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REVISTA LABORATÓRIO ED. 07|MAIO 2019

SINAL DOS TEMPOS HOMENS PERDEM O RECEIO DE CUIDAR DA BELEZA E GASTAM HORAS DIANTE DO ESPELHO

Marco Totti, visagista, cronometra todo o tempo gasto na frente do espelho


Com o tempo não tem como negociar. Passou um segundo, uma semana, ou anos, não dá para voltar atrás. Talvez seja isso que tanto nos fascina: a impossibilidade de controlá-lo. Popularmente dizemos que se não podemos contra alguma coisa, devemos nos juntar a ela. Com ele é assim: devemos nos organizar e investir bem as nossas 24 horas para não sentir o sabor amargo de que o que passou foi mero desperdício. É esse, afinal, um dos nossos maiores desafios. O mundo digital tem enorme impacto na nossa percepção do tempo. Note como cinco minutos no celular passam quase despercebidos - enquanto os cinco minutos na esteira da academia duram exatamente 300 segundos. A vastidão de possibilidades com os smartphones nos deixa refém da sensação de que sempre podemos explorar um pouco mais da rede, curtir mais uma foto, jogar mais uma partida online. Mas estamos caminhando para uma certa “consciência digital”. Hoje em dia há aplicativos de celular que monitoram nosso uso das redes sociais, e um compilado de pesquisas internacionais mostra que cerca de 60% dos jovens estão dando um tempo nas redes – justamente por perceberem gastar muito tempo olhando a vida detrás do vidro, enquanto aqui fora se perde produtividade, horas de sono e a saúde mental é severamente afetada. Essa onda está sendo chamada de “desintoxicação digital’, e cada dia reúne mais adeptos. Nas páginas a seguir você vai conhecer pessoas e como gastam alguma parte de seu tempo. Seja no salão de beleza, na produção de um jornal, ou mesmo mantendo contato com um ente querido que mora do outro lado do mundo. E você? O que você está fazendo com o seu tempo? Poderia investir alguns minutos para a leitura das histórias que seguem? Prometemos que não será um desperdício. Boa leitura.

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Para conferir mais sobre esta edição, acesse o nosso blog viralunisanta.blogspot.com

Revista laboRatoRial do 4 ano de comunicação social com ênfase em joRnalismo da univeRsidade santa cecília (unisanta) - MaiO 2019 diRetoR da faac Prof. Humberto Iafullo Challoub cooRdenadoR de joRnalismo Prof. Robson Bastos PRofessoRes ResPonsÁveis Helder Marques, Nara Assunção e Raquel Alves caPa Foto por Juliana Correia PRojeto GRÁfico oRiGinal Diego Kassai, Gabriel Chiconi, Kelvyn Henrique e Nathália Affonso


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Tempo livre dedicado à música

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CAPA A distância agravada pelo fuso horário

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Horas investidas em beleza

Revolução Feminina

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A Obsolescência Programada

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Futuro: um lugar que queremos visitar

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Como lidar com a falta de tempo

Contando com os milésimos

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A correria custa caro para a saúde

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O caminho do jornal até suas mãos

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O trajeto cotidiano no transporte público

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Texto: ALLAN MORAES, JACQUELINE GARCIA, NATALIA CUQUI Fotos: ACERVO PESSOAL, INTERNET

QUE HORAS SÃO AÍ? COMO É VIVER EM PERÍODOS DISTINTOS DO DIA DE ALGUÉM QUE VOCÊ AMA? E CONVERSAR COM ALGUÉM QUE ESTÁ A MILHARES DE KM?

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s 360 graus da esfera que habitamos são fracionados em 24 partes iguais para determinar o horário em cada região do planeta. Essa matemática toda foi discutida lá em 1884, na Conferência Internacional do Meridiano, que determinou a linha imaginária de Greenwich (um distrito londrino que está sob este ponto da Terra) como a referência mundial em horário para resolver a bagunça que era essa questão à época. Imagine só: até aquele ano, cada país tinha o horário definido pela capital, de acordo com a exposição ao sol naquela região. Grandes deslocamentos não eram tão comuns no século 19, porém a diferença de horário entre os países causava muitos transtornos. A conferência resultou na criação do fuso horário como conhecemos hoje. Os países foram se adaptando ao novo horário mundial gradativamente (o Brasil em 1913), fator de extrema importância para a globalização avassaladora que aconteceria nas décadas seguintes.

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“NÃO HÁ HORÁRIO COMO O DA NOSSA CASA” Quem muda de país tem o grande desafio de lidar com a mudança do fuso horário. Nos primeiros momentos na nova região, o corpo pode se sentir deslocado por conta do contraste do novo horário com o biológico, individual, todo organizado de acordo com o horário de onde vivemos. Este é o chamado jetlag, a sensação de dissincronia do reógio biológico com o novo fuso. O jet-lag pode vir a se tornar um companheiro constante para quem trabalha com longas viagens. A comissária de bordo Bruna Almeida mora em Doha há 1 ano, e quando chegou no Catar, onde o fuso é 6 horas a mais que o horário de Brasília, tentou fingir que não existia a enorme diferença de tempo e agir naturalmente. “Teve uma semana em que, por conta dos voos, mudei de fuso 3 vezes. Quando voltei pra casa dormi por 18 horas seguidas, sem levantar pra ir no banheiro nem nada. Pensei que tinha dormido só por algumas horas, já que deitei quando era de dia e levantei de dia.” Marcela Silva, de 22 anos, também embarcou na vida de comissária, e relata que no começo foi difícil. Apesar do cansaço das viagens, ao chegar em um novo lugar pela manhã

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Desde que começou a carreira de comissária, Marcela já visitou 39 países.

acabava ficando acordada pra poder dormir à noite e tentar ajustar o corpo àquele novo horário. “Quando você volta pra casa, não consegue dormir. Costumava ir muito pra Ásia e meu relógio biológico estava acostumado a dormir 8am e acordar às 2pm.” Apesar disso, ela nunca achou que o fuso gerava um grande problema, pois o cansaço depois de longos voos era a primeira coisa em sua mente. Ela conta que depois das viagens, nunca sabe o que quer primeiro: um banho, comida ou dormir. “Uma vez acordei às 3 da manhã para me arrumar para um voo. Quando desci, vi que ninguém descia e já estava ficando tarde, então decidi perguntar na recepção, que me falou que eu tinha calculado o horário errado”. Mas a vida de comissária cobra o suficiente para que você se canse a ponto da troca de fusos e do jet lag não te afetar. O cochilo de uma ou duas horinhas era o que auxiliava o corpo a acostumar com o novo fuso e conseguir descansar a noite, o que não evitava que ela acordasse perdida no tempo ou no dia da semana, o que pra ela era normal. E quando volta pra casa depois de um tempo? O corpo reconhece o fuso natal? “Mesmo depois de semanas, eu ainda acordava no fuso de quando eu morava na Alemanha independente da hora que eu fosse dormir, mas agora já acostumei.”

Para matar a saudade, a tecnologia foi a maior aliada. “Sempre passei horas conversando por vídeo com as pessoas que mais sinto falta, isso nunca foi um problema muito grande pra mim”. Os relógios mundiais que geralmente já vem instalados nos smartphones ajudam na hora de saber que horas são onde sua família e seus amigos estão, e combinarem os melhores horários. Mas a mudança não precisa ser tão ruim. “Quando você se acostuma com a ideia de estar longe, acaba aceitando que o tempo pra comunicar vai ficar menor. Isso não é necessariamente algo negativo, faz parte da experiência. E se você souber como valorizar os momentos em que os horários batem, tem mais qualidade nos diálogos, você se esforça pra ter aquele momento de conversa e vale a pena”, diz Bruna. Quem viaja pelo mar tem uma dinâmica de adaptação um pouco diferente. O nome do navio já sugere o desafio: cruzeiro. As “cidades flutuantes” como são chamadas, literalmente cruzam até continentes, e sua tripulação e passageiros devem ficar atentos às mudanças de horário que são anunciadas nos canais de áudio e locais de entretenimento do navio. “A mudança é progressiva. De tempos em tempos anunciam que a gente tem que adiantar ou atrasar os relógios em uma hora. Assim, a gente geralmente chega no destino já alinhado

E se você souber como valorizar os momentos em que os horários batem, tem mais qualidade nos diálogos. Bruna Almeida com o horário local”, explica a tripulante Aline Damil, de 30 anos. Já em seu sexto contrato de trabalho em navios, ela explica que o esquema de contato com a família e de adaptação aos fusos mudam em tempo mais espaçado por conta dos trajetos repetidos dos navios. “Dependendo da temporada as rotas se repetem bastante, você se acostuma e já cria uma rotina de adaptações”.

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“12 HORAS DE DISTÂNCIA” Estar sempre a doze horas de alguém que se ama não é fácil. Yuri mora no Japão há cerca de 2 anos. O garoto nasceu no Brasil, foi para o oriente com os pais aos 2 e voltou para cá com 10 anos. Aos 18 está novamente em solo japonês, morando com o pai na cidade de Hiroshima. A mãe, Denise Rodrigues, 40 anos, mora em Guarujá (no litoral de São Paulo). Em linha reta, no sentido norte do globo, quase 19 mil quilômetros separam mãe e filho, e o horário completamente invertido (12 horas a mais que o horário de Brasília) aumenta ainda mais a noção de toda essa distância. “É muito difícil bater os horários. Consigo conversar com a minha mãe no meu horário de almoço (meio dia lá), que é o horário que ela já está em casa”. Yuri me explica praticamente no futuro, às 11h40 do dia que mal começou aqui no Brasil. O país que tem um estigma de futurístico por sua avançada tecnologia acaba por reforçar isso até mesmo no fuso horário. “Não são só 12 horas na frente, parece anos à frente. Lá ele tem iPhone, mais conforto, mais oportunidades. Parece o futuro mesmo. A saudade é grande, mas a vida é melhor pra ele lá” desabafa a mãe. Denise trabalha em um quiosque na praia da Enseada. Quando o sol se põe no morro do Maluf, próximo ao local onde trabalha, é o mo-

ALEMANHA

17H

INGLATERRA

16H

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CONFUSO HORÁRIO

BRASIL

12H

8

+12


QATAR

18H

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JAPÃO

00H

mento que estão mais conectados. O mesmo sol desaparecendo aqui às 18h aparece por lá, já às 6h da manhã do dia seguinte. Na rotina atribulada, em muitos dias esta é a única forma que ela consegue se conectar com seu primogênito. “Chego em casa muito cansada, nem sempre consigo fazer chamadas de vídeo à meia-noite, que é quando ele pode. Mas pelo menos uma vez por semana a gente dá um jeito. No fim de semana é mais tranquilo pra ele, mas mais corrido pra mim”, explica a mãe. Yuri diz que, nesses dois dias de folga, às vezes sente muito a distância temporal por não poder conversar por muito tempo com amigos daqui. Geralmente acorda às 11h, então os papos não

duram muito mais que uma, duas horas, com exceção do irmão mais novo, Nathan, de 16 anos. “Ele está sempre online, isso é muito bom, alivia mesmo a saudade.” Apesar de diferenças tão bruscas de horários, podemos pensar que cada um de nós vive as próprias 24 horas, nossos próprios 1.440 minutos e nossos próprios 86.400 segundos. O tempo continua sendo o mesmo para todos nós. Mesmo assim, cabe a todo mundo aproveitá-lo da melhor maneira com as pessoas que mais importam: seja no Brasil, seja na Alemanha, no Catar ou no Japão. A tecnologia evoluiu para as pessoas se sintam próximas umas das outras mesmo há milhares de quilômetros de distância

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“NÃO TEMOS

TEMPO

A PERDER” DESAFIANDO A PRESSA DA VIDA MODERNA, A GALO VÉIO REÚNE CINCO ARTISTAS AMADORES QUE ENCONTRAM UM TEMPO PARA DECIDAR À MÚSICA

Texto: RAFAEL SOUZA E RODRIGO FLORENTINO Foto: RODRIGO FLORENTINO Diagramação: LUCAS FREIRE

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e que forma você escolheria aproveitar o seu tempo livre? Existem momentos em que as obrigações do dia a dia já estão feitas e é possível usufruir de um ambiente agradável e descontraído com amigos. Esse é exatamente o clima dos ensaios da Galo Véio, uma banda formada por cinco cinquentões que estão juntos há 13 anos. O grupo se formou em torno do guitarrista João Paulo Costa. Ele, por exemplo, é irmão de Mário Sérgio, atual baixista, e também amigo de longa data de Márcio Roberto, o Carioca, vocalista. Moisés Ribeiro Cruz, que toca violão, foi levado ao grupo por sua esposa, Nena, que trabalhava junto com João Paulo na Porto Seguro. Moisés e João Paulo tocavam violão nas festas da empresa de seguros. Outro que se integrou do grupo nos corredores da Porto Seguro foi o baterista Plínio Ganev, que conheceu João Paulo quando ainda trabalhava na companhia. No caso de David Júnior, ex-integrante da

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O repertório da Galo Véio é variado e vai desde Mamonas Assassinas até Capital Inicial

banda e antigo baterista, era dono de uma quadra de futebol society que João Paulo costumava frequentar. A Galo Véio surgiu de dissolução de um grande grupo musical que se partiu em dois. Em 2006, os primeiros ensaios da banda tinham a seguinte formação: João Paulo, David Júnior, Mário Sérgio Costa e Márcio Roberto Gravanich, o Carioca. Desde 2010 se encontram semanalmente no Lobo Estúdio, na Vila Mathias. Em um determinado momento os ensaios tiveram uma mudança de cenário. João Paulo e Carioca eram donos de um lava-rápido na Avenida Pedro Lessa, onde atualmente é o Rota Santista Bar & Espetaria. À noite, eles transformavam o local em um bar chamado Bebe Lento, e então aproveitavam para fazer um som. Desse jeito deixaram o estúdio um pouco de lado. “Era uma correria porque ficávamos até de manhã. Quan-

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do amanhecia tínhamos que colocar os carros pra dentro do espaço pois o lava-rápido teria que iniciar as atividades. Após um ano e meio, a Galo Véio voltou a tocar no Lobo Estúdio”, diz João Paulo. Segundo ele, o propósito da banda é apenas diversão, nada muito profissional. Tempo livre Mário Sérgio, João Paulo e Plínio Ganev testam os equi-

Além de gostar de tocar a atividade musical acaba servindo como uma espécie de ‘higiene mental”

Mário Sérgio Costa

pamentos. Enquanto isso chega Moisés Ribeiro Cruz o violonista, um pouco atrasado. As conversas sobre música e outros assuntos variados dominam o ambiente. Apesar de estarem em um ambiente tranquilo e descontraído, Mário Sérgio fica atento ao celular. Ele trabalha como gerente de manutenção na Usiminas e precisa estar disponível caso aconteça algum problema. Os integrantes da Galo Véio sonham com mais disponibilidade para se dedicarem à música. João Paulo por exemplo diz que gostaria de ensaiar duas vezes por semana e até pensa na realização de shows a cada três meses. Márcio, o vocalista, acredita que o tempo dos ensaios pode ser otimizado para maior aproveitamento. Moisés, que comanda o violão, afirma que não consegue dedicar muito do seu tempo livre à música e que gostaria de participar mais dos ensaios, o


que não é possível no momento por uma série de fatores, entre eles o trabalho, sua família e também os cuidados com a mãe, que está doente e em idade avançada. O tempo livre dos integrantes da Galo Véio não se restringe apenas à banda. Plínio, por exemplo, continua se dedicando a outras coisas relacionadas à cultura, como a participação no Clube de Choro de Santos e também frequenta teatros e cinemas. Já João Paulo, se dedica fixamente ao trabalho voluntário, realizado nas segundas feiras, e ao Rotary Club nas sextas, além também de esporadicamente frequentar a praia, o cinema, o shopping e churrasco com os amigos. Além disso, ele também se dedica a atividades artísticas no seu tempo livre. Quando vai a lugares com músicas ao vivo fica atento para descobrir algo diferente para que seja aplicado nos ensaios. Márcio é adepto dos esportes, joga tênis duas vezes por semana. Uma coisa que os integrantes do grupo têm em comum é quando pensam que o tempo livre com a banda é bem aproveitado, seja pelo prazer em tocar o instrumento ou pelo incentivo em poder ter mais oportunidades de aperfeiçoamento de suas técnicas. Mário considera que o tempo livre investidos nos encontros da Galo Véio é bastante prazeroso pois, além de gostar de tocar, a atividade musical funciona como uma espécie de “higiene mental”. O tempo livre entre os mem-

bros da banda em suas folgas e férias do trabalho não altera o ritmo de ensaios. Mas o aperfeiçoamento musical continua presente. João Paulo escuta muito rádio para achar músicas para a banda e as seleciona para aplicar técnicas nos ensaios. O clima no local é o mais tranquilo e amigável possível. Entre risadas e goles de cerveja a banda se diverte ao som de hits de alguns dos principais artistas da música brasileira, como Capital Inicial, Camisa de Vênus, Skank, Legião Urbana e até Mamonas Assassinas

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A Galo Véio tem o propósito de ser voltado à descontração. Não temos a intenção de fazer algo mais profissional” João Paulo Costa

João Paulo “quebrou o galho” nos vocais , já que Carioca não pôde comparecer ao ensaio

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INVE$TIMENTO OU DESPERDÍCIO? HOMENS GASTAM CADA VEZ MAIS TEMPO COM A BELEZA

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culto ao belo está presente nas mais diversas culturas. Mesmo com tantos produtos, cosméticos, técnicas, cirurgias, suplementos e procedimentos estéticos, parece que essa busca realmente ainda não chegou ao fim. Viver 80 anos pode parecer muito, mas e se você excluir o tempo que dedica à beleza? Se para algumas pessoas dar aquele up no visual é falta do que fazer, para outras, é quase uma necessidade. Segundo pesquisa da alemã GdK, de 2016, os homens no Brasil gastam 3,5 horas por semana cuidando da aparência, e as mulheres, 5,3 horas. Em um ranking de 22 países, a vaidade dos brasileiros está em 12º lugar.

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O consultor de imagem Marco Totti gasta mais de 2 horas por dia para se arrumar

UMA PROFISSAO DESDE PEQUENO Desde criança, o consultor de imagem Marco Totti apreciava o irmão passando chapinha nos cabelos ondulados antes de ir à escola. O sorriso discreto ao recordar o capricho do companheiro de quarto vaidoso, vira uma risada com as memórias das broncas que a mãe dava no irmão até terminar o ritual de beleza. Marco não seguiu exatamente a receita do irmão, mas sabe que ele teve grande influência na escolha da profissão que exerce hoje, a de consultor de imagem e cabelereiro no salão de beleza Love Beauty Club, localizado no Gonzaga. Quem ainda pensa que apenas as mulheres são vaidosas e gastam parte do seu dia se arrumando, está muito enganado. A rotina de Totti é algo simples para ele, que trabalha de olho no relógio. Cada etapa do seu ritual de beleza é feita de forma profissional e cronometrada. Abrindo a necessaire Ao levantar, Marco começa cuidando dos cabelos. Para os fios, pelo menos três pomadas são usadas: um mousse para dar “corpo”, uma pomada para juntar os fios e, por último, um fixador para

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aguentar a modelagem durante umas quatro ou cinco horas. Tudo isso leva uns 20 minutos, pois, como a idade já está lhe presenteando com uma calvície, há toda uma estratégia para esconder os pontos frágeis. O consultor usa apenas produtos importados que, segundo ele, oferecem menos risco à saúde. “Os produtos por lei têm um protetor térmico, que serve como hidratante. Após enxaguar as madeixas para a remoção do produto, o seu cabelo permanece cheiroso e brilhante. Infelizmente, não temos material necessário para produzir essas pomadas, o foco aqui no Brasil ainda é apenas estético.” Para a barba e bigode, Totti também segue um ritual: “Eu não tinha consciência de que a barba mudaria não só o formato do meu rosto, mas também minha personalidade e meu interior”, confessou o consultor. Existem produtos especiais, como uma pomada de cera para hidratar e até mesmo para disciplinar e amaciar os pelos, deixando-os menos espetados. No banho, até o sabonete é especifico, que vai além da função de lavar: ele hi-

drata a pele por baixo dos pelos, evitando que se forme caspas embaixo da barba. Todos os dias Totti escova sua barba e o bigode, sempre com as aliadas pomadas e a ajuda do secador, que deixa os fios alinhados. Underground A pele não fica de fora dos cuidados. Diariamente, o consultor usa protetor solar com tonalizante três vezes ao dia, pelo menos. No auge dos 51 anos, ele já considera passar por um tratamento de peeling e botox. Marco não seria Marco sem seu estilo próprio: roupas e tatuagem. Vira e mexe uma peça pelo shopping o agrada, porém, até mesmo os panos não escapam das suas mãos de tesoura. Totti personaliza tudo, desfiando e rasgando para criar a sua identidade. As tatuagens compõem o visual que ele define como “underground, street, jovem e atual”. “A situação atual do país não nos deixa sair para comprar tanto. Mas eu adoro sair para fazer compras e olhar, principalmente olhar. Assim, eu vejo o que está em alta e isso me ajuda bastante a criar o personagem que eu sou.”


TOTALMENTE CALCULADO Quem depara com a moça do cabelo cacheado, cílios alongados, unhas postiças, sobrancelhas milimetricamente desenhadas e dentes ultrabrancos, logo percebe que a vaidade é um estilo de vida. Kayla Yamasa, de 25 anos, trabalha na butique Benedita no Shopping Miramar, onde lida com compradores e fornecedores e não passa uma semana sem adquirir uma nova peça para o seu guarda-roupa. Estatura média, pele bronzeada e lisa, ela exibe o seu corpo voluptuoso e bem cuidado sempre em roupas de marca. Como trabalha apenas seis horas por dia, sobram cerca de dez horas para fazer as coisas que ela mais gosta: atividade física e cuidados com o visual. Academia, unhas, hidratação no cabelo, drenagem linfática, limpeza de pele, botox e spa entram na lista de afazeres da moça. Kayla também possui um segundo trabalho, administra alguns imóveis, o que rende também um bom valor para investir na própria beleza. Apenas com roupas, gasta mensalmente R$ 800,00, em média. Tal compulsão a faz frequentar um psicólogo, pois entende que o seu fascínio pela estética não é normal.

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são as horas que Kayla dedica anualmente à aparência, o que equivale, aproximadamente, a dois meses

CACHOS SEDOSOS Todos os dias o cabelo cacheado é lavado e mesmo que não pertença mais ao clube do secador e escova, a jovem gasta cerca de 20 minutos apenas fazendo todos os procedimentos necessários para deixar os cachos soltos e sedosos. Kayla é motivo de brincadeira entre as amigas, que a chamam de “atrasadinha”. São cerca de uma hora e meia para um preparo básico. Ela até suspeita que as amigas marcam o horário de se encontrar uma hora antes, pois sabem que é o tempo que leva para ela chegar na hora “certa”. Os dias de folga do trabalho são marcados pelo excesso de cuidados, pois é quando Kayla se dá ao luxo de ir ao spa passar por mimos não tão convencionais para a maioria das mulheres, como hidratação facial, massagem relaxante e ofurô, sem contar a drenagem linfática e o período na academia, ou seja, oito horas do dia em estabelecimentos. De segunda a sexta ela passa pelo menos uma hora na academia; dois dias da semana têm drenagem linfática, sendo que cada sessão dura aproximadamente uma hora. Nas sextas-feiras, as unhas dos pés e das mãos são de lei. Fazendo uma conta simples: digamos que Kayla gaste 1h30 para se arrumar, mais uma hora na academia e outra uma hora na drenagem (ou qualquer outro procedimento), isso significa que em um dia normal, 3h30 são dedicados à beleza.

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MANHÃ INTENSA A FAVOR DO BEM-ESTAR O céu ainda estava escuro no Centro de São Vicente, quando Vinicius Vieira desce para sua garagem, pega o celular e já se conecta às redes sociais para incentivar e desejar bom dia aos seguidores. Às 5h30, ele está pronto e segue de moto para a academia localizada na Ponta da Praia, em Santos. “Ainda sigo fazendo academia aqui, porque eu morava nesse bairro e por causa das relações que ainda tenho”, relembra, enquanto estaciona a moto, após 30 minutos de percurso. Às 6 horas da manhã, cheio de disposição, entra apressado na academia para começar o treinamento funcional. Ritmo Frenético Para muitas pessoas, como o empresário, ir à academia logo cedo é rotina. Cedric Bryant, Ph.D. do Conselho Americano de Exercício Físico diz que praticar exercícios físicos pela manhã nos ajuda a manter um hábito regular de atividade física, além de promover a produção de endorfina e de outras substâncias que melhoram o nosso humor. No treino, o empresário divide a sala com mais cinco pessoas e alterna entre séries de exercícios pesados. O ritmo é intenso. A respiração ofegante, o suor escorrendo pelo corpo e a cara de satisfação estampado no Vinicius Vieira em seu treinamento funcional que realiza pela manhã

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rosto é resultado da primeira etapa do dia. Tudo isso após 1 hora de aula. Hora de voltar para casa, mas engana-se quem acha que para por aí. Para manter a sua beleza, Vinicius corre até a praia mais próxima e toma um banho de mar. Os dez minutos passa no mar são essenciais. Chamado de banho de contraste - técnica que ele aprendeu e que considera importante - é uma forma de acelerar o metabolismo. Pausa na correria A rotina de entrada, como Vinicius chama carinhosamente essa etapa do dia, ainda está pela metade. De volta ao lar, o jejum está prestes a acabar. O copo de proteína é o que repõe suas energias. Após o banho, é hora de se conectar com seu “eu” interior, por meio da meditação. Com o semblante sereno e o silêncio absoluto, Vinicius medita por 20 minutos. Só, então, toma seu café da manhã, balanceado com frutas, para assim ir trabalhar. A rotina de Vinicius é enérgica e começa logo cedo. Para manter o padrão do corpo e a beleza em dia, ele gasta três horas em média toda manhã. Além dos exercícios físicos, a dieta balanceada é essencial para compor o pacote. Vinicius não abre mão desse treinamento e procura buscar sempre mais em prol a saúde e à beleza que ele considera ideal.


Julia Maffei passa maquiagem todos os dias para trabalhar e sair com os amigos

BELEZA NO DIA A DIA Júlia Maffei é a típica garota da atualidade que consegue sonhar e ser tudo o que ela quiser. Além de conseguir conciliar as mil e uma atividades da vida pessoal e profissional. Solteira e independente, Júlia vive com sua agenda lotada de trabalhos e de todos os tipos de cursos que ela ministra voltados para o mundo da maquiagem, mas ainda assim consegue tempo para cuidar de si. “Além de mim, gosto de cuidar das minhas clientes. Fico satisfeita ao ver elas se sentirem bem tanto quanto eu”, diz. Júlia carrega essa energia toda, pois sempre gostou de maquiagem. Estudou e batalhou em prol dos seus sonhos e ob-

jetivos. Hoje, com a rotina intensa, cuida principalmente de sua pele e do seu cabelo, fatores que ela julga essencial para manter uma boa aparência. Todos os dias, ao acordar e antes de dormir, os tônicos e os cremes hidratantes são os melhores aliados. Também é diário, o cuidado com os seus cabelos longos, onde alterna entre fazer escovas e hidratações. Isso tudo conta com 1 hora por dia. As compras de produtos cosméticos estão na lista do mês. “Como meu trabalho envolve maquiagem e cursos, ao todo eu gasto R$ 1.500. Separo alguns produtos de uso exclusivo meu, que dá em torno de R$

300”, conclui Júlia. Ela relembra que para uma pele saudável, não dispensa o filtro solar, mesmo em dias nublados e chuvosos, por isso, mostra que sempre anda com um em sua nécessaire favorita. Retocar seu ruivo uma vez por mês é primordial, por isso comenta que prefere gastar no salão a gastar em lojas de roupas. “Não faço balanço de quanto eu gasto em roupas, pois não gasto muito. Quando eu preciso de alguma peça, eu vou e compro”, reforça ao falar sobre as compras no shopping. Os cuidados com os seus fios lhe custam R$ 60 mensal, o que segundo ela faz parte do pacote da beleza

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Texto: THAÍRIS CANHETE Foto: KAIO NUNES

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CONTRA OS

MILÉSIMOS:

A VIDA NAS PISCINAS

ATLETAS OLÍMPICOS CONTRA OS MILÉSIMOS DE SEGUNDO

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otina. Persistência. Dedicação. Preparação. Hábito. É acordar cedo, se alimentar bem, porque só comer não basta. Academia. A mochila pesa nos ombros. E não é só a mochila. Um saco cheio de materiais também está sempre à mão. Dentro tem pé de pato, palmar, prancha, snorkel. A roupa é a de todo dia, bermuda, camiseta e tênis. Na borda da piscina a indumentária já mudou. É touca, óculos e maiô. Vem o primeiro mergulho. Braçadas e mais braçadas. Os olhos só tem duas tarefas, observar o azulejo do fundo da piscina e analisar o grande cronômetro na parede em frente a ela. O tic-tac imaginário parece reger uma orquestra sinfônica que não é comandada por nenhum maestro. No lugar da batuta, o técnico carrega no pescoço mais um cronômetro. E esse anda em perfeita sintonia com os segundos do relógio da parede que os atletas não tiram o olho antes de saírem para a próxima “série”. Todos os dias, o roteiro é o mesmo.

É tudo milimetricamente calculado. Rotina de atleta é assim. Sabe aquela pergunta: “Quanto tempo o tempo, tem?” Para esses nadadores, que sonham com Olimpíada, o tempo tem exatos quatro anos, mas pode ser definido em milésimos de segundo. É uma braçada, uma virada, uma chegada, uma respiração no meio da prova que não estava planejada, tudo isso pode adiantar ou atrasar esse relógio. Para quem está de olho em Tóquio 2020, cada decisão é de extrema importância. A reportagem da Viral conversou com três atletas olímpicos de diferentes gerações para entender qual a relação deles com o tempo. Gabrielle Roncatto (20), a nadadora brasileira mais jovem a participar das Olimpíadas do Rio de Janeiro, Ana Marcela Cunha (26), que aos 23 anos se tornou a brasileira com mais medalhas em Campeonatos Mundiais de esportes olímpicos e Nicholas Santos (39), o nadador mais velho do mundo a ganhar uma medalha em mundial, título que carrega desde 2015 e que nenhum outro atleta conquistou.

“Um dos meus objetivos é estar na seleção do Mundial. Conquistar essa vaga depende de como aproveito o tempo.”

Gabrielle Roncatto

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Gabrielle Roncatto Quem acompanha a carreira da atleta olímpica, nem desconfia que as coisas não começaram tão sérias assim. Andréa Roncatto, mãe de Gabrielle, entrava na piscina da Unisanta para levar seu filho, Matheus, para as aulas de natação, depois que ele saia do colégio. O que a mãe não esperava é que sua filha, que a acompanhava nessa tarefa, fizesse tudo, menos assistir a aula do irmão. Com sete anos, Gabi não parava quieta. Pulava na arquibancada, entrava na área proibida da piscina, corria pelo corredor. E então, as reclamações surgiram. A solução foi matriculá-la também nas aulas de natação. E deu certo. Gabrielle acumula na carreira resultados muito importantes. A nadadora conquistou a tão sonhada vaga olímpica na ultima Olimpíada, que aconteceu no Rio de Janeiro, e foi a mais jovem atleta a compor o time brasileiro. Com um comprometimento e maturidade quase que impossível de se encontrar nos jovens comuns de sua idade, Gabrielle chama a atenção. É claro que como qualquer um de sua idade, Gabi também aproveita seu tempo livre. Vai-

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dosa e conectada com as redes sociais, quando não está na piscina, ou pegando peso na academia, o celular está na mão. Seja pra tirar uma “selfie” com a sobrinha que acabou de completar um ano ou para postar aquela foto do fim de semana na praia. Fora isso, ela respira o esporte. São, em média, 30 horas por semana focada nos treinos. Isso dentro do clube. Quando sai de lá tem fisioterapia, médico, exames, alimentação. A atleta ainda se preocupa com o futuro e hoje dedica o que resta de seu tempo a faculdade de direito. Com a meta de passar na seletiva das Olimpíadas 2020, Gabi tem o brilho nos olhos de quem vive algo pela primeira vez. Com sorriso aberto, é fácil para qualquer um parar na piscina por 10 minutos e enxergar o amor que ela coloca quando está dentro d’água. Um passo de cada vez, é o lema da menina que chegou na Unisanta graças ao irmão, mas que fez da piscina seu lar. “O meu objetivo esse ano é estar dentro das Seleções: no Pan-americano e o Mundial. Tenho certeza que a vaga na próxima Olimpíada é resultado do que eu estou fazendo hoje.”

“Para treinar 30 horas por semana é preciso, além de muita disposição, uma boa administração do tempo.”

Gabrielle Roncatto


Nicholas Santos O tempo parece ter parado para o nadador que se consagrou o mais velho do mundo a ganhar uma medalha em mundial. Com uma experiência que somente os anos podem dar, Nicholas vive a sua melhor fase no esporte. Nadador desde os cinco anos de idade, quando seu pai o levou para a primeira aula de natação, Nicholas só despontou realmente no cenário nacional, bem mais velho, com 22 anos. Recebeu convites de muitos clubes e foi morar sozinho no Rio de Janeiro. Fez do esporte, sua profissão. Muita coisa mudou ao longo dos anos para o atleta que acompanhou muitas gerações passarem pelo esporte e a evolução da natação brasileira. Por despontar em provas de 50m a competitividade dentro das piscinas aumenta e cada milésimo de segundo importa. “Quase todas as provas que eu nado a nível mundial, o resultado é definido na última braçada e na chegada. Eu já perdi o 1º lugar no mundial por dois centésimos”, comenta. Como cada detalhe importa hoje a rotina de treinamento de Nicholas implica em eliminar falhas de prova. Com uma metragem menor do que sempre esteve acostumado dentro da piscina, hoje Nicholas passa em média

14 horas por semana na água. Mas então, qual será o segredo para se manter durante tanto tempo no esporte com resultados expressivos? Nicholas acredita que o segredo está em encarar o momento com leveza. E sem muita pressão. Pai de família, casado e empresário, aprendeu durante os anos a automatizar as provas dentro de sua mente e ser mais seletivo. Hoje divide sua atenção no esporte com o filho e sua empresa de treinamentos. Nicholas sabe como competir e qual a melhor forma de fazer isso. O atleta encara durante esse ano mais um desafio contra o relógio: a seletiva olímpica para Tóquio 2020.

“Ser atleta de alto rendimento por um longo período não é nada fácil, mas estou em minha melhor fase “

Nicholas Santos

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Ana Marcela Cunha Ana começou cedo no esporte e desde muita nova já era considerada uma promessa da maratona aquática no Brasil. E ela não ficou só na promessa. A atleta carrega hoje o título de tetracampeã mundial de maratona aquática. E mais do que lutar contra o tempo, o que é normalmente exigido do atleta, Marcelinha como é conhecida, já está acostumada aos contratempos do esporte. Seja durante as provas no mar com água gelada, mar mexido e até águas vivas, que inclusive lhe renderam uma queimadura no rosto no ultimo Mundial, seja na própria rotina. Em 2016 precisou realizar uma cirurgia de retirada no baço e encarar dois meses de recuperação, período nada fácil para

“Ao contrário do que muitos pensam, em águas abertas, os detalhes também fazem diferença no resultado”

Ana Marcela Cunha

quem está acostumada a não ficar parada. Nadadora de provas longas, Ana Marcela, dedica quase todo o seu tempo durante o dia ao esporte. Treino na água, preparação física, psicológica, fisioterapia preventiva, massagens, consultas, refeições nas horas certas, descanso, sono reparador, e ela não pretende parar. O objetivo é manter essa rotina até as próximas Olimpíadas e assim continuar durante os próximos anos. A previsão é essa, pois diferente dos atletas que encaram provas mais curtas, os maratonistas, como Ana Marcela costumam ter um maior tempo de carreira. Existem hoje exemplos de nadadoras acima dos 40 anos participando de mundiais. Ana Marcela, portanto, com apenas 26 anos não enxerga o fim desse ciclo tão cedo. Para quem pensa que a luta contra o relógio é menor quando falamos em longas metragens, se engana. “Não importa se a prova olímpica é de 10km com duração média de duas horas, já fui ao pódio mais de uma vez com o resultado de empate! Um piscar de olhos, um detalhe, é determinante para o resultado de sucesso.”, conta Ana Marcela

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Texto e foto: MANUELLY CARDOSO E ALICIA ALVES

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TIC

TAC

COMO HARMONIZAR A VIDA SOCIAL COM TRABALHO, ESTUDOS E FILHOS DE ACORDO COM O TEMPO - OU A FALTA DELE?

O

primeiro round começou. O grande ponteiro do relógio da rua marca que são 7h30 em ponto. Entre um segundo e outro que o tic tac não para de trabalhar, parada na rua e com ombros alinhados, Danielly da Silva Ribeiro olha o relógio só para garantir que a competição diária com o tempo já começou. Para ela, a rua é semelhante a um octógono de luta. E o tempo parece ter somente um round. Então todos precisam acelerar. Danielly entende, já que o mesmo tic tac do relógio tem sido a única coisa que praticamente a nocauteia todos os dias. Pontualmente às 7h45, um par de sapatos pretos de salto alto e bico fino calejam os pés da jovem que enfrenta o primeiro ônibus do dia. Mesmo sendo a primeira etapa do trajeto diário, Danielly já se sente cansada. Antes mesmo de iniciar o longo dia que terá, o corpo ainda guarda resquícios do dia anterior. E pesa. Quase como a sua bolsa que cotidianamente carrega marmita, necessaire, garrafa de água, guarda-chuva, caderno, agenda, estojo... Todos necessários para quem só verá a casa novamente quase quinze horas mais tarde... Danielly desce do ônibus, ajeita a bolsa, coloca o cabelo atrás dos ombros, olha para o adversário-relógio,

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e ele confirma que ela chegou pontualmente às 8h10, quando atravessa a imensa porta transparente a caminho de sua mesa. O segundo round começou. Aqui, Danielly leva uma vantagem. O serviço na recepção é tranquiloela só recebe clientes e atende ligações -, e ganha esse tempo de luta porque consegue até estudar algumas vezes na semana. Sente quase como se fosse uma vitória concluída já no segundo tempo Logo reconhece que é utópico. Desde que começou a enfrentar o tempo, o lazer no celular foi trocado pelos livros que se tornaram o foco em qualquer sinal de horário livre possível. Mas não qualquer livro. Citologia, microbiologia e anatomia compõem a lista de temas. A estudante do primeiro ano de Odontologia não desperdiça tempo. “Chega até ser irônico usar essa palavra”, brinca. Às 18h, é o momento de trocar a blusa de botão pela camisa branca, a saia lápis pela calça, também branca, e o salto alto pelo tênis. Sai do banheiro da empresa, despede-se de todos de longe, quase correndo. O ônibus não pode esperar.

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Correria. A palavra parece comum para Danielly, afinal, o horário de pico a encontra no ponto de ônibus de uma das avenidas mais movimentadas de Santos. Nem precisa de exames para constar. O corpo já sente moleza, os ombros parecem levemente caídos e o coque no cabelo é o de quem “não tem mais tempo para parecer bonita”. Em quase meia hora de caminho em pé, porque sentada é sorte demais, a jovem estrala as mãos, os dedos dos pés e alonga a cabeça, de um lado para o outro. Os olhos estão fechados e o corpo pouco se mexe. Mas é o suficiente para aguentar “só mais algumas horinhas”. A faculdade é uma demanda e tanto. Cumpri-la tem sido mais um desafio também. Esse, ao menos, prazeroso. Às 18h40 a professora se apresenta na sala e disserta sobre assuntos que agradam Danielly e chegam suavemente aos seus ouvidos. “Pensando bem, esse tempo nem é tão difícil de aguentar...”, repete a si mesma, em um ato de autoencorajamento. Trata de analisar se a roupa branca está suja entre o interva-

A mesa com diferentes objetos resumem o dia a dia de Danielly.

lo de uma aula e outra, bebe água, ignora o estômago que grita de fome e volta para mais um tempo. Pouco se lembrara em qual round está, mas pelo menos ainda resta a consciência de que está acabando. Cruzara a catraca da universidade e pausa um segundo para suspirar devagar. É hora de ir para casa e finalizar essa disputa. Por uma fração de segundo, esquecera que o meio de transporte também corre. Atravessou para o outro lado da rua, e o veículo leve sob trilhos – transporte comum na cidade –, já está quase partindo. Cansou-se. Mas a corrida valeu. A casa está mais próxima a cada tic tac do ponteiro, que indica ser 22h55. A luta finalmente chega ao seu último round. Deu empate. A chance para acertar isso ficará para amanhã, e depois de amanhã, e depois de amanhã novamente...


Na faculdade,o uniforme perde espaço para o jaleco e os saltos dão lugar aos sapatos confortáveis

Qual é o seu superpoder?

Pensando bem, esse tempo nem é tão difícil de aguentar” Danielly Ribeiro

7h59… 8 horas da manhã. Barbara Santos Barros abre os olhos, ao lado da filha de apenas dois anos, e acorda para um novo dia com os ombros ainda pesados pelo dia anterior e a sensação de que dormir é mais cansativo do que viver. O primeiro pensamento que permeia a mente – aparentemente vazia -, são as ondas de emoções que ela sabe que irá viver naquela quarta-feira nublada na Baixada Santista. No quarto, divide um beliche com o irmão mais velho, ao lado do berço da pequena que ainda não consegue dormir sem a mãe. A casa onde também residem os pais em um bairro afastado do centro de São Vicente se tornara responsabilidade de Barbara depois do nascimento de Manuela. Há dois anos ela é a razão do acordar cedo e dormir tarde, junto com o pai da criança. E é preciso criá-la, dar comida, afeto (este sendo o mais importante) e vestimentas. O quarto não tão longe da cozinha vai sendo descoberto com a luz da manhã. Tateando as paredes, Barbara encontra a cozinha e a sala, onde ali tem 30 minutos antes da filha acordar, meia hora onde se pode fazer absolutamente tudo o que estiver ao alcance. Fazer café da manhã, separar a rou-

pa do dia e dar uma última olhada no conteúdo da universidade que frequenta uma vez por semana. Depois de alimentar a filha, organizá-la para ir à escola (onde a avó a deixa), dar um abraço apertado, Barbara segue para o ponto de ônibus, de segunda a sexta, fielmente às 10 horas da manhã. O escritório de contabilidade, onde é estagiária, toma a maior parte do tempo dela. Lá, mesmo exercendo função de cargo baixo e consequentemente salário baixo - vive sob pressão, como trabalhar com valores e clientes. Nada pode passar batido, não podem existir erros e os feriados se tornam inúteis. Das seis horas previstas para serem trabalhadas, por vezes ultrapassam mais de oito por dia. A cabeça segue fervilhando, e Barbara ansiando pela hora em que verá sua cama novamente. Após o dia de trabalho, é hora da terceira tarefa do dia, a universidade, onde estuda Ciências Contábeis. Chegou então a hora de queimar mais alguns neurônios. Após algumas horas, mais uma saga de ônibus de volta pra casa. No caminho longo de Santos a São Vicente, ela já maquina o que terá de fazer quando chegar em casa, às 23h. Sabe que terá de dar atenção a filha com jogos e entretenimento, além de organizar a

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vida para o próximo dia, e ainda, tomar banho, que para ela, é um momento do prazer diário. “Tomar um banho com calma, lavar meu cabelo e o rosto é o meu lazer diário, mas nem todos os dias eu consigo fazer” ressalta Barbara. Com tantos afazeres, a mente pode ser prejudicada. Níveis de ansiedade altos representam risco de um quadro depressivo. A doença, a grosso modo, apresenta irritabilidade, quadro de ansiedade e angústia sem explicação aparente. Segundo a psicóloga Gabrieli Orcelli, não é possível afirmar que pessoas com esse ritmo terão depressão ou transtorno de ansiedade, mas tudo depende de como o indivíduo enfrenta tudo isso, qual é o nível de autoconhecimento e o que essa rotina significa para ele. Ainda assim,para uma situação desse tipo é preciso procurar ajuda psicológica, e

tentar conciliar atividades físicas e ter sempre em mente os objetivos que o levaram a enfrentar esse dia a dia. Para a mãe, estagiária e estudante, Barbara Barros, momentos de lazer só aos sábados e domingos. Segundo ela, estar com a família é o melhor remédio para a doença nunca diagnosticada, mas que ela percebe ter alguns sintomas. “Atividades ao ar livre são as melhores, até porque eu tenho que pensar em algo que seja bom para mim e para a minha filha”, afirma. Na rotina, um banho demorado e uma máscara facial podem ser o escape de um dia muito estressante e com muitos números e afazeres. 23h59… meia noite. É hora de desligar. Dormir, ousando não pensar no dia de amanhã, mesmo sabendo que será tão cansativo quanto o que passou.

Atividades ao ar livres são as melhores, até porque eu tenho que pensar em algo que seja bom para mim e para a minha filha” Barbara Barros

3° round do dia: Barbara se divide entre as tarefas da faculdade e a atenção que precisa dar à filha de apoenas três anos.

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Síndrome de Burnout Dedicar-se ao trabalho de maneira excessiva pode trazer consequências psicológicas e, consequentemente, desestabilizar o campo profissional. E isso, no fim, faz esse esforço não ter valido a pena. A “Síndrome de Burnout”, que é conhecida como a síndrome do esgotamento profissional, é ocasionada por condições desgastantes de trabalho, segundo a psicóloga Bruna Rosa. O público mais afetado por essa síndrome é o feminino. “As mulheres costumam ser muito mais exigentes e exigidas em relação ao trabalho”. Os sintomas se manifestam como uma sensação de esgotamento emocional e físico. “Isso leva a pessoa a demonstrar alterações bruscas de humor, ausências no trabalho, além de irritabilidade e agressividade, lapsos de memória.” Entre os sintomas físicos é possível destacar as dores, principalmente de cabeça, enxaquecas, distúrbios na alimentação em excesso ou escassez, problemas gastrointestinais, insônia, pressão alta, sudorese, palpitações e até crises de asma e choro. “Tudo isso pode levar a pessoa ao isolamento e baixa autoestima, além de transtorno de ansiedade, generalizado e depressão”. Para tratar o quadro, Bruna Rosa recomenda uso de antidepressivos, fazer psicoterapia, exercícios físicos e atividades que envolvam relaxamento

Condições que podem desenvolver o distúrbio

Depressão

Ansiedade

Irritabilidade e dificuldade de concentração

Lapsos de memoria, pessimismo e baixa autoestima

Agressividade, isolamento e mudanças bruscas de humor Esgotamento físico e emocional

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Texto e foto MICHELA DA COSTA

“A VIDA ACELERA E PEDE PRESSA” CORRERIA, ESTRESSE E CONCENTRAÇÃO RESULTAM EM 800 MIL MORTES POR ANO

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onciliar estudos, trabalho, horas de sono bem dormidas e ainda ter tempo para a família e amigos parece um sonho irrealizável. Para alguns, essa rotina é possível, mas claramente desgastante. Uma pesquisa sobre estresse, realizada pelo Programa de Avaliação Internacional de Estudantes, em 2018, aponta que estudantes brasileiros ocupam o segundo lugar no ranking dos mais estressados com 58% seguidos de mais 178 países. Cansaço, falta de concentração e irritabilidade são apenas um dos sintomas descritos pelos estudantes. Segundo uma pesquisa feita pela Organização Mundial de Saúde (OMS), estes seriam uns dos principais responsáveis pela segunda maior causa de morte entre os jovens na faixa etária de 15 a 29 anos. No Brasil, outro estudo realizado em 2016 com estudantes de instituições federais mostrou que sete em cada dez alunos – com idade média de 24 anos - sofrem com estresse, ansiedade ou depressão, destacando novamente sintomas geralmente negligenciados pelos próprios estudantes e família.

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Uma das sobreviventes de uma vida em ritmo frenético é Ana Bianca Sessa, de 26 anos. Quem a vê, com seu sorriso largo, enquanto acompanha a obra de seu consultório em processo de mudança, não imagina o sacrifício que a jovem teve de fazer para alcançar seus objetivos. Formada em Nutrição pela Unisanta, Ana viveu momentos difíceis tentando equilibrar a dupla jornada de trabalho e estudos com uma gravidez inesperada. A nutricionista diz que sempre gostou da área de saúde e, assim que encerrou o Ensino Médio, se lançou na busca de cursos que pudessem inseri-la no meio. “Fiquei confusa entre Psicologia e Nutrição, mas optei pela segunda, pois há um amplo mercado de trabalho, pelo que eu havia pesquisado”. Já no começo do curso, Bianca se assustou com o volume de responsabilidades que teria de assumir. Aula, trabalhos acadêmicos, estágio e tudo isso sem deixar o trabalho de recepcionista de uma academia esportiva e ainda contando com os deslocamentos de


17,92% dos trancamentos durante o ano letivo foram motivados por questões de saúde”. Pesquisa Censo e Opinião Discente

um lado para outro. Entretanto, decidiu persistir. Ao longo do ano, as coisas tornaram-se mais toleráveis, e a estudante passou a aproveitar melhor o conteúdo das matérias e encontrou a empolgação que buscava. “Me encontrei quando fiz os estágios que me mostraram exatamente como seria cada área da Nutrição. Nesta fase me apaixonei pelo UAN (Unidade de Alimentação e Nutrição – Cozinha Industrial), e pelo atendimento ao público”, confessa. Apesar de vibrar com a possiblidade do estágio na área em que escolheu, a jovem nunca deixou de lado seu trabalho remunerado e ainda teve de encarar um caminho muito mais cansativo, com a chegada do TCC (Trabalho de Conclusão de Curso). “No último ano eu lidei com o TCC, estágio e trabalhava à noite em uma academia. Tudo ficou mais difícil com a descoberta da minha gravidez, faltando dois meses para o fim da faculdade. Foi desesperador”, conta.

Fiquei doente várias vezes por questões de estresse, de querer ir pra casa e não poder”. Andrezza Baratella

Tentar abraçar mais coisas que estão além do limite eleva o nível de ansiedade, estresse e frustração”. Camila Bugada

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Tudo ficou mais difícil com a descoberta da minha gravidez faltando dois meses para o fim da faculdade

que fazia merenda para escolas de São Paulo. Atendia seus pacientes aos sábados e trabalhava todos os dias”. Com a vasta experiência adquirida neste longo período, a recém-formada renovou seus projetos pessoais, entre os quais encontrar um espaço maior, em uma clínica”. Ana Bianca Hoje, no momento de dar Sessa um passo para uma nova fase em sua vida, como a mudança de consultório, Ana conta com a ajuda de mais pessoas, pacienMesmo com o sonho de ser tes, amigas e, ‘acima de tudo, famãe ‘desde sempre’, não era des- mília’. “Conto com muitas amigas ta maneira que Ana esperava ver seu sonho sendo realizado. que praticam crossfit e outras “Estava na reta final de terminar YouTubers que ajudam a indicar meu curso. Com o apoio da fa- o trabalho, além da família, pois mília e do pai do meu filho, co- no começo a gente atende todo loquei minha cabeça no lugar e mundo pra poder mostrar nosso segui em frente. Foram tempos trabalho”. difíceis, mas deu tudo certo”. Após formada, ela demorou Saúde X Diploma a ingressar no mercado de tra- O intenso estresse emocional balho e a dificuldade aumen- dos primeiros anos de vida protou com sua gravidez. Resolveu fissional foram os mesmos para aguardar e manter seu emprego Andrezza Baratella, de 24 anos. no antigo trabalho, até o nasci- Também formada pela Unisanta (Universidade Santa Cecília), mento do bebê. Logo depois, montou um a arquiteta passou por provaconsultório com a ajuda de uma ções durante seu tempo de esamiga. “Fomos atrás de um local tudante, mas tudo em nome do que apresentasse qualidade com amor pela decoração, que teve preço razoável e de boa locali- início em sua época de colégio. zação. E achamos nosso espaço “Decidi cursar Arquitetura ainque, apesar de pequeno, era per- da no ensino médio porque jofeito. Cabia apenas nossas mesas gava The Sims, que me propore cadeiras, mas ficamos apenas cionava prazer em construir e por um ano”, relembra com um decorar minha casa (risos)”. Ao terminar a escola e sorriso no rosto. encarar um ano de cursinho, Já com o filho e o consultório, Bianca arregaçou suas man- Andrezza foi aprovada na gas e arranjou outro emprego. universidade. A arquiteta revela O começo de tudo. “Neste ano, que ao se deparar com toda a consegui um emprego na UAN, carga de responsabilidade da

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vida adulta, sentiu-se assustada. “Não estava em casa, na minha cidade natal, em Iguape. Estava longe dos meus pais, da minha família. E vim para encontrar meu lugar, fiquei sem saber o que fazer, mas continuei”. Com a rotina de oito horas de trabalho em um escritório de contabilidade, mais a faculdade, onde lidava com cálculos e temas densos, teve de abdicar dos momentos de prazer ao lado de amigos, e dar tchau à vida social. “Deixei de sair, teve amigos que nem me chamavam para mais nada porque eu sempre dizia que estava estudando ou fazendo projetos. A faculdade era muito puxada, em alguns semestres eram oito matérias, a maioria ligadas a projetos, e cada uma tinha um diferente”. Não somente distante da vida social, Andrezza relembra que chegou a ficar seis meses sem ir para a casa dos pais, por falta de tempo. “Isso mexeu muito com meu psicológico e acabou me afastando um pouco deles também. Sabia que era tudo uma fase, e que era necessário naquele momento. Fiquei doente várias vezes por questões de estresse, de querer ir pra casa e não poder, ficar noites sem dormir e ir trabalhar cedo no outro dia”. Sua rotina foi se intensificando a cada dia, e o estresse foi tamanho que a estudante resolveu trancar o curso por um ano. Ela diz que a decisão foi bem difícil, pois pensava ter perdido tempo e acreditava que demoraria mais para se formar. “Foi tudo perturbador, mas percebi que era o melhor a ser feito. Voltei mais


Com a agenda em mãos, a arquiteta não perde um detalhe. No trabalho, organização é fundamental

focada”.

Hoje posso dizer que foi uma loucura e que sobrevivi”. Andrezza Baratella

Segundo Andrezza, essa época foi bem turbulenta, mas ela afirma que teve a oportunidade de dividir apartamento com pessoas de boa índole, sendo que algumas já conhecia de infância, outras conheceu lá. “Hoje posso dizer que foi uma loucura e que sobrevivi”, celebra. “A pressão diminui por parte da faculdade, mas a família também pressiona. Muitos não entendem que ser autônomo não é ser desempregado”, desabafa. Andreza confessa que não se vê em outra profissão, e se derrete em afirmar que seu sonho

sempre foi ser dona do próprio negócio “Com a situação do mercado de trabalho hoje eu acredito que seja a melhor opção. É difícil porque é uma área onde somos muito cobrados e precisamos aprender ‘na marra’. Apesar do preconceito com a mulher, me identifico com a parte de obras. Mas estou aqui para lutar pelo meu lugar, para o que almejo”. Segundo uma pesquisa idealizada por uma psicóloga, Karen Graner, a respeito dos cursos da área da saúde, o sofrimento psíquico atinge ao menos 30% dos estudantes brasileiros.

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30%

O foco e atenção são ‘ferramentas-chave’ para Andrezza liderar um projeto

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EQUILÍBRIO Já em escala mundial, esse número sobe para 49,1%, ou seja, a cada dois universitários, um não está com uma boa saúde mental. Para a psicóloga Camila Bugada Cardozo, o problema em trabalhar, estudar e cuidar de uma família, é olhar tudo com negativismo. “Quando a pessoa encara a vida de forma mais funcional e positiva, pode encontrar soluções que antes não enxergava”. De acordo com Camila, o primeiro passo é organizar o tempo, planejar. Por exemplo, fazer um cronograma do dia a dia para priorizar as atividades mais importantes que ela precisa desenvolver dentro de 24 horas. A psicóloga evidencia que balancear as prioridades é muito importante. “Tem momentos em que os estudos tornam-se o assunto principal, outros em que a família é quem precisa de ajuda, ou mesmo o trabalho, que demanda mais atenção, um olhar mais criterioso. Saber entender os momentos é essencial pra ter equilíbrio no dia a dia”. Mesmo com toda uma rotina planejada, bem arquitetada é possível que o plano não funcione, porque as atividades tendem a se misturar, mas é preciso conseguir ter esse olhar diferenciado, com calma, sem ansiedade e tentar estabelecer rotinas. Camila recomenda não introduzir mais atividades além das próprias limitações, e justifica que esta escolha pode resultar em algo desastroso. “Tentar abraçar mais coisas do

que realmente se consegue eleva o nível de ansiedade, estresse e frustração, porque provavelmente a pessoa não vai conseguir completar todas as tarefas planejadas”, orienta. A terapeuta aconselha calma e procurar desenvolver as tarefas de forma mais equilibrada. Ela afirma ainda que é possível dar atenção a tudo se a pessoa se programar e ter ações que a direcionem para um bem-estar. “Ter válvulas de escape como esporte, fazer algo para si”. Por fim, Camila ressalta que realizar as tarefas e tomar atitudes com tranquilidade, saúde , tanto mental como física é fundamental para uma vida mais saudável.

A pressão da sociedade quanto a atingir metas em determinado tempo, como acontece com os jovens, não é de hoje. A cobrança não apenas de escolher entre constituir uma família, ter tempo para descobrir e reinventar-se, ou até mesmo se lançar no mercado de trabalho, concorrido como nunca antes, está cada vez mais acentuada. Outro levantamento da Universidade Federal do ABC, a “Pesquisa Censo e Opinião Discente” mostrou que 17,92% dos trancamentos durante o ano letivo foram motivados por questões de saúde

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O estresse nO cOtidianO acadêmicO Problemas emocionais e principais fatores

%

Adaptação a Falta de mudanças da Disciplina cidade, moradia e Hábito e distância da família Relação com o professor

19,8

21,8

Carga de Trabalhos

Falta de dinheiro

42,21

36,1

28,7

Fonte: Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior)

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VIDA EM MOVIMENTO O QUE É MAIS RÁPIDO, O ÔNIBUS, A BIKE OU O VLT? TESTAMOS OS PRINCIPAIS MEIOS DE TRANSPORTES DO SANTISTA. EMBARQUE NESSA

Texto e Fotos: GUILHERME GASPAR, LEONARDO TADEU MAIOLINO E VINÍCIUS BORGES AUGUSTO Diagramação: GUILHERME GASPAR E VINÍCIUS BORGES AUGUSTO

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N

a árdua rotina das grandes cidades, tempo é algo precioso, o que explica porque há uma relação direta entre qualidade de vida e a eficiência do sistema de mobilidade urbana. Quanto melhor o transporte público, mais tempo sobra para o trabalho, para o estudo e o lazer. Sem contar que é extremamente estressante passar a maior parte do dia aprisionado no trânsito. Na Baixada Santista, o cenário não é muito diferente. O deslocamento de pessoas que moram em uma cidade e trabalham ou estudam em outra, é algo árduo e cansativo. De acordo com pesquisa realizada entre 2007 e 2012, disponível no Plano de Mobilidade Urbana da cidade de Santos, o tempo médio de duração das viagens de ônibus na Baixada Santista é, em média, superior a 40 minutos. Já utilizando a bicicleta, leva-se cerca de 25 minutos. A reportagem da Viral percorreu um mesmo trajeto, trecho entre a divisa Santos/São Vicente até a avenida Conselheiro Nébias, na altura dos campi da Unisanta e Unisantos utilizando diferentes meios de transporte. Fizemos o trajeto no horário de pico, por volta das seis horas da tarde, período em que muitos universitários estão a caminho de mais um dia de aula.

Minha rotina nos transportes é cansativa. Acredito que esse esforço é necessário, pois é o meu futuro que está em jogo” Brendon Gomes

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DE PARADA EM PARADA

O relógio marca mais um final de tarde na Baixada Santista. Bem na divisa entre as cidades de Santos e São Vicente aguardo o ônibus 934, que me levará até a avenida Conselheiro Nébias, na altura da UNISANTA. O ponto está cheio, mas ainda sobram alguns bancos sob o abrigo. O ônibus da empresa BR Mobilidade demora exatos quinze minutos para chegar. Como se trata de uma linha intermunicipal, a passagem é mais cara: R$ 4,50, a serem pagos ao mo-

torista. Dinheiro na mão, e ele mal calcula o troco que dará. Mas estava certo, pelo menos. Procurar algum lugar para sentar depois da roleta é perda de tempo. Falta lugar até para ficar em pé. O perfil dos passageiros varia, mas dá para perceber que a maioria são estudantes. Fones de ouvido encaixados nas orelhas, olho fixo na tela do celular, mochila nas costas e uma cara que estampa claramente muito cansaço são as características desses jovens. Como o ônibus

não tem ar condicionado, todos passam calor. E no rosto de alguns, da para ver um pouco de suor escorrendo. É claro que, por conta disso, todas as janelas ficam abertas. Mas, infelizmente, o vento que entra não é suficiente para compensar os trinta graus de temperatura marcados pelo termômetro na praia. Os passageiros seguram bem firme nos apoios, pois o motorista frea sem dó. Sempre freadas bruscas, sem se importar nem um pouco com dezenas de passageiros balançando para um lado e para o outro do coletivo. Em alguns pontos, pouquíssimas pessoas descem. Já em outros, uma quantidade maior. Porém, nada que faça o ônibus esvaziar, pois entravam pessoas mais ou menos na mesma quantidade das que saem. O trajeto segue pela orla da praia, cruzando os bairros José Menino, Pompeia, Gonzaga, até o Boqueirão, quando o ônibus vira na avenida Conselheiro Nébias, umas das mais movimentadas da cidade. A partir daí o movimento de descida de passageiros é mais intenso. Foram 35 minutos a bordo do ônibus, mais dez minutos a pé até chegar à UNISANTA, na rua Oswaldo Cruz. No relógio, passava um pouco das sete horas da noite. O trajeto é diário para Brendon Gomes, que utiliza a rede intermunicipal de ônibus, mas

Quando o espaço é pouco, até a porta de acesso é usada pelo passageiro

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Nem sempre o próximo ônibus é aquele que faz o trajeto desejado pelo passageiro. A espera pode ser grande para os usuários

faz um percurso ainda mais longo. Sua rotina tem início às 17h45, horário em que sai de casa, na Vila Cascatinha, em São Vicente. Ele cruza a pé as avenidas Antonio Emmerich e Prefeito José Monteiro para chegar ao ponto de ônibus. De casa até lá, Brendon leva cerca de dez minutos caminhando. Como Brendon, há outras pessoas que vão em direção às universidades, mas há também aqueles que retornam de São Vicente para Santos e, até mesmo, aqueles que apenas decidem dar um passeio no horário

de maior fluxo de pessoas. Raramente o estudante consegue se acomodar em um banco. Quando consegue, acaba tendo que levantar antes de chegar ao destino, pois está ocupando um assento preferencial. Durante os 40 minutos que se passam dentro do ônibus, Brendon percorre um trajeto que passa pelo teleférico, em São Vicente, e a Praça das Bandeiras, em Santos. Só depois chega ao ponto mais próximo da Universidade Santa Cecíliaonde estuda. De lá até a universidade, gasta mais cinco minutos.

Toda vez que vou a faculdade é a mesma coisa: em pé, apertado; não aguento mais!” Brendon Gomes

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VELOCIDADE EM DUAS RODAS Seguindo a rotina de qualquer estudante que trabalhe durante o dia, saio da divisa entre São Vicente e Santos com destino à Universidade Santa Cecília. De acordo com o aplicativo de mapas, o percurso tem 4,5 km de extensão. Começo a pedalar quando meu relógio digital marca 18h. Por conta do calor, levo na mochila uma blusa para que possa me trocar. Para ter um estímulo, coloco meus fones de ouvido e seleciono minha playlist. Sigo pedalando de acordo com o ritmo da música. Utilizo a ciclovia, que me proporciona um contraste incrível. Do meu lado esquerdo vem o barulho de buzina dos automóveis que se movimentam como se fosse uma centopéia gigante, afinal é horário de pico. À minha direita a paz e tranquilidade que vêm do maior jardim em formato de orla do mundo, segundo o Guinness World Records. Ao chegar no canal 1, começo a pensar que restam apenas mais dois a serem atravessados. Já entre os canais 2 e 3, posso perceber que o fluxo de pessoas é intenso na ciclovia. No bairro do Gonzaga muitas pessoas trabalham em comércios e escritórios. Isso justifica a presença de uma multidão na calçada e na ciclovia. Sigo meu trajeto sem ser interrompido, mas também sou seguido por uma fileira de jovens. A cada canal que cruzo, me

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sinto mais próximo da UNISANTA. Assim que alcanço o canal 3, observo um relógio de rua que indica a temperatura de 33°C. Pelo suor em minha testa, meu corpo concorda com o termômetro. Ao chegar na Avenida Conselheiro Nébias, o céu começa a escurecer, e eu já não tenho uma ciclovia para transitar. Quanto mais me aproximo da universidade, mais minha perna parece pesar, reflexo de um intenso dia de serviço. Em sete minutos, finalmente chego ao destino. Pedalar na ciclovia é rotina diária para Tarcísio de Andrade, que encontrou na bicicleta uma solução para sua ida até a universidade. Morador do bairro Santa Rosa, em Guarujá, o estudante fez os cálculos e chegou à conclusão que depender de ônibus era mais caro do que ter o seu próprio meio. Por isso, comprou uma bicicleta, que ajuda a ganhar tempo e dinheiro. Tarcísio sai de casa às 18h20 e, em menos de dez minutos já está na balsa, pronto para atravessar. Mais cinco se passam até que a balsa chega em Santos, onde o estudante pedala em ritmo constante durante vinte minutos. Chega na universidade dez minutos antes da aula começar, tempo que gasta para prender sua bicicleta e se hidratar. Chega à sala de aula cansado, mas com dinheiro no bolso.

Além de ser uma alternativa, a bicicleta é benéfica para a saúde


NA DIREÇÃO DOS TRILHOS Chego à estação João Ribeiro, em São Vicente, por volta das 18h20, com a sensação de que estava atrasado. Acostumado a me locomover de carro, não possuía o cartão BR mobilidade, então tenho que pagar a passagem na máquina de autoatendimento. A primeira coisa que me chama a atenção é o valor da passagem: com apenas R$3,80 consigo atravessar duas cidades (São Vicente e Santos). O preço é adequado ao bolso de um estudante, que evita pagar os R$4,50 do ônibus. Passo pela catraca da estação e me sento em um banco no local climatizado do embarque. Naquele momento, me lembrava de quando andei pela primeira vez no metrô de São Paulo. A estação tem um número considerável de pessoas, afinal é horário de pico. Enquanto algumas pessoas têm Santos como destino, outros seguem na direção oposta, para os bairros de São Vicente. O VLT chega em cerca de sete minutos e boa parte das pessoas na estação embarcam comigo. Assim que entro no vagão, procuro um lugar para me sentar. Com um calor de 30 graus do lado de fora, o ar condicio-

As estações de VLT estão posicionadas em pontos estratégicos das cidades

nado do veiculo dá um alívio no suor que escorre pelo meu rosto. A cada estação me sinto mais próximo do destino, a Universidade Santa Cecília. Quando paro na estação Bernardino de Campos, constato a presença de muitos jovens sentados, com celulares nas mãos, praticamente desligados de tudo o que acontece em volta. Assim como nos ônibus, os assentos preferenciais estão presentes. Como estava ocupando um, cedo o lugar para uma senhora. Ao alcançar a avenida Ana Costa, me aproximo da porta, pois estou há poucos minutos da estação Conselheiro Nébias. Desço do VLT às 18h48, acompanhado de uma multidão de universitários, que se deslocam para diferentes universidades. Ando mais cinco quadras até chegar ao meu destino, quase 40 minutos após minha partida. Quem também precisar utilizar o VLT para locomoção é o estudante Rafael Meireles. To-

dos os dias, ele acorda às sete e meia e parte para mais um dia de trabalho. Na estação Mascarenhas de Moraes, na Vila Margarida, ele passa o cartão de estudante na catraca, ainda bocejando e desejando que o tempo passe rápido para voltar o quanto antes à sua cama. Entre as ações dentro do VLT, Rafael confere os aplicativos de notícias a fim de se atualizar. Essa é uma das maneiras encontradas pelo estudante para espantar o sono que ainda persiste em seu olhar cansado. Durante o trajeto, passa pelo Centro, Itararé e Divisa até, finalmente, chegar na estação Ana Costa, onde atravessa a rua e chega ao trabalho

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O VLT ajuda muito, já que meu estágio fica em frente a uma estação” Rafael Meirelles

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Texto: ANA CAROLINE FREITAS, CAÍQUE STIVA, FELIPE REY Foto: CAÍQUE STIVA Diagramação: FELIPE REY

O TEMPO DA NOTÍCIA 44


A CADA 24 HORAS, O JORNAL IMPRESSO BUSCA RENOVAÇÃO PARA MANTER-SE ATRATIVO E RESISTIR À VELOCIDADE DAS REDES SOCIAIS

I

magine o desafio de produzir um conteúdo fresco todo dia, que em poucas horas envelhece e perde a atualidade. Assim é a rotina de jornalistas que trabalham em veículos impressos. Ao nascer do sol, repórteres, editores, pauteiros e todos que fazem a engrenagem da notícia girar iniciam uma corrida contra o relógio, que se repete a cada amanhecer. Quando o primeiro repórter entra na redação do Jornal A Tribuna, pouco antes das 8h da manhã, o editor já tem em mãos as primeiras pautas do dia. Em questão de minutos, outros repórteres chegam e recebem os assuntos que deverão explorar ao longo do expediente. Quem chega primeiro para receber das mãos do editor Marcelo Luiz é o repórter Eduardo Henrique Brandão, de 35 anos, que trabalha na editoria de Cidades. Há oito anos no Jornal A Tribuna e há 12 anos em redações veículos impressos, ele sai de casa com o nascer do sol e volta somente depois que a lua já começa a aparecer. Em entrevista à Viral, Brandão conta que a corrida contra o tempo dificultou ainda mais a produção de um impresso, já que vivemos em uma era em que as redes sociais têm muita força e a propagação de fake news é uma ameaça diária. “Os principais desafios são agilidade na apuração, no ofício de bem informar e concorrer com as redes sociais, que se tornaram arena livre para circulação de

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boatos. Em tempos de notícias pulverizadas e de propagação de fake news, como vimos no resultado do Brexit e das eleições nos EUA e Brasil, apuração séria, baseada nos pilares do jornalismo imparcial e ético, é única ferramenta eficaz para esse mal”, comenta. Com uma janela apertada para produzir uma edição completa para o dia seguinte, o que não faltam são imprevistos. As pautas que caem ou que não rendem o esperado tornam a produção de um jornal impresso uma briga contra o relógio. De um evento cancelado até uma morte de alguma per-

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sonalidade, passando por um grave acidente ou uma disputa por pênaltis na decisão de um campeonato, o relógio de uma redação pode ganhar mais horas e minutos além do previsto. Produzir um jornal impresso requer “jogo de cintura” para driblar as mais diversas situações que possam atrasar o fechamento. “Imprevistos na apuração são inerentes à profissão. Raros são os profissionais que não passam por apertos. Em especial, ocorrem ao fazer o papel esperado de um jornalista de exigir soluções de autoridades políticas às mazelas sociais. Nesse

momento de posicionamentos extremistas no campo político, quase fui linchado em um movimento em frente ao triplex atribuído ao ex-presidente Lula, no Guarujá, apenas por exibir a credencial do veículo de imprensa que trabalho. Também tive inúmeras vezes acesso negado para entrar em imóveis públicos, alvos de denúncias e em comunidades periféricas tomadas pelo crime organizado. Diplomacia e diálogo são nossas únicas armas”, comenta o repórter. Se os imprevistos afetam a equipe que sai às ruas, consequentemente dificultam a vida de quem fecha a edição do jornal.


Trabalho na redação do Jornal A Tribuna começa ao nascer do sol e se extende até o início da madrugada

R aros são os profissionais que não passam por apertos”.

Eduardo Brandão

Aos 55 anos de idade, 30 deles dedicados ao jornal A Tribuna, o editor de capas, Mário Jorge de Oliveira é o último a deixar a redação, geralmente quando o relógio marca os últimos minutos de cada dia. Segundo Mário Jorge, a imprevisibilidade é parte da profissão. “Várias vezes encontramos problemas. Uma votação na Câmara que se prolonga, por exemplo... Vamos ao máximo suportável em termos de horário. Quando não se chega a uma conclusão, comunicamos aos leitores que não houve desfecho até o fechamento da edição, porque a redação e a gráfi-

ca têm de estar em sintonia”. A poucos quilômetros da redação do Jornal A Tribuna funciona outro impresso da região: o Diário do Litoral. Ao contrário do Jornal A Tribuna, que não imprime mais seus exemplares na Baixada Santista desde o início do ano, o Diário ainda possui o próprio pátio gráfico em Santos. Para Alexandre Bueno, proprietário do Diário do Litoral, mudar a gráfica do litoral não é uma opção, já que, mesmo com a ascensão das redes sociais, o jornalismo impresso ainda é fundamental para a sociedade. “Informação no papel tem o poder documental, ou seja, é

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Há três décadas no Jornal A Tribuna, Mário Jorge completa a etapa final da edição, antes da gráfica.

algo palpável. Na era das fake news, o jornal impresso tem parte importante e fundamental no processo democrático. Além disso a notícia tem mais detalhes, mais informação, não é apenas ler as manchetes”. Ainda, a manutenção da gráfica na Baixada é mais um ponto na luta contra o tempo, já que imprimir as edições em São Paulo, como A Tribuna, poderia atrasar a chegada dos jornais à região. Até agora, A Tribuna não teve problemas com isso, segundo

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Mário Jorge, mas é um risco que o jornal corre em prol da economia. Depois de um dia de entrevistas, apurações, imprevistos e muita correria, tanto em A Tribuna, quanto no Diário do Litoral, enfim chega a hora de fechar a edição, o que acontece, normalmente, por volta das 23h30 em dias “normais”. É nessa hora que Lucimar Gomes se torna o principal responsável pela circulação de um dos jornais de Santos. Lucimar

é impressor chefe do Diário do Litoral e comanda as operações na gráfica, localizada na Rua General Câmara, no Centro de Santos. Do momento em que recebe o aval da redação, Lucimar e sua equipe levam aproximadamente duas horas e meia para imprimir toda a tiragem e, enfim, iniciar a distribuição, que começa após às três da madrugada. O processo, que costumava ser demorado, ganhou agilidade com a evolução da tecnologia. As páginas chegam mais rápido através do sistema utilizado pelo veículo e dão mais velocidade ao processo. Para que os jornais cheguem aos leitores, o arquivo final é enviado à pré-impressão, onde as chapas são gravadas e aplicadas no cilindro rotativo. Cada cilindro tem frente e verso do jornal, e uma cor definida, entre ciano, magenta, amarelo e preto. Da chegada do arquivo ao início da aplicação das chapas os funcionários levam cerca de meia hora. Após este processo, inicia-se a impressão, que passa primeiro pelo acerto de máquina, ou seja, o encaixe das cores para que o registro fique perfeito. No final, os jornais passam pelas esteiras, onde são feitos os pacotes para que sigam para as bancas e casas dos assinantes. Todo esse processo ocorre enquanto a noite é mais escura e dura aproximadamente duas horas e meia para que as tiragens fiquem prontas e formem as pilhas que saem para as bancas. Depois de uma jornada cansativa, Lucimar, que já trabalha há uma década na madrugada, atende à reportagem da Viral


Nas instalações da gráfica desativada do Jornal A Tribuna, jornais chegam para a distribuição e as sobras retornam ao local.

e, com um semblante cansado, mas contente pelo trabalho realizado, explica que sabe da importância do seu trabalho para o veículo. “O desafio é grande, pois sabemos a importância nossa no processo final. Não adianta boas matérias e grandes fotos se a impressão não estiver de acordo e no prazo correto para

a distribuição”, comenta. Quando o sol já ameaça aparecer no céu santista, Lucimar deixa a gráfica. Pouco tempo depois, tanto a redação do Diário como do Jornal A Tribuna, começam uma nova jornada de apurações, entrevistas, imprevistos e tudo que faz do jornalismo uma das profissões mais gratificantes que existem

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Vamos ao máximo suportável em termos de horário. (...) a redação e a gráfica têm de estar em sintonia”. Mário Jorge

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Texto: MARINA ESTEVÃO E VICTORIA MECHENAS Fotos: ANA GABRIELA SALU E PABLO MELLO Diagramação: ANA GABRIELA, MARINA, PABLO E VICTORIA

(R)EVOLUÇÃ FEMININA DE DONA DE CASA SEM DIREITO A DONA DE SI: COMO O PAPEL DA MULHER MUDOU EM UM SÉCULO

Q

uando se pensa no papel da mulher atualmente, tem-se uma imagem de alguém que trabalha fora de casa, estuda, tem hobbies… em suma, alguém que está livre para fazer suas escolhas. Para muitas jovens, isso é considerado normal. Contudo, nem sempre foi assim. O papel da mulher mudou ao longo do último século. Somente em 1932, por exemplo, as mulheres conquistaram o direito ao sufrágio - a partir disso, puderam participar mais ativamente da política através do voto. Em1962, conquistaram o direito de trabalhar, receber herança e solicitar a guarda dos filhos sem a autorização do marido. Até 1977 não era possível se divorciar no Brasil. A única alternativa era o desquite, em que o casal deixava de viver junto e sem comunhão de bens, mas mantendo o vínculo matrimonial e sem

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a possibilidade de casarem-se com outras pessoas. Em 1988, graças à Lei do Divórcio, passou a ser legal se divorciar e casar novamente. Pode ser difícil pensar em um mundo onde se dependia da permissão masculina para realizar quase tudo. Porém, algumas décadas separam esses acontecimentos. Mulheres das gerações passadas resolveram não passar esse tipo de comportamento adiante e, assim, criar suas filhas e netas de uma forma diferente, exatamente do jeito que gostariam de terem sido criadas. Esse é o caso de Cleide Guerra Mendes, nascida em 1953. Em sua infância, brincava com os irmãos e primos no quintal de casa. Por mais que tivesse liberdade, aos 10 anos já tinha


Ao contrário de Cleide, Nicole pôde fazer suas próprias escolhas na juventude, sem se preocupar com casamento, filhos e obrigações com a casa

muitas obrigações. Assim como a mãe, acordava às 5h30 para fazer café antes do pai sair para o trabalho. A família era grande - Cleide era a única filha mulher da casa com quatro irmãos. Todos os meninos eram incentivados a estudar e trabalhar para garantir o futuro. Mas mesmo com esse incentivo, os irmãos deixaram a escola cedo sem a permissão da mãe. “Quando ela descobriu, já fazia seis meses que eles não iam para a escola. E eu que queria estudar, não podia”, lamentou. A adolescência de Cleide foi como a da maioria das mulheres daquele tempo. Sair de casa sem os pais, voltar tarde para casa e namorar? Nem pensar. “Mas se for para ter namorado, aí vai ter que casar”, era o pensamento consolidado. E

foi exatamente o que aconteceu. Casou-se aos 18 anos de idade. Hoje em dia, as pessoas que tem certo apoio familiar optam por estudar antes de constituir família, às vezes, nem as constituem. Segundo as estatísticas do Registro Civil de 2017, levantadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de casamentos no Brasil caiu 2,3% em relação ao ano anterior. Ainda segundo os dados, a média de idade das brasileiras que se casam é de 28 anos. O pensamento da mulher mudou muito conforme os anos, devido à mudança na educação que foi passada a elas. Cleide tinha o sonho de se tornar psicóloga, mas foi criada para acreditar que as mulheres não precisavam trabalhar. “Meu pai falou que

Meu pai falou que mulher não precisava estudar” Cleide Guerra

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1971 Cleide se casou aos 18 anos. Não pôde realizar o sonho de estudar Psicologia. Formou sua família e hoje tem 66 anos de idade.

2019 Sua neta, Nicole, tem liberdade de fazer o que quer profissionalmente. Ela está cursando o segundo ano de Jornalismo.

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mulher não precisava estudar, os homens é que precisavam. Depois que eu casei, aí que não podia mesmo”. Toda essa vivência fez com que ela desse uma criação diferente a seus filhos e netos. Nicole Zadorestki Caroti, 19 anos, foi criada pela avó materna desde os 11 meses de vida. Com a ausência dos pais em vários momentos da infância e adolescência, tinha a avó como um exemplo de vida. Ela foi criada em um ambiente com muito diálogo, onde se priorizava uma criação humanizada, procurando-a fazer enxergar o mundo da melhor forma possível e ser independente. Nicole sempre viu os direitos das mulheres muito diferentes dos direitos dos homens, e percebeu isso dentro do próprio convívio familiar. Cresceu cercada de histórias que as mais velhas contavam sobre o machismo enraizado na família, coisa que fez com que elas desistissem de muitos sonhos. A estudante de Jornalismo vê com nitidez a diferença de criação nos aspectos profissional e educacional em comparação com a avó. Nicole sempre teve uma vida ativa, buscando independência financeira e conhecimento. Além de estagiar já na área escolhida pela estudante, como produtora de conteúdo e repórter em uma TV, a jovem também é participante do Instituto Querô, que a estimula ainda mais na área audiovisual. Além disso Nicole também possui uma loja

online, onde revende roupas e acessórios obtidos em brechós e lojas de segunda mão para seus seguidores na rede social. Vê-se, então, um contraponto muito grande entre as duas criações. Cleide foi criada em um ambiente onde as mulheres eram ensinadas a não terem voz e não irem atrás dos seus direitos, tornando-as reclusas e submissas aos homens. Já Nicole obteve todo o apoio familiar para a construção de seus sonhos e objetivos de vida. “Eu me sinto uma vitoriosa dentro da minha família. Minha avó tinha o sonho de fazer uma faculdade e não conseguiu. Para ela, ver a neta conseguir é uma conquista”. Outra diferença nas duas criações são os campos sociais. A avó casou-se cedo com o primeiro namorado e não teve liberdade de se relacionar com quem quisesse, na hora que quisesse. Existia um grande tabu a respeito dos relacionamentos afetivos e amorosos das mulheres. Viviam em um ambiente onde não existia diálogo. Conversar sobre tais assuntos era considerado errado. Por esse motivo, Cleide resolveu educar a menina em um ambiente onde não existissem tabus sobre isso, passando a própria vivência para a neta, a fim de fazer Nicole ter uma visão mais ampla de relacionamentos antes de se envolver em um. A futura jornalista namora há três anos, mas não pensa em casar por ora. O foco é terminar os estudos e se tornar uma mulher independente antes mesmo de cogitar o assunto.


Aos 79 anos, Beatriz se mantém ativa e criativa

À FRENTE DE SEU TEMPO Beatriz Y. Allevato de Rota-Rossi, 79 anos, viveu na pele esse período em que a mulher não tinha tanta autonomia. Argentina radicada em Santos, Beatriz é artista plástica, escritora e professora universitária. Ela guarda muitas histórias na memória, dividida entre o tango e o do samba. Aos 19 anos, estava casada - algo comum naqueles tempos. Na época, Buenos Aires fervia com a influência de correntes filosóficas como o existen-

cialismo, de Jean-Paul Sartre. Beatriz e seu então marido faziam parte de um desses grupos. Ela não faz questão de esconder seu posicionamento político. Se considera anarcopacifista e durante a juventude foi filiada ao Partido Socialista. Sua vinda ao Brasil em junho de 1967 não foi por causa da repressão política argentina. Aos 41 anos, veio para Santos com sua família devido a uma proposta de trabalho de seu segundo

marido. Às vésperas da edição do Ato Inconstitucional número 5, o país vivia um retrocesso em vários aspectos, incluindo os direitos femininos. Uma das histórias que relembra como sinal do machismo daquele tempo foi uma vez que entrou sozinha em um bar de Santos. Beatriz ficou até tarde em uma exposição de arte, e decidiu tomar um vinho. Segundo ela, era costume sentar em um bar na Argentina com os seus colegas da Escola de Arte e

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As mulheres têm que deixar de ser machistas”

Beatriz Rota-Rossi

pedir a bebida para se aquecer. “Me olharam com uma cara de surpresa, de cima pra baixo. O balconista disse que não tinham vinho. Então, pedi um conhaque. Ele olhou e disse ‘olha, eu percebo que a senhora não é uma prostituta, mas aqui, mulher não bebe álcool”. Segundo Beatriz, o movimento hippie, nos anos 70, possibilitou uma mudança de como a mulher era vista na época. Seu vestuário para dar aula de História da Arte era uma tiara na cabeça, roupas

compridas e pés descalços. “Ser divorciada, de esquerda e hippie era a pior coisa que podia haver”. Em contraponto, o Brasil sofria muita repressão nos anos de ditadura militar. Em uma das manifestações da qual fez parte, na Avenida Paulista, ela e alguns outros militantes sentaram-se no chão com flores, simbolizando o movimento pacifista. A ideia era colocar as flores no cano dos revólveres dos policiais, mas a reação deles foi de violência. “Me levaram pra uma esquina e me deram muito tabefe”. A professora conta que panfletagem, textos e diálogo com os trabalhadores ajudavam o movimento a crescer. Beatriz é mãe de duas filhas. Quando sua primeira filha era criança, a educação era totalmente diferente. “Apesar dos estigmas da época, não queria que ela crescesse numa redoma.“ “Durante um período, eu moAlexsander Ferraz/A Tribuna

rava numa comunidade hippie, já no Brasil. Ela foi criada com total liberdade”. A segunda filha seguiu os mesmos princípios de amizade e respeito ao próximo. Depois de adultas, passaram para seus filhos e filhas. A julgar pelo seu histórico, Beatriz foi uma mulher à frente do seu tempo. Quebrou barreiras para se opor à repressão política na ditadura, dividindo seu tempo com a profissão, o casamento e a maternidade. Como artista plástica mostrou seus trabalhos em museus, salões e galerias no Brasil e no exterior. Sua obra é parte de vários acervos em diferentes museus nacionais e internacionais, além dos livros publicados. Continua ativa como professora na Universidade Santa Cecília (Unisanta). Mais do que lecionar Arte e Comunicação, ela dá uma aula de como ter coragem e lutar pelo que se acredita, independentemente do contexto. Nesses quase 80 anos, Beatriz percebe a evolução feminina, mas acha que muitas mulheres ainda reproduzem parte do machismo com que foram ensinadas. “As mulheres têm que deixar de ser machistas. É incrível como encontro essa postura ainda hoje”. De acordo com ela, um exemplo desse comportamento é rotular outras mulheres por causa de estereótipos. Ela acredita que os homens devem ser aliados na causa para que seja efetivo. “Não é uma luta só de mulheres. Dessa forma, eles aprenderiam muito também”

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Beatriz viveu em época onde as mulheres não tinham direitos. Lutou contra a repressão política na ditadura, para que as mulheres pudessem ser mais livres

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CONQUISTAS DAS MULHERES NO BRASIL 1827 Foi permitido que meninas finalmente frequentassem colégios e estudassem além da escola primária 1897 As mulheres têm autorização do governo para estudar em instituições de ensino superior 1910 É criado o Partido Republicano Feminino, reivindicando o direito ao voto e à emancipação feminina 1916 É sancionado o Estatuto da Mulher casada, garantindo que a mulher não precisa mais de autorização do marido para trabalhar, receber herança e, em caso de separação, ela poderia requerer a guarda dos filhos 1979 Eunice Michilles, então representante do PSD/ AM, torna-se a primeira mulher a ocupar o cargo de senadora

1980 A partir desse ano, as Forças Armadas passaram a aceitar mulheres

2006 A Lei Maria da Penha (nº 11.340) foi sancionada para combater a violência contra a mulher

1985 Primeira DEAM (Delegacia de Atendimento Especializado à Mulher) surge em São Paulo. Essas unidades atuam em crimes de violência doméstica e sexual contra as mulheres

2010 Dilma Rousseff é eleita a primeira mulher presidente do Brasil

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TITULO Rockwell/ tamanho livre LINHA FINA Rockwell/ italico 12 TEXTO Myriad 12/14 INTERTITULO Rockwell/ bold/ 12 LEGENDA Myriad semibold italic 10/12 OLHO chaparral pro ITALIC 16/18

A INFLUÊNCIA DA

OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA Texto: JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO E MATHEUS GERLACH Foto: MATHEUS GERLACH

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Dos primórdios das câmeras carregadas por 10 pessoas ao tempo das microcâmeras. O avanço tecnológico aliado à sua durabilidade

O ASSUNTO DIVIDE OPINIÕES ENTE CONSUMIDORES E ESPECIALISTAS E É PEÇA CHAVE NA ECONOMIA

A

obsolescência programada consiste na decisão do fabricante de determinado produto de propositadamente desenvolver, fabricar, distribuir e vender um produto para consumo de forma que ele tenha um tempo programado para que o mesmo se torne obsoleto ou não-funcional, tendo como objetivo especificamente forçar o consumidor a comprar a nova geração do produto. Essa ação tem impacto direto no dia a dia do consumidor em sua relação com os produtos tecnológicos. Além disso, a obsolescência programada influencia diretamente na economia, tanto em esfera local, regional como global, já que ela é responsável por manter a rotatividade de produtos a venda nas lojas.

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A vitrola era a responsável pela reprodução dos conteúdos dos discos de vinil

Esse fenômeno é comumente associado ao processo de globalização, entretanto, o seu início pode estar vinculado à Grande Depressão de 1929. Durante a profunda crise econômica que marcou esse período, diante de um mercado consumidor impotente, observou-se que havia muitos produtos industrializados em estoque e que não eram comercializados, diminuindo o lucro das empresas, aumentando o desemprego e, consequentemente, reduzindo o consumo e aumentando a crise. Diante disso, observou-se que produtos duráveis desfavoreciam a economia, pois reduziam o consumo. Entre os economistas norte-america-

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nos, tornou-se popular o jargão “Um produto que não se desgasta é uma tragédia para os negócios”. Recriminável ou não, esse tipo de atitude tem se tornado cada vez mais popular. Para alguns, funciona até como um incentivo a atualização tecnológica do mundo – o que não é uma mentira, afinal cada vez mais temos visto o lançamento de versões atualizadas de eletroeletrônicos em um pequeno período de tempo; ao bem da verdade, isso estimula o comércio e a indústria. Já em outro lado, acaba por inchar a produção, correndo o risco de até atrapalhar as vendas. Fato é que o tema divide as mais diversas opiniões.

A obsolescência programada é parte fundamental da economia”

José Morilla Coord. Eng. Prod. Unisanta


Coleção de disco de vinil do Museu da Imagem e do Som de Santos está disponível para visitação

Exemplos da prática Um modo como podemos exemplificar essa situação foi o caso do lançamento do iPad 4, da empresa Apple, que foi processada pelo Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática por lançar a versão poucos meses depois de ter colocado em circulação o iPad 3. Os usuários desse produto, diante do lançamento de uma nova versão que pra-

ticamente não apresentava diferenças técnicas, viram o seu produto como obsoleto e procuraram comprar a nova versão. Vale lembrar que essa não é uma ação de uma única empresa, mas uma tendência coletiva de mercado. Nem sempre essa “defasagem proposital” acontece em um meio palpável. Os softwares de aparelhos eletrônicos também acabam por sentir o

efeito dessa atitude. A já citada Apple, em meados de 2017, comunicou de forma oficial que fazia uso dessa programação. Ela era dada por meio da redução de desempenhos dos seus smartphones iPhone caso esse possuísse uma bateria antiga, uma queda de 20% do rendimento total aproximadamente. Em reportagem do “The Verge” a companhia declarou:

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TV de tubo e TV 4K de última geração, em pouco tempo, um salto entre o antigo e o novo

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“No ano passado, lançamos um recurso para o iPhone 6, iPhone 6s e iPhone SE para suavizar os picos instantâneos [de consumo] somente quando necessário para evitar que o dispositivo se desligue inesperadamente nessas condições. Agora estendemos a funcionalidade para o iPhone 7 com o iOS 11.2 e planejamos adicionar suporte para outros produtos no futuro”. Não é apenas a Apple que se beneficia desse consumo forçado. Sua principal rival, a Google também adotou essa prática de influência indireta. O seu sistema operacional, o Android recebe atualizações frequentes, porém, essas são exclusivas para cada modelo de telefone. Por exemplo, quando o MotoE5 foi lançado no ano de 2018, recebeu o sistema Android Go, algo que é capacitado apenas para os aparelhos com 1GB de memória RAM. Já os celulares com capacidade acima, receberão a atualização para o sistema Android Pie Go, que está um degrau acima do supracitado.

atualizado as tendências do momento. Sempre que posso troco meu celular. Na verdade, passo o meu antigo pra frente e compro outro”, afirmou o jovem. Entretanto, alguns consumidores mais velhos conseguem perceber a diferença do tempo de vida dos produtos.”O meu primeiro celular era aqueles da Nokia, ‘tijolão” mesmo, levei anos para trocar de aparelho. Hoje em dia, mesmo com a tecnologia mais avançada, eu tenho que trocar de celular a cada um ou dois anos.” Afirmou Rosalina de Farias, aposentada de 70 anos. E completou dizendo que observa seus netos trocando videogames, computadores e etc. com muita frequência, sendo que em sua casa, o computador de anos ainda funciona. Enquanto no lado do consumidor esse tipo de atitude não é identificado com facilidade na maioria das vezes, o meio empresarial e industrial tem uma ligação mais forte com a obsolescência programada. Em certos momentos, essa atitude acaba por ser prejudicial para alguns Divergência sobre o tema ramos em específico, é o que O tema soa como polemico no nos conta o engenheiro Lucas meio empresarial e também Resende; “Eu atuo na área pordentre alguns consumidores. tuária e acabo percebendo que Como esse tipo de informação alguns produtos chegam com – sobre a tal programação pra validade certa, as vezes bem anobsolescência dos produtos – tes do previsto. Isso acaba fornão chega facilmente ao gran- çando que a empresa peça mais de público, não são todos que peças, materiais e até ferramense interessam pelo assunto. tas três vezes mais. É muito preMatheus Oliveira, de 23 anos judicial pro nosso orçamento e e atuante no ramo do Comercio rotina de trabalho.”, desabafou Exterior afirma desconhecer o Lucas, que atua há mais de 10 tema: “Nunca ouvi falar sobre anos em empresas da área porisso, mas sempre me mantenho tuária em Santos

Nunca ouvi falar sobre isso, mas sempre me mantenho atualizado as tendências do momento

Matheus Oliveira

Acabo percebendo que alguns produtos chegam com validade certa, as vezes bem antes do previsto Lucas Rezende

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UM LUGAR QUE QUEREMOS VISITAR.” Textos e fotos: BRUNA GONZALEZ E ANDRÉA NERIS Diagramação: BRUNA GONZALEZ

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QUAL A ORIGEM DO TEMPO? HOUVE UM COMEÇO? HAVERÁ UM FIM? O ASTROFÍSICO STEPHEN HAWKING DEDICOU UMA VIDA ÀS PERGUNTAS MAIS INQUIETANTES DO UNIVERSO. FOMOS ÀS RUAS OUVIR O QUE OS CIDADÃOS COMUNS PENSAM SOBRE OS TEMAS QUE INTRIGAM A HUMANIDADE, COMO FUTURO, VIAGEM NO TEMPO E VIDA ALÉM DA MORTE

E

m sua última obra, Breves repostas para grandes questões, o cientista britânico Stephen Hawking buscou responder 10 perguntas que movem a curiosidade e o pensamento de praticamente todo ser vivo. Por que sentimos a necessidade de prever o futuro? A inteligência artificial vai nos superar? São alguns do mistérios que Hawking tenta desmistificar ao longo de 255 páginas. Convidamos seis cidadãos comuns, uma psicóloga, um biólogo, um gerente comercial mórmon, um dono de uma empresa de tecnologia que também é evangelista, um jornalista e um empresário australiano para responder às questões de Hawking e refletir um pouco mais sobre a passagem do tempo. O astrofísico Stephen Hawking morreu em março de 2018 aos 76 anos de idade, depois de passar mais de 50 anos praticamente imobilizado pela esclerose múltipla. Sua obra mais famosa, Uma breve história do tempo, teve mais de 10 milhões de exemplares vendidos no mundo todo, discutiu de forma acessível os mistérios insondáveis do universo, como o buraco negro e o Big Bang. O homem que um dia sonhou viajar no tempo e visitar o futuro deixou um legado importante para quem acredita que a passagem do tempo não cabe no simples movimento dos ponteiros de um relógio. Confira o que pensam os nossos entrevistados.

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Início Glenn Ian Buckigham, australiano de 51 anos 24 dos quais com residência no Brasil, acredita que de acordo com a Teoria da evolução de Charles Darwin tudo é um ciclo.

Como tudo começou? Como uma pessoa não muito religiosa, acredito que tudo começou bem antes de Cristo, não com o Big Bang, mas com algo que tinha algum tipo de vida e foi evoluindo como os dinossauros, e que em algum momento isso vai se adequando como um ciclo, não vai simplesmente acabar mais é um processo de algo que vive, morre e vai para a próxima situação. Mesmo que a humanidade acabasse hoje em milhões de anos surgiríamos de uma outra forma.

Será possível colonizarmos outros planetas? Pra mim ainda temos muito para aprender aqui na Terra, antes de irmos para fora. Porém, acredito que em algum momento, se a Terra estiver muito doente, os líderes mundiais se unirão para avançar nessa missão, de colonizar outros planetas.

Previsões Daniela Gomes, que trabalha na área da Psicologia já há 24 anos, oferece uma consulta não só psicológica, mas também astral, já que as cartas de tarô fazem parte do trabalho.

Por que sentimos a necessidade de prever o futuro? Tentamos prever o futuro para não perdemos o controle de nossas ações e apaziguar o medo. A vontade de controlar nossa jornada vem da sensação de impotência e da esperança de mudança, de saber onde ir e onde poder confiar sua segurança de ser.

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Por que formular grandes questões? A necessidade de descobrir é algo instintivo do ser humano. Temos que aceitar que somos curiosos por natureza e que é algo necessário, que nos tira da zona de conforto e que nos move para grandes respostas.

Agora, se estamos ou não preparados para respostas futuras, isso vai depender do objetivo de cada busca. Se o foco for de saciar a curiosidade, ótimo! O saber está acima de qualquer coisa. Mas se o medo do futuro ou de alguma possível resposta negativa dominar, isso pode levar a procrastinação, impedindo que haja o crescimento intelectual e limitando o ser a apenas desculpas e esquivas.


Ciência e religião caminham juntas para o futuro? De acordo com a filosofia que sigo, acredito que a tecnologia e a ciência são inspirações criadas por seu Deus e que cada vez mais estaremos conectados. Em um mundo em que Deus vive tudo é tecnológico, pra mim Deus é definitivamente a Ciência.

Deus é ciência Fábio Leite, mórmon e gerente comercial da associação comercial de Praia Grande

Há vida inteligente fora da Terra? De acordo com minha doutrina, há indícios de vida fora da Terra, então nada mais que natural do que visitarmos e colonizarmos outros planetas, uma vez que acredito que alguns planetas já são habitados por alguma espécie inteligente. Visitar esses planetas será possível.

Plantas e Planetas Dentro do Herbário, que carrega o seu nome, a bióloga e professora da Unisanta Zélia Rodrigues de Mello, pensa na possibilidade de alimentos para se cultivar em um futuro onde não o homem não habite mais a Terra.

Quais plantas você levaria para o espaço? Por acreditar que no futuro poderemos colonizar outros planetas, levaria plantas que pudessem ser úteis para a alimentação. De todas as plantas que conheço, e já pesquisei na vida, escolho as briófitas. Por serem resistentes, podem viver em climas áridos e secos, mas também podem ser da espécie aquática, que não possuem raízes. Um exemplo de briófita, é o musgo. Por mais que as briófitas não tenham a característica de darem flor, fruta e nem semente, elas são mais resistentes e podem servir de alimento. Eu penso assim, se eu for colonizar algum lugar, é minha obrigação, levar alimento às pessoas.

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Religião e tecnologia no mesmo espaço

Claudio Evangelista é proprietário da PGNET, empresa provedora de internet na cidade de Praia Grande. É interessado por temas científicos, como inteligência artificial e o futuro das cidades.

Deus existe? Acredito que o simples fato de presenciar o nascimento de animais é um indício da presença divina. Quando você vê o nascimento de um animal percebe a presença de Deus nisso. Por mais perfeita que seja a tecnologia na reprodução de comportamento humano, o poder da criação natural vem do homem, sempre trabalharemos juntos, homens e máquinas.

A inteligência artificial vai nos superar? Acredito que, em no máximo 10 anos, termos mudanças significativas no dia a dia das cidades. Teremos mais carros automatizados, como já existem hoje em outros países, lojas com atendimento feito por identificação facial, auto atendimento com um robô que conversa com o cliente. O que não quer dizer que, no futuro, a tecnologia tomará o lugar de alguém, mas que a evolução vai trazer mudanças e teremos que nos adaptar à isso.

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Passado e Futuro Eduardo Ricci, jornalista e diretor de cinema, conhecer o passado e de formas múltiplas é importante, para que nenhuma ideologia ou vertente influenciem o futuro.

Sabermos o passado é importante para o futuro? O que vivemos agora é influência de algo que aconteceu. É importante conhecermos o passado de formas múltiplas, o saber do passado está presente no agora, ela não é linear com começo, meio e fim, a história volta a se repetir, ela avança e regride. O passado é importante, porém, não devemos nos prender a isso. Observar o passado e as glorias do passado é muito importante para projetarmos o futuro. Na arte, hoje, vemos a refilmagem de grandes sucessos, usamos a história como base mas entendemos essa história para que ela dialogue com o presente, com as cores do agora, com toda essa diversidade. Essa é uma das missões da arte

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VIRAL

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