tradicionais são um fator importante para a internacionalização da nossa gastronomia. O que pensa das recentes modificações operadas na “Nona Arte”? Considero a revista “Nona Arte” uma publicação bem conseguida que privilegia e divulga a nossa Gastronomia. Os artigos sobre aspetos históricos da gastronomia portuguesa que aborda são de extrema importância para quem gosta, estuda e se preocupa com este sector da cultura tradicional portuguesa. Quanto à divulgação dos eventos levados a cabo pelas Confrarias Portuguesas é também importante porque nos dá a conhecer a realidade confrádica que o país está a viver. Parabéns aos editores e produtores pelo bom trabalho realizado.

Entrevista realizada por Drª Odete Madeira ao Almoxarife da Confraria, Prof. José Ernesto Silva Este texto foi mantido no original, seguindo as regras da ortografia utilizada em Portugal antes da introdução do acordo ortográfico.

67


Michael Graves Uma singela homenagem É muito provável que este nome seja conhecido de bastantes leitores da revista VALEU!, ou não tenha sido Michael Graves, um dos grandes nomes da Arquitectura e do Design, da 2ª metade do seculo XX, bem como destas décadas iniciais do século XXI.Com efeito Graves foi não só um dos cinco principais nomes da Arquitectura Modernista pura Nova-iorquina, como viria a ser mais tarde uma das principais referências do movimento do Novo Urbanismo, e do Pós-modernismos, sendo sempre um dos nomes mais badalados, de qualquer uma destas correntes. Aliás, como arquitecto ficou celebre por ampliar o papel dos arquitectos e aumentar o interesse do grande público pelo bom Design. Michael Graves contribui-o para a divulgação do Desenho Industrial, e para a percepção deste, como algo essencial para a qualidade de vida quotidiana. Para o mentor do Projecto Museu do Saca-rolhas, que vos escreve esta pequena crónica, tal facto não poderia passar desapercebido, pois Michael Greves foi também autor de inúmeros saca-rolhas… Por esse motivo, aqui fica uma pequena biografia desta figura maior do Design Contemporâneo, falecido a 12 de Março deste ano de 2015. Michael Graves nascera no estado norte-americano de Indiana, a 9 de Julho de 1934, na cidade de Indianápolis. Foi nesta cidade que viveu os seus primeiros anos e onde viria a efectuar o curso do Liceu. Em seguida mudou-se para Cincinatti, para obter uma formação académica, na respectiva Universidade. Posteriormente viria a adquirir o grau de Mestre, na prestigiada Universidade de Harvard. Homem enérgico e empreendedor fundou em 1964 a empresa Michael Graves Architecture & Design, da qual foi director até à sua morte em Março de 2015. Ao longo da sua longa carreira, veria serem construídos mais de 250 edifícios, concebidos por si. 68

Como mencionámos, foi no domínio da Arquitectura que se tornou inicialmente famoso, tendo sido uma das principais figuras, do chamado movimento pós-modernista, não só em Arquitectura, mas também em matéria de Design. Em matéria de Desenho Industrial, ficou mundialmente conhecido por projectar produtos de consumo (utilitários) para a Alessi , Target, Kimberly-Clark, e JCPenney. Mais tarde, vítima de doença em 2003, viu-se obrigado a passar o resto dos seus dias numa cadeira de rodas. Mas este problema de saúde e locomoção, longe de ditar o final da sua carreira, “forçou-o” a tornar-se especialista em problemas de acessibilidade e de saúde, desenhando hospitais, habitações para veteranos deficientes, cadeiras de rodas e mobiliário hospitalar. Graves foi ainda Professor de Arquitectura da Universidade de Princeton, onde leccionou por trinta e nove


anos. Os inúmeros prémios que recebeu incluem o Prémio Richard H. Driehaus, em 2012, o AIA / ACSA Topaz Medallion , em 2010, o AIA Gold Medal, em 2001 , e a Medalha Nacional de Artes, dos Estados Unidos da América em 1999. Foi ainda incluído na lista do top vinte e cinco, das personalidades mais influentes no domínio de projectos de saúde, em 2010. Em matéria de Design, aquela que mais especialmente nos interessa, Michael Graves foi responsável pela concepção de mais de 2000 objectos de uso quotidiano! Esta espantosa carreira de Designer teve um dos seus pontos áureos em 1985, ano em que concebeu para a empresa Italiana Alessi, a icónica chaleira 9093; Esta foi um sucesso imediato e até hoje mais de duas mil foram vendidas. Entre as peças que criou para esta marca Italiana, também se conta um original saca-rolhas mecânico. Estilisticamente, essa peça enquadra-se dentro das criações do designado Grupo de Memphis, do qual também fez parte. Mas essa não seria a sua única criação “saca-rolhistica”. Para além deste, desenhou saca-rolhas bastante distintos, entre os quais se conta também um original saca-rolhas de escanção. Também desenhou um vistoso saca-rolhas de alavanca única, bem apropriado para qualquer lar, onde se dá primazia ao Design, sem descurar o lado prático de abrir uma garrafa de vinho.

http://interactive.wxxi.org/files/images/highlights/1332366456-michael-graves.jpg >

Outra das suas criações, um conjunto de acessórios de Bar, conta também com um saca-rolhas mecânico, de formas bastante curvilíneas. Longe do colorido e formas exuberantes que caracterizaram as suas peças mais típicas do período do grupo de “Memphis”, escolhe-mos para vos mostrar, um outro modelo de saca-rolhas concebido por Michael Graves. Trata-se de um saca-rolhas em “T”, ou seja de um saca-rolhas de extracção directa. É uma peça com um desenho simultaneamente clássico e moderno, que muito nos agrada. Caracterizado por uma aparência bastante robusta, em que o cromado do punho contrasta agradavelmente com o preto mate, da peça que protege a espiral do saca-rolhas. É nesta peça que se encontra gravado o logo e o nome do seu autor: MICHAEL GRAVES DESIGN. E assim terminamos esta pequena homenagem, abrindo calmamente uma garrafa antiga de vinho do Porto e brindando à memória deste grande nome da Arquitectura e do Design. Texto por Lopo de Castilho – www.facebook.com/sacarolhas.mor www.facebook.com/museu.dosacarolhas

Este texto foi mantido no original, seguindo as regras da ortografia utilizada em Portugal antes da introdução do acordo ortográfico.

69


Beber vinho já foi mais fácil! Não esta nada fácil manter nossas adegas cheias como foi um dia. A cada dia que passa tem novos impostos, embargos, encargos e por aí vai... Conversando com meus amigos, clientes e amantes do vinho, vejo como esta complicado unir novamente o bom gosto ao bom preço. Semana passada estava conversando com amigos de São Paulo e o assunto era justamente este, de como estão sendo amarrotadas de taxas as bebidas que entram no pais. Claro que tudo é reflexo da economia externa e da má economia interna do nosso país. Acompanhando as tabelas de preços das importadoras, pude perceber um aumento de até 27% de impostos em cima de um único produto, podendo este chegar a ter de 65% a 73% do seu valor em impostos. Isso claro, com o dólar batendo à casa dos $ 4,00, pode prejudicar ainda mais esse público. E não é apenas vinho não, meus queridos; whiskies, cervejas, destilados no geral e claro alimentos importados, não ficaram de fora dessa listinha negra. Vejo muita dificuldade em manter as adegas cheias como uma vez era. Hoje um vinho que ano passado custava $60,00, já com a margem de lucro da loja, pode chegar até ao dobro. É triste, mas não temos como não repassar os aumentos e, desta forma, espantar os fieis clientes de todo dia. Não é apenas isso que nos causa tristeza. Muitas pessoas (particulares e jurídicas) estão partindo para o “jogo sujo”, indo comprar produtos falsificados nos países vizinhos, consumindo, vendendo ou até mesmo revendendo esses produtos aqui, no nosso quintal, tornando a concorrência desleal e afetando a nossa economia ainda mais. Em tempos como esses que estamos passando, muitos não abrem mão de ter seu vinho ou seus alimentos finos em casa. Percebendo esse problema nós, que trabalhamos com isso, estamos 70

ajudando nossos clientes a não deixarem chegar seu estoque no vermelho. Você pode escolher por safras que ainda não sofreram reajuste de preço sem trocar seu produtor favorito, ou ainda pesquisar junto ao seu fornecedor uma segunda opção de uva ou método. Pelo lado positivo disso tudo, você ainda acaba saindo da sua zona de conforto. Se seu caso não é tão complexo e o importante é beber vinho, busque pelo produtor nacional ou de países vizinhos, que ainda não estão tão afetados pelos impostos. Não compre bebidas pirata “nada pirata” e escolha um fornecedor (loja) e com ela monte uma parceria que com o tempo leva a fidelização que leva a descontos ótimos e direito a participar de eventos na loja que vão aumentar seu prazer e conhecimento. Assim, você acompanha de perto esse mercado que é muito prazeroso no paladar, mas pode ser um pouco amargo no bolso. Final de semana escutei que aqui no Brasil tem gente leiloando algumas de suas garrafas para poder aumentar em quantidade seu estoque. Tem gente que já partiu pro vale tudo! Agora com o calor chegando aqui, cuidado ao comprar vinhos. Pois a guarda incorreta (temperatura, luminosidade e umidade) pode deixar o vinho em um ponto que não seria o ideal para consumo. Cuidado ao escolher e quando chegar em casa certifique-se que ele estará bem guardado para o dia de abri-lo e quando esse dia chegar lembre-se da temperatura de serviço. Em pais tropical isso sempre deve ser uma prioridade. Fora de pauta! Esse ano descobrimos que meu avô esta com Alzheimer e na próxima edição quero falar sobre o benefício de bebidas e alimentos em relação a algumas doenças. Texto por Tiago Minusculi


anos

Produzindo soluções em vidros

47 3382 2188 - www.vidracariaolinda.com.br Rua Recife, 342 - Centro - Timbó/SC Revendedor Autorizado 71


conexão milão Para se manter em Milão, seguiu o receituário de imigrante: trabalhou duro como manicure e garçonete. Os primeiros oito meses foram desafiadores: a rotina era exaustiva e a grana mal cobria as despesas e o curso no Istituto di Moda Burgo, onde se especializou em estilismo e modelagem. Decidiu voltar ao Brasil e calibrar o sonho. Num cenário adverso, começava a pensar que o destino tinha outros planos para ela. Ao retornar, quase entrou em depressão: a frustração pessoal se somava a problemas de saúde na família. Antes de entregar os pontos, quis arriscar novamente em Milão. Já fluente em Italiano, bateu à porta do diretor do Istituto, Fernando Burgo. “Eu já conhecia o Sr. Burgo. Eu então contei minha história, minha paixão pela moda, e ele ofereceu uma bolsa de estudos. Pude estudar integralmente e naquele momento eu decidi me jogar no trabalho 24 horas por dia”, lembra Daniela.

A trajetória da estilista ítalo-brasileira Daniela Colzani que inaugura em Brusque a filial de uma das maiores escolas técnicas de moda da Europa Quando a menina Daniela dos Santos entrou na igreja em seu vestido branco de comunhão, seu sorriso pré-adolescente denunciava uma alegria que não era feita só de fervor religioso. Ao desfilar na igreja matriz de sua cidade natal, Balneário Piçarras, a mocinha de 11 anos exibia, orgulhosa, um vestido que ela própria ajudara a bordar, sua primeira experiência no universo da moda. Vinte anos depois, mulher feita e profissional premiada, ela está à frente de um projeto que pretende construir uma ponte entre Santa Catarina e a cidade de Milão, na Itália, uma das Mecas da moda internacional. Em Brusque, a estilista inaugura em novembro a primeira filial do Istituto di Moda Burgo no Brasil, instituição de ensino técnico em moda com mais de 50 anos de tradição. O interesse de Daniela pela moda surgiu justamente naqueles anos da infância, estimulada pelo tio Robson, que a ajudou no bordado de seu vestido de comunhão. Ele seria, até sua morte em 2006, o principal incentivador de sua carreira. Formada no curso de design de moda pela Universidade do Vale do Itajaí, a jovem estilista chegou a trabalhar para empresas do setor em Brusque nos seus primeiros anos de profissão, mas a ambição e o talento a levariam mais longe. Juntou coragem e embarcou em direção ao velho continente. Deixou família e namorado para alçar um voo mais ambicioso num dos maiores centros criativos de design na Europa. 72

A estilista agarrou a oportunidade com unhas e dentes. Depois de uma seleção que durou oito meses, Daniela venceu o prêmio destaque, em Cannes, no concurso The Link/Mare di Moda 2010, o mais importante do segmento de lingerie e corseteria em França. A conquista marcaria a mudança de maré. Passou a trabalhar para o IMB, dando consultorias a empresas no Istittuto. Depois, viria mais uma consagração, o Prêmio Lectra, que acabaria por convencer o diretor da escola a investir no jovem talento. “Foi quando o Sr. Burgo me propôs sociedade para o atêlier com o meu nome. Adotei o nome de meu avô materno, Colzani, que me permitiu obter a cidadania italiana. Comecei a vestir celebridades com meus vestidos inspirados na corseteria”. Com o nascimento da marca Daniela Colzani viria a oportunidade de lançar suas próprias coleções e realizar desfiles, em cidades da Itália e também em Amã, na Jordânia. Beldades da televisão italiana passaram a vestir suas peças, como Paola Cortellesi, Silvia Paonessa, Belen Rodriguez e Melita Toniolo. Antes ainda, em 2011, duas revistas internacionais, a Linea Intima e a Intima Désfilés, chegaram a classificar Daniela Colzani como um das 10 melhores marcas de lingerie, quando a estilista focou na produção de lingerie inspirada em corseteria. O ápice de seu sucesso em Milão aconteceu em 4 de julho de 2013, quando Daniela recebeu uma das mais importantes premiações do eixo da moda italiana: o Prêmio “Agulha de Ouro”. A premiação foi concedida durante o evento “Gran Defilè della Sartoria” (Grande Desfile de Alta Costura), organizado pela União de Artesãos, Câmara de Comércio de Milão e Fundação Lanfredini. O sucesso profissional, entretanto, destoava da vida pessoal. “A distância dos familiares começou a fazer um efeito negativo na minha vida. O Sr. Burgo notou isso


no meu desempenho. Eu já não tinha o mesmo brilho e alegria de trabalhar, mesmo tendo as clientes. Porque ele apostava em mim, concordou que eu devia voltar para o Brasil”. Dois anos depois, diretor e estilista aprofundaram a parceria e decidiram abrir a primeira escola no Brasil. A nova unidade aumenta a presença global do Istituto, com unidades em outros 13 países, além de escolas parceiras no Japão, China, Áustria, Suíça, Singapura e Nova Zelândia. Em Brusque, capital do vestuário em Santa Catarina, a filial do IMB pretende reproduzir a metodologia de uma das poucas escolas de moda milanesas que se preservam genuinamente italianas. “É uma escola com método próprio atualizado a cada dois anos, quase uma bíblia da moda, e que oferece um programa personalizado, com aulas individuais, com 80% de prática e 20% de modelagem”, explica Daniela. Para a estilista, a filial italiana é o ponto de encontro de seus sonhos de estudante. “O IMB era tão longe da realidade de meu curso. Eu acompanhava os trabalhos do Istituto pelo site e era tudo o que me inspirava. Foi difícil acreditar o que estava vivendo quando comecei a estudar lá”. Poder morar no Brasil e trazer uma escola IMB para o País é juntar dois mundos que transformaram a menina em estilista. Sua alegria recente é perceber que, em breve, vai ver sua vida e experiência conectar outros jovens com Milão, que, para jovens aspirantes do design, pode significar um atalho e tanto para uma carreira sem o oceano de dificuldades que Daniela Colzani teve de cruzar.

A celebridade Melita Toniolo veste a peça que rendeu a Daniela Colzani uma das maiores premiações a estilistas na Itália, o Agulho de Ouro

Vestido premiado está em exposição permanente no Istituto di Moda Burgo, em Milão.

MAIS

Para marcar sua inauguração, o IMB Brasil vai premiar os aspirantes a estilista. Uma comissão da escola, integrada inclusive pelo diretor da escola Fernando Burgo, vai escolher os três melhores croquis de moda. O concurso prevê também uma votação popular nas redes sociais. Os primeiros colocados de cada categoria ganharão um exemplar do livro “Il Figurino”, obra de referência da escola. Todos os três melhores também receberão uma bolsa de estudos para um curso de 20 horas na nova escola, além de terem seus trabalhos exibidos durante o evento de inauguração da escola. Saiba mais na fanpage da escola no Facebook: /institutoburgobrasil.

Daniela Colzani

Texto por por Luiz Garcia

73


74


editorial de moda

FICHA TÉCNICA Direção Geral: Beto Barreto Produção de Moda: Amanda Bona Luef Modelos: Nova estrela Kids www.novaestrelakids.com.br Maquiadora: Priscila Wolf

Modelos Infantis: Arthur, Alicia, Maria Luiza, Lucas Gabriel, Pedro Modelos Juvenis: Fulvio Junior, Gabriela Wolter, Maria Helena, Ruan, Yasmin Fotografia: Aline Milbratz Diagramação: Micheli Vicenzi Agradecimento especial pelo espaço cedido ao Teatro Biriba

Loja Gente Inocente Endereços: Avenida Getulio Vargas, 66 Centro / Indaial - Telefone: 47-3333 2171 Avenida Getulio Vargas,449 Centro / Timbo - Telefone: 47- 3380 4603 Marcas da Loja: Anime / Momi/ Pituchinhus/ Lilica Ripilica /Tigot T. Tigre / 1+1 / Ogoch /Pako/ Fruto da Imaginação / Authoria/Banana Danger / Ecko / Hang Loos /Roana Acessórios/ Calçados Contra Mao / Calçados Tip toey Joey/ Milon/ Gambo / Colcci Fun/ Marisol/ Mineral

75


76


77


78


79


80


81


82


Nunca é tarde para sorrir Texto por João Moreira

Douglas Kretzschmar tem um ar decidido que transmite confiança ao primeiro contato. Jovem, fisicamente cuidado, de bem com a vida, é o protótipo de uma geração bem sucedida, apostada no permanente aperfeiçoamento da sua carreira profissional. As novas instalações da sua Clínica Keo – Kretzschmar Especialidades Odontológicas, são o exemplo perfeito do espírito empreendedor e dinâmico com que Douglas encara a sua profissão. É nesse espaço clean, mas cuidadosamente preparado para entregar conforto e confiança aos seus pacientes, que Douglas nos recebe para uma conversa sobre os desafios que se colocam à odontologia e em particular ao implante dentário, área em que se especializou. Sentado em uma confortável poltrona do seu gabinete, costas voltadas a um manto de verde que perpassa pelas enormes janelas envidraçadas, Douglas, sorriso aberto e afetuoso, vai direto ao assunto: “Hoje, com o avanço da tecnologia e da casuística, os maiores beneficiários dos tratamentos implantodologicos, são as pessoas da terceira idade. Principalmente para sair daquele paradigma de que um enxerto ou um tratamento com implante podia causar sequelas, dores ou, de repente, relembrar um passado traumático da extração desses dentes. Hoje, felizmente esses traumas pertencem ao passado, porque foram desenvolvidas técnicas menos dolorosas e, sobretudo, mais eficazes de atingir o mesmo resultado. Foi-se a época de ficar sofrendo em casa com uma dentadura frouxa ou com uma prótese machucando, feia esteticamente, mas principalmente, dificultando a mastigação. Isso traz consequências complexas. Muitas vezes, essas pessoas auto excluem-se da sociedade por causa de uma infelicidade que têm para se alimentar, para sorrir e junto com isso aí, de uma maneira até involuntária, surge, muitas vezes, a depressão. Hoje em dia é possível obter uma terceira dentição de uma maneira segura e confortável, evitando muitos traumas. A grande sacada disso é voltar a ter uma vida normal.” Douglas fala com segurança e com a experiência de quem presenciou muitas situações como as que retrata. Pela sua clínica já passaram muitos pacientes da melhor idade, que experimentaram os traumas inerentes a uma deficiente saúde bocal. “Veja bem, há um tempo, as opções que se colocavam eram extrair e colocar dentadura e ponte móvel. Não existiam recursos. Mas, a odontologia mudou drasticamente, principalmente na técnica cirúrgica, nos meios de diagnóstico, nos medicamentos e na anestesia. Nos últimos anos a agulha da anestesia já diminui 7 vezes de diâmetro! Muito mudou e hoje a maioria das intervenções

odontológicas são praticamente indolores e seguras. Claro que como tudo na medicina, o importante é o conhecimento, uma atualização permanente das novas técnicas e a utilização das melhores práticas. Além, e isso é muito importante, da noção exata de que cada caso é um caso. Cada paciente é único e por isso exige uma avaliação cuidada, para que possa ser definido o melhor planejamento para cada caso, que resulte de forma harmoniosa, não só na devolução de uma mastigação correta, mas principalmente com estética. Isso é muito importante em todas as idades, mas em particular nas pessoas mais idosas, que necessitam de elevar a sua autoestima e de sentir-se bem com elas próprias e com os outros. Esse é o desafio: devolver a mastigação, mas com um sorriso bonito. Para isso, repito, o mais importante é o planejamento que passa inicialmente por um diagnóstico com imagem, para primeiro restaurar a linha de sorriso, muitas vezes com dentadura, durante uma fase, para que depois se possa avançar para a parte cirurgia. Então a cirúrgica vem por último, primeiro você tem que fazer esse planejamento reverso, você tem que devolver o sorriso, a altura, a mordida correta, para ter a exata noção, no momento do ato cirúrgico de como vai ficar a prótese.“ As evoluções técnicas na área da odontologia, em particular da implantologia, nos últimos tempos, são surpreendentes e permitiram o desenvolvimento de cirurgias cada vez menos intrusivas, menos traumáticas e com uma recuperação quase imediata, porém a grande revolução passou pela prevenção e pelos bons hábitos de higiene bocal que têm sido implantados com sucesso no país. A visita frequente ao dentista, as limpezas regulares, o uso de fio dental, de águas fluoretadas, de novas técnicas de escovação, mudaram o paradigma odontológico do Brasil, talvez por isso, a grande preocupação de Douglas recaia sobre a geração que não teve este privilégio da prevenção e de um tratamento correto.

“A maioria das pessoas, sobretudo de maior idade, quer voltar a sentir-se bem com elas próprias e hoje isso é possível, rápido, indolor e definitivo, muitas vezes falta apenas um incentivo. Eu tenho já 18 anos dedicados à implantologia e posso afirmar que devolver função e estética, mastigação e sorriso a quem durante anos viveu privado de mastigar corretamente e de sorrir, ainda por cima, de forma definitiva, é algo de extraordinário e muito, muito gratificante.” “Pouca coisa é tão necessária para transformar inteiramente uma vida, como o sorriso.” Martin Luther King 83


O HOSPITAL OASE É UM ORGULHO PARA O POVO TIMBOENSE

Onde estamos: Hospital Oase de Timbó Com atendimento estendido a Dr. Pedrinho, Benedito Novo. Rodeio, Rio dos Cedros.

84

Onde já estivemos: Hospital de Penha Hospital de São Francisco do Sul UPA 24 São Francisco do Sul Hospital de Gaspar Hospital Beatriz Ramos de Indaial


Policlínica de Timbó com especialidades: Ortopedia, cirurgia geral, anestesiologia, otorrino e ginecologia.

Estamos diretamente e indiretamente em mais de 60 Municípios Catarinenses. Temos um corpo clínico com mais de 400 médicos entre clínica geral e especialistas. UPA de Bombinhas (clínica geral de pronto socorro, laboratório, exames e especialidades) Schroeder (consultas de especialidades, cirurgias e exames) Joinvillle (clínica geral de pronto socorro, exames, consultas de especialidades e cirurgias em ortopedia) Canoinhas (clinica geral de pronto socorro e laboratório) Três Barras (clinica geral de pronto socorro e laboratório) Papanduva (clinica geral de pronto socorro e laboratório) Bela Vista do Toldo (clínica geral de pronto socorro e laboratório) Araquari (clínica geral de pronto socorro, exames de especialidades e cirurgias) Barra Velha (clínica geral de pronto socorro e laboratório) Indaial SAIS – atendimento estendido entre 18 e 22 horas (clínica geral) Indaial – Hospital Beatriz Ramos (clínica geral de Pronto Socorro)

85


Hospital OASE

Um oásis de qualidade na região.

Texto por Carlos Henrique Roncalio e João Moreira. O Dr. Melchior Moser é um dos mais conceituados veteranos da medicina no Vale do Itajaí. Cardiologista renomado e cidadão atento aos problemas da sua cidade, há anos que procura influenciar os caminhos desenhados, pelos setores, público e privado, para a área da saúde na região. Estudioso dos problemas locais e empenhado em contribuir para uma permanente melhoria na oferta dos cuidados médicos da população, Melchior Moser aceitou o convite da Revista Valeu para uma conversa sobre as transformações do Hospital OASE, de que foi um dos obreiros, e o seu impacto para as gentes de Timbó e da região. Dr. Melchior Moser – Pensando nesta conversa, estive analisando os dados do IDH – Índice de Desenvolvimento Humano de Timbó e verifiquei que, no ranking de Santa Catarina, estamos em 16º lugar, entre os 130, 140 municípios que o constituem. Então, nós estamos bem! E, se escalpelizarmos os critérios utilizados para definir o índice, notamos que um dos dados utilizados no seu cálculo é o da longevidade, que é resultado direto das melhorias na saúde. Por exemplo, hoje se calcula que um indivíduo que nasça em Blumenau agora, irá viver, em média 100 anos. Isso é resultado de um conjunto de fatores: melhoria das condições sanitárias, aumento da prevenção e, claro, a medicina caminhando junto. Isso é muito importante. Outro dos critérios de avaliação do IDH é o da renda per capita e aí estamos acima de quase todos os outros municípios catarinenses, só perdemos para Balneário Camboriú e Florianópolis. Infelizmente, perdemos no último critério: a educação, ou melhor, o acesso ao conhecimento, medido pelos anos médios de estudo e os anos esperados de escolaridade. Aí ficamos abaixo. É importante sabermos olhar para os dados que nos são oferecidos, porque eles revelam o caminho que temos trilhado e que no caso específico da saúde é bastante positivo e para qual, o Hospital OASE contribuiu de forma decisiva. Não é à toa que Melchior Moser inicia a conversa com dados estatísticos. O positivismo imposto pela prática médica obrigou-o, ao longo dos anos, a defender as suas posições com argumentos sólidos a que os números dão uma credibilidade determinante. Dr. Melchior Moser – É importante que as pessoas saibam que hoje temos, em Timbó, um hospital extraordinário. Uma estrutura única. Antes tínhamos uma salinha de cirurgia, hoje temos um centro cirúrgico com 5 salas de altíssimo padrão, 5 salas de recuperação pós cirúrgica, 3 salas de parto, quartos muito bons, os melhores da região. Estamos com uma estrutura física invejável, que muitos considerariam impensável para uma cidade como Timbó. 86

O entusiasmo do Dr. Moser com as transformações do Hospital OASE, motivo principal da nossa conversa, é óbvio e revela a importância vital para a cidade e região de uma estrutura moderna e bem equipada na área da saúde, por isso procuramos entender os fatores que possibilitaram esta transformação. Dr. Melchior Moser – Antes de mais nada, foi a conjugação de uma série de vontades particulares que, percebendo o risco de encerramento de uma unidade desta importância, decidiram intervir para evitar o pior. Eu mesmo, com o Osvaldo Trisotto, em vésperas do anunciado encerramento, reunimos com o poder público local e alertamos para o tremendo erro que seria deixar uma cidade como Timbó sem hospital. O Osvaldo Trisotto foi absolutamente fundamental neste processo porque, a partir desse momento, não descansou enquanto não encontrou uma solução para o problema. Correu atrás de um administrador especializado na área hospitalar, a suas expensas, voou dezenas de vezes para Brasília para reunir com deputados e Ministro da Saúde, foi a Florianópolis garantir o apoio do Governo do Estado, enfim, desenvolveu um esforço que, em conjunto com as senhoras da OASE, o poder público local e a sociedade, fez a diferença. A comunidade empenhouse como um todo e o resultado é a obra fantástica que aí está para benefício de todos. Um hospital com um dos melhores centros cirúrgicos, em cidades desta dimensão, do Estado e do país, com quartos de internação dos melhores do Estado e com um tratamento humanitário resultante de um excelente treinamento. Além disso, estamos avançando para uma UTI, o aparelho de tomografia já está aí, vai começar a funcionar, dentro em breve teremos uma ressonância magnética, então vamos equivaler aos melhores. Eu fico feliz porque vejo um Hospital lindo e um orgulho para a cidade. Hoje somos um ponto de referência para todos os municípios vizinhos. E, porque o mundo é composto de mudança e de permanente progresso, Melchior Moser lança já o desafio de pensar o novo paradigma que se desenha em relação à inversão da pirâmide etária no país e que trará consigo a obrigação moral de instituir um local destinado a prestar cuidados paliativos para doentes terminais, que, na maioria dos casos, são entregues aos familiares, sem as mínimas condições de poderem prestar os cuidados exigidos s situações tão delicadas. Melchior Moser – Pode ser uma utopia, pois não existe em lugar nenhum do país, mas talvez, como os nossos colonos fundadores, pudéssemos, em algo tão relevante sob o ponto de vista humano, ser pioneiros. O Dr. Melchior Moser termina lançando a semente de um sonho. Afinal, como dizia o poeta: o sonho comanda a vida.


87


88


89


Texto por Carlos Henrique Roncálio

A Valeu 5 está circulando no mês da criança. Época em que um grande número de pessoas muda sua foto de perfil e vira criança outra vez. Digamos, uma brincadeira legal! Me ocorreu escrever este artigo fazendo uma viagem aos tempos de infância (faz tempo). Vou lembrar de tantas coisas, que são boas em sua maioria! Mas essa viagem me faz chegar a uma brincadeira, um passatempo que virou coisa séria e tomou meu tempo para o resto da vida. A minha relação com o rádio. Nossa família e a imensa maioria, à época (anos 1960), não possuía TV. O rádio era o meio, o canal da informação, e o mundo desfilava ali naquele mágico aparelho que funcionava à base de válvulas. Isso representa dizer que, desde sempre, mas imagino com 8/9 anos de idade, já vivia o rádio. Na hora do almoço, papai queria silêncio para ouvir o noticiário. Falávamos na hora dos comerciais. E aprendemos que não se deve fazer barulho com os talheres. Mais tarde, com 15 anos, num desses almoços, ouvimos que havia emprego para um jovem que desejasse trabalhar na própria emissora de rádio (nós ouvíamos a Clube e a Nereu Ramos em Blumenau. Neste caso, era a Clube) e mamãe sugeriu: “por que você não vai?” E fui. Hoje, aos 62 anos, devo dizer que estou desde então no rádio. Mas, desse começo mágico falo depois. Voltando aos 8/9 anos, já vivia sob a magia das ondas do rádio. Cantava, imitando os ídolos da época e narrava futebol, isso mesmo! Narrava futebol. De tanto gritar, o espaço que me deram era o piso da varanda (fora das “4 linhas da casa”). Os de casa ficavam sem a histeria do narrador, mas os vizinhos tinham de ouvir. Há bem pouco tempo, Seu Lico, o vizinho da frente, me lembrou: “eu recordo bem da barulheira que você fazia e tinha certeza de que você ia parar no rádio”. Para narrar futebol, me apropriava das tampinhas de frascos de perfumes de minhas irmãs e, como se fosse um jogo de futebol de botão, encarnava os grandes narradores da época, desde Fiore Gigliotti, passando por Doalcey Bueno de Camargo, Valdir Amaral, Jorge Cúri e até os grandes narradores do rádio local, entre eles Jeser Jossi Reinert - que vem a ser tio do Jeter, nosso colega e diretor Presidente da Rede Cultura de Rádios, onde trabalho hoje com muito orgulho -, Pereira Filho, Edemar Anuzek e Willy Gonser que andou trabalhando em Blumenau antes de se transferir para grandes emissoras do centro do país. E tinham também os gaúchos Ranzolim, Pedro Pereira, entre outros. Imitava tudo e todos. E só dava Vascão, influenciado pelo irmão mais velho que, na sua volta ao servir na Polícia Especial do 90

De volta ao meu primeiro emprego, me submeto às regras do jogo. Meu instrumento de trabalho nem era o microfone e muito menos estar atrás de uma complexa mesa de som. Me deram a bicicleta e humildemente fui ser cobrador (que coisa chata, meu Deus!). Mas, bastasse estar na emissora, e lá estava o adolescente metido revirando arquivos e lendo as notícias em voz alta (talvez alguém me ouça, pensava). E, invariavelmente, estava entre a técnica e o estúdio aprendendo a lidar com os botões e os pick ups das músicas e dos comerciais. E, assim, fui me encostando na equipe de esportes, à época comandada pelo saudoso Rodolfo Sestrem e que tinha como comentarista uma lenda do rádio chamada de Tesoura Júnior. E já queria ir pro campo de jogo. E fui. Me ofereci para fazer a instalação dos equipamentos (maleta, microfone, fone, fios) e antes que os artistas chegassem já tinham à disposição as escalações dos dois times e do trio de arbitragem. Adorava fazer isso! Certa ocasião, dos 4 integrantes da equipe, faltaram todos, sim todos! E os times (Palmeiras de Blumenau e Carlos Renaux de Brusque) já estavam pisando no tapete verde e não havia narrador, comentarista, repórter, coisa nenhuma. Mas adivinha quem estava na cabine? Por caprichos do destino, da cabine vi do outro lado do campo, no acanhado Adherbal Ramos da Silva, estádio do Palmeiras, um colega de rádio que, às vezes, se integrava à equipe de esportes e era um bom comentarista. Lembro que gritei o nome do Galiiani (Moacir Bosco Galliani). Pedi que colocasse o fone (estrategicamente pendurado no alambrado) e disse-lhe que não havia ninguém para transmitir o jogo e afirmei: “Se você me ajudar fazendo os comentários eu narro”. Que loucura! Isso aos 17 anos! Lembro que o Galliani, já com seus cabelos brancos e com sabedoria, me disse na lata: “você sabe o que vem a ser senso do ridículo?” Eu disse: “Sim, sei!” E ele arrematou: “você nunca narrou”. Aí ele me deu a chance de dizer que desde menino narrava futebol de botão e que eu não teria medo de enfrentar pela primeira vez a audiência do grande público desportista ouvinte da Clube. No outro dia, acho que nem dormi, cheguei cedo à emissora e lá estava o gerente me estendendo a mão e me dizendo: a partir de hoje você é sócio do Sestrem. Enfim, uma brincadeira de criança, um sonho e a minha própria vida profissional, ainda hoje se resumindo ao rádio, que adoro. Não sou mais narrador, mas acabou sendo o início de toda essa trajetória até chegar ao jornalismo onde me encontro, em todos os sentidos!

Desenho: Bruna Fórmolo Roncalio (feito com manquim, aquarela e café).

Uma criança, seu sonho e sua vida!

Exército do Rio de Janeiro, trouxe tudo (flâmulas, distintivo, souvenirs) o que era do Gigante da Colina. Adivinhe qual a vítima preferida?


91


92


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.