92 | REVISTA VOZAL
A arte de transformar merda em rosas: Causos do fundão da Solidão em tempos de pandemia Por: Michele Torinelli Usei o balde velho do banheiro seco, já inutilizável para tal, pra plantar rosas. Ganhei as mudas da Dona Vilma, vizinha que é meio gente meio planta aqui no fundão da Solidão, nos rincões de Mata Atlântica desse vale portal Maquiné. Fui deixar umas bananas pra ela, aqui não falta, graças à Pachamama e a quem as cultivou, e perguntar se ela precisava de alguma coisa, pois vive sozinha aqui no fundão. Me encomendou ração pros seus muitos gatos, quando a gente fosse pra cidade. A gente. Nós. Como é bom ser coletividade. Como é bom ser nós. Na alegria e na tristeza. Na saúde e na doença. Com enxada, carro, computador ou maracá. Dona Vilma lamentou não poder me abraçar, diz que já faz uns dias que tá sozinha. Que os parentes tão com medo de vir da cidade grande trazer o rancho que compraram pra ela, medo de contaminála. De transmitir o terrível vírus. Eu contei que quero plantar rosas. Ela me deu as mudas. Fui lá perto da Figueira ancestral, Mãe da Mata, e coletei terra fértil da floresta. No caminho, passei pela antiga composteira, onde colocamos os restos de comida, e peguei um pouco da terra, em poucos meses já compostada. E, finalmente, fui no mato atrás de casa e peguei a terra do antigo banheiro seco. Merda que vira adubo.