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Carta de Natal para Elke “A mesa ideal sonhei feita de paz real, leal não a paz impossível dos acordos escritos, a mesa rara e comum ao mesmo tempo e feita sem desconfiança de tréguas passageiras entre irmãos, primos, grupos familiares e vizinhos na disputa sutil, réptil em secretos acordos sobre a liberdade.” Lindolf Bell, Trecho de “Carta de Natal para Elke”
*Todas as frases que se apresentam no canto superior direito de cada página são exertos da autoria de Lindolf Bell Capa: Desenho original de Ornella Jacobsen, feito em exclusivo para a Revista Valeu, inspirado na Carta de Natal para Elke de Lindolf Bell
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Editorial Pela primeira vez desde que começou esta aventura, escrevo pra Valeu à distância de um oceano. Regresso a uma casa onde tudo me é familiar menos este silêncio de morte. Acendo a lareira na esperança de um aconchego. Como que na expetativa de ser abraçado pelo fogo e embalado pelo crepitar da lenha. Em outros anos, por esta altura, um Presépio levemente iluminado estender-se-ia pelo canto da sala, anunciando a chegada do Advento e o vermelho do azevinho alegraria a mesa de jantar, coberta de travessas de rabanadas e pés-de-abóbora. Da cozinha, chegar-me-iam os aromas a míscaros guisados e os sons preparatórios das festas que se avizinhavam. Hoje, resta o silêncio. Sentado no meu quarto de infância, olhos postos num céu intensamente azul, apenas manchado ao fundo pelo sombreado imponente da Serra da Estrela, imagino o som dos quero-queros que me acordavam nas manhãs timboenses e o cumprimento gentil da Elisa do outro lado da rua. Ainda não é tempo de saudades, mas de uma leve melancolia pelos rituais perdidos. A Valeu nasceu assim. De pequenos rituais partilhados que, a cada dia, foram alicerçando este projeto. Passou um ano desde que me sentei em frente ao computador para escrever o primeiro texto pra Valeu. Um texto que falava do sonho de reunir num projeto editorial escritores, jornalistas, historiadores, artistas, produtores agrícolas, professores, sommeliers, empresários e, sobretudo, cidadãos comuns, com as mais diversas profissões, mas com a enorme vontade de intervir socialmente numa espécie de resgate de cidadania em torno da cultura, da etnografia e da história da sua região. Um texto que falava de um sonho que se tornou realidade. Realidade na vida dos artesãos e artistas que ajudámos a divulgar; dos muitos colaboradores a quem demos
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voz; dos agricultores que resgatamos do anonimato; dos mitos que ajudámos a desconstruir e, sobretudo, do orgulho que incentivámos pela pertença a uma cidade e a uma região que amamos e queremos cada dia melhor. Passou um ano sem passar um dia em que a Valeu não fizesse parte das nossas vidas. Por ela, passámos a ver a cidade de forma diferente, mais atenta e preocupada. Por ela, aprendemos a resgatar as muitas estórias que dão colorido à História da região. Por ela, percebemos a importância de entregar dignidade às tantas personagens que nos prestigiaram com a sua sabedoria e nos emocionámos com o brilho nos seus olhares. Por ela, aprendemos que há valores de que não podemos abdicar e princípios pelos quais lutaremos sempre. Para mim, em particular, que pela primeira vez não estarei presente quanto este derradeiro número do ano sair do forno, a Valeu resultou do estranho caso de amor de um estrangeiro por uma terra, que não sendo sua, passou a ser um bocadinho a sua Pátria. Uma pátria que aprendi a amar no canto dos seus pássaros, nas cores das suas árvores e das suas plantas, no intenso aroma das suas flores. Hoje, longe das emoções da proximidade que “comandam o trabalho e a fantasia”, entregue à serenidade que só o afastamento permite, orgulho-me, solitariamente, de cada uma das edições da Valeu e faço votos para que o ano que agora termina sob a égide do terrorismo político, religioso e ambiental, dê lugar a um Ano Novo melhor, pautado pelo respeito por todos os seres vivos, pela defesa do Planeta que nos acolhe e pela tolerância e amor por cada um dos nossos irmãos. Na Valeu tudo faremos para que assim seja. Porque, afinal de contas, como afirma Miguel Esteves Cardoso, “só um Mundo de Amor pode durar a vida inteira.” Texto por João Moreira
Colaboradores
João Moreira Editor e Repórter principal da Revista Valeu.
Beto Barreto Dono da loja Espanha Club de Timbó. É colunista social do Jornal Café Impresso. Além da Valeu colabora para as revistas Studiobox de Portugal e Angola.
Luiz Garcia Jornalista e cronista. Graduado em Comunicação Social com habilitaçao em jornalismo pela Universidade do Vale do Itajaí. Editor em publicações corporativas e institucionais.
Bruna Fórmolo Roncalio Estudante de arquitetura e urbanismo, adora corujas buraqueiras, ama observar paisagens e desenhar. Tem a música como companheira de todas as horas.
Margot Friedmann Zetzsche Enfermeira na Secretaria Municipal de Saúde de Timbó, Professora de Saúde Coletiva na FURB. Fotógrafa e escritora amadora.
Carlos Henrique Roncálio Carlos Henrique Roncálio tem 45 anos de profissão. É âncora do Repórter Cultura, edições matinais da Rádio Cultura de Timbó há 24 anos.
Nane Pereira Jornalista, graduada pelo Instituto Blumenauense de Ensino Superior (IBES/Sociesc). Atua como assessora de imprensa, como repórter e colunista de cultura.
Clara Weiss Roncalio Clara é repórter principal e editora da VALEU. Ativista na defesa dos direitos dos animais e do meio ambiente.
Nilson José Hebeda Nascido em Indaial, mora em Timbó desde 1998. Amante da fotografia em preto e branco, acredita que as cores podem nos distrair do que realmente interessa em uma fotografia. A emoção, as formas e as texturas aparecem muito mais em um registro sem esta distração.
Daniel Fabricio Koepsel Professor de História na rede pública e privada de ensino em Santa Catarina. É graduado em história pela Universidade Regional de Blumenau e autor do Representações da cidade: discussões sobre a história de Timbó.
Ornela Vanessa Jacobsen Ornela é natural de Timbó e em 2002 formouse em Comunicação Social pela Furb – Universidade Regional de Blumenau. Desde 2007 Ornela participa de diversas exposições de arte.
Esdras Floriani Holderbaum Nascido em uma família de artistas, trabalha como produtor musical e remexer, através do projeto Soundyouwish. Gabriel Weiss Roncalio Ambientalista e agricultor orgânico. Membro da PROORG - Associação de Produtores Orgânicos de Timbó.
Thérbio Felipe Professor Sobre Rodas, conferencista, Turismólogo, Gastrônomo e Administrador Hoteleiro, escritor, experiente cicloturista.
Heitor Castel’Branco Trabalha como Técnico Superior de Turismo e, durante o verão, exerce funções de Guia de Mergulho na empresa Norberto Diver. Colabora em diversos trabalhos na érea do Turismo e com a revista StudioBox Viseu.
Tiago Minusculi Tiago é formado em etiqueta a mesa e comportamento no meio gastronômico. Maitre, sommelier registrado na Itália com certificado internacional reconhecido, atribuído pela AIS Associazione Italiana Sommeliers.
João Albuquerque Carreiras João Albuquerque Carreiras é arquiteto paisagista licenciado pelo Instituto Superior de Agronomia de Lisboa, em Portugal. Viajante compulsivo é autor de inúmeros artigos de viagens.
Viviane Roussenq Jornalista, raro exemplar da era analógica se desdobrando para entender e viver em tempos digitais. Começou sua profissão como repórter de geral no JSC em 1982, tendo atuado em diversos órgãos de comunicação. Aos 23 anos escreveu seu primeiro e único livro de poemas, “Batom”.
Leo Victor Koprowski Formado em Direito pela FURB, Leo é advogado e consumidor compulsivo de música nova.
VALEU // 6ª EDIÇÃO DEZEMBRO. 2015 DIREÇÃO // Carlos
Henrique Roncálio . Bruno Esteves Moreira . Clara Weiss Roncalio COORDENAÇÃO // Susana Andrade . João Moreira DESIGN GRÁFICO e redação // Studiobox.pt IMPRESSÃO // Tipotil Indústria Gráfica
Lopo Castilho É licenciado em História, e desde longa data tem participado em diversas iniciativas de promoção de vinhos, bem como de defesa de produtos de Denominação de Origem Controlada. É o fundador e responsável pelo projecto Museu do Saca-Rolhas.
EDIÇÃO // João
TIRAGEM // 1000 CONTATOS //João
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Beth Germer - Uma Viagem ao Mundo dos Sonhos
A Beth é uma das grandes personalidades de Timbó, uma das grandes pessoas que moram aqui. Sempre envolvida com trabalhos de grande relevância para a cidade. Foi professora, trabalhou no meio ambiente, na Prefeitura, no Museu do Imigrante, ajudou a fundar a APAE de Timbó, onde participa efetivamente há 36 anos, também ajudou a fundar o Grupo de Escoteiros Alexandre Roepke, do qual foi a primeira Presidente. Casada há 12 anos com seu companheiro, Walter Momm, atualmente é colunista social do Jornal do Médio Vale, além de continuar desenvolvendo seu trabalho na APAE. Nesta entrevista, vamos conhecer um lado dela que a maioria desconhece. Talvez o lado de cigana, como ela mesma se intitula. Um lado verdadeiramente especial e que a faz ser essa pessoa extraordinária que vemos, de vez em quando, caminhar pela cidade, com suas roupas características, sempre com um detalhe em vermelho (cor que ela adora).
No dia em que a entrevistamos, fomos logo recebidos com um cafezinho e cuca da igreja! O mesmo café para os três: preto sem açúcar. “Ahhh! Vocês são do meu time! Café tem que ter gosto de café! Eu tinha uma amiga alemã que dizia o seguinte: kaffee muss stark sein dass er Tote erweckt! (café tem que ser forte que acorda defunto!)
Eu sabia a rua em que a Beth morava, mas não qual era a sua casa. Mas é impossível não perceber que aquela do fim da rua, com um monte de plantas na entrada, é a casa dela.
Ela ama a natureza, as plantas em geral, mas tem uma paixão por flores. E elas não estão só no seu jardim, dentro da casa tem alguns vasos com flores colhidas nos passeios que costuma fazer e também arranjos com marcela, e vários objetos de decoração, folhas secas, passarinhos pendurados fazem o cenário da casa dessa gnoma, que vai ter um pouco da sua história contada agora.
“Beth??” “Ooiii?!! Entra!!”
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“Oh! Convém, inteiramente, convém viver.”
“À noite, eu escutava as pererecas gritarem por causa das cobras. Pulava da janela, ia lá no meio do arroz pra salvar. Imagina se fosse uma jararaca, eu não tinha medo de nada. No outro dia, meu pai só olhava para aquele caminho no meio do arrozal, e perguntava: “Quem fez isso?” “Quem foi? Tua filhinha!!” – meu irmão dizia. Chicote velho rolava de novo. Apanhei muito por causa de animais. Quando matavam um porco, pra mim era dia de martírio. Eu corria nos vizinhos e tampava os ouvidos. Um dia, por infelicidade, mataram um bezerrinho. E eu achei a cabeça. Gente, eu chorei tanto, chorei tanto, chorei tanto!!! Teve peste de gado. Aí minha mãe disse, por animal a gente não deve chorar. À noite eu pulava a janela, ia na estrebaria e acariciava o gado, que gemia de dor, por causa da raiva bovina.”
Começamos falando sobre sua infância, na Mulde, lugar onde nasceu e também onde teve início sua relação de amor com as plantas e com os bichos. “Eu tive uma infância muito bonita! Segundo minha mãe, nasci num domingo, 3 de março de 1940, tenho meus 75 anos aqui, já. O meu pai atravessou o riacho na Mulde, lá pro outro lado, nos vizinhos de vocês, para chamar a D. Tecla Heinig (nascida Teske, irmã do Rodolfo Teske, do Salão). Mas eu já tinha nascido, tinha pressa. Minha mãe disse que me virou e esperou a D. Tecla vir. Acho que quando deram o primeiro banho, eu gritei... e devo ter colocado a boca no mundo!”
Ela fala da sua infância sempre com seus olhos a brilharem de saudade dessa época mágica! “Eu tive uma infância muito boa. Jogava corrida de cavalo com os vizinhos. No Reno Voigt tinha ponte de tábuas, um dia, tava molhado, o cavalo escorregou pra cá a Beth pra lá. Eu fiquei pendurada no arame farpado com a cabeça dentro da água. O que eu fiz? Eu puxei e rasguei tudo!” – o que acabou lhe rendendo uma cicatriz no pé que tem até hoje.
Dizem que os animais sentem a energia da pessoa... “Desde sempre gostei de animais. Nós tínhamos um boi chamado César, um boi muito brabo. Um dia ele estava com carrapicho na boca. Todos estavam de cabelo em pé, porque eu atravessei a cerca e dizia: naim naim, Cesar bissig nicht (César não morde) e tirei os carrapichos do focinho dele. Eu era criancinha, mal sabia andar. O boi baixou a cabeça e fizemos amizade.”
Diferente da maioria das menina de sua idade, Beth nunca se conformou com o fato de ter que ficar com os serviços domésticos enquanto os meninos podiam se divertir. “Aos domingos, no interior, as pessoas tinham costume de se visitar. Eu não tinha irmãs, e meu irmão, principalmente o Adolfo, era um abutre! Vinham as meninas brincar comigo e ele dava um jeito de jogar ovo de pássaro na cabeça delas, nem sei tudo o que ele fazia... ainda por cima, minha mãe saía e falava em alemão: Elisabeth, mach die junges schon kaffee! (Elisabeth, faz um café gostoso para os rapazes, tá?) Eu socava alho e colocava no café. Uma vez, o Stilfrid Kreyssig tomou. Eu disse: Toma o café, Stilfrid. Ele tomou com o dente comprido, mas com vergonha de deixar o café na xícara.”
Conta que montava no cavalo sem cela “como um índio!”: sem cela, sem freio, usando somente um cabresto improvisado por ela. “Meu irmão Adolfo tinha medo de cavalo. Eu treinei um cavalo que corria atrás dele. Aos domingos escondiam os encilhames para eu não montar. Mas eu fiz um cabresto com cortiça. Domingo o chicote comeu solto. Eu tava vestindo uma blusa vermelha que tava cheia de pelos de cavalo. E minha mãe me pegou!”
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E não para por aí.
“Quando eu vejo alguma coisa e penso que posso aprontar com alguém, me dá coceira nas mãos. Me divirto às custas dos outros. Mas quando eu faço alguma coisa, é porque eles me provocam.”
“Eu tinha um cachorro, o nome dele era Rex. Eu treinei ele! Só precisava falar “reco, reco, reco” ele corria atrás dos meus irmãos e dos amigos deles. Eu tinha meus aliados, meu cachorrinho era meu aliado. Os rapazes podiam brincar e eu tinha que fazer o café? Era muita sacanagem!”
Antigamente, as pessoas tinham o costume de fazer cristel. Aí tinha aquela ponta que era parecida com uma piteira. E fomos achar uma. O Steffen Kraise disse “ah, isso eu vou levar pro Oswald (seu irmão, já falecido). Ele pode vender isso lá no exército. – Pra limpar, o amigo colocou o cristel na boca e começou a soprar. O Adolfo olhou pra ele e disse: “Stefrid, sabe lá quantas pessoas já tinham isso no ....” – Ele cuspia, era época de laranja verde, ele mordia as laranjas e cuspia, cuspia...”
Sua mãe era neta do primeiro morador da Mulde: “ele deveria ser considerado o primeiro morador de Timbó, pois a colonização começou ali. O Frederico Donner não fundou Timbó, ele foi incumbido. Assim como o Doutor Blumenau foi incumbido pela Fundação Hanseana.”
Adolfo e João
Diante de uma doença grave, o tifo preto, mesma doença que levou seu irmão aos dez anos, se viu obrigada a abdicar da sua paixão pela roça. Ela era chamada pelo Dr. Hans Muller de milagre ambulante, pois ficou duas semanas em coma e também porque famílias inteiras morreram na Mulde”
“Eu tinha trança comprida, um dia o João Thiesen e o Adolfo me pegaram pelo cabelo e me amarraram na árvore. Eu não sentia dor. Fazia Hatha Yoga, treinava pra não sentir nada.” – conta que aprendeu a fazer Yoga sozinha, quando era adolescente, lendo os livros que tinha em sua casa.
“Na Mulde, eu era professora, enfermeira, veterinária, à noite ensinava alemão para os filhos dos colonos, tudo gratuito, pegava a bicicleta e aplicava injeção, quando alguém estava pronto para ir para o andar de cima eu ficava do lado, bem sozinha às vezes, lavava os defuntos. Tudo isso eu fazia!”
“Meu esconderijo era em cima do rancho onde eu podia ler e ninguém subia lá. Eu trepava a parede e lá eu sentava e lia. Eles me chamavam pra trabalhar e eu com meu livrinho lá. Lá eles não podiam ir.” “Agora, esse João eu aprontei tanto, tanto... Ele era de Blumenau e veio para Timbó e ficou um tempo morando lá em casa. Ele caçava prea e fritava. Ele estava interessado numa moça, na Wally Hamann, mãe do Chinha. Eles nunca tiveram nada. Eu, um dia, escrevi uma carta pra ele e uma pra ela, marcando um encontro em cima da ponte, onde embaixo tinha uma pedra pra eu poder ficar espiando pelas gretas. Meia hora antes eu já tava de plantão. Ele era tão vaidoso, tão vaidoso, aí veio ele penteando o cabelo e ela veio de bicicleta “o que que tu quer?” “Ééé, eu recebia a tua carta” – ele pra ela. “O quê? Tu que me escreveu!” Ele apanhou dela “pif, pif ” e foi embora que nem um cachorro mijado. E a Beth botou a cabeça na água pra não explodir de tanto rir!” – conta referindo-se a ela na terceira pessoa.
“Aprendi a ler e escrever com meu avô (Freymund Germer), mas em língua alemã. Com oito anos já estava alfabetizada. Eu fiz o regional, o normal, fui pra faculdade, me formei em Curitiba no Instituto Goethe em língua alemã, me formei pela Universidade de Brasília em Gestão Ambiental.”
“Esses dias encontrei os dois na Farmácia, mas eles não sabiam da minha arte e eu disse: “Aham, hoje o encontro é na farmácia? Não é mais em cima da ponte? Aí eu acho que eles antenaram!”
Algumas peripécias da Beth
“Era época do laquê, eu enrolava o cabelo e ele (João) curioso... isso ficava bom no meu cabelo? Ficava. Lindo tu ia ficar. Eu faço, só não pode olhar no espelho antes de ficar pronto. Eu desfiei o cabelo dele. Ele ficou parecendo o Tony Tornado branco. Eu usei uma lata. Ainda vejo, hoje em dia, a cara dele quando olhou no espelho. Eu pulei a janela e fiquei o domingo todo escondida no milharal. Como ele tirou aquilo eu não sei.”
“Eu aprontei tantas, tantas, tantas, tantas... O Juvenal Correia que diz: Pra pagar tudo que ela fez, precisa viver mais de cem anos!” E o amigo Olimpio Correia disse que não dá pra tirar os olhos da bolsa quando visita a Beth, que ela coloca cascas, banana podre... o que só acaba descobrindo quando chega em casa.
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Sapos na cama
Brincando com a superstição
Durante uma festa na casa do amigo Demerval Mafra, ela soltou pela janela do quarto um monte de sapos. “Quando ele foi pra cama sentiu uma coisa estranha nas pernas...”
“Na Mulde eles eram supersticiosos... eles falavam do sétimo livro de Moisés. Um coronel do exército disse que o dia que ele ver alguém com esse livro dá um tiro na testa. Eu sei de algumas famílias que ainda tem. Nunca consegui por o olho nele.
Morcegos no ônibus
Um domingo eu me vesti de homem e fui pela rua. Veio a Frau Hamann e me viu e dizia Satan, se afasta. Tinha 10 pessoas ao meu redor num pasto e eu queria ir pra casa. Eu parei batia com a bengala e olhava... tive que me jogar no riacho pra ir pra casa. À tarde, tinha um encontro na casa do meu avô. Eu estava lendo no sótão e escutei que eles queriam me chamar. Me chamaram e perguntaram o que eu achava daquele homem que havia aparecido. O Velho Gross disse: era um olheiro do sol, porque ele parava e olhava o sol. E eu: Tá brincando!!”
“Eu pegava ônibus lá no Encano do Norte. Tinha um motorista que passava e fazia sinal pra eu pegar o próximo, que vinha logo em seguida. Um dia eu peguei uma caixa e enchi de morcegos, eu desci e deixei a caixa na parte de cima do ônibus, onde se deixa as bolsas. O Ovídio (que agora trabalha no Restaurante Paromas) era cobrador na época, ele e o motorista foram curiosos e abriram a caixa, os morcegos começaram a voar dentro do ônibus.”
Pastor Nelso
Intérprete
Vocês falaram do Pastor Nelso e me lembrei. Eu era muito traquina. Eu tava sozinha um domingo no mato. Eu até dormia no mato, uma vez me perdi. Pra mim é vida! Eu preciso disso pra me sentir gente. Um dia, veio o Pastor Nelso com uma turma de confirmandos, de alunos. Eu pensei: ahhhh, é hoje! Então comecei uh, uh (imitando o barulho que fez na ocasião, imitando um bicho). Ele veio andando pela picada que eu tinha feito, mas eu não corto, só afasto as plantas com as mãos. E eu imitei o bicho de novo uh, uh, ele então: “Eu acho que nós não vamos por aqui, vamos voltar por ali! Ele saiu com medo com as crianças” Eu saí por outro caminho, fui pelos barrancos e depois encontrei ele com a turma, ele só falou: “ Aham... Ahhhh Elisabeth! – ele só disse.”
Ficou com as professoras da APAE durante quase um mês, na Alemanha e na Itália. “ Na Alemanha, onde fui estudar com as coordenadoras da APAE tínhamos palestras com um professor e as minhas amigas sempre querendo me casar. Como elas não sabiam falar o alemão, eu tinha que fazer o papel de intérprete. Eu traduzia tudo errado o que ele falava, falava um monte de besteiras e elas não podiam rir.” A Beth disse que a APAE daqui, comparada com as de lá, é muito evoluída: “aqui tem calor humano!” – afirma com um carinho imenso falando dessa instituição.
Disfarçada de homem “Lá no Teske eu fui um homem lindo. Uma domingueira eu dancei com toda a mulherada. Ninguém sabia quem eu era. Eu fui embora e elas todas atrás me espiando. Eu fiz de conta que parei pra fazer xixi e elas falavam: “é homem mesmo, ele fez xixi e até chacoalhou!”
Baton no trinco da porta do carro “Tem homem que apanhou em casa! Uma vez quando estudei alemão, coloquei na porta do quarto de um pastor. Aqui colocava no trinco das portas dos carros, nos guidons das motos e bicicletas. Eles sujavam as mãos e esfregavam na roupa. Depois tinham que se explicar em casa”
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Época de professora
O feitiço vira contra o feiticeiro.
“Uma vez roubei a bicicleta do Walmor Fachini (já falecido), lacei no coqueiro no colégio. Ele passou embaixo e não viu. Foi até na delegacia dar queixa!” -Ele soube que foi você? – Perguntamos. -Desconfiar é uma coisa, provar é outra. – respondeu séria.
O Waldir Girardi, meu sobrinho, e o João Alberto Schmidt trabalhavam na Celesc. Quando eu queria aprontar uma eu sempre tinha meu aliado. Pedi pro João ligar o rádio na Celesc. Eu liguei para o Janildo e disse, com um sotaque bem alemão, que queria oferecer uma música para o meu namorado e para o namorado da minha amiga: “somos aqui da Obavolda, as patroas foram passear e agora podemos ligar!” Eu ouvi eles dizendo “escuta aqui que colona falando”. Qual a música? Não fai empora meu pem! Mas ofereci pros dois, o João levou o rádio achando que eu ia aprontar só com o Waldir... Então, eles juraram vingança. Foram no Gigio, gerente da Rádio na época e tramaram pra aprontar comigo. Um dia, meu filho Sérgio tava no radioamador e o Waldir falou cantando “quem ri por último ri melhor”. Na manhã, o Sérgio antes de sair disse pra Ulla, uma moça que eu cuidei pra ela estudar, ligar o rádio ao meio dia. Eu fui de ônibus pra Indaial e disse: escuta, eu mandei um negócio aqui pra Rádio não sei se já entrou, disse meu nome, eu queria tirar, acontece que eu estou indo pra São Paulo hoje e isso está na minha chácara e quem estão cuidando são meus sobrinhos.
“Teve uma vez, era verão, e eu tinha um desodorante na bolsa, porque um banho francês vai bem... O Hermes Dalmônico, metido, sempre pegava pra usar. Um dia eu coloquei creolina. Abri a bolsa e falei: esses produtos cada vez mais caros... Ele pegou e passou. Eu sou inocente, ele tirou da minha mão! Ele tinha um casaco e eu disse que ia levar pra lavar. Peguei e troquei os botões por botões bem grandes e devolvi pra ele.” O Gelindo Buzzi trazia laranjas grandes. Eu enchia a laranja de pimenta com uma seringa. Um dia ele comprou um queijo bem grande, dei uma mordida e eu embrulhei. Eu era tão ruim!! Aí, teve uma vez que me provocaram, eu deixei um ovo apodrecer um mês e coloquei num pote de conserva. Eu coloquei embaixo da mesa dele. Fedia todo o Colégio (Ruy Barbosa) de ovo podre.
Foram anunciados: uma zorra, uma égua, porcos, uma potranca... e coloquei o nome dos dois. Eles tinham avisado todo mundo pra escutar a rádio. O pessoal foi lá e queria comprar. Eles tinham pago o anúncio para passar durante 8 dias!!!!
Vendendo batata “Eu ia com o Waldir Girardi dois anos no sábado e domingo de enxada onde hoje ele tem o chalé. Fizemos tudo a “muqui”. A gente plantava, minha cunhada fazia pão com kochkaese. Eu plantava e ele vinha “não, aqui eu não quero isso!” – então eu plantava em outro lugar. Aí tinha um terreno afofado e eu plantei batatinha. Elas ficaram lindas! Um dia eu disse: hoje não vou, tenho um compromisso. E ele disse que também não iria. Então, eu convidei a Mike Gessner pra ir comigo. Fui lá e tirei um monte de batatinha e fui na casa do Waldir perguntar se ele queria comprar uns quilos de batata que eu tinha trazido de Campo Alegre. Ele disse: Ahhh sim! Ele comprou as batatas dele. No outro fim de semana ele viu que alguém tinha mexido no canteiro dele.”
Sobre as tradições que vão se perdendo (e que vamos perdendo)
O Stüpp
“A serenata de Páscoa começava depois da meia-noite, para anunciar a ressurreição de Cristo. A gente ganhava um dinheirinho, ganhava cuca, ganhava schnaps, era festa, só alegria. Era costume fantasiar os homens de mulher e vice-versa, eu era craque em fazer fantasias. Eu tinha poucos vestidos, só três, que eu tinha ganho de uma tia de Florianópolis, nós éramos pobres. Umas saias godê bonitas, eu vesti nos homens e fomos lá nos Draeger, na Mulde, entramos pelo portão, a gente tinha aquele berrante e “tut, tut, tut” e o gado tava solto e “tut, tut, tut”, então o gado veio atrás, quem disse que passaram pelo portão, eles tiveram que passar pela cerca e os meus vestidos ficaram pendurados. Eu fiquei sem vestido!!! VERDADE, VERDADE! ELES FUGIRAM QUE NEM UNS PATOS NO MEIO DA CERCA. Mas tudo era alegria, tudo era bom! Era tão bom!” Nós já tivemos o privilégio de receber a Beth e seus amigos do Stupp lá em casa há alguns anos. Era muito
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mimos do brasil a flor perferida da Beth
especial... lembro de levar um susto com o barulho dos carros parando em frente da casa e, de repente, eles começaram a tocar e a cantar em coro. Era lindo e mágico!
Natal “Antes do Natal tem o Dia de São Nicolau do dia 5 para o 6 colocávamos o sapatinho na janela. Não haviam esses enfeites antes. A árvore era colhida na Noite Santa, dia 24. Era enfeitada, as crianças não podiam ver. A mãe fazia aquela cuca de forma, a napfkuchen (um bolo seco com fermente de pão) e pão de trigo. Ela conta que antigamente o trigo só era utilizado em datas especiais como: Natal, Ano Novo, Páscoa e Pentecostes. Assim como a carne de gado. “À noite era feita carne de panela, a carne de gado também. Aquele perfume na casa... No jantar, eram acesas as velas e todos rezavam e cantavam canções natalinas. Eram 3 dias de festas que eram sagrados (24, 25 e 26 de dezembro)” “Os enfeites eram deixados até o dia 6 de janeiro, dia dos Reis Magos.”
A paixão pela fotograf|a Diz que seu pecado capital é a fotografia. Começou a fotografar quando trabalhava na Prefeitura, na época do Prefeito Donigo Wolter. A Beth é uma das pessoas que mais ajuda a preservar a história da cidade, e também da região. “Muitas pessoas queriam jogar as fotos antigas fora. Eu tirava cópia para mim.” Quando precisamos de uma foto antiga da cidade para a última edição da VALEU, fui na casa dela. Ela trouxe as caixas de fotografias e falava de cada uma, sabia a história de cada pessoa e de cada lugar que apareciam nas fotos. Beth, como você avalia o que tem sido feito pelo meio ambiente em Timbó? “A ecologia virou moda e não é por aí. Isso tem que sentir. A natureza não faz moda. Você planta uma árvore, elas levam tanto tempo pra crescer... São feitas podas em época de floração. A árvore sofre, ela chora, só não fala. Se eu vou no mato, eu vejo uma árvore e ela se verga na minha frente. Árvore é vida. Ela só não se locomove, só não se comunica (com os leigos).
Nós tínhamos um feriado, a ascensão do Senhor que foi tirado. No interior ainda se faz. Relembrando o Natal da época de sua infância, a Beth conta que era muito comum as pessoas se visitarem de carroça. Como ela mesmo disse: “As pessoas eram mais umas para as outras.” Também sustenta que antigamente as crianças valorizavam mais o que ganhavam, porque não era comum ganhar presentes ou mesmo chocolates e balas, muito pelo contrário. As datas tinham esse lado especial justamente por causa desses momentos extraordinários. “Hoje em dia, eu tenho pena das crianças... nos jogávamos peteca, de brincar de esconder, hoje elas não sabem mais brincar, mais fazer um brinquedo. Alegria pura de criança não existe mais. Como a gente esperava esse Natal pra ganhar um chocolatinho, uma bala. Hoje elas ganham todos os dias. Castraram aquela alegria pura do ser humano. Isso não existe mais.”
Não se respeita os riachos. Esses loteamentos... Quando eu estava no Meio Ambiente, consegui salvar um riacho (lá no Material de Construção do Hamann). A nascente vai embora e não fica no lugar. Muito em breve vão procurar essa água. Quando abrem um loteamento, a primeira coisa que querem fazer é esconder as nascentes. Já vão logo tubulando.”
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Eu sou luterana no papel. Mas, pra mim, religião é algo seu. Você cria e cultiva dentro de si. Por isso gosto de ir no mato. Não sou panteísta. Uma vez um pastor disse que eu era. Eu sinto o espírito criador. Eu trabalhei treze anos no mato. Eu sou mateira! Foi a profissão que mais gostei... Andar no mato, identificar árvores, preservar a natureza, falar com o espírito da floresta, ver os gnomos, os duendes... a mata é viva, tem vida! É só tu prestares atenção e acreditar. Você nunca está sozinho no mato.” .............. Infelizmente, algumas semanas depois da entrevista que fizemos, o seu filho Sérgio faleceu. Esse filho que já deu tanta alegria pra mãe.
Ela acredita que essa falta de respeito que se tem com as nascentes é um dos fatores que colabora para a ocorrência de enchentes em nossa região. “Eu não sou engenheira, não sou nada disso, eu observo. A gente pode ler na natureza, que nos dá sinais de ensinamento. Observo os bichinhos, observo as andorinhas que voam baixo para comer as mosquinhas que sobem com medo da água. As minhocas, as formigas, todos dão sinais. Na Mulde tem um fato interessante, verídico. No Zilse, uma vez caiu uma avalanche. Eram 11 horas da manhã, eles estavam capinando na lavoura, de repente, o gado começou a mugir, levantar a cola e fugir. Eles acharam que era um enxame de abelha, mal eles saíram e veio tudo pra baixo. Os gatos sentem quando alguém está doente. Se eu tenho dor no joelho, meus gatos deitam em cima. Tem alguém mais fiel do que os cachorros? Todos nós fazemos parte do Meio Ambiente. Lamentavelmente estamos destruindo. “Aquela bucólica Timbó que tenho na lembrança não existe mais. É tudo muito rápido. Só pensam no comércio e não é por aí! A cidade está bonita, o Pavilhão ficou bonito, mas também é muito modernismo.
“... tenho um filho maravilhoso! Que vale por dez! Me dou muito bem com ele. Nós vivíamos como dois irmãos. Ainda hoje nos damos muito bem... quando morávamos juntos, ele me pegava, me arrastava no chão e dizia: agora vamos encerar esse chão... quando ele saiu de casa, eu me senti muito sozinha” Não há o que dizer ou fazer diante dessas situações tão inesperadas e tristes que acontecem nas nossas vidas. Nós só podemos oferecer nosso ombro amigo. E eu vou guardar na memória a imagem do Sérgio com a sua jaqueta de couro e com aquele sorriso especial, quando os olhos sorriem junto. Para finalizar, eu quero agradecer de todo meu coração à Beth, por ser quem ela é, por me lembrar dessa magia que existe na natureza, por tornar a vida mais divertida, pela homenagem que fez pra minha mãe no jornal... ah, Beth, e pela caixa de revistinhas do Tio Patinhas que tu me deste quando eu era criança, que eu lia sempre antes de dormir e também logo que acordava. Essa foi a mensagem que ela deixou na última visita que fiz em sua casa: “Está tudo escrito nas estrelas. Tudo programado, tudo traçado na vida da gente. A gente tem que aprender a conviver com tudo, mas o mais importante é se aceitar. Fazer tudo o que é bom pra gente, não pisar em cima de ninguém, mas devemos fazer o que é bom pra gente e deve se convencer disso. Ninguém vive a tua vida. A vida é tua. Tenho que conviver com todas as asneiras que eu fiz. Não tenha medo de decepcionar ninguém. Tenha medo de decepcionar você. Viver o que acreditamos ser o melhor para nós. Tanta gente que é infeliz, infeliz, infeliz, porque se preocupa com o que o outro vai dizer. É isso!”
No Museu de Imigrante eu não vou mais porque eu choro. Eu havia plantado tudo que o Imigrante tinha no jardim, cortaram tudo! Azaléia, tebloom (chá da meia noite), carambola (que era usada como tomate), abacate (veio mais tarde, eles não tinham logo). Falando em tomates, vocês sabem onde posso vender os meus?” Abrimos a janela e vimos um pé de tomate exuberante, cheio de tomatinhos verdes. O quintal atrás da casa da Beth é cheio de várias plantas e muitas flores, e ela sabe a história de cada uma. O que é religião para você?
Texto por João Moreira e Clara Weiss Roncalio Fotos por Clara Weiss Roncalio
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“não foi fácil dizer adeus não sei se vou te encontrar um dia tomara que sim”
Margaridas a mesma música uma manhã toda tocava tocava e eu não me cansava de repetir passos curtos andei por todos os cantos da tua casa vi teus instrumentos teus desenhos tuas roupas tua cama tudo teu ali em toda parte tu estavas eu sentia margaridas o céu tão tão cinza margaridas tão pálidas e lindas hoje vesti o vestido da minha tua flor preferida (depois das orquídeas) como no primeiro dia margaridas não foi fácil dizer adeus não sei se vou te encontrar um dia tomara que sim Texto por Nádege Giovanella Ilustração de Marlon Janke
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Amigo Verde Papai Noel Verde
“Quando valores éticos estiverem mais presentes na índole e nos costumes de cada pessoa, não precisaremos mais de governo para nos governar. Seremos livres de fato. “
É fim de ano e o capitalismo-cristão está em festa. A correria nas ruas e o semblante atento das pessoas que querem deixar tudo pronto até o natal e também garantir o presente para todas as pessoas queridas. Ainda que isto possa significar dívida para o próximo ano, vale a pena ver a felicidade estampada no rosto e nas palavras de agradecimento de quem recebe. Falando nisso, onde estão seus presentes de natal do último ano? Guardados, em uso, ou já foram para o lixo? O natal também é isso, descarte. Aliás, somos experts na “arte” de descartar coisas que achamos não serem mais úteis, e a produção de lixo em escala fenomenal é um dos frutos estragados do capitalismo. Devido a nossa irresponsabilidade, parte deste nosso lixo acaba indo para os oceanos formando gigantescas ilhas de plásticos, em forma de macro e micro fragmentos, formando algo como uma “sopa de plástico” muito difícil de ser recolhido, talvez até impossível, comprometendo a vida marinha num todo, pois várias espécies marinhas utilizam estes locais como abrigo e também acabam ingerindo este material confundindo com alimento. Esta situação é muito grave e muito triste também, é um crime e devemos pagar. Ou será que já estamos pagando? O capitalismo sempre existiu oculto em nós, dentro de nosso desejo primitivo de ter e acumular coisas materiais, muitas vezes, por cobiça ou inveja. Crescemos em uma sociedade de consumo e o consumo humano, por não ter limites, se tornou a causa de quase todos, ou todos, os problemas ambientais do planeta Terra. Não se pode negar que adquirimos várias coisas com o capitalismo como: conforto, comunicação, locomoção, lazer, etc. Porém, não é para todos. O capitalismo é desigual e serve, principalmente, a um pequeno grupo de pessoas que são donos das maiores corporações do mundo, ou seja, os donos do mundo. O petróleo, os grandes laboratórios, a indústria bélica, grandes mineradoras e a indústria alimentícia, servem a mesma economia. São eles que decidem o rumo que a sociedade deve seguir. São eles que elegem e tiram os presidentes, são eles que promovem a guerra em nome da “paz” e são eles que financiam pesquisas e viagens espaciais, como a futura e não distante colonização de Marte, não apenas para promover conhecimento e sim para viabilizar a continuidade do capitalismo quando a Terra estiver morta, ou quase morta, o que não deve acontecer, espero. O rompimento da barragem de contenção de resíduos de mineração em Mariana- MG, um dos maiores desastres ambientais da história do mundo e o maior do Brasil, também é culpa nossa. Quem sustenta este tipo de atividade? Quem sustenta a extração de petróleo? Quem sustenta a derrubada de florestas para a implantação de pastagens para gado e monoculturas como soja e milho? Não são apenas os donos do mundo ou seus
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“O lugar do poeta é onde possa inquietar.” governos com subsídios que sustentam estas atividades, somos nós também. É importantíssimo raciocinar sobre qual a nossa parcela de culpa nisso tudo. Este, perverso, modelo econômico é assim porque ajudamos, porque somos consumidores deste lixo todo produzido por empresas como esta mineradora. Este é um assunto para uma matéria inteira e digo mais, é assunto para um século! Este é o tempo estimado por alguns cientistas para que o Rio-Doce, que recebeu aquela enorme quantidade de lama tóxica, volte a ter vida normal e volte a ser doce. Embora acredite que o poder mágico de regeneração da natureza seja mais rápido que isto, preciso enfatizar algo que ouvi de um geólogo em uma entrevista sobre este assunto que é o seguinte: “ ...não existe mineração ecológica.” Ou seja, a mineração de qualquer material é ruim para os ecossistemas e ruim para o Planeta Terra, mas é bom para o capitalismo e para a continuação deste modelo econômico falho que conhecemos e que nos custa muito caro. As horas de nosso trabalho são horas de nossas vidas.
Um breve conto natalino Nicolau era um jovem de família rica, porém, insatisfeito com a situação de pobreza existente no vilarejo próximo as terras de sua família. Ele decidiu então fazer algo que pudesse amenizar a situação dando um pouco de felicidade para as crianças daquele local. Nicolau aprendeu com um artesão local a fabricar alguns brinquedos bem simples, alguns de madeira, outros de tecido e alguns de madeira e tecido.
Acredito que somos vítimas de nossas mentes fracas, que se deixam levar por comerciais e propagandas de coisas que são, na maioria das vezes, falsas necessidades, e por ganância também. É fato que as indústrias são responsáveis pela enorme produção de lixo no mundo devido à má qualidade e durabilidade de seus produtos, que são feitos para estragar logo, para assim vender mais e com maior frequência. Me provem o contrário! Um grave erro dos governos é permitir a produção e comercialização de materiais não recicláveis. Não adianta ensinar nas escolas a regra dos 3Rs (reduzir, reutilizar e reciclar) se o queijo e o presunto vem numa embalagem de isopor não reciclável ou se depende de uma logística inviável para a reutilização.
Quando chegou o solstício de inverno, época em que se comemorava o Natal no hemisfério norte, Nicolau havia fabricado uma grande quantidade de brinquedos. E quando chegou a noite, ele, que não era de querer aparecer muito, vestiu seu manto verde e resolveu entrar escondido nas cabanas das famílias pobres, deixando brinquedos para as crianças que ali moravam. Na manhã que seguia, ouvia-se de longe a euforia daquelas crianças brincando. Nicolau ficou feliz, pois esta era sua recompensa, ele sabia que para existir um adulto bom, é necessário que sua infância tenha sido feliz. Com o tempo a notícia se espalhou e as famílias ricas sentiram uma grande inveja do fato de que suas crianças não haviam ganhado presentes como a dos pobres, embora, bens materiais não lhes faltassem. Então, nos anos seguintes começaram a comprar ou mandar fazer brinquedos para seus filhos e entregá-los na manhã de natal. Para a tristeza dos pobres, Nicolau envelheceu e morreu e, quem podia, continuou com o ritual de entregar presentes não só para as crianças, mas para outros adultos também. E foi assim que começou, como uma forma de dar alegria aos pobres, pelo menos em uma época do ano, a lenda do homem que entrava nas casas e deixava presentes, conhecido hoje por nós como Papai Noel.
Vários materiais são subprodutos do refinamento do petróleo e eles estão presentes, mais do que nunca, em nossa vida. Cientistas afirmam que existem partículas de plástico no organismo de quase todos os humanos, como as dioxinas e claro, associado a isto, inúmeros problemas de saúde, como câncer, má formação, ou deformação congênita em fetos, além de esterilização, Mal de Alzheimer, déficit de atenção e outros ainda não diagnosticados. Precisamos consumir coisas, viver bem, ter conforto. Todos nós! Existe lugar na Terra para pelo menos três vezes a população atual, mas não desta forma que vivemos. O que fazer para mudar? Acredito que não existe apenas uma receita para fazer a coisa certa, pois somos bilhões de mentes pensantes e cada um tem sua própria resposta, porque sua vida é única. Quando valores éticos estiverem mais presentes na índole e nos costumes de cada pessoa, não precisaremos mais de governo para nos governar. Seremos livres de fato. Somos inteligentes e devemos avaliar nossas atitudes, pois tudo tem impacto, toda ação tem uma reação, seja ela de grande ou pequena proporção, esta é a lei do karma que é a Lei do Ajuste, em todo processo natural onde ocorre uma perturbação, um ajuste deve ser produzido para reestabelecer o equilíbrio. A evolução humana é necessária, mas só podemos evoluir juntos.
Séculos mais tarde, em uma jogada de marketing, o capitalismo pintou de vermelho as roupas do Papai Noel. Hoje, poucas pessoas de famílias nobres sentem a compaixão aos menos favorecidos pelo sistema econômico, assim como Nicolau sentiu antes de se tornar mito. Texto por Gabriel Weiss Roncalio
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Café Timbó: a história do café sombreado um legado importante, a memória histórica da primeira e talvez única fábrica de moagem e beneficiamento de café da cidade de Timbó. Entretanto, não importa muito se essa fábrica foi a primeira ou a última, mas sim a relação que ela estabeleceu com os cidadãos da cidade, haja vista, que pouco se fala sobre a plantação de café na cidade de Timbó e arredores. Portanto, o que chama atenção neste caso é que parte de sua matéria prima, ou seja, os grãos do café, eram plantados e colhidos por produtores rurais da região de Timbó com a plantação do café sombreado.
Alguns casos e episódios da história acabam em uma gaveta nas anotações de um memorialista que desinteressadamente registra aquilo que se passou em sua vida, outros episódios ficam cristalizados nas páginas amarelas de documentos e fotografias em uma gaveta qualquer. É mais ou menos assim que aconteceu com a história do Café Timbó. Destruídas pelo tempo, consumidas pelas especulações imobiliárias, as instalações da antiga Torrefação de Café, do Café Timbó foram destruídas e substituídas por modernas construções que abrigam a Associação Atlética Mueller atualmente, mas mesmo assim, sua história não está totalmente perdida, isso porque parte da história esteve guardadas na memória e nas anotações do senhor Alfeu de Souza Roepke, filho do fundador da empresa. Seu Alfeu de Souza Roepke foi um homem dedicado ao bem público, amante da história, deixou
Este artigo não é propriamente a história do Café Timbó, ou da história do café em Timbó, mas sim, parte da memória do senhor Alfeu que deixou uma importante entrevista oral para o Arquivo Publico Professor Gelindo Sebastião Buzzi que custodia essa memória e que agora será publicizada parcialmente na Revista Valeu.
O início: o desejo do montar uma fábrica de café em Timbó A história da torrefação começa com a vinda de Hugo Roepke para a cidade de Timbó no ano de 1936, com o propósito de instalar a Coletoria Federal das Rendas Federais. A cidade havia passado recentemente pelo processo de municipalização em 1934 e como tal ainda estava organizando serviços essenciais, e que atenderia a região. Juntamente com Hugo vieram sua esposa Jutilia de Souza Roepke e seu filho Alfeu de Souza Roepke. Hugo gostou da cidade e encarregou-se de comprar um lote na rua Blumenau, em seguida encarregou-se de construir uma casa que ficou pronta no ano de 1938. Passado esse período inicial de instalação, Hugo Roepke começou a organizar seu antigo sonho: o de produzir café.
Hugo Roepke foi o fundador e proprietário da Torrefação de café que produzia o Café Timbó
O café foi um importante protagonista da economia brasileira desde o século XIX, na década de 1930 após a grande recessão de 1929 o produto desvalorizou devido à superprodução e queda nas importações provenientes da recessão. A crise do café foi tão grave para o país que o historiador inglês Eric Hobsbawn afirmava que “ os cafeicultores do Brasil tentaram em desespero tentar impedir o colapso dos preços queimando café em vez de carvão em suas locomotivas a vapor”. Evidente que trata-se de uma figura de linguagem, mas reflete a análise do historiador acerca da alta especulação do mercado em torno do café. É nesse contexto que surge a primeira fábrica de moagem de torrefação de café em Timbó, por força da vontade e esforço do senhor Hugo Roepke. O próximo passo era a construção de um galpão para abrigar a fábrica,
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“Menor que o meu sonho não posso ser.”
nela existiam um cocho para derrame do café torrado, uma enxada e pá com cabo de 3 metros, uma caixa para depósito de café moído, e uma lata que seria para aparar o café que saída do moedor que posteriormente seria embalado em latas de oito quilos. O armazenamento do café para a venda ao comércio naquela época era feito em latas, somente anos depois que o mecanismo de armazenamento em embalagens a vácuo foi tomado como um padrão.
A produção O início da produção já se dava nas propriedades dos colonos, o café em grãos era colhido pelas esposas, o tempo certo para colher era quando a fruta avermelhava, ela ficava bem vermelha. O próximo passo era o armazenamento até que o caminhão da empresa passasse para a recolha, durante esse tempo o café ficava espalhado a sombra, num rancho, qualquer lugar seco, ventilado e livres de sol. Durante esse processo de secagem, o grão murchava e ficava preto, em seguida, era descascado e pilado.
As entregas eram realizadas com um caminhão Ford 1929, existindo um cronograma estabelecido para as localidades da região. A entrega do café era feito dias 15 e 30 de cada mês em Benedito Novo, Liberdade, Forcação, descendo pela Gargantinha até Santa Maria e retornando para Timbó. Dia 1º, Encruzilhada, atualmente a cidade de Rio dos Cedros, Alto Pomeranos, Glória, Santo Antônio, São Roque e retorno para Timbó. Dia 2, Rodeio, Ascurra, Apiúna e Indaial, entrando por Arapongas.
A empresa do J S Roepke possuía um galpão equipado de um torrador para 60 quilos de café, tinha um moinho de pedras para a moagem e um descascador ou pilador. Haviam vários tipos de café para serem comercializados, o puro, mas para render mais e também baratear os custos de produção, bem como, o preço final do produto eram acrescentados açúcar mascavo e também milho. O processo de produção não se modificava muito, somente a pureza e também o preço de venda. Em grãos, 60 quilos de café rendiam aproximadamente 48 quilos dependendo do café, quanto mais velho melhor. Depois de duas horas e meia de torrefação eram acrescidos 20 quilos de açúcar mascavo que, então, chegava a 40 quilos. Já a torrefação do milho não poderia ser usado no torrador de 60 quilos, nesse caso colocava-se somente 45 quilos, porque aquilo estralava como uma pipoqueira, esse café rendia de 38 a 39 quilos.
O café sombreado Grande parte da matéria prima para a produção do Café Timbó era adquirida junto aos agricultores da região de Timbó. Isso parece estranho porque não estamos acostumados a verificar pés de café no interior de nosso munícipio, menos ainda, ouvimos histórias da produção do café. Isso ocorre porque aqui na região os agricultores (colonos) plantavam o café sombreado. É na verdade uma técnica agrícola que consiste em produzir café em meio a outras variedades agrícolas, ou mesmo, em meio a vegetação. Portanto, prevaleceu a policultura, seguindo o modelo adotado deste a imigração alemã e italiana na região de Timbó. Sob um olhar um pouco mais histórico, é importante ressaltar que nas áreas de colonização europeia no Sul do Brasil e em especial no Vale do Itajaí prevaleceu a policultura em minifúndios.
Portanto, o Café Timbó possuía três tipos de café: 1) O café extra puro, esse contava apenas com o café sem adição de nenhum outro tipo de produto ou grão, apenas o café tipo moca. 2) Era café com açúcar mascavo, depois de torrado um certo tempo, parava-se a máquina e jogava-se o açúcar mascavo. O açúcar não tinha outra finalidade do que aumentar a coloração do café. Segundo o Sr. Alfeu Roepke, esse café com o acréscimo de “açúcar mascavo na torrefação aumentava a coloração do café, ficava mais escuro, mas sem alteração no gosto, o açúcar para adoçar tinha que servir-se a vontade depois.” 3) Havia um terceiro café que possuía a mesma mistura de açúcar e ainda milho, este era mais barato por render mais e utilizar menos matéria prima de café que é mais cara. Esse produto era tão comum e muito apreciado devido ao preço acessível, sua fama era tamanha que a comunidade local costumava brincar que desejava comprar a lata do café milhorado.
A plantação do café para atender as demandas de matéria prima tinha como característica um sistema rústico onde o café é plantado substituindo plantas que crescem no estrato baixo das florestas temperadas ou tropicais. Este sistema corresponde a uma agricultura de subsistência e é adotado por grupos com práticas simples de manejo, sem uso de fertilizantes e agroquímicos e, como consequência apresentam baixo rendimento. O café plantado na sombra não ocupava espaço da agricultura tradicional da região, não tirava o espaço do arroz do tabaco, plantava-se no meio das demais culturas. A mata em Timbó, Rio dos Cedros e Rodeio era extensa e a semeadura do café complementava a renda dos agricultores já acostumados à policultura. A produção do café descascado ou pilado era um grande negócio para os colonos da época, aumentando o lucro ao invés de cultivar somente o arroz ou fumo, que eram os produtos principais da época.
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Funcionários e encerramento das atividades O primeiro funcionário foi José Machado, o segundo funcionário torrador foi o senhor Arthur Schuster, o terceiro funcionário foi Alfredo Gumz por muitos anos, trabalhou também o Alvino Gumz e Waldemar Klabunde. A torrefação habitualmente trabalhava com um operário que dava conta da torrefação e moagem. A torrefação em seu período de maior produção chegava a produzir numa média de 4 a 5 mil quilos por mês. A produção aumentou bastante as entregas eram realizadas como de costume com um fordeco 1929 para Doutor Pedrinho, Rodeio, Alto Pomeranos, Glória e demais localidade da região. Os moradores e colonos já aguardavam a chegada do caminhão do café. Contudo, também chegou a concorrência como o Café Bauer de Jaraguá do Sul, o Café Valéria de Ibirama, visto que o negócio era rentável. Por fim, existiam mais de 20 marcas de café que estavam aqui na praça de Timbó, enquanto isso, o Café Timbó expandia-se para novos locais como Corupá, Jaraguá do Sul, Massaranduba. Essa novas localidades foram uma alternativa para compensar a perda aqui. Uma alternativa rentável e que prolongou o tempo de vida da fábrica J S Roepske foi a venda do Café Timbó somente descascado, sem moagem. O produto era muito comercializado nas praças de Lages, Campos Novos, Curitibanos e a maior praça era a de Caxias do Sul. Lá os colonos estancieiros, compravam e eles mesmos torravam o café. Para consumir o café eles utilizavam torradores manuais e pilavam o café sozinhos, geralmente conseguia-se torrar e pilar de 4 a 5 quilos, essa era uma prática bastante comum nos anos 1930 e 1940, nas regiões do interior. A concorrência e a crise econômica, e com o Brasil sob os auspícios da ditadura militar, obrigaram que Hugo Roepke fechasse a fábrica de torrefação, durante o ano de 1965 deu-se por encerrada as atividades do Café Timbó, assim como, as árvores de café sombreadas que antes geravam uma pequena renda extra aos colonos da região de Timbó. Mas, ainda resta a memória e a história dessa fábrica que neste artigo foi contada pelo filho de Hugo Roepke, senhor Alfeu de Souza Roepke mantendo viva a história nessas linhas, nessas imagens, nas páginas dessa revista. Texto por Daniel Fabricio Koepsel Historiador
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Alfeu de Sousa Roepke, filho de Hugo Roepke e Jutilia de Souza Roepke, nascido em Campo Alegre – SC, em 12 de maio de 1932. Residente em Timbó, desde agosto de 1936. Casado com Ruth Grimm Roepke, tem 4 filhos – Dirlene, Yone, Jussara e Alfeu de Souza Roepke JR (Trovão). Sete netos – Camila, Edson, João, Raquel, Fernanda, Matheus e Bernardo, e uma bisneta Maria. Formado pela escola técnica de Comércio de Plácido e Silva em Técnico em Contabilidade, em 1952. Bacharel em Ciências Econômicas do Paraná em 1956. Foi um importante ativista do esporte amador na cidade de Timbó, e também importante contribuir da memória timboense.
Referencias: ROEPKE, Alfeu S. A primeira torrefação de café no município de Timbó. Timbó. Fundação Cultural de Timbó; Arquivo Público Professor Gelindo Sebastião Buzzi. 2005.
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E com o verão, cuidados redobrados ao pedalar Texto e fotos por Therbio Felipe M. Cezar Em todo o nosso subcontinente sul-americano, o verão chega trazendo sede de pedaladas associadas ao período não-letivo. Sendo assim, o ímpeto por pegar as estradas e trilhas deve estar acompanhado de uma série de medidas que, com toda a certeza, garantirão uma experiência mais confortável e com menores riscos para o ciclista. Nestes últimos dias de 2015, fui obrigado a cruzar o Brasil indo do Sul ao Sudeste variadas vezes e por diferentes caminhos, e por eles reparei atitudes de ciclistas que deveriam render algumas reflexões. Sabemos que, com as férias escolares e a sazonalidade de praia e sol, contingentes cada dia maiores de carros se dirigem dos centros urbanos para as zonas de veraneio, as quais se determinam não apenas na faixa litorânea do país. O aumento significativo de automóveis, a pressa inimiga da vida, o excesso de álcool e a falta de estrutura (sinalização, monitoramento e punição) continuam por privilegiar tal época do ano como um dos períodos de maior número de acidentes com vítimas fatais no trânsito. Então, mesmo que seu treino possa ser prejudicado, escolha pedalar por estradas com menor tendência a grandes tráfegos, mas ainda assim, redobre a atenção, ande em grupo, use roupas coloridas e tenha sempre em mente um plano B em caso de alguma urgência ou necessidade. Com o sol e o calor, aumenta a preocupação por constante hidratação e ingestão de alimentos leves, que facilitem a assimilação dos nutrientes e que sejam rapidamente sintetizados pelo organismo. Aproveitando que estamos em um país com uma disposição universal de frutas, abuse dos sucos e do consumo de iguarias em natura, em forma de polpa ou ainda sorvetes. O alto índice calórico associado à baixa temperatura destes alimentos vai proporcionar menor fadiga e aumentar a adaptação ao esforço. Além disto, as frutas desta época são ricas em água, sais minerais e fibras, ou seja, elementos essenciais para quem pedala, antes, durante e depois dos treinos e passeios. Água de coco e caldo de cana deverão ser consumidos com certo cuidado relativo à higiene dos locais de venda e também com a quantidade de sódio e açucares.
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Ainda falando em hidratação e alimentação, sem fazer apologias, lembre que o álcool vai diminuir sua capacidade de resposta a estímulos e vai aumentar a fadiga sobre músculos e nervos. Além disto, a ingesta de álcool nestes tempos de calor faz com que tenhamos a sensação de frescor momentâneo seguida de um transpiração excessiva com perda de sais minerais. Faça a escolha certa. Da mesma maneira, esta estação oferece alternativas fantásticas de pescados e frutos do mar, iguarias que trazem consigo sabor ao paladar e saúde ao corpo e mente. Ainda que seja uma tentação, deixe o churrasco e os assados de carne gorda para depois do período de extremo calor. A adoção de pequenos cuidados com a alimentação e com o consumo irrestrito de líquidos saudáveis, trarão resultados perenes e visíveis. Horários de menor exposição ao sol também deverão ser adotados, visto que, com o aumento da temperatura a partir das 10h da manhã, há um super aquecimento corporal, seja nas trilhas, seja no asfalto. Outra questão que deve ser levada em consideração é que, normalmente, quanto mais cedo tomar a estrada menor a chance de ser atingido pelos ventos que, neste período do ano, tendem a ser mais fortes quanto mais nos aproximamos do meio-dia e do meio da tarde. Ra-
“A poesia é, sobretudo, a ausência de perconceito.”
ramente, ao sair para pedalar por volta das 5h30 da manhã, encontrará vento forte. Aliás, isto vale também para as tempestades de verão, que dificilmente ocorrem nas primeiras horas da manhã, salvo exceções em regiões específicas do país. Proteção contra o sol é uma constante e não se deve diminuir a atenção neste aspecto. O uso de bloqueadores e protetores solares já está incorporado à prática cotidiana de quem pedala, mas nunca é demais relembrar. O uso de roupas que permitam proteção contra o sol, ventilação e que o suor não fique acumulado e em contato direto com o corpo também são ótimas escolhas que objetivam segurança e bem-estar ao pedalar no calor.
Os olhos não deverão receber atenção menor. Os óculos com proteção contra alta luminosidade constante e raios UVA e UVB são companhia fundamental para as pedaladas. E lembre-se, não é apenas a luz solar direta que pode prejudicar, em muito, a pedalada. Poeira, sal e areia poderão impactar menos sobre os olhos se os óculos tiverem lentes mais próximas dos olhos e laterais fechadas. Da mesma maneira, corpos refletores como a superfície de rios, mares e lagos, e até mesmo, de metal dos galpões, casa e telhados oferecem intenso risco à saúde dos olhos. Todas estas precauções evitarão que preocupações possam incidir sobre sua pedalada e sobre seu ânimo. Também não esqueça do cuidado com a virilha, da saúde dos pés, dedos e unhas. Proteja bastante o dorso das mãos e da nuca, sempre esquecida. E no mais, reúna os amigos, aproveite ao máximo, escolha um bom caminho e desfrute do melhor que o verão tem a oferecer.
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“Toda a morte é equívoco.”
Como num conto de Natal Maurício tinha tudo para dar errado. Nascido preto, na favela do Vidigal, Morro dos Dois Irmãos, cartão postal do Rio de Janeiro, órfão de pai e com os dois irmãos agarrados, ainda guris, pelo tráfico de droga, Maurício era o protótipo perfeito do futuro bandido carioca. Não falo do malandro, personagem mítica da literatura e da música brasileiras, simpático e bonacheirão, habituado ao engodo e ao biscate, ao pequeno roubo e à briga de bar. Falo de bandido à séria, de AK47 na mão, baseado no canto da boca e nenhuma noção do valor de uma vida humana.
“Maurício tinha tudo para dar errado. Mas acreditou que tudo ia dar certo.”
Voltámos à conversa por diversas vezes e numa delas, perguntou-me se lhe enviaria o “Livro do Desassossego” e a “Mensagem”, em edição portuguesa, pois segundo ele as edições brasileiras alteravam algumas palavras, tirando genuinidade aos poemas. Enviei os livros algum tempo depois, ao seu cuidado, para o hotel. Não sei se os recebeu e, nem mesmo quando o reencontrei, anos mais tarde, já gerente dum dos restaurantes mais famosos de Ipanema, me lembrei de lhe perguntar. Foi um reencontro surpreendente e emocionado. Com a altivez resultante do dever cumprido, Maurício, licenciado em Literatura Portuguesa, gerente de restaurante e aprendiz de jornalista, não escondeu a lágrima emocionada que lhe rolou pelo rosto ao perceber o enorme orgulho que sentimos por ele.
Como os seus dois irmãos, podia ter começado ainda criança, como aviãozinho dos reis do morro, a vender as doses de droga com que os mauricinhos do asfalto animam os finais de semana e as festas nas luxuosas coberturas da zona sul. Mas, Maurício não se deixou encantar pelos ténis fluorescentes, nem pelas roupas de marca, nem pelo apelo sexual dos bailes funk. Entusiasmavam-no a escola e os livros e o sonho de uma vida fora da comunidade. Por isso, durante anos desceu do morro ao asfalto, imune às provocações de irmãos e amigos, que o tentavam com maços de grana e a companhia de “neguinhas gostosas doidas para transar”, ansioso para chegar ao trabalho que lhe permitia frequentar a escola, passaporte para o sonho de ser escritor ou jornalista.
- Ainda mora na comunidade? Perguntei. - Claro né. Para quê mudar se tenho a melhor vista do Rio? Esperto este Dr. Maurício, gerente de restaurante, licenciado em Literatura Portuguesa, aprendiz de jornalista, que ainda arranja tampo para ensinar português e introduzir na literatura as crianças da sua comunidade, o Morro do Vidigal.
Conheci Maurício numa manhã quente de Agosto. Era barman no bar do hotel em que me instalara no Rio e era impossível ficarmos indiferentes ao seu sorriso contagiante. Entre um sumo de laranja e um expresso curto, contou-me a sua história. Faltava-lhe um ano para concluir a licenciatura em Literatura Portuguesa. Adorava Eça e Camilo, Camões e Pessoa. Discordou quando comparei Machado de Assis a Eça, defendendo intransigentemente a escrita cuidada do português, que a seu ver, Machado não conseguia atingir. Falei-lhe de Agustina e Cardoso Pires, de Herberto Helder e Mourão Ferreira. Perdemo-nos nas origens do samba e na poesia cuidada do quase analfabeto Cartola, na beleza musical da bossa e na revolução cultural descida dos morros, através do funk e do hip hop.
Maurício tinha tudo para dar errado. Mas acreditou que tudo ia dar certo. E deu. Sempre que folheio o Globo, o Folha, o Estadão, ou a Veja, a Época a Isto É, procuro o seu nome, Maurício Aparecido dos Santos, sei que um dia o vou encontrar. Texto por João Moreira
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“Um pedaço do céu em Indaial”
Espaço Celeste
Quando uma criatura humana desperta para um grande sonho e sobre ele lança toda a força de sua alma, todo o universo conspira a seu favor. Johann Goethe
Fiz dois anos de Educação Física, no segundo ano comecei a praticar Yoga, fim do ano eu vi que não era nada daquilo que eu queria, conheci o Éder nesse meio tempo. No primeiro semestre da faculdade, tive que deixar todos os conceitos energéticos e espirituais lá fora e entrar pra aprender osso, articulação, o senhor joelho... não eram pessoas. Hoje se fala muito de humanização, mas há 13 anos não se falava muito disso. Então, com alguns amigos começamos a nos unir para mudar um pouco isso.
Espaço Celeste - Um pedaço do céu em Indaial Celeste é o nome da mãe da Alessandra Bertinatto, a Léc, como é chamada carinhosamente pelos amigos, uma das sócias desse “espaço celestial”. Paulista de Piracicaba que já perdeu o sotaque e agora vive em Indaial.
Durante o cursinho, antes da faculdade, fiz o curso de formação pra dar aula de Yoga. Assim que entrei na Faculdade, abri a sala de Yoga.
Léc - Esse nome vem porque a minha mãe ensinou a gente desde pequeno a fazer relaxamento, ela estudava radioestesia, a gente sempre foi tratado com homeopatia... apesar de hoje ser vegetariana e comer um monte de coisa super saudável, eu não comia nada disso, mas em casa sempre teve. O nome veio por isso, porque eu acabei levando esses conceitos que minha mãe trouxe pra frente.
A busca pelo Yoga deu-se pelo fato de querer emagrecer. A pessoa precisa receber um chamado para praticar Yoga, não é uma coisa assim que você vai lá e faz uma musculação. Você precisa receber um chamado interno porque você quer mudar de vida, você quer o autoconhecimento, você vai mudar seus hábitos. Não adianta forçar a pessoa a praticar.
Isso começou a mudar mesmo e a fazer diferença quando comecei a praticar Yoga. Em um ano, a vida se transformou. Eu tinha 18 anos. Me mudei pra Floripa, conheci o Éder, meu marido, fui pra Beira Mar. Antes eu fazia faculdade de Educação Física que era corpo, aparência, e no Yoga isso não tinha tanta importância. O que importava era a saúde, o controle da ansiedade que eu tive. Perdi peso e acabei ficando mais tranquila e decidida. Em Floripa, comecei a estudar Fisioterapia para poder dar aula de Yoga. Trazia os conceitos de alinhamento, prevenção de lesão. Antes de coisas mais filosóficas e profundas.
Por que Indaial? Ederson Sapelli (marido da Léc): Meus pais moram em Blumenau e tem uma empresa no Encano. Ficamos na dúvida entre abrir em Blumenau ou Indaial. Aí descobrimos que Indaial não tinha Yoga e por isso optamos por essa cidade. Além da qualidade de vida que estávamos buscando.
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“Tua solidão é a solidão do Mundo.”
Como vocês dois se conheceram? Eu conheci a Léc através do livro A Profecia Celestina. Foi o nosso primeiro assunto. No livro fala sobre uma abertura energética pra gente olhar um pouco mais além do ego e nós conversamos sobre isso. O Yoga entrou na minha vida porque eu comecei a praticar quando a gente brigou. Na primeira salinha de Yoga que a Léc abriu. E cada vez mais comecei a estudar o Yoga e outras partes energéticas. O Yoga passou a fazer parte da minha vida. Eu trabalhava com programação, até que cheguei num momento que percebi que não era por aí e então fui fazer faculdade de enologia em Bento Gonçalves. Quando a nossa ficha caiu, nós percebemos o que queríamos, que era morar no interior, num sítio, no meio do mato. Fiz estágios nas serras catarinenses e depois surgiu um convite do meu pai para trabalhar na empresa da família em Indaial. Nesse meio tempo a Léc estava em dúvida entre começar ou não o mestrado. Caiu a ficha dela também e a gente veio para cá e a história segue.
O Davi e eu casamos, tivemos dois filhos, mas ainda morávamos em Balneário. Levávamos as crianças para a escola às 7 da manhã para pegar às 7 da noite. No tempinho que tínhamos para ficar juntos, estávamos todos cansados. Tinha que fazer comida e toda aquela rotina. Nós despertamos e percebemos que aquilo não fazia muito sentido. Nesse tempo, fomos fortalecendo a relação entre nós 4 (Kika, Davi, Léc e Éder) e dos nossos filhos. Eles falaram dos objetivos de vir pra cá e tudo mais. A sementinha foi plantada, mas era totalmente utópico. Quando a semente começou a crescer, o Davi perdeu o emprego (jogamos a intenção). Nessa mesma fase, comecei o curso de formação de Yoga, despretensiosamente, mas o universo conspira. Surgiu uma oportunidade do Davi fazer uma consultoria em Blumenau, ele ia e voltava enquanto eu trabalhava lá. Nós avaliamos o custo e a qualidade de vida de morar em Indaial e viemos. Foi a melhor decisão do mundo! Juntamos os projetos e jogamos para o universo.
Kika - Eu encontrei o Yoga quando tinha uns 21 anos. O Davi e eu temos uma história de 20 anos, nos conhecemos com 13 anos em Blumenau, na escola. Nos encontramos, nos conhecemos e nos apaixonamos. E já tínhamos planejado fazer a faculdade no litoral. Fomos morar juntos em Balneário Camboriú, onde fui fazer faculdade de Marketing. E chegou uma fase em que nos questionamos se isso era realmente felicidade, porque a gente não tinha outro parâmetro. E tomamos a atitude para ver como seria essa vida separados. Esse desapego foi muito difícil e eu estava muito sensível, então fui fazer academia e lá tinha aula de Yoga. Eu fiz a primeira aula de Yoga e aquilo foi o máximo! Me espiritualizei muito nessa fase e o Yoga ajudou a abrir esses caminhos, embora eu ache que meu pai também exerceu uma influência sutil neste sentido, porque ele é uma pessoa muito espiritualizada.
Léc - Começamos numa salinha pequena, quando nossa filha, Helena, tinha 4 meses. O aluguel aqui, comparado com Floripa, é bem mais barato. Os alunos no início eram: o Éder, minha sogra, minha cunhada, a Ivone e a Têre. Durante o ano em que fiquei grávida, fiz um trabalho voluntário na Rede Feminina de Combate ao Câncer, eu dava aula de Yoga e fazia fisioterapia para as mulheres mastectomizadas. Assim eu fui me incluindo na cidade e conhecendo pessoas. Até o fim do ano já tinha 15 alunos. Em dezembro, fiz um anúncio no Facebook para as pessoas começarem o ano fazendo Yoga e no dia 6 de janeiro começou a ligar um monte de gente. A escola tinha um ano e meio quando a Kika veio. Como a salinha já era pequena e tinha a minha energia, resolvemos alugar algo as duas. Uma sala em frente à Prefeitura, onde ficamos um ano. Fizemos uma inauguração bem bacana, com músicos que tocavam música indiana. Mas o espaço era pequeno e quando a Kika dava aula eu tinha que sair e vice-versa. Não tinha como ficar batendo um papo com os alunos. Então, nosso sonho era alugar uma casa. Essa foi a segunda casa que visitamos quando estávamos procurando. Quando abriram a porta já me deu um arrepio. É aqui! Esse jardim enorme, no centro da Cidade. Fizemos um check list: chão de madeira, dois consultórios, sala de yoga., nenhum cheiro de mofo, nenhuma infiltração, nada! Isso que ela ficou 5 anos fechada. Fizemos as contas, decidimos vir e estamos nos virando.
Depois voltamos. Chegamos à conclusão de que todas as coisas legais que fazíamos separados poderiam ser feitas com o outro pra gente dividir essas alegrias. Davi: os caminhos que passamos separados foram próximos, bem parecidos, porque os dois buscámos o lado mais alternativo e espiritual.
A Mandala – o link Um dia, surgiu um evento de um fim de semana, de cultura e música. Eu estava desenvolvendo um estudo de mandalas, onde fazia as mandalas impressas, as pessoas pintavam e eu fazia a interpretação das cores. Num desses eventos, a Léc foi participar e eu comecei a interpretar a mandala dela. Só que, nossa... foi um encontro espiritual. Um reencontro! A gente conversou e descobriu que tem a mesma tatuagem, com as mesmas cores, em lugares diferentes. O símbolo do infinito. Eu vi a Léc como uma pessoa com uma luz muito forte. Depois vimos que tínhamos os mesmos sonhos, os mesmos projetos.
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Há dois meses no novo espaço, já conseguimos atrair mais alunos, começaram a surgir profissionais, já tínhamos psicóloga e iridóloga, e a coisa vem tomando corpo de uma maneira bem orgânica e natural. Acreditamos muito que é preciso deixar bem claro a intenção que queremos jogar no universo, porque ele conspira. E quando vê está aí! E existe uma atração com as pessoas que estão vindo, que estão em sintonia com a gente. Tem gente que faz uma semana e não fica, mas a maioria fica. Algumas pessoas, em uma semana, resolvem seu conflito interior.
pessoas querem mais paz e estão começando a se conscientizar disso e que cada um precisa encontrar sua paz para poder transmitir.
O Espaço Celeste fica numa casa mais antiga, linda, com um terreno maravilhoso. Tem pé de carambola, jabuticaba, laranja, limão siciliano, figo, uva, pitanga, amora, ameixa... E fica próximo à Fundação Cultural de Indaial, bem no Centro.
Léc – E o sistema de saúde é falido, ele gera demanda e mantém a doença. Nosso objetivo é fazer com que a pessoa seja autônoma no seu processo de cura. Nós facilitamos, mas deixamos bem claro que a responsabilidade é de cada um pelo seu processo.
Atividades que são dadas no Espaço Celeste:
Acreditamos no Espaço Celeste, pois não visamos lucro nem status, queremos que seja um espaço onde a pessoa venha, se sinta em casa, por isso tem sofá na recepção, tem uma mesa grande na cozinha. Queremos que ela se sinta bem e que ela mude mesmo. E que se, no fim de semana, ela quiser cortar grama, ela venha pra ajudar a gente. Se quiser depois pode pegar um alface. A ideia é que seja um lugar diferente mesmo. Não temos móveis planejados, é uma coisa orgânica, natural, sem muito consumo, os preços das aulas e demais atividades não são elevados, são acessíveis. Quanto mais gente vier melhor. Não é um preço muito baixo porque temos cursos muito bons, temos o melhor produto, o melhor papel para oferecer para as pessoas.
Aulas de Yoga para adultos, crianças e gestantes e Yoga mamãe e bebê Fisioterapia (alternativa) a “Lecterapia”, a Kika faz Reiki, tem terapia ayurvédica com a Dakiar, que trabalha com massagem há 25 anos, iridologia, com a Mara, psicóloga, a Evi, que é uma parceira espiritual das meninas, alongamento terapêutico, que é pra quem quer começar a praticar yoga, mas não senta no chão e também pra quem tem rigidez articular. Cursos de chantala (massagem para bebês), danças circulares (prática super terapêutica, meditativa, de concentração). O Espaço é aberto também para o Gest Indaial, um grupo de gestante de parto humanizado, se reunir. As meninas dão Yoga no parque uma vez por mês na Fundação de Cultura e a aluna e amiga, Margareth, agiliza a meditação da lua cheia, uma meditação que é feita no mundo todo.
Texto e fotos por Clara Weiss Roncalio As aulas de Yoga - 120 reais e são duas vezes por semana. Iridóloga – 150. Fisioterapia - 80. Massagem Ayuvérdica - 90.
Léc - Uma vez por mês damos um curso para ensinar as pessoas a comerem mais natural. Ederson – queremos oferecer cursos de meditação, movimentar os fins de semana com palestras sobre física quântica, vegetarianismo, e demais assuntos relacionados ao Yoga.
As famílias têm 10% de desconto, indicações de amigo também. Rede Feminina tem 16 % de desconto e sócios do Clube também.
Léc - A ideia do Espaço Celeste é isso: um sol com um monte de braços: sustentabilidade, reciclagem a longo prazo, tudo que precisamos fazer para mudar o mundo. Ederson - Queremos disseminar o bem, disseminar o amor, o autoconhecimento, o bem-estar e isso são sementinhas que estamos plantando. Margareth – alguns alunos dão depoimentos emocionantes. As pessoas mudam, afirmam que não podem mais viver sem o Yoga, porque as mudanças que aconteceram nas suas vidas são incríveis.
Av. Pioneiros, 85 Centro | Indaial | SC contato@espacoceleste.com.br facebook.com/espacoceleste (47) 3019-2846
Kika – Houve uma ampliação da consciência numa forma geral. As pessoas estão vendo essas mudanças na natureza e todas as agressões que vêm acontecendo. As
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(que antigo), repensar qualquer coisa. Cá pra nós: se já é complexo pensar, imagine repensar qualquer assunto, do desempenho do Neymar ao “novo olhar” do cinema argentino. Então, não perca tempo: exercite sua lição de felicidade. Diga primeiro pra você, depois para o mundo como vem flertando com ela todos os dias, como e quando se encontram. Em pleno dia de sol escancarado na janela ou em enluaradas madrugadas? Deve ser algo simples, afinal a felicidade é simples. Quando a canção começou a tocar, juro que me arrepiei e quase, por muito pouco mesmo, não desliguei o rádio. Mas por alguma razão, aumentei o som e enquanto ela tocava -juro- nada de assombrosamente simples me ocorreu para responder a pergunta. Sei que você deve estar pensando que sou complexa demais. Principalmente se já respondeu a pergunta nas primeiras linhas do texto. Mas vai que é mais um ser assim letárgico como eu e ainda não conseguiu expressar o que o torna vivo todos os dias? Começo eu, então. To dizendo muito mais eu te amo, agradecendo mais, rindo mais, (me) perdoando mais, me desapegando mais. Ah! E me culpando menos. Estas coisinhas têm o fabuloso poder de tingir meu dia com a alegria das cores de Frida Kahlo. Digo eu te amo todos os dias para minhas duas filhas que alçaram seus voos, mas permanecem em meu pensamento. Digo eu te amo para minhas boas energias, leveza e criatividade. Digo eu te amo para o homem que me escolheu sabendo que nem sempre estou feliz. Digo eu te amo para tudo que me move a ser melhor e a colher o essencial para uma vida plena.
Escritos Insensatos Texto por Viviane Roussenq
O que você faz pra ser feliz? Talvez você nem tenha precisado pensar muito. A resposta veio quase de imediato. Afinal, ela estava embaixo do seu nariz, então foi moleza. Mas vai que até agora nada te ocorra assim como um movimento visceral em direção à felicidade, ou mais de um e no final das contas, você pare imediatamente o que está fazendo para pensar: o que estou mesmo fazendo pra ser feliz? Talvez já tenha ouvido esta pergunta em uma canção interpretada por Clarice Falcão. “E se a felicidade voa num balão/Tão alto onde já não se enxerga mais/Mas só ela pode lhe tirar do chão/Pra ser feliz o que você faz?” Danadinha a letra e não para por aí. “A felicidade está por dentro/Mas não vai sair no raio x/Você provoca os próprios sentimentos/O que você faz pra ser feliz?” Como vê, singela melodia mas não menos instigante enquanto relógios marcam o tempo passando e tão rápido. Impressão, ou parece que na era digital a velocidade da vida é outra, vertiginosa? Que tudo é ultra rapidão, sem direito a repetir a cena, rebobinar a fita
Aprendi que a felicidade é leve e por isso nem sempre me levo a sério. Felicidade pode ser saltar uma pocinha de chuva, abraçar alguém ou fazer uma gentileza. Basta muito pouco para que a alcancemos. Ao contrário do pensamento de muitos que a entendem inatingível, ser feliz pode ser uma simples questão de escolha. Escolha a sua!
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Os cadernos de Alcina Conheça alguns trechos da longa vida de uma mulher que, à frente de seu tempo, deixou um rastro de grandeza e o registro pessoal de décadas de história de sua cidade e de Santa Catarina
Algumas vidas insípidas podem até caber em uma, duas páginas. Mas a de Alcina, nascida Oliveira em Florianópolis em 1923, transborda o papel. Aos olhos do mundo, suas histórias podem nada ter de excepcional que a eleve sobre a bruma dos anônimos. Daqui a algum tempo, ela fatalmente desaparecerá sob o chão, e talvez poucos, além dos que a conheceram nos seus anos de atividade, lembrarão sua presença na terra. Hoje, no ostracismo imposto pelo corpo doente e senil, ela vive na cidade de Gaspar entre as lembranças turvas do passado e os desconfortos da idade avançada, longe do rio e do mar que foram testemunhas da maior parte de seus 92 anos. Antes de perder parte da lucidez que sempre brilhou em sua expressão, Alcina encheu páginas com seus manuscritos. São textos confessionais que ajudam a compreender a mulher que, professora, mãe, poeta, historiadora e humanista, mostrou-se anterior ao seu tempo. Sua história documentada em cadernos traça um retrato de sua vida e, para o leitor atento, um vislumbre da sociedade do litoral do Estado em tempos hoje estranhos ao catarinense, urbano e modernizado. Era 1930 e, num país de iletrados, ser mais uma menina pobre e analfabeta era o roteiro previsível para a pequena Alcina. Mas o olhar curioso exibia uma fome de vida e saber, e surpreendendo até a mãe Inês, convenceu as irmãs do Colégio São José a admiti-la na escola da elite itajaiense. Ir às aulas saciava sua vontade de conhecimento, mas a convivência com as meninas ricas lhe fazia mal. Delas ganhava vestidos e escárnio. “Quando saíamos das aulas, sempre íamos bem ligeiro na frente, porque eles, as ricas, vinham atrás, cantando o refrão: pobres, pobres, ô pobres”, desabafou, num de seus manuscritos. Um dia, chegou chorando em casa. A vó Paula tentou consolá-la. “Deixa, minha filha, vais crescer, trabalhar e ter tudo o que precisas e sobretudo vais esquecer tudo isso”. Não esqueceu, mas a língua maldosa das colegas
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da sala pode ter encorpado seu sonho de ser mais gente. Decidiu que seria professora. E das boas. E se coubesse ainda na vida, ser escritora também. Nos primeiros anos de vida, não faltaram motivos para desejar fugir dessa sina. Em 1933, o pai desempregado quis tentar a sorte em Blumenau, de onde vinha a notícia de que a construção da ferrovia oferecia muitas vagas de emprego. Deslocar-se de Itajaí até a cidade colonizada por alemães era uma aventura àquela época. Para piorar, a distância foi vencida a pé, mas a esperança de mudar de vida suavizou o rigor do percurso entre pastos e gado. Na casa da avó Maria, sobrou-lhes o porão, arenoso e sem assoalho. Não demorou para que a frustração assombrasse a expectativa de vida nova. “Não aceitavam quem não falasse ou ao menos entendesse o alemão”, lembra. Eram estrangeiros no próprio país, numa cidade onde grassava o ufanismo nazista e as pessoas, sem pudor, trocavam saudações a Hitler. As economias foram acabando e, para não passar fome, Alcina buscava as sobras de comida de um pensionato. Quando soube, o pai reinou e proibiu: “viemos para cá para trabalhar, não para esmolar”. Pouco tempo depois, a família desiste e decide retornar a Itajaí. Mais dois dias e meio de viagem. Na primeira parada, em Gaspar, uma vila à época, o pai se meteu a beber numa venda, enquanto uma senhora de descendência alemã, gorda e conversadeira, vizinha ao comércio, condoeu-se com a situação da “família de retirantes”. Indicou uma casa abandonada, cuja varanda podia servir de dormitório durante a noite chuvosa. Já passava das 22h quando a inesquecível senhora trouxe um bule de café e pão caseiro com queijinho branco. “Foi o melhor café que tomei em toda a minha vida”, lembrou Alcina, então com o estômago vazio e alma cheia de admiração pela generosidade da benfeitora desconhecida. Mal tinha amanhecido, o pai levantou acampamento. A caminhada só parou na casa do tio Abílio Tavares, em Ilhota, já por volta das 16h. Era um engenho desativado. A cama foi um poncho estirado sobre as palhas de milho. O cansaço era imenso e o leito precário não atrapalhou o
“Absolutos em poesia são obscenos. Como o perconceito é obsceno.”
sono. No dia seguinte, a peregrinação só terminaria às 9h da noite, na casa de Bento Celestino, compadre de seus pais, onde ficariam por algum tempo até alugarem uma casa. A cena daquela viagem odisseica é resumida pela própria Alcina. “Uma menina correndo na estrada. Um adolescente (o Tio Lilo) curvado ao peso de uma trouxa. Uma senhora pequena, magrinha, franzina, que, em cada passo que dava, as lágrimas que corriam de seus olhos deixavam um sulco no rosto. Um homem, que parecia o Senhor, caminhando de fisionomia fechada, não vendo o universo à sua volta. Para ele, todos eram culpados do seu infeliz momento. Menos ele, o pivô da questão. Por isso, não admitia nem queixas nem questionamentos”. Experiências assim podem ter influenciado fortemente as opções políticas do pai. Já como trabalhador na estiva, a participação sindical o aproximaria do movimento comunista na cidade. Para o pai, era a utopia de ver um mundo menos injusto, de oportunidades iguais para todos. Para a esposa, Dona Inezinha, era mais uma fonte de aflição diante da repressão aos comunas, especialmente após o golpe de Estado liderado por Getúlio Vargas. Para Alcina, que fazia questão de ajudar o pai a distribuir panfletos do movimento, era sua iniciação na política. Já adulta, ela viria a ser secretária municipal e vereadora no município de Balneário Piçarras. Foi justamente ali que a professorinha de 16 anos foi trabalhar em 1941. Em Piçarras, então um vilarejo ligado a Itajaí, não agradou apenas os alunos na localidade de Santo Antônio. Despertou também o interesse de Arno, filho do patriarca mais influente do lugarejo, Alexandre Guilherme Figueredo, herdeiro de uma das famílias fundadoras da comunidade, oriunda de Portugal. Para a comunidade provinciana acostumada ao papel recatado reservado à mulher, Alcina escandalizava: conversava com todos – homens, mulheres e pescadores - e pior, aceitava carona de Arno na garupa de sua bicicleta, um horror segundo as conversas de detrás das janelas.
O pai Alexandre não gostou da escolha do filho. Já havia primas na fila de espera, conforme o recurso tradicional para evitar a dispersão da riqueza familiar. Além disso, Alcina era pobre. E talvez, interiormente, ela tenha resistido ao namoro pelo mesmo motivo. Algum tempo antes, ainda na Escola Complementar, ela foi insistentemente assediada por Arnaldo Brandão, de família rica e tradicional de Itajaí (seu irmão, Dide Brandão, dá nome à Casa da Cultura da cidade), que se declarava apaixonado por ela. Embora secretamente desejasse, o abismo social entre os dois, adicionada à ameaça do pai e ao medo inocente do novo, fez com que Alcina recusasse o cortejo, um arrependimento que deixa escapar em suas confissões. Usando sua influência política, o patriarca conseguiu remover Alcina para uma escola na comunidade de Gravatá, em Navegantes. A proibição não resolveu o caso. Obstinado, Arno e sua bicicleta percorriam trilhas escarpadas para chegar a Gravatá, sempre evitando o destacamento do exército brasileiro lotado em Penha. Eram tempos de guerra, e sua bicicleta corria o risco de ser reivindicada pelos soldados. A paixão dos jovens foi maior que a teimosia do grão senhor. Arno e Alcina se casaram, tiveram cinco filhos e viveram felizes. Até Alcina descobrir, anos depois, que Arno se engraçara por outra. Separaram-se.
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Sem marido - e jamais voltaria a ter um - a prioridade foi o trabalho e os filhos. A menina serelepe e vivaz sempre coexistiu na personalidade da respeitada professora que Alcina se tornara. Num tempo em que a cidade fazia sua transição de comunidade rural para balneário urbano, Alcina se converteu numa das principais agitadoras culturais. Era uma acervista nata: de tudo fazia coleção, especialmente fotos e artigos de jornal. O interesse era antigo, nascido na adolescência. Antes de dar aulas em escolas, lecionava para crianças e trocava o pagamento por coisas, que aumentavam sua coleção. Seria, depois, uma das principais vozes da história local, mesmo sem jamais ter publicado um livro sobre o tema. Sua única obra publicada foi o título “Na Calada da Noite”, uma coletânea de poemas, financiada pelos filhos, realizando o velho sonho da menina que quisera ser escritora. Alcina se convenceria no decorrer da vida que, mais importante do que deixar de ser pobre, era poder ser útil. “Servir sempre foi o lema que adotei”, escreveu. Como coordenadora do Mobral na cidade, programa nacional de alfabetização de adultos entre as décadas de 60 e 80, mudou a história de centenas de pessoas. O reconhecimento local a levou ao governo de prefeitos de partidos diferentes, que distinguiram na professora sua qualidade e o compromisso suprapartidário com a educação, a cultura e o esporte. Num raro exemplo de homenagem em vida, Alcina de Oliveira Figueredo dá nome a uma escola primária municipal. Chegou a ser candidata à vice-prefeita, sem sucesso, mas veio a ser vereadora por alguns meses, substituindo um vereador doente. Sua inquietação intelectual a fez perguntar-se cada vez mais sobre os mistérios da vida e da morte. Desembocou nas respostas do Espiritismo e acabou ajudando a fundar o mais antigo centro espírita da cidade. Aposentada, não sossegou. Foi presidente fundadora da Associação de Aposentados e Pensionistas de Piçarras, que hoje congrega os mais animados da terceira idade.
De seus manuscritos, há ainda muito para se contar. De suas coleções, hoje espalhadas entre aqueles que a procuravam para fazer pesquisa, muita história a se escrever. Recolhida à discrição de seu apartamento em Gaspar, onde mora uma das filhas, Alcina se distancia do mundo, lentamente. “Envelheci. E agora? É, envelheci, que engraçado, estou só e senti que o melhor é saber envelhecer. Vive-se este fim de linha melhor. Qualquer dia, dirão: Morreu! Tão querida, tão boa, mas morreu! Ou, quem sabe, alguém dirá: “Já vai tarde...”. Há quem discorde. Alcina merece a reverência dos que ficam e seus cadernos podem, afinal, torná-la imortal.
Texto e fotos por Luiz Garcia
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“Tudo no poema a meu ver é polivalente. Como num bom quadro; como numa boa peça de teatro.”
A arte de Pedro Dantas Riso Esculturas que eternizam o movimento
Texto por Viviane Roussenq Fotos por Carlos Lobe
100 países. De tamanha bagagem recorda emocionado de dividir o palco com Nureyev que o descobriu: “ Até hoje lembro deste momento com muita emoção. Eu, franzino, baiano, ao lado de um dos maiores dançarinos do mundo”. Dos amigos bailarinos guarda também lembranças memoráveis como a apresentação de Alícia Alonso, bailarina cubana cega do alto de seus 78 anos. “ Como não acordar todo dia e lembrar de tamanha energia? Este e outros momentos me encorajam, me ensinam que a coreografia da vida continua. Eu danço a vida da melhor forma.”
A rigidez de matérias como o bronze e o aço, ganha, aos poucos, a leveza de contornos, que forja graciosas bailarinas. São arrebatadoras esculturas do artista plástico, professor e ex bailarino, Pedro Dantas Riso. Sua arte é precisa como os passos de uma coreografia. Em cada escultura, incontáveis detalhes da musculatura da bailarina magnetizam o olhar. Como explicar que o rijo flutua, dança e quer ganhar a liberdade na amplidão do espaço? As bailarinas que “dançam”, esculpidas em seu trabalho solitário, são o legado de uma vida dedicada à dança e às artes plásticas. O baiano Pedro Dantas Riso, 76 anos, aprendeu ainda menino a arte de esculpir com os avós que lhe ensinaram a criar figuras para presépio. “Eram animais, mas já havia em mim uma vontade de ir além, a arte de esculpir sempre me seduziu. Gostava deste trabalho essencialmente solitário”, conta ele.
Foram 20 anos dedicados à dança. No final de 1970, retornou ao Brasil. Adotou Blumenau como sua definitiva “pátria” ao ser convidado por Ingo Hering para dirigir a Escola de Ballet do Teatro Carlos Gomes. “Foi um tempo precioso de aprendizado. Mas o ciclo havia acabado. Na época havia muito preconceito. Eu queria colocar no palco negros e pobres, algo impensável no balé de Blumenau”, revela.
Quis o destino que Pedro ainda criança se mudasse para São Paulo e tivesse como vizinha uma professora de balé. Era o salto para a dança, universo onde figurou ao lado de dançarinos lendários como Nureyev , Bertoluzzi entre muitos outros, levando sua arte para mais de
Inquieto, continuou a carreira como professor. Manteve a sintonia com os artistas plásticos de Blumenau e
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aço, bronze, pedra e acrílico. Cada peça do artista nos remete ao movimento. Em seu Ateliê onde recebeu a reportagem da Valeu, o artista exibe seu balé arte. São representações únicas de grandes bailarinas batizadas com seus nomes. Cada uma com um movimento particular, uma delicadeza íntima dos que já pisaram os mesmos palcos. Da criação de Pedro também brotam movimentos impensáveis no balé de grande beleza estética. Três bailarinos se sustentam num movimento que sugere a sensação de liberdade no espaço. A criação é uma alusão a uma outra paixão de Pedro que ficou apenas nas memórias de infância. O menino queria um dia ser astronauta. Mas o destino interferiu de novo e quis que o artista desse passos largos no terreno das artes plásticas. Além das esculturas, telas reproduzem o olhar plástico de Pedro. Mesmo ali, limitada na superfície fixada na parede, a dança continua a pairar em inebriante composição de luz e sombra. São tantas obras vistas, outras em processo de gestação como desenhos, que a reportagem não cala a pergunta: não mereceriam um espaço adequado como um Museu do Artista? Pedro conta que bem que vem tentando junto ao Estado e ao Município. De oficial, nenhuma ajuda. Como reconhecimento pela notável trajetória artística, ele recebeu em 2011 a Medalha do Mérito Cultural Cruz e Sousa quando foi nomeado Comendador da Dança pelos serviços prestados à cultura do Estado. Enquanto isso, o corpo de balé de Pedro cresce. Grandes instalações como enormes rostos esculpidos em pedra também disputam espaço na grande sala. Mas ganham apenas os olhos de compradores que conhecem a arte de Riso há anos ou via internet através de seu site. A esperança para que a arte de Riso chegue a mais pessoas vem de escolas que agendam a visita de alunos. São ônibus que chegam de toda região. E não são poucos: “uns 15 por ano”, calcula. A curiosidade dos alunos pelas peças não esgota no olhar. Então surge a pergunta. O artista responde pacientemente cada inquietação. Mas palavra no universo de Pedro Dantas Riso é recurso incapaz de traduzir o que sua arte não deixa calar: leve movimento em direção a uma liberdade plena.
região, acompanhando a produção cultural para além dos muros do Teatro. Lecionou também em Joinville e foi um dos idealizadores do Festival de Dança de Joinville, hoje um dos maiores do mundo. Pedro eternizou sua arte com obras espalhadas pelo planeta, dentre elas, as esculturas de Carlos Gomes e do Índio Guaraní, expostas na praça do Teatro Carlos Gomes, em Blumenau. Dançou profissionalmente até os 40 anos e se despediu dos palcos aos 58, no Festival de Dança de Joinville, quando passou a se dedicar à escultura _ sua primeira obra foi feita em Roma, dedicada ao bailarino Rudolf Nureyev.
Fusão de paixões Maduro, experimentaria a fusão de duas paixões: os movimentos da dança com a arte de esculpir. As linguagens estéticas enfim se saudavam, se fundiam. Desde então, na escultura, a dança de Pedro continua em movimentos ainda mais sofisticados forjados em
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“O poema é a Liberdade.” Quando o Vale era mais Verde - A Catequese Poética de Linfolf Bell.
Texto por João Moreira
“Mira poeta. No entendi nada do que hablaste. Pero me deciste tudo com la luz de tus ojos e tus manos.” “Depois de dizer um poema na prisão de Medellín, cercado pelos prisioneiros e jornalistas do mundo todo, perguntaram aos prisioneiros - Sim, agora os poetas acabaram de falar, coisas lindas... falaram em liberdade, falaram na vida que está lá fora e...eles vão embora e vocês continuam aqui dentro da prisão. - É verdade. Só que eles nos trouxeram... eles trouxeram a lembrança de que nós podemos continuar a sonhar com a liberdade que está lá fora.”
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seu tonitruante cunhado, Leonel Brizola, terminara às mãos do exército, sob o beneplácito de diversos setores do país. É em meio a este quadro político que o irreverente Lindolf Bell decide que é chegada a hora de levar a poesia às pessoas. “O lugar do poema é onde possa inquietar”afirmava. Para Bell e para os outros artistas que com ele se envolveram na Catequese Poética, entre eles o seu amigo Rubens Jardim, a força da poesia estava na sua verbalização. “Quando se diz um poema bem dicto... Bem dito... Acorda-se nas pessoas um destino arcaico. Um destino anterior.” “Então, eu acho que há um destino oral em nós. Nada mais duro que o silêncio entre as pessoas.” A Catequese Poética foi, obviamente, um movimento político e social, mas foi acima de tudo um movimento estético e artístico. Um movimento cujo objetivo fulcral foi o de resgatar a oralidade da construção poética e leva-la ao povo. Bell quis ser voz e porta-voz de uma geração. E soube sê-lo. O curso de dramaturgia que iniciara em 62 na Escola de Arte Dramática de São Paulo ajudou na construção do perfil cênico das suas apresentações públicas, a que ninguém ficava indiferente, muito em razão do seu porte de “deus nórdico”, como definiu o amigo Sérgio da Costa Ramos. Mas, era a força que imprimia às suas declamações que penetrava na alma e no coração das pessoas. A Bell aplicava-se de forma sublime a frase do cineasta dinamarquês Carl Theodor Dreyer sobre o rosto humano: “Preciso vê-lo animado do interior e transfigurando-se em poesia.” Bell transfigurava-se em poesia fazendo da palavra, da sua palavra, a sua arma. As suas declamações ganhavam a intensidade de vendavais, de furacões, de tempestades, como se todas as forças da natureza estivessem presas no âmago do poeta/ator e se libertassem, milagrosamente, nesse momento quase bíblico de transfiguração.
Talvez nenhum outro momento resuma tão bem a essência do movimento cultural e artístico iniciado por Lindolf Bell, em 1964, como este, vivido na Prisão de Medellín, Colômbia, após recital realizado em 1996, onde Bell representou o Brasil, juntamente com Haroldo de Campos. A poesia tem um som. Um som próprio. Único. Um som a que Bell decidiu dar, literalmente, voz. Inspirado, talvez, na tradição da oralidade poética de sua mãe, de origem russa, que na Páscoa, no Natal, e nas festas de aniversário e casamento, declamava poemas que aprendera com seus pais. Essa “imagem de alguém que não era só a minha mãe, era também uma guerreira, uma guerreira lírica, uma doce guerreira que tinha a coragem de se levantar e dizer poemas.”, foi com certeza definitiva para o surgimento da Catequese Poética, que Bell iniciou oficialmente em 18 de maio de 1964, na extinta boate “Ela, Cravo e Canela”, em São Paulo.
Do “Viaduto do Chá”, em São Paulo, o filho de emigrantes russos da interiorana cidade de Timbó, gritava pertencer à “geração das crianças traídas”, num extraordinário libelo acusatório ao regime militar. Daí, juntamente com os seus compagnons de route, entre eles alguns dos nomes mais interessantes da poesia brasileira da década de 60, levou o poema às ruas, às fábricas, às escolas, às prisões, arejando com vendavais de poesia, um Brasil emudecido pela caneta vermelha da censura. Como o próprio afirma no seu livro “Convocação” de 1965 “(...) o poeta vai à praça/ levando um povo pelas mãos/ e no coração grande vontade de amar.”
Nesses inícios de 64, o Brasil estava em transformação. João Goulart, que chegara à Presidência após a renúncia de Jânio Quadros, chefiava um governo assumidamente frentista, antagonizando os setores mais conservadores da sociedade, entre eles o, ainda poderoso e influente exército brasileiro. O confronto com as chefias militares atingiu um ponto de não retorno quando o Presidente, desavisadamente, decidiu comparecer em uma manifestação de sargentos que questionava abertamente a hierarquia. O golpe tornou-se inevitável e no dia 1 de Abril de 1964 o Brasil acordava em Estado de Sítio imposto pelas estruturas militares chefiadas pelo general Olympio Mourão Filho. Dias depois, o general Humberto Castello Branco assumia o cargo de Presidente da República. A experiência socializante de Goulart e do
Nesse mesmo ano de 1965, organiza, na PUC do Rio de Janeiro, o primeiro Recital de Poesia em Estádio, juntando mais de 1000 estudantes encantados com a força do seu movimento, isto depois de já ter agitado São Paulo, Blumenau e Florianópolis com exposições de poemas-murais, recitais, congressos e declamações espontâneas. Congregando à sua volta um grupo de poetas e artistas, Bell coloca em prática a sua estratégia de Revolução Cultural, destinada a agitar os corações dos seus compatriotas, tocando-os com a mágica beleza da poesia.
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“Não faço restrições à vida.” Como não podia deixar de acontecer, é por uma artista plástica que se apaixona e com quem acaba por casar: Elke Hering, descendente de uma das mais tradicionais famílias alemãs do Vale do Itajaí, também ela uma alma inquieta e uma revolucionária cultural. Juntos partem para os Estados Unidos, onde organiza happenings de poesia com obras de sua mulher, numa nova forma de olhar a poesia, criando poemas-objetos e objetos poéticos. Mas, mesmo quando a sua poesia assume uma caraterística mais gráfica, Bell não se afasta nunca do conceito, para si essencial, do ritmo da poesia, do som do poema – “por mais gráfico que o poema seja e ainda que ele seja totalmente gráfico e ainda que você só o leia com os olhos, o som no poema é essencial. Mesmo quando você o lê em silêncio, há nele um som que só você percebe na sua leitura silenciosa.” Regressado ao Brasil, abre a Galeria Açu-Açu, em Blumenau, a primeira galeria de arte do Estado de Santa Catarina, que rapidamente se transforma em uma referência no mundo das artes no Sul do país e eleva Bell à categoria de um prestigiado crítico de arte, sempre disponível para descobrir novos talentos e empenhado em dar oportunidade aos jovens artistas em que reconhecia talento. O regresso ao país natal marca, também, uma nova fase na sua poesia. O período intenso de engajamento social e político dá lugar a uma nova fase poética, mais pessoal e interior. As suas origens, a cidade natal, as memórias do passado, passam a dominar a obra poética de Bell. “(...) Abri o portão da casa de minha infância. Mapa dobrado dentro de mim desdobrado, mapa mudo onde afundei em areia movediça palavra por palavra.” Foi sempre a poesia e a sua Catequese que preencheram a alma do inquieto poeta. Até à sua morte prematura, em vésperas de cumprir 60 anos, Bell não parou de escrever e de surpreender. Na TV Coligadas-Blumenau, criou o primeiro programa de televisão dedicado à poesia; em parceria com o artista plástico César Otacílio, realizou o primeiro painel-poema do Brasil; em Blumenau conseguiu que fosse inaugurada a Praça do Poema, em Indaial, o Jardim dos Poemas e em Timbó, o concurso de poesias com o seu nome; em Rio do Sul lançou poemas do céu, de um avião e ainda foi Conselheiro Estadual da Cultura. Tudo isto, sem deixar de percorrer o país, levando ao povo a sua arte, qual missionário da poesia, absolutamente empenhado na evangelização cultural de seus concidadãos. Há em Bell uma espécie de religiosidade mística em relação à oralidade poética e à forma como entende o papel do artista na sociedade, que o transforma num verdadeiro missionário da poesia. Não é por acaso que decide denominar de Catequese o seu movimento artístico. Como o próprio afirmou em entrevista a Joanna Tonczak em 1970, “(...) poeta deriva de profeta e o profeta sempre teve uma missão de denúncia, sempre
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teve uma missão de vigia de sua sociedade, de seu rebanho.” E, se a raiz etimológica da palavra deu mote ao movimento, parece-nos existir uma razão mais funda motivada pela fé inabalável de Bell na força da poesia e na sua capacidade de contribuir decisivamente para a transformação a sociedade. Talvez muita desta conotação religiosa na postura artística e poética de Bell resulte da influência materna, no entanto, é inegável que, mesmo de forma inconsciente, Bell condensou na sua obra a imagética do cristianismo de tal forma que em público, declamando, se transfigurava em um profeta da palavra, predestinado a evangelizar o seu povo. “(...) porque a gente conscientemente se propôs levar poesia para maior número de pessoas possível, baseando-se no fato de que as pessoas não podem amar o que não conhecem. A rejeição da poesia, por desconhecimento, é um dos maiores males brasileiros.” Bell que fizera mais verde de poesia o Vale onde nascera, deixou de fazer ouvir a sua voz tonitruante em dezembro de 1998. Com ele calaram-se os poetas. Onde para a poesia? De onde terão vindo as gerações que se lhe seguiram para não fazerem ouvir a sua voz? Quem lhe seguirá os passos, a ele que veio de uma geração de crianças traídas? Terá o Mundo deixado de precisar de poetas? No seu tributo a Bell, Salim Schead dos Santos responde desta forma extraordinária: “Num mundo sem fronteiras, onde o luxo de uma minoria contrasta com a miséria da maioria, onde a violência se banaliza, onde a justiça torna-se escassa, o poeta resgata a solidariedade e a ternura, abranda a aridez das cidades e o vazio das relações entre as pessoas, restaura a esperança. O poeta restitui ao homem a sua dignidade perdida.” Esta foi sempre a inabalável crença de Lindolf Bell. Uma fé absoluta na força da poesia, e na sua capacidade de fazer prevalecer o amor entre os homens. Como disse São Paulo, maior do que a fé é o amor. Talvez por isso, mesmo no mais panfletário e contestatário dos seus poemas, “O poema das crianças traídas”, Bell abre as portas a esse amor fim e princípio de tudo: “Mas eu farei exceções a todos aqueles que souberem amar.”
O Poema das Crianças Traídas
III Sem bandeira que indique morte qualquer, avanço das caliças. Sem porto fixo à espera, nem lar de maternas mãos ou rua de reencontro. Ostento meus adeuses. Sem credo a não ser à humanidade dos que me amam e desamam, anuncio a catarse numa sintaxe de construção.
Eu vim da geração das crianças traídas Eu vim de um montão de coisas destroçadas Eu tentei unir células e nervos mas o rebanho morreu. Eu fui à tarefa num tempo de drama. Eu cerzi o tambor da ternura, quebrado. Eu fui às cidades destruídas para viver os soldados mortos. Eu caminhei no caos com uma mensagem. Eu fui lírico de granadas presas à respiração. Eu visualizei as perspectivas de cada catacumba. Eu não levei serragem aos corações dos ditadores. Eu recolhi as lágrimas de todas as mães numa bacia de sombra. Eu tive a função de porta-estandarte nas revoluções. Eu amei uma menina virgem. Eu arranquei das pocilgas um brado. Eu amei os amigos de pés no chão. Eu vasculhei nos lixos para redescobrir a pureza. Eu desci ao centro da terra para colher o girassol que morava no eixo. Eu descobri que são incontáveis os grãos do fundo do mar mas tão raros os que sabem o caminho da pérola. Eu tentei persistir para além e para aquém do contexto humano, o que foi errado. Eu procurei um avião liquidado para fazer a casa. Eu inventei um brinquedo das molas de um tanque enferrujado. Eu construí uma flor de arame farpado para levar na solidão. Eu desci um balde no poço para salvar o rosto do mundo. Eu nasci conflito para ser amálgama. II
Eu escreverei para um universo de concessões. Eu saberei que a morte não é esterco, mas infinda capacidade de colher no chão menor adubado, que poderei sorvê-la como à laranja que esqueceu de madurar, que serei alimento para o verme primeiro da madrugada, que a vida é a faca que se incorpora em forma de espasmo, que tudo será diferente, que tudo será diferente, tão diferente… Eu quero um plano de vida para conviver. Eu ostentarei minha loucura erudita. Eu manterei meu ódio a todos os cetros, cifras, tiranos e exércitos. Eu manterei meu ódio à toda arrogante mediocridade dos covardes. Eu manterei meu ódio à hecatombe de pseudo-amor entre os homens. Eu manterei meu ódio aos fabricantes das neuroses de paz. Eu direi coisas sem nexo em cada crepúsculo de lua nova. Eu denunciarei todas as fraudes de nossa sobrevivência. Eu estarei na vanguarda para conferir esplendores. Eu me abastardarei da espécie humana. Eu farei exceções a todos os que souberam amar.
Eu sou a geração das crianças traídas. Eu tenho várias psicoses que não me invalidam. Eu sou do automóvel a duzentos quilômetros por hora com o vento a bater-me na cara na disputa da última loucura que adolesceu. Eu sou o anti-mundo à medida que se procura o não-existir. Eu faço de tudo a fonte para alimentar a não-limitação. Eu sei que não posso afastar o corpo que não transcende mas sei que posso fazer dele a catapulta para sublimar-me.
Lindolf Bell, in “Os Ciclos” 1964
Meu coração é um prisma. Eu sou o que constrói porque é mais difícil. Eu sou o que não é contra mas o que impõe. Eu sou o que quando destrói, destrói com ternura e quando arranca, arranca até a raiz e põe a semente no lugar. Eu sou o grande delta dos antros Os amigos mais autênticos são as águas que me acorrem. Eu sou o que está com você, solitário. Quando evito a entrega, restrinjo-me. Quando laboro a superfície é para exaurir-me. Quando exploro o profundo é para encontrar-me. Quando estribo braços e pernas na praça sobre o não alterável É para andar a galope sobre a não-liberdade.
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Era uma vez duas mulheres que se amaram
clusive, tentar diluir alguns preconceitos, uma vez que na história há um outro casal, que é heterossexual, que se solidariza com a princesa e a costureira e as ajudarão a viver o seu amor”, explica. A psicóloga pretende mostrar que as pessoas querem uma história que vá mais além da ideia de “a princesa sofreu muito até aparecer um príncipe.” No entanto, encontrar uma editora que publicasse a história não foi tarefa fácil. “Mandei a história para cerca de 20 editoras, até achar uma que aceitasse publicar o livro”, conta Janaína.
Janaína Leslão, autora de “A Princesa e a Costureira’, primeiro conto de fadas brasileiro que narra o amor gay, detalha sua proposta inclusiva para a Revista Valeu e relata a luta que durou cinco anos para encontrar uma editora.
Ao contrário de outros autores, que buscaram na internet uma maneira de publicar suas obras de maneira independente, Janaína encontrou sinal verde da pequena editora Metanóia. Mas, como não havia dinheiro para contratar um ilustrador, ela optou em entrar no Catarse através de um financiamento coletivo. A história foi ilustrada por Junior Caramez.
Texto por Viviane Roussenq Era uma vez uma princesa que estava prometida para o príncipe e se preparava para o casamento. O que parece mais uma fábula das muitas que lemos ou que nos contaram, ganha ingredientes incomuns em seu enredo: a princesa era negra e ao provar o vestido, acabou se apaixonando pela costureira. É o primeiro conto de fadas no Brasil que aborda o amor entre duas mulheres. A autora do Livro “ A Princesa e a Costureira”, é Janaína Leslão, psicóloga brasileira que há cinco anos escreveu o livro cuja publicação acontece até o final de dezembro.
“A Princesa e a Costureira” é o primeiro conto brasileiro na perspectiva de uma literatura inclusiva, ou fora dos padrões dito normais. Para a autora, seria a concretização de um sonho ter sua obra em prateleiras de escolas. “Desde sempre as pessoas precisam lidar com a diversidade humana em suas vidas. Ninguém vive em uma bolha. Então, a escola também pode trabalhar para a diluição dos preconceitos para a melhor convivência de todos e todas, apesar das diferenças individuais.”
A ideia apareceu ao perceber que existia uma enorme falta de materiais sobre o tema durante seus trabalhos com sexualidade e gênero. “Os adultos também não lidam bem com este assunto e uma leitura mais leve pode ajudar”, esclarece Janaína.
A repercussão nas redes sociais, segundo Janaína, está sendo ótima. “A maioria de mensagens que recebo nos comentários da página Janaína Leslão no facebook e inbox são de apoio a obra, a história em si, a iniciativa no geral.” Mas a história também enfrenta reações contrárias, já foi alvo de ameaças e suposições absurdas, pautadas no preconceito. “Tem gente que nem lê a sinopse do livro pra entender do que se trata. E o racismo porque a princesa é negra? Um absurdo!”, dispara.
As suas obras são direcionadas para adolescentes e pré-adolescentes mas também para adultos. “Quando as pessoas começam a sentir atração por outras, percebi que muitas vezes, nesta idade, a cabecinha ainda está povoada pelos contos de fadas, que são referências. Todavia não conhecemos contos de fadas que falem de amor entre duas mulheres, por exemplo. Essa fase da descoberta de uma orientação sexual não hegemônica pode trazer muitos conflitos para a pessoa e/ou para sua família. Assim, é legal ter um conto para poder conversar, para poder se aproximar desta realidade. Para, in-
Com o dinheiro que obteve do financiamento coletivo, Janaína partirá para sua segunda empreitada literária, o livro “Joana Princesa.” Neste novo livro, a psicóloga conta a trama de uma princesa adolescente que foi chamada de príncipe João ao nascer e que começa a refletir sobre a sua identidade de gênero na adolescência.
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“Partir sem saber para onde/Porque a pureza é sem direção.”
“O livro ‘Joana Princesa’ ainda não tem editora, mas com as ilustrações prontas fica mais fácil, então abri essa meta extra que também foi alcançada. Os apoiadores estão muito entusiasmados e sabem da lacuna que existe no meio editorial. Está sendo incrível essa interação”, conta Janaína. Quem está trabalhando as ilustrações é Marina Tranquilin. Ela pretende lançar este conto de fadas só em meados de 2016. “Para mim, o papel da literatura é acolher pessoas que não tiveram suas histórias contadas”, diz a autora.
Crédito da Foto Claudia Corsino
A psicóloga observa que a diversidade faz parte do humano e é possível e desejável conviver harmonicamente com essas diferenças. “Cada família passa seus valores éticos para seus membros, mas é quando vamos para a escola que saímos do convívio quase que exclusivo com nossa família e percebemos que existem famílias diversas e situações diferentes das quais estávamos acostumados. E não é porque é diverso que eu não possa respeitar.”
Quem é Janaína Leslão:
Natural do Paraná, vive há 20 anos em São Paulo. Psicóloga, este é seu primeiro livro, embora já tenho escrito muitos textos que abordam a diversidade humana. Ela se autodefine como “Maringaense de nascença, Porecatuense de criação, errante na vida. Após oito cidades e quatorze casas, criou raiz em pessoas, não em lugares. Apaixonada por MPB, gosta de música infantil inteligente. Cresceu lendo apostilas de literatura da mãe professora; adolesceu entre Cecília Meireles e Sidney Sheldon; adulteceu com Caio Fernando e Clarisse Lispector. Prefere pequenas reuniões a grandes festas.
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“Era uma vez um pedaço de madeira.”
Carlo Collodi in, As aventuras de Pinóquio
New Art – Talhando em madeira, pedaços de felicidade. Não é fácil descobrir a New Art, embora seja uma das empresas de referência de Benedito Novo e do Estado de Santa Catarina. Voltada para dentro de si mesma, como que focada exclusivamente no cuidadoso trabalho da madeira que a transformou numa das mais conhecidas fábricas de brinquedos do país, a New Art, situada bem no centro de Benedito, quase passa despercebida para quem não tem a curiosidade de a visitar. Depois tudo muda!
Sobre a mesa, um painel mostra dezenas de pequenos apitos de madeira, cada um deles reproduzindo o som de uma ave e de um animal. De aracuãs a capivaras, passando por macucos, marrecos, perdizes, rolas, tucanos, são diversas as opções.
Chegamos cedo e somos recebidos pela sócia-gerente Sónia Tomasoni que, de sorriso aberto e uma energia contagiante, nos encaminha para uma pequena sala onde tentaremos perceber melhor como uma empresa familiar do Vale do Itajaí virou referência nacional em tão curto espaço de tempo. Sónia - A empresa foi uma herança que a gente ganhou do meu sogro. Ele já estava com certa idade e disse – toquem pra mim. Inicialmente começamos fabricando apitos de aves que antigamente eram vendidos para caça e pesca, mas que hoje em dia são usados para diversos fins. Vendia muito!!!! Aí surgiu a ideia de transformar essa coisa do apito numa coisa divertida. Como um brinquedo educativo. Me custava aquela ideia de ser usado para matar animais. – Um leve sorriso de constrangimento. – Então surgiu essa ideia e hoje em dia vendemos os apitos como brinquedo educativo. Não só para crianças, mas para os próprios pais interagirem com as crianças.
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Sónia - Já imaginou uma criança de cidade grande ir ao mato e brincar com estes apitos? É uma coisa fora da realidade. As pessoas escutam, experimentam e ficam surpreendidas. E, realmente, o som é como o dos pássaros.
“Porque amar é uma forma de respeitar.” Revista Valeu – Ainda mantêm a produção desses apitos de madeira? Sónia - Por incrível que pareça, a venda de apitos ainda é o nosso carro-chefe. No início, eram os apitos e os massageadores. Vendemos muito... Hoje os massageadores perderam um pouco a importância, com a entrada dos importados a preços muito mais baratos, embora de menos qualidade, deu-se uma quebra grande nas vendas. A maioria destes produtos importados vem do oriente, da China, por exemplo, e para nós fica impossível acompanhar o custo de produção que eles têm. Então, hoje em dia ainda matemos uma produção de massageadores, mas não é mais o nosso forte. Sónia - Entretanto, tive dois filhos, gémeos e quando eles começaram a alfabetização, começou aquela história de começar a precisar inventar uma coisa para eles aprenderem melhor a matemática ou o alfabeto. Aí, eu tenho uma prima que é a nossa designer e eu comecei a desafiar ela e a gente começou a fazer. Pô pensei, nós temos tudo na mão. O mercado está super carente de produtos de madeira, aí eu sempre insistia – vamos fazer brinquedos? – O nosso sócio, o Jorge, também era a favor, mas durante um tempo, faltou iniciativa. Também tínhamos a noção de que não adiantaria fazer um produto. Era necessário criar uma linha de produtos. E assim foi! – Afirma orgulhosa. – Fizemos uns nove produtos. Brinquedos de equilíbrio, de encaixe e deu certo, a ideia. Sónia - Porém, surgiu um problema. – Risos – As lojas onde tínhamos os nossos produtos eram bem específicas, vocacionadas para artesanato e não para brinquedos. Então, depois de uns 9 anos, sempre crescendo, sempre vendendo, mas ainda não como queríamos, porque esta área era totalmente nova para nós e a fabricação de brinquedos é bem diferente, você tem de ter novidade todo o ano e esses produtos, além de testados têm de ser certificados e isso leva tempo, muitas vezes você faz 20, 30 peças piloto até acertar.
Revista Valeu – Desculpe interromper, mas explique em que consiste essa certificação. Sónia - Todos os nossos brinquedos de madeira são certificados pelo INMETRO. Antes de irem para o mercado são certificados e todos os anos têm de ser certificados novamente. Todas as tintas são atóxicas, as colas são atóxicas, os brinquedos educativos são pensados cuidadosamente para cada idade, enfim, é um processo moroso, mas bem compensador, porque representa um diferencial. Revista Valeu – Regressando á história da New Art. Sónia - Aí, como estava dizendo, começamos a colocar os produtos em lojas de brinquedos e contratamos agentes para a área educativa e as vendas dispararam. Hoje em dia 80% das nossas vendas são para lojas de brinquedos educativos. Lojas onde não entram eletrônicos, onde não entram produtos de plástico, só brinquedos de madeira e tecidos. A nossa ideia sempre foi a de resgatar os brinquedos que vinham da nossa infância e fabricá-los em madeira, que tem outra durabilidade, juntando a função educativa, de coordenação e aprendizagem. Foi muito legal! Já imaginaram? Os pais que tinham acesso a esses produtos, mas em materiais mais perecíveis, de repente descobriram que podiam comprar esses brinquedos num material que durava a vida toda. Sónia pega o catálogo da new Art e vai explicando, olhos brilhantes de entusiasmo e orgulho, o aparecimento das diversas coleções que, entretanto, foram lançando no mercado. Sónia - A coleção das comidinhas, foi uma coleção que eu insisti muito que fizéssemos e deu muito certo. Não teve um único produto lançado dessa linha que tivesse sido retirado, pelo contrário, a gente está sempre aumentando e aumentado e as vendas não caem, porque muitas vezes você acaba inventado outro produto que retira o foco na venda de outro que já existe, mas neste caso isso não aconteceu. Sónia - Esse aqui – apontando para o catálogo da empresa – é a Vila das Árvores e vem totalmente desmontado e já faz com que os pais tenham de interagir auxiliando a criança na montagem e isso cria um vínculo. Hoje as crianças passam a vida no celular e na internet e já não brincam, mas isso é culpa dos pais. É nossa culpa, não é? – pergunta retoricamente. - No meu tempo de criança, sábado à noite a gente sentava à mesa para jogar “Ludo” e esses jogos de tabuleiro, então isso é possível de resgatar...
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O lado materno de Sónia realça uma preocupação permanente para esta ligação familiar e para a interação entre pais e filhos durante o processo de aprendizagem. O sonho tornado realidade, nascido da necessidade de auxiliar os seus gémeos, entrega um brilho especial ao trabalho desta mãe/empresária.
Revista Valeu – Hoje qual é o vosso maior mercado? Sónia - Vendemos os nossos produtos em todo o país. Claro que as cidades grandes, como São Paulo e Rio de Janeiro, representam uma fatia maior, até pela curiosidade, pela descoberta de algo diferenciado. Aqui na região, onde quase todos, em criança, tivemos brinquedos de madeira, não damos o mesmo valor, embora nos últimos cinco anos isso esteja a mudar. Por exemplo, na região não temos logista. Agora abrimos um em Blumenau! Tá vindo – Risos – Primeiro Joinville, depois Florianópolis, agora Blumenau. Tá vindo!!! Mas, as pessoas podem comprar aqui. Temos uma loja exclusiva em Jericoacoara. É de um sobrinho meu que foi visitar e acabou ficando e abriu uma loja só com os produtos New Art, porque vende muito para turistas que adoram os brinquedos de madeira. Sónia - Uma coisa interessante e que nos orgulha é que a Revista Crescer, todos os anos faz um ranking dos melhores brinquedos educativos e nós sempre temos alguns nesse ranking. Mas, esse ano eles elegeram os cinco melhores brinquedos do Brasil e um desses cinco é nosso: a coleção Fazendinha! Isso foi bem legal.
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Revista Valeu – Como são definidos os novos lançamentos? Como é que decidem os produtos que vão colocar no mercado? Sónia – Normalmente surge uma ideia, minha ou da nossa designer e depois reunimos e avaliamos. Um dos cuidados que temos é de tentar aproveitar peças que já estejam na nossa linha de produção, para facilitar e até para que os nossos clientes possam usar em diversos brinquedos, por exemplo, na coleção dos carrinhos, as rodas são todas iguais, apenas mudando a estampa. É engraçado, porque muitas vezes, tem produtos que achamos que não vão resultar e são um sucesso e outros em que apostamos muito e não vendem. Revista Valeu – Quantos funcionários estão trabalhando na New Art? Sónia – Hoje trabalham conosco 30 funcionários, além da terceirização, porque nós terceirizamos muitas coisas de montagem. Provavelmente teremos de aumentar, porque hoje estamos já com 200 brinquedos em produção! Começámos com nove, como falei antes, então, felizmente estamos crescendo bem e isso exigirá mais colaboradores, mas cada coisa a seu tempo. O melhor é visitarmos a fábrica e conhecerem as várias fazes da produção.
Partimos na companhia de Sónia para uma visita pelo mundo encantado dos brinquedos de madeira. Do torneiro que trabalha na New Art desde a sua fundação e que molda artesanalmente pequeníssimos pedaços de madeira com uma rapidez e uma perfeição que impressionam, ao pai de Sónia que também trabalha na fábrica e é responsável pelas madeiras que depois serão talhadas de modo a se transformarem no sonho de muitas crianças, passando pelo simpático chefe de produção, que nos mostra uma curiosa máquina inventada pelo sogro de Sónia e fundador da empresa que serve para lixar as peças de madeira, às sorridentes responsáveis pelo acabamento, pela pintura e secagem, particularmente difícil num ano em que a chuva tomou conta do Vale, todos na New Art mostram um ar de felicidade. A fábrica, que apesar do rápido crescimento dos últimos anos, mantém um cariz familiar, parece iluminada pela magia dos brinquedos que produz e que se espera farão a alegria de tantas e tantas crianças. O céu ameaça uma chuva que teima em não abandonar o Vale, mas somos tomados por uma estranha sensação de bem estar, como se o cheiro da madeira trabalhada e transformada em brinquedos se entranhasse em nós e nos revigorasse a alma! Texto por João Moreira e Clara Weiss Roncalio Fotos por Clara Weiss Roncalio R. Gustavo Roeder, 30 - Centro Benedito Novo Santa Catarina 89.124-000 Brasil newart@newartdobrasil.com.br (47) 3385-0510
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Qual a trilha sonora da sua vida? Parte 4 – Soundtrack A parte mais interessante de disto tudo, deste momento de escrita, é poder conversar em silêncio com quem lê e permitir que o barulho mais ensurdecedor ocorra sem ninguém escutar. Sim, é desta forma que me refiro ao diálogo entre quem escreve e quem lê. Nestas mesmas frases que escrevi acima, note quais imagens e pensamentos transitam dentro de você sem mesmo tocarmos. Exato… penso, sinto, logo existo! Imagine um filme sem música? Sem som, pelo simples fato de estar lá… sim… vazio! Da mesma forma que o texto invade o pensamento a música cria sentimento. Somente pelo fato dela existir e ser ouvida é possível remeter felicidade, melancolia, euforia, tristeza, dor, feitos heroicos e quaisquer sentimentos que tenhamos em mente para expressar. Efetivamente remeto aos filmes, cujo a música tem um papel fundamental. É impossível não se emocionar com a trilha sonora de Ennio Morricone para o filme Cinema Paradiso, ao encontro de Alfredo e o menino Salvatore, o Totó... ou ficar intrigado com a marcante música do Onde Upon a Time in the West. Sentir ser um desbravador ao ouvir a trilha sonora marcante de John Williams para a trilogia Indiana Jones ou sentir a dor da segunda guerra quando ouve o violino do mesmo autor na Lista de Schindler. Torcer pelo herói pirata através das notas que Hans Zimmer criou para o filme Piratas do Caribe e da mesma forma simpatizar com Thelma & Louise. Esperar ansioso para ver qual o próximo passo ao ouvir a melodia que Danny Elfman colocou em Missão Impossível ou mesmo os divertidos e atrapalhados Men in Black. São tantos os filmes e tantas músicas que é praticamente impossível apontar qual é melhor ou “menos melhor”. Não importando a isto, o que quero reforçar é que você pode agora fazer a sua trilha sonora. Exatamente! Seu filme é sua vida, que é o agora, e sua música é qualquer uma que queira ouvir ou simplesmente escutar o nada, através o ensurdecedor barulho do silêncio. Então viva, ligue uma música e faça deste o filme mais incrível que já foi produzido sendo você o ator principal dentro do roteiro que você escolheu.
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Lista de trilhas sonoras para ouvir: 1) Star Wars: John Williams 2) Cinema Paradiso: Ennio Morricone 3) A Ilha do Medo: Krzysztof Penderecki 4) A Pantera Cor de Rosa: Henry Mancini 5) 2001 - Uma Odisseia no Espaço: Alex North 6) A Árvore da Vida: Alexandre Desplat 7) O Poderoso Chefão: Nino Rota 8) Cisne Negro: Clint Mansell 9) Nebraska: Mark Orton 10) Um Homem, Uma Mulher: Francis Lai
Para ouvir mais sobre trilhas sonoras e outras pesquisas musicais, basta procurar por EsdrasFH no Spotify, aplicativo para smartphones, e seguir várias das listas que diariamente eu atualizo. Texto por Esdras Floriani Holderbaum
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Um fenômeno chamado Mac DeMarco
Não à toa, na última música do seu “mini álbum” lançado nesse ano, o Another One, DeMarco informa o endereço da sua casa em Far Rockaway, Nova York, convidando seus fãs a irem até lá para tomar uma xícara de café.
Pelo segundo ano consecutivo o cantor canadense Mac DeMarco, uma das maiores sensações da música alternativa dessa década, trouxe seu show ao Brasil. Se ano passado não consegui ir a Porto Alegre ver o dono do diastema mais simpático da musica alternativa, esse ano o ingresso para assistir o canadense em Curitiba estava garantido desde os minutos iniciais das vendas.
Embora essas tantas referências não musicais chamem a atenção, elas não se sobrepõem à qualidade de suas composições. Nas suas canções, há traços do alternativo dos anos 90 de bandas como Pavement, folk, pop, passando por um clima etéreo que já virou marca registrada de seu som.
DeMarco começou a chamar a atenção da mídia em 2012, com o lançamento de seu segundo álbum, chamado somente de “2”; vindo a consolidar sua carreira e a aumentar consideravelmente sua legião de fãs com o álbum “Salad Days”, lançando ano passado (eleito o segundo melhor disco de 2014, pela clássica revista britânica NME).
Todos os motivos que fazem do Mac DeMarco essa sensação da música alternativa mundial puderam ser conferidos ao vivo no dia 26 em uma agradável noite curitibana. Já na fila para o show, era inevitável esbarrar com algum adolescente “fantasiado de Mac DeMarco”: tênis Vans surrado, boné promocional de alguma empresa, camisa de flanela de um tamanho maior que o necessário. Ao subir ao palco, DeMarco apresentou sua banda e desejou que todos ali se divertissem e tivessem uma ótima noite, passando então a dedilhar o riff inicial de The Way You’d Love Her, canção que também abre seu mais recente disco.
O salto na carreira do cantor e multi-instrumentista canadense pode ser melhor compreendido através da suas duas vindas ao Brasil: em 2014, o cantor se apresentou em São Paulo e Porto Alegre, nesse ano serão ao todo oito shows em sete cidades diferentes. Os dentes separados, carisma e humor nonsense fazem de Mac um personagem completo. Entretanto, nada disso soa forçado. A impressão de quem conhece o trabalho do canadense é de que “esse cara certamente seria meu amigo, só falta nos conhecermos”.
O setlist intercalou as canções de amor do disco temático Another One, os hits do 2 e a melancolia otimista do Salad Days, todas celebradas e acompanhadas em voz alta por boa parte do público. Entre elas, sempre havia espaço para algum comentário (ou piada) feita por DeMarco e pelos demais integrantes da banda.
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“Serei breve, mas não tão breve que a eternidade escape do coração.”
Após uma hora e meia de show, Mac anuncia a última canção, “Still Together”, dedica ela para a namorada que estava longe, e durante a canção, se joga do palco em um longo mergulho sobre o público. Após surfar pro aproximadamente 2min, dos braços do público ele alcança o mezanino, sobe na grade, acende um cigarro, e salta de uma altura de 3m novamente para os braços do público. Histeria coletiva. A impressão é de que o canadense poderia ficar ali surfando sob o público (uma bela metáfora da relação que DeMarco construiu com seus fãs) por longos minutos, mas ele precisa retornar ao palco para cantar o refrão final da canção. A banda sai ovacionada e retorna para o já esperado bis, e após tocar Enter Sandman do Metallica, encerra o show com uma jam improvisada de aproximadamente 30min. DeMarco deixa o palco vestindo apenas uma cueca. Mac DeMarco decididamente é um cara simples, e certamente não almeja se tornar “grande”. Mas a verdade é que aos poucos o fenômeno Mac DeMarco influência cada vez mais uma geração, e será cada vez mais comum ouvirmos “aquela banda faz um som estilo Mac DeMarco”. De minha parte, só posso agradecer ao amigo Mac DeMarco pelo show sensacional e pelas agradáveis tardes de sol acompanhadas dos riffs de sua guitarra. Ritual que deve me acompanhar por um longo período. Texto por Leo Victor Koprowski
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“O cinema, o teatro, a música, a dança, a literatura, entre outras vertentes, nos ajudam a lembrar que somos humanos”.
Sobre arte, amor e memória Texto por Nane Pereira Jornalista
vida do outro e do quanto podemos causar danos se não tivermos a noção dessa importância. O inverso também é verdadeiro. Outro exemplo é a música, a arte mais consumida entre os brasileiros (44%, segundo pesquisa da Panorama Setorial da Cultura Brasileira 2014). Por não ser visual e sim auditiva (trabalha com o imaginário e com o conhecimento de mundo de cada um), tem um poder instantâneo no humor dos ouvintes. Nas ruas e praças é perceptível o sorriso, a tristeza, a alegria, o semblante escancaradamente apaixonado, que o transeunte faz/traz ao ouvir a música favorita. Há certa curiosidade em saber o que o outro está ouvindo no fone de ouvido particular pela expressão que ele demonstra. A depender da memória, ouvir uma determinada canção faz com que a pessoa relembre e sinta o mesmo gosto, cheiro, emoção, vivenciado naquela estação. O cinema, o teatro, a música, a dança, a literatura, entre outras vertentes, nos ajudam a lembrar que somos humanos. Nos salva de nós mesmos. nane@nanepereira.com
Alguns filmes, livros, músicas, peças de teatro ou ópera, entre outras possibilidades que a arte proporciona, podem ter um poder descomunal sobre o receptor. Isso não significa, por exemplo, que o livro é que muda as pessoas, que o livro é o melhor amigo, ou que o livro é bonzinho, como muitos divulgam por aí. O livro não muda ninguém, mas a história que habita nele pode causar um tufão nos pensamentos, quebrar algumas vidraças internas até então intactas ou apresentar infinitas possibilidades de criação. Oportunidades. Arrebatamentos. Pode comover de tal maneira a fazer o receptor repensar seus atos e hábitos. Com o cinema acontece a mesma coisa, não é o longa ou curta-metragem que muda as pessoas é a história que habita neles. Isso significa que não adianta ver uma infinidade de filmes ou comprar uma centena de livros se o coração não estiver aberto às possibilidades e às sensações que a arte possa apresentar. Lembro-me da primeira vez que vi o filme Dogville (2003, diretor Lars von Trier), uns diziam que era chato pela técnica cinematográfica simples e despojada, com elementos teatrais, outros diziam que nos primeiros 15 minutos dormiram, tamanha era a lentidão do enredo. A mim, causou choque a personagem de Grace (Nicole Kidman) e extrema identificação na questão da desumanização da humanidade. Meia Noite em Paris (2011, diretor Woody Allen) me fez questionar velhos hábitos. Em determinada parte do enredo, o personagem central Gil Pender (Owen Wilson) pergunta a Adriana (Marion Cotillard) em que época ela gostaria de viver. A depender da resposta secreta de cada receptor, não vale mais a pena carregar e alimentar velhos pensamentos e atitudes. O Efeito Borboleta (2004, direção de Eric Bress e J. Mackye Gruber) me alertou sobre as pequenas escolhas que podem se tornar grandes catástrofes e na responsabilidade que temos sobre a
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O Filme das Nossas Vidas Todos nós, por um motivo ou outro, temos um filme que nos marcou para sempre e que podemos definir como “O Filme da Nossa Vida”. Talvez não seja o melhor filme que vimos, nem sequer se enquadre naquilo que ousamos definir como “bom cinema”, mas por qualquer razão, é o filme de que nos recordamos com mais frequência e aquele que nos vem à cabeça quando, desafiados, nos pedem para falar sobre cinema. “O filme das nossas vidas” pretende ser isso mesmo. Um desafio à capacidade de passarmos para o papel a magia que olhamos na tela e que nos marcou para sempre. Um estímulo à forma como interpretamos aquilo que vimos. Um olhar pessoal sobre o olhar, já por si pessoal, do realizador. A Revista Valeu lança um desafio aos seus leitores e colaboradores, para que nos enviem, para publicação, o seu olhar sobre o filme que mais os marcou, o filme a que se arriscariam a chamar o filme da sua vida.
Ordet – O milagroso F|lme de Dreyer.
Os vinte e três anos decorridos entre a descoberta de Ordet e a sua realização, permitiram a Dreyer aperfeiçoar o guião e introduzir alterações significativas à peça de Munk, sem, no entanto, alterar o essencial da mensagem contida no script original do pastor luterano. “A Palavra” de Dreyer, ao contrário da versão anterior do cineasta sueco Gustaf Molander, datada de 1943, é um filme autoral, refletindo a sua devoção por Kierkegaard e, sobretudo, a rigidez da sua educação luterana e de uma infância marcada por uma adopção que só descobriu em adulto.
Li a extraordinária crônica de João-Bénard da Costa sobre Ordet, para o saudoso “O Independente”, muito antes de ver o luminoso filme de Carl Theodor Dreyer. Regressei a essa crônica por diversas vezes antes de me perder nos longos planos-sequência do realizador dinamarquês, em vésperas do Natal de 1995. Talvez por isso, para mim, Ordet tenha passado a ser um filme de Natal. Não um filme sobre o Natal, mas um dos mais extraordinários filmes sobre a dimensão transcendente da fé.
Na verdade, Carl Theodor Dreyer nasceu Karl Nielsen, filho de mãe sueca, que sem condições econômicas para cria-lo se viu obrigada a entrega-lo para adopção ao casal Dreyer. Registado com o nome de seu pai adoptivo, Carl cresceu num ambiente de forte austeridade religiosa, que marcaria definitivamente a sua formação. Esta marca profunda, agravada pela descoberta tardia da sua condição de filho adoptado, acabou por influenciar de forma definitiva a sua cinematografia e em particular Ordet, a sua obra prima.
“A Palavra”, no título em português, em uma tradução literal do original dinamarquês, foi adaptado por Dreyer para cinema a partir da peça do pastor Kaj Munk, a que assistira na sua estreia em Copenhague, nos idos de 1932. A concepção do filme foi um processo longo e desgastante para o cineasta, que em 1933 começara a tomar notas para a sua adaptação. O filme acabou por estrear, somente, em 1955, no Teatro Dagmar, na capital dinamarquesa. Mas, ainda bem que assim foi. Como afirmou João-Bénard, “para este filme, era necessária a “grande idade” e era necessária a maravilhosa sabedoria e a maravilhosa sageza que esta obra, luminosamente, reflete. Ordet é um mistério tal que me recuso a acreditar que pudesse ter acontecido antes ou depois.”
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“É preciso impedir que o poema chegue e brade tarde demais.”
gemido, pegando o tio pela mão lhe pede que acorde a mãe. – “Acreditas que o posso fazer?” – pergunta um incrédulo Joahnnes e perante a certeza da criança, ordena a Inger, em nome de Jesus Cristo que volte à vida.
O filme começa com uma cena que Carl acrescentou ao roteiro inicial, inspirada numa passagem das memórias de Munk e filmada na pequena cidade de Vederso, onde Munk tinha sido pastor e de onde Carl parte para nos contar a história da família Borgen. Morten, o patriarca da família, tem três filhos: Mikkel, casado com Inger, grávida do terceiro filho; Joahnnes, que enlouqueceu a estudar Kierkegaard e o mais novo, Anders, apaixonado pela filha do líder de uma seita cristã local, a quem é negada a felicidade pelo antagonismo religioso das duas famílias. Toda a trama se desenrola em torno das questões religiosas e morais que se colocam a uma família rural de tradição luterana, na Dinamarca de início de século XX e vive de poderosos e intensos diálogos e das fabulosas interpretações dos atores escolhidos por Dreyer. Mas, se Ordet é um filme sobre conflitos religiosos e morais, é acima de tudo, um filme sobre a força incomensurável da fé. Inger está prestes a dar à luz, mas o parto complica-se, aborta e acaba por morrer. E, com a morte de Inger, abre-se a porta à redenção. A redenção de Peter, pai de Anne o amor proibido de Anders, que tivera uma violenta discussão com Morten; a redenção de Morten, que perante a morte, percebe a inutilidade da sua oposição ao amor do filho; a redenção dos jovens apaixonados, que podem casar e ser felizes. Mas, mais do que uma história sobre a redenção das almas, Ordet é um filme sobre a ressurreição dos corpos. Quando, tentando acalmar a fúria de seu filho Mikkel, Morten lhe diz que a alma de Inger já está no céu, ouve esta réplica extraordinária: “Eu não lhe amava apenas a alma, amava-lhe também o corpo”. Este é o mote para o momento mais sublime de “A Palavra”. Ouvindo este lamento tão humanamente carnal de seu irmão, Joahnnes, o céptico, o louco da família, entra de rompante na câmara mortuária e pergunta se alguém se lembrou de pedir a Deus para ressuscitar Inger. – Blasfémia. – respondem. “Blasfémia é não haver já, entre os crentes, alguém com fé” - replica. É então que a filha de Inger, a quem não se ouvira um choro, um
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E esta é uma cena inesquecível. Um silêncio gela a sala e a câmara foca Inger, coberta com um lenço branco de linho, durante um tempo que parece toda a eternidade, até que a criança começa a sorrir e olha para Joahnnes como que em sinal de agradecimento. Inger ergue-se e abraça-se a Mikkel que a beija de forma apaixonada. Regresso à crônica de João-Benard da Costa que me levou a ver este Ordet e ao seu sublime final: “No cinema não há nada mais fácil do que conseguir um milagre. Todos sabem que a atriz que está a fazer de Inger não está morta e que ressuscitá-la depende apenas de uma ordem do realizador. Mas o prodígio daquela mise en scène (desde a composição dos planos à sua iluminação) é fazer-nos acreditar que, na verdade, vimos um milagre e vimos um corpo morto ressuscitar em toda a glória da vida. Na mais clássica das planificações torna-se evidente para nós a promessa de Cristo. “Se um dia, com verdadeira fé, disseres àquela montanha que se mova, a montanha mover-se-á”. As montanhas nunca se moveram como os mortos nunca ressuscitaram (a não ser no “caso especial” de Cristo também evocado no filme). Vi isso acontecer (e é, sem dúvida, o mais pasmoso dos milagres) neste filme. Se me disserem que é cinema eu respondo que não é, não.” É a força da “Palavra”, acrescento eu! Texto por João Moreira
Crônicas de Viagem Recordações do alentejo
Pelas castanhas planícies de capim, soam as campainhas de rebanhos de cabras e ovelhas que fazem a riqueza do queijo da região. Fazer um piquenique pelos caminhos é um prazer inigualável. Há frutos, azeitonas e queijos de sabor marcante e vinhos aromáticos, além dos doces e pães portugueses. Deixamos, para estar nas simpáticas adegas e restaurantes, a noite, pois a luz do dia nos seduz a estar nos espaços abertos e não perder um minuto desta paisagem.
Ah, o capim dourado e castanho que cobre planícies intermináveis! O outono chega nesta região de Portugal trazendo ventos quentes e amadurecendo uvas e azeitonas. Não há como não se encantar com estas imensas planícies douradas, pontilhadas de sobreiros e oliveiras. As velhas e robustas árvores que presenteiam a humanidade com suas dádivas milenares – as azeitonas e a cortiça - são presentes em todo caminho. As oliveiras, de tão retorcidas galhagens, lembram bonsais e continuam a dar frutos, mesmo em idades centenárias. Os viajantes vão se deixando ficar e seduzir pelos encantos desta terra quente e interiorana e viajando pelas boas estradas portuguesas cada vez mais para dentro do país até chegar à fronteira com a Espanha. Nesta região, de antigas disputas entre mouros e cristãos, erguem-se majestosos castelos e fortalezas que do alto dos penedos vigiam as terras mais baixas. As velhas fortificações nos convidam para entrar e estar um pouco a andar sobre suas pedras, parando para ver a paisagem entre as seteiras das muralhas e andando por pátios tão antigos que nossos passos nos soam de outro tempo. Sim! Há que escutar os passos ressoando nos pisos de pedra gastos pelos séculos, porque em alguns dos castelos o silêncio nos fala um segredo: não há turistas pra tantos lugares. Podemos estar sozinhos a apreciar os séculos de história que estes lugares nos contam e imaginar os amores, as guerras e as histórias das pessoas que passaram sua vida entre estas muralhas.
Em Évora a história vem ao nosso encontro: ao passar pelas portas da cidade fortificada vamos deixando pra trás o tempo e nos encontrando com o passado. Do alto de uma colina o templo Romano brilha na noite iluminado pela lua cheia e por lâmpadas estrategicamente colocadas. No portal da igreja um ator recita um dos sermões do Padre Antônio Viera para uma plateia extasiada com o encantamento do momento: “O que resta de vós orgulhosa Roma a não ser o espírito do tempo?” O Sermão de quarta feira de cinzas é uma das preciosidades literárias deixadas por este padre que tanto amou o Brasil e seus indígenas – aqueles mesmos de quem se dizia não terem alma - e que Vieira considerou seus iguais. O ator vai falando no orgulho da vida humana, tão insano ante a passagem do tempo e do vento que tudo leva. A ventania nas copas das árvores conspira com o efeito dramático do momento.
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“A minha aldeia chama-se: ninho de liberdade” Durante o dia, estas mesmas copas frondosas vão nos dar sombra abundante e parada para descanso das caminhadas. Há muito que ver e pensar em Évora. E uma macabra capela de ossos a nos reforçar que somos pó e que finita é nossa passagem pela vida. Noutro dia encontraremos no meio deste capim os Cromeleques – monumentos monolíticos de tempos ancestrais. As grande pedras sagradas ou menires se dispõem em círculos e apontam para o nascente. Testemunham que deuses e deusas eram celebrados aqui, em tempos tão antigos quanto a história escrita da humanidade. E é com solene reverência que nos acercamos delas e as tocamos. Que os velhos deuses do Alentejo nos concedam um breve retorno!
Saindo da escuridão da capela há muito que se aproveitar da tarde, que nos parece agora, mais dourada pelo sol. Vamos nos enchendo de paisagem até a região vinícola de Monsaraz. Já avistamos de longe, muito alto, o vilarejo que nos dará abrigo durante a noite. Algumas torres e a cidadezinha adorável rodeada de muralhas que brilham na luz amarelada do entardecer. Alguns carros e ônibus de turistas vão deixando a cidade nos avisando que acertamos na contramão! Faremos nossas caminhadas apreciando o sossego da noite morna e a calma provinciana de suas vielas de casinhas brancas de paredes grossas e janelas pintadas de azul.
A subida para Monsaraz revela a paisagem do Alentejo em toda sua pujança: campos cor de capim maduro, plantações de cortiça, olivais e a represa do Alqueva, ao longe, fazendo divisa com a Espanha. E em algumas torres de igreja longínquas ou chaminés, os ninhos das cegonhas brancas se equilibrando numa arquitetura quase impossível. As cegonhas brancas, moradoras dos imensos ninhos de galhos não estão. Os aldeões nos dizem que viajam, muito longe, para a África, em barulhentos e desorganizados bandos. Mas todo ano voltam. Mais ao sul, perto do mar, contam-nos que pararam de migrar. Proliferou-se na região um lagostim vermelho oferecendo alimento abundante e as viajantes se acomodaram. Mas na região agreste onde estamos elas ainda viajam. O Alentejo concede suas dádivas aos poucos para os viajantes: soubemos que o capim amarelado se cobre de verdes e flores na primavera e desejamos voltar em breve.
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“Não há como não se encantar com estas imensas planícies douradas, pontilhadas de sobreiros e oliveiras. “
Passamos por dentro de Estremoz. Nosso guia eletrônico NAVISTAR nos presenteia com um divertido trajeto “ECO”. Colocamos o carro em matagais e vielas tão estreitas que não poderemos dar marcha ré. Nas soleiras das casas da cidade, velhas senhoras proseiam com seus netos: Uma de cada lado da rua, sentadas e conversando animadamente. Uma delas veste um traje preto, de viúva, com um paninho preto nos cabelos. Concedenos um “boa tarde” jovial, enquanto se levanta com a criançada da soleira. O outro lado da conversa repete o movimento e entra porta adentro. Nosso carro não pode passar, caso não se levantem. Todos nos acenam alegremente boa viagem e enquanto nos afastamos fico olhando os ao retomarem seus lugares e reiniciar a conversa . Do que será que falam? Vamo-nos dirigindo ao norte, mas não sem antes visitar Marvão. Esta fortaleza do tempo dos Mouros que se debruça sobre alcantilados e uma floresta de coníferas é uma das mais bem preservadas da Europa. Para luxo dos viajantes, o carro pode circular pelas ruas estreitas da cidadela. Tão estreitas que em algumas esquinas se escavou a grossa parede das construções, para que se poupem os espelhos retrovisores. Marvão tem castelo, igrejas bem preservadas e verdes jardins onde ainda cantam as fontes - Habitam esta cidade velhas lendas de princesas aprisionadas e amores perdidos. Teria fantasmas à noite? Não saberemos desta vez – nos esperam à noite em Porto. Porto é assunto pra outra história – tantas coisas a contar e celebrar. Mas em Porto nos espera Arminda, a vizinha, com horário marcado para nos entregar a chave de nossa hospedagem. Nesta casa, portuguesa com certeza, nos convidam à um drinque – vinho do Porto, perfumado e doce como a alma desta cidade. E não nos entregam apenas a chave: uma bela mesa nos espera: pão, vinho e muita comida sobre a mesa.
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Texto por Margot Friedmann Zetzsche Fotos por Margot e Gerson Zetzsche
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“Cabem no homem e no poema todos os significados do mundo.”
Postais Perdidos Por João Albuquerque Carreiras 16-VI-15 Meu querido Fazia muitos anos, percebo agora demasiados, que não vinha a Paris. Tinha a memória marcada de uma cidade grandiosa, em que os monumentos e museus me haviam esmagado e em que os enormes boulevards me haviam oprimido ao ponto de me sentir um anão. Lembro essa sensação de escala não humana, de uma cidade que não fora desenhada para mim, para o Homem, mas para uma, qualquer criatura grandiosa, cheia de voluptuosidade. Não partira de Paris apaixonado como tantos. Não partira com uma necessidade imperiosa de voltar. Gostara, como se gosta de uma mulher bela e inacessível, mas não sentira o fogo desmedido da paixão. Voltei em trabalho, com alguns dias para lazer, e escolhi ficar numa das zonas que mais havia gostado de Paris, o Marais, tendo a sorte de o trabalho me levar para a zona do Luxembourg. Tendo já percorrido a viasacra dos museus e monumentos decidi relaxar e viver como um parisiense, no meu studio alugado por uma semana. Sair de manhã para comprar o pão e regressar a casa para um pequeno-almoço com vista para um jardim. Parar no caminho de casa para um copo de vinho numa esplanada após ver algumas montras. Devorar bifes tártaros como se os mesmos estivessem em extinção. Comprar chás e compotas para ajudar a passar o inverno. Deambular junto ao Sena com a luz do crepúsculo sobre a Notre-Dame. Parar para um gelado na Ille de S. Louis. Fumar calmos cigarros num relvado da Place des Vosges. Jantar com amigos e vinho tinto. Andar a pé e esquecer a todo o tempo os longos boulevards, trocados por S. Germain, Saint Suplice, Luxembourg, Marais. Fui assim tomado pela joie de vivre e pelas esplanadas com as cadeiras todas voltadas à rua, como uma imensa passerelle onde achamos sempre estar de menos para desfilar. Apaixonei-me. A paixão não escolhe momento, arrebata-nos sem que percebamos, deixando-nos num estado de levitação e desejo. Não posso voltar a estar tanto tempo sem Paris. Em bom francês, foi um valente coup de foudre. Abraço, João Este texto foi mantido no original, seguindo as regras da ortografia utilizada em Portugal antes da introdução do acordo ortográfico.
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Turismo de Experiência, a nova realidade Cada vez mais a oferta de destinos turísticos é maior e com isso vem uma maior concorrência e uma maior necessidade de diversificar as atrações e as possibilidades de experiências para o turista. Oferecer experiências turísticas que despertem emoções nas pessoas é a grande tendência atual do turismo. Os turistas habituados a determinados destinos procuram novas experiências, seja nesses mesmos destinos, seja em destinos diferentes ou pouco explorados. O turista experiente quer, cada vez mais, novas sensações, novos sabores, novas emoções. É um turista cada vez mais exigente que procura viver novas realidades e passar por experiências que sejam diferenciadores em cada viagem, de maior poder de compra, com idades entre os 35 e os 50 anos e habituados e viajar com regularidade.
Este tipo de turismo envolve relações diferentes e proporciona momentos que não são comuns à realidade e ao cotidiano do turista e onde a questão económica não é tida em conta. Aqui, o turista não procura somente uma viagem, ele procura experiências, produtos turísticos que não costuma consumir no dia-a-dia, procura algo que o enriqueça culturalmente, existe a fuga ao stresse, o contacto com a natureza ou o superar dos seus próprios limites O que se tem verificado é que tem havido mudanças na maneira como se consome o turismo, onde é cada vez mais importante valorizar as particularidades e especificidades de cada destino, envolvendo vários tipos de produtos e serviços dentro da mesma viagem, dentro do turismo de experiência.
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O Turismo de Experiência e um novo nicho vai muito além dos circuitos tradicionais, onde o turista volta ao mesmo hotel todos os dias, e incluem uma lista de pontos de visita obrigatória para postar fotos nas redes sociais e comprar produtos ou recordações locais em lojas de lembranças padronizadas. No Turismo de Experiência a ideia é estimular a vivência com a identidade do destino e o envolvimento com as comunidades e culturas locais, meio ambiente e modo de viver, o experimentar da gastronomia da região e o aprender de novas atividades.
Facilmente se percebe que o Turismo de Experiência é um turismo de nichos, completamente oposto ao Turismo de Massas. É possível que destinos massificados possam oferecer aos turistas que os visitam algumas experiências mas, de qualquer das maneiras, é o tipo de turista de procura experiências que faz a diferenciação em relação aos destinos e produtos que procura. Se se fizer uma fizer uma análise de destinos que ofereçam o Turismo de Experiência, rapidamente se pode concluir que estão longe de serem destinos massificados.
“Despertar; inquietar; revolucionar...são um esforço de liberdade.”
Este texto foi mantido no original, seguindo as regras da ortografia utilizada em Portugal antes da introdução do acordo ortográfico.
O Turismo de Massas é realizado usualmente por pessoas de menor nível de rendimentos, viajando, na sua maioria, em grupos, com escassos gastos, com permanências de curta duração, e ocupando, em regra, estabelecimentos hoteleiros de menor categoria ou meios complementares de alojamento (parques de campismo, apartamentos, quartos particulares, entre outros). Nas deslocações, a preferência, nos transportes, é dada ao automóvel, ao autocarro e aos voos “Charter“, sendo a época de férias, predominantemente, no Verão, em especial, em Julho e Agosto, no caso Europeu, orientado, em particular, para os centros de maior concentração turística. A massificação do turismo leva á intensiva utilização das infra- estruturas e equipamentos turísticos, á excessiva utilização dos espaços (que, muitas vezes, poderá levar á sua destruição), perverte a calma e o repouso que está na origem de importantes correntes turísticas, degrada os monumentos e os centros históricos e destrói o património natural mais sensível. Portugal é um país rico em história, património, cultura
Um conceito fortemente ligado ao Turismo de Experiência é o da Autenticidade. O Turista de Experiências, ou “experience seeker”, procura experiências autênticas. É, por isso importante que as regiões percebam quais os seus fatores distintivos e diferenciadores e saibam aproveitar, preservar e promover o seu património, costumes, tradições, gastronomia e as suas gentes, fazendo a distinção entre os demais vulgares destinos sem sustentabilidade.
e com uma grande variedade etnográfica, verdadeiros motores de desenvolvimento regionais, combatendo a sazonalidade, promotores de cada região de uma maneira específica e do país de uma maneira geral. Para isso é importante cuidar do património, costumes e tradições, preservando a autenticidade, as suas identidades e a sustentabilidades do próprio destino. É já prática comum algumas quintas vitivinícolas oferecerem experiências relacionadas com o vinho e com a vinha, sendo a época mais procurada a altura das vindimas onde o turista pode participar na apanha da uva e na sua pisa. Em outras regiões o turista pode participar na apanha da azeitona, ou na elaboração de queijos e compotas. Vários são as unidades hoteleiras que oferecem “workshops” de culinária. Também rica é a oferta turística na área da Saúde e do Bem-estar com várias experiencias no domínio dos SPA’s. A diversidade de produtos turísticos no país proporciona experiências únicas, que se podem encontrar no Turismo Náutico, no Turismo de Natureza, no Turismo Cultural e Religioso e no Enoturismo. Um destino em Portugal que deve optar por ser um destino de Turismo de Experiências é o arquipélago dos Açores, tendo conseguido alguns prémios a nível internacional e onde se destaca o galardão atribuído pela “National Geographic Travel” de melhor destino sustentável do Mundo. Aliando a sustentabilidade à autenticidade temos a combinação perfeita para que o arquipélago se oriente para nichos de turismo e fuja ao turismo de massas, apresentando experiências de grande qualidade, únicas e autênticas. É impensável conseguir conhecer os Açores numa única viagem. São nove ilhas que se podem dividir em 4 grupos para visitar, o grupo Oriental com as ilhas de São Miguel e Santa Maria, o grupo Ocidental com as ilhas das Flores e do Corvo, e o grupo Central, dividido em 2 pequenos grupos, um com as ilhas da Terceira e Graciosa e o outro constituído pelas ilhas do Triangulo (Faial, Pico e São Jorge). Todas as ilhas têm as suas particularidades e as suas belezas. Contudo a recente abertura ao mercado dos voos “low-cost” para a Ilha de São Miguel foge, na minha opinião, ao que pode e deve ser o tipo de turismo para as ilhas, um turismo de nichos que, usando o Turismo Náutico e o Turismo de Natureza, aliados ao Turismo Cultural e ao Enoturismo, se oriente para esta nova realidade do turismo, o Turismo de Experiências.
Foto por Nuno Santos
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dade. Também em gastronomia as ilhas são ricas e variadas. Aqui o turista poderá provar os pratos regionais acompanhados dos conhecidos vinhos açorianos, com destaque para os vinhos do Pico, ou passar por experiências únicas como provar as sopas do Espírito Santo, encontrando as portas abertas dos moradores locais onde estas são oferecidas a quem passa.
No arquipélago são várias as experiências que se oferecem ao turista. As ilhas do Triângulo são um exemplo de um leque variado de experiências que se podem encontrar nas ilhas açorianas. Desde o escalar a mais alta montanha de Portugal na ilha do Pico, visitando a Paisagem da cultura da Vinha da Ilha e que são Património Mundial da Humidade da UNESCO, ou descer ao interior da terra nas grutas da Torre, visitar o vulcão dos Capelinhos e a mais emblemática marina do Atlântico Norte na ilha do Faial, descer e conhecer as Fajãs da ilha de São Jorge, desde visitar os parques naturais, com destaque para o Parque Natural do Faial e do Trilhos dos Vulcões, visitar vários espaços museológicos como o Centro de Interpretação do Vulcão dos Capelinhos, os museus ligados ao vinho e à cultura da Vinha da ilha do Pico, o excelente Museu dos Baleeiros das Lajes do Pico, entre outros, muito há para ver e conhecer nestas ilhas de raro beleza e que juntas oferecem a possibilidade de numa mesma viagem conhecer 3 ilhas como se de um só destino se tratasse.
Mas muitas mais experiências o turista poderá ter aqui. Experiências não só ligadas ao mar e às paisagens naturais das ilhas mas também a todo um património, a uma cultura, usos e costumes, a uma História e às suas gentes. Visitar o arquipélago, e independente das ilhas que escolher, há a garantia de experiências únicas e autênticas. Mas, seja os Açores ou outro destino qualquer, e independentemente da opinião dos académicos, há que perceber o que realmente interessa para as regiões e, sem lobbies ou interesses pessoais ou empresariais, encontrar a mais-valia que sirva turisticamente os interesses dessas mesmas regiões. É preciso saber olhar para cada região não só como um todo, mas também saber olhar para as suas diferentes partes e áreas, desenvolvendo cada uma das suas necessidades individuais e específicas. De que serviria, por exemplo, à região de Santa Catarina se unicamente se desenvolvesse e pensasse em Florianópolis ou Blumenau e o resto fosse tratado como secundário, sem sequer se olhar para as particularidades e especificidades únicas do Vale Europeu?! De que serve aos Açores que se queira salvar a hotelaria de São Miguel e tornar esta ilha como a ilha de maior procura do arquipélago, se se esquecer todas as outras ilhas, abandonando infraestruturas e retirando serviços, levando as “low-costs” para São Miguel, permitindo a massificação do turismo, quando nada disto serve os interesses turísticos da região?!
Claro que no Turismo de Experiências são muito valorizadas atividades mais participativas. Sendo as ilhas do Pico e do Faial umas das maiores e melhores referências Mundiais no que se refere à observação de cetáceos e a um passado ligado à caça da Baleia, estas ilhas apresentam várias empresas onde o turista poderá ver e conhecer as grandes baleias e os belos golfinhos que cruzam ou habitam o mar dos Açores, ou fazer pequenos passeios, à vela ou a remos, nos antigos botes baleeiros (hoje recuperados para provas de regatas e passeios turísticos). Sendo este Mar uma referência a nível Mundial, aqui se pode encontrara águas temperadas, límpidas e cristalinas onde a prática do mergulho é um dos Ex-libris da região. Para quem já é um mergulhador credenciado poderá encontrar aqui vários locais de mergulho que são autênticos paraísos de fauna subaquática e com vários níveis de exigência. R que vão desde os tradicionais mergulhos de costa, aos mergulhos em pleno oceano, ao mergulhar com as magníficas jamantas ou com os incríveis tubarões azuis. Contudo, para quem não está devidamente credenciado para a prática do mergulho com escafandro autónomo, os centros e escolas de mergulho proporcionam batismos de mergulho de mar para um primeiro contacto com o mundo subaquático, acompanhados por instrutores com larga experiência de mergulho e conhecedores deste mar azul.
O Turismo de Experiências é uma nova realidade, uma realidade oposta ao Turismo de Massas e cada região tem de saber optar pelo que mais lhe interessa, a quantidade (nas massas) ou a qualidade (nos nichos)! Texto e fotos Heitor Castel’Branco
Na pesca desportiva também o arquipélago oferece experiências que marcam, sendo a mais emblemática a pesca ao espadarte, mais conhecida por “Big Game”, onde este, após pescado, é novamente posto em liber-
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“Nós só temos um destino em comum, o destino da liberdade.”
“Aprender a comer a Vida à nossa volta.” Texto por Tiago Minusculi Trabalho em meio da comida todos os dias. E posso dizer a vocês que é um trabalho maravilhoso. Bebidas das mais variadas fontes e alimentos dos mais variados tipos. Sendo esta minha vida cotidiana, nada mais justo e prazeroso que falar sobre isso. Posso dizer que sou entendedor de bebidas, mas elas são muito mais válidas agregadas a alimentos. Nosso dia a dia é muito corrido e agitado. São muitas as vezes que comemos ou tomamos qualquer coisa devido à falta de tempo para uma alimentação saudável. Não sei se você sabia, mas em um ano entram em nosso organismo cerca de 3,75 litros de pesticidas através de alimentos, 5 quilos de aditivos químicos alimentares e inalamos cerca de dois gramas de poluição solida. Pode não parecer muito, mas agregado a uma vida sedentária e a má alimentação, seu organismo vira uma bomba com o time ligado. Para contra atacar esses elementos negativos temos muitas armas a usar ao nosso favor. Uma delas, que é muito importante, é a alimentação. O que usamos para nos alimentar e os líquidos que consumimos podem ajudar, e muito, na nossa saúde. Busque consumir alimentos (frutas e verduras) crus. Ajuda a manter a quantidade de ácido natural que tem em sua composição. Os antioxidantes como brócolis, couve, couve-flor, repolho, cebola, alho, canela etc. Têm várias vitaminas e podem ser encontradas em frutas, verduras, cereais e grãos no geral. Quanto menos processado o alimento, maior será a quantidade de nutrientes que você vai ingerir. As bebidas devem ser o mais naturais possível e sempre que der beber água a cima de 8ph. Nosso sangue tem o ph de 7,35 e 7, 45. A água que você bebe é muito importante, pois ela deve ser alcalina e com ph acima de 8. Alimentos contêm líquidos e eles são ótimos para nossa saúde, pois eles retêm água estruturada e natural, coisas que não encontramos em alimentos industrializados. Isso ajuda na condutividade elétrica do sangue e ajuda a manter os órgãos na temperatura e umidade correta. A carne sempre é um problema para muitas pessoas. E quanto mais você cortar maior será sua saúde. Depois do leite, os brócolis são o segundo maior alimento com cálcio. Para quem tem alergia à lactose isso é uma maravilha.
apresentar defeitos por todo lado. O café é outra novela. Casos que falam ser um vilão outros um santo remédio. Na minha pesquisa só descobri coisa boa sobre esse menino. Acho que o problema é a quantidade que se toma ao dia. Um super vilão para nós são as gorduras e óleos que nosso corpo não aceita de forma muito amigável. Os cremes vegetais e óleos de soja, canoa, girassol entre outros são mais que venenos para nosso corpo. Busque por fontes de gorduras naturais, manteiga, óleo de coco, azeite de oliva Extra Virgem em prensa fria, banha, etc. Esses alimentos contêm gorduras naturais que são mais fáceis de processar. Frutos do mar, para quem pode e gosta de comer, são super amigos para a saúde. Busque consumir alimentos orgânicos e quanto menos processo eles passarem, melhor. Busque menos sal e açúcar e mais temperos e especiarias. Além de ajudarem na saúde do corpo eles ajudam no prazer na hora de comer. Comer alimentos mais leves e de forma menos processada pode te dar uma vida muito mais feliz e de qualidade. Mas, lembrando que de nada vale comer bem e ter uma vida ativa se sua vida sentimental não estiver bem. Devemos ter em mente que sua vida sentimental deve estar em sintonia com seu corpo. Sua saúde não esta na mão de ninguém a não ser na sua. Cuide de seu corpo e de seu bem estar. Gente, tudo que tem som faz vibração e toda vibração afeta alguma coisa. Nossa voz tem vibração e o seu ou nosso corpo aprende a ler essas vibrações e coloca-as em prática. Então, sem medo, quero passar uma receita que se for seguida é vida boa na certa. Em uma cozinha grande em volta de uma mesa bem montada, acrescente dois ou mais amigos que você goste. Abra um bom vinho e coloque os pratos na mesa.
A uva é uma fruta muito especial, pois ela é ótima para ser consumida enquanto fruta e seus derivados são tão bons quanto. Ela serve como antioxidante para o cérebro não oxidar, pois caso isso aconteça seu corpo começa a
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Sirva a comida ainda quente e no ritmo da musica de fundo. Acrescente uma ou mais gargalhas. Em uma pose, bata uma foto que ficará para sobremesa. Siga assim até o final da noite e se você perceber que não resolveu, repita no café da manhã e no almoço por toda uma vida.
Vinho: Ou uma questão de conceito?
Depois da prova, fomos convidados a dar a nossa opinião sobre os vinhos, que a senhora agradeceu, com a mesma amabilidade com que nos abriu a porta. No meu caso, e também dos meus companheiros de viagem, acabei por comprar algumas garrafas, não que tal me fosse imposto, tampouco sugestionado, mas porque senti a obrigação de o fazer após aquela recepção e a atenção que nos foi dada. Ficámos a saber que aquele produtor vendia metade das 50 mil garrafas que produzia à porta da adega.
Se procurarmos uma definição de gastronomia ficamos a saber que é um “conjunto de conhecimentos e práticas relacionadas com a cozinha, nomeadamente a confecção de refeições, com a arte de saborear e apreciar as iguarias”. O vinho, como elemento gastronómico, raramente aparece nas definições como “elemento agregador” numa refeição que nos inspira e alimenta o corpo e o espírito. Naturalmente que, e nem todos estarão de acordo, o vinho é fundamental numa refeição. É claro que para muitos um bom prato pode ser sempre acompanhado de água, cerveja ou outra qualquer bebida, mas, convenhamos, não é a mesma coisa. Depois, falar de harmonização é “casar” vinho com comida. O vinho é, hoje por hoje, o grande atractivo de quem procura conhecer uma região e por isso falamos de enoturismo, um conceito cada vez mais na moda. O vinho é um “dos maiores potenciais turísticos de Portugal”, numa altura em que, segundo dados conhecidos recentemente, metade dos turistas que visitam produtores de vinho em Portugal são estrangeiros e destes 45% vão do Brasil. Mas o enoturismo precisa de gente que “perceba da poda” e que o entenda como forma de promoção e divulgação e não como uma despesa. Lembro-me de uma viagem à Alemanha, há quatro anos, em que fiz uma visita às regiões vitícolas em torno de Frankfurt, a atenção que os produtores de vinho tinham com os visitantes. A fórmula é simples: convidam-se os passantes a visitar a adega, a vinha, que, no caso, ficava junto à adega, enquanto a conversa vai fluindo em torno do projecto, as castas plantadas e a forma de fazer o vinho. Tudo de uma forma simples e sem grandes ‘trunfos na manga’. Na verdade, ficámos a saber quase tudo. Depois de provar os tintos na cave, tirados dos pipos, fomos encaminhados para uma sala de provas, onde o ‘confronto’ com o portefólio daquele produtor nos esperava. Uma mesa com garrafas já abertas e copos de prova e amabilidade e gentiliza ‘dadas’ à descrição.
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Em Portugal, na maioria dos casos, não existe esta cultura, embora esse conceito esteja a mudar, não só porque as Rotas, mais ou menos organizadas, estão a funcionar, mas também porque há maior abertura por parte dos produtores, em muito devido à chegada de gente nova e com mente mais aberta, nomeadamente enólogos e outros profissionais do sector bem preparados. Por Terras de Vera Cruz, nomeadamente em torno de Curitiba, - a região que melhor conheço -, o conceito é o mesmo, mas salpicado com alguns “truques” que são, naturalmente, um complemento para o produtor, desde lojas de vinhos à entrada das vinícolas, até a áreas de restauração junto às adegas e às vinhas, num conceito mais agregador, mas ao mesmo tempo eficaz de escoamento da produção, não só na venda directa na loja, mas também no restaurante. No meio de tudo isto, a atenção e simpatia de quem recebe, fundamental para cativar os visitantes e que, naturalmente, volta outras vezes. No Brasil, o vinho é um ‘mundo de surpresas’. De país importador, o Brasil é hoje também produtor de vinhos, que se vêm afirmando, nomeadamente na produção de espumantes de excelente qualidade. Mas, o mundo do vinho é um mundo de conceitos. O conceito enoturismo, de bem receber, de harmonização, de prova, do gosto e de muitos outros. Porém, só o vinho reúne o consenso quanto ao conceito da amizade. Assim, brindo à vossa… com vinho, naturalmente. Texto por José Luís Araújo (Jornalista) Este texto foi mantido no original, seguindo as regras da ortografia utilizada em Portugal antes da introdução do acordo ortográfico.
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Challenge Rock Café
A vibração do Rock no litoral catarinense. Balneário Piçarras já foi um dos polos de referência turística dos Verões catarinenses. Localizado numa baía rodeada de um manto verde de mata atlântica, a pequena cidade de veraneio, embora sem o fulgor de outros tempos, resistiu estoicamente ao declínio que, em finais do século passado afetou toda a região.
para aqui, para Piçarras. Essa ideia me acompanhou desde que regressei, em 93, mas a vida, entretanto, me levou por outros caminhos. Trabalhei em hotéis e outros negócios, até que fiquei desempregado com três filhos para criar – Alexandre com um sorriso que não esconde o drama que viveu nessa época – e então o meu irmão Luiz que já era professor de inglês me conseguiu uma vaga numa escola em que trabalhava. Aí conheci um americano que acabou me ajudando a montar a primeira escola de línguas, mas com essa ideia do bar sempre na minha cabeça.
Hoje, Balneário Piçarras vive do discreto charme de um glamour desaparecido. A estreita marginal que acompanha a baía, apesar de um ou outro prédio, ainda é dominada por casas antigas, ajardinadas, quase apalaçadas, como que transportando os visitantes para um passado recente de temporadas em família, de reencontro anual de amigos de verão, partilhando nas tranquilas águas deste mar ao sul, as experiências de um ano de trabalho ou de estudo. Piçarras mantém intata essa magia caraterística das antigas praias de veraneio.
Enquanto a conversa decorre o bar vai enchendo de gente. Num palco ao fundo, com visibilidade de toda a sala, uma banda prepara-se para animar a noite. Alexandre – No início, o bar tinha capacidade para 80, 90 pessoas e não tinha música ao vivo. Tinha umas telas e era um conceito mais pub. Mas o movimento estourou e tivemos necessidade de ampliar. Tirei a escola daqui, encontrei outro local para instalar a sede da escola e acabámos reformando, em novembro de 2013.
O passeio, iniciado num sábado quente de final de maio, temporada acabada há muito, tinha como objetivo visitar um dos bares de rock de referência na região, o Challenge Rock Café.
O Challenge Rock Café está aberto todo o ano, aos finais de semana, mas é a temporada que marca o período alto do bar. Aí a música corre solta todas as noites animando os veraneantes de Piçarras. Por aqui já passaram as melhores bandas de rock do sul do Brasil e, durante alguns períodos, até de jazz e blues, mas os sons eletrizantes do Rock’and Roll acabaram por conquistar o público e hoje dominam a cena musical do Challenge.
Localizado a uma quadra da praia, numa das ruas centrais de Piçarras, o Challenge é o sonho dos irmãos Garcia tornado realidade. É nesse amplo espaço cuidadosamente decorado com temas relacionados com o Rock’and Roll, entre eles, uma invejável coleção de guitarras, que conversamos com os fundadores do Challenge Rock Café, numa agitada noite de sexta-feira. Alexandre Garcia – A gente inaugurou o bar no dia 17 de agosto de 1999. Já lá vão seis anos! Inicialmente não era bem assim, foi reformada posteriormente, mas o conceito já era esse. Eu morei quatro anos em Espanha, trabalhando em bares e restaurantes em Madrid. Uma experiência única, efervescente e que queria transpor
Alexandre e Luiz estão felizes. Conseguiram realizar o sonho de abrir um espaço diferenciado em Piçarras, um sonho que deu certo. Texto por João Moreira
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O Museu do Saca-rolhas numa Praça de Toiros!
Este texto foi mantido no original, seguindo as regras da ortografia utilizada em Portugal antes da introdução do acordo ortográfico.
Os leitores da Valeu! já estão certamente habituados a alguma “excentricidade” nas nossas crónicas; ainda assim, quem sabe se uns quantos não se interrogarão sobre qual poderá ser a nossa ligação, com este espaço, onde se realizam as tradicionais corridas de Touros… Sim, o espaço onde os povos ibéricos, Portugal e Espanha, bem como uns quantos povos Sul Americanos, teimam em persistir com essa arte ancestral, que uns quantos – muito politicamente correctos – consideram “barbara”, mas que por aqui, neste canto do Sul da Europa, é tão amada e considerada. A primeira relação com esse espaço poderia muito bem ser, para falar de alguns saca-rolhas figurativos, que representam esse corpulento animal, que é o Touro Bravo; mas não (quem sabe se não guardaremos esse tema para um próximo artigo), por hoje pretendemos sim, falarvos da primeira grande apresentação pública do projecto Museu do Saca-rolhas! Com efeito, todos os anos se realiza uma grande mostra de vinhos, de pequenos produtores Portugueses na capital do outrora Reino Unido de Portugal e Brasil, no principal Tauródromo Lusitano. Este grande evento dá pelo nome de Mercado de Vinhos do Campo Pequeno, por se realizar na praça de Toiros Lisboeta, cujo nome é Campo Pequeno.
Por esse motivo, a vereação camarária decidiu que uma nova praça teria que ser construída, entregando o direito da sua construção e exploração, à principal instituição caritativa Lisbonense, a Casa Pia.
Mas, antes mesmo de relatarmos um pouco do que foi este evento, não poderíamos deixar de vos contar uns quantos factos históricos relacionados como o local e edifício onde ele ocorreu.
E foi assim que, com grande pompa, seria inaugurada em 1892, aquela que ainda é uma das mais emblemáticas praças de Toiros da Península Ibérica, a Praça de Toiros do Campo Pequeno.
Segundo os dados que se conhecem, as primeiras referências relativas a corridas de toiros realizadas no largo do Campo Pequeno, estas terão ocorrido no distante ano de 1741. Aí teria sido construído um pequeno tauródromo de madeira, com capacidade para poucos espectadores. Mas nessa época, e por quase mais duzentos anos, as principais corridas de toiros Lisboetas, seriam realizadas noutros locais. Desde logo, na principal praça pública da capital – num recinto montado para cada evento -, mesmo ao lado do antigo Paço Real, no largo do Terreiro do Paço.
Edifício imponente, totalmente construído em tijolo aparente, tem um traçado arquitectónico orientalizante. A sua planta circular, possui vários torreões semicirculares, adossados à sua fachada, criando uma planta contra curva. Estes torreões são coroados por vistosas cúpulas bulbosas, em metal. Eis um pouco de história sobre o cenário, falta agora falar sobre o evento vínico do Campo Pequeno. O Mercado de Vinhos do Campo Pequeno, que este ano decorreu no passado mês de Outubro, é actualmente, um dos mais importantes eventos de divulgação e promoção de alguns dos melhores vinhos de Portugal.
Após o terramoto que dizimou Lisboa, em 1755, existiram nesta cidade diversas praças de Toiros, entre as quais, para mencionarmos apenas algumas, em Xabregas, na Rua da Junqueira, no Salitre e, a mais famosa de todas, no Campo de Santana. Esta última, inaugurada em 1831, viu-se forçada a encerrar portas em 1888, na sequência de uma vistoria realizada pela Câmara Municipal de Lisboa; segundo o município, este edifício apresentava-se em mau estado de conservação, não garantindo por isso condições de segurança para que aí ocorressem espectáculos públicos.
O certame que recria o espírito dos antigos mercados portugueses, num cenário cercado de vinho por todos os lados, pretende promover tudo o que de melhor se faz, relacionado com o vinho, por terras Lusitanas.
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“Sempre há duas solidões que se aguardam prestes a pousar sobre o breve corpo.”
Assim, entre os dias 23 e 25 desse mês, tal como nós, rumaram para a capital mais de 100 pequenos produtores de vinhos de grande qualidade. Este evento tem como uma das suas principais características, ser uma montra privilegiada de promoção, para pequenos produtores de vinhos de norte a sul de Portugal. Todos eles têm em comum o facto de constituírem uma selecção alguns dos melhores vinhos de Portugal, que não são comercializados pelas grandes redes de distribuição comercial. Assim sendo, trata-se também de uma oportunidade única, para o público da Capital Lusa, descobrir umas quantas preciosidades a que normalmente não tem acesso. Para além dos vinhos, este evento contou ainda com um leque restrito de produtores de outras iguarias, que dão ainda mais relevo a grandes vinhos; Na arena do Campo Pequeno, em piso alcatifado e espaço coberto, também não faltaram alguns produtos tradicionais portugueses, como seja o caso de Azeites Virgem, enchidos, queijos e compotas, numa uma selecção muito criteriosa de algumas das nossas melhores iguarias.
Saca-rolhas OWL, do nipónico Mitsunobu Hagino. Por último, uma sentida homenagem a um dos grandes arquitectos e designers Norte-Americanos do século XX, falecido no corrente ano, Michael Graves, com um dos saca-rolhas por ele concebidos. (ver matéria publicada no último número da Valeu!) Cada um destes saca-rolhas esteve exposto individualmente, num original “pedestal”, integralmente revestido a cortiça, ou não fosse o Museu do Saca-rolhas uma instituição que tem como um dos seus objectivos primordiais, a promoção desta nobre matéria eco-friendly. Em pano de fundo, um vídeo onde os diversos Designers falavam do seu trabalho. Este foi elaborado por dois dos nossos mais recentes parceiros, a Macro Makers e a Critec - Design de Comunicação. Para além do mais, estes dois parceiros estiveram presentes durante todo o evento, para nos auxiliarem num maior intercâmbio com os muitos visitantes que nos procuraram. E foram muitos os visitantes que não resistiram também a tirar uma foto, “emoldurados” na moldura revestida a rolhas, concebida por estes parceiros.
A importância deste certame é tal, que logo à entrada, o IVV – Instituto da Vinha e do Vinho - o organismo estatal responsável por todo o sector vínico em Portugal e um dos parceiros institucionais do evento, expunha um interessante espólio de objectos antigos, relacionados com a elaboração de vinhos. E, paredes meias com esse espaço, lá estava também o Museu do Saca-rolhas. Tivemos a honra de ser convidados pela organização do evento, para nos associarmos a este grande encontro vínico, contribuindo deste modo para abrilhantar ainda mais este certame, e simultaneamente, divulgarmos o nosso projecto e missão, junto dos mais de 10 000 visitantes, com que contou o Mercado de Vinhos do Campo Pequeno.
Como sempre a Studio Box, esteve também ao lado do Museu do Saca-rolhas, desde o primeiro instante; sendo autores da nossa imagem institucional, a sua colaboração é sempre crucial e por isso aqui fica o nosso agradecimento sincero. A todos os nossos parceiros e apoiantes, o nosso “Bem Haja” pelo seu apoio incondicional. Se esta foi a nossa primeira presença num grande evento vínico, foi certamente a primeira de muitas; Graças a este nosso primeiro grande sucesso, já chegaram até nós convites para estarmos presentes noutros eventos, nacionais e internacionais. E, novos parceiros, e desafios é coisa a que estaremos sempre abertos.
Visto que já haveria outros antigos objectos vínicos presentes, optámos por pôr em destaque a actualidade e o Design. Assim, como quantidade nem sempre é sinónimo de qualidade, seleccionámos para esta mostra, apenas quatro saca-rolhas de excepção. Quatro saca-rolhas, quatro designers, de distintas gerações e latitudes diferentes, percorrendo o mundo, dos Estados Unidos ao Japão. Nas novas gerações, Line Bogen, com o seu prático saca-rolhas LTB; de Itália, a ainda jovem mas já bastante experiente Designer Alessandra Baldereschi, com o escultural Saca-rolhas Helix. Do Japão, a eficiência do
Saca-rolhas, vinhos, garrafas e cortiça, aliança perfeita, conjugadas pelo Museu do Saca-rolhas com o melhor Design mundial; eis de forma resumida o projecto Museu do Saca-rolhas, e o trabalho que desenvolvemos. Nota Final: Quando estávamos a escrever este artigo, ocorreram os horrendos episódios de dia 13 de Novembro, em Paris. E como amantes de vinhos, ocorreu-nos lembra a todos que, de uma religião e um grupo de fanáticos que são inimigos do Vinho, dificilmente seria de esperar alguma coisa boa… Aqui fica a nossa breve reflecção e homenagem a todas as vítimas deste, bem como de tantos outros atentados, cometidos por estes bandos de criminosos.
Fotografias e legendas: 1 Saca-rolhas Helix, da designer Alessandra Baldereschi, executado pela prestigiada empresa Italiana De Vecchi, durante a exposição no Mercado de Vinhos.
Texto e fotos por Lopo de Castilho
2 Mais de 100 produtores presentes: instantes antes do início do certame.
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Projeto Fotográfico “O Rural é Rústico” “Afigura-se-me que há duas formas de olhar para as rápidas transformações por que o mundo passa. Muitos vêem, sobretudo, o que muda, outros procuram surpreender o que, a despeito delas, permanece.” Orlando Ribeiro, 1945
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Manter viva a memória da nossa região para as futuras gerações é tarefa importante e necessária, que cabe a cada um de nós. Uma das formas de preservar esta memória histórica coletiva é através de registros fotográficos. A fotografia é a melhor forma de preservar para sempre as imagens de uma cultura que luta através dos tempos para se manter viva.
Pomerode Entre as estradas estreitas, a vida já foi mais tranqüila. Agora, a poeira que se levanta tem-se tornado mais constante. por veículos automotores que passam apressados por estas mesmas estradas que antes eram calmas, serenas e que viam passar por elas apenas as carroças e bicicletas guiadas por pessoas muito simples que respiravam o ar puro, sorriam e conversavam, seguindo os seus caminhos para a missa dominical ou para as compras nas “vendas” da região.
Com o avanço extremo da população nas cidades, por conseqüência dos êxodos rurais que aconteceram em diversas épocas, feitos por seus habitantes em busca de melhores condições de vida para os seus familiares, é natural que a área rural fique cada vez menos habitada. Estima-se – segundo o censo de 2010 - que a população rural no Brasil seja de apenas 16% (menos de 30 milhões de habitantes), diante os 84% da população urbana (161 milhões). E atualmente, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o êxodo rural encontrase em processo de extinção no Brasil. Ele prevê também que no máximo até o ano de 2020, ocorra o fim do êxodo rural, com parcela esmagadora da população brasileira vivendo em cidades (mais de 90% da população absoluta).
Mas, mesmo assim, as paisagens deslumbrantes destes pequenos lugarejos ainda são de uma riqueza inestimável. De vez em quando, é possível cruzar por um agricultor sentado em sua carroça puxada por um cavalo bem cuidado ou até mesmo puxada por um boi cabisbaixo que parece procurar o passado ora distante. Ele segue sem pressa e cumprimenta com um aceno amigável, talvez seguindo seu caminho até a cidade. Ou, podemos atravessar por uma pequena ponte sobre um riacho de águas ainda limpas, em meio a uma vegetação muito verde com muitas montanhas ao fundo. É possível também ver e ouvir os pássaros que por lá encontraram seu refúgio.
Com a crescente falta de espaço nas cidades, é inevitável, e infelizmente cada vez mais necessário, que as próprias cidades acabem crescendo para as áreas rurais. Esta invasão desmedida implica, além da destruição de todo o verde, muitas vezes também, a destruição da própria arquitetura da região e toda sua identidade. Algumas ações criadas por parte dos governos municipais e setores privados tentam manter viva esta cultura, mas, sabemos que se pode e deve fazer muito mais.
Podemos vislumbrar a arquitetura de madeira ou o tradicional tijolo enxaimel, que simbolizam uma paisagem pouco comum no Brasil. Enxaimel quer dizer enchimento. É uma técnica de construção que consiste em paredes montadas com hastes de madeira encaixadas entre si, em posições horizontais, verticais ou inclinadas. Primeiro é construído o esqueleto da casa, todo de toras grossas de madeira. Entre as vigas verticais são colocadas as horizontais e, nas extremidades das paredes, algumas sem ângulo, para evitar inclinação. Pronta a “caixa”, os espaços são completados com materiais disponíveis, pedras ou tijolos maciços e geralmente sem o uso de reboco. Todas as casas ainda têm ou tinham um rancho de madeira para guardar as carroças e todos os pertences agrícolas de que se necessitava para a lida no campo. Existiam ainda outros ranchos para a criação.O gado, os porcos e as galinhas também tinham seus lugares apropriados.
O projeto “O Rural é Rústico” quer mostrar, através da fotografia, a arquitetura rural rústica da nossa região e desta forma valorizar as pessoas que lá nasceram e continuam por lá morando e trabalhando e que tentam criar mais uma geração para manter viva a cultura de suas famílias. Muitas destas residências foram construídas pelos pais e depois passaram para os filhos e netos e que agora continuam a cuidar do gado, dos porcos e das galinhas e a plantar o milho, a batata, o arroz, o aipim e as verduras. Infelizmente, hoje existem muitas residências que estão abandonadas ou muitas vezes têm suas características alteradas, o que sugere que as novas gerações não se interessam mais em viver por lá, ou já migraram para a cidade.
Estamos falando do Vale do Itajaí, ou Vale Europeu como é conhecido pelo Brasil afora, onde as cidades de Timbó, Pomerode, Ascurra, Rodeio, Rio dos Cedros, Benedito Novo, Doutor Pedrinho, Indaial e Blumenau são alguns dos expoentes desta riquíssima região com uma história centenária.
Assim sendo, é na fotografia que podemos nos apoiar para que as gerações vindouras saibam como era a vida de nossos antepassados, onde viviam e como viviam. E precisamos o quanto antes registrar o que ainda resta para ser mostrado. Preservando esta cultura, preservase não apenas a identidade de nossa gente, mas, também o meio ambiente que está em torno dela.
Visitar o Vale é uma verdadeira viagem no tempo, pois alguns lugares ainda parecem intocados desde a vinda dos imigrantes alemães, italianos, poloneses e tantos outros que aqui chegaram a partir da metade do século 19.
Texto e fotos por Nilson José Hebeda
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“Estas memórias fragmentadas de um passado prestes a desvanecer-se sem remissão, permitem seguir uma espécie de narrativa subterrânea de um país condenado pelo abandono da memória.” Vítor Serrão, 2014
“Quem não tem uma boa nostalgia provinciana feita de ensinamentos ambíguos e pequenas histórias pícaras não tem país nem estrela que o informe. Quando eu era criança passei muito tempo na aldeia, por temporadas que às vezes me pareciam uma vida. Aprendi que não há nada que seja hostil entre o que é importante.” Agustina Bessa-Luís, 1979
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Desenho por Bruna Weiss Roncalio
A magia da árvore de natal Diga a uma criança que o Papai Noel não existe e ela simplesmente não irá acreditar! Fale que o natal é um evento meramente comercial e a criança não irá entender! Mais tarde, ela concordará com você, mas ignorará por um bom tempo a relação capitalista. Resta entrar no jogo, nesse mundo mágico e você não irá contagiar a criança, ela fará isso com você. Lembro de várias histórias de natal. Do natal legal ao natal triste. Da bicicleta que nunca ganhei à bola de futebol de plástico que doía o pé pra caramba! Um presente que no primeiro chute se encaixou na ponta de uma estaca e teve a duração de poucos minutos. Também recordo dos natais, com toda família reunida e dos natais quando alguém estava faltando. Do primeiro natal sem minha mãe e do natal sem a mãe dos meus filhos. Do natal da alegria das crianças e das lágrimas doídas dos adultos. Mas gostaria de relatar uma história especial que nem foi vivida por mim e sim por um amigo, já veterano, que me contou a magia de um natal dos anos 1920. O autor dessa história se chama Bruno Eisenhut, um cara pra lá de especial. Seu Bruno era dos melhores fabricantes de bolas de bolão e também um dos grandes inventores de máquinas para industrias da região, tais como Herweg, Papelão Timbó e Metisa. Um sujeito bacana, um grande cidadão, um sábio. Tinha cadeira cativa no Clube Guairacás aos sábados pela manhã, sempre ao lado de seu amigo Curt Heidrich, o Mineiro. Como gostava de ouvir suas histórias, parece que me esperava para se inspirar e debulhava um rosário de situações. Um dia, Seu Bruno narrou um natal vivido aos 8 anos de idade. Contou que sua família de Joinville foi passar as festas no interior de Pirabeiraba, ainda hoje distrito da Manchester Catarinense. E a magia, segundo ele, estava numa árvore de natal. Um tannenbaum enorme que ocupava grande espaço na sala, do assoalho ao teto, nessas casas de pé direito generosos. O menino se deixou encantar com a árvore que girava! Isso mesmo! Em uma localidade que nunca tinha
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ouvido falar de energia elétrica. “Mas, como?” pensou intrigado. Bruno, já trazendo do berço o dom da invenção, notou que a árvore girava pela criatividade de seu tio, um alemão metido a “professor Pardal”. E contou, emocionado, da parafernália ferramental que seu tio utilizara para fazer a árvore girar. “Meu tio cortou a árvore bem rente ao solo. Aproveitou a parte mais grossa, com cerca de 50 centímetros, onde fez uma ponta tipo cunha fixando-a num vaso grande. A parte superior se encaixava como macho e fêmea. A ponta da árvore era amarrada no teto com um cordão fino que parecia de nylon, mas era feito das folhas do Tucun, uma palmeira que produz um fruto delicioso. O senhor já tomou uma cachaça no Tucun?” perguntava. Seo Bruno chamava a todos de senhor, mesmo os mais jovens. Com a árvore presa ao teto e sustentada por uma cunha, faltava a cereja do bolo. Então, seu tio fixou na parte do superior do tronco três hastes de alumínio e embaixo delas acendeu três velas de cera. O calor gerado pelas chamas fazia as hélices de alumínio girar e com elas a própria árvore girava sobre seu eixo, para o encantamento de todos. O menino se emocionou naquele momento e Seu Bruno, ao relembrar a história, também estava com os olhos cheios de lágrimas. Mineiro e eu, também no arrepiamos com o relato da viagem ao passado que o velho Eisenhut nos proporcionou. Disse-lhe que a casa onde moro tem o pé direito alto, nos moldes das antigas casas dos imigrantes alemães e ele foi categórico: “Vamos fazer uma dessas na sua casa?”. Como uma criança disse-lhe sim, “O senhor me ajuda?”. Infelizmente, não pôde, pois faleceu alguns dias depois. Deixou como presente o mais marcante natal da sua infância, pleno de magia. Podia ter falado dos meus natais em sua maioria marcados pela saudade. Acabou aflorando à mente esse que não foi vivido por mim, mas foi como se fosse! Valeu Seu Bruno! Obrigado por ter existido! Texto por Carlos Henrique Roncálio
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