Educador Social contra Assistente Social ou outra coisa?

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Educador Social contra Assistente Social ou outra coisa? Ricardo Crispim Mestre em Ciências da Educação e Licenciado em Educação Social e Serviço Social

RESUMO Este texto visa explanar o significado e o objetivo das profissões de Educação Social e Serviço Social e por conseguinte as principais funções do Educador Social e do Assistente Social. Foram obtidos dados que nos permitem identificar pontos comuns entre as profissões de Serviço Social e Educação Social sem com isso descaracterizar a essência de cada uma; bem como conhecer o quadro referencial de competências específico do Assistente Social e do Educador Social nos vários contextos de trabalho.

Em Portugal, de acordo com a Classificação Nacional das Profissões1 o Assistente Social enquadra-se no subgrupo “Especialistas das Ciências Sociais e Humanas”, fazendo mais especificamente parte dos especialistas do Trabalho Social2. Já o Educador Social situa-se no subgrupo “Trabalhadores dos Serviços Diretos e Particulares Não Classificados em Outra Parte”. Nesta altura, importa descrever resumidamente a matriz conceptual das profissões e os profissionais que a desempenham. Quando nos reportamos ao significado de ES, Sáez e Molina (2006) diz ser, “um direito de cidadania que se concretiza no reconhecimento de uma profissão de carácter pedagógico, gerador de contextos educativos e ações de mediação e formação que estão no âmbito das competências do educador social e que possibilitam: - a incorporação do sujeito de educação nas diversas redes sociais, tanto no que concerne ao desenvolvimento da sociabilidade como à possibilidade de circulação social; - a promoção cultural e social, entendida como abertura a novas possibilidades de aquisição de bens culturais que ampliem as perspectivas educativas, laborais, de ócio e participação social” (Sáez e Molina, 2006, 290) 3.

Fase ao explanado, importa saber Quem é o Educador Social? Molina (2003), numa possível resposta diz tratar-se de um profissional que dificilmente poderá dissociar o individuo da sociedade, tendo como a Cultura (Local) um bem educativo. Evocando o mesmo autor, este inscreve o Educador Social, como Informação recolhida através da Classificação Portuguesa das profissões, Versão de 2010, na Deliberação n.º 14 da Classificação Portuguesa de Profissões publicada na Secção Permanente de Coordenação Estatística, de 5 de Maio de 2010 publicada no DR, IIª Série, n.º 106, de 1 de Junho de 2010. E nos sites: http://www.misi.min-edu.pt/CNProfissoes_by_MISI.pdf http://azores.gov.pt/NR/rdonlyres/2750F07D-9748-438F-BA47-7AA1F8C3D794/0/CPP2010.pdf 2 A partir deste momento sempre que nos quisermos referir à terminologia “Trabalho Social” usaremos a abreviatura “TS”. 3 Definição que é fixada por um grupo de educadores sociais da APESCAM – Associação Profissional de Educadores Sociais de Castilla-La Mancha. Este trabalho de definição de “ES” foi solicitado à APESCAM pela ASEDES – Associação Estatal de ES. 1

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alguém que baliza a sua prática na ética e responsabilidade profissional, agindo através de dispositivos de mediação cultural, procurando “multiplicar as possibilidades de aquisição e fruição da cultura, uma vez que enriquece os contextos educativos” (idem, ibidem: 75). Destacamos ainda que “a finalidade do processo não é criar um indivíduo para a sociedade, mas um sujeito na sociedade” (idem, ibidem: 75). Numa breve referência sobre as funções transversais do profissional que desempenha a ES, o Educador Social, podemos elencar, segundo Sáez (2009): (a) a transmissão, formação, desenvolvimento e promoção da cultura; (b) a criação de redes sociais, contextos, processos e recursos educativos e sociais; (c) a mediação social, cultural e educativa; (d) o conhecimento, análise e investigação dos contextos sociais e educativos, (e) o desenho, implementação e avaliação de programas e projecto em qualquer contexto educativo; e, (f) a gestão, direção, coordenação, e organização de instituições de ES. Numa abordagem resumida sobre o significado de SS, Vieira (1985) assume esta prática como relativamente recente, onde inicialmente era pautada por se tratar de uma “forma de ajuda” assistencialista e empírica relacionada a questões de filantrópicas e caritativas, e posteriormente: “uma ajuda capacitadora, tendo como objetivo mudanças das situações sociais-problemas (objeto do SS), com a participação dos próprios interessados (sujeitos do SS), em direção a um nível desejável de desenvolvimento social (finalidade do SS)” (Vieira: 1985: 9).

Amaro (2015) reforça, assim, a ideia de que SS é: “um agir que está impregnado da ideia moderna de que o homem tem capacidade de acão sobre o mundo no sentido da sua transformação e melhoria” (2015: 23).

Quando procuramos responder à questão: Quem é o Assistente Social? encontramos na obra de Silva (2015) uma resposta clara quando esta se reporta à definição dada pela International Federation of Social Work: “Os Assistentes Sociais devem defender a integridade física, psíquica, emocional e espiritual de cada pessoa, respeitando o direito à auto-determinação, à participação, tratando cada pessoa como um todo e desenvolvendo as suas competências, promovendo o empowerment. Os Assistentes Sociais têm a responsabilidade de promover a justiça social na sociedade como um todo e com as pessoas com quem trabalham, reconhecendo a diversidade, lutando contra a descriminação negativa e as políticas e as práticas injustas, trabalhando pela distribuição equitativa dos recursos e em solidariedade” (2015: 85).

Em termos do quadro de funções do técnico que desempenha o SS, o Assistente Social, cabe a este especialista (Amaro: 2015: 156): “funções relacionais, de acompanhamento, assistenciais e políticas para as quais concorre uma função de natureza diferente pautada pela reflexividade e pela dimensão técnico-operativa”. Podemos acrescentar ainda que “cabe aos assistentes sociais agir de forma reflexiva e refletida e metodologicamente suportada ao nível do acolhimento e estabelecimento de relações, ao nível do acompanhamento, construção de projecto de vida e contratualização de intervenções, ao nível mais paliativo de assistência dos mais vulneráveis, e, por fim, ao nível da influência nas estruturas, da conceção de políticas, da clarificação dos diferentes projecto societários e da consciencialização dos destinatários. Com estas funções, o desempenho do Assistente Social pode operar-se no patamar da ação, no do planeamento e a gestão e no da investigação e conceção de políticas, construindo uma orientação para a intervenção atenta aos níveis micro, meso e macro” (idem, ibidem: 156-157).

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Partindo do pressuposto que as profissões de SS e ES operam frequentemente num segmento social e cultural comum, urge enquadra-las, de forma epistemológica, abordando o Trabalho Social (TS) como o teto que as envolve. Segundo Payne (2002), para compreender o TS “temos de olhar para sua a construção social” (2002: 32) a partir de três elementos: o profissional, o cliente e o contexto, onde, necessariamente “cada um afeta o outro” (2002: 41). Se tivermos em consideração as diferentes conceções sobre o significado de ambas as profissões, quem é o profissional que as representa, e as funções do mesmo, arriscamo-nos, afirmando que, não só o SS, mas também ES se inscreve naquilo que o IEFP (2009: 103 cit in Amaro, 2015: 102) considera ser as funções atribuídas aos especialistas de TS, pois este, o IEFP (idem, ibidem) define-os como profissionais que “aconselham os clientes sobre assuntos sociais e questões afins, com o objetivo de ajudá-los a encontrar ou otimizar os recursos que lhes permitam ultrapassar as dificuldades e atingir os seus objetivos”. Neste ponto, é forçoso referirmos a analogia que Caride (2005) faz quando assume a Educação Social e o TS coincidentes num propósito comum, pois ambas “promovem o desenvolvimento integral das pessoas, melhorando a sua qualidade de vida, com vista à criação e melhoramento das condições favoráveis ao bem-estar social de toda a comunidade” (idem, ibidem: 83). Acrescenta ainda que, mesmo não se tratando de ciência análogas, “ambas caminham na mesma direção, combinando os esforços teórico-práticos da pedagogia social [vide ES] e do TS em prol dos cidadãos e dos processos de transformação social” (idem, ibidem: 83). Em síntese, ambas as profissões consideram: - o princípio da relação com o outro, importante no processo de mudança e trabalho preventivo (objeto de ambas as profissões); - a participação dos próprios interessados (sujeitos de ambas as profissões); o que remete para - a particular (inter)ação entre o sujeito e a Cultural Local (finalidade de ambas as profissões). É bem reveladora, tendo por base os pressupostos teóricos abordados, a semelhança existente entre ambos os campos profissionais, passando, bastas vezes, a ser um elemento de conflito quando, ao tentar definir SS e ES, estas, por se aproximarem no seu objeto, sujeito e finalidade se confundem. Subentende-se que, tanto o Técnico de ES como o de SS movimentam-se em distintas áreas de intervenção social, cultural e educativa, sendo frequentemente convocados a atuar em campos marcadamente frágeis e desfavorecidos que requerem urgência dos pontos de vista social e humanitária. Nesta linha, Carvalho e Baptista (2004) sublinham que a urgência do TS está normalmente associada a fenómenos de exclusão social, provocados pelo desemprego, pelo alcoolismo, pela pobreza, pela toxicodependência, pelas desigualdades entre gerações, entre outros. Neste contexto, cabe a ambos os técnicos encaminharem tais sujeitos para os serviços adequados ou encetar programas preventivos e/ou de mudança, com foco nos sujeitos, na cultura local onde estes se inserem e na sua inclusão nas redes sociais, que possam dar um rumo mais positivo a este tipo de população. Às profissões de SS e ES são atribuídas significações distintas ao seu trabalho que, aparentemente os diferencia, porém, ambos assumem modalidades de intervenção similares, como se evidencia na figura seguinte:

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PRINCÍPIOS DA PROFISSÃO

O PROFISSIONAL

FUNÇÕES DO PROFISSIONAL

EDUCAÇÃO SOCIAL - Profissão de carácter pedagógico, cultural e social que age por intermédio da mediação - Direito e valorização da cidadania

EDUCAÇÃO SOCIAL - Mediador Cultura (Local)-Indivíduo - Descodificador da subjectividade cultural (Local) e do Indivíduo

EDUCAÇÃO SOCIAL - Arquitecto de laços sociais - Mediador/ Negociador - Curioso pelo "Outro" - Gestor de relações

SERVIÇO SOCIAL - Profissão que actua em prol da cidadania e da justiça social - Empowerment individual e grupal

SERVIÇO SOCIAL - Defensor da Pessoa enquanto Ser Holístico - Promotor de estratégias distributivas equitativas de recursos em solidariedade

SERVIÇO SOCIAL - Negociador (social) - Agente relacional - Arquitecto de polìticas sociais

Figura 1 – Características identitárias do SS e da ES

Sintetizados os elementos identitários de ambas as profissões na figura 1 é clara a especificidade diferenciadora de uma e outra profissão, bem como os pontos que as ligam. Pode, assim, constatar-se a predominância da marca pedagógica na profissão de ES, enquanto no SS é enfatizada a justiça social quando se trata de metas.

CONCLUSÃO Ao longo deste trabalho, parece existir um consenso epistemológico quanto ao significado, ao objetivo e às funções de ambas as profissões, sendo também enriquecedor e totalmente pertinente a complementaridade e as pontes passiveis de serem criadas entre os dois quadros de competências.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMARO, Maria Inês (2015). Urgências e Emergências do Serviço Social. Universidade Católica Portuguesa. Lisboa CARIDE, José (2005). Las fronteras de la Pedagogía Social. Perspectivas científica e histórica. Barcelona, Gedisa CARVALHO, Alberto, BAPTISTA, Isabel. (2004). Educação Social. Fundamentos e estratégias. Porto, Porto Editora MOLINA, José (2003). Dar (la) palabra. Deseo, don y ética en educación social. Barcelona, Gedisa PAYNE, Malcolm. (2002). Teoria do Trabalho Social. Coimbra, Quarteto SÁEZ, Juan e MOLINA, Garcia (2006). Pedagogia Social. La educación social como profesión. Madrid, Alianza Editorial SILVA, Ana Maria Costa e (2015). Assistentes Sociais e Mediadores. Lisboa. Chiado Editora VIEIRA, Balbina (1985). Metodologias do Serviço Social: contribuição para a sua elaboração. Rio de Janeiro, Agir Editora

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