REVISTA LABORATÓRIO ED. 13 | DEZEMBRO 2021
O tempo passa, as gerações mudam e a vida em sociedade se recria
LITERATURA
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SUMÁRIO 10
SÉTIMA ARTE Das salas de cinema aos serviços de streaming, uma volta no túnel do tempo
MULHER NA POLÍTICA18
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BRINCADEIRAS À PARTE
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EDUCAÇÃO
Geração alpha, na corda bamba entre as brincadeiras tradicionais e os novos gadgets
Educação dos filhos divide os pais: o que dá mais resultado: palmadas ou uma boa conversa?
INTOLERÂNCIA
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NA PALMA DA MÃO
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PEGA NA MENTIRA
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Telinhas e aplicativos vieram para inovar, mas uso exagerado pode ser um problema para as novas gerações
Das mentirinhas ingênuas às destrutivas fake news, um festival de narrativas distorcidas
AGORA É MODA Tendências no vestuário refletem usos e costumes da sociedade
64 SOM NA CAIXA
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LGBTQIA+
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O TRABALHO E O TEMPO Tudo na vida muda com o tempo, inclusive o trabalho e as relações entre patrões e empregados
CARTA AO LEITOR
ACESSE O ESPECIAL MEIO AMBIENTE Siga nossas redes sociais: @viralunisanta
EXPEDIENTE Diretoria da Faculdade de Ciências Sociais e de Educação Aplicadas Prof. Fábio Giordano Coordenador de Jornalismo Prof. Robson Bastos Professores Responsáveis Helder Marques, Nara Assunção e Raquel Alves Capa Arte por Kaylaine Terumi e Mel Pletsch Projeto Gráfico Original Diego Kassai, Gabriel Chiconi, Kelvyn Henrique e Nathália Affonso Rua Oswaldo Cruz, 266, sala 321 Santos - São Paulo
Em um período tão complicado e sensível como o que estamos vivendo em razão da pandemia, refletir sobre o passado e o futuro da sociedade é um exercício necessário. Com a internet funcionando como palco principal do espetáculo entre gerações, assistimos a um grande encontro de pessoas de diferentes idades se enfrentando constantemente com o objetivo de divulgar seus pontos de vista e suas visões para o mundo. Dos baby boomers à geração alpha, cada geração tem suas singularidades e traços característicos de seu tempo. São contextos e momentos históricos diferentes, que levaram a erros e acertos importantes para o mundo e para o Brasil de hoje. Com isso em mente, a turma do quarto ano de Jornalismo da Unisanta escolheu para a última edição de 2021 da revista Viral o tema “Diferenças entre as gerações”. Ao longo destas 68 páginas, abordamos as transformações na educação, o cancelamento dentro do mundo literário, a evolução da comunidade LGBTQIA+ ao longo dos anos e as mudanças que a música sofreu com o passar das gerações, entre outros assuntos. Nosso objetivo é fazer com que o leitor possa refletir da mesma forma que nós fizemos criando esta edição, pensando sobre as atitudes e ideias das diferentes gerações. Boa leitura!
Realização:
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LER OU NÃO LER,
EIS A QUESTÃO... ERA UMA VEZ UM TEMPO EM QUE A CRIAÇÃO NÃO TINHA LIMITES, ATÉ QUE VEIO A ERA DO CANCELAMENTO, MUDANDO AS REGRAS DO JOGO NA LITERATURA, NA MÚSICA E NAS ARTES TEXTO: AMANDA BENTO FOTO: JULIA MAYORCA DIAGRAMAÇÃO: JULIA MAYORCA
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raticamente todo mundo já passou por aquela fase de ouvir uma historinha para dormir ao pé do ouvido, fosse no cochilo da tarde ou à noite. As narrativas poderiam ser inventadas na hora pelo locutor, muitas das vezes pais ou avós, ou até mesmo tios. Ou então eram inspiradas por enredos clássicos, como Chapeuzinho Vermelho, Os Três Porquinhos, Cinderela, entre outros. E então crescemos, chegamos à escola, onde somos incentivados a ler. Dizem que aprimora o vocabulário, desenvolve nossa imaginação, e ler em voz alta melhora nossa dicção. Somos apresentados aos clássicos, nomes renomados na nossa literatura. Machado de Assis, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, e uma lista extensa de grandes autores que atravessam gerações, tor-
nando-se atemporais. Mas será que o que escreveram há tantos anos ainda pode ser dito e visto como politicamente correto nos dias de hoje? Afinal, a sociedade muda e com ela os valores e os contextos históricos, ao ponto de o que parecia inocente e natural tempos atrás, nos dias de hoje pode configurar ofensa grave, bullying e até mesmo crime. Devido à pandemia, vários jovens se aprofundaram no mundo da leitura em busca de distração. Durante o isolamento, a compra de livros aumentou em 38,38%, segundo os dados do Painel de Varejo dos Livros, publicados em março de 2021. Assim novos leitores começaram a levantar questionamentos sobre algumas falas e termos racistas e homofóbicos dentro dos clássicos da nossa literatura. Entre os
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casos mais comentados es-tão as obras de Monteiro Loba-to, criador do famoso Sítio do Picapau Amarelo, com expressões como “negra beiçuda”, “carne preta”, “macaca de carvão”, entre outros, para se referir a pessoas pretas. REVISÃO HISTÓRICA O que fazer com essas narrativas? Afinal, isso é racismo. Uma parte dos leitores espalhados pelas redes sociais diz que devemos entender o contexto histórico ao qual o conto está ligado e foi escrito, levando em conta o ano em que foi criado. Outra diz que devemos editar essas obras, excluindo os termos incorretos, algo que Cleo Monteiro Lobato, bisneta do autor, já fez com o livro A menina do narizinho arrebitado. Outro grupo é a favor de cancelar totalmente, deixando-os cair em completo esquecimento. Mas isso é de certa forma, impossível, como está escrito no início deste texto. Tanto Monteiro Lobato quanto outros autores são atemporais, mesmo trazendo falas erradas de acordo com nosso conhecimento e evolução atual. São obras que continuam marcando gerações e não é simples esquecê-las. O livreiro e editor José Luiz Tahan discorda das atitudes extremadas como o cancelamento e a censura. “Acho importante manter a obra e explicar o contexto para que você possa fazer uma interpretação e comparação de forma correta”, sugere. “Porém, quem não tem estômago para aguentar esse tipo de leitura, talvez o melhor seja evitar tais histórias”. O professor de Jornalismo e escritor André Rittes compartilha do mesmo pensamento: “Se um livro soa racista ou homofóbico e isso ofende você, a solução mais simples é não lê-lo”.
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Segundo ele, o cancelamento não faz com que uma obra desapareça, e acrescenta que ninguém deveria determinar quais livros podem ou não ser lidos, uma vez que a leitura é o melhor caminho para formar cabeças pensantes e críticas para discernir o que é certo e errado, “É preciso ler, sempre, e de tudo um pouco.” O estudante de Sociologia e Ciência Política, Ary Dias, de 18 anos, reconhece as expressões usadas, embora acredite que sacrificar tais narrativas tão ricas e cheias de Brasil só por algumas linhas, como as de Lobato, é em vão. “Lobato é um dos maiores folcloristas nacionais. Suas obras são objetos de estudos sociais de seu tempo.” O jovem, amante da literatura, destaca a escrita “lobatiana” semelhante à personalidade pessoal do autor, sem papas na língua, mas que muitas vezes voltava atrás no que dizia. Um exemplo é o personagem Jeca Tatu de Urupês, inspiração para o cineasta Amácio Mazzaropi e o quadrinista Mauricio de Sousa, ao criar Chi-
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A boa literatura sempre terá espaço, assim como os clássicos sempre terão um novo leitor pela frente André Rittes Autor e professor
A pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil” mostrou que 52% dos brasileiros tem hábito de leitura
co Bento, personagem que o politicamente correto acusa de “vítima da estereotipagem e xenofobia”. Lobato chega a fazer um pedido de “desculpas” ao personagem no conto Jeca Tatu, a ressurreição. Ary relembra que Emília possui falas racistas e mesmo assim se tornou símbolo da história e música na voz de Baby Consuelo. Contudo, ele acredita que o público infantil, que está sendo apresentado a esse universo, a obra deva ser adaptada, mas preza pela conservação do original. “Condenar principalmente autores passados, que já tiveram uma longa jornada como objeto de estudo e láureas, não é uma forma de reparação histórica.” NOVA GERAÇÃO A leitora Lara Luiza, book influencer e estudante, segue a mesma ideia. Acha muito severo cancelar e ignorar essas obras: “Sou a favor de que o leitor primeiro leia para então decidir se acha a narrativa problemática ou não, pois cada pessoa é diferente, com concepções e crenças distintas”. Ela ressalta o contexto histórico, uma época em que tais termos eram aceitáveis e até engraçados. A jovem considera importante a leitura para não repetirmos os erros do passado. “Esse tipo de literatura deve continuar, justamente para mostrar às novas gerações o pensamento de épocas passadas. Isso é história.” Nesse ponto, Ary alerta sobre a nova geração de escritores que vem ganhando es-
paço, “Concordo que sejamos mais atentos com os autores do nosso tempo, para evitar que escritas de cunho deplorativo venham a se repetir, e que não sejam uma visão de futuro”. Bruna Gomes, consumidora assídua de livros, conta que, no caso do Monteiro Lobato, mesmo com toda essa problemática, a série do Sítio do Picapau Amarelo ainda desperta sentimentos de carinho, já que fez e ainda faz parte da infância de muitas pessoas. Ela acredita que outras edições revisadas, sem termos depreciativos, poderiam ser apresentadas aos estudantes. Então o que fazer? Como consumir sem sentir aquele peso e a constante voz dentro
da nossa cabeça dizendo “isso é errado”? Até porque não são só os livros escritos, mas também alguns autores que, em suas vidas, tomaram ao longo da carreira posicionamentos hoje inadmissíveis. O mais recente e debatido é o caso da escritora britânica J.K. Rowling, autora do fenômeno mundial, Harry Potter. No início de junho de 2020, a autora compartilhou posicionamentos transfóbicos em seu perfil em uma rede social, chocando milhares de fãs, e levantando uma discussão entre eles sobre como prosseguir consumindo seus livros, já que muitos não concordaram com sua fala. Mesmo que sua obra não tenha sido contaminada por es-
sas ideias preconceituosas, nas redes sociais leitores dizem não querer dar dinheiro para quem tem esse tipo de pensamento, o que já causou um impacto nas vendas. Segundo uma pesquisa de 2020 publicada pela revista norte-americana Variety, o mês de junho é o período em que o setor literário registra alta por conta do verão no hemisfério norte. O gênero de ficção teve um crescimento de 31.4%, porém os livros de Rowling só tiveram um aumento de 10.9%. Para uma breve noção do impacto, em junho de 2019, antes da polêmica, suas obras registraram um aumento de 35.2%. Em outras palavras, essa queda.
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Acho importante manter a obra e se explicar o contexto histórico
José Luiz Tahan Livreiro e editor
implica na perda de 2 milhões de dólares. Mesmo sendo fã de Harry Potter desde pequena, Lara Luiza não concorda em nada com as falas de J.K.. Com todos os comentários sobre a autora e a saga, a jovem percebeu a falta de representatividade que o livro possui, algo que vem mudando com a nova leva de autores que vêm aparecendo. Bruna destaca os termos gor-
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dofóbicos usados para descrever os personagens da família Dursley. “Será que se eu tivesse lido na época que foram escritos, também perceberia essas descrições?”, reflete. Embora os personagens sejam péssimos dentro da história, Bruna não acha que isso justifica o uso dos termos. Além disso, ela acredita que o cancelamento se faz necessário quando um autor faz algo errado e não procura ver onde errou e onde isso machuca as pessoas. “No caso da J.K. Rowling, não foi uma vez que ela fez algum comentário transfóbico.” AUTORES X LEITORES _______ Na internet, muitos fãs cogitam se dá para distanciar a autora da saga, além dos que esta-vam com planos de começar a ler Harry Potter e compartilham da ideia de não querer dar di-nheiro para a britânica.
Tanto Tahan quanto Ary acreditam que é possível separar o autor da narrativa, pois muitas obras seguem um pensamento diferente do que o autor prega em sua vida pessoal, principalmente as de ficção, que não têm conexão com nada ideológico. Ary cita Rachel de Queiroz, escritora brasileira, autora de O Quinze. Segundo ele, é praticamente um manifesto comunista na mão dos estudantes, e isso ia contra a trepidante vida política da escritora. O professor Rittes discorda dessa quebra, “Todo escritor coloca muito de si em sua obra para que se possa fazer essa separação”. Por outro lado, ele aponta a nova geração de escritores que não trazem essas problemáticas em seus textos. “Muitas novas escritoras estão surgindo, com propostas muito diferentes, como Aline Bei e Fabiane Guimarães, por exemplo, enquanto outras se consolidam, como Tatiana Salem Levy”,
complementa. Essa fase do mundo literário vem agradando a atual geração de leitores que preferem consumir narrativas mais próximas à realidade deles. A mistura de uma linguagem leve e a abordagem de temas importantes como feminismo, comunidade LGBTQIA+ e representatividade plus size, caem no gosto do público. Obras como: Quanta Coisa Pode Estar Logo Ali, de Lola Salgado; Um Milhão de Finais Felizes, de Vitor Martins, Os 27 crushs de Molly, de Becky Albertally; Singular, de Thati Machado; Além do Olhar, de Nana Pauvolih, entre tantos outros. Essa leva traz protagonistas e personagens que se encaixam dentro dessas comunidades, aproximando o leitor que se vê ali naquele pequeno pedaço de papel e se sente acolhido. Para Tahan, a nova safra de autores aborda assuntos reais, do dia a dia. “Eu vejo com muita alegria esses temas tão lembrados e lidos. Acho muito importante divulgar autores pretos e pretas, que olham para o Brasil, para o mundo contemporâneo.” Bruna também enfatiza essa representatividade trazida nas obras atuais, eliminando cada vez mais o preconceito no mundo literário, assim incentivando as pessoas a lerem mais e mais. Rittes acredita que a boa literatura sempre terá espaço, do mesmo modo que os clássicos sempre terão um novo leitor pela frente, “A literatura só não terá futuro se os leitores de hoje não conseguirem mostrar toda a beleza de um texto inesquecível para as gerações mais novas”. Mas para isso, segundo ele, precisamos investir na filosofia, no subjetivo e na abstração, “Afinal, o que é um livro diante de um videogame de última geração?”, encerra o autor
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O QUE NOSSOS LEITORES ESPERAM PARA O FUTURO? ARY DIAS “Tenho fé. Fé na cultura brasileira de maneira geral. Precisamos entender a nossa cultura para poder defendê-la e nos expressarmos como País. No intuito de que o que venha de fora, nos complemente como povo”
Lara Luiza “Autores como Colleen Hoover, falando sobre temas controversos, como violência doméstica, informando as pessoas sobre problemas reais e que merecem mais atenção. Esse é o tipo de literatura que espero no futuro”
Bruna gomes “Eu espero que se tenha mais valorização dos autores iniciantes e brasileiros, e que os livros em geral sejam mais acessíveis”
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REBOBINANDO
MEMÓRIAS VOCÊ SABIA QUE AINDA DÁ PARA ALUGAR FILMES EM LOCADORAS? TEXTO: MATHEUS MENDEL FOTO: MILENA TUPINAMBÁ DIAGRAMAÇÃO: MATHEUS M., MILENA T., MYRIÃ PEDRON
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s crianças de hoje nunca saberão o quão divertido era frequentar as famigeradas locadoras de vídeo, encarar os pôsteres dos lançamentos e ter de lidar com a difícil missão de escolher apenas um filme para assistir com a família no final de semana. Detalhe: tinha de ser “o filme!”, que agradasse a todos, sem exceção. Ah, e quem dera fosse só isso. Às vezes, quando o longa era um sucesso comercial, corria-se o risco de você chegar e encontrar todas as cópias já alugadas. Daí só havia uma opção: colocar o nome na fila de espera, e aguardar sua vez para assistir a atração no conforto de casa. A Hora do Pesadelo (1984), Matrix (1999), As Panteras (2000), Homem-Aranha (2002) e A Paixão
de Cristo (2004) foram alguns dos maiores exemplos disso. Com o passar do tempo, uma sucessão de fatos aconteceram e, ligados uns aos outros, culminaram no pior resultado possível. As fitas VHS acabaram extintas num piscar de olhos, sendo substituídas pelo Digital Versatile Disc. A nova tecnologia explodiu no mercado, ganhando um setor próprio e bastante rentável —, inclusive, você sabia que, antes de liderar a lista dos streamings, a Netflix começou como o primeiro serviço de locação e venda desses DVDs? Pois bem, com o preço acessível desses discos ópticos, as pessoas finalmente conseguiam adquirir cópias de suas produções favoritas, assistindo-as quantas vezes quisessem, sem precisar do empréstimo de terceiros.
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Netflix conta com mais de 200 milhões de assinantes em seu serviço de locação digital
Não acredito em conflito de gerações. Quem está interessado procura ter acesso a tudo, independentemente da idade”
Marcelo Rosendo Dono da Vídeo Paradiso
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Some-se a isso o boom da pirataria, iniciado em meados de 2006, e você terá o real motivo de todas as locadoras terem encerrado suas atividades no varejo. Se, por um lado, a rede Blockbuster decretou falência, a Netflix, conseguiu pensar fora da caixinha. E, em meio ao caos, os co-fundadores Reed Hastings e Marc Randolph sobreviveram à transformação de um novo capitalismo com a ajuda da tecnologia, e prosseguindo com os aluguéis de filmes de uma maneira diferente. “O público não quer saber. Ele usa você até onde inter-
essa. Mas, apesar disso, foi a pirataria que arrebentou com a gente. Ela começou através do camelô, numa época em que as pessoas não tinham internet tão boa para baixar os filmes que queriam assistir”, explicou o engenheiro Marcelo Rosendo Datoguêa, dono da locadora de filmes Vídeo Paradiso, que continua de pé desde a sua inauguração em agosto de 1991. “Com o passar do tempo, a banda-larga melhorou bastante e então as pessoas migraram para os sites. E o camelô acabou tendo o mesmo fim que nós”, disse.
Vídeo Paradiso, em Santos, mantém um acervo de mais de 30 mil filmes para locação
LOCADORA NO LITORAL Localizada em Santos, no bairro Boqueirão, o estabelecimento conta com um acervo de 20 mil DVDs e, aproximadamente, 10 mil fitas VHS. “Só não tive de fechar as minhas portas porque o imóvel é próprio e não tenho de pagar aluguel. Mas compreendo que as coisas são cíclicas e que a falta desses boletos sempre foi uma garantia para a permanência da Vídeo Paradiso no mercado do home video”, disse. “Os assinantes de streamings, em sua maioria, assistem
a três filmes por mês e olhe lá! É engraçado, se pararmos para pensar. Porque o plano básico da Netflix, de uma tela, custa em torno de R$25,90, e o premium, com quatro telas, R$55,90. Então, se levarmos em conta o preço e quantidade de filmes que determinada pessoa assiste, é muito mais vantajoso aderir a uma locadora, do que ter de gastar com um serviço de distribuição digital.” Marcelo ainda ressalta que muitas pessoas abraçam os streamings em nome da modernidade, mas que os catálogos
desses serviços não representam nada disso, pelo contrário, constroem uma relação de submissão com os seus usuários. “Eles apenas colocam produções que querem que seu público assista. Não existe liberdade alguma nisso. Muitos filmes que você tende a procurar por lá, acabará não os encontrando. Já nas locadoras, é possível achar todo o tipo de produção, da mais rara e cult à mais pipoca”. Mas, infelizmente, os jovens de hoje não estão dispostos a experimentarem algo diferente
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O modo de se divertir das gerações foi mudando com o tempo, mas a tecnologia pode se tornar uma vilã para as crianças
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ESCONDE-ESCONDE
X TIKTOK
COMO A TECNOLOGIA PODE IMPACTAR O DESENVOLVIMENTO E A INTERAÇÃO DAS CRIANÇAS COM O ‘MUNDO REAL’ TEXTO: ÁGATA LUZ, ALLAN VERÍSSIMO, LUANA CHAVES E PETER NARDOTO FOTO: LUANA CHAVES DIAGRAMAÇÃO: ÁGATA LUZ E ALLAN VERÍSSIMO
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nova geração não conhece vida sem tecnologia. Ao acordar, a primeira coisa a se fazer é ligar o celular e checar os e-mails ou as redes sociais, em vez de tomar um bom banho, comer, ou simplesmente escovar os dentes. Crianças já sabem utilizar celulares ou videogames melhor do que muitos adultos, até porque a quantidade de informações disponíveis exige respostas imediatas. A confeiteira Fabiana Silva Chaves Costa, de 52 anos, relata preocupação com a maneira como a filha de 7 anos, Lorena Silva Chaves Costa, cres-ce em meio a um mundo comandado pela tecnologia. Ela não acredita que a internet seja uma condição para o desenvolvimento e aprendizado das crianças. “Acho que na idade dela, os melhores conteúdos estão fora das telas, como nos livros, amigos, escola
e brinquedos. Ela precisa de sensações reais e palpáveis, como brincar de corre cotia, esconde-esconde, andar de bicicleta, como eu fazia também”, conta. Para especialistas, os jogos da internet desenvolvem o raciocínio e a produção da adrenalina, mas o excesso pode ser prejudicial e atrapalhar o desenvolvimento emocional das crianças, causando mais ansiedade e estresse, conforme explica a psicóloga especializada em psicopedagogia, pedagogia da cooperação e culturas de paz, Gabriela Santos Gomiero. “Ao não exercitar a paciêcia, a comunicação e expressão oral com as pessoas é dificultada. Além disso, pode limitar habilidades artísticas e de exercício motor, e gerar uma estimulação cerebral maior do que a criança deve ter”, esclarece. Conforme relata Gabriela, a compulsão por tecnologia ainda
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pode resultar em um comportamento antissocial, considerando que crianças e adolescentes ficam cada vez mais tempo trancados nos próprios quartos. Ao mesmo tempo, a tecnologia facilitou, também, o acesso à educação, com a democratização das informações. Por isso, para a psicóloga, o uso da tecnologia pelas novas gerações é uma faca de dois gumes. “Não há dúvida que outras habilidades podem ser desenvolvidas, mas não na primeira infância (0 aos 7 anos). Nessa fase, o uso de eletrônicos é mais prejudicial do que desenvolvedor de habilidades, pois é a idade de experiência no mundo.” Após esse período, a criança pode desenvolver criatividade, solução de problemas, testar diferentes estratégias e aumentar o vocabulário, caso opte por atividades digitais de qualidade. PREOCUPAÇÕES A confeiteira Fabiana confessa que o único motivo para deixar a filha se distrair com as redes sociais é o trabalho e a demanda de afazeres em casa. Lorena passa a maior parte do tempo livre assistindo desenhos, brincando e, principalmente, vendo vídeos no Youtube. Porém, os conteúdos acessados são sempre supervisionados pela família. Segundo a confeiteira, que tem mais três filhas maiores que cresceram sem tanta influência digital, o comportamento da caçula mudou quando ela começou a utilizar as redes sociais, aos cinco anos de idade, fazendo com que ficasse mais apegada à internet e relutante quanto a experimentar outras atividades. A mãe decidiu ser mais rígida quanto ao tempo online, a fim de estimular a filha a tentar encontrar diversão no mundo
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A pandemia piorou muito isso, porque antes eles podiam sair, ir à praia, fazer atividades ao ar livre
Fabiana Chaves Confeiteira
“real”. “Está dando certo, porque ela até assiste aos vídeos, mas logo encontra um brinquedo ou atividade mais interessante”, diz. Ainda assim, ela lamenta que as crianças da nova geração não tenham as mesmas brincadeiras que os seus pais tiveram, além do pouco tempo com a família: “A pandemia piorou muito isso, porque antes eles podiam sair, ir à praia, fazer atividades ao ar livre. Mas, por enquanto, eles ficam mais em casa, e fazem mais atividades na internet.” MUNDOS TANGÍVEIS A realidade da pequena Lorena e dos exemplos citados pela psicóloga são um verdadeiro contraste em relação à infância do encanador Carlos César Antunes, de 67 anos, que trabalha no Porto de Santos. Apesar da sensação de nostalgia ao lembrar das brincadeiras do passado, ele também tem se adaptado às atividades no mundo virtual. Após passar o dia inteiro no trabalho, Antunes retorna para casa e passa o resto da noite as-
sistindo vídeos no celular antes de dormir. Ele descobriu os atrativos das redes sociais há cinco anos, graças aos ensinamentos do neto. Na maior parte do tempo livre, assiste vídeos sobre o seu maior hobby: a eletrônica. “É impressionante quantas informações que eram tão difíceis de achar no passado, agora posso descobrir em questão de segundos”, diz. A esposa dele, Rosalina Tani Antunes, de 70 anos, também partilha do seu interesse pela internet. Particularmente, ela gosta de deixar o celular ligado para escutar vídeos de influenciadores ou orações, enquanto cozinha. Porém, o casal jamais ultrapassa o limite autoimposto. Assim que um determinado horário chega, eles se retiram da internet. A infância de Carlos e Rosalina foi bem diferente da de diversas crianças da nova geração. No lugar de celulares, tablets e cabos de internet, havia bolinhas de gude, bonecas e uma linha de pipa. Livres dos julgamentos e padrões im-
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Os pais tentam fazer com que as crianças conheçam brincadeiras para que possam se movimentar
plícitos nas redes sociais, eles puderam encontrar um amor em uma realidade totalmente tangível, sendo conectados por algo mais raro atualmente: uma conversa olho no olho. IMPACTOS DO CONFLITO_______ Segundo o sociólogo Daniel Bizzoto, de 50 anos, o conflito entre as gerações sempre existiu por um simples motivo: as pessoas acreditam que a geração que veio antes delas é inferior, e elas aprenderam mais, obtiveram mais informações e cultura. As novas gerações acreditam que os seus antecessores não aproveitaram, nem viveram ou tomaram as decisões corretas. “Nossos avós brincaram fazendo os seus próprios brinquedos e histórias, replicavam a história que alguém contou. Então, se você sentar com os seus avós para conversar, eles vão falar que eles faziam as bonecas e carrinhos para que pudessem brincar ou porque não tinham recursos. A geração dos pais já não segue esse mesmo padrão, porque é a geração que
Brincadeiras de agora sempre estão ligadas a ver os outros fazendo movimento
Daniel Bizzoto Sociólogo
começa a fazer compra de brinquedos”, compara. Sobre a nova geração, o sociólogo acredita que os interesses estão mudando de forma ainda mais rápida e radical. Os jogos de tabuleiro do passado perderam força, dando lugar para a popularidade dos jogos eletrônicos. Porém, esses jogos são considerados datados e sem graça pelos jovens da atualidade, que por sua vez não que-
rem fazer novos experimentos. O resultado é inevitavel: uma geração preguiçosa e bastante problemática. “Por isso que o TikTok faz tanto sucesso, porque as brincadeiras de agora sempre estão ligadas a ver os outros fazendo o movimento, enquanto eles só assistem e passam o dedinho para cima ou criticam o que o outro faz. O conceito da “geração mimimi” vem daí. São pessoas que são aptas a criticar, mas não são prontas para fazer”, afirma Daniel Bizzoto. Diante de exemplos tão distantes, mas diretamente ligados entre diferentes gerações de uma mesma família, os profissionais acreditam que a melhor solução seja um equilíbrio entre saber usar os benefícios da internet, mas podar as informações e conteúdos ruins, que podem proporcionar sofrimento. Mesmo com toda tecnologia, crianças continuam sendo crianças e, muitas vezes, acabam encontrando na internet aquilo que não é oferecido em casa: atenção e interação
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MULHERES NA POLÍTICA:
o que mudou ao longo da história? HÁ 89 ANOS, MULHERES CONQUISTARAM O DIREITO AO VOTO. APESAR DAS REVIRAVOLTAS NA POLÍTICA DESDE ENTÃO, A REPRESENTAÇÃO FEMININA NOS POSTOS DE PODER COLOCA O BRASIL NO TIME DA LANTERNINHA NA AMÉRICA LATINA TEXTO: EDUARDA GOUVEIA, JEFFERSON SANTOS, HENRIQUE MIGUEL E MARIA EDUARDA NASCIMENTO DIAGRAMAÇÃO: EDUARDA GOUVEIA
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aiti e Paraguai são os únicos países da América Latina atrás do Brasil no quesito presença da mulher nos quadros políticos, dado que apresenta um desafio para as futuras gerações. Ao longo da história, as mulheres lutaram por direitos pelos quais não deveriam precisar lutar. O direito à participação política é um dos mais evidentes, já que as mulheres representam cerca de 52,2% da população, segundo dados de 2019 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mas os homens dominam a cena política e empresarial, o que prova a desigualdade de gênero que impacta diretamente na atu-
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ação feminina na política. Em julho de 2021, o país ocupava a 140ª posição em ranking com 192 países referente à representação de mulheres na política. Isso se reflete na composição da Câmara dos Deputados, ocupada por apenas 15% de mulheres, e do Senado Federal, com apenas 12%. Partindo para os municípios, das 5.570 cidades, apenas 900 elegeram ao menos uma vereadora nas últimas eleições no ano passado. Se a representatividade ainda não atinge números proporcionais, não significa que não houve avanços. Para a cientista política Aldenir Dida Dias, o que foi conquistado até hoje é mérito das próprias mulheres.
“Nenhuma mudança é produzida na sociedade sem o grupo de submissão reagir. Então, a razão principal para as mulheres estarem mais presentes na vida política é o fato de estarem resistindo, cobrando, exigindo”, afirma. Dida relembra que a criação de projetos como o Sistema Único de Saúde (SUS), implantado em 1990, teve grande influência de uma mobilização das mulheres, principalmente das periferias, que exigiam saúde de qualidade. De acordo com ela, esse grupo sempre atuou ativamente em políticas sociais, mas a realidade é diferente em cargos eletivos. “Essa atuação política não condiz com a representatividade das mulheres no parlamento, no executivo, ou nas empresas, e isso se deve ao fato de o Brasil ser um país sexista”, explica Aldenir. Fazer com que uma nova geração dê um salto de representatividade em relação à geração anterior tem sido uma batalha para as mulheres, e o resultado desse enfrentamento está longe de ser suficiente para transformar a democracia e a igualdade de gênero no país. O QUE DIZEM OS NÚMEROS No ano de 2010, Dilma Rousseff
Cientista política Aldenir Dida Dias (ao centro) acredita que a falta de representatividade feminina na política é reflexo do patriarcado
tornou-se a primeira mulher eleita à Presidência do Brasil. Em 31 de outubro, a petista passaria a ocupar o cargo com 56,05% dos votos válidos, batendo seu adversário, José Serra (PSDB), que recebeu 43,95% dos votos válidos. O mandato da então presidenta teve fim em 2016, por meio de um processo de impeachment, que até hoje suscita controvérsias. Um dos motivos para essa realidade, na qual as mulheres lutam para conquistar alguma representação e, quando conseguem, não recebem o devido destaque, é assim explicado por Dida: “é uma característica de uma sociedade patriarcal, como a do Brasil, marcada pela presença masculina do coronel, do patrão, do padre, do pastor, do professor”. Em 1995, a deputada federal Marta Suplicy, por meio da Lei 9.100/95 - nomeada de “Lei das Cotas” - obrigou que os partidos ou coligações tivessem ao menos 20% da lista de candidatos preenchidos por mulheres nas câmaras municipais. Dois anos
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Essa atuação política não condiz com a representatividade das mulheres no parlamento, no executivo, ou nas empresas Aldenir Dida Dias Cientista política
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Atuante na política há três anos, Aline Cabral foi a pessoa mais jovem a disputar uma das 21 cadeiras do legislativo santista nas eleições de 2020
depois, a Lei 9.504/97 exigiu a reserva de 30% das candidaturas para mulheres em âmbito municipal, estadual e federal. Mesmo com as cotas, os números caíram. De 1994 para 1998, as eleitas na Câmara de Deputados despencaram para 5,7% e cresceram apenas 8,8% em 2006. No ano de 1995, foi firmado na Conferência de Beijing (IV Conferência Mundial sobre a Mulher) o compromisso de promoção da igualdade de gênero. Ali foi pensado o sistema de cotas como um instrumento para aumentar o número de eleitas para os cargos públicos. Essas cotas variam, sendo diferentes em cada país. No Brasil, é possível notar que esse sistema foi ineficiente. Basta analisar o número de mulheres eleitas para cargos parlamentares, desde sua adoção, em 1995. Recentemente, em 2020, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos criou a campanha ‘+ Mais Mulheres na Política’, que buscava dar
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A imagem que temos hoje na política é a de um senhor branco e engravatado. É necessário mudarmos isso Aline Cabral Ativista política
mais visibilidade para o público feminino nas eleições. Naquele ano, pelo menos uma mulher foi eleita em cada município brasileiro. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o aumento do número de vereadoras eleitas foi de 19,2%. Nas eleições de 2020, elas representaram 16,1% das candidaturas escolhidas pelo eleitorado. Em 2016, esse índice foi de 13,5%. Em relação à última eleição, houve um aumento relativo de 7,1% no número de mulheres interessadas no cargo de vereadora. Ainda de acordo com o TSE, na eleição para prefeituras, a quantidade de mulheres eleitas em 2020 foi 4,4% maior do que a registrada em 2016. De acordo com Aldenir, essa representação é fundamental para uma democracia: “A democracia pressupõe a participação. Se um grupo social, que aliás é a metade da população, não participa e não atua, não é democracia. Então, é fundamental essa representatividade
no cenário político, até para a igualdade de gênero e a questão racial’, explica. UM NOVO OLHAR______________ Telma de Souza foi eleita prefei-ta de Santos em 1989. Sua atuação política desenvolvou-se no processo de redemo-cratização do país. Foi nos movimentos de resistência à ditadura militar que ela iniciou sua caminhada política e ganhou estofo para se consagrar nas urnas, em uma eleição que representou um grande avanço para a época. Hoje, no quarto mandato como vereadora da cidade, Telma reconhece avanços na participação das mulheres na cena política, mas acredita que há ainda muito trabalho a ser feito. “Não é um problema regional, é uma realidade nacional que precisa ser muda-da”, alerta. Enquanto os esforços para aumentar a presença da mulher não são uma realidade para a maioria dos partidos, que ainda tentam burlar a lei com as chamadas candidaturas laranja, as novas gerações seguem na luta. Foi na cidade com o maior nú-mero de mulheres do país que Aline Cabral, de 24 anos, se des-tacou como representante da juventude nos assuntos políticos. Moradora de Santos, a jovem abraçou logo cedo uma causa que vai além do desejo de ocupar uma cadeira no legislativo. Cabral é um dos exemplos de resistência da participação feminina na política da Baixada Santista. Engajada na luta pelos direitos dos universitários por meio do Centro dos Estudantes de Santos e Região (CES), Aline foi a pessoa mais jovem a disputar uma das 21 cadeiras do legislativo santista nas eleições de 2020. Candidata pelo PC Do B (Partido Comunista do Brasil), ela se apresentou como ‘Aline e
a Bancada Estudantil’ e recebeu 637 votos do eleitorado santista, número insuficiente para garantir uma cadeira no Câmara Municipal. Atuante na política há três anos, Cabral destaca as principais dificuldades da participação das mulheres nas gestões políticas atuais e pontua a rotina incansável pela busca de mudanças no cenário eleitoral. “A imagem que temos hoje na política é a de um senhor branco e engravatado. É necessário mudarmos isso”, salienta. Segundo ela, a sociedade muitas vezes parece não estar preparada para acompanhar o protagonismo feminino. “Já me apresentei em sindicatos para tratar de melhorias, assuntos sérios e o presidente do órgão esteve mais preocupado com a minha roupa, ao invés de dar atenção ao que eu estava dizendo”, relata Aline. RESISTÊNCIA Em 24 de fevereiro de 1932, as mulheres conquistaram o direito ao voto. O código eleitoral foi instituído pelo então presidente do Brasil, Getúlio Vargas, por meio do Decreto nº 21.076. Em maio de 1933, a mulher brasileira pôde votar e ser votada pela primeira vez. De acordo com Aline, as mulheres são as maiores usuárias dos equipamentos públicos como escolas e serviços do sistema de saúde, mas ainda são poucas no parlamento, o que dificulta a discussão de assuntos fundamentais para garantir os direitos básicos do público feminino. “Algumas valem por dez homens. Mas a maioria no poder é masculina há tempos, o que traz as mesmas visões antigas e impossibilita novas óticas que incluam políticas públicas ao público feminino. Justamente pela
falta das mulheres na política, há perda de uma visão diferenciada que possa possibilitar não só a nós, como a todos”, argumenta Cabral. Outro movimento que está diretamente ligado às conquistas das mulheres é o feminismo. Sem a mobilização do público feminino para pedir pela igualdade de gênero, o direito ao voto e a tantas outras coisas não teriam saído do papel. “O feminismo não é algo exclusivo às mulheres, o movimento também prevê a liberdade dos próprios homens”, diz Aline. Ainda jovem, Aline reconhece que a influência que ela tem hoje só foi possível porque, antes dela, muitas mulheres lutaram para mudar a realidade. Atualmente, Aline relata que busca dar um passo de cada vez e não vai desistir da política.”A política é a minha vocação. É onde eu sinto que seja o meu lugar e faz parte de mim”, conclui
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“OLHA POR NÓS, MÃEZINHA!” NA SAUDAÇÃO DE OXUM, A VOZ DE UM BRASIL QUE SONHA COM O FIM DA INTOLERÂNCIA RELIGIOSA TEXTO: LÍVIA ABREU E MARCELA RODRIGUES FOTO: VICTOR RODRIGUES DIAGRAMAÇÃO: JOÃO HIROSHI
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história da jovem Vitória e de sua avó, dona Marcia, é uma lição de coragem e respeito sobre a liberdade religiosa. As duas são umbandistas e sempre tiveram um diálogo sincero e aberto com toda a família, deixando as escolhas da fé livres de amarras e preconceitos. Mas nem sempre a profissão de fé de Vitória foi fácil. Menos ainda para seus antepassados, que lutaram duro pra viver essa liberdade. De uns anos para cá, a rejeição aos cultos de matriz africana parece que ganhou ares mais agressivos. Apesar da defesa universal do bem e da busca pela paz
pregada pelas diversas religiões ao longo da história, a intolerância religiosa segue atravessando gerações e resiste, quase como uma inquisição moderna. O candomblé chegou ao Brasil com o tráfico de escravos vindos da África Ocidental, entre os séculos XVI e XIX, e sofreu modificações para sobreviver ao racismo, às perseguições e represálias dos católicos portugueses que aqui estavam, já que qualquer culto pagão era proibido. Os cultos na religião têm como principal característica os pedidos e agradecimentos aos orixás por meio de músicas, comidas e dança, e da conexão com a natureza. Na umbanda, também se cultua os orixás e a religião
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aderiu ao sincretismo religioso por necessidade, para escapar à perseguição que já acontecia com o candomblé. Umbandistas se autodefinem como uma mistura de catolicismo, espiritismo kardecista e candomblé. A base da doutrina é a caridade e a prática do bem, como caminho para a evolução espiritual. Em 1612, Tomas Helwys, advogado e cofundador da igreja Batista, escreveu a obra “Breve declaração do mistério da iniquidade”, sendo o primeiro tratado a abordar a liberdade religiosa, defendendo a liberdade de culto e de consciência de cada indivíduo. Como resposta da corajosa declaração para aqueles tempos, o Rei James I da Inglaterra o perseguiu e em 1615, Helwis foi preso e morto, em Londres. A intolerância religiosa aumentou e teve um forte agravamento no Brasil, a partir da polarização e do crescimento dos discursos de ódios principalmente a partir do período pré eleição de 2018. Os adeptos das religiões de matriz africana passaram a sofrer ataques mais acirrados com crimes virtuais e até mesmo dentro de suas casas. DE GERAÇÃO EM GERAÇÃO Márcia Rodrigues, 66 anos e Vitória Rodrigues, 22 anos, são avó e neta umbandistas e vivem em uma casa onde a religião é um assunto sem preconceitos e abordado desde quando eram pequenas. Vitória frequenta centros de umbanda desde criança, porém na adolescência passou por uma fase de curiosidade, queria aprender mais sobre as outras religiões para então, escolher a que mais fazia sentido com seus valores. “Tentei outras, cheguei a ir em igreja
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evangélica, em templo budista, até estudei um pouco de wicca, então a religião na minha família nunca foi um problema”, comenta a estudante. Batizada em igreja católica, Márcia cresceu em uma família de mesa branca, que é a mediunidade com base nos ensinamentos de Jesus Cristo e tem o foco principal em ajudar espíritos obsessores a encontrarem o caminho de luz. Avó e neta se orgulham da religião que escolheram abraçar, e contam que já passaram por momentos difíceis por conta da pressão da sociedade. “A minha fé é tudo. Ela é quem eu sou, e o que me transformou em quem eu sou hoje. A minha fé me ajudou a me reconstruir quando eu tive um momento de depressão, então a minha fé é tudo para mim”, comenta Vitória. GRANDE MARCO Durante as Olímpiadas de Tóquio, a seleção brasileira de futebol estreou contra a Alemanha em uma partida que poderia ser somente um jogo de futebol, mas para todos da religião, se tornou um marco de evolução da quebra do preconceito que ainda existe no Brasil. Nos acréscimos, Paulinho recebeu o passe e chutou certeiro, fazendo a bola parar no fundo da rede alemã e garantir a vitória da seleção brasileira. Em comemoração, o atacante homenageou seu orixá protetor, Oxóssi. Na ocasião, o jornalista Gustavo Villani, da rede Globo, narrou esse gol dizendo que era “pra Exu aplaudir”, fala que teve grande repercussão por ser a primeira vez que uma religião de matriz africana foi mencionada durante uma narração esportiva.
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Filha de Iemanjá, Vitória aproveita o local do ensaio fotográfico para agradecer e se conectar com as águas do mar
A religião do homem está entre Deus e ele: o rei não tem que responder por ela e nem pode o rei ser juiz entre Deus e o homem.
Thomas Helwis Cofundador Igreja Batista
O PRECONCEITO EXISTE? Por ter mais anos de experiencia e de vida, Márcia relata que o preconceito aflorou recentemente e que no passado as pessoas tinham receio de demonstrá-lo claramente. Hoje em dia, parece que fazem questão de afirmar que não gostam e não toleram a religião. “Eu tinha uma amizade há mais de 40 anos. A pessoa se tornou evangélica e por eu ser umbandista minha amizade não servia mais” , desabafa Márcia. Já o jornalista Gustavo Villani acha que com o avanço das
redes sociais as pessoas conseguem se expressar sem medo de serem repreendidas, e com a narração da comemoração do gol de Paulinho, Villani sentiu o impacto de suas palavras nos seus perfis online. “A repercussão foi enorme, eu sinceramente não imaginava. Minha intenção foi validar a religião, não fiz sabendo o alcance que aquilo teria, e teve muita gente grata, foi quando eu entendi a repressão secular que a gente vive em cima das religiões afrodescendentes”, comenta o narrador. Em contrapartida, Vitória,
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A repercussão [aos comentários após o Gol de Paulinho] foi enorme, eu sinceramente não imaginava. Gustavo Villani Jornalista e narrador esportivo
que faz parte de uma geração que está mais aberta a aprender a lidar com as diferenças, no entanto, também sofre com o preconceito por conta da má informação e ignorância. “As pessoas só têm que procurar e estudar, se pesquisassem iam saber que a gente não acredita em diabo, inferno, somente que o bem e mal andam juntos e a umbanda é caridade, não fazemos mal a ninguém, as entidades são luz, seja Exu ou Oxalá. Antigamente as pessoas tinham medo de falar que eram da religião, mas hoje em dia a gente tenta desmistificar essa ideia. Tenho muito orgulho em ser umbandista”. DIA DA INTOLERÂNCIA Em Salvador, um centro de umbanda foi invadido e depredado por fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus. Após dois meses do fato, um jornal da mesma igreja publicou uma foto da Mãe Gilda, Iyalorixá Gildásia dos Santos e Santos, com uma tarja
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no rosto e a manchete: “Macumbeiros charlatões lesam a vida e o bolso de clientes”. Ao ver a publicação, a idosa de 65 anos teve um ataque cardíaco fulminante e faleceu no dia 21 de janeiro. Em homenagem à acusação injusta à Mãe Gilda, em 2007, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, instituiu a data como ‘Dia Nacional de Combate a Intolerância Religiosa’. E com quase quinze anos do gesto, os praticantes das religiões de matriz africana ainda sofrem ataques parecidos com o de Mãe Gilda
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Busto em homenagem à Mãe Gilda, localizado na Lagoa Abaeté, em Salvador.
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AS MUDANÇAS NA FORMA DE EDUCAR ABREM DEBATE NA SOCIEDADE. AFINAL QUEM ESÁ CERTO, OS EDUCADORES MODA ANTIGA OU OS PAIS MODERNINHOS? TEXTO: GIOVANNA REAL E LAÍS REGINA FOTO: VITOR LEUTZ DIAGRAMAÇÃO: LUCAS LEITE
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ocê em algum momento já se questionou sobre a educação que era dada antigamente aos filhos e como é essa prática hoje em dia? Comparar a família, e consequentemente a educação atual com a de antigamente, pode causar um grande debate, pois existem diversas características de uma geração para outra, capazes de reconfigurar a dinâmica e ações de cada família. Nas rodas de amigos e famílias ainda há uma certa nostalgia em relação ao passado. Quantas vezes você já ouviu falar que antigamente as crianças respeitavam mais pai e mãe? Ou ainda, que os pais de antes não tinham tantos problemas porque não eram tão permissivos? Se conversar com o seu avô, por exemplo, você vai saber que na época dele, os pais queriam ver os filhos trabalhando ainda crianças. O estudo ficava em segundo plano. Já os de hoje, preferem ver os filhos só estudando, porque trabalhar é assunto para só depois da faculdade. Muita coisa mudou do século XX até os dias atuais, principal-mente a forma como os filhos são tratados e educados pelos seus res-ponsáveis. Mas ainda existem pais que preferem seguir os passos dos mais velhos, acreditando sim, que a disciplina, castigo e até agressões são necessárias para remediar atitudes ruins de seus filhos. É preciso buscar o melhor para o futuro da criança, formando melhores adultos e com a consciência que o que se faz hoje, influencia direto no amanhã. Tatiana Cerqueira, de 36 anos, mãe de Laura Bheattriz de 20 anos e
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Thierry de 18, faz parte do grupo de pais que acreditam que a disciplina constrói adultos mais responsáveis. Por ter engravidado cedo, no início de sua adolescência, ela se sentiu um pouco perdida em relação à educação que daria às crianças, e a única saída seria usar os próprios pais como referência. “Minha gravidez não foi planejada. Então eu não sabia o que estava acontecendo e nem pensava também em criação. Eu queria seguir a criação que meus pais me deram, onde não era ‘solta’, eu tive bastante disciplina, fui bem educada, mas tudo da forma deles, pois antigamente não era como hoje, era realmente mais rígida”.
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Eu queria seguir a criação que os meus pais me deram, onde não era “solta”, eu tive bastante disciplina. Tatiana Cerqueira Mãe da Laura Bhewattriz e do
A psicóloga Paula Amato Souza Dias defende o diálogo, mas alerta para que os pais cobrem as crianças.
Tatiana Cerqueira (36), com os filhos Laura Bheattriz e Thierry, e o marido Otoniel.
A comunicação realmente resolve tudo ou os pais realmente precisam ter um pulso mais forte com os filhos? Aos 18 anos, Tatiana era a única responsável pelos seus dois filhos. “Por isso quis ser uma mãe leoa, para lá na frente não receber críticas. Hoje, me orgulho em dizer que venci, que eu sou uma mãe e tanto, que a criação dos meus filhos foi excelente. Mesmo muitos dizendo que eu tinha que ser mais liberal. Eu fui rígida, chata, colocava de castigo, soube dizer não. O que eu fui no passado, na rigidez de não deixar ir para festas e fazer coisas que adolescentes normais faziam, hoje reflete neles, na fase adulta. Antes eu era uma
mãe chata e hoje sou uma mãe que eles agradecem”. Alguns acreditam que educar é oferecer valores essenciais a serem seguidos ao longo da vida. Valores que vão de atitudes práticas, como ter disciplina para lidar com as responsabilidades da escola e da casa. Mas, hoje em dia, a maneira de lidar, conversar e educar se reinventou. Uma das características que merecem destaque é o acesso fácil e rápido à informação que faz com que as formas de corrigir sejam mais educativas e saudáveis, como por exemplo: conversar ao invés de gritar e apontar os defeitos e colocar de castigo retirando algo que a criança goste como celular, brinque-
do, saída a passeio, ao invés de bater. Hoje, o ideal é que exista uma busca para levar a criança a entender o motivo pelo qual elas estão sendo repreendidas. A psicóloga Paula Amato Souza Dias, formada pela Faculdade Presbiteriana Mackenzie e especializada em comportamento infantil, concorda que o diálogo é importante e funciona, mas alerta que deve haver um limite entre conversas e cobranças. “Hoje em dia vemos que há uma abertura muito maior para conversar sobre temas que antigamente não eram tratados como sexualidade e drogas. Porém existe a questão que há uma abertura e uma falta de limite, muitos pais acabam tratando
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Nicole Augusto Marques é mãe da pequena Liz, de apenas dois anos e entende que a conversa é a base da relação entre mãe e filha.
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Muitos pais acabam tratando crianças como miniadultos e as crianças não têm muito discernimento. Paula Amato Souza S Psicóloga
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crianças como miniadultos e as crianças não têm muito discernimento sobre certas coisas, elas vão aprendendo com os pais. Muitos se perdem aos poucos e deixam os filhos mandarem e tomarem decisões por eles, embora não tenham maturidade suficiente para decidir”. Para a psicóloga, o ato de bater ou gritar ainda na infância, pode refletir nos filhos, fazendo com que se tornem jovens e adultos agressivos tanto em casa, quanto no trabalho. “Os pais procuram muitas vezes o motivo de o filho estar bravo. Agressão gera violência. Mas, além disso, gera sentimento de culpa. A criança muitas vezes acha que está apanhando por culpa dela, mas às vezes ela nem sabe o que é errado ou certo, pois ainda está aprendendo”. E sobre as palmadas e violência verbal? Será que elas realmente funcionam? Ensinam? Em uma pesquisa feita pelo UNICEF em 2014, aponta que 80% dos pais no mundo batem nos filhos. A conclusão desse
estudo é que crianças que apanham são mais propensas a desafiar os seus pais. Paula concorda. “Na verdade, o bater acaba sendo uma forma de punição, a pessoa aprende pelo medo, sabem que não vão fazer isso pois vão apanhar depois. Porém, não é a maneira mais adequada de punir, existem outras maneiras como retirar alguma coisa que a criança gosta de brincar. No final, ela precisa entender que atitudes ruins têm uma consequência”. Seguindo o mesmo pensamento da psicóloga, temos Nicole Augusto Marques (19), mãe da pequena Liz, de apenas dois anos, que acredita que a conversa é a base de qualquer relacionamento, principalmente entre pais e filhos. Nicole recebeu uma criação mais severa, com tapas e puxões de orelha, e por isso mudou a conduta em relação à filha. Por ter uma educação diferente da mãe, Liz se destaca entre outras crianças da mesma faixa etária. “A gente vê até pelos colegas da
Silvia Maria Leutz, pedagoga e professora de ensino infantil, explica que a educação mudou muito com o passar dos anos
escolinha. Ela é mais comunicativa, já usa palavras como ‘por favor e obrigada’, não tem medo de falar, ela sempre pede autorização e toma a iniciativa de brincar com outras crianças, bem interativa”. Mesmo que a relação entre as duas seja saudável e com muito diálogo, as birras acontecem, pois Liz está em processo de conhecimentos internos e externos, e é a partir daí que as ‘birras’ acontecem. E agora, como lidar? “As birras da Liz são mais pontuais, só mesmo quando quer muito alguma coisa, que no momento não posso dar ou fazer. Aí preciso ter paciência até resolver. Eu sento, explico como funciona e ela entende. Como disse, a base é sempre a conversa”. Lidar com o palpite das pessoas é um pouco desafiador em algumas situações, principalmente quando se é jovem e mãe ao mesmo tempo. Mas, apesar das críticas, Nicole se mantém firme acreditando no seu jeito de ensinar e educar. “Tenho
que ter um pouco de paciência, ainda mais quando são adultos, a educação é muito diferente da nossa. Sempre escuto 'Ah se fosse minha filha já tinha levado dois tapas''”. Pedimos que ela deixasse um recado para as mães jovens e de primeira viagem, com o intuito de encorajá-las a seguir uma educação mais flexível, sem ser à base de agressões. “Quanto antes você tiver uma relação de amizade com seu filho, melhor. Desde cedo, até a fase adulta, toda a questão das drogas e do sexo, quando seu filho é seu amigo é mais fácil você saber o que ele está passando. Resolva os problemas na forma amigável, assim seu filho terá a liberdade de sentar e conversar com você sobre qualquer assunto”. Deixando um pouco de lado os pais. E as crianças? Será que elas mudaram? Silvia Maria Leutz, de 48 anos, formada em Pedagogia e atualmente professora de Educação Infantil, conta que a
criança dos anos 2000 é muito diferente da criança do ano de 2020, tanto no comportamento, quanto na área intelectual. Em sua época como estudante, havia a palmatória, objeto circular de madeira com cinco orifícios, utilizada para bater na palma da mão da criança como forma de castigo. Questionada sobre o quão prejudicial foi essa fase para crianças e jovens, Silvia afirma: “Isso fica no nosso subconsciente. Então, quando a criança vira adulta, pode trazer problemas futuros no desenvolvimento profissional. Porque ela pode se considerar um energúmeno, uma pessoa burra”. Hoje em dia, a maioria dos pais trabalham, então eles não fazem parte do dia a dia dos filhos de maneira integral. Ou seja, o professor, além de ensinar, também fará parte da educação dessa criança. “Eu vejo um pouquinho da nossa educação, não diretamente na família, mas com ensinamentos que eles podem levar para a vida. É ensinar para a vida”
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A tecnologia transformou o modo como consumimos música. Enquanto uns seguem a onda saudosista, outros se aventuram em formatos que não param de evoluir TEXTO: bárbara silva, giulia arduin, larissa barbosa FOTO: giulia arduin DIAGRAMAÇÃO: bárbara silva e larissa barbosa
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ocê está na sala de casa, de frente para a prateleira de vinis, buscando aquele álbum da Rita Lee. Então, abre a vitrola. Passa as mãos pela capa, lê a lista de faixas e retira o disco de dentro, limpando-o bem, e o insere na vitrola. Então, posiciona a agulha, e começa a ouvir aqueles primeiros sons das ranhuras, até a melodia preencher o ambiente como em show ao vivo, mas dentro de casa. Esse é um ritual que donos de vitrolas apreciaram desde os anos 1940 até a chegada dos MP3s, CDs e as plataformas de streaming. Os discos de vinil, artigos que já eram caros, se tornaram artigos de colecionador. Mas, apesar da facilidade dos meios mais modernos de consumo de música, como o streaming, que vai acompanhando o ouvinte durante o dia corrido, os vinis são aqueles que o recebem em casa e desaceleram o mundo à volta, transpor-
tando-o de volta para o passado, como numa viagem do tempo. Os vinis possuem certa verossimilhança com as jóias preciosas: ainda que uma pedra nobre como um diamante tenha precisado de anos para se desenvolver, hoje convive pacificamente com a prata ou ouro mais novos. Ainda, essa joia mais nova fica na beirada do gosto das gerações: o mesmo anel com um belo diamante pode ser usado misturado com outras bijuterias, em um mix de anos e gostos. A música vive esse mesmo conflito: ainda que tenha se modernizado, sempre é possível encontrar aqueles que se mantêm fiéis às tradições. Jovens abraçam o vintage, e as gerações mais antigas vão se reconhecendo em meio à tecnologia, que tanto fascina. E é claro que a música entraria neste balaio: afinal, quem não ama ouvir uma canção boa para embalar seu dia?
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DESCOBRIDOR DOS SETE MARES
Mais de 20 anos afastado da cena santista, Pepinho reabriu a loja, agora como Iron First Rock Wear, e encontrou um novo mercado de discos de vinil (Foto: Giulia Arduin)
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Um dos jovens que está nessa contramão do consumo digital é João Pedro Rodriguez, de 22 anos. O estudante conta que o gosto pelos discos de vinil começou ainda na infância, observando seu pai, sempre interessado em conhecer mais sobre os cantores, as bandas, apesar da coleção ainda tímida de LP’s caprichosamente arrumados na área mais nobre da sala de estar. Foi quando adquiriram um disco juntos, após um show em 2019, que a relação com esse modo de consumo se estreitou. Desde então, pai e filho ficam ‘à caça’ de novos exemplares, e aumentam a coleção: se antes eram apenas 6 discos, hoje já somam mais de 70 álbuns, que variam desde clássicos do rock como David Bowie, até de bandas alternativas atuais, como a The Last Shadow Puppets. Para João Pedro, uma parte do prazer trazido pelas vitrolas reside justamente na procura por novos discos. “É um mercado que precisa de muita garimpagem, né? Não pode comprar nada por impulso. Mas eu acho que é divertido também ficar esperando, ficar filtrando aquilo que você quer, o que vale a pena e o que não está tão bom”, diz o jovem. E para os ouvintes desse tipo de mídia, não é só o fator nostalgia que pesa na escolha: existe toda uma experiência envolvida no ato de ouvir um disco. Desde o sentir a capa (muito maior do que em CDs tradicionais, e também nas minúsculas telas de smartphones), observar a lista de faixas
e colocar o sensível objeto para rodar no toca-discos. Pense mais como uma rotina de apreciação do som, que requer toda sua atenção, e não como uma relação robótica de apenas pular o play quando aquela playlist aleatória criada pelo streaming não te agrada. ESSE TAL DE ROQUE ENROW Quem também não segue a moda dos streamings é Alexandre Serrano Macia, mais conhecido como Pepinho, dono de uma loja de discos no coração do Gonzaga, em Santos. Filho de Pepe, o Canhão da Vila, ele foi, a princípio, na contramão do resto da família quando seguiu o caminho do rock e ajudou a construir a cultura roqueira da Baixada Santista. O amor pela música une os clientes da loja, que fazem da Iron Fist Rock Wear um ponto de encontro. Todo final de semana, o pessoal se reúne no estabelecimento para falar de bandas, álbuns, artistas, o passado e o presente de tudo o que envolve o Rock N’ Roll e o Heavy Metal. Depois de mais de 20 anos distante do mundo da música, ele voltou para os braços do rock em 2018, quando abriu a Iron Fist Rock Wear, na ga-
leria Ipiranga, no coração do Gonzaga, em Santos, A loja hoje trabalha com discos de vinil, camisetas, CDs, pôsteres e acessórios variados com a temática Heavy Metal. É uma nova época, novas gerações, e um mercado totalmente diferente voltado para discos de vinil. Diferentemente da época do fechamento de sua primeira loja, a Metal Rock, em que os discos de vinil estavam em baixa, Pepinho conta que a procura vem crescendo, principalmente entre os consumidores jovens. “Sempre tivemos pouco vinil, e agora estamos aumentando a oferta. Há uma procura ascendente, e uma coisa interessante é que o vinil está atraindo um público mais jovem que vem procurar, apesar da faixa etária que mais consome ainda ser superior.” Entre o público da Iron Fist Rock Wear, loja especializada em artigos de rock e metal, Pepinho aponta que 97% a 98% do público em geral que compra CDs na loja são homens. A porcentagem fica equilibrada na venda de camisetas, mas ainda assim, as mulheres também aparecem por lá buscando discos de vinil. Pepinho conta que a dificul-
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É um mercado que precisa de muita garimpagem. Eu acho que é divertido também, ficar esperando, ficar filtrando aquilo que você quer. João Pedro Rodriguez Estudante
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dade na coleção de discos de vinil é o preço. “Primeiro que não sai praticamente nada nacional. Os usados são totalmente fora de catálogo, e aí o preço vai lá em cima. Mas o cara que é apaixonado compra LP’s, não tem jeito”. Talvez por essa dificuldade, os streamings ainda sejam uma preferência entre o público geral. Uma pesquisa da Opinion Box, publicada em 2019, mostra que 86% da população ouve música pelo celular. O número de pessoas que ouvem por meios mais antigos, como rádio, é de apenas 43%. O TEMPO NÃO PARA Para o guitarrista João Fera, de 55 anos, o lado positivo do streaming é a capacidade de alcance. “É legal para divulgar o seu trabalho. Tenho banda, toco, tenho uma visão de músico. Então o cara de Manaus, que jamais iria conhecer minha banda, vai escutar”, diz o músico. Mas o dono da loja Sound of Fish, especializada em CDs e LPs também no Gonzaga, não abre mão de suas relíquias. Ele começou a colecionar e hoje 2 mil discos fazem parte de seu acervo pessoal e 2.500 estão à venda.
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João Pedro tem um espaço reservado para sua coleção, de forma semelhante à como as casas brasileiras tratavam suas vitrolas nos anos 80 (Foto: Acervo pessoal)
Para ele, há uma grande diferença sonora entre o streaming, o CD e o vinil, tal como a experiência de apreciação para o ouvinte. “Você escuta a música, mas você não sente a música. A grande vantagem do vinil, no meu ponto de vista – e muita gente acha isso – é que parece que a banda tá tocando no teu quarto. O vinil tem um groove, um grave, que o CD não tem. É uma coisa de quem toca, o sistema analógico, o sistema é mais pesado, mais vivo. Ele é mais orgânico. Ele te envolve”, explica.
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Parece que a banda tá tocando no teu quarto.
João Fera Músico e vendedor
PORQUE EU SEI QUE É AMOR...
Luiz Alberto aderiu ao Spotify por causa dos filhos. (Foto: Larissa Barbosa)
Foi aos 16 anos, dando as primeiras voltas de carro pelo bairro que Luiz Alberto Barbosa conheceu a mágica das fitas K-7. Na época, ele teve uma experiência que descreve como “incrível”: quando entrou no Maverick de um amigo, que tinha um toca-fitas. “Fiquei fascinado. Parecia uma discoteca. Aquelas lâmpadas azulzinhas, pareciam um enfeite. Não era só o som, era visual também”. Três anos depois, ele comprou seu próprio toca-fitas, onde ouvia Pink Floyd e outras bandas para apreciar o som dentro do carro a caminho de buscar a namorada. Ele guarda a coleção de 40 fitas até hoje, e a namorada se tornou esposa. O autônomo, hoje com 55 anos, passou por várias gerações de estilos e meios musicais. Luiz chegou a montar uma coleção com mais de 100 títulos, e mesmo sempre estando atualizado das novidades, se recusa a desfazer dela. Com o nascimento e crescimento dos filhos, Luiz sentiu a influência e a necessidade de estar por dentro das novas tecnologias. Nessa busca por se manter atualizado, ele aderiu ao mais atual meio de consumo de música: os aplicativos de streaming. Por eles, faz uma seleção de músicas ainda mais refinada que a dos CDs, e pode ouvir em qualquer lugar - inclusive no carro, onde tudo começou. “E o que vier pela frente, eu estou dentro [...] Só é uma pena eu não poder viver mais cem anos para ver o que vai acontecer”
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TEXTO: REINALDO DE LARA E GABRIEL BACCI FOTO: ENZO BARONE E REINALDO DE LARA DIAGRAMAÇÃO: GABRIEL BACCI
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homossexualidade não é uma novidade para a história humana, pois foi louvada e condenada por diversas culturas e religiões. O Império Romano, por exemplo, tratava com naturalidade a relação homossexual. O imperador Nero foi o primeiro a se casar com outro homem, e Adriano chegou ao ponto de nomear uma cidade em homenagem a um amante falecido: Antinópolis. Após a Idade Média, com a dominação intensa da Igreja Católica, as expressões de amor homossexual tornaram-se tabus e suas práticas foram proibidas, sendo tratadas com punições severas como a morte. A partir do século XX, com as revoluções culturais e com o surgimento de movimentos como o GLS (Gays, Lésbicas e Simpatizantes) e posteriormente LGBTQIA+, o ativismo se popularizou e começou a entrar cada vez mais na pauta pública, tanto no mundo como no Brasil.
STEVE JENNINGS / GETTY IMAGES
Uma das pessoas que viu esse movimento florescendo no Brasil foi Platão Capurro Filho, homem cis gay, que nos anos 1970, aos 17 anos, mudou-se para o Rio de Janeiro, palco de ícones LGBTs, como Madame Satã, Cazuza e Renato Russo. Foi quando o jovem se encontrou com seu “povo” e logo entrou de cabeça na luta, conhecendo outros homossexuais, lésbicas e transexuais, distanciando-se do ambiente que deixou para trás em Goiânia, sua cidade natal, onde cresceu em uma família conservadora, filho de militar e mãe católica fervorosa. “Conheci um homem que me levou para encontros GLS. Daí em diante comecei a minha vida política e tomei pra mim que essa seria a minha luta.”, relembra Platão. VISIBILIDADE Com o passar do tempo, acompanhou o surgimento da Aids nos anos 1980 e teve a oportunidade de ver no Rock in Rio o show de dois ícones do movi-
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Freddie Mercury, lider do Queen, bissexual, inspirou uma geração.
mento, Cazuza e Freddie Mercury. Hoje, com 57 anos, Platão é diretor teatral e produtor em São Vicente, mas suas ideias da juventude permanecem. No seu julgamento, as coisas melhoraram bastante ao longo dos anos, mas apenas até um certo ponto. “Minha luta nunca foi pra poder andar abraçado com meu namorado pela rua. Essas coisas, pra mim, são para copiar uma relação heteronormativa. Algumas pessoas estão confortáveis demais. O caminho mais fácil não é eterno e os direitos uma hora podem ir por água abaixo”.
Era época da ditadura militar, tudo era bem reprimido e perseguido Platão Capurro Filho Diretor e Produtor
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JOSEPH AMBROSINI / WIKIMEDIA COMMONS
Rebelião de Stonewall Inn. Série de manifestações de membros da comunidade LGBT contra uma invasão da polícia de Nova York, 1969
Para ele, a visibilidade exponencial de gays, lésbicas, transexuais e drags na mídia pode ser interpretada como uma noção de falsa segurança. Críticas vindas de setores mais conservadores dizem que a liberdade das novas gerações se tornou libertinagem. Isso também sai da boca de Roney Ferreira, homossexual de 31 anos, estudante de Direito, que se opõe ao movimento. “Atualmente, é tudo muito chato, esse politicamente correto está destruindo a sociedade e os coletivos causam mais segregação do que união e respeito”, afirma Roney. Ele diz que nunca se sentiu representado, usando como justificativa que esses movimentos se limitaram às grandes cidades. “Nunca vi essa gente chegando em cidades do interior, como aqui em Itariri, onde moro”. Apesar da discordância, ele respeita quem lutou por direitos básicos no passado. “São os gays e lésbicas do passado que realmente con-
quistaram direitos e respeito. O coletivismo atual deturpa a nossa imagem, querendo que o público LGBT seja não só aceito, mas engolido pela sociedade”, explica. Já Ingrid Oliveira, mulher cis bissexual, de 20 anos, que reside em São Vicente, sente que existe a normalização da homossexualidade e que isso está proporcionando uma situação mais confortável para aqueles que não se enquadram nos padrões tradicionais de distinção sexual. “Sinto que atualmente as pessoas estão parando de tentar esconder sua sexualidade”, declara Ingrid, embora ainda ache que é preciso tomar cuidado, pois muitas pessoas não deixaram de ser preconceituosas, apenas estão camuflando seu pensamento. CORAGEM DE LUTAR Sobre os homossexuais do passado, Ingrid manifesta sua admiração por todos que tiveram a coragem de lutar para assumir o que eram. “Quando
É a grande mídia que publica matérias sobre ‘homens aderindo ao uso de saias’. Quem vê isso no dia a dia? Ninguém!
Roney Ferreira Estudante de Direito
me descobri, o assunto já era debatido com mais frequência e naturalidade e isso possibilitou que eu me aceitasse na comunidade LGBTQIA+”, enfatiza Ingrid, mostrando-se otimista quanto ao futuro.
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REPRODUÇÃO
A LENTA CAMINHADA TRANSEXUAL
NO MERCADO DE TRABALHO De Madame Satã, transformista carioca conhecido por desfilar no Carnaval nos anos 1930, até Linn da Quebrada, cantora trans e sucesso musical da atualidade, a presença das transexuais sempre fez parte do imaginário brasileiro. Mas é fora do cenário artístico que estão as histórias mais sórdidas no dia a dia. No mercado de trabalho, a transfobia se faz presente. Dados da Trans Murder Monitoring, um observatório de assuntos trans, mostram que o Brasil é o país mais nocivo a pessoas transexuais no mundo, com a estimativa de que a vida das trans chegaria aos 27,7 anos. Outros números também são alarmantes, como os que estimam que 90% da população trans no Brasil tem a prostituição como fonte de renda.
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Imagina se eu fosse trans uns anos atrás? Já é difícil pra mim hoje.
Fernanda (nome fictício) Atendente
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O FETICHE As estatísticas refletem que o histórico da transexualidade ainda é relacionado com a hipersexualização e fetichização, pois não por acaso é a categoria mais buscada em sites pornográficos do país, líder do ranking de consumo de pornô transexual no planeta. Fernanda (nome fictício), mulher trans bissexual de 16 anos, trabalha como atendente em uma pizzaria em Cubatão, o que já a torna uma exceção. A transexualidade para ela foi um pouco mais tranquila, pois logo teve a noção de que era uma mulher, embora tenha levado algum tempo para entender questões como a transição e a disforia de gênero. Fernanda também relata ter vários currículos ignorados ou recusados por conta de sua sexualidade. “Alguns tentam disfarçar, alegando que a recusa não era por eu ser trans, mas vários amigos e amigas transgênero enfrentam o mesmo problema na hora de procurar emprego.” Para mulheres trans, como Luna Kim, de 29 anos, atualmente trabalhando com telemarketing, essa resistência não foi tão evidente. Luana garante que a androginia, em um primeiro momento, e a transexualidade posteriormente, não atrapalharam sua vida profissional. O fato de ter uma família liberal contribuiu para que soubesse enfrentar com coragem as dificuldades no mercado de trabalho. “No processo seletivo, me apresentei andrógina e usando meu nome de batismo. Hoje, todos na empresa me chamam pelo meu nome social e fico muito feliz por isso”, comemora
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João Francisco dos Santos, transformista brasileiro, conhecido como Madame Satã. Personagem da vida noturna da Lapa carioca na primeira metade do século XX
A intensa relação amorosa entre o imperador romano Adriano (à esquerda) e seu jovem amante, Antinoo (à direita), resultou na fundação de Antinópolis, que recebeu esse nome em sua homenagem, onde o jovem se afogou, próximo ao rio Nilo.
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NA PALMA DA MÃO COMO DIFERENTES GERAÇÕES ASSIMILAM O AVANÇO TECNOLÓGICO E SE RELACIONAM EM UMA SOCIEDADE HIPERCONECTADA TEXTO: STEPHANIE LIA, GUILHERME COUTINHO, CAIO DAVI E BRUNO KATO FOTO: REPRODUÇÃO DIAGRAMAÇÃO: BÁRBARA PITTA
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e ouvir novelas radiofônicas todos juntos na sala, até ter a vida resolvida num simples clique foi um salto impressionante, vivido e acompanhado por gerações que coexistem hoje no planeta. Remanescentes da geração radiofônica se esforçaram para conseguir aderir e se inserirem, enfim, na sociedade conectada, disputando espaço e confrontando ideias com a novíssima geração, nascida já nos domínios da internet.
2002
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NANOFOBIA
As gerações Z, pessoas nascidas entre a segunda metade dos anos 1990 até o início do ano 2010, e Alpha, que começa no início de 2010 indo até o meio de 2025, têm dificuldade em se imaginarem sem a facilidade de resolver tudo em qualquer lugar com um único aparelho. E os atrativos proporcionados pela tecnologia estão cada vez mais quebrando barreiras, pois eles auxiliam na vida de uma pessoa desde o momento de despertar até os últimos minutos do dia. Se antes era difícil para sua mãe lhe enviar um simples e-mail, hoje é comum a troca de mensagens textuais e através de emojis. O “no meu tempo é que era bom” começa a dar espaço para o “Ok, Google”. Por outro lado, ainda existem aqueles mais resistentes, que não se adaptam às novas tecnologias, portanto optam por não usá-las. A tecnologia para alguns ajudou a diminuir distâncias. Por exemplo, durante a pandemia as chamadas de vídeos foram uma ótima opção para matar a saudade, conversar, trabalhar e até mesmo comemorar aniversários.
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Pra mim, usar o celular é muito importante, posso conversar e me divertir nas noites de insônia”
A TECNOLOGIA NA TERCEIRA IDADE
São considerados idosos pessoas com mais de 60 anos ou cerca de 13% dos brasileiros. No mundo essa população deve chegar a 1,4 bilhão em 2030, de acordo com a ONU. O número de idosos conectados também cresce. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2008 apenas 5,7% desse público estava familiarizado com a conexão digital. Em 2013, o número aumentou para 12,6%. Já segundo a pesquisa realizada pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas -CND, em 2018 o número cresceu para 67% e atualmente 97% dos idosos estão conectados com a internet por meio de smartsphones e computadores. Outra pesquisa, realizada em 2015 pela AVG Technologies, entrevistou adultos com mais de 50 anos sobre o uso de celular. Do total, 86% disseram que é o dispositivo mais usado e 78% deles possuem um smartphone; 76% usam o Facebook e somente 9% não utilizam nenhum serviço de comunicação. Com o passar dos anos, as conexões vêm se tornando cada vez mais virtuais e também gerando praticidade
em manter o contato com amigos e familiares, ou diminuir as distâncias. Portanto, a inclusão digital é apenas uma consequência desta evolução. Segundo uma pesquisa do Pew Research Center, entidade norte-americana, 50% dos idosos que utilizam a Internet puderam melhorar o contato familiar e social, ter uma melhor interação com o comércio e até mesmo estudar ou se informar através de notícias. Outra grande vantagem na retomada do aprendizado é a atualização cultural e o aumento da sua autoestima. A tecnologia também traz benefícios cognitivos, já que o aprendizado novo estimula o cérebro, afastando os riscos de demência ou doença de Alzheimer. Segundo um estudo da Clínica Mayo, dos Estados Unidos, que acompanhou 1.929 pessoas com mais de 70 anos durante quatro anos, utilizar o computador ao menos uma vez por semana reduz em 42% a probabilidade de o idoso ter problemas de memória e raciocínio. Em comparação, ler revistas reduz em 30%, enquanto trabalhos manuais, como tricô e crochê, em 16%.
Maria Ides Aposentada
Freepik
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NECESSIDADE OU VÍCIO? É inevitável utilizar alguma tecnologia no dia a dia, pois o século 21 trouxe modernidades que podem tornar as coisas mais dinâmicas. A dona de casa Maria Ides pôde acompanhar os avanços ao longo dos anos e afirmar: “Não sei mexer em tudo, sempre preciso de alguma ajudinha, mas com certeza minha vida se tornou mais prática”. Além das praticidades dos eletrodomésticos, como panelas elétricas e micro-ondas, a televisão e os smartphones servem como entretenimento para os mais velhos. Dona Ides também é adepta de algumas redes sociais. A idosa afirma que os vídeos no facebook têm se tornado seu passatempo preferido: “Gosto muito de poder acompanhar meus parentes, e me informar com as notícias dos famosos e de ver vídeos sobre a cultura oriental na rede social”.
Maria Ides. (Foto: Acervo Pessoal)
CONVERSAS, SÓ PESSOALMENTE! Márcia Alexandre é uma dona de casa de 56 anos de idade, que não possui celular ou smartphone há pelo menos três. O que para muitas pessoas poderia ser considerado um pesadelo, para ela se tornou algo comum. Em um mundo cada vez mais conectado, encontrar alguém que pense assim já se tornou algo inusitado. Márcia conta que realiza as tarefas de casa diariamente, e que não estar ‘conectada’ pode ser até uma vantagem. “Hoje tem muita gente que passa o dia inteiro no celular e não faz mais nada. Para mim, é até melhor não ter, não sinto falta nenhuma, assim consigo fazer minhas coisas de casa e cuidar de tudo sem muitas distrações”, relata. Nas horas vagas, mesmo com um notebook disponível com acesso à internet na sala de casa, Márcia prefere continuar acompanhando seus programas favoritos na boa e velha televisão.
Márcia Alexandre. (Foto: Acervo Pessoal)
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Antes, as crianças já eram dependentes da tecnologia. Há 20 anos eram da geração do vídeogame e hoje são celular” Renata Mendonça Conselheira Tutelar
É um fato que celulares e tablets estão inseridos cada vez mais cedo na vida da criança, muitas vezes pais ou irmãos dão os dispositivos aos pequenos buscando distrai-los. “Acho válido, minha irmãzinha de 2 anos fica quieta enquanto consigo fazer minhas coisas”, afirma a estudante Isabella Cavalcanti, 18 anos. Por outro lado, ter a tecnologia como aliada no ensino pode trazer benefícios, já que o aprendizado se torna mais interativo e dinâmico. Durante a pandemia, a tec-
Indicador inédito sobre uso da Internet durante a pandemia integra a TIC Domicílios 2020 (Edição COVID-19 - Metodologia Adaptada), lançada em 18 de agosto de 2021. O Brasil tem 152 milhões de usuários de Internet, o que corresponde a 81% da população do país com 10 anos ou mais. A estimativa é da pesquisa TIC Domicílios 2020 (Edição COVID-19 - Metodologia Adaptada), promovida pelo Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGI.br) e lançada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br).
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INFÂNCIA ONLINE
nologia diminuiu distâncias, matou saudades, nos ajudou a estudar e a trabalhar, mas não substituiu o contato humano. “O homem é um ser social porque é um animal que precisa dos outros membros da espécie”, já afirmava o filosofo Aristóteles em 380a.C
INTELIGÊNCIA VIRTUAL NA INFÂNCIA A pedagoga Juliana do Carmo, da Escola Verde, 24, considera que o uso da tecnologia no desenvolvimento infantil deve ser de maneira equilibrada: “Não vejo como algo negativo desde que usado de maneira correta e nos momentos certos”. Ela diz que existem diversas alternativas tecnológicas que nos ajudam muito para o aprendizado infantil. “Em muitos momentos se mostra muito benéfico seu uso e as crianças amam formas novas de aprender”. Juliana diz que alguns jogos contribuem para o desenvolvimento intelectual das crianças. Na sua opinião, o uso em excesso da tecnologia pode causar prejuízos e a supervisão dos pais ou responsáveis é essencial. “O exagero pode causar diversos problemas no convívio social,
atrapalhando vínculos afetivos, cognitivos e sociais, porque às vezes elas acabam substituindo as relações reais por virtuais, fazendo com que se isolem”. Sobre a importância da supervisão dos pais, a pedagoga entende que é fundamental, porque as crianças estão descobrindo o que é certo e errado. “Determinados jogos podem trazer assuntos impróprios, podendo fazer com que elas cometam atos violentos e bullying, pois a criança é uma mente em desenvolvimento ainda”, diz. Para a pedagoga, muitos pais acabam perdendo o controle do tempo dedicado às redes sociais e jogos pelos filhos: “Em diversos momentos, é possível que a criança passe a ter dificuldade para se concentrar ou mesmo conviver com outras pessoas, sem o celular”.
Pedagoga Juliana do Carmo. (Foto: Acervo Pessoal)
SALVAÇÃO OU DESTRUIÇÃO? Século após século a sociedade renova suas tecnologias, trazendo aspectos positivos e negativos, assim como a maioria das novidades do mundo. O público que costuma sentir mais essa influência são as crianças, que são mais suscetíveis, muitas vezes por não possuírem capacidade intelectual suficiente para formar sua própria opinião, por isso é recomendável que o uso de aparelhos celulares seja mais restrito. Segundo a psicóloga Chrystina Kato, formada pela Universidade Católica de Santos, prejuízos no desenvolvimento da coordenação motora, declínio no desenvolvimento social e piora na atenção e na empatia, são alguns prejuízos que podem surgir pelo uso indevido dos celulares na infância. Ainda de acordo com a psicóloga, é ne-
cessário combinar lugar e tempo que o eletrônico pode ser usado, procurando sempre restringir sua utilização durante as refeições, o que contribui no desenvolvimento social da criança e mais facilidade para que ele interaja com outras pessoas. A tecnologia também possui seus pontos positivos. O celular na infância pode auxiliar positivamente a desenvolver habilidades como tomada de decisões e resolução de problemas. Além disso, a internet é cheia de tutoriais que, se bem guiados podem ser utilizados como ferramenta de educação para as crianças. Assim como tudo na vida, existem os prós e os contras, e quando tratamos de crianças, é importante colocar tudo na balança, uma vez que no futuro elas serão o reflexo da nossa sociedade.
Psicóloga Chrystina Kato. (Foto: Acervo Pessoal)
A REDE DE MENTIRAS A INTERNET REVOLUCIONOU A FORMA DE INTERAGIR, MAS, DEFINITIVAMENTE, POTENCIALIZOU A FORÇA DOS DISSEMINADORES DE MENTIRAS. TEXTO: EVELYN NAYARA E GABRIEL FOMM ILUSTRAÇÃO: LETÍCIA LINARDI DIAGRAMAÇÃO: EVELYN NAYARA E GABRIEL FOMM
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momento em que a mentira tornou-se parte do comportamento humano ainda é desconhecido. Segundo estudiosos, a probabilidade é que tenha sido após o desenvolvimento do neocórtex, região do cérebro humano que desempenha funções de percepção sensorial, comando motor, consciência e linguagem. E não há quem fique ileso. Em algum momento da vida, a inverdade será utilizada sob o propósito de defesa pessoal ou ataque. Entretanto, as consequências das mentiras têm preocupado cada vez mais devido ao avanço tecnológico e especialmente a partir do advento da internet, que permitiu a propagação de notícias falsas de forma muito rápida e com abrangência global. Com função social no campo individual, coletivo e políti-
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co, a mentira é capaz de causar transtornos irreversíveis. Dois infelizes desfechos em um intervalo de apenas seis anos comprovam o poder destrutivo da disseminação das hoje chamadas fake news. Em 2014, uma moradora de Guarujá foi linchada após ser confundida com uma suposta sequestradora de crianças para rituais de magia negra, devido a uma publicação falsa no Facebook. Já em 2020, o presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, descredibiliza a pandemia do novo coronavírus e contribui para a morte precoce de milhares de apoiadores. Entre uma declaração pública e outra, Bolsonaro não poupou desinformações. Ele afirmou que o novo coronavírus não passava de uma gripezinha; estimulou, massivamente, o uso da hidroxicloroquina para o tratamento da doença (mesmo sem comprovação científica); e ainda questiona
a eficácia da vacina. De acordo com o antropólogo Darrell Champlin, o contexto em que uma mentira é aplicada pode evidenciar os interesses mais sombrios de seus disseminadores. “A internet é como um martelo. Você pode usar a ferramenta para matar a sua mãe em um domingo, porque ela fez a mistura errada ou para construir uma casa. Seu uso depende exclusivamente da sua finalidade”, explica. Por isso, é extremamente importante que os internautas tenham ciência da responsabilidade que carregam ao curtir, comentar e compartilhar quaisquer conteúdos. Em 2020, o laboratório de segurança digital da PSafe realizou uma pesquisa junto aos usuários brasileiros de seu aplicativo denominado ‘dfndr security‘, para identificar seus hábitos de consumo em relação às notícias falsas. O levantamento obteve 70.333 respostas e as projeções foram feitas com base na atual população de 131,1 milhões de pessoas que usam Android no país. Deste quantitativo, 55% afirmaram já ter compartilhado uma notícia falsa sem saber. No entanto, 80% disseram checar
se a informação recebida é verdadeira. E as redes sociais mais apontadas como ‘berço’ das inverdades encontradas foram o WhatsApp e o Facebook, com aproximadamente 40% cada. INTERESSES POLÍTICOS O termo fake news, em português, ‘notícias falsas’, tomou proporção mundial durante a corrida presidencial dos Estados Unidos, em 2016. À época, eleitores de Donald Trump compartilharam, em grande quantidade, conteúdos falsos sobre a candidata Hillary Clinton. Atualmente, a propagação de notícias falsas na internet pode até parecer consequência exclusiva do analfabetismo digital. Mas a realidade é que há forças muito maiores por trás delas. Desde agosto deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) está investigando o presidente da República pela suspeita de disparos de fake news eleitorais. O órgão identificou que a estratégia adotada por Bolsonaro é semelhante a de milícias digitais. As milícias digitais são organizações criminosas que produzem notícias falsas de forma industrial. Na prática, as desinformações são construídas a partir da coleta de dados dos internautas para traçar um perfil comportamental e, consequen-
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temente, atingir os objetivos de seus articuladores. O processo envolve dinheiro, bots e uma opinião pública forjada. As táticas ilegais de alguns governantes do século XXI para se manter no poder são práticas antigas, apesar da evolução dos meios de divulgação da mensagem. O nazista Adolf Hitler, que atuou na Alemanha entre 1933 e 1945, foi um exemplo sombrio disso. “Era um processo de cara dura mesmo. Quando havia evidências em favor das pessoas que eram perseguidas injustamente, as autoridades, para se manter no comando, deturparam a história. Mas é muito difícil colocar o dedo na ferida com precisão, porque os registros históricos eram manipulados”, enfatiza Champlin. HITLER E PROPAGANDA Quando usada para controlar mentes, a mentira se torna uma perigosa aliada de interesses pessoais, políticos, religiosos, entre outros. Partindo deste princípio, é possível adotá-la como arma para conduzir diversos povos - a forma como Hitler discursava para se manter em ascensão e invadir a Polônia comprova.
Assim, os regimes totalitários se constituíram e ganharam o apoio da população, que se embasava em mentiras manipuladas pelas propagandas. A ‘Grande Mentira’ foi a arma de Hitler para iniciar o pensamento contra o judaísmo e dar o pontapé que originou o Holocausto. Seu conceito se baseia em uma fala tão séria e polêmica, que ninguém jamais se atreveria a repetir. Essa artimanha possibilitou que, somada à forte propaganda de seus ideais, assassinatos em massa fossem praticados contra minorias e rivais políticos. A mídia foi fator essencial para a disseminação dos posicionamentos do nazista, que discursava com linguagem simples para alcançar o máximo de pessoas que apoiassem as suas ações. Para Darrell, é inegável que a indústria - independente do período - sempre se aproveitou da mentira. ”Quando começaram a aparecer os primeiros tônicos e a bebida da coca-cola foi criada, pregava-se que o líquido curava tudo, e isso muito antes da publicidade na forma como temos hoje”, pontua. Disfarçado de patriotismo,
Adolf Hitler, líder do movimento nazista, criou conceitos de propaganda utilizada até hoje para a disseminação de notícias
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uma nova política e a força do povo alemão, Hitler alienou um país com mentiras e distorções da realidade, já que a Alemanha vinha de uma época vulnerável pós-guerra, quando se questionava a democracia e a Alemanha enfrentava sua pior crise econômica até então. O termo ‘A Grande Mentira’ se tornou pauta novamente nas eleições de Donald Trump contra Joe Biden em 2020, quando o republicano acusou o sistema eleitoral de fraude e recusou a própria derrota diversas vezes. QUEIMEM AS BRUXAS Antes do poder político se apossar das mentiras com fins geopolíticos, outra instituição se aproveitou da fé cega de milhares de pessoas para reafirmar sua força e influência. A Igreja Católica condenou aproximadamente 50 mil pessoas à morte, durante a reforma protestante que ocorreu entre 1500 e 1700.
O pretexto era tornar mulheres curandeiras culpadas pela crise que se alastrava e pela chegada da fome. Essas histórias ganharam força após semanas de torturas, em que as vítimas admitiam o crime para finalmente se livrar do sofrimento que lhes faziam passar. Além de espalhar misoginia por toda a Europa, a Inquisição perseguiu mulheres envelhecidas e pessoas com deficiências, com características consideradas anormais, que eram considerados sinais de bruxaria. ACESSO À INFORMAÇÃO De sinais de fumaça a aparelhos celulares, a comunicação sempre foi a ponte para o acesso ao conhecimento. E com o passar do tempo, a humanidade foi aprimorando sua capacidade de dialogar por meio de ferramentas como a escrita, o telégrafo, o jornal, o rádio, o telefone, o computador, entre outros. Assim, a comunicação que antes demandava dias, semanas e até meses para se concretizar, tornou-se instantânea. Antigamente, se utilizavam cartas para conversas, que muitas vezes eram até extraviadas. E a informação era limitada, porque a Igreja determinava os livros que podiam ou não ser lidos. Entretanto, se anteriormente o acesso à informação era escasso, por qual motivo em pleno século XXI as gerações se deixam manipular? A internet revolucionou a forma de interagir, mas, definitivamente, potencializou a força dos disseminadores de mentiras
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Na época da inquisição, mulheres julgadas como feias eram sinônimo de bruxaria
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BIANCA DIONÍSIO
ALUNA DE ENGENHARIA DE COMPUTAÇÃO Estagiária na área de Aplicações de Tecnologia da Informação da Siemens
CURSOS PRESENCIAIS Administração Arquitetura e Urbanismo Biomedicina Ciências Biológicas - Biologia Marinha (Bacharelado) Ciências Biológicas - Biologia Marinha (Licenciatura) Ciências Contábeis Direito Educação Física (Bacharelado) Educação Física (Licenciatura)
Engenharia Civil Engenharia de Computação Engenharia de Controle e Automação Engenharia de Produção Engenharia Elétrica Engenharia Eletrônica Engenharia Mecânica Engenharia Química Farmácia Fisioterapia Jornalismo Nutrição Odontologia Pedagogia Psicologia Publicidade e Propaganda Sistemas de Informação - Tecnologia da Informação
VICTOR SANTANA
ALUNO DE EDUCAÇÃO FÍSICA 1º lugar em Concurso Público para professor
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TECNÓLOGOS
O VAI E VEM DA MODA GERACIONAL
O VESTUÁRIO COMO FORMA DE EXPRESSÃO E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL TEXTO: YASMIN BRAGA FOTO: ISABELA MARANGONI E LUDMILA ANDRADE DIAGRAMAÇÃO: NARRIMAN SORBILLE
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s roupas existem desde os primórdios da humanidade, quando o homem pré-histórico se vestia para aquecer-se do frio extremo ou mesmo proteger-se de animais perigosos. Roupa era um acessório funcional, um item de sobrevivência, sem qualquer relação com estética ou com o senso de vaidade. Na realidade, demorou alguns milhares de anos para que se tornasse forma de expressão. Foi a partir de 1858, com a abertura do primeiro ateliê com peças de luxo em Paris, criado pelo artesão Charles Frederick Worth, que os grandes estilistas transformaram simples vestimentas em uma nova nomenclatura. Tudo por uma questão de necessidade e adaptação de uma sociedade consumista da época. Esse foi o pontapé inicial para o surgimento dos famosos desfiles e um sonho em comum: o de vender alta costura. Mas se engana quem pensa que a moda está relacionada
apenas ao modo de se vestir. As tendências estão intimamente ligadas ao comportamento de uma geração e o que é visto como padrão. Isso explica a explosão de turbantes com a chegada da família real portuguesa em Salvador, no ano de 1808. Após dias embarcados e muitas tormentas ao longo da viagem, percebeu-se que Carlota Joaquina, esposa de Dom João, e toda sua corte estavam de cabelos raspados. A explicação era muito simples, uma infestação de piolhos em todos os cômodos do navio. Ao desembarcar, a população curiosa não deixou esse fato para trás e logo já se viam todas as senhoras da alta sociedade desfilando carecas. Anos se passaram e diferenças latentes também apareceram na moda. As chamadas “tendências” vão das roupas às maquiagens, dos estilos aos posicionamentos políticos e manifestos sociais. Cada década ficou marcada com uma tendência diferente.
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O que podemos dizer é que muitas coisas dentro da moda, por exemplo, nem mudaram de uma geração para outra. Elas se adaptaram. As mudanças estão em estruturas para facilitar um determinado movimento DRIKA LUCENA Artista plástica
Nos anos 1920, a era do jazz, vestidos de seda macios e maquiagens chamativas faziam parte do dia a dia das mulheres. Na década de 1930, em tempos de crise, o material tão utilizado foi substituído por algodão e casimira e o público feminino passou a usar sutiã, cintas e espartilhos. Pulando para os anos 50, a bainha “sereia” das saias ganhou forma e as pernas já não usavam meia-fina, ficando à mostra. E como se esquecer do tempo hippie e das cores vibrantes da década de 1970? Os homens também entraram na moda e esse período ficou marcado pela liberdade em abundância. Um pouco mais próximo dos dias de hoje, também existe a geração “milleniuns” iniciada nos anos 1990. Muito jeans, sapatos plataforma e até bandanas na cabeça dos adolescentes da época. A artista plástica, publicitária e professora universitária Drika Lucena transita entre a história da arte, estética, cultura, tendências em moda e produção artística. Lucena entende bem o significado das adaptações e transformações no vestuário. DO BAZAR AOS BRECHÓS E da mesma maneira que a moda
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pode ser essa metamorfose, transformando-se e modificando tudo a sua volta, ela também tem o poder de ir e voltar quantas vezes achar necessário, seja com referências ou mesmo peças datadas. Afinal, relembrar é viver. “Naturalmente o ser humano é saudosista, busca referências de épocas em que era mais feliz, ou que pelo menos se via dessa forma. Essa coisa de recordações é um dos pontos importantes. A sociedade molda muito a moda e ela acaba vindo e voltando várias vezes”, explica Drika. É o caso da estudante Amanda Sousa, de 26 anos, proprietária do Ditta Brechó, uma apaixonada pelas tendências antigas. Desde muito nova a estudante gostava da autonomia que tinha sobre as peças usadas, podendo cortar, customizar e costurar – diferentemente do que faria com uma roupa comprada em uma loja mais cara. A sustentabilidade também foi um ponto importante para que ela começasse a refletir acerca da criação de uma marca própria. E foi assim, há pelo menos 12 anos, que nasceu o Ditta, brechó de peças CGC. Segundo Amanda, não foi fácil começar, porque na época não
Amanda Sousa é proprietária do Ditta Brechó e sempre gostou das tendências antigas
havia tanta informação quanto agora, mas a internet foi uma divisora de águas. Às vezes uma peça de 20 anos atrás nunca foi usada. E é aí que começamos a refletir sobre a produção desenfreada e importância do consumo consciente ’’, explica a jovem. E não é difícil manter a loja online atualizada, pelo contrário. É preciso tempo e paciência para buscar as melhores peças. A empreendedora diz que “garimpa” em bazares beneficentes. Quanto mais antiga for a peça, melhor. Algumas peças passam por pequenos reparos na máquina de costura da Amanda, mas logo as vestimentas ganham um novo espaço na arara, prontas para serem vendidas. A consciência sobre a origem da peça, que foi cuidada com carinho e afeto, é fundamental. Melhor do que comprar de uma grande fast fashion, cujas roupas podem ter sido produzidas a partir de trabalho escravo, fomentando a exploração’’, afirma Amanda. Se antes havia preconceito e revirada de olhos para as roupas usadas, isso vem mudando nos últimos tempos. Para Drika Lucena, o cenário dos brechós não só se transformou com a mudança de gerações, como vai cair ainda mais no gosto popular após o período de pandemia do coronavírus. “Por vários fatores: razões ambientais são muito importantes, mas você aumentar a vida útil da sua roupa também. As pessoas estão tentando consumir de maneira mais inteligente e o brechó acaba entrando nisso”, explica Drika.
MODA DE INFLUÊNCIA_________ Atualmente, as influenciadoras que explodem na internet ditam o que é sucesso nas redes sociais. Mas no passado, em um período que antecede a internet e todas as mídias digitais, também existiram persona-lidades famosas que marcaram época. Garotaspropaganda, atrizes e modelos de capa de revista, todas ditavam o que seria tendência. Na dé-cada de 1920, com o auxílio do cinema, as vestimentas fo-ram ganhando uma roupagem mais cara, que só pessoas com alto poder aquisitivo pode-riam adquirir. “Por exemplo, Jackie Onassis. Ela usava tanto um modelo de óculos, que hoje o acessório leva o nome dela, porque ela eternizou aquilo. O vestido preto da Audrey Hepburn em ‘Bonequinha de Luxo’ trouxe essa elegância de dizer ‘vou vestir um pretinho básico`”, conta a artista plástica. Ainda com o advento da internet, as influenciadoras se transformaram e viraram aquelas que estão atrás das telas dos celulares e exercem influência sobre inúmeras vidas. A influencer Thatiane Lovato conta hoje com mais de 70 mil seguidores no Instagram. Por lá, ela dá dicas de moda plus size e tutoriais de maquiagem. Para ela, é importante destacar o compromisso de aconselhar e indicar positivamente o público que a acompanha. “Vejo muita responsabilidade em ser uma influencer, por isso, sempre tomo muito cuidado com o que eu posto”, explica.
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A influencer Tathiane Lovatoprocura desmistificar padrões estéticos e viver uma “vida virtual” verdadeira
MODA NO UNIVERSO FASHION O que pouca gente sabe, é que de uma geração para outra os padrões de beleza física também mudam. A cultura da magreza nas passarelas, por exemplo, aquela que ficou consagrada no final da década de 90 e nos anos 2000, surgiu muito antes. Twiggy é o nome que revolucionou o padrão estético de uma era, isso ainda em 1960. Esse era o nome artístico de Lesley Lawson, uma modelo, atriz e cantora nascida no Reino Unido. Ela foi considerada a primeira supermodelo do mundo. Ela era extremamente magra, pequena, com uma aparência pálida, e usava o cabelo loiro claríssimo, em um corte considerado masculino para aquele tempo. Os olhos gigantes eram realçados por rímel e cílios postiços, sua marca registrada. A modelo revelou ao mundo a imagem de androgenia que conquistou as passarelas mundiais durante anos. Ela passou a ser o novo padrão de rosto e corpo da moda. As décadas passaram e com o avanço da tecnologia, muitas pessoas começaram a discutir as problemáticas de uma magreza extrema. É o início da exposição de casos de bulimia, anorexia e transtornos alimentares. Nomes famosos apareceram na lista de mortes causadas pela busca incansável do corpo ideal. A própria atriz Marilyn Monroe viveu diversos problemas causados pelas três polegadas a mais que carregava no quadril, mesmo recebendo o título de mulher mais
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sexy do mundo e acabou desenvolvendo o alcoolismo que levou ao seu óbito. No Brasil, a modelo Martha Rocha, chegou ao Miss Universo representando o país, em 1954, mas perdeu o posto de mulher mais bonita devido ao corpo que esbanjava na época. E assim nasceu uma marchinha em sua homenagem, mas o debate mesmo só veio décadas depois. “Por duas polegadas a mais, passaram a baiana pra trás/Por duas polegadas, e logo nos quadris/Tem dó, tem dó, seu juiz!/ Martha, Martha, não ligue mais pra isso, não/ Martha, Martha, ninguém tem o seu violão”. Mulheres famosas, que estavam no cinema e na televisão, sofreram durante anos a pressão pelo corpo ideal, mas o público mal ficava sabendo e quando descobria, acabavam levando na brincadeira. Com a internet, isso mudou. A partir dos anos 2000, o peso se mantém, mas as pequenas revoluções se iniciam. Pequenos grupos de mulheres se uniam para entender as razões desse padrão e acabar com o estereótipo de que quanto mais magra, melhor. Percebia-se que não era saudável e que não havia começado ali, de um ano para o outro nas passarelas, mas sim há décadas de distância, em uma cultura enraizada. As pequenas mudanças foram aparecendo, mas ainda assim, há um privilégio do corpo magro mediante o comportamento da sociedade. “Hoje já se vê gordas nas passarelas brasileiras e internacionais. O mercado da moda
tem mudado para esse tipo de corpo, mas muitos estilistas ainda optam pelas supermagras ”, diz Drika. Atualmente, algumas marcas já não exigem um IMC específico, sendo esse o Índice de Massa Corporal adotado como “medida de saúde” em 1832. Hoje já percebemos que o mercado plus size está tomando conta das vitrines e cabides. “O mercado plus size avançou muito ao longo dos anos, mas ainda assim precisa ser mais acessível, tanto em diversidades de tamanho e preço”, reforça Tathiane Lovato. A aceitação é a chave para uma vida mais feliz, por isso, a influencer busca desmistificar padrões estéticos e viver uma “vida virtual” verdadeira: “existe uma parcela da população que começou a se aceitar e se amar. Mas essa porcentagem ainda é muito pequena. Ainda existe muito preconceito e muito padrões impostos pela sociedade”, pontua. MUDANÇAS A conclusão de toda essa história envolvendo corpos, mentalidades e consciência, é que muito já foi feito de uma geração para outra, mas ainda não foi suficiente para sanar as problemáticas ainda enfrentadas na atualidade e que foram causadas lá atrás. A artista plástica defende que o acesso à informação é imprescindível, pois os dados se tornam um poder precioso para que os indivíduos entendam que padrões não devem ser seguidos. Todo corpo é uma forma de
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É uma questão de machismo. É uma questão de estrutura de patriarcado. Isso ninguém pode negar. A mulher ter que agradar o homem, ter que ser padrão para arrumar um casamento, isso já vem de anos DRIKA LUCENA Artista plástica
expressão e pode se tornar um verdadeiro manifesto. “Mudar uma cultura depende de tempo, de boa vontade e de conhecimento de uma sociedade para entender quais são as necessidades e mudanças que a gente quer. Uma pessoa não é só o corpo que ela tem, não é só a aparência. Quando se entende isso, começamos a refletir sobre a importância de introduzir pessoas de corpos diferentes em desfiles, na televisão e na moda”, finaliza Drika
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R E S O , O H L A B A R T O O P M E T O E O N A M U H COMO DIFERENTES GERAÇÕES ENXERGAM O “TRABALHAR” E COMO ISSO AFETA A SOCIEDADE ATUALMENTE
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TEXTO E DIAGRAMAÇÃO: BIANCA FRANZOSI ILUSTRAÇÕES: KARINA RAMOS e HELOISA FRANZOSI
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udo muda com o tempo. As experiências que você tem com alguns aspectos da vida no presente são completamente diferentes das que seus pais tiveram na sua idade. Mais diferente ainda foram as experiências que seus avós vivenciaram. O mundo e as pessoas estão em constante movimento e, por vezes, esses diferentes hábitos entram em rota de colisão. Cada geração é produto da sua época e nem sempre é pos-
sível continuar antenado a todas as evoluções na tecnologia, relações interpessoais, cultura e todo o resto. Seria impossível e pouco sensato - criar faixas de segregação etária com o intuito de evitar tais conflitos. Todas as pessoas têm algo de importante a oferecer umas às outras, em diferentes tempos. E o importante é aprender com elas, com a consciência de que nem tudo que passou deve ser descartado, como também é possível adotar usos e costumes da atualidade a seu favor. É inevitável que essas divergências no modo de pensar
ocorram também no ambiente de trabalho e até nas relações entre patrões e empregados. Mas quando as regras da ética, inclusão e do ambiente saudável são deixadas de lado para abrir espaço para a competitividade? Jovens e mais velhos se esbarram no mercado de trabalho a todo instante, em condições diferentes, seja financeiramente ou mesmo de objetivos de vida. DE NÔMADES A OPERÁRIOS Pelo menos dois momentos na História mostram, de modo mais nítido, as transformações mais radicais no universo do trabalho. O primeiro foi a Revolução Agrícola, que aconteceu em 10 mil a.C., na qual agrupamentos nômades que mantinham o sistema de caça e coleta passaram a se fixar em um só lugar, plantando em vez de coletar e criando os animais em lugar de caçá-los. Dessa maneira, a produção aumentou, superando o limite para o consumo e permitindo que o excesso fosse trocado por outros alimentos, bens ou serviços. Depois, veio a Revolução Industrial, em 1789, que trouxe a mecanização de diversos processos, a introdução da linha de montagem e da produção em larga escala em busca do maior lucro. Com esse processo, a sociedade foi se tornando cada vez mais desigual, com relações abusivas tanto entre patrão e empregado quanto das fábricas com o meio ambiente. Com os diversos avanços da tecnologia, o mundo segue em direção a uma nova revolução
que mudará completamente a maneira como as pessoas se relacionam com o trabalho. Cada vez mais, empresas buscam conexões mais efêmeras, dando mais destaque para vagas remotas e freelancers e isso foi ainda mais acentuado com a pandemia do coronavírus. Além das mudanças no estilo de trabalho, a forma que as pessoas enxergam a atividade também está diferente. O psicólogo e antropólogo Darrel Champlin dá exemplos claros: “Na minha época, pra você ter sucesso, o negócio era ficar trinta anos na mesma empresa e depois se aposentar. Hoje, a maioria dos meus pacientes jovens trocam de emprego de dois em dois anos. Quando comecei a trabalhar, queria guardar dinheiro para dar entrada na minha casa ou no meu carro. Os mais jovens preferem guardar dinheiro para viajar.” E isso não é necessariamente ruim. O trabalho passou a ser um meio para um fim, ao invés do próprio fim. As pessoas dão mais importância ao lazer e aos prazeres da vida do que à profissão, mas ela continua sendo uma necessidade. De acordo com Champlin, o problema existe a partir do momento em que não há mais estruturas de segurança, o que pode levar a sentimentos de falta de pertencimento e fragilidade emocional. E tudo isso afeta o desenvolvimento no trabalho. A geração millenial, dos nascidos em 1984 até o início dos anos 2000, é composta por indi-
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Não importa de que lado seja, não existe luta sem recurso financeiro Miro Machado Presidente do Sintraport
víduos que vêm crescendo com uma autoestima significativamente menor que das gerações anteriores, por diversos fatores. O primeiro deles é a criação dos pais, que faz com que as crianças acreditem que são especiais e podem ter o que quiserem. Já adultas, ao chegarem no mercado de trabalho, se deparam com um ambiente hostil e competitivo. Outra questão é o vício em redes sociais. Desde muito jovens essas pessoas encontram um local confortável e seguro nas mídias, mas isso as impede de tecer laços confiáveis e duradouros com as pessoas ao redor. E o fato das empresas estarem migrando cada vez mais para o sistema remoto só acentua esse quadro. FÍSICA OU JURÍDICA Se existe algo que a maioria das pessoas vão concordar - não importa a idade - é que não é fácil viver de arte num país como o Brasil, por conta de toda a desvalorização dessa atividade.
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Alex Slama, 25 anos, é professor de teatro numa escola bilíngue da capital paulista. É também apresentador na TV Bandeirantes e ator. Sua contratação pela emissora é como PJ (pessoa jurídica), o que significa que o prestador de serviços trabalha sem vínculos empregatícios. Comparando com o sistema CLT, nas palavras de Slama, é como “tapar um buraco e abrir outro”, pois ao mesmo tempo que você perde alguns benefícios da CLT, há uma maior liberdade de horários e um rendimento líquido superior. O jovem professor possui grandes ambições na escola e fora dela. Procura criar projetos tanto para os alunos mais novos como para os mais velhos, ao mesmo tempo em que cuida de sua carreira como ator e apresentador. José Marcelo Barbosa é também professor da mesma instituição há 20 anos. Desde jovem sempre procurou exercer a criatividade, fosse no teatro, na pintura ou na música. Seus objetivos na carreira eram e continuam sendo o ensino da arte da criação de novas possibilidades e caminhos para os estudantes e, para isso, ele aponta que é necessário nunca deixar de estudar e se aprimorar. Essa é uma tendência geral do mercado de trabalho, que se torna cada vez mais exigente. É normal você ver uma melhora no nível profissional das pessoas porque todos buscam sempre se atualizar. “A geração atual tem muito mais acesso ao conhecimento e às tecnologias, mas ao mesmo tempo me parecem ser pessoas mais fechadas, individualistas,
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que perdem de vista uma parte importante da vida, que é o contato humano e a troca com o outro”, pondera Barbosa.
O APLICATIVO É O PATRÃO
Com a falta de oportunidades dignas de emprego, as pessoas são forçadas a buscar alternativas que, muitas vezes, não oferecem as condições básicas, o que chega a ser um desrespeito para com o trabalhador. Clayton Secundino de Souza é motoboy há 15 anos, mas trabalha também por um aplicativo de entregas. Ele diz que a relação com os superiores é bem diferente em cada caso, a começar pela remuneração. Na pizzaria onde é entregador fixo, ele tem salário garantido todo mês, além das taxas de entrega. Já pelo aplicativo, tudo que recebe são as taxas de entrega, sem qualquer auxílio para o meio de transporte ou a gasolina, se for o caso. O contato com a empresa é praticamente inexistente, tudo é feito pelo sistema e raramente eles conversam diretamente com algum atendente. Isso dificulta muito para resolver questões punitivas. Os trabalhadores podem receber advertências, caso algum protocolo seja desrespeitado. Um exemplo é, quando o cliente paga diretamente no aplicativo, recebe a entrega, mas não confirma o recebimento do
Entregadores de aplicativos trabalham em condições precárias
pedido. O entregador leva uma ocorrência e seu pagamento fica bloqueado e não há como recorrer para que a situação seja revista “Eles não tentam ver as duas partes ou verificar se o cliente realmente recebeu o pedido. O que a pessoa colocou no aplicativo é que vale”, afirma. Secundino acredita que essa modalidade de trabalho por aplicativo só vale a pena se a pessoa estiver entrando agora no mercado ou não seja a renda principal, apenas um dinheiro extra. Porque para depender exclusivamente disso, é necessário trabalhar cerca de doze horas por dia, ou até mais.
A LEI DO TRABALHO
Em 2017, o governo Temer aprovou a reforma trabalhista, que revê diversos conceitos da CLT, antes considerados imutáveis. O objetivo era gerar mais oportunidades de emprego e flexibilizar a relação entre o patrão e o empregado, para que houvesse mais liberdade para as duas partes. Porém, quatro anos após a aprovação da reforma, a situação em que o país se encontra é bem diferente. Os índices de desemprego só vêm subindo cada vez mais e as condições de trabalho tornaram-se ainda mais precárias. Existem algumas leis que não podem ser alteradas, caso contrário estariam ferindo a Constituição. São exemplos o 13° salário e o acesso ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Porém, os pormenores desses direitos são determinados por leis ordinárias, que
podem ser alteradas normalmente. Então como será pago o 13° ou qual a porcentagem do fundo de garantia que o trabalhador terá acesso estão sujeitos a alterações com o passar do tempo. Uma das modificações mais importantes e mais controversas é em relação às combinações entre patrão e empregado. Não existe mais a obrigatoriedade da participação do sindicato nessas discussões. E sem a mediação das forças sindicais, os trabalhadores se encontram numa situação muito frágil, sob o risco de perder o emprego. Na visão de Miro Machado, presidente do Sindicato dos Operários Portuários de Santos e região (Sintraport), a reforma trabalhista e outras políticas públicas mais recentes têm como um dos principais objetivos enfraquecer os sindicatos e reduzir a sua atuação. Um dos pontos que evidencia isso é o fim do imposto sindical, que consistia numa porcentagem do salário dos trabalhadores que ia direto para os sindicatos todo início do ano. À primeira vista, o fim desse imposto parece positivo, já que os trabalhadores agora têm uma quantia maior do salário para uso próprio, mas como ficam os sindicatos sem esses recursos? “Não importa de que lado seja, não existe luta sem recurso financeiro. Então é claro que esse corte de verbas foi sentido”, disse Miro. Porém, ele acredita que não é o fim dos sindicatos, mas que para evitar isso, as instituições precisam se reinventar para continuar garantindo o apoio necessário ao trabalhador, ainda que com pouco capital
Veja algumas coisas que mudaram na última reforma trabalhista: DEMISSÕES COLETIVAS FORAM FACILITADAS • A empresa não recebe mais multas ou penalidades caso desligue um grande contingente de funcionários de uma só vez MULHERES GRÁVIDAS PODEM TRABALHAR EM CONDIÇÕES INSALUBRES DE NÍVEL MÍNIMO E MÉDIO. LACTANTES PODEM EM QUALQUER NÍVEL. • Antes, nenhuma mulher nesses estágios poderia trabalhar em qualquer nível de insalubridade e em momento algum é esclarecido o que define cada nível<
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