NÃO
É pelo esforço de futuros jornalistas e publicitários que acreditam na força de um trabalho independente. Independente? Sim, pois optamos por não fornecer a nossos apoiadores - a quem agradecemos imensamente, por viabilizar a impressão da Revista :) – a possibilidade de interferência em nosso conteúdo editorial (não que algum deles quisesse, mas sabe como é nosso mercado, né?). É por entender que, para fazer jornalismo de qualidade, precisa de tempo, liberdade criativa e experimentação. É por poder ousar em fazer um financiamento coletivo para viabilizar a impressão da Revista (agradecimentos a Marina Matos, Bruna Costa, Fernanda Nunes, Leonardo Costa, Dênio Guarieiro, Elias Costa, Júlia Espejo, Ricardo Nogueira, Marcela Mesquita, Alan Cristoffer e Douglas Fernandes, pelo apoio no Catarse). É por oportunizar o contato real com o mercado. É por entender, na prática, que não existe imparcialidade no jornalismo e que o dever desse profissional é dar mais voz a quem mais precisa. É para tentar contrariar a máxima de que jornalismo é tudo aquilo que alguém não quer que se publique (se vivemos num mundo com dores e alegrias, por que não repercutir essa dicotomia em nossas páginas?). É por trabalhar em equipe, saber liderar, ser liderado, ouvir, discutir, aceitar. É por conquistar o que parece longe ou impossível. É pelos desafios que a rotina jornalística nos coloca e pela chance de produzir fotos artísticas, criar títulos “fora do padrão”, brincar com nossas referências, construir textos sem a preocupação do “lead”. É por mim e por você, caro leitor, que deve ter respeitado seu direito à informação e de ouvir os vários lados de uma mesma história. Mais uma vez não foi fácil a produção e a impressão. Mas foi possível, e isso é o que importa agora. Ah, os sete reais anunciados no início desse texto são uma referência a uma das repórteres da Revista, que nos procurou querendo contribuir com essa quantia para viabilizar a impressão da Ensaio. Como o valor mínimo para as doações no Catarse era de R$ 10, e os sete eram o que havia restado após ela ter pago as suas despesas mensais, queria saber se era possível entregar diretamente à produção da Revista e contribuir para a sua viabilidade. É por isso então! Por acreditar que ainda existe fé no jornalismo de qualidade, de conteúdo, e que tem uma nova geração vindo aí com fome de fazer! Boa leitura! #revistaensaio
É POR
SETE
REAIS!
ÍNDICE ex-gay.......................................06 direita x esquerda.....................08 bandido...................................12 orgânicos.................................15 grafite........................................18 relacionamento abusivo.........20 cesta básica.............................23 parto humanizado...................28 servas noturnas........................30 autismo.....................................32
Expediente:
Direção de Fotografia: Ruth Flores, Dênio Guarieiro e Bruna Costa
Revista Ensaio – ano II – ed. 03
Produção de Fotografia: Sabrina Rios (líder), Cynara Cardoso, Jéssica Fernanda e Carla Souza
Revista Ensaio é uma publicação dos alunos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Faculdade Pitágoras Divinópolis/MG. Contato: contato.revistaensaio@gmail. com /facebook.com/revistaensaio Idealizador e Coordenação Editorial: Prof. Ricardo Nogueira Direção Executiva: Hudson Orsine Capa: Júlia Capanema Projeto Gráfico / Direção de Arte: Dênio Guarieiro
Diagramação: Carla Emília (líder), Letícia Santos, Letícia Almeida, Izabela Ortiz, Gisely Rufo, Larissa Prado, Ricardo Monteiro, Yuri Campos, Guilherme Morato e Dênio Guarieiro Produção de anúncios: Andressa Rabelo, Rayana Andrade e Dênio Guarieiro Administrativo: Ana Gabriella dos Santos (líder), Hudson Bruno e Mariana Santos
Batista, Carlos Roberto Nascimento, Paulo Couto, Danielle Dias, Gabriel Chaves, Leonardo Barros e Laila Santos Editores: Anna Paula Rodrigues (líder), Isadora Santana, Lucas França, Carla Emília, Vanessa Cardoso, Alexandre Reis e Bruna Costa Comercial: Laura Santos (líder), Vagner Henrique, Daniel Gonzaga, Bruna Garcia, Brunielly Keith, Reginaldo Alves, Suelen Lacerda, Kizzi Almeida, Hudson Bruno, Luiz Henrique Machado, José Ricardo Vieira, Christian Mascary Logo: Prof. Marcelo Tumati Impressão: Gráfica Del Rey
Mídias Sociais: Marina Matos (líder), Ana Paula Ramos, Matheus Garrocho, Ricardo Monteiro, Weliton
Tiragem: 3000 exemplares Distribuição: Gratuita
TEXTO: IZABELA ORTIZ, LARISSA PRADO FOTO: MARCO ANTHÔNIO ROSA, RUTH FLÔRES EDIÇÃO: LUCAS FRANÇA
Aos 15 anos, Cris Amaral teve seu primeiro relacionamento escondido com uma mulher. Elas se conheceram através de uma amiga em comum e ficaram juntas por seis meses. Foi um namoro inocente, uma relação afetuosa. No seu segundo namoro, se dizia apaixonada. Foi um momento decisivo, em que ela se descobriu lésbica, e assumiu para a família. Passou por um período longo e difícil, pois seu pai não aceitava sua orientação sexual. “No dia em que contei ele me bateu, me sufocou, cheguei até a ficar desacordada. Nos dias seguintes ele descobriu quem era minha namorada, a ameaçou e disse para ela ficar longe de mim”, recorda. Depois disso Cris teve mais três relações com mulheres. No último namoro, sua família estava na fase “nós engolimos, mas não aceitamos”. Ela havia iniciado a faculdade, saia com amigos e todos sabiam da sua orientação sexual, mas não sofria preconceitos. Em uma festa, após ter brigado com sua namorada, acabou ficando com um amigo. Pouco tempo depois, terminou seu namoro e passou a se relacionar apenas com homens. Seria Cris uma ex-gay? Algumas pessoas entendem a homossexualidade como uma desordem psicológica e, por isso, acreditam em uma cura. Um exemplo disso é o pastor e psicólogo Salóman Barzola: “Acredito na cura gay, porque se a pessoa não está satisfeita, por que não mudar?
A pessoa nasce macho ou fêmea, não tem cromossomo de homossexual. Ele aprende a ser homossexual, como também aprende a ser ladrão, ser mentiroso”. Por outro lado, há quem acredite e defenda que a orientação sexual não é uma doença e, portanto, não tem cura. “Ser gay não é doença, portanto, não tem cura. Aliás, é algo que é condenado pelo Conselho Federal de Psicologia e nós, de maneira alguma, nem leigos, tampouco psicólogos, podemos nos referir à cura da orientação sexual de alguém. Ter uma escolha sexual diferente é algo normal. Não se trata de uma questão meramente sexual, mas sim de uma questão maior, que é de afeto”, explica a psicóloga Maria Beatriz Versiane.
Religião X Orientação Sexual Marcela*, como quer ser identificada, tem uma família religiosa, que segue os parâmetros da igreja, e acaba interferindo na sua vida amorosa. Ela mantém em segredo um namoro com uma mulher há dois anos. “Meus pais são muito dominadores. Então, para eu ter um relacionamento sério é a coisa mais complicada, porque se eu assumir estarei em uma batalha familiar”, explica. A família de Marcela acredita que, caso ela assuma uma relação com outra mulher, estaria rejeitando e se afastando da religião. “Eu posso estar no Japão que receberia mensagens do meu pai dizendo que eu tenho que voltar pra Jesus. Eu não acho que deixei Jesus e nem ele me deixou. Todos nós cristãos sabemos que as igrejas têm um pouco de preconceito, preferem acreditar que Jesus vai curar, mas isso não é doença”, suplica. Otávio* também sofreu influência da religião e conta que teve problemas em se assumir, pois tinha medo da reação das pessoas de seu círculo social. Durante sua conversão religiosa chegou até a levantar a bandeira de ex-gay: “Cheguei até tentar a converter uma amiga. Acreditava que ela precisava conhecer a mesma religião que eu. Era uma coisa magnífica, transformadora! Tentei convencer ela de todas as formas possíveis, mas não consegui. Para essas pessoas eu dizia ‘sou ex-gay’.”
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Se dizer ex-gay é refutar uma experiência que começou desde a infância
Hoje, fora da igreja e após ter se reencontrado, Otávio vê a situação de outra forma: “Homossexual a gente é, não tem jeito de não ser. Quem nega isso tá mentindo. Mas acho que quando você se descobre, querer outro caminho é uma forma de se auto iludir e foi o que eu passei. A dificuldade de se aceitar faz você acreditar em qualquer coisa, inclusive na cura gay.” De acordo com o Fundador da Comunidade Católica Missão Maria de Nazaré, Eduardo Rivelly, a Igreja não interfere na orientação sexual dos fiéis. “Isso de ex-homossexual não tem comprovação de uma cura pela ciência, mas Deus pode tudo. De repente Ele pode curar, mas a Igreja não tem essa preocupação nem quer buscar a cura para ninguém”. Os líderes de outras Igrejas foram procurados pela reportagem, mas se recusaram a dar um posicionamento oficial. Esse fato impossibilitou que a matéria tivesse um debate mais profundo sobre o assunto.
TABU Depois de ter vivido tantas experiências, Otávio ressalta: “Essa questão de existir ou não o ex-gay, não afirmo com certeza. Mas tenho uma convicção que é quase impossível. Porque se dizer ex-gay é refutar uma experiência que começou desde a infância da pessoa, que já era um indício genético e fisiológico.” Apesar das posições contrárias abordadas nessa matéria, o tema ainda é um tabu na sociedade. Pessoas preferem ocultar seu ponto de vista, mesmo sendo algo tão corriqueiro como sexualidade. E quanto a você, acredita que um indivíduo possa trocar a sua orientação sexual?
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TEXTO:ALEXANDRE REIS, CARLOS HENRIQUE MONTEIRO FOTO: DÊNIO GUARIEIRO EDIÇÃO: BRUNA COSTA
A polarização política e os conflitos ideológicos intrínsecos às divergências de opiniões fizeram do debate político brasileiro mais do que um simples ambiente de troca e exposição de ideias. As novas tecnologias deram voz e plataforma ao discurso, que, por sua vez, passou a ser moldado por vários outros, na medida em que a interação entre os usuários aumentava e o fluxo de informação crescia exponencialmente. Com isso, a segmentação de visões de mundo, por mais que a internet, na teoria, ofereça algo diferente, tornou-se inevitável, principalmente se analisarmos, no Brasil, a conjuntura ideológica da esquerda e direita. Mesmo que algumas pessoas não saibam o que significa, ou não querem se enquadrar em determinado lado, a necessidade de se posicionar diante de temas e situações nos obriga a buscar informação e, indiretamente, algum partido que sustente nossos pontos de vista. Antônio Faraco é cientista político e apontou distorções quanto às ideologias e suas relações com os partidos: “A imagem dos partidos do Brasil não é fortemente ideológica. Temos nossos representantes dentro dos partidos, mas não sabemos ao certo quais as bandeiras que o partido defende, a ideologia partidária. Isso, na cabeça do eleitor, que espera uma coerência programática, nubla a compreensão do que seja direita e esquerda”, analisa. Por mais que o engajamento político tenha aumentado, ainda há uma grande parcela da sociedade que não atua ativamente do debate, seja virtual ou presencial. Ainda mais ao considerarmos que, no Brasil, em 2015, 51% da população não possui internet, segundo a Pesquisa de Mídia, realizada pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República. Portanto, não participam diariamente, com a mesma intensidade, dos acirrados confrontos ideológicos entre esquerda e direita. Mas, afinal, como saber o que significa cada vertente?
Elas têm origem na Revolução Francesa, quando os partidários do Rei, conservadores, sentavam-se do lado direito da Assembleia, enquanto os partidários da revolução, liberais, sentavam-se do lado esquerdo. Dessa forma, em qualquer sistema político, os atores podem ser classificados entre direita e esquerda a partir das ideias que defendem, sendo de esquerda os que defendem ideias mais simpáticas às camadas populares e a igualdade social e, de direita, os que cultivam ideias mais favoráveis a deixar que cada um resolva seus problemas por conta própria, ou seja, liberdade individual e meritocracia.
OPINIÃO PÚBLICA A reportagem da Revista Ensaio coletou respostas por meio de um questionário virtual, aleatoriamente, de 57 pessoas (40 disseram ser de esquerda, sete defendem a direita e 10 não se identificaram nas duas opções). Todas possuem, no mínimo, o ensino médio completo. Quando perguntadas sobre o que a direita representava, a palavra “conservadorismo”, a que mais se repetiu, fez parte da definição de 17 respostas. Em segundo, o termo “liberalismo” apareceu, direta ou indiretamente, em 14 respostas. Quanto ao significado da esquerda, 24 pessoas definiram como uma corrente que prega a “igualdade”; dessas, 16 relacionaram igualdade a questões sociais. Christian Mascarenhas, de 40 anos, é estudante de Jornalismo e se identifica com a ideologia de direita “por ser ligado à moralidade e controle da sociedade, livre de ações extremistas”. Já Danilo Araújo, de 21 anos, é jornalista e, segundo ele, sente-se inclinado à esquerda por ela “ter suas atenções voltadas às questões sociais, às classes mais baixas, além de incentivar o desenvolvimento socioeconômico baseado em uma série de preceitos básicos, como justiça social e educação”
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Em linhas gerais, a esquerda preza pela igualdade social. Já a direita busca a liberdade individual. O centro busca conciliar essas correntes. No entanto, a tentativa de conceituar em definitivo essas bandeiras, além de correr o risco de virar lugar-comum, empobrece a argumentação e a flexibilização de ideias. O ambiente torna-se polarizado e estabilizado em formas binárias de raciocínio, o que abre margem para reproduções superficiais de discursos pré-estabelecidos por formadores de opinião de renome.
favor e 16 são contra. Os números são mais parelhos no que diz respeito à redução da maioridade penal: 36 entrevistados disseram ser contra e 21 defendem a ideia. A maior discrepância observada nos resultados se deu quando o assunto foi casamento gay: 51 pessoas são a favor e seis rejeitam a união homo afetiva. Antônio Faraco avalia que as opiniões das pessoas quanto a estas questões, taxadas como “polêmicas” ou tabu, são antes influenciadas pelo critério religioso do que por sua ideologia político/partidária.
Para Mateus Morais Araújo, cientista político, há variáveis: “Se estamos discutindo o aumento de políticas sociais, como a instalação de mais creches públicas, em termos gerais um político de esquerda será favorável à instalação dessas creches, enquanto um de direita poderá ser contrário. A legalização da maconha é outro exemplo. Novamente, o político de direita seria contrário e o de esquerda a favor. No entanto, nada impede que um político ou partido específico seja a favor da construção das creches e, ao mesmo tempo, contra a legalização da maconha. Nesse caso, como seria possível classificálo como sendo de esquerda ou direita?”, questiona.
As pessoas, naturalmente, flertam com a esquerda ou a direita quando são simpáticas, por exemplo, ao Bolsa Família e à privatização da saúde/do ensino, respectivamente. Mas a definição da visão política de determinada pessoa, como sendo “esquerdista comunista” ou “direitista coxinha”, além de ganhar contornos pejorativos sem qualquer tipo de reflexão prévia, anula qualquer possibilidade de construção de argumentos, pois tornam-se superficiais, usados, em vários momentos, como forma de ataques pessoais. O problema não reside no fato de se assumir esquerda ou direita, mas no modo como tais bandeiras são levantadas e defendidas frente, principalmente, à pessoa que não tem interesse em debater política ou, mais ainda, àquela não faça ideia do que seja esquerda ou direita. Estes são os mais vulneráveis à alienação, o que é algo ainda pior para a edificação democrática da sociedade.
Segundo a pesquisa da Revista Ensaio, das 57 pessoas entrevistadas, 47 mostraram-se a favor da legalização da maconha e 10 colocaramse contra. Quanto à descriminalização do aborto, 41 são a
O problema não reside no fato de se assumir esquerda ou direita, mas no modo como tais bandeiras são levantadas e defendidas
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L E I T U RA N Ăƒ O R E C O M E N D A D A A M E N O R ES D E 1 8 A N O S
7 TEXTO: IZABELA ORTIZ FOTO: DÊNIO GUARIEIRO EDIÇÃO: ISADORA SANTANA “Não me arrependo de nada do que eu fiz na vida. Só mudei por causa da minha mãe, não queria ver ela sofrendo mais. Tirando isso, não mudou nada meu emocional”. Essa foi a resposta que o José*, como quer ser chamado, deu a mim quando foi questionado sobre como está sua consciência por ter matado alguém. Era numa tarde de calor no domingo. Eu estava numa sala de apartamento sentada à mesa. Na minha frente, um ex-detento. A janela do nosso lado estava aberta, aquele silêncio na rua, só entrava vento que refrescava o ambiente daquele mormaço. Durante quase uma hora ficamos ali conversando sobre a sua vida. De origem humilde, criado apenas pela mãe, entrou no mundo das drogas como usuário aos doze anos. Pouco tempo depois começou a traficar. Seis anos mais tarde foi preso por homicídio. A partir daí começou o lado obscuro da sua vida: foram três anos vivendo com 43 homens dentro de uma cela (com capacidade para 9) no Presídio de Itaúna/MG. Mas esse número variava de acordo com a entrada e saída de presos. Cada cela possui um banheiro que todos utilizavam e, na hora do banho, cada um tinha apenas 5 minutos para se lavar. Quando José chegou na cadeia, precisou “comprar” uma cama de um detento para não dormir no chão. Além disso, odiava a comida que era entregue dentro da cela, pois parecia estar requentada. “Provavelmente a mesma comida do almoço era da janta também, porque costumava vir azeda”, relata.
Já na metade da conversa, pergunto quais ensinamentos aprendeu durante a sua reclusão. Com a resposta na ponta da língua, ele afirma: “Na cadeia você não aprende nada. A pessoa muda se ela quiser mesmo, porque é revoltante o jeito que eles te tratam. Te jogam lá e esquecemque você existe. Sigo do mesmo jeito, só não faço mais as loucuras que fazia antes, tipo assalto. Porque hoje não compensa.”
SUB-HUMANIDADE A história de José é apenas mais uma dentre tantas da população carcerária brasileira. Jovens, pobres, negros e de baixa escolaridade: esse é o retrato do preso, segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), relativos a dezembro de 2014. Jovens entre 18 e 29 anos compõem 55% dos presídios. Negros são 61% e aqueles que cursaram até o ensino fundamental chegam a 75%. O relatório também aponta um crescimento de presos no país, que já chega a mais de 622 mil, aumento de 167% em relação ao ano 2000. Com esse dado, o Brasil se tornou o quarto país do mundo dentre os com maior população carcerária, ficando atrás apenas de Estados Unidos, China e Rússia. As condições do sistema prisional continuam deprimentes. Ainda de acordo com o relatório, o déficit de
vagas nas penitenciárias brasileiras é de mais de 250 mil. Com esse número, as prisões vivem uma condição de superlotação, com 1,6 presos por vaga. Em um quarto dos presídios, o quadro é ainda mais preocupante: são mais de dois presos por vaga. Em 2014, o Jornal Litoral, de Santos/SP, fez um levantamento sobre os gastos do governo com a educação e os presídios. O resultado foi bastante assustador: Por ano o governo investe R$ 20.690 em um estudante universitário, enquanto um preso custa R$41.666,66. Isso quer dizer que o detento recebe o dobro de investimento de um aluno que está na faculdade. O Ministério da Justiça, através da Diretoria do Sistema Penitenciário Federal (Depen), comunica que são gastos com os presidiários, por ano, aproximadamente R$ 25 milhões. A explicação para esses gastos, de acordo com o Depen, são: manutenção e reformas, contratos e transporte (inclusão, escolta, devolução e transferência dos presos). A frase “bandido bom é bandido morto” não é apenas um ditado, mas o reflexo do que a sociedade brasileira defende. Um exemplo disso foi uma recente pesquisa feita pelo Instituto Datafolha, encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança: 57% dos entrevistados concordam com esse pensamento, enquanto 34% discordam. Houve um aumento de 7% na aprovação da frase em relação à pesquisa de 2015.
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Eu não tenho nenhum sonho na vida, só tento ser o mais feliz possível e agarro o que aparecer na frente
“Óbvio que a sociedade tem desejos raivosos com os criminosos, muita gente acha que bandido bom é bandido morto, se pudesse mataria todos eles”, explica o psicólogo e professor Anderson Matos. “O crime encarna esses estereótipos sociais do bem e do mal, o criminoso incorpora esse lado ruim. Como não conseguem encontrar um lugar no mercado de trabalho,eles acabam reincidindo no delito novamente Quando voltam, as pessoas não acolhem, veem nele uma pessoa perigosa, com capacidade de fazer de novo o mal”, pondera.
PENA DE MORTE “No Brasil deveriam matar todos os bandidos.” Essa é uma das frases que sempre ouvimos quando o assunto é criminalidade. Em vigor em 58 países, a pena de morte é um tema que gera grande discussão. Segundo o relatório da Anistia Internacional, a China é o país onde mais há execuções. Em 2013 foram executadas 4.106 pessoas para os crimes de fraude fiscal, corrupção e tráfico de drogas. No mesmo ano, sem contar os dados da China, foram condenadas em 22 países 1.925 pessoas, e executadas 778. Depois dos chineses, os países que mais tiveram sentenças de morte foram Irã, Arábia Saudita e Estados Unidos. No Brasil, a Pena de Morte foi abolida em 1988 em casos de crimes comuns, mas ela permanece para crimes de guerra, como prevê a Constituição. Mesmo sendo um dos países que mais teve execuções, o nível de criminalidade dos Estados Unidos não diminuiu. O artigo publicado pelo Jornal de Lei Criminal e Criminologia da Universidade de Northwestern, em Chicago, levanta essa questão. Foram analisadas opiniões de 67 pesquisadores norte-americanos que se especializaram nesse tema. A maioria deles, 88,2%, afirma que a pena de morte não teve nenhum impacto no índice da violência nas ruas. Cleo Mesquita, advogado há 30 anos, diz não ser totalmente favorável à expressão “bandido bom é bandido morto”, mas para ele tudo tem um limite: “Quando o
bandido for reincidente seguidas vezes de um crime hediondo, considero que a pena de morte resolva. Porque a gente já sabe que os nossos presídios não recuperam ninguém, a pessoa sai pior do que entrou. Agora, se o sujeito cometeu um deslize e nós vemos que é um indivíduo de bem, que perdeu a cabeça, aí sou contrário à pena de morte.” “Pena de morte não é pena dentro do contexto do Direito, mas sim vingança, é extermínio do outro”, contesta Domingos Calixto, delegado e professor do curso de Direito. Ele estava sentado à mesa do meu lado tomando café enquanto me explicava sua visão sobre o ditado.“O que se verifica na criminalidade é exatamente uma luta de classes. Para essas pessoas que estão no poder, que têm um discurso do controle, o ‘bandido’ é exatamente aquele indivíduo que eventualmente pode ameaçar-lhe em via pública ou enquanto dorme. Mas, na realidade, o verdadeiro criminoso transcende essa ideia. E quando a classe baixa entender isso, um novo conceito será estabelecido”, afirma
TOCANDO EM FRENTE José estava com hora marcada para ir embora, pois tinha um compromisso. “Faltam cinco minutos”, disse, olhando o relógio. Faço minha última pergunta: se teria algum sonho para ofuturo. Ele olha para mim e fala: “Eu não tenho nenhum sonho na vida, só tento ser o mais feliz possível e agarro o que aparecer na frente.”
TEXTO: VANESSA CARDOSO FOTO: RUTH FLÔRES EDIÇÃO: CARLA EMÍLIA
Você presta atenção na qualidade das comidas que consome? Se a resposta for não, é melhor se preocupar com a sua saúde e dar início à mudança de hábitos a partir de agora. Dizem que a revolução verde começa no prato. E é verdade! Se escolhermos melhor nossa alimentação, isso terá um grande impacto positivo, para nós e para o planeta. A comida caseira tem se tornado uma raridade, um privilégio dos fins de semana nas casas das mães e avós. Cada vez temos menos tempo – e mais preguiça – de cozinhar em casa. E aí optamos por algo pronto. Mas as comidas industrializadas são feitas de material barato, especialmente gorduras, carboidratos, outros açúcares e sal. Entopem os alimentos com os “antes”: conservantes, acidulantes, aromatizantes, corantes... produtos extremamente pobres em termos nutricionais.
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Na contramão do consumo de alimentos ultraprocessados está a crescente preocupação com a saúde. Por isso, as pessoas começaram a investir numa alimentação mais saudável. Essa mudança de comportamento propiciou o desenvolvimento de técnicas de produção na agricultura que culminaram com o surgimento dos alimentos orgânicos. Eles ainda soam um pouco estranho para a maioria da população. No entanto, um número significativo de pessoas no Brasil e no mundo já descobriu os seus benefícios. Prova disso é que o mercado nacional deste setor teve crescimento médio de 20% em 2015, de acordo com registros do projeto Organics Brasil. Mas, afinal, o que difere os alimentos orgânicos dos convencionais? Eles utilizam técnicas específicas, que respeitam o meio ambiente durante todo o seu processo de produção. Além do mais, visam a qualidade, já que não são usados agrotóxicos e nem outro tipo de adubo químico que possa acarretar algum dano à saúde de quem os consome. Portanto, os orgânicos são obtidos de maneira mais natural, sendo mais saudáveis e até mais saborosos e nutritivos. Muitas pessoas nem imaginam os riscos que o uso indiscriminado de agrotóxicos e fertilizantes oferece à saúde humana. “Doenças como Alzheimer, Parkinson e Depressão, além de patologias neurológicas, podem estar associadas à ingestão de alimentos contaminados pela quantidade excessiva de produtos químicos”, destaca Fernanda Medina Pereira, nutricionista em Pará de Minas. Frutas, verduras, legumes, grãos, ovos e carnes orgânicas já podem ser encontradas em supermercados e feiras no país. Para saber se o produto que você pretende levar para casa é realmente orgânico, é importante ficar atento se o mesmo possui o selo brasileiro determinado pela Lei dos Orgânicos (número 10.831, de 23 de dezembro de 2003) ou pela declaração de produto orgânico familiar. “Consumir esses alimentos é investir em mais qualidade de vida, já que não haverá substâncias químicas no nosso organismo”, defende Fernanda.
Faça você mesmo Que tal aprender a elaborar uma parte da sua refeição totalmente livre de agrotóxicos? Isso é possível através do cultivo de uma horta orgânica na sua própria casa. Os benefícios são muitos! É bom para a saúde e para o bem-estar da família, que vai ingerir alimentos mais saudáveis e conseguir uma economia nas feiras e supermercados. Quem ganha também é o meio ambiente, que não vai receber produtos químicos. “É claro que não vamos conseguir sobreviver apenas com os alimentos produzidos em casa, mas pelo menos as hortaliças devem ser cultivadas em uma pequena horta, como a cebolinha, salsinha, tomatinho, alface, couve e algumas outras folhosas. Ervas e temperos também podem ser produzidos na horta orgânica. E não é preciso ter um quintal grande para cultivar esses alimentos. Existem diversas alternativas até mesmo para quem mora em apartamento”, explica a nutricionista. Falar em alimentação orgânica é falar de segurança alimentar, algo que a Organização das Nações Unidas (ONU) defende há mais de 25 anos. “A agricultura orgânica é o futuro da humanidade, através do plantio de pequenas escalas, cooperativas de pequenos produtores... Esse movimento já é crescente no Brasil. Porém, a grande mídia não divulga, porque para as grandes empresas não é interessante falar sobre segurança alimentar e produtos orgânicos, uma vez que elas sobrevivem graças ao capitalismo”, destaca a educadora ambiental Sônia Naime. De acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), cresceu a adesão dos produtores brasileiros ao mercado de orgânicos. Entre janeiro de 2014 e janeiro de 2015, a quantidade de agricultores que optaram pela produção orgânica passou de 6.719 para 10.194, aumento de 51,7%. O Nordeste é a região onde há mais produtores orgânicos: cerca de quatro mil.
“O brasileiro ainda não possui a cultura de consumir alimentos orgânicos. Mas, principalmente nas cidades interioranas, as feirinhas de agricultura familiar estão crescendo. É através delas que as pessoas vão pensar em educação alimentar”, defende Sônia.
Desafios da produção orgânica Nas últimas décadas, o avanço das pesquisas em agricultura orgânica trouxe muitas respostas para perguntas e mitos relacionados ao cultivo de produtos naturais e à adoção de agricultura de bases ecológicas como solução para os problemas ambientais e sociais. No entanto, uma das principais perguntas sobre a adoção da agricultura orgânica parece, ainda, não ter uma resposta definitiva: será possível assegurar a alimentação de todas as pessoas com esse tipo de produção, que proíbe o uso de agrotóxicos e fertilizantes químicos? Para Itamar José Ribeiro, extensionista da
Emater-MG, a resposta é simples: não. “As vantagens da alimentação orgânica são muitas, mas não é a solução para matar a fome da população. A produtividade é baixa, porque o produto orgânico perde com mais facilidade, já que não possui defensivos agrícolas para conservá-lo. Além disso, o custo é mais alto, nem todas as pessoas têm condições de pagar. Ainda seria necessário desmatar mais áreas para plantar”, explica. A Emater-MG tem incentivado a agroecologia nas pequenas propriedades rurais de Pará de Minas e região: consiste na produção de alimentos de forma natural, eliminando o máximo possível os defensivos agrícolas. A compostagem - processo biológico de decomposição e reciclagem da matéria orgânica - é um tipo de adubo utilizado no cultivo agroecológico. “Muitos produtores de agricultura familiar já estão cultivando folhosas desta forma. O alimento não é tão caro e se aproxima do orgânico. É uma alternativa para não continuar envenenando o próprio organismo com produtos repletos de substâncias químicas”, afirma o extensionista.
FOTORREPORTAGEM: BRUNA COSTA EDIÇÃO: MATHEUS GARRÔCHO
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raços formam, conformam, corrigem as linhas tortas e decidem por onde começar. O risco ainda é monocor. Eles dividem as tintas e os rolos para pintar: grafite. São trezentos adolescentes que exigem ação, atenção. São trezentos seres em construção. O que eles aprendem com a arte do grafite? Respeito, disciplina e trabalho em equipe. Alguns se envolvem mais, outros menos. Envolver trezentos jovens num projeto artístico não é tarefa fácil. Nas palavras do grafiteiro Vinícius Gomes da Silva, o Sr. Gomes: “Grafite é arte de rua, tag é arte de rua, pixo é arte de rua.” Ele enxerga o grafite como um dom. Sentindo a necessidade de ensinar outras pessoas essa arte, propôs oficinas de grafite para escolas públicas de Divinópolis. O projeto de grafite ministrado pelo Sr. Gomes na Escola Estadual Engenheiro Pedro Magalhães foi realizado no ano do centenário da escola (2016), com o intuito de revitalizar o espaço e integrar os estudantes. A diretora Aline Lucas da Costa deixa claro que “a arte traz os alunos para mais perto e é uma forma de eles expressarem o que sentem e pensam.” O muro é um presente de continuidade, executado por muitas mãos, e expressa o recado que jovens com realidades distintas – às vezes iguais – têm para as pró-
ximas gerações que ali estudarão, para os vizinhos da escola, para todo divinopolitano que atravessar as ruas de canteiro do Esplanada. Aprender pela arte é gravar na memória uma história. No caso deles, é a história do agora.
Berço Segundo Alexsandra de Oliveira,professora de arte, o grafite, como o conhecemos hoje “vem principalmente dos guetos nova-iorquinos no início da década de 1960, junto com o início dos rappers, da cultura marginal e negra”. O grafite entra para as galerias no final dos anos 1970 com obras do artista JeanMichel Basquiat, o SAMO das ruas nova-iorquinas da década anterior. Para a professora, a alcunha da legalidade e o reconhecimento do grafite no meio artístico como obra de arte o “distanciou da pichação pela sua estética e pelo que as pessoas costumam entender do que é belo, apesar de ambas serem ainda muito misturadas.”
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7 TEXTO: ANA PAULA RAMOS, BRUNA ROSA, BRUNIELLY KEITH GABRIELA OLIVEIRA FOTO: MYLLENA BASTOS EDIÇÃO: VANESSA CARDOSO
Só nos dez primeiros meses de 2015 foram registradas mais de 63 mil denúncias de violência contra a mulher no país, o que corresponde a um relato a cada sete minutos. Na maioria deles (67,36%), as violências foram cometidas por homens com os quais as vítimas tinham ou já tiveram algum vínculo afetivo. Os dados são da Secretaria de Políticas para as Mulheres, da Presidência da República, a partir de balanço dos relatos recebidos pelo Disque Denúncia (180). Várias mulheres vivem em situação de agressão, não só física, mas,
principalmente, psicológica, e simplesmente não conseguem identificar isso ou se verem livres do “parceiro”. Sentir-se sufocada e neutralizada perto de alguém é um dos indícios de estar em um relacionamento abusivo psicologicamente, conforme explica a psicóloga Maria Beatriz Versiani: “Muitas vezes a pessoa está em uma relação abusiva. Ela percebe os sinais, mas desacredita neles e prefere acreditar no que o ‘perverso’ fala, acreditando que a culpa da relação não dar certo é sua.”
O Ciclo No início, toda a atenção é voltada para a parceira. Todos os seus desejos são atendidos, os mimos e surpresas inesperados são constantes e não falta carinho e tempo à disposição. Com isso, a vítima se torna refém de tanto “amor”. Na segunda fase vem a desvalorização. É o momento em que o “perverso” debocha dos sonhos da vítima, a afasta de amigos e familiares, suspeita de tudo o que ela faz e aponta os defeitos, entre outras situações. Entretanto, isso se alterna com doses excessivas de carinho e de atenção, seguidas de oscilações de humor. Depois de tantos altos e baixos e de ter feito a vítima se sentir culpada, diminuir sua autoestima, sua autoconfiança, dizer que ela precisava dos seus “remédios” e fazê-la acreditar que estava “pirando”, o perverso a deixará. Não porque desistiu, mas porque provavelmente já terá sugado toda a sua energia e força. Ele quer continuar alimentando seu ego e tentará achar a próxima vítima.
Mariana*, como prefere ser identificada, passou por isso com seu último namorado. Chegou a ver seu companheiro tentar se matar na linha férrea, tomado por um ciúme doentio após vê-la conversando com um amigo. Jogando a culpa nela pelas bebedeiras constantes, ele se tornava extremamente agressivo, passava a socar móveis e paredes para intimidar e impor superioridade. Não houve agressão física, mas as psicológicas faziam parte do relacionamento do casal. Nem sempre a vítima se sente feliz ou aliviada em se libertar. A dependência psicológica gerada por tantos abusos une o agressor à pessoa agredida. Esse desequilíbrio destruiu a autoconfiança de Mariana, que entrou em depressão e não sabia como pedir ajuda.
O Antídoto Em muitas ocasiões não há outro jeito: o verdadeiro remédio é deixar o “perverso” e seguir a vida. Mas isso não é tão fácil quanto parece. O abusador continua no processo de manipular e colocar a vítima no regime de submissão. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2014, 89% dos entrevistados pensam que “a roupa suja deve ser lavada em casa” e 82% acreditam que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. Sair dessa situação é difícil, já que a relação envolve um conjunto de fatores: a falta de apoio de amigos e familiares, que a essa altura já estão distantes, e a saúde mental abalada, devido aos constantes abusos.
Tratamentos psicológicos e/ou psiquiátricos podem ser uma saída. Procurar ajuda de um profissional é essencial. Existem também diversos grupos de apoio que podem acolher a vítima e dar força para ela seguir em frente. O importante é não ter medo! A legislação apoia quem
passa por situações como essas. A vítima pode buscar informações em páginas na internet e no Facebook que abordam o assunto; e ajuda no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), nas Delegacias Especializadas de Defesa dos Direitos das Mulher, além da Central de Atendimento à Mulher do Disque Denúncia 180.
Em busca da cura... Ainda não inventaram remédio para curar o passado. Ora acho ótimo, ora me sinto amedrontada. É o passado que, de certa forma, nos molda. Quem disse que em “briga de marido e mulher não se mete a colher” é porque não viveu presenciando um relacionamento abusivo. Me sinto péssima em alguns momentos porque sei muito bem que naquela época não poderia fazer nada. E vez ou outra me sinto ótima pelo simples fato de saber que não preciso continuar com alguém simplesmente para ser objeto de uso, a fim de suprir o amor e ego que o outro não tem por ele mesmo. Não sei ao certo o quanto isso influenciou ou influenciará em minha personalidade, mas por vezes ouvi ele dizendo para ela: “se você me deixar, jamais irá sobreviver”. Minha mente bloqueia, mas outra frase volta a ecoar: “sua mãe está ficando louca, foi ela quem me traiu”. Sabe o que aprendemos com tudo isso? O ser humano nasceu pra ser livre, e se um relacionamento te faz o contrário disso, sem dúvidas você não merece estar nele. Todo mundo tem o direito de se curar dessas cicatrizes, mas tem o dever de não deixar que elas aconteçam novamente. Eu sei me cuidar, sei me proteger, mas você não precisa passar por nada disso para entender que ninguém no mundo é mais importante do que você mesmo. E, que se faz sofrer ou doer, não é amor, é agressão! *Relato de quem preferiu não se identificar.
TEXTO E FOTO: ANNA PAULA RODRIGUES EDIÇÃO: ALEXANDRE REIS
A cesta básica é crucial para as pessoas que a utilizam como base de suas refeições. Em alguns casos, é a única alimentação que uma família dispõe. Ela oferece todo o necessário? Resolvi descobrir. Durante 30 dias, 90% de minha alimentação foi apenas de itens da cesta básica. São muitos os tipos de cesta e optei pela econômica. Como tenho galinhas, poderia consumir ovos sem precisar gastar. Vizinhos me davam algum tipo de hortaliça. Tive que comprar o pão, embora tenha recebido
O preparo Antes de iniciar a aventura, passei por uma série de exames de sangue. Considerando meus péssimos hábitos alimentares, minha condição de fumante e meu sedentarismo, os resultados foram satisfatórios – apenas o colesterol e triglicerídeos pediam atenção. A nutricionista Fabrícia Benfica prestou assistência durante esse período e me avaliou. Fui orientada a evitar excessos, principalmente de carboidratos, pois isso me deixaria exposta a alterações como hipertensão, deficiência de vitaminas e nutrientes. Também poderia elevar meus níveis de colesterol, glicemia e triglicérides. Era preciso ingerir muita água, a fim de evitar retenção de líquidos. O resultado da avaliação revelou que eu poderia não sofrer grandes alterações no organismo, até mesmo pelo tempo em que eu consumiria estes alimentos: um mês. Essa, no entanto, é a realidade de muitas famílias durante toda uma vida. Era hora de vivê-la.
alguns de amigos. Abri mão de tudo, exceto do café. Esta reportagem foi inspirada no documentário Super Size Me (2004), no qual o cineasta Morgan Spurlock se alimenta de fast food por 30 dias e relata sua experiência.
A PRIMEIRA SEMANA O primeiro dia foi tranquilo. Pão francês com margarina no café da manhã, couve da horta do vizinho para acompanhar o arroz e feijão no almoço. Deparei-me com uma mesa abarrotada de delícias. Fiquei apenas com cafezinho e biscoito! As tentações me cercavam .23
Primeira Semana em casa, onde sempre há guloseima. Resisti. Fechei com leite em pó e sequilhos. No segundo dia, a vontade de comer doce. Quando fui comer um pão com ovo, que saudade da maionese! Minha mãe seguia assando pães de queijo. O ápice do dia 3 foi ganhar doce de leite. Entre pães, arroz, feijão, ovos e leite em pó, sobrevivi à primeira semana. Mas observei que, por mais que eu regrasse o consumo, o leite em pó e a margarina já davam sinais de esgotamento.
SEGUNDA SEMANA Fui para outra cidade visitar uma amiga. Meu almoço não fugiu dos padrões: arroz com cenoura ralada, macarrão com sardinha, feijão preto e cebolas que estavam no bife. No mais, seguia com o pão francês. Minha amiga estava grávida e não pude deixar de pensar nas gestantes que contam somente com os itens da cesta básica para sobreviver. Meu décimo dia foi especial. Precisei viajar, o que significou bocalivre! No almoço, fiquei tentada a comer tudo. Optei por arroz integral, um pedaço de peixe, berinjela empanada, batata doce, fritas, chuchu e tabule. Os lanches, sempre regrados a pão francês. No dia 12 mantive a macarronada de domingo. No dia seguinte, arroz, feijão e ovo. De acordo com a nutricionista, não deveria abusar do ovo. No 14º dia, o mais complicado dos trinta, meu almoço foi somente arroz e feijão. Tive enxaqueca durante o dia e precisei tomar analgésicos que, acredito, tenham baixado minha pressão arterial, me enfraquecendo. Não consegui esperar chegar até em casa para me alimentar. Na faculdade, comi um sanduíche: pão francês, presunto, queijo, alface e tomate. Não fosse a necessidade, não teria comprado. Para comemorar 15 dias da experiência, macarronada com feijão e couve!
TERCEIRA SEMANA Meu 16º dia começou com uma triste notícia: a margarina e o leite em pó haviam acabado. O básico não durou muito. Tentei seguir sem os dois itens. Alguns jilós da roça salvaram o almoço. À noite, fui presenteada com pãozinho de cebola e um bombom. A famosa expressão “a pão e água” foi vivida, já que não havia mais leite em pó para acompanhar o pão. Almocei, no 17° dia, uma farofa de jiló com ovo. Com a falta da margarina, passei a ingerir mais pão sovado que francês. No décimo oitavo dia, preparei um tutu de feijão com ovo cozido. Nesse mesmo dia, comprei um pouco de mortadela para, no dia seguinte, no almoço, comer com pão. Passados cinco dias sem margarina, me deparei com uma promoção: um pote de 500 gramas por R$3,89. Comprei por duas questões óbvias: estava péssimo ficar sem e por sair mais barato que o pão sovado. A volta da margarina foi o melhor momento do meu 20º dia. O básico mostrava seu valor. Minha mãe me mandou uma marmita de almoço: arroz, feijão, batata cozida, salpicão e frango. Suficiente para dois dias! Meu 22º dia veio acompanhado de uma baixa na temperatura. Não dispensei um bom angu com feijão. Teve jiló para acompanhar!
Segunda Semana
Terceira Semana
QUARTA SEMANA Minha jornada ia bem. Qualquer hortaliça e pão fresco eram motivo de festa. As sobras do jiló do dia anterior viraram farofa no almoço e agora, com a margarina, estava mais fácil lidar. No meu 24º dia, comi pão, tomei muitos cafés. Dispensei o almoço. Precisei viajar nos dias finais. Não sabia como iria me virar, mas não vacilaria. Durante dois dias, minha alimentação foi constituída por café, pão de forma, uma única fatia de queijo e um mini pão de queijo no café da manhã. No almoço, 5 unidades de empadinhas de queijo e palmito. No lanche da tarde, adi-
Quarta Semana
vinha? Pão francês! De volta, já no 27º dia, arroz com jiló no almoço. No dia seguinte, acompanhei o nascimento da filha de minha amiga. Almocei arroz, feijão e ovo. À tarde, pão com mortadela. No 29º e 30º dia, depois do pão... “macarrão branco”. Em um dia com feijão, noutro tendo o arroz como acompanhamento, tive o que considerei o pior almoço de todos. Era 14 de outubro. Minha saga chegava ao fim. Pela manhã, refiz todos os exames no laboratório. O período de 30 dias estava completo. Mas, como iniciei no dia 14 de setembro, que finalizasse em 14 de outubro. Para o último almoço, preparei angu para acompanhar o feijão e o chuchu solitário que ganhei do vizinho. Pensei que seria bem mais difícil. Consegui!
A HORA DA VERDADE Hora da avaliação final da nutricionista. Antes, friso que minha dieta não contava com horários fixos e porções regradas. Como meus exames iniciais mostraram aumento do colesterol e triglicerídeos, evitei colocar dois tipos de carboidratos na mesma refeição. Nesses 30 dias, as alterações, ainda que mínimas, apontavam o óbvio: uma alimentação apenas com os itens da cesta básica é insuficiente. Tive baixas no ferro sérico, ferritina, cálcio e glicemia. No caso da glicose, foi por causa da ausência de doces. O aumento do TGO mostrou que meu fígado sofrera danos. Meu colesterol e triglicérides baixaram. Por outro lado, minha alimentação, baseada em carboidratos, garantiu que estes níveis continuassem acima do desejável. A couve me salvou da anemia, mas a falta de vitaminas, nutrientes e fibras colaboraram para o mau funcionamento do intestino, aspereza da pele e unhas quebradiças.
em excesso, poderiam aumentar os níveis de ácido úrico, levando à inflamação das articulações – a famosa “gota”. Minerais, massa esquelética e muscular também diminuíram. O que mais me chamou a atenção foi o fato da gordura do meu corpo ter caído a ponto de ficar abaixo do normal. A gordura na corrente sanguínea, a mais nociva, permaneceu elevada. Embora abaixo do peso, meu nível de gordura, no início, foi considerado normal. Como minha dieta não me ofereceu o necessário, meu organismo queimou minha reserva. Corri o risco de passar mal se tivesse praticado alguma atividade física.
A LIÇÃO Ao longo desses 30 dias, uma análise sobre como nos alimentamos de forma errada foi inevitável. Pensar que são muitas as pessoas que contam apenas com a cesta básica, e nos muitos problemas de saúde a que estão sujeitas, é um convite a repensarmos nossos hábitos. Em situações extremas, a cesta básica é fundamental. Mas será que uma criança criada dessa forma não terá problemas futuros? Uma lactante que se alimenta disso consegue produzir um leite que supra as necessidades do bebê? Quantas pessoas evitariam problemas de saúde se tivessem melhor alimentação? Não se trata de luxo, mas de qualidade de vida. A cesta básica deveria se chamar cesta base. Arroz e feijão são essenciais, mas é preciso carnes, hortaliças e frutas. Nosso organismo precisa de vitaminas, fibras, minerais. Ninguém morrerá de fome alimentando-se desses itens. Mas se não houver o mínimo do necessário, teremos mais doentes, enfartados, obesos... A cesta é uma alternativa. Inocentes somos nós, por pensar que ela basta.
A nutricionista me revelou que as alterações negativas continuavam: houve aumento de proteínas, que, .25
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TEXTO: BRUNA COSTA FOTO: RUTH FLÔRES EDIÇÃO: ANNA PAULA RODRIGUES
O Brasil é líder mundial em cesáreas. Enquanto o índice recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é que 15% dos partos sejam feitos dessa forma, 57% das brasileiras recorrem ao procedimento. Apesar dessa intervenção ser necessária em gestações de alto risco e possíveis intercorrências, o uso indiscriminado da cesárea oferece riscos à saúde do bebê e ainda é associado às quatro principais causas de mortalidade materna: hipertensão, hemorragias, infecções e problemas circulatórios. O parto natural e a sua humanização são ações recomendadas pela OMS e adotadas pelo governo. Em 2015, a Resolução Normativa 368 aprovou medidas na tentativa de diminuir esse índice, permitindo a divulgação dos percentuais de cirurgias cesáreas e de partos normais por estabelecimento de saúde e por médico, caso solicitados. O parto humanizado é um modelo incentivado pela OMS como alternativa de mudança da assistência ao parto e à mulher. Para ocorrer é preciso uma equipe multidisciplinar que envolve doula, enfermeira obstetra, ginecologista e a família. A vontade da gestante e o apoio são fundamentais para que o parto ocorra da forma mais natural possível.
“
“ Sem pressa e respeitando as necessidades físicas e emocionais da mulher, nenhuma rotina é adotada, cada história é única.
Segundo Rebeca Charchar, doula e diretora do grupo Ishtar, que promove encontros que discutem a gestação, humanização do parto e amamentação, os relatos de violência obstétrica, verbal e física prejudicam a mãe e o bebê. Por isso, o parto humanizado oferece uma assistência em que a mãe é protagonista. “Sem pressa e respeitando as necessidades físicas e emocionais da mulher, nenhuma rotina é adotada, cada história é única”, explica. A doula, explica Rebeca, é responsável exclusivamente pela mulher, garantindo que ela tenha uma experiência satisfatória, ajudando-a a passar de forma natural pelo parto. Para a enfermeira obstetra Fabiana de Araújo Santos Rocha, o que ocorre nos hospitais é o modelo médico centrado e intervencionista, que ela acredita estar enraizado na cultura brasileira. Esse modelo, na prática, significa que as decisões do parto são do médico, desconsiderando o desejo da gestante. “A humanização na assistência ao parto e ao nascimento considera o universo da mulher e se inicia na gestação. Nada deve ser imposto”, diz. Recomenda-se que a gestante pesquise e conheça o processo do parto natural para que ela fique tranquila e preparada para possíveis intercorrên-
cias. Marina Neves de Almeida Gomes, ginecologista e obstetra, ressalta a importância do Plano de Parto, documento no qual a gestante fará o acompanhamento da gravidez e indica como ela quer que seu parto ocorra: “A mulher se prepara e se torna mais ativa através do Plano de Parto, mas também deve estar ciente do risco de intercorrências e que, nesses casos, o plano muda completamente.” Larissa Amaral Oliveira Pereira, psicóloga, sempre sonhou ser mãe e não suportava a ideia de um processo cirúrgico. Ela pesquisou sobre métodos de parto até encontrar o humanizado e descobrir que mais mulheres pensavam da mesma forma: “Era quinta-feira de manhã quando senti os primeiros sinais das contrações. A doula e a enfermeira obstetra chegaram, prepararam a banheira, o café e recebi massagens. As dores das contrações ficavam mais fortes. Encontrava-me descabelada de felicidade, ansiedade e com o carinho de quem me acompanhava. ‘Você entrou em trabalho de parto’, a doula me confirmou. Às 9h, quando a dor atingiu o ápice, entrei na fase do parto expulsivo. Mesmo com o preconceito e ‘transtorno’ do ambiente hospitalar, não me incomodei. Gritei, pedi para parar e que me dessem anestesia. Porém, nos minutos em que ela estava saindo do meu ventre, a conexão já era íntima e profunda. Estava na partolândia, fechava os olhos e conversava com ela, até que a recebi em meus braços, pele a pele. A minha menina de cheiro doce!”
Júlia Esteves de Melo, estudante e mãe da Manuela
“Minha experiência com o parto começa com uma gravidez não planejada no ano passado (2015). Logo procurei uma assistência humanizada com uma enfermeira obstetra. Com 37 semanas e cinco dias, meu filho nasceu de forma totalmente natural e me completou como mulher, como mãe. Foi lindo, não bem como eu sonhei, apesar dos percalços que vieram apenas para provar o que eu mais tinha dificuldade em aceitar: que a gente não controla. O parto não é racionalizado, ele é sentido.” Ysis Anastacia S. de Araujo, doula e mãe do Alan
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“Decidi pelo humanizado porque queria um parto que me respeitasse. Fui acompanhada por três enfermeiros obstetras e uma doula, sem contar minha mãe, irmã e marido, que me apoiaram o tempo todo. Só no final houve uma complicação: a Manuela estava muito alta, minha bolsa não tinha rompido. Pedi para irmos ao hospital. E, apesar do cansaço de 25 horas em trabalho de parto, as dores fortíssimas das contrações, as outras três horas até o fim da cesárea, a Manuela nasceu bem e saudável. Foi um parto domiciliar que acabou no hospital.”
TEXTO: JULIANA TEIXEIRA FOTO: DÊNIO GUARIEIRO, RUTH FLÔRES EDIÇÃO: ALEXANDRE REIS
Entre sorrisos, gargalhadas e brincadeiras, as máscaras da rigidez e sobriedade caem por terra. Nem mesmo um sacrifício, inimaginável por muitos, consegue desfazer a satisfação pessoal. A desconstrução da ideia de um convento silencioso, com freiras sérias e conservadoras, foi surpreendente. Principalmente tratando-se da Servas de Maria, instituição filantrópica de Divinópolis que assiste enfermos. Seguindo o estereótipo, esperava-se uma perspectiva pouco humanizada e um cenário longe da realidade. Como essa ideia sucumbiu... Operando majoritariamente durante a noite, a jornada dessas irmãs não é nada fácil. Usam vários meios de transporte para se locomoverem e caminham durante a madrugada para voltarem à casa. São feitos votos de castidade, pobreza e obediência para servir à vocação maior, a fim de melhorar, com grandes gestos, a vida de enfermos e famílias.
O trajeto das freiras até os enfermos começa por volta das 20h30. Elas retornam ao convento quando o sol nasce. Durante a madrugada, fazem uma vigília para cuidar do doente. Costuram, leem, rezam e, acima de tudo, prezam pela família que necessita do descanso. É raro quando optam por pequenos cochilos. Também já foram vítimas de ofensas e malcriações por parte do enfermo. A dica é jamais rebater, a não ser que seja com boa dose de educação e um sorriso sincero. Segundo a Madre Superiora Verónica, a família do doente, muitas vezes, é quem mais precisa do apoio das Servas. Afinal, ter com quem compartilhar os medos, esforços e segredos é de suma importância. Como todas elas são formadas em Enfermagem, o ofício da área da saúde é prioridade. Nenhum enfermo é deixado sozinho se não estiver estável, nem mesmo no leito de morte. Mesmo não sendo aconselhável, principalmente em casos terminais, as freiras ainda se apegam ao doente. Pelo fato delas viverem uma vida tão diferente e alternativa às nossas, esquecemos que ainda estamos lidando com seres humanos que sentem como todos. Essa mesma razão as colocam distante de nossa realidade. É um ato nobre, que não julga por religião, raça, aparência ou dinheiro. O único requisito para receber os cuidados das Servas é que se esteja doente.
JORNADA SOLITÁRIA E quanto aos perigos da jornada? Pessoas bêbadas que caluniam e debocham, outros que já se assustam ao ver a irmã parada no ponto de ônibus, às quatro da manhã. Como qualquer pessoa, estão expostas aos riscos nas ruas. No entanto, elas não se preocupam com tais ameaças, já que a missão sobrepõe o medo. Além disso, trocar a noite pelo dia é um esforço fisiológico muito exigente. As freiras guardam a noite de sábado para um descanso apropriado. São sete mulheres habitando sob o mesmo teto, cada uma com sua nacionalidade. Brasil, Portugal, Peru, Argentina e Espanha têm sua união consagrada na casa por meio de histórias, piadas e companheirismo entre as Servas. A maior parte das freiras tem idade avançada, como a Irmã Justina e a Madre Superiora Verónica, que contam com problemas ortopédicos. Mas isso não é obstáculo no caminho de continuar a ajudar. A partir do momento em que estas senhoras não puderem mais continuar, o futuro da instituição será incerto.
Quando questionadas sobre o que mais se ouve de uma pessoa doente, a resposta foi unânime: agradecimento. O trabalho social delas vai além do impacto religioso. Muitos dos enfermos já se recuperaram e enxergaram um caminho para reconstruir a própria vida. Na medida em que eles já não requerem mais o serviço, as irmãs podem receber outros pedidos de cuidados, geralmente feitos pessoalmente ou por telefone. Não se pode negar que tal trabalho social é nobre, ainda mais feito de maneira humilde e diferente do que se vê no dia a dia. Ainda que a existência dessas irmãs não seja algo comentado em grande escala, o convento em que habitam não é desconhecido pela comunidade. Localiza-se no bairro Manoel Valinhas e é mantido por doações - algumas anônimas. É suficientemente grande para comportar 30 freiras. Ainda que sete delas ocupem a casa, a maior parte do recinto se encontra fechado. Há doze acomodações, deixadas ao pó há dezoito anos. Uma das razões dadas pela Madre Superiora é que os sacrifícios da vida pessoal são grandes demais para começar uma jornada tão árdua, ainda que gratificante.
TEXTO: ANNA CRISTINA, LUCAS FRANÇA FOTO: DÊNIO GUARIEIRO, RUTH FLÔRES EDIÇÃO: VANESSA CARDOSO
U
ma entrevista surpreendente! Foi grande a ansiedade para conhecer meus personagens. Fiquei me perguntando como seria a reação da mãe de um garoto autista e como seria a recepção desse menino, que não sabia o que aconteceria ali. Valéria narrou toda sua história. Seus obstáculos e conquistas foram contados com muita intensidade. O garoto Samuel me impressionou pelo carinho. Antes mesmo de fazer a primeira pergunta, ganhei um beijo no rosto e um sorriso que me inspirou a escrever cada palavra. Gratificante é perceber que, apesar de todas as dificuldades, eles mantêm a alegria e o amor incondicional pela vida. “Víamos que o Samuel era diferente. Ele não interagia com as outras crianças e não gostava de brincar com brinquedos comuns. Os preferidos eram objetos diferentes, como tampas de panelas. E sempre se mantinha sozinho”, conta Valéria Aparecida Duarte, mãe do Samuel.
O autismo de Samuel foi diagnosticado aos quatro anos de idade. Mascarado pela hiperatividade, os médicos não davam muitas explicações sobre o assunto. Na época em que seus pais descobriram, não tiveram muito tempo pra pensar. “Não assimilei a seriedade da situação, e a ‘ficha’ ainda não tinha caído. Quando me deparei com a doença, só pensei em seguir adiante”, explica Valéria. “Inicialmente fiquei muito preocupada com a integridade física do meu filho. Com apenas quatro anos ele quebrou o braço, o pé, e levou quatro pontos na cabeça. Os médicos já haviam nos alertado que teríamos que ficar atentos, pois crianças com autismo não têm noção de perigo. Por isso temos que tomar cuidados diários para a segurança dele, como evitar lugares altos e manuseio com fogo. Situações simples, mas que apresentam perigo”, destaca a mãe. Além dos cuidados, existe o preconceito. “Comecei achar difícil ir aos lugares com meu filho, com medo de incomodar as pessoas e da falta de compreensão social”, recorda Valéria. É grande também o medo das outras crianças, pois autistas tendem a ser descartados e discriminados. “Quando o Samuel era mais novo, escutei comentários do tipo: ‘Nossa, seu filho é muito birrento!’ ou ‘Seu filho não tem educação!’, e eu
ficava pensando: como eu poderia fazer meu filho entender o que ele podia ou não fazer?”.
CÉU AZUL A ONG Céu Azul trata crianças e adultos com Transtorno do Espectro Autista (TEA), caracterizado por alterações significativas na comunicação, na interação social e no comportamento, que levam a importantes dificuldades adaptativas. A instituição funciona sem fins lucrativos e conta com o apoio de voluntários como psicólogo, psicopedagogo, fonoaudiólogo, assistente social e contador.
DESCONHECIDO O preconceito, a desinformação, muitos desafios e um mundo novo e complexo foi o que Flávia encontrou quando recebeu o diagnóstico de que seu filho de três anos tinha autismo. Diante de inúmeras dúvidas, a mãe resolveu ir em busca de conhecimento e assistência para o Vítor. Sem tratamento e acompanhamento especializado disponível no Sistema Único de Saúde (SUS), Flávia encontrou apoio em uma instituição sem fins lucrativos que presta assistência às famílias e aos autistas. Aos poucos a mãe foi sendo inserida no mundo do autismo e percebendo a necessidade dos serviços oferecidos pela ONG Céu Azul. “As atividades realizadas na instituição são de vital importância para o autista e, principalmente para a família, que recebe apoio psicológico e aprende a integrá-lo no seio familiar”, conta Flávia. Toda criança com autismo precisa estar em equilíbrio, tranquila e inserida em uma rotina. Tudo é muito sensível e as informações chegam para ela com mais velocidade do que chegam para nós. “É como se na cabeça do Samuel houvesse várias tomadas ligadas ao mesmo tempo”, explica Valéria. Samuel estudou na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) dos quatro aos dez anos de idade. Atualmente o garoto estuda na escola Estadual Pedro Primo, em Perdigão/ MG. “A interatividade do meu filho melhorou muito depois que ele foi para uma escola comum. Seus colegas têm muito carinho com ele”. Samuel é acompanhado por uma monitora para as rotinas escolares. Quando Valéria descobriu o autismo de Samuel, ficou um ano
Fundada em março de 2015, a ONG Céu Azul surgiu da necessidade da presidente da organização Skarlait Neves, quando descobriu que a filha era autista. “Há mais ou menos sete anos, quando a Samara foi diagnosticada, é que começou meu contato com a luta autista. Eu fui conhecendo o meio, outras mães, e das nossas conversas e encontros é que nasceu a necessidade de uma força para conhecer a doença. Isso me incentivou a criar a ONG”, conta Skarlait.
sem trabalhar para se adaptar à nova rotina. Os acompanhamentos médicos, como psicólogos, psiquiatras e fonoaudiólogos, fizeram a mãe se dedicar integralmente ao filho. Valéria explica que o filho toma vitaminas para contribuir na sua concentração e aprendizagem. “Na verdade, não sou muito adepta de remédios”, diz ela. Samuel toma Ritalina na escola, porém, aos finais de semana, ela evita dar os remédios para que o organismo do filho tenha um “descanso”. Valéria diz que é muito importante valorizar os aspectos positivos em ter um filho autista. A fim de ajudar outras mães que estão descobrindo o mundo do autismo, ela faz uma referência ao texto da autora americana Emily Perl Kingsley, chamado “Bem-vindo a Holanda”, que serviu como motivação na sua caminhada. “Você se preparou a vida inteira para fazer a sua sonha-
da viagem para a Itália. Você aprendeu algumas palavras em italiano, estudou sobre a culinária da Itália, pesquisou monumentos famosos de lá e todos os costumes daquele povo. Enfim, chegou o grande dia! Você ansiosamente entra no avião cheia de expectativas para encontrar sua querida Itália. Ao descer do avião, a aeromoça te aborda e diz: ‘Seja bem vinda a Holanda!’. Seu susto é imenso e você se pergunta: Holanda? Mas me preparei por anos para conhecer a Itália! Por que me trouxeram para a Holanda? Eu não sei a língua que eles falam! Eu não sei como achar os lugares históricos aqui! Não sei como me virar na Holanda! Porém, a sorte de toda essa história é que você não foi parar em um lugar feio ou sujo que você vai detestar estar. A Holanda também pode ser legal. Você está apenas em um lugar diferente”, conclui a mãe, com os olhos brilhando.
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Fotos inspiradas no projeto “Echolilia: Sometimes I Wonder” do fotógrafo Timothy Archbald
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