Eu aprendo com a doença de alzheimer

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EU APRENDO COM A DOENÇA DE ALZHEIMER Ricardo Crispim Licenciado em Educação Social e Serviço Social | Mestre em Ciências da Educação www.facebook.com/ricardocrispimeducadoreassistentesocial/ rmscrispim@hotmail.com Leiria, setembro de 2017

RESUMO Este texto não é um contributo científico, pois isso obrigar-me-ia a uma reflexão teórica muito intensa, mas sim uma reflexão pessoal acerca da forma como vivo a doença de Alzheimer. Aqui procuro abordar a forma como vejo e sinto a demência e outras doenças degenerativas, nomeadamente psicopatologia de Alzheimer.

Dia 21 de setembro comemora-se o Dia Mundial da Doença de Alzheimer e é tão importante significar este dia. Estima-se que cerca de 5% da população com mais de 65 anos de idade sofra de demência. Associado a este facto, crê-se que “a doença de Alzheimer é a principal causa de demência (mais de 50% dos doentes)”1, refere Isabel Santana2. Paralelamente a estas conclusões, crê-se que a idade continua a ser o mais importante facto de risco para a psicopatologia de Alzheimer e outras doenças neurodegenerativas. A doença de Alzheimer é um tipo de demência que provoca uma deterioração global, progressiva e irreversível de diversas funções cognitivas, como por exemplo a memória, a atenção, a concentração, a linguagem, o pensamento crítico, entre outras. Apesar disto, importa destacar que os avanços científicos têm vindo a tornar possível a (con)vivência com a doença de Alzheimer. Porém, o caminho percorrido ainda não permitiu aos especialistas das ciências sociais e médicas vislumbrarem a cura para esta doença, mas sim alternativas medicamentosas e intervenções por via de baterias de materiais didáticos e de estimulação cognitiva que permite à pessoa com Alzheimer viver com mais qualidade de vida. Outro aspeto a realçar, e que muita tinta tem feito correr em estudos de mestrado e doutoramento, centra-se nos cuidados a ter ao/à doente de Alzheimer. Cuidar torna-se num trabalho a tempo inteiro, árduo física e psicologicamente para quem assume o papel de cuidador/a. Aceitar que um ente carrega o flagelo de progressivamente ir perdendo a memória, manter níveis satisfatórios e suportáveis de dignidade humana quando a um ser holístico já só resta um corpo sem comando, e por fim assistir e aguentar com carinho e amor a agudização de alguém que lhe foi saquiada a memória, as palavras e 1 2

Referência: http://alzheimerportugal.org/pt/news_text-78-11-121-5-da-populacao-acima-dos-65-anos-sofre-de-demencia Professora de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra

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depois um corpo que definha, é uma tarefa ingrata e difícil. Isto é ser-se cuidador/a. Todavia, quando os/as cuidadores/as informais, geralmente membros da família direta, não conseguem dar resposta às necessidades dos seus entes queridos recorrem a instituições, nomeadamente Centros de Dia, Lares de Idosos, ou, em casos extremos, Hospitais. É nestas circunstâncias que a existência de uma equipa multidisciplinar é fundamental. Não poder existir alternativa: respeitar, compreender e valorizar são a máxima As palavras de ordem quando se é Educador Social, Assistente Social ou qualquer outro técnico de trabalho social ou de saúde são RESPEITAR, COMPREENDER e VALORIZAR. Seria uma tirania desrespeitar e desvalorizar um doente de Alzheimer só porque a ausência progressiva da memória o afasta e confunde da realidade. Desempenho a minha função profissional numa Estrutura Residencial para Idosos, designada por muito como Lar de Idosos, trabalho que muito me honra e privilegia. Enquanto Técnico Social (com formação de base em Educação Social e Serviço Social) cabe-me, entre outras coisas, respeitar o passado de cada idoso, compreender o seu presente e valorizar o património social e cultural dos séniores com e para quem trabalho. Poderia conjeturar bastas teorias que defendo acerca do trabalho junto de séniores institucionalizados com a psicopatologia de Alzheimer ou outras doenças neurodegenerativas, mas não é disso que se trata este texto. Quero apenas partilhar, em parte, algumas ideias que me assaltam a mente quando penso na minha prática profissional, e, desta fez cingir-me somente ao respeito, à compreensão e a valorização daqueles que, em abono da verdade, dependem de técnicos e auxiliares de ação direta para garantir o mínimo de dignidade sócio-sanitária e afetiva. Primeira ideia. Transportar para o presente o passado dos doentes de Alzheimer sempre que estes o permitam deve ser sempre respeitado e, se possível, reconduzido. Ou seja, permitir que o doente revisite momentos passados, os “vivencie” e os sinta. Muitas vezes as memórias que lhes surgem são resultado de perdas de figuras que lhes foram muito importantes (exemplo: os seus pais, irmãos) ou até saudades do trabalho que ocupavam. Nestes casos, resta-me apenas escutá-los e dar-lhes espaço numa postura empática e serena, ajudando-os a suportar a dor da ausência. Até que aquele momento dure estarei lado a lado no seu passado. Segunda ideia. Nunca assumo perante o doente de Alzheimer que o que está a pensar/sentir não corresponde com à realidade. Ao desprezar ou banalizar os pensamentos/sentimentos desconectados da realidade protagonizados pelo idoso com Alzheimer irei, não só agonizar e agudizar a dor e desespero do idoso, como também aumentar o sofrimento e, muitas vezes, o pânico que este sente. O apoio afetivo e o tempo encarregam-se de devolver o doente de Alzheimer à realidade. Compreender o doente de Alzheimer não se coaduna com tentativas inúteis de o chamar à realidade. Ele não está louco, mas sim a viver o seu tempo. Se fizéssemos um esforço no sentido de nos situarmos no tempo e no espaço do doente de Alzheimer rapidamente nos perderíamos. É precisamente isso que ele sente: “- Estou perdido”. Viver num espaço que, na grande maioria das vezes, não lhe transmite qualquer segurança porque é um sítio que lhe será sempre estranho e distante da sua realidade; e, viver com pessoas que em nada tem que ver com as figuras de referência que a sua memória remota ainda guarda, aumentará brutalmente a sensação de que está perdido. Agora pergunto: como se sente quando se perde? No meu caso, fico assustado e com medo. Assim vivem os doentes de Alzheimer quando, em picos de ansiedade e desorientação provocados pelo decurso natural da doença, se sentem “sem chão debaixo dos pés”. Não posso devolver o doente de Alzheimer à minha realidade,

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porque ele não consegue fazer esse exercício, mas consigo estar lado a lado no seu passado de modo a atenuar o sofrimento do presente. Terceira ideia. Valorar o património simbólico do doente de Alzheimer e transportá-lo para o presente é, quanto a mim, a chave para abrir a porta da realidade. Nós atribuímos códigos e símbolos a tudo. No casamento o código que registamos é “felicidade”, no funeral do pai/da mãe da esposa/do esposo é “tristeza”. Caso tenhamos desempenhado uma profissão prazerosa e dignificante o código que atribuímos é “saudade” e “orgulho”. Se tivermos tido um animal de estimação que nos fazia companhia nos momentos de solidão o código inscrevido na memória é “nostalgia”. Quanto à simbologia registada, esta inscrever-se-á, nos casos ilustrados, na aliança de casamento, nas fotografias de família estrategicamente posicionadas na mesa de cabeceira, no enfermeiro que cuida e no gato que surge na televisão. Ora, quando estes símbolos surgem na memória de um doente de Alzheimer e ele não os consegue significar na realidade atual, o mais normal é chorar. Chora e sofre porque o flash episódico não se enquadra no tempo e no espaço atual. Em qualquer um dos casos referidos, cabe-me, dentro do possível, transportar esses códigos e símbolos para o presente através daquilo a que eu denomino de “memórias boas para suportar melhor a dor”. Procuro perceber como foi/é vivido o casamento e em que medida foi feliz junto da sua cara metade. No que concerne à angustia de já não ter consigo o/a pai/mãe, o/a esposo/esposa e o gato, resta-me apenas ajudar a suportar a dor. Quanto à saudade que carrega da sua profissão, tento saber o que fazia, como fazia, porque o fazia, onde o fazia tentando esgotar todas as questões. Assim vivo a doença de Alzheimer. Vivo-a com respeito e compreensão. Valorizo quem dela padece para nesse momento significar o passado no presente lado a lado no seu passado e no meu presente.

CONCLUSÃO Trabalho há oito anos com a população sénior institucionalizada, e dessa escassa, mas intensa e honrosa, experiência profissional resta-me acrescentar uma certeza: a psicopatologia de Alzheimer e outras doenças neurodegenerativas levam para parte incerta a memória, a autonomia e a alegria. Estou convencido que nestes casos, a dignidade humana e a felicidade são os únicos presentes que posso garantir a pessoas que mesmo sem saberem me ensinam tanto.

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