REVISTA LABORATÓRIO ED. 15 | AGOSTO 2022
PERFIL
Thiago com ‘T ‘ de Tsuru
Conheça esse e mais outros personagens ímpares da região
SUMÁRIO 8
REVOADA DE TSURUS
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O DONO DO RINGUE
ENXERGANDO LONGE Romilson Allison atravessou o Brasil para encontrar o seu lugar no mundo
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MÚSICA PARA VER
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DA QUEBRADA ÀS PARADAS
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UM SERTANEJO À BEIRA-MAR
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CIENTISTA DA NATUREZA
O desafio do maestro Estógio à frente de uma banda de deficientes visuais
Compositor Anderson Lourenço conta como deu a volta por cima
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SAVAZONI, DO PROCOMUM
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FERNANDA BOGUE
Filipi Roma sonha em conquistar o mundo com voz e violão
Fábio Giordano fez da biologia um modo de enquadrar o mundo
Confira as produções digitais PARA SABER MAIS:
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CARTA AO LEITOR
E XPEDIENTE Diretoria da FaAC Prof. Fábio Giordano
Coordenador de Jornalismo Prof. Robson Bastos Professores Responsáveis Helder Marques, Nara Assunção e Raquel Alves Capa Foto por Projeto Gráfico Original Diego Kassai, Gabriel Chiconi, Kelvyn Henrique e Nathália Affonso Rua Oswaldo Cruz, 266, sala 321 Santos I São Paulo Realização:
Todo ser humano tem uma história e cada uma delas causa um impacto no mundo. Porém, na correria do dia a dia, nem sempre paramos para observar, ouvir ou ler atentamente uma boa história. Pensando nisso, esta edição da revista Viral traz a você, caro leitor, uma miscelânea de perfis que nos fazem viajar por todo tipo de vivências, desde as expedições no Brasil e pelo mundo empreendidas pelo professor e biólogo Fábio Giordano até as lições de vida tiradas de uma trajetória de superação pelo lutador e campeão mundial dos pesos-leves do UFC, Charles do Bronx. Esta edição relata ainda a perseverança de uma estudante que venceu a depressão e conquistou um concurso internacional de bolsas de estudo e já está carimbando o passaporte para estudar em uma das mais concorridas escolas de negócios da Coreia do Sul. A Viral é assim, tal como os personagens que apresenta, é feita de perseverança, superação e de aventuras na busca incessante por novas histórias.
Boa leitura!
Sutileza, leveza e cuidado; Thiago sobe os passáros coloridos de papel
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THIAGO COM
‘T’DE TSURU
DURANTE A PANDEMIA DO CORONAVÍRUS ENFERMEIRO TRANSFORMOU LUTO EM ARTE POR MEIO DO ORIGAMI TEXTO: FERNANDA LIMA E LAURA LAMOUCHE FOTO: THIAGO GOMES DIAGRAMAÇÃO: JULIANA VAZ
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om uma certa aura de anjo, Thiago poderia até se chamar Gabriel, mas não é o caso aqui. Nos tempos tenebrosos em que o coronavírus imperou nos hospitais e postos de saúde do país, a paz e serenidade que o auxiliar de enfermagem Thiago Gomes transmite para seus pacientes é, sem dúvida, algo na lista de itens essenciais. Ele tem jeito com gente, e como o significado da sua profissão expressa, cuidar do próximo sempre foi uma facilidade. No Instituto de Infectologia Emilio Ribas, Thiago atendeu os primeiros casos de covid da capital e assim viveu dias intensos e intermináveis trabalhando na UTI. Quando foi transferido para o Hospital Guilherme
Álvaro, em sua cidade natal, Santos, a luta continuou. Nove meses depois do decreto de pandemia, o auxiliar passava o plantão na Enfermaria ‘covid’ e, na volta para casa, o peso de talvez transmitir a doença para a avó, a mãe a irmã ou a prima recebia o primeiro lugar em sua lista de medos. A DOR VIVIDA E ASSISTIDA A dor não foi só a de assistir pessoas morrendo nem de acompanhar o desespero dos parentes que não puderam se despedir de seus entes próximos. Essa mesma angústia foi sentida por ele quando teve que dizer adeus a amigos e colegas de trabalho, que não resistiram à ação implacável e impiedosa do vírus. Thiago perdeu seu irmão para a doença quando ain-
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A pandemia não mexeu somente com o psicológico e espiritual das pessoas, mas também com o coração Thiago Gomes Enfermeiro
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da era chamada de ‘gripezinha’ pelo presidente Bolsonaro. Como forma de superar tudo o que viveu, não só ele, mas muitos brasileiros, Thiago se apegou à religião. É praticante da igreja messiânica, doutrina oriental que defende a crença no Johrei como principal elemento, com a transmissão de luz divina pela imposição das mãos. Acredita-se que a prática traz, além de purificação espiritual, bem-estar, cura, e garante saúde perfeita, fatos que fizeram com
que o profissional mantivesse, acima de tudo, seu equilíbrio emocional. Aliado a isso, Thiago também buscou abrigo na ikebana, prática que se baseia na arte de montar arranjos, que visa transmitir paz e harmonia no ambiente através das flores. O VOO DO TSURU Mas foi na arte dos origamis que ele encontrou um caminho para a paz interior. Especializou-se em produzir tsuru, ave
Em um espaço transformado por Thiago e seus colegas de trabalho, os pacientes da policlínica puderam apreciar as cores e receber carinho em forma de tsuru
sagrada do Japão e símbolo de saúde, da boa sorte, felicidade, longevidade e fortuna. Foi então que o enfermeiro começou a escrever o lado bonito da história. Para relembrar e homenagear todas as vítimas da pandemia e com o objetivo de dar esperança para aqueles que seguiam na luta, Thiago se rendeu ao encanto dos papéis coloridos e das dobraduras precisas. Além de sua válvula de escape, as esculturas de papel simbolizavam uma mensagem de apoio e espe-
rança. Em nome de tantos doentes e de tantos outros que não resistiram ao covid, ele pendurou 1.856 pássaros de papel na goiabeira, localizada na entrada da Policlínica Martins Fontes, em Santos. “A pandemia não mexeu somente com o psicológico e com o espiritual das pessoas, mas também com o coração”, afirmou Thiago. Muitas ficaram com depressão após a perda de seus entes queridos, outras com medo de sair na rua e até mes-
mo com síndrome do pânico. A iniciativa dos tsurus não foi pensada exclusivamente para homenagear os falecidos, mas também acalentar todos aqueles que, de alguma forma, lidam diariamente com o vazio deixado por essas pessoas. O enfermeiro foi um entre milhares que teve a sensibilidade e a delicadeza de fazer com que um momento difícil, vivido não só por ele, fosse lembrado e acolhido de forma sutil por centenas de pessoas. E essa, é uma em centenas de histórias espalhadas mundo a fora que ocupam um lugar especial na vida de muitas pessoas. Nos tempos sombrios vividos nos últimos anos, ações como essa abraçam e trazem respiro para a sociedade.
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VIM NÃO VI VENCI NATURAIS DO NORTE DO CEARÁ, DEFICIENTE VISUAL E SUA FAMÍLIA PRECISARAM APRENDER A ENXERGAR ALÉM DOS CAMINHOS TRADICIONAIS
TEXTO: CARLOS ROSENO E LUÍS HENRIQUE SANTANA DIAGRAMAÇÃO E FOTOS: MATHEUS ALVES TERRAS
“A
o chegar na rodoviária de Santos, em 1996, Regina Feliciano do Nascimento esperava o seu até então marido, Sebastião Varela do Nascimento, chegar na rodoviária, para levá-la até a comunidade em que ele morava em Vicente de Carvalho, no Guarujá. Nervosa e angustiada, Regina andava de um lado para o outro, na expectativa de que seu marido chegasse ao local combinado. Desesperada, já imaginava o pior. “Chorei muito, depois de uns 40 minutos foi que ele chegou”. Regina é mãe de Romilson Allison Feliciano do Nascimento, de 36 anos, que com apenas três meses de idade foi diagnosticado com glaucoma congênito, doença que provoca a perda total ou parcial da visão. Ela conta que após uma noite de
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sono observou o seu filho com uma ‘capinha’ no olho. Desesperada, levou-o ao pediatra. Chegando lá, o profissional a encaminhou ao oftalmologista, daí o diagnóstico foi dado. Foi um golpe. Romilson é o filho do meio de dona Regina, nasceu entre Rochérlida, a mais velha, e Rômulo, o caçula. São filhos do pedreiro Sebastião. A família vivia em Aracati, norte do Ceará, cidade conhecida por suas belas praias, como a de Canoa Quebrada, reconhecida internacionalmente. Apesar do renome de suas paisagens naturais, a vida no município era de dificuldades. Eles habitavam um terreno de 6 metros de largura por 12 de comprimento, com quarto, banheiro e uma cozinha estreitinha, onde só cabiam duas pessoas. No quarto havia um beliche, dividido entre Romilson e seus irmãos, mesa para TV,
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caixa de roupa e ainda sobrava um espacinho para colocar o colchão de solteiro no chão, onde seus pais dormiam. Sebastião, na juventude, trabalhava de pedreiro junto com seu pai. Com o conhecimento adquirido no dia a dia das obras, aliado ao auxílio do tio de Regina que era carpinteiro, ergueu a casa, tijolo por tijolo. Contudo, até por conta da falta de dinheiro, ele e sua família foram morar na casa ainda inacabada, sem porta, com a janela de plástico preto, com um portão de madeira e sem reboco e contrapiso. Após perceber algo estranho nas vistas de seu filho, Regina entrou em desespero, não é para menos, até porque como sua cidade era escassa em muitos recursos, o município mais próximo a se recorrer era a capital, Fortaleza, que fica cerca de 150 quilomêtros de Aracati. A viagem Além da situação financeira não ser favorável para a viagem, tinha a fila de espera para a cirurgia. Demoraria um ano e meio. Romilson fez sua primeira cirurgia aos 2 anos e 3 meses, no Hospital Geral de Fortaleza, onde ficou internado por pouco mais de um mês. Depois do procedimento, o médico disse que a cirurgia não tinha sido como ele esperava. Entretanto, ele faria uma nova tentativa Depois da cirurgia malsucedida, mas com esperança, Regina, atraída pela fama de que no estado vizinho, Rio Grande do Norte (RN), havia médicos de muito boa qualidade, levou Romilson para lá e então ele voltou para mesa de cirurgia. Aos 3 anos e 6 meses. Mas, mesmo mudando de estado, o resultado esperado não veio e, após o procedimen-
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to, o médico revelou que ele não tinha mais chance de enxergar. “Foi um momento muito difícil para mim, me desesperei. Dali em diante, Romilson sempre andava se escorando nas paredes, um olho era bem grande e outro pequeninho. E as crianças queriam ficar sempre colocando o dedo no olho dele”, lembrou. Apesar da frustração, Regina não desistiu de dar o melhor dos futuros para o filho. Seu esforço buscava compensar uma infância sofrida, cheia de privações. Quando ainda moravam na cidadezinha no norte do Ceará, Romílson trabalhava na rua, com
os irmãos. Na época ele tinha apenas 6 anos e seus irmãos Cherli e Rômulo, 8 e 5 respectivamente. A família tinha dois carrinhos, um para vender bala e cigarro, e outro, para sanduíches, cerveja, refrigerante, água e salgadinho. Os carrinhos eram de madeira, com pneu de bicicleta. A família trabalhava nas tradicionais vaquejadas nordestinas, na qual dois vaqueiros montados a cavalo têm que derrubar um boi, puxando-o pelo rabo, dançam forró, típico da região. Mas a concorrência era grande, e muitas vezes,
o dinheiro arrecadado com as vendas mal dava para pagar a reposição do estoque. Buscando uma condição de vida melhor, Sebastião foi para o Guarujá, deixando seus três filhos e sua mulher em Aracati. Durante três meses trabalhando como frentista, conseguiu dinheiro suficiente para as passagens de ônibus de Regina e suas três crianças. “Foram duas noites e três dias, bem difíceis – Romilson tinha 10 anos quando mudou para o litoral de São Paulo; o Lázaro tinha 9, Chérli, 12”, diz Regina.
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As crianças queriam ficar colocando o dedo no olho dele
Regina Feliciano, mãe de Romílson
Novos Ares Começos são difíceis e o de Romilson e sua família morando no Guarujá não foi diferente. O primeiro impacto, foi o frio, uma vez que em Aracati as temperaturas eram bem altas. Ainda com 10 anos de idade, ele era muito apegado à sua mãe, o que consumia o dia de Regina, que além de cuidar dos três filhos, precisava trabalhar para ajudar a sustentar a casa. “No Ceará eu não tive ajuda e não sabia lidar com a deficiência dele. Eu não gostava que as pessoas olhassem nos olhos dele, por isso colocava um pano. Ro-
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milson comia até com as mãos”, lembra sobre a dura infância no nordeste. No Lar das Moças Cegas, na movimentada avenida Dona Ana Costa, em Santos, que acolhe deficientes visuais, foi onde ele aprendeu a se tornar independente. O ENCONTRO 31 de maio. A algumas semanas do início dos festejos juninos, o Lar das Moças Cegas entrava no clima da data comemorativa e os enfeites típicos, como de bandeirinhas coloridas, estavam sendo instalados no dia da visita da Viral à instituição. Com diversas atividades realizadas simultaneamente, voluntários e pessoas atendidas se confraternizam, criando laços e promovendo a inclusão de pessoas com deficiência visual, com o objetivo de colocá-las no mesmo patamar social que as demais. Da recepção, que fica bem na porta da instituição, dava para se ouvir o burburinho, enquanto a equipe da Viral recebia crachás com a identificação ‘visitantes’. Fomos recebidos pelo coordenador de Comunicação do Lar das Moças Cegas, Kaio Nunes, que após os cumprimentos de boas-vindas nos deu uma recomendação valiosa: “Sempre andem pela direita”. Ao subir a escadaria, fomos levados por ele até a sala de música, onde acontece os ensaios da Banda do Lar, composta por deficientes visuais. O local remetia a um ambiente escolar, com carteiras e cadeiras, porém o diferencial, que justificava ser musical, eram os diversos violões, com distintas tonalidades de marrom, pendurados na parede oposta as mesas, juntamente com pequenas caixas de som, havia também um piano preto. O local, que costumeiramen-
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Se fosse para sofrer tudo de novo só pra ver como ele é hoje, eu faria tudo de novo Regina Feliciano Mãe de Romilson
te serve de ensaio para o maestro e sua banda, seria o ponto de encontro com Romilson, que conhece bem o lugar, já que é um dos integrantes da banda. A espaçosa sala é equipada com vários instrumentos musicais com uma iluminação fosca e as janelas fechadas. Após alguns minutos, Romilson chega, com o uniforme da instituição que frequenta há 24 anos, de óculos escuros e com um short cujo logotipo é da Prefeitura de Santos. Já acomodado no assento, ele é estimulado a lembrar da sua vida na cidade natal, onde os recursos eram escassos, sem nenhuma escola que aceitasse a condição dele e com extrema dependência para frequentar as casas de seus parentes. “Minha mãe ficava me acompanhando durante a aula toda, mas depois me deixou sozinho”, fala Romilson, sobre seu
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Minha mãe sempre me acompanhava nas aulas, mas depois eu começei a ir sozinho Romilson
No começo de sua trajetória no Lar Das Moças Cegas, Regina acompanhava-o até o ponto de onibus, em Santos
início no Lar das Moças Cegas. No Guarujá, fez da 2.ª à 8.ª séries, na Escola Municipal 1.º de Maio. Ele também lembra de seu caminho para concluir o Ensino Médio, no qual precisou fazer o Encceja (Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos). “Concluí o supletivo entre 2010 e 2011 e fiz o Encceja. Acertando um número mínimo de questões, você eliminava as matérias”, completa. Finalizado o Ensino Básico, Romilson queria ir além e para tal, sua mãe entrou em cena mais uma vez. Fã de rádio, Romilson queria muito fazer jornalismo. Desta forma, precisou fazer dois vestibulares, para, então, conseguir a tão sonhada bolsa de estudos. “Fiz o vestibular e na segunda vez, passei”, comenta. Para ir e voltar da Unisanta,
Romilson gastava mais de três horas, entre ônibus, balsa e caminhada. Um intinerário arriscado para alguém que têm deficiência visual. O assalto Não bastassem as distâncias e o perigo que essas viagens causavam, Romilson passou por um susto tremendo: foi assaltado no centro de Santos, após sair de mais uma aula, por volta das 22h20 da noite. Na altura da Avenida Senador Feijó, uma moça se aproximou e ofereceu ajuda a Romilson para atravessar a rua. Depois da ajuda, a “simpática” moça, pediu seu celular para fazer uma ligação de urgência, pois o seu havia descarregado. Ele, num sinal de gratidão, emprestou o seu equipamento da marca Nokia, na qual não fazia nem duas semanas que estava com ele. Quando se deu conta ela já
tinha fugido, deixando-o estático. Um cidadão, que passava pelo local, percebeu algo estranho, foi ai que Romilson falou: “uma moça acabou de levar meu celular, ela levou meu celular!”. Já formado, Romilson busca ganhar novos estímulos. “Ele é muito determinado. Sempre digo a todo mundo, se fosse para sofrer tudo o que nós sofremos pra ver ele como ele é hoje, eu faria tudo de novo”, fala Regina, que se emociona ao fazer tal relato. E conclui, ao comentar que tem uma “sensação de orgulho”, ao ver seu filho na sociedade. “Sair de casa, ir pra casa da namorada, ir pro shopping, Jequitimar. Eu fico desesperada, mas ele volta. Ele é muito guerreiro, ‘me orgulho muito dele’”, finaliza Regina com os olhos começando a marejar.
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Maestro João Carlos Estógio conduzindo a banda do Lar das Moças Cegas no primeiro concurso de Bandas e Fanfarras de Santos, em 2016
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BUSCANDO O
SENTIDOS U T RO S
M A E S T R O TO M A A F R EN T E D E P R O J E TO PA R A EN SIN A R M USIC A A D EF ICIEN T E S V ISU
A IS
TEXTO: LUÍS HENRIQUE SANTANA FOTO: CARLOS ROSENO DIAGRAMAÇÃO: MATHEUS ALVES
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um dos cômodos do primeiro andar da sede do Lar das Moças Cegas (LMC) fica o espaço da banda inclusiva da entidade. Logo na entrada, à direita da sala, está o piano, e acima dele, na parede, instrumentos de sopros estão pendurados em suportes quase invisíveis. Do outro lado estão as cadeiras onde os músicos se acomodam para ouvir as instruções do regente e praticar. As janelas cerradas isolam o barulho da movimentada avenida Ana Costa, trazendo um ar de calma e serenidade para o ambiente, tão necessário para os ensaios, quanto para o atendimento que é prestado nos demais andares. Nesse cenário, o maestro santista João Carlos Estógio ministra aulas individuais e em grupo e co-
manda os ensaios do naipe de sopro. Professor há 15 anos no LMC, ele chegou à instituição trazido por um amigo, o professor de Educação Física Danilo de Souza Rong, conhecedor de seu trabalho na Banda Marcial da Escola Matteo Bei, de São Vicente. O primeiro encontro do maestro com o grupo de aspirantes a musicistas se deu um pouco antes do desfile de 7 de setembro, em 2007. A missão de Estógio seria colaborar, apenas na apresentação, da Banda Marcial do Matteo Bei, no desfile cívico-militar de Santos. “Em princípio era uma atividade voluntária, porém, o presidente do LMC, Carlos Antônio Gomes, e a diretora, Natália Danilon Kaneko, me convidaram para fazer um projeto visando a inclusão do deficiente visual no mundo da música”, lembra o regente.
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Estógio conheceu a música por meio da tuba, na época em que frequentava o CAMPS
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Há 15 anos no comando da Banda do LMC, o maestro respira o mundo da música há mais de três décadas
Fomos campeões provando que a reabilitação e a inclusão atingiram seus objetivos iniciais. João Carlos Estógio Maestro
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Logo no começo de sua empreitada, Estógio percebeu que ensinar alunos com deficiência visual a tocar instrumentos musicais seria bastante complicado, tanto na parte teórica quanto prática. No começo, ele aplicou um método individual e outro coletivo, inserindo técnicas com pequenos toques no ombro para marcar o ritmo;
passando os solfejos com os nomes das notas musicais e estimulando a memorização de cada aluno. Transcorridos mais de dez anos na instituição, o maestro viveu um momento marcante na sua carreira ao cumprir a missão de participar do 1º concurso de Bandas e Fanfarras de Santos, no ano de 2016, num evento que reu-
MAS E ANTES DA MÚSICA?
niu bandas do Litoral Norte, Baixada Santista e Grande São Paulo, divididas em quatro categorias: Banda de Percussão Sênior, Banda Marcial Infantojuvenil, Livre Sênior e Banda Marcial Sênior. “Fomos campeões, provando para todos que a reabilitação e inclusão atingiram os objetivos previstos no início”, recorda o maestro.
João Carlos Estógio é o quinto filho do estivador João Estógio e da doméstica Eurides Santos Estógio. O casal teve mais sete filhos, sendo que apenas José e José Carlos seguiram a vocação para a música. 50 anos atrás, a prática musical não era tão acessível para uma família humilde da Zona Noroeste de Santos. Sua infância foi vivida em casa, na escola e brincando nas ruas sem asfalto, entre os poucos carros. Só na adolescência aconteceu o primeiro contato com a música: a tuba, por meio do suboficial músico Vinícius da Aeronáutica, que tocava na banda do Círculo de Amigos do Menor Patrulheiro de Santos (CAMPS). O instrumento musical fazia parte do baixo nos arranjos musicais. Feita a partir de um tubo cilíndrico, recurvado sobre si mesmo, o pavilhão da tuba possui forma de sino. O som é controlado por válvulas ou pistões, cujo número normalmente varia de três a cinco. Anos depois, um fato especial marcaria sua vida, ao ser aprovado num concurso público para soldado músico e incorporado em fevereiro de 1989 no 2° Batalhão de Infantaria Leve, em São Vicente. Foi no quartel que Estógio viveu a maior experiência no ramo musical: a sua incorporação ao Exército Brasileiro como músico profissional. A vida na caserna seria longa e gloriosa, porém um acidente de moto obrigou-o a mudar de planos. “Por causa desse acidente, ocorrido em 2004, passei a ser inativo, e me tornei sargento músico reformado. Foram quinze anos de caserna”. O maestro tem a consciência de que o trabalho que realiza é de suma importância para os deficientes visuais que lutam para ser inseridos na sociedade e encontraram na música o seu refúgio. “Muito gratificante. Missão cumprida!”, finaliza.
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Quem vê Anderson em seu estúdio não imagina as coisas que passou para consquista-las.
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DEUS AJUDA AQUELE QUE MUDA
2N, COMPOSITOR DE FUNK, CONTA SOBRE A MUDANÇA NA SUA VIDA A PARTIR DA RELIGIÃO TEXTO: MARIANA NEROME E MARIANI LOURENÇO FOTOS E DIAGRAMAÇÃO: MARIANI LOURENÇO
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uando pensamos em funk, logo vêm à cabeça os clipes de ostentação. Carros luxuosos, joias, mulheres interesseiras, bebidas caras, roupas extravagantes e até dinheiro vivo ganham o protagonismo, mesmo que muitas vezes as letras das canções nem entrem nesses aspectos. É uma estética repetida à exaustão por aqueles que trabalham no ramo. Mas em uma quinta-feira chuvosa, o compositor Anderson Lourenço Leite, o 2N, autor de sucessos como “Preta” e “Ponto de equilíbrio” mostra um lado muito menos brilhante e glamouroso dessa mesma moeda.
São sete horas da noite na movimentada avenida Jovino de Melo, no Bom Retiro, em Santos. O Jeep Compass, da cor prata, encosta diante da discreta porta preta. Ainda acelerado, Anderson chega comentando os problemas cotidianos de um pai de família: trabalhou, buscou as filhas na escola durante o período de trabalho e está preocupado com a saúde da esposa que há um mês vem se sentindo mal. Aos 36 anos, 2N, traz visualmente pouco dos personagens descritos em suas letras. Veste uma calça jeans simples, camiseta preta básica e um tênis aparentemente sem marca conhecida. É um homem gentil, um pouco tímido e quase esconde
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Eu cresci comendo lixo de restaurante ou dormindo mais cedo, pois não tinha o que comer”
o sorriso sob a barba espessa e comprida. Ele abre a porta do estúdio já agradecendo a Deus por suas vitórias: “Devo a Ele toda a honra e glória alcançadas”, responde à pergunta a respeito da sua motivação para escolher a música e montar o próprio estúdio.
O Estúdio Em uma sala simples, as paredes estão repletas de pôsteres de cores fortes e números de visualizações, que representam seus sucessos na música. Uma leitura rápida permite entender o alcance do compositor da Zona Noroeste no mundo: “Preta”, sua música mais famosa, gravada por Neguinho do Kaxeta, tem 176 milhões de visualizações no Youtube. “Batendo palma”, gravada por Dani Russo, vem atrás, com 79 milhões de visualizações e pelo menos mais cinco canções com números que só confirmam a repercussão do seu trabalho. “Ainda estamos em reforma, -desculpa-se- mas já consigo fazer muita coisa daqui”, explica para justificar a necessidade de um espaço próprio e bem equipado. A ideia de ter o estúdio surgiu há cerca de três anos, quando 2N sentiu a necessidade de ter um refúgio onde pudesse
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fazer suas músicas sem nada que tirasse sua atenção. Ele também se acha mais produtivo quando tem horário para trabalhar, com hora para entrar e sair como se fosse o funcionário de alguém, além de poder colher as vozes e produzir os talentos que classifica como “nova geração”. Porém, nem sempre esse desejo existiu. Desde os 13 anos ele já expressava seu amor pela música em alguns versos que criava, mas não acreditava que algum dia pudesse viver disso. Natural de Ribeirão Pires, 2N é o sétimo filho de nove irmãos e sua infância se deu em meio aos becos e vielas de comunidades, onde a música se misturava aos sonhos que quem ali
vive acredita serem impossíveis de realizar. “Eu cresci comendo lixo de restaurante ou dormindo mais cedo, pois não tinha o que comer”, desabafou. Em uma sala grande com isolamento acústico nas paredes, cheia de luzes de led, a mágica acontece. Ali estão os equipamentos, microfones, fones, computador, teclado, tudo da melhor qualidade, para que ele e seu produtor, Charles, façam com que muitos realizem o sonho de viver da música. Mesmo que suas letras consigam alcançar diversos públicos, ele ri só de pensar em algum dia ter que cantar. “Até tentei, mas não canto bem e prefiro ver as pessoas interpretar o meu trabalho”.
Com equipamentos de qualidade, 2N, abre portas para que muitos consigam viver da música como ele.
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Para os evangélicos, o batismo nas águas é a representação de renascer para Cristo, livre de pecados.
fotos arquifvo pessoal
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DEVO A ELE TODA A HONRA E GLÓRIA ALCANÇADA
Momentos em família antes e após a conversão com suas duas filhas
Durante a adolescência, suas “molecagens”, como ele classifica, fizeram com que sua esposa Elizie passasse por altos e baixos e muitas vezes pensasse até em separação. Até que um pedido de sua filha mais velha, Thaylla, com quatro anos, fez com que sua vida desse um giro de 360 graus. “Ela olhou pra mim e pediu: ´Pai para de beber feveja` (sic), eu estava meio alcoolizado e perguntei o motivo. Ela me disse `Porque quando você bebe fica bravo, briga com a mãe e vai embora`. Esse dia me quebrou. Mesmo bêbado, chorei o dia inteiro e prometi a ela que nunca mais ia beber na minha vida, que nunca mais ia desrespeitar nem ela nem a mãe dela”, completou. Desde aquele dia, ele buscou formas para que conseguisse vencer o alcoolismo e cumprir o combinado, mas tinha consciência de que não conseguiria sozinho. Foi quando encontrou na religião evangélica o caminho certo. “Foi aí que veio a mudança. Abdiquei de um monte de coisa ruim, e Deus foi acrescentando um monte de coisa boa na
minha vida. Hoje é uma satisfação chegar em casa e minhas filhas virem correndo, gritando por mim”. Anderson passou por muitas provações para que conseguisse se limpar completamente. Ele classifica esse processo de rejeição dos antigos hábitos como dolorido, porém, em longo prazo conseguiu ter muito frutos materiais e éticos em sua vida. “Não que eu mereça, mas a gente só tem o que tem pela misericórdia e amor de Deus, que é maravilhoso!”. Foram mais de dez anos para que ele pudesse conseguir tirar sua família de dentro das comunidades e dar todo o conforto que um dia ele não teve. “Prometi que minhas filhas nunca passariam por um terço do que passei. Graças a Ele, estou conseguindo manter isso”. Hoje, sua renda principal vem da música, e mesmo que muitos acreditem que o funk não é bem-visto pela igreja, ele consegue trazer muitas das palavras de Deus em suas letras, pois foi uma forma que encontrou de sempre buscar agradecer por tudo que conquistou.
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PELOS CAMINHOS DA ESTRADA SERTANEJA NO CONCORRIDO MUNDO DA MÚSICA SERTANEJA, BUSCAR UM DIFERENCIAL É ENCURTAR O CAMINHO PARA O SUCESSO. ESSA TEM SIDO A VIAGEM DE FILIPI ROMA. TEXTO: JULIANA SANTOS FOTO: GIOVANNA DIONIZIO DIAGRAMAÇÃO: GABRIELA ALMEIDA
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busca pelo sucesso é uma estrada longa, cheia de curvas e desafios. Há que se ter pelo menos um hit tocando entre as dez músicas mais consumidas do momento, e ainda rodar o país e o mundo fazendo shows, arrastando uma multidão de fãs. É o sonho de qualquer cantor que está no ramo da música. E esses planos se encaixam perfeitamente nos sonhos do jovem cantor sertanejo Filipi Roma, 26, que está em ascensão na sua trajetória musical. O jovem moreno, de cabelos pretos e olhos escuros, tem a indumentária de quem sonha alto. Usando botas country, jaqueta de couro vermelha e calças apertadas, ele conta um pouco sobre sua história. Mexendo as pernas pensativo, Filipi relembra o primeiro contato com a música ainda criança. Foi o pai, seu Roberto, por gostar e se encantar com grandes canções de amor, quem lhe apresentou alguns instrumentos e pagou as aulas de violão. Aos 13 anos, o jovem do interior do estado de São Paulo, da rica e sertaneja Ribeirão Preto, se mudou para Itanhaém, e na cidade descobriu que não tinha apenas uma paixão, mas carregava um dom que podia ser uma grande porta para o seu meio social e para o futuro que ele visualizava em sua vida. Nessa idade ele começou a fazer algumas apresentações pelo município, e aos 15 anos fez o primeiro show pago em uma famosa lanchonete da cidade. As cortinas do seu espetáculo tiveram que se fechar por um período e ele se afastou do meio da música, retornando aos 20 anos e lançando
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Canto no litoral, onde fui criado, para consagrar minha carreira musical
Filipi Roma
o seu primeiro álbum, que foi a realização de um sonho. Ao ser questionado sobre como foi ficar longe dos palcos durante a pandemia, o cantor, que olhava para longe através das janelas do aconchegante restaurante colombiano, mudou rapidamente a fisionomia e se mostrou bem entusiasmado ao contar sobre suas primeiras experiências com as lives. Ele teve ajuda de um amigo, o jornalista Odinei Ribeiro, que fez grandes artistas, como o cantor Péricles e a jogadora Marta entrarem em uma de suas lives e bater um bom papo com o cantor. O que mais o emocionou durante nas apresentações virtuais foi quando o ator e cantor Moacyr Franco ao vivo, e o elogiou dizendo que ele era bom, por isso acompanhava suas canções. O sucesso nas apresentações em streamings foi tão grande que Roma conseguiu arrecadar toneladas de alimentos e dinheiro doados para instituições.
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A GRANDE APOSTA EM UM SERTANEJO LITORÂNEO Cantar no litoral não é a parte mais difícil da carreira, mas trazer o sertanejo para cidades praianas é a grande jogada do cantor para se sobressair nas cidades do interior do estado. No litoral, ele explicou que não tem a possibilidade de tocar apenas sertanejo na maioria das apresentações, porque o público pede uma diversidade de músicas no repertório, e isso abriu a mente do músico para outros gêneros, como MPB, pop rock e reggae. A REVELAÇÃO DE UM COMPOSITOR INTERIOR A composição das letras de amor foi mais um dom descoberto pelo jovem músico, na preparação do seu primeiro álbum. O cantor diz que cada letra sua tem uma trajetória, como um amor de trás para frente ou um coração partido. Entre elas está a canção Despertador, uma analogia ao momento que ele despertou para a carreira. Por ser a primeira
música com apresentação de clipe, a composição tem um carinho especial do jovem. Porém, Travesseiro Molhado é a mais marcante em sua carreira, pois foi um sucesso já no lançamento, com 500 mil visualizações na plataforma Youtube, atraindo e conquistando fãs de diversos estados. Com sucessos sendo lançados e ganhando reconhecimento, Filipi
Roma teve a oportunidade de subir aos palcos com a dupla sertaneja Juan Marcus e Vinicius e, embalando seus sucessos com os da dupla aumentou o seu fã clube. Atualmente, o sertanejo canta em diversos lugares na Baixada Santista, como em barzinhos, festas e eventos corporativos, vivendo totalmente do lucro com a música. O último
show para um público grande foi no começo de 2022, no festival de verão da cidade de Itanhaém. Com mais de 55 mil seguidores na plataforma Instagram, e ganhando um bom dinheiro com vídeos publicados em sites de música, Roma é um rapaz sonhador e tem dentro de si diversos projetos e planos com suas letras de canções.
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o menino que ousou sonhar Charles de oliveria é lutador de uFC, espeCialista na arte marCial jiu -jitsu e maior Finalizador da história do uFC. TexTo: marcelly abreu FoTo: instagram e divulgação diagramação: victor gouveia
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harles Olivera, era um menino de periferia que tinha o mesmo sonho de qualquer outro garoto na situação que ele se encontrava, ser jogador de futebol. E esse menino foi atras de seu sonho, jogando com os amigos em Vicente de Carvalho, no Guarujá. O Charles tinha futuro, apesar da sua pouca idade amigos mais velhos insistiam para que sua mãe deixasse a “joia rara” jogar com eles. O sonho,Porem, acabou muito cedo, aos sete anos, o garoto começou a sentir forte dores no corpo e dificuldade para se locomover. Seus pais o levam ao médico e foi difícil de aceitar é diagnostico sopro no coração e febre reumática. Uma dessas patologias já poderiam comprometer o futuro do jogador prodígio. Juntas elas tornaram as terapias de combate muito mais desafiadoras. O corpo franzino do garoto tinha perdido o vigor e a energia. Os pais batalharam muito para pagar medicamentos e tratamentos para o menino, e só depois de cinco anos voltou
a ser saudável e conseguiu pensar em planos futuros. Quase todos meninos de “quebrada”, dar uma vida melhor ao seus familiares. Sem falar que fugir de más influencias, pois se perdem no meio do caminho abandonando o sonhos. Aos 12 anos tinha recuperado a saúde, tentava seguir sua vida e buscar novos planos. Um amigo de longa data convidou-o para conhecer famosa luta jiu-jitsu. Foi paixão a primeira vista. Charles entrou na modalidade UFC e saiu competindo pelo Brasil. Em 2017 depois de tudo que já tinha passado ele ainda teve escutar comentarios de que era uma lutador que só ganhava lutas fáceis. Mas em 2021, com seus 31 anos, isso acabou, Charles foi campeão mundial dos pesos leves do UFC, modalidade que é a mais concorrida do esporte. E assim recebendo seus créditos e sendo mundialmente conhecido como Charles do Bronx. Este nome é para que todos saibam de onde ele veio e que nunca irá sair do coração dele. Até hoje Charles treina na sua antiga academia.
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Criador do judô
Samurais batalhando
Ha muita contravessia sobre a origem do jiu-jitsu, dizem que ele foi criado na Índia muito tempo atrás, outros na China, mas a versão mais aceita é que arte marcial foi criada no Japão ha 3600 anos atrás e suas técnicas foram aprimoradas por samurais. Ela é uma técnica de guerra onde os guerreiros usavam suas forças para tentarem imobilizar seus adversários, com estrangulamentos, torções e alavancas no corpo do inimigo. Em 1904, o Jiu-Jitsu foi apresentado para o mundo com Mitsuyo Maeda, também conhecido como Conde Koma, instrutor da tradicional escola japonesa Kodokan, que saiu em excursão pelo mundo ao lado
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de outros professores da escola de Jigoro Kano, conhecida por ter o nome do criador do Judô. Dez anos dessa excursão e finalmente chegar no Brasil. O professor e seus ajudantes viajaram o país inteiro mantendo-se no final em Belém do Pará. Após o titulo em 2021, Do Bronx bateu o recorde e se tornou o maior finalizador do UFC na história. Mas logo depois o lutador, em 2022. Justin Gaethje lutador da mesma categoria que Charles desafio-o para a disputa do cinturão. A luta foi marcada para o dia 7 de maio no mesmo ano. Após um longo período de treino o campeão mundial chegou para sua pesagem, um dia
antes da luta, Na primeira tentativa ele não consegue atingir o peso correto da sua categoria, na segunda tentativa tambem não conseguiu, os organizadores então tiraram seu cinturão e decretaram que Bronx não é mais o campeão dos pesos leves. Ele ainda tentou recorrer pois descobriu que a balança estava danificada, outros lutadores que se pesaram no mesmo dia tiveram seus pesos alterados, mas isso não adiantou e a organização manteve a retirada do título. A equipe do UFC postou nas suas redes sociais que Charles ainda era o campeão dos pesos leves, mas quando chegasse no dia da luta ele deixaria de ser,
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Só existe um campeão nos pesos leves, que sou eu, o Charles do Bronx.
Um guerreiro não desiste de seus sonhos
e seu desafiante Justin Gaethje também perderia a chance de conquistar o título, mas no final da declaração eles afirmaram que se Charles ganhasse a luta, ele seria o candidato número um para a disputa do cinturão. O dia da luta chega e Charles enfurecido desconta toda sua raiva na luta e vence seu adversário no primeiro round, com um grande golpe de finalização, confirmando para o mundo quem é o maior finalizador da história do UFC. Ele já confirmou que vai atras do seu cinturão custe oque custar, e que só existe um campeão dos pesos leve que é ele, Charles Oliveira da Silva, “O Charles do Bronx”.
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navegando nos Mares do conhecimento
Fábio Giordano, como um merGulho no aprendizado pode salvar o meio ambiente TexTo: Bruno Moaes foTos: Henrique novaes, Bruno Moraes e arquivo PessoaL diagramação: naiHara CarvaLHo
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sorriso fácil atravessa a máscara, irradiando uma aura de tranquilidade. Os gestos são como passos de dança bem escolhidos e os olhos reluzem ao menor sinal de abordagem do seu tema favorito. Assim é Fábio Giordano, biólogo, professor universitário e diretor responsável pelos cursos de Ciências Sociais Aplicadas, da Universidade Santa Cecília. Quando criança Giordano participou de um clube de ciências na escola que fez despertar seu crescente interesse por biologia. A curiosidade inicial virou a razão de uma vida perto e em defesa da natureza. Seu começo foram os idílicos mergulhos pela baía de Santos, rica em fauna e flora marítimas que acabaram se tornando vítimas da poluição e do desenvolvimento crescente do porto na década de 1980, com o tempo os mergulhos evoluíram para as expedições pelo Brasil e pelo mundo. A cada expedição de Giordano, um acúmulo de experiências novas e sempre fasci-
nantes, além de histórias curiosas envolvendo os vários membros que compõem uma expedição onde devem todos estar dispostos a viver toda sorte de perigosas aventuras. Seu roteiro que incluiu até mesmo as ilhas Galápagos, onde Giordano pode se deslumbrar com as cenas de um ambiente selvagem, fonte dos estudos que possibilitaram a criação da teoria da evolução das espécies, de Charles Darwin (18091882), revolucionando a história da Biologia. Certa vez durante uma expedição à BR-485 considerada a estrada mais alta do Brasil, localizada próxima ao pico das Agulhas Negras, no interior do Parque Nacional de Itatiaia em Minas Gerais (MG), um grupo de alunos, por conta própria, combinou uma escalada com um guia local. Com o passar das horas, e bem próximo do cair da noite ele se viu tomado pelo receio de que os alunos estivessem perdidos na mata. Os demais dos integrantes solicitaram ajuda ao corpo de cadetes da Academia Militar das Agulhas Ne-
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O que eu poderia fazer além de uma bronca pela preocupação já que eles são adultos e responsáveis por suas decisões
Fábio Giordano Biólogo
gras, cuja base fica no local. Enfim, o grupo foi resgatado, são e salvo. Claro que ouviram um sermão, pela imprudência de se aventurarem em um local desconhecido, e em um horário inapropriado. Mas o biólogo apenas sorriu ao contar a história: “O que eu poderia fazer além de uma bronca pela preocupação já que eles são adultos e responsáveis por suas decisões”. Em uma de suas explorações para estudar o Cerrado brasileiro, considerado um de nossos mais importantes biomas, Giordano recolheu uma carapaça de tatu, animal nativo do bioma, que foi mais tarde doada ao acervo zootécnico da Unisanta, gesto que afirma seu eterno compromisso com o estudo. Entre os muitos e complexos projetos com os quais está
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ÇÃO
EXPEDI envolvido atualmente, ganha destaque a restauração da vegetação perdida de biomas, mais precisamente dos manguezais. Seu sorriso se abre para além da máscara ao explicar como o uso dos satélites estão contribuindo com o monitoramento, mapeamento e a preservação de ecossistemas inteiros. Sua fascinação fica mais evidente a cada segundo, ao poder explanar livremente sobre a evolução da qualidade das imagens captadas por essas tecnologias, que tiveram um salto em sua nitidez. Pode haver muitos caminhos apontando para a preservação do ecossistema mundial, mas Fábio Giordano acredita que a conscientização através da educação ambiental é o correto. Afinal de contas o biólogo é um educador acima de tudo, capaz de transformar qualquer conversa informal em uma verdadeira aula, tornando seus ouvintes cada vez mais curiosos. A paixão pela ecologia e o prazer em compartilhar seus muitos conhecimentos, faz com que Giordano agregue cada vez mais interessados em embarcar na verdadeira jornada empreendida por ele através dos mares do conhecimento, angariando cada vez mais adeptos em torno de sua causa, tornando-os aliados vitais na preservação de espécies nativas, renovando o ciclo da vida sem destruir o que já existe. A lição que fica é que homem e mãe natureza podem e devem encontrar um meio de coexistir harmoniosamente lição que reflete de maneira perfeita os ensinamentos de um homem apaixonado pela vida.
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Antigamente, os jornais tinham ampla visão formada por colunistas, variedades de notícias, hoje, não Rodrigo Savazoni Diretor Execurivo Instituto Procomum
GLADIADOR DOS ALGORITMOS
RODRIGO SAVAZONI, DO INSTITUTO PROCOMUM, NA LUTA CONTRA AS MILÍCIAS VIRTUAIS
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democracia brasileira vem sofrendo duros ataques na internet. E uma das maneiras que as milícias virtuais vêm adotando é disseminar ódio e fake news pelas redes sociais. O surgimento de plataformas como o Facebook, permitiu que notícias sem comprovação e fabricadas com objetivos políticos fossem direcionadas, impulsionadas e ganhassem incrível poder de difusão. Remando contra a onda de desinformação, Rodrigo Savazoni, fundador e atual diretor-executivo do Instituto Procomum, apoia o Sleeping Giants, grupo cujo objetivo é combater a desordem informacional. No Procomum, sua missão é promover a transformação social e um mundo comum entre diferentes, seja por meio da natureza, economia, ciência, educação, tecnologia ou cultura. Savazoni chega à sala 321, da Universidade Santa Cecília, para contar sua trajetória aos alunos do 4º ano de jornalismo. Com 15 minutos de atraso, numa noite gelada de terça-feira, o convidado se apresenta com um jeito descontraído e simpático. Sentado numa das cadeiras da sala de aula, ele se sente à vontade para contar sobre sua trajetória no jornalismo. Formado na Faculdade Cásper Líbero, de São Paulo, teve sua primeira experiência com a rede mundial de computadores em 1999, quando participou da equipe do jornal ‘O Estado de S. Paulo’, que colocou o primeiro site da empresa no ar. Doutorando em Ciências Humanas e Sociais pela UFABC (2017), Savazoni é um grande conhecedor do mundo tecnológico, tanto que já escreveu vários livros sobre o tema: CulturaDigital.br, em parceria com Sergio Cohn; A Onda Rosa-Choque – Reflexões sobre redes, cultura e política contemporânea e O comum entre nós: Da cultura digital à democracia do século XXI. Como pesquisador, produziu o capítulo brasileiro do livro Ativismo Político em Tempos de Internet. NO COMEÇO DA INTERNET Depois da experiência no “O Estado de S.
Paulo”, Savazoni se mostra estupefato ao relembrar-se dos primeiros contatos que teve com a internet. “No início de carreira, aquilo era o que tinha de mais avançado, `uma revolução’. “Eram tempos de conexão discada, velocidade de 250 kbps, interface gráfica reduzida”, recorda ele. O pensamento dominante na época é que bastaria colocar todo mundo na internet e ela se tornaria democrática. O passar dos anos, no entanto, mostrou um efeito reverso, como aponta Savazoni: “Redes sociais criaram processos de transpor a informação, filtros, boatos, algoritmos dedutivos, em que se criaram bolhas”. Com o surgimento do Facebook e do Twitter, as tiragens de grandes jornais impressos despencaram ao mesmo tempo em que crescia a presença da mídia tradicional nas plataformas digitais. O PODER DO ALGORITMO O algoritmo distribui a mensagem publicitária sem que a empresa decida para onde vai seu conteúdo. “Todo acompanhamento que não é prévio, não é censura. Se eu te impeço de falar, estou te censurando, agora, se você usa da sua liberdade para desferir o ódio ou mentir, isso é outra história. O problema é quem define o que é certo ou o que é errado”. Os anos se passaram e a comunicação tornou-se ainda mais mecanizada, os smartphones, que substituíram os tradicionais telefones fixos, e o Whatsapp, que virou o principal meio de comunicação, seja para trabalho ou lazer. O perigo é que conteúdo que por ali trafega pode limitar o pensamento do público a uma só maneira de pensar. “Quem vê Olavo de Carvalho, não vê Lula. Antigamente, os jornais tinham ampla visão formada por colunistas, variedade de notícias, hoje, não”. Em tempos modernos, cujas informações pipocam a todo instante na nossa tela, é difícil definir o que é verdade ou mentira. Como forma de combatê-las foram criadas as agências de checagem de fatos, para tentar comprovar informações da internet e discursos de autoridades. “Mas é muito difícil, tem coisas que são muito explícitas e outras que são de interpretação”, finaliza.
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Fernanda Bogue Estudante
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ATÉ MAIS BRASIL,
“ANNYEONG” COREIA COMO UMA JOVEM DO ENSINO PÚBLICO MUDOU DE VIDA POR MEIO DA EDUCAÇÃO
TEXTO, FOTO E DIAGRAMAÇÃO: LETICIA BENNATON, MARIA EDUARDA MELO E MARINA CAMAÑO
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ltimo ano do Ensino Médio. Uma garota de 17 anos, contida, sem o brilho nos olhos característico da idade, que nunca se sentia parte de um grupo específico. Uma jovem repleta de sonhos, que foram deixados de lado pela condição financeira da família e falta de informação. Assim era a vida de Fernanda Bogue na escola estadual em que estudava. Ela sempre se sentiu perdida em classe, via a escola apenas como um local para alcançar as notas para aprovação e nada mais. Na adolescência, é comum os jovens não se preocuparem tanto com o futuro, mas Fernanda nunca teve uma boa relação com o colégio. Talvez porque enfrentava problemas externos, como depressão e teria se isolado durante boa parte da adolescência de forma proposital. Ela foi diagnosticada aos 17 mas acredita ter
vivenciado crises desde os 13 anos. Apenas mais uma adolescente, uma engrenagem, entre tantas, do grande mecanismo conhecido como sistema educacional brasileiro. Mas, como acontece nos melhores roteiros, essa adolescência um tanto solitária teve um ponto de virada radical. Fernanda nunca teria previsto que, aos 20 anos, estaria se preparando para estudar em uma faculdade conceituada de Business na Coreia do Sul. Com o término do último ano escolar e o avanço da pandemia de covid-19 no Brasil, muitas dúvidas e incertezas surgiram sobre o próximo passo. Porém, algo se acendeu na mente de Fernanda ao se deparar com um site que listava formas de conquistar bolsas de estudo nos Estados Unidos para jovens de baixa renda. Desde criança ela tinha o sonho de estudar no exterior, algo que sempre pareceu inviável e apenas
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possível para pessoas com boas condições financeiras. A garota, então, se prontificou e correu atrás da oportunidade no mesmo dia, até se dar conta de que o processo de seleção para escolas dos Estados Unidos e de outros lugares do mundo é completamente diferente do Brasil. Notas não definem o estudante, e sim o impacto que esse jovem está disposto a exercer no mundo e nas pessoas ao redor. A liderança em projetos voluntários é muito apreciada. Após mais pesquisas, Fernanda descobriu as atividades extracurriculares, realizadas fora da sala de aula e que têm como objetivo auxiliar o aluno a encontrar suas paixões, seja na área acadêmica ou no dia a dia. Sem pensar muito, a aluna decidiu correr atrás de todo o tempo perdido e sair da zona de conforto. Por coincidência da vida, a área que mais faz o coração da estudante palpitar é a educação. Hoje a jovem consegue ver como o conhecimento exerce grande impacto na vida das pessoas. Apesar do isolamento vivenciado no início da pandemia, a jovem pôde se dedicar inteiramente a todo o estudo que havia negligenciado e atividades em prol da sociedade. Ela se inscreveu em um programa de seis meses de duração da ONG Fly Educação, que propaga conhecimento socioemocional online para jovens da periferia de São Paulo, de forma que cada um consiga entender seu lugar no mundo. De cara, sentiu que havia encontrado seu lugar. Lá, pôde soltar sua voz, participar do setor de comunicação e foi encorajada a dar opiniões, criar e participar de projetos voltados para a área. Dentre os projetos realizados no período, e dos quais a garota fala com empolgação, estão: Meninas
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Educação é um direito humano, que todos deveriam ter acesso. Todo o esforço em busca de tal conhecimento não deveria ser vangloriado, e sim facilitado. Fernanda Bogue Estudante
In Tech, que capacita, de forma gratuita, garotas que tenham interesse em computação, robótica e ciência da comunicação; e o projeto Semente, que busca dar orientação a crianças do Ensino Fundamental, especialmente moradores de periferias de São Paulo, sobre quais caminhos seguir para um bom futuro acadêmico.
SUPERAÇÃO Em sua jornada de autoconhecimento e em busca de atividades que complementem o currículo, Fernanda conheceu pessoas de todo o país na mesma situação, como Fred Ramon, estudante pernambucano de 20 anos que foi aprovado em nove universidades dos Estados Unidos, mas não sabia inglês. Sua história comoveu o Brasil, pois Fred aprendeu inglês sozinho consultando apostilas jogadas no lixo. “Não gosto quando utilizam minha
história ou casos semelhantes ao meu como episódios de superação, pois a Educação é um direito humano, que todos deveriam ter acesso. Todo o esforço em busca de tal conhecimento não deveria ser vangloriado, e sim facilitado”, afirma a estudante. A partir da história de Fred, Fernanda criou o projeto Educalizando, uma ação social responsável por doar apostilas antigas para instituições públicas de ensino, orfanatos, bibliotecas e educandários. O irmão de Fernanda é bolsista em uma escola particular e possuía diversos livros didáticos em perfeito estado, portanto, as primeiras 300 apostilas doadas vieram de sua própria casa. Fernanda não parou aí, sua meta principal era arrecadar mil livros até o final do ano, um feito que foi possível em apenas uma semana, após postagens na rede
DE MALAS PRONTAS
social. Outros 600 livros chegaram em suas mãos por meio de uma garota de apenas 10 anos, Giovana, que era presidente do grêmio de sua escola, viu a publicação. Ela mobilizou seus colegas e professores, que se apaixonaram pela iniciativa e ajudaram da melhor forma possível. “Sei que caridade não é uma solução para a educação, mas acredito que esse tenha sido o primeiro passo. Nós precisamos de políticos que estejam lutando em prol do conhecimento.”
PRIVILÉGIO O voluntariado nunca foi amplamente encorajado na família de Fernanda, porém seu projeto possibilitou uma mudança completa na visão dos parentes. “Somos privilegiados por termos acesso a certas coisas que outras pessoas não têm e infelizmente não temos noção disso. Nossa
percepção da importância do ato de doar só muda quando temos contato com pessoas que recebem as doações.” Para a jovem, não há sensação melhor do que presenciar alunos sendo bem-sucedidos a partir destas oportunidades. No futuro, ela quer auxiliar e ensinar outros estudantes a lutarem por seus direitos, usando sua plataforma nas mídias sociais como um canhão, dando voz a essas pessoas, mostrando também que é possível alcançar o tão almejado sonho de estudar fora do país, mesmo sem a condição financeira para tal. Segundo Fernanda, existem projetos de mentoria, computação, cursos de verão no exterior completamente custeados por instituições de ensino, tanto em nossa região, como em todos os estados, mas que não são disseminados ao público da forma que deveriam.
O início de sua nova jornada começou no dia 18 de agosto, dia em que Fernanda embarcou para Daejeon, na Coreia do Sul. Suas expectativas estão nas nuvens, mas apesar de estar animada, a estudante é o nervosismo em pessoa. Seu visto foi aprovado no início do mês e até então a ficha não caiu. A Solbridge International School of Business é uma faculdade muito renomada, principalmente na área de tecnologia, possuindo parceria com grandes empresas mundiais, como a Samsung. Quando recebeu a confirmação da bolsa, Fernanda sentiu que seus sonhos eram possíveis e que todos os riscos foram para um propósito maior. “Eu chorei muito e me senti orgulhosa de ter conseguido realizar meu sonho de criança”. Ela ainda comenta que pretende entrar em um grupo de debate, assim poderá perder a vergonha e se comunicar com os mais diferentes tipos de pessoas, vindas de outros países, com seus próprios costumes e cultura. A pesquisa acadêmica e o trabalho voluntário também estão nos seus planos. A vida de Fernanda, que começou a conquistar o seu lugar no mundo, está apenas começando.
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O Chega! Observatório UNISANTA da Violência Contra Mulher
quer ampliar o debate sobre um assunto que mata, machuca e deixa sequelas
Partipe da Ação
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