Fandango de Ubatuba memórias de um mestre caiçara
Ricardo Mendes Mattos
Fandango de Ubatuba: memórias de um mestre caiçara Ricardo Mendes Mattos ISBN: 978-65-00-19818-8 Malungo edições Ubatuba 2021
Índice Introdução PARTE I - História de Vida de um Mestre Caiçara 1. Fé, festa e fandango............................................................................ 2. O berço da tradição............................................................................. 3. Entre remos e ramas............................................................................ 4. Folia do Divino..................................................................................... 5. Função ou Bate-pé............................................................................... 6. Lira Municipal...................................................................................... 7. Mestres do mestre............................................................................... 8. Acompanhante de Pesquisa................................................................ 9. Maioridade e vida profissional............................................................ 10. Funcionário público e pai de família.................................................... 11. Movimento do Fandango Caiçara........................................................ 12. Consagração como Mestre da Folia do Divino..................................... 13. Grupo Fandango do Mestre Pedrinho e a profissionalização.............. 14. Os desafios Fandango Contemporâneo...............................................
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PARTE II – O Fandango Caiçara de Ubatuba 1. As tradições musicais caiçaras............................................................. 1.1. A Folia do Divino............................................................ 1.2. Folia de Reis................................................................... 1.3. Dança de São Gonçalo.................................................... 1.4. Samba Caiçara ou Samba Rural...................................... 1.5. Dança do Boi.................................................................. 2. Musicalidade do Fandango Caiçara de Ubatuba.................................. 2.1. Ritmos e gêneros musicais................................................. 2.2. Instrumental....................................................................... 2.3. Harmonia........................................................................... 2.4. Formas de cantar............................................................... 3. Forma poética...................................................................................... 3.1. Refrão................................................................................. 3.2. Temas................................................................................. 4. Repertório............................................................................................ 5. Danças.................................................................................................. 6. Movimento fandangueiro de Ubatuba: grupos e bailes...................... 7. O mestre de cultura popular em Ubatuba........................................... 8. Estética social do fandango de Ubatuba..............................................
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Anexo – Amostras do Cancioneiro do Fandango Caiçara de Ubatuba Apêndice – O Samba Caiçara de Ubatuba Referências Bibliográficas e Discográficas
Este livro é fruto de uma pesquisa de Pós-Doutoramento no Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, sob a supervisão do Dr. Arley Andriolo.
“O povo que é a cultura. Foi o povo que me fez mestre”. Mestre Pedrinho, verão de 2020
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Introdução O baile de fandango consagra a vida comunitária e celebra a experiência coletiva. Em meio à dança, à música e à poesia, é o próprio ser humano que floresce como obra de arte. Os gestos do corpo que dança ao som das vibrações da viola ressoam a felicidade de compartilhar um momento festivo em comum. Essa felicidade comunitária é o principal patrimônio do fandango. Este livro é fruto de uma pesquisa em Estética Social. Em nosso dia a dia, o termo “estética” lembra muito as clínicas de beleza ou a boa forma do corpo, mas não é a isso que nos referimos. A estética é uma teia de afetos sentidos no corpo, em um momento de encantamento em que a sensibilidade toma conta do ser. Alguns se encantam como uma paisagem da natureza, outros com uma memória de infância, com um perfume ou com uma pessoa: todos os sons, gestos, toques, cheiros, sabores e saberes que nos afetam corporalmente e arrebatam nossa sensibilidade são experiência estéticas. Agora, porque falamos em estética social? O atributo “social” enfatiza que os nossos afetos são compartilhados na vida em comum. Cada sensação corporal é construída coletivamente, por mais que seja pessoal e singular. Um simples sorriso, por exemplo, pode manifestar a plenitude de um afeto que, uma vez expresso, reverbera no outro nosso contentamento. Pois bem, alguns podem se perguntar: por que estudar a estética social do fandango caiçara? O baile de fandango nos parece ser um desses momentos de encantamento coletivo em que a vida viceja plena e pulsante. É no corpo do fandangueiro em festa que se traduz essa experiência estética intensa, cuja criação é sempre partilhada comunitariamente. Têm-se aí uma profunda vivência estética nas relações humanas; no contato com o outro que participa da festa. Contudo, na condição de uma expressão do patrimônio da cultura popular brasileira, o fandango também se aproxima do fazer artístico. Ou seja, a música, a dança, a poesia e o ritual festivo do fandango podem ser vistos também sob a
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perspectiva de uma obra de arte. Nesse sentido, a estética social procura estudar o fandango como uma criação coletiva das comunidades caiçaras, com saliente importância na partilha da vida, em sua identidade cultural e até na luta por direitos sociais e/ou ambientais. Interessa-nos mais o valor comunitário do fandango para os caiçaras, do que seu valor artístico – capturado pelo mercado musical ou de entretenimento. Neste livro, nosso foco volta-se mais aos aspectos estéticos e sociais do coletivo de fandangueiros do que os sentidos atribuídos ao fandango por gestores da política pública, produtores culturais ou outros agentes do mercado. Ao pesquisar como o fandango é construído socialmente, perfazemos uma parte de nossa tarefa em estética social. A outra parte é estudar como esse fandango construído socialmente revigora a própria coletividade que o cria. Em outras palavras, se, por um lado, é a coletividade que cria o fandango como uma expressão artística, por outro lado, o fandango cria encontros entre as pessoas que partilham afetos vividos como experiência estética. Num lado e noutro, é a vida humana que se realiza plena no fandango. Na primeira parte do livro, acompanhamos como o fandango se realiza na história de vida de um mestre de cultura popular. Mesmo antes de nascer, mestre Pedrinho já estava imerso nas tradições caiçaras, pois foi fruto da devoção a São Pedro e recebe esse nome em homenagem ao santo. A vida do mestre, em grande medida, reflete a importância do fandango caiçara na consagração da vida comunitária como experiência estética. Mas Pedrinho, na condição de mestre, também cria e fortalece o fandango caiçara. Assim, na segunda parte do livro, fazemos uma análise do fandango caiçara de Ubatuba, ressaltando sua inserção nas tradições culturais comunitárias, sua musicalidade, suas danças e sua poesia. Adiante, discutimos questões referentes ao fandango no contexto atual de espetacularização da cultura popular, finalizando com uma série de vivências e
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memórias que manifestam as imagens do fandango na criação da vida do povo caiçara.
PARTE I História de Vida de um Mestre Caiçara
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1. Fé, festa e fandango Caiçaras caminhavam rezando em procissão. Com velas acesas, murmuravam fervorosa oração. Caia a tarde de 29 de junho de 1955, na Praia da Barra Seca, em Ubatuba. Era dia de São Pedro Pescador. Vitor Manoel dos Santos, promesseiro do santo e folião do Divino, carregava o mastro com seus companheiros. O mastro era adornado com fitas coloridas e trazia em seu cume a bandeira com a imagem do santo pintada a mão. A procissão parou à frente da casa de pau-a-pique, coberta de sapê, da família festeira. Desde a porteira, o sítio estava todo enfeitado com bandeirinhas. O anfitrião cavou uma cova ao lado dos mastros dedicados a São João e Santo Antônio. No buraco colocou grãos de milho, feijão e rama de mandioca, para o santo do tempo abençoar as lavouras que garantiam o sustento da família. Num momento mágico, o mastro foi erguido no ar, tremulando sua bandeira na leve brisa vinda do mar. Vitor ergueu seu filho recém-nascido ao vento e a comunidade toda aplaudiu. O casal Vitor Manoel e Laudelina dos Santos tinha um grande motivo para comemorar: o nascimento de um filho homem. Pedro Victor dos Santos, nascido a 15 de novembro de 1954, teve seu nome em homenagem ao santo a partir da promessa do casal: realizar a Festa de São Pedro por 29 anos consecutivos caso tivessem um filho homem, após o nascimento de 03 filhas. São Pedro atendeu o pedido e a família cumpria sua promessa. Trouxeram então a Bandeira do Divino Espírito Santo e Vitor conduziu as cantigas, loas e orações. Com a benção de São Pedro e do Divino, a bandeira foi guardada e a grande fogueira acesa, dando início às festividades. Toda a comunidade da Barra Seca, que à época contava com cerca de dez família, estava presente, e vinham amigos e familiares de Itamambuca, Praia Grossa (Perequê-Açu), Cassanga, Praia Vermelha e Taquaral. A mesa estava farta: mandioca cozida, banana, batata doce, biscoitos, bolos, tapioca, biju e peixe frito.
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Teve início o bate-pé caiçara. Ao som de violas, adufes, caixas e rabeca, os dançadores tamborilavam seus tamancos. Em meio a chibas, canoas, cana-verde e ciranda, todos cantaram e dançaram até o dia clarear. Nos primeiros raios da aurora, os cantadores terminaram a celebração com o canto da Alvorada. Nascia o novo dia e a nova vida, no berço da comunidade em comunhão. Nascia um novo mestre, no acalanto da fé, da festa e do fandango.
2. O berço da tradição Pedro nasceu em família de foliões do Divino Espírito Santo e fandangueiros. Seu avô materno, Alfredo Coutinho, foi grande mestre de Folia. Seu pai, Vitor Manoel, era folião consagrado e sua mãe das melhores dançarinas da comunidade. A maioria de seus tios era de foliões e devotos do Espírito Santo. Quando Pedro nasceu, veio da Praia Vermelha a então jovem Macuca, tipe de Folia do Divino e filha do grande mestre Antônio Macuco. Foi também uma devota do Divino quem ajudara a família a criar o filho. Assim, suas memórias de infância estão repletas de cantigas, violas, pandeiros e caixas. Desde a mais tenra idade Pedro acompanha e participa de diversas expressões da cultura tradicional de Ubatuba. São memoráveis as visitas da Folia de Santos Reis na Barra Seca. Os foliões chegavam de madrugada para anunciar o nascimento do Deus menino e as famílias acompanhavam a cantoria por todo o bairro. O menino Pedro se fascinava com as cantorias, as cores, os sons e os instrumentos. Nos bailes de fandango, recorda-se de acompanhar a cantoria com instrumentos improvisados, como garrafas de “litro”, colheres, latas, pedaços de pau ou de ferro. Em contexto de tantos cantos e cantadores, Pedro pegava a viola de seu pai escondido e ensaiava os primeiros acordes. Era uma brincadeira
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perigosa, pois Vitor Manoel tinha muito “ciúme” de seu instrumento e não deixava outros o tocarem. Assim, aos setes anos de idade, na companhia de suas irmãs, Pedro montou uma Folia de Reis como brincadeira traquina. Esperaram seus pais dormirem, apanharam a viola e o pandeiro e foram celebrar o nascimento de Cristo pela vizinhança. Outras brincadeiras também povoaram a meninice do mestre. Lembra-se dos carrinhos que fazia com lata vazia de óleo, com os quais passeava durante longas tardes pelo bairro todo. Já as latas de leite eram utilizadas na confecção de um carrossel que animava a garotada. O lírio branco se transformava em “revólver de ciosa”, com o qual a meninada brincava de “bang-bang”. Não eram poucas as brincadeiras que envolviam a canoa, o remo e a pesca, além de muitas arapucas para caçar passarinhos. Pedrinho, contudo, era vítima de chacota, pois tinha dó de matar os passarinhos: os preferia cantando livres. Mas a tradição caiçara que banha o berço do mestre não está relacionada apenas aos divertimentos. Em suas correntezas também está um povo muito dedicado ao trabalho – e este, o menino Pedro conhecera desde muito cedo.
3. Entre remos e ramas A família Santos vivia na condição de trabalhadores rurais e caseiros em um sítio às margens da Praia da Barra Seca. Além de devotos e foliões, seus familiares dedicavam-se a pesca e a agricultura. O menino Pedro, como todas as demais crianças, acompanhava e auxiliava os pais nas tarefas dedicadas ao sustento da família. Vitor fez até um pequeno remo para o filho poder ajudá-lo nas pescas em alto mar. Desde infante, Pedro perambulava na costeira à procura de mariscos e ostras, contribuía na puxada de rede e pescava com anzol. Na roça, o menino se recorda das ramas de mandioca,
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grãos de milho e feijão. Contribuía no plantio, na colheita e no beneficiamento da mandioca para a produção de farinha. A infância imersa em trabalho teve um breve lenitivo com o ingresso na escola, aos sete anos. Pedro dividia seu tempo entre o trabalho e o estudo. Aos nove anos de idade um fato marcaria sua vida. Seu pai cai doente, com problemas na coluna que comprometiam sua mobilidade. O patrão resolve oferecer um tratamento na cidade paulista de Araras, por onde permaneceu durante quase dez anos. Pedro, homem arrimo da família, substituiu o pai como provedor do lar. A família passa por situação econômica difícil e aumentam as responsabilidades de cada integrante. Sua mãe passa a lavar as roupas do povo da cidade, acumulando as funções de lavadeira, trabalhadora rural, responsável pelo lar e pela criação dos filhos. Pedro aumenta seu empenho na pesca e na plantação, desenvolvendo sua habilidade como comerciante. Lembra-se de ir de casa em casa, de preferência nas residências de familiares e amigos, para vender farinha de mandioca. Quando o peso era demasiado, remava a canoa até o extremo da Praia Grossa (atual Perequê-Açu) para apenas aí levar nas costas os 60 quilos de farinha que devia vender. Passa a comercializar no centro da cidade também frutas do pomar da família, especialmente banana e caju. Com tamanha responsabilidade precisou largar os estudos tão logo completou o quarto ano primário. Passa a ser figura conhecida nos arredores. Sua estatura era desproporcional ao tamanho de sua responsabilidade; logo todos passaram a chamar aquele pequeno homem de Pedrinho, alcunha carinhosa que permanece até hoje.
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4. Folia do Divino Chegava a Bandeira do Divino na comunidade. Todos os moradores caminham para a capela e recebem, com fé e alegria, a manifestação do Espírito Santo. Era um momento muito especial e esperado por todos. A companhia inicia sua cantoria agradecendo a acolhida e anunciando a eclosão do sagrado na terra. Aqueles mais fervorosos fazem o sinal da cruz em frente a bandeira e, em gesto de reverência, a mesura (beijando suas fitas coloridas). Alguns se apressam em fazer suas promessas ou agradecer a graça alcançada. Outros se emocionam e choram com o langor das melodias ou com a enxurrada de memórias que as toadas fazem trazer de seus antepassados. Após a benção no espaço religioso da comunidade, a bandeira inicia sua peregrinação pela casa dos devotos. De casa em casa, de família em família, os foliões abençoam toda a comunidade. Os caiçaras entendem a chegada da bandeira em seus lares como a vinda concreta do próprio Espírito Divino. Assim, aproveitam para levar a bandeira por todos os cômodos da casa – com atenção especial à cozinha e a dispensa (para abençoar o alimento e para que nada falte); e aos quartos, principalmente das crianças (para trazer saúde a todos os moradores). Os foliões, estandartes do Divino Espírito Santo, são respeitados e prestigiados como aqueles que incorporam essa manifestação sagrada. Pedrinho tinha dez anos quando se tornou folião do Divino, na condição de tipe. A voz do tertius cantus ou tripum, como era conhecida no medievo, é demasiado aguda (uma oitava acima dos demais cantadores), sendo frequentemente cantada por crianças. Por esse motivo, essa posição é a porta de entrada à Folia para muitos jovens. Familiarizado com a Folia do Divino desde seu nascimento, Pedro conhecia bem os rituais, os ritmos, as rimas e melodias. Além de tipe, oferecia-se para tocar a caixa da Folia, grande responsabilidade na sustentação do ritmo das toadas.
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Antigamente, a Folia do Divino realizava sua peregrinação por todos os bairros de Ubatuba, locomovendo-se em trilhas ou navegando em canoa pelas praias, enfrentando mal tempo e a saudade dos familiares. Eram cerca de quatro meses de cantorias ininterruptas. Além de se aperfeiçoar na cantoria da Folia, Pedrinho fortalece sua convivência comunitária. O vínculo de amizade entre os foliões se reforçava com a convivência prolongada na peregrinação. Da mesma forma, conhecia gente de todos os bairros e, principalmente, os cantadores e fandangueiros de cada comunidade. A visão cristã do mundo estabelece uma ordem para toda a criação: do céu à terra, do divino à terrestre, do sagrado ao profano. Essa hierarquia está presente na cultura tradicional de diversas formas. Nas festas, o momento sagrado antecede e permite as comemorações profanas. A Festa do Divino Espírito Santo, por exemplo, se inicia com uma série de rituais religiosos – como a peregrinação da Bandeira, as novenas e as missas – para posteriormente legitimar os divertimentos terrenos. No interior de um dia de festa esse mesmo ritual é respeitado: primeiramente as danças religiosas (como São Gonçalo e Chiba), para depois correr o baile solto. Essa mesma hierarquia define o prestígio do cantador tradicional. O mestre de Folia do Divino, mais próximo da manifestação sagrada, é o legítimo mestre de cultura popular, assim como os foliões recebem grande valorização na cantoria. Já o fandango, baile profano, é realizado por qualquer cantador que dele tome parte, recebendo outro status. Talvez por esse motivo, o termo mestre tenha se restringido por muito tempo à liderança da Folia do Divino ou à congada, apenas recentemente estendido ao fandango. Pedrinho explica essa hierarquia também de um ponto de vista musical: a Folia do Divino possui ritmos, melodias e harmonias mais difíceis de serem executadas, exigindo, portanto, maior habilidade no canto e na prática dos instrumentos.
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Após a romaria da Folia pelas moradias, chegava a esperada ora do pouso da Folia, momento em que a Bandeira era guardada e os foliões se acomodavam no lugar em que ficariam hospedados. O pouso, contudo, não tem nada de descanso, pois é sinônimo de um grande baile com os foliões, que agora investem suas habilidades musicais para o divertimento profano do povo: tinha início a “função” ou “bate-pé”.
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5. Função ou Bate-pé Pedrinho diz que “o bate-pé era a alegria do povo da roça”. Função ou bate-pé é a denominação tradicional de Ubatuba para o baile. O termo fandango, utilizado com menos frequência pelos antigos, apenas atualmente prepondera, como reflexo do processo de patrimonialização do fandango caiçara. Os bailes ocorriam nos pousos das Folias, do Divino ou de Santos Reis, nas festas de santos padroeiros, em comemorações familiares (aniversários ou casamentos) ou celebrações comunitárias. Nos dias de semana após a jornada de trabalho ou aos finais de semana nos encontros fortuitos em bares e mercearias, o fandango era o principal divertimento do povo. O mutirão era uma ocasião especial para o bate-pé. O companheiro que possuía uma empreitada de agricultura ou pesca que exigia grande número de pessoas (como o roçado, a colheita ou a puxada de rede), convidava seus vizinhos, familiares e amigos para o trabalho solidário. Cabia ao anfitrião oferecer os “comes e bebes”, além de organizar a “função”. Matava-se um porco, acendia-se a fogueira e o fandango amanhecia. Outro motivo para a realização da função, muito lembrado por Pedrinho, era o retorno dos embarcadiços. Os pescadores ficavam aproximadamente vinte dias em alto-mar e, quando regressavam, organizavam festas memoráveis, com muita fartura de alimentos e bebidas. A função de antigamente ocorria de forma espontânea e improvisada, sem a formalização de um “grupo” ou a coordenação de um mestre. Os fandangueiros simplesmente começavam a cantar e o povo formava a dança. Os cantadores intercalavam as toadas e o instrumental era composto naquele mesmo instante, com os instrumentos tradicionais (viola, rabeca, machete, pandeiro e caixa) adicionados por acessórios inusitados (panela, lata, colher, garrafa de vidro, pedaços de ferro ou de pau).
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Mestre Pedrinho nota que “pra consagrar o fandango tinha que ter o batepé primeiro”. Ou seja, inicialmente se fazia duas voltas de bate-pé ou chiba, cujo teor religioso precedia e abençoava os divertimentos posteriores. Conforme observa Pedro: “fandango pra ficar bom tem que pagar o bate-pé: no costume quem dançou a primeira roda tinha que dançar a segunda”. Após o bate-pé se dançava ciranda, tontinha, cana-verde bailada e de verso, canoa, canoa de verso, samba caiçara, etc. É um clima comunitário e inclusivo que incentivava todos os caiçaras a participarem à sua maneira, ora dançando, ora cantando ou tocando um instrumento. Havia uma forte ligação intergeracional, com pessoas de diversas idades, homens, mulheres e crianças pulsando a mesma energia coletiva. É a festa tradicional que incorpora todo o coletivo em um momento de consagração da vida comunitária. Todo o processo de partilha de saberes e transmissão de fazeres tradicionais ocorria nesse espaço festivo ritual. O pequeno Pedrinho, com pouco mais de dez anos de idade, aproveitava a oportunidade para tocar pandeiro, caixa e viola. Nos fandangos durante os pousos da Folia do Divino, Pedro conhece muitos mestres caiçaras, com os quais aprende a tocar os instrumentos de variadas formas. Muitas das canoas que canta ainda hoje foram aprendidas nesse período da infância, descrevendo as ocasiões em que foram primeiramente ouvidas e o mestre que as cantava. Sua habilidade nos instrumentos percussivos (caixa e pandeiro) lhe rendera, desde a tenra idade, a fama de grande ritmista. Era comum fandangueiros procurarem por Pedrinho para tocar tais instrumentos, pois era consagrado como alguém que conseguia “segurar o ritmo” da função. Os bailes, invariavelmente, duravam até o amanhecer. A chegada dos primeiros raios do sol, acompanhados do canto do galo da aurora, anunciavam o fim do fandango.
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6. Lira Municipal A destreza de Pedrinho nos ritmos tradicionais da caixa e do pandeiro lhe abriu as portas da Banda Musical Lira Padre Anchieta, que o convidou para ser um dos músicos participantes. A Lira ensaiava todas as terças e quintas no centro da cidade e oferecia uma ajuda de custo aos instrumentistas. Pedrinho era o participante mais assíduo, mesmo tendo que andar a pé por quase uma hora. Em dias de chuva, seu desafio era a travessia do Rio Indaiá, às vezes necessitando da canoa. No retorno do ensaio, Pedrinho lembra de ocasiões em que não conseguia atravessar o rio e tinha que dormir na canoa de amigos, na beira do mar. Mesmo com as dificuldades no transporte, Pedro ficou fascinado com as descobertas de novos ritmos e instrumentos. Iniciou tentando executar instrumentos de sopro, mas logo se destacou na percussão: caixa, tarol, surdo, bumbo e prato. Cerca de vinte integrantes desenvolviam um repertório baseado na música popular brasileira e estrangeira, em gêneros tais como maxixe, tango, valsa, baião, forró, samba rural, samba canção e chorinho. A convivência com músicos e o aprendizado com maestros fortaleciam sua veia musical. Muitas lembranças de aprendizado com os maestros Juvenal ou Pedrinho, além de melodias do clarinete, do saxofone ou do pistão. Além dos ensaios, Pedrinho se recorda de muitas apresentações da Lira na Praça de Exaltação a Santa Cruz, assim como em ocasiões festivas e celebrações (aniversário da cidade e datas comemorativas). O repertório baseado em cultura popular se irmanou com o fandango, fortalecendo a ambos. Pedrinho passa a ser reconhecido no meio musical profissional como grande fandangueiro e na cultura tradicional do bate-pé como músico profissional.
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Pedro permaneceu na Lira Municipal dos 15 aos 25 anos de idade. Passa a participar mais frequentemente do fandango, mas reduz sua participação na Folia do Divino Espírito Santo aos 17 anos, pois era difícil organizar o tempo para integrar as peregrinações da bandeira sem perder sua atuação na Lira.
7. Mestres do mestre Nascido em família tradicional dedicada à Folia do Divino Espírito Santo, Pedrinho, desde seus primeiros anos de vida, teve profundo convívio com mestres de cultura popular. Os mestres personificam a tradição ancestral imemorial e a transmitem, de forma oral, para as novas gerações que a renovam. Com eles Pedrinho aprendeu a ética e a técnica inerentes aos mestres, assim como o cuidado de animar a comunidade para manter vivas as tradições caiçaras. O primeiro grande mestre do qual tem lembrança é Antonio Macuco (Perequê-Açu), a quem se refere como o melhor mestre de Folia do Divino que viu tocar. Muitos de seus familiares, incluindo pai e tios, eram foliões na peregrinação liderada por Macuco e mesmo a filha desse mestre, conhecida como Macuca, fora aquela quem ajudou na criação de Pedrinho. O mestre que substituíra Macuco na liderança da Folia do Divino foi o avô materno de Pedrinho, Alfredo Coutinho. O avô possuía um problema na vista oriundo de um acidente com uma armadilha de caça. Na Folia comandada por Alfredo estavam Vitor Manoel, Joaquim Emídio, Antônio Manezinho ou Alino (rabequistas), Gustavo, Pedro Brandão e Iaiá do Santinho, do Perequê. Houve uma substituição de mestre na Folia que passou a ser coordenada por João Brandão, tendo Alfredo Coutinho como folião. O próximo mestre da Folia do Divino foi Octávio Batista. Curiosamente, Octávio morou por três anos na casa de Pedrinho, em meados da década de 1970. Com pouco mais de vinte anos, Pedrinho já se destacava na percussão do
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fandango, da Folia e da Lira Municipal. Embora tocasse viola e cantasse de tipe desde a infância, foi com esse mestre que Pedrinho aperfeiçoou suas habilidades na cantoria popular. Lembra-se de passar longas horas cantando e tocando viola sob a orientação do mestre, formando rico repertório de toadas tradicionais da folia e do fandango. Também foi Octávio Batista quem anunciou seu destino: disse que Pedro se tornaria um grande mestre de Folia do Divino. Após Octávio Batista, a folia passou a ser liderada pelo mestre Pedro Brandão (filho de João Brandão) e, posteriormente, por Mestre Orlando. Pedrinho conviveu, tocou e peregrinou com a Folia do Divino por todos esses anos, conhecendo cada um de seus mestres e foliões. Na lida do fandango, mestre Pedrinho lembra com muito carinho da figura de Dito Fernandes, fandangueiro e mestre de congada do Sertão do Puruba. Benedito tinha grande admiração pelo ritmo de Pedro e sempre o convidava para tocar fandango em sua companhia. Após longas horas cantando, Dito entregava a viola a Pedrinho e o convidava a continuar o baile, enquanto descansava. Assim, com mestre Dito Fernandes, Pedrinho conheceu muitas canoas, sambas rurais e toadas caiçaras que ampliaram seu repertório. Os mestres e foliões são tão importantes na formação de Pedrinho que ele mantém um “caderninho” em sua casa com o nome de todas as pessoas que participavam da Folia do Divino Espírito Santo.
8. Acompanhante de Pesquisa No ano de 1970, aos dezesseis anos, Pedrinho era figura conhecida na cultura tradicional caiçara de Ubatuba. Junto à peregrinação da Folia do Divino ou participando dos fandangos nas comunidades, conhecia os bairros, as praias e os protagonistas da cultura tradicional de todo o município.
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Na condição de folião e fandangueiro, seu pai, Victor Manoel, era muito procurado por pesquisadores, mas nem sempre tinha tempo e disposição para acompanha-los em seu trabalho de campo. Pedrinho, assim, passa a desempenhar papel de acompanhante de pesquisa, dos principais estudos realizados sobre a musicalidade caiçara em Ubatuba: aqueles de Kilza Setti e de Pedro Paulo Teixeira Pinto. Recorda-se, assim, de manhãs em que Kilsa Setti buscava-o em casa para passarem todo o dia visitando comunidades e cantadores, momento nos quais Pedrinho enriqueceu seus conhecimentos sobre a cultura tradicional e valorizou ainda mais sua importância para a identidade caiçara. Pedro participava das pesquisas de “bom coração” e “por amizade”, mas faz muitas críticas ao retorno das produções científicas para as comunidades de origem: “o resultado é uma negação”, “a gente não tem retorno.... não ganha nenhuma foto”.
9. Maioridade e vida profissional A partir dos dezessete anos, Pedro irá ingressar no mercado de trabalho acumulando diversos ofícios na rede de hotelaria da cidade, principalmente como ajudante de serviços gerais e garçom. Posteriormente, trabalha na implementação da Rodovia Rio-Santos, também na área de serviços gerais dedicados ao plantio de vegetação na beira da estrada, aproveitando suas habilidades com a enxada. Em uma empreiteira da CESP (Companhia Energética de São Paulo), Pedro desenvolve a profissão de “meio oficial de eletricista de alta tensão”, momento no qual realiza diversos trabalhos em municípios de São Paulo e Minas Gerais. Com o desenvolvimento de tais atividades profissionais, Pedro se mantém mais distante dos rituais de cultura caiçara. Interrompe sua participação na Folia
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do Divino e toca mais esporadicamente nos fandangos e sambas da cidade. A necessidade financeira de ganhar a vida também o afasta da Lira Municipal, da qual deixa de participar em 1975. Pedro sente necessidade de conciliar a vida profissional com seu engajamento na cultura tradicional e tem sua oportunidade em meados da década de 1970, no conhecido Bar da Zenaide, na praia da Enseada. Nesse espaço, Pedro atua profissionalmente em uma série de atividades de manutenção predial e atendimento ao cliente e organiza um “grupo de folclore”, com finalidade turística. Passa a coordenar o grupo em chibas, cirandas e demais danças tradicionais do fandango de Ubatuba, com atuação específica nesse estabelecimento comercial. Em 1984, contudo, Pedro finaliza esse seu percurso profissional e artístico, vivendo um momento de profunda indecisão e a vontade de ganhar a vida em Santos, porto que oferecia muitas oportunidades de emprego.
10. Funcionário público e pai de família Pedro anuncia aos familiares e amigos sua intenção de deixar a cidade, pois recebera um convite para trabalhar em Cubatão. Fica surpreso com a grande mobilização de pessoas contrárias à sua decisão, seja por vínculos afetivos, seja por reconhecerem sua importância cultural na cidade. Como sua principal demanda era por trabalho, amigos integrantes do poder público municipal ofereceram uma vaga como segurança ou vigia de prédios patrimoniais, no período noturno. Durante o dia, acumulava diversos “bicos” em serviços de pintura, atividades de pescaria e outros trabalhos complementares. Posteriormente, Pedro foi concursado e permaneceu no ofício de vigia até sua aposentadoria, em 2016.
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Nessa mesma época, se “amigou” com uma companheira com a qual teve três filhos e um enteado. A partir de 1985, a dedicação à vida profissional e familiar consumia todo seu tempo e refreou sua participação em atividades da cultura tradicional. Ao trabalhar no período noturno, suas idas aos bailes e festas ficavam prejudicadas. Todo o seu tempo livre foi investido nos cuidados com a família, cujo papel de marido e pai também restringia suas movimentações pelas tradições populares. Além dessas questões pessoais, a década de 1980 também trouxe modificações na vida da cidade que impactaram muito negativamente a renovação das tradições da cultura popular. A desapropriação das terras caiçaras por negócios imobiliários e o crescimento do turismo na cidade modernizaram as relações e diluíram o vínculo comunitário entre as pessoas. Mestre Pedrinho se lembra de como a Folia do Divino se transformou nesse período. Inicialmente, a Festa do Divino Espírito Santo era organizada por uma família festeira que formava a Folia com a finalidade de divulgar a festa e angariar fundos nas comunidades. É um tempo áureo da peregrinação nos bairros que chegou a contar com duas folias, tamanha demanda. Entre os foliões havia o “mensageiro” ou “mordomo” que levava seu “caderninho” para anotar as contribuições dos devotos. Lá pelos anos 1980’, contudo, a Igreja não mais se interessa pela festa e interrompe a peregrinação da Folia nos bairros. Pedro responsabiliza a renovação carismática pelo fato. Apenas no final da década, com a criação da FUNDART (Fundação de Arte e Cultura de Ubatuba), retoma-se a Folia do Divino. O mestre relembra, saudoso, do tempo em que a Festa do Divino na cidade contava com congadas de vários municípios do Vale do Paraíba, além da coroação de um “menino” e uma “menina” do Império, durante a missa.
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11. Movimento do Fandango Caiçara Mestre Pedrinho fica afastado das atividades tradicionais durante algum tempo, coincidindo com o grande refluxo da cultura popular em Ubatuba a partir da década de 1980. Tal situação muda nos anos 2000’, com a mobilização das comunidades caiçaras em torno da valorização do Fandango. Tal movimento se fortalece com o projeto Museu Vivo do Fandango (2002), cujo esforço coletivo redundou no título de Patrimônio Imaterial ao Fandango Caiçara, na década seguinte. Em Ubatuba, o movimento do fandango caiçara recebeu grande apoio da Fundart, especialmente na figura do fandangueiro Mário Gato. O então técnico da fundação pesquisou arquivos, sensibilizou mestres e seus descendentes e reascendeu a tradição local do fandango. Pedrinho toma parte nesse processo de renovação ao integrar, a partir do 2003, o grupo Fandango Caiçara, organizado por Mário Gato. Porém, o fandango em Ubatuba sofrera muitas modificações desde os bailes que Predinho rememora na década de 1980. Houve uma grande redefinição do território do fandango caiçara, com o entrosamento entre as comunidades do litoral de São Paulo e norte do Paraná. Assim, a tradição local ganha outra dimensão, quando se sente parte de um todo mais abrangente. A partilha de saberes e fazeres do fandango tendeu a fortalecer um movimento coletivo que, ao menos inicialmente, enfatizou mais os aspectos em comum do que as especificidades de cada comunidade. Como o movimento tinha mais força no “sul”, Pedrinho comenta o quanto mudou o repertório tradicional de Ubatuba com a reprodução de modas provenientes de outras comunidades fandangueiras. Em suas palavras, “misturou tradição de Ubatuba com o fandango do sul”, havendo uma perda da particularidade local. O fandango antigo era organizado de forma autônoma e espontânea pela comunidade na consagração da vida em comum. Com o processo de
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patrimonialização, o fandango se tornou muito suscetível a interferências do poder público, ressignificando suas práticas. O próprio uso exclusivo do termo Fandango se dá nesse período, deixando em segundo plano expressões como “função”, “bate-pé” ou “chiba” que eram utilizadas mais frequentemente pelas comunidades. O estreitamento das relações das comunidades com o Estado se deu a partir do ingresso de novos atores sociais, como universitários, técnicos e produtores culturais que trouxeram contribuições que transformaram o modo como o fandango é visto: com a introdução, por exemplo, de questões relacionadas aos direitos sociais e ambientais, dantes descoladas da prática musical. Mestre Pedrinho relata que antes o divertimento do fandango era feito de forma espontânea e improvisada, passando agora a adquirir um caráter mais “profissional”. A profissionalização trouxe novos desafios aos fandangueiros, tais como: exigências técnicas e musicais, condução de oficinas, realização de “ensaios”, preparação de apresentações em palco, elaboração de “projetos” e participação em viagens e encontros. O fandango antes era realizado “na boa fé, de coração e por amizade”, revestindo-se agora com uma feição de obrigação. Foi nesse contexto contraditório de modernização da tradição que Pedrinho foi renomado mestre de cultura popular.
12. Consagração como Mestre da Folia do Divino Em comunidades tradicionais, a consagração de um mestre de cultura popular é um processo coletivo, normalmente conduzido por outros mestres que depositam no estreante a tradição que foi legada pelos antepassados. No processo de modernização da tradição e ingresso de novos agentes que interferem nos costumes comunitários, a consagração do mestre também sofre modificações.
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Pedrinho conta que, ano de 2002, foi procurado por um “amigo” da Fundart, que ocupava cargo importante na instituição. O funcionário público convidou-o a tomar parte na Folia do Divino, mesmo sem o consentimento do mestre folião de então, Orlando Antonio de Oliveira. Pedrinho se lembra da frase do gestor público ao perceber a relutância do mestre: “Eu que estou mandando e ele vai sim”. Fazendo a voz do tipe e tocando a caixa, por vezes Pedro assumia a responsabilidade de cantar Rosários e Benditos. Numa peregrinação na praia da Enseada, mestre Orlando tem um problema de saúde e é hospitalizado. A Folia decide continuar a peregrinação, cantando apenas rosários, benditos e orações, sob a responsabilidade de Pedro. No ano seguinte, a Fundart convoca uma reunião com os foliões para organizar a peregrinação. Comunica que os mestres de Folia, Orlando e Pedro Brandão haviam decidido interromper as atividades da companhia, pois não tinham condições de assumir a peregrinação e não recomendavam nenhum sucessor. A opinião dos dirigentes da Fundart, entretanto, era diferente desses representantes da tradição, pois decidem por nomear Pedrinho como mestre da folia. Ao perceber a resistência dos foliões, o dirigente da instituição é veemente: “ele aqui vai assumir; ele vai ser o mestre”. Nessas condições, Pedrinho é consagrado mestre da Folia do Divino. Durante a peregrinação, coordena o ritual na comunidade de mestre Orlando, que reconhece sua devoção e consente sua posição de mestre. O mesmo ocorre com mestre Pedro Brandão que, ao assistir a uma cantoria da Folia no centro da cidade, aprova a habilidade do novo mestre: “o menino é fogo mesmo!”. Pedrinho chegou a redigir um abaixo-assinado que correu nas comunidades para ratificar sua maestria. O reconhecimento público de sua posição de mestre, contudo, veio mais recentemente, quando organiza seu próprio grupo de Fandango.
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13. Grupo
Fandango
do
Mestre
Pedrinho
e
a
profissionalização Após quinze anos de atividades no Grupo Fandango Caiçara, mestre Pedrinho decide por montar seu próprio grupo. Foram anos de muitas experiências no fandango, no chiba, no samba rural, na dança do Boi e em outras tradições populares. Durante esse período, o mestre realiza viagens, participa de encontros, ministra oficinas em escolas públicas e fortalece seus saberes e fazeres tradicionais. É também um momento de grande efervescência nas comunidades fandangueiras que se organizam institucionalmente, fortalecem a rede caiçara, gravam CDs e são reconhecidas no âmbito da cultura popular brasileira. O cenário ubatubano também se modifica, com o surgimento de diversos grupos de fandango e a renovação da tradição com grande participação de gerações jovens. Um ano importante nessas conquistas foi aquele de 2017 no qual se realiza a primeira edição da Festa do Fandango Caiçara de Ubatuba, com representantes das principais comunidades fandangueiras, pesquisadores e gestores da política pública da cultura (inclusive do IPHAN). Os grupos de fandango se organizam a partir de afinidades pessoais e projetos artísticos, não mais a partir de vínculos comunitários. Formam-se com o objetivo de realização de espetáculos de cultura caiçara, com toda a responsabilidade profissional: pesquisa de repertório, ensaios, arquitetura de palco, preparação de apresentações, elaboração de projetos para concorrerem a editais públicos e divulgação em redes sociais, etc. Trata-se do ingresso de mecanismos do mercado turístico e de entretenimento que afetam a cultura tradicional. A concorrência entre os grupos, as inimizades daí decorrentes, a desconfiança na lisura do uso de recursos e as acusações de desonestidade entre fandangueiros são alguns dos efeitos negativos desse processo de espetacularização.
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Por tais motivos, o mestre da Folia de Divino forma o Fandango do Mestre Pedrinho, com foliões da companhia, provenientes de comunidades caiçaras tradicionais e com longa prática no bate-pé. No ano de 2020, Pedrinho é um dos vencedores do Prêmio Funarte Descentrarte, com o projeto de formação do Grupo de Danças Tradicionais do Fandango de Ubatuba. Trata-se de um grupo intergeracional dedicado ao fortalecimento de danças ubatubanas ameaçadas de esquecimento.
14. Os desafios do Fandango Contemporâneo Perguntado sobre os desafios atuais do fandango caiçara, mestre Pedrinho observa algumas questões que considera mais relevantes: a participação das mulheres, as questões sexistas e de gênero e a introdução de elementos eletrônicos na musicalidade tradicional.
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Com relação à participação das mulheres, Pedrinho nota a importância de sua própria mãe e de pessoas como a Macuca, na musicalidade tradicional. Observa que, em Ubatuba, as mulheres sempre estiveram presentes na função e não há fandango sem a participação delas. Pedrinho nota que nas modas bailadas já se formam casais de dois homens ou de duas mulheres, revelando a inserção de feições homoeróticas no fandango. O mestre respeita esses casais, mas considera que nas danças tradicionalmente realizadas por casais heterossexuais (Chiba, Ciranda, Dança do Caranguejo, etc) se deve manter o par convencional para não confundir os dançadores. Acredita também que nas apresentações do grupo se deve manter o casal tradicional: “Na brincadeira tudo bem, mas na apresentação tem que ser mulher e homem”. Também vê como um avanço as mulheres utilizarem tamancos, tradicionalmente usados só pelos homens, desde que “batam o pé direitinho”. Com relação à introdução de aparelhos eletrônicos no fandango, Pedrinho comenta que se ganha em qualidade musical com a afinação no “celular” ou com a introdução de contrabaixo eletrônico: “se for o instrumento for bem tocado, por fandangueiro, fica bonito e dá mais vida pra viola”. Por fim, observa que houve grande aceleração no ritmo do fandango, porque “o povo gosta de dançar um som mais rápido”. Dessa forma, atravessando décadas como representante da cultura caiçara, mestre Pedrinho é um grande conhecedor e defensor das tradições dos antepassados, além de se mostrar aberto a experimentar as novas possibilidades inerentes ao contexto contemporâneo.
PARTE II O Fandango Caiçara de Ubatuba
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1. As tradições musicais caiçaras O fandango caiçara em Ubatuba está inserido em um conjunto de tradições musicais com as quais se irmana: a Folia do Divino; a Folia de Santos Reis; a Dança de São Gonçalo; o Samba caiçara; e a Dança do Boi. Embora, mais recentemente, o fandango tenha ganhado maior visibilidade pública, sua compreensão depende da inserção em fértil manancial da cultura tradicional caiçara. Assim, antes de refletir sobre a musicalidade do fandango vale a pena conhecer brevemente o panorama cultural do qual faz parte.
1.1. Folia do Divino
Como revelam as memórias de mestre Pedrinho, a Folia do Divino Espírito Santo é considerada a principal expressão da cultura musical por sua função religiosa de materializar a presença do Espírito Santo na terra. Inicialmente a Folia do Divino tinha a função de angariar prendas para a realização da Festa do Divino, mas, posteriormente, sua peregrinação perdeu essa função financeira e manteve a devoção religiosa. A peregrinação da Folia do Divino é importante momento religioso nas comunidades, que oferecem farta alimentação e hospedagem aos foliões. No pouso da Folia do Divino se organiza um baile no qual o fandango tem lugar. Na Folia do Divino se cantam toadas de benção ao dono da casa e sua família, o Rosário de Maria, o Bendito e a despedida. As toadas de benção são divididas em três formas: Folia de São Sebastião, Folia dos Montes e Folia de Ubatuba. O mestre folião canta sempre uma dessas bênçãos, cada qual com ritmo e melodia específicos. Da mesma forma, há várias modas de despedida à disposição da companhia. Embora não sejam obrigatórias, as orações cantadas do Rosário de Maria e Bendito são utilizadas em ocasiões especiais, como a cantoria nas capelas das comunidades ou quando algum morador está com
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problemas de saúde. O instrumental tradicional da Folia do Divino é composto por duas violas, a caixa do Divino e a rabeca. Como observamos na história de vida de um mestre caiçara, a continuidade da Folia do Divino de Ubatuba deve muito ao apoio da Fundart. Mesmo que de forma autoritária e arbitrária, a Fundação se empenhou na renovação dessa tradição e até hoje financia a sua peregrinação.
1.2. Folia de Reis
No ciclo natalino, por ocasião das celebrações em torno do nascimento de Cristo, a cultura caiçara realizava a peregrinação da Folia de Reis e dos Pastores de natal. Atualmente, contudo, a julgar pela observação do Encontro de Folias de Santos Reis de Ubatuba (2020), poucas são as Folias de Reis e as companhias dos Pastores que realizam o trabalho religioso de celebração nas comunidades. Em sua maioria, as “folias” reproduzem canções gravadas por duplas sertanejas, reduzindo o ritual religioso ao espetáculo musical. Entretanto, a peregrinação da Folia de Reis é rememorada como ocasião de confraternização comunitária, na qual o fandango se destacava entre os divertimentos.
1.3. Dança de São Gonçalo
A Dança de São Gonçalo era solicitada sempre por um promesseiro do santo que organizava a dança para pagar uma graça alcançada. Normalmente, a dança era realizada por mestres da Folia do Divino Espírito Santo em suas peregrinações pelas comunidades. Os tocadores ficavam sentados ao lado do altar, com o instrumental obrigatório de duas violas, às vezes acompanhadas por
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pandeiro e rabeca. Em frente ao altar formavam-se duas filas composta por, no máximo, 12 pessoas, uma de homens outra de mulheres, coordenadas por um “mestreador” e uma “mestreadora”. A dança começava com a “bença” e a reza do Pai Nosso com Ave Maria. Os mestreadores organizavam as diversas coreografias da dança: “andorinha pequena” ou “verão pequeno”, na qual as mulheres formavam uma pequena roda fechada, abraçada por uma roda maior composta pelos homens; “andorinha grande” ou “verão grande”, que repete a mesma figura de maneira mais espaçada, formando uma roda mais larga; o “recortado”, no qual os homens sapateiam entre as mulheres, do início ao fim da fila, e, posteriormente, as mulheres fazem o mesmo; volteio por dentro e por fora, nos quais as filas se dirigem ora por dentro do corredor que formam, ora por fora; por fim, a “misura” ou o beijamento do santo, no qual cada par se dirige ao altar e lá realiza uma coreografia em forma de 8, antes de beijar as fitas que pendem do santo. Mestre Pedrinho destaca que a dança durava, no mínimo, quatro horas, com curtos intervalos entre as coreografias – nos quais era servido um café e os dançadores descansavam. Os tocadores tinham a função de “versar” ou improvisar estrofes que saudavam o povo e o dono da casa, mencionavam feitos do santo, referiam-se aos dançadores e, em especial, ao promesseiro. A última vez que Pedrinho realizou a dança foi na companhia de mestre Dito Fernandes, no sertão do Puruba, em 2018. Atualmente a dança é praticada muito raramente e tende a ter duração mais curta se comparada com a tradição antiga.
1.4. Samba Caiçara ou Samba Rural
Desde a mocidade, Pedrinho é presença marcante nas “rodas de samba”. O mestre nomeia como “samba rural”, “samba caiçara” ou “samba da terra” o
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baile festivo que varava a madrugava sempre no bairro do Perequê-Açu. Tratavase de um grupo de amigos que tocava repertório composto por sambas de sucesso provenientes da rádio, composições próprias, marchas carnavalescas e, às vezes, canoa e cana-verde. O instrumental era composto por cavaquinho, violão, caixa, surdo, pandeiro e reco-reco. A dança era sempre em par, no ritmo do samba. A comunidade de sambadores não era composta pelas mesmas pessoas que tomavam parte no bate-pé ou no fandango. Pedrinho não entende que o samba era próprio da comunidade afro-brasileira, pois o público era “misturado” e sem predominância de negros. No Apêndice apresentamos um estudo detalhado do samba caiçara.
1.5. Dança do Boi
Manuel Vitor era tocador de caixa e levava seu filho Pedro, desde a infância, para acompanhar a Dança do Boi, sempre realizada durante o carnaval. Pedrinho tocava pandeiro e caixa, em meio à viola, tamborim, reco-reco e triângulo, que formavam a banda musical da brincadeira. Nas lembranças do mestre, o boi era feito de taquara, em cuja armação era colada uma cabeça de boi ornamentada. O dançador do boi realizava suas coreografias acompanhado de “cavalinhos”. Às vezes havia a figura do toureador, responsável por atiçar o boi e provoca-lo a fazer estripulias. Porém, o divertimento era caracterizado pelas investidas do boi contra o mundaréu de gente que o acompanhava. Com o tempo aumentou o número de surdos na Dança do Boi e a brincadeira foi cedendo espaço para um carnaval mais próximo do modelo carioca de sambódromo. Pedro, ainda durante a década de 1980, participou do Bloco do Perequê-Açu que depois tornou-se Escola de Samba. Também se recorda de ser contratado para tocar instrumentos de percussão no carnaval de salão, realizado na quadra da escola.
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Hoje em dia, Pedro não brinca o carnaval. Pensa em fazer uma intervenção de “Carnaval Fandango” ou “Bloco Fandango”, incluindo a Dança do Boi e a retomada de um festejo com feições mais tradicionais.
2. A musicalidade do Fandango Caiçara de Ubatuba O Fandango é de todo mundo. Cada um vai aprendendo, adaptando e fazendo sua versão. Mestre Pedrinho
Do ponto de vista artístico e musical, o fandango caiçara de Ubatuba possui diversas características específicas, divididas em: ritmo, instrumental, canto, poesia, repertório e dança. Cabe ressaltar que tais elementos foram analisados especialmente com relação ao grupo Fandango do Mestre Pedrinho. Como ocorre com frequência na cultura popular brasileira, a música, a poesia e a dança foram um todo harmônico e indissociável, motivo pelo qual incluímos as principais coreografias das danças do fandango.
2.1. Ritmos e gêneros musicais
Dá-se o nome de fandango, função ou bate-pé ao baile, ou seja, ao ritual festivo em sua totalidade. As marcas ou modas dançadas durante a diversão podem ser bailadas ou valsadas, quando dançadas livremente por pares; ou receberem uma coreografia específica da qual participa um grupo maior de pessoas, às vezes denominadas marcas “batidas”.
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O chiba sempre inicia o baile e é mais comumente associado ao “bate-pé”, pela importância do sapateado com os tamancos. A principal marca bailada é a canoa, ao passo que as coreografias coletivas mais praticadas são a ciranda e a Dança do Caranguejo. Pedrinho identifica diversos “ritmos” praticados no fandango: canoa, canaverde, marcha, maxixe, samba e chiba. Tais gêneros musicais variam especialmente na mão direita da viola, responsável pelo ritmo, mas também ocorrem melodias específicas e trejeitos de cantar que os identificam. Por diversas vezes observei que mestre Pedrinho transforma uma canoa em samba rural ou em chiba. Tais gêneros são móveis e intercambiáveis, não estanques ou imutáveis. Por exemplo, uma marcha carnavalesca chamada Ponte de Ubatuba, peça da tradição caiçara, pode ser executada como marcha, samba ou cana-verde, a depender da interpretação que o cantador queira dar um determinado momento do baile. O procedimento mais comum e característico do fandango de mestre Pedrinho é tocar uma canoa, o gênero predominante no baile, com tempero de maxixe ou samba. Para o mestre há uma mudança na “batida”, na “levada” ou na “puxada”. O maxixe, que Pedro aprendeu na Lira como uma dança da cultura brasileira, é preferido por ser considerado mais “balanceado”. Assim, um “fandango maxixado” ou uma canoa com “levada maxixada” ganha um colorido no ritmo aprazível para aqueles que dançam. Pedrinho observa que muitos fandangueiros reprovam tal procedimento, pois consideram que fere a tradição. Comenta que já ouviu dizer: “isso aí não é fandango, é samba”. Para Pedrinho, entretanto, cada cantador oferece uma interpretação individual e particular para uma tradição coletiva. O que determina essa variação de ritmos? Para Pedrinho o que manda é o baile, ou seja, o contexto de realização do fandango. É uma determinação coletiva. Em um baile animado com os pares dançando entusiasmados, o cantador deve responder com um ritmo mais
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balanceado e convidativo. Já em um final de baile, com poucos pares e um ritmo mais lento, pode-se executar uma canoa “à moda antiga”, com um ritmo mais lento. Perguntei a Pedrinho onde aprendera essa transmutação de gêneros e me disse que é prática comum nas rodas de samba rural. Ali, qualquer sucesso do momento vira samba. Na ocasião mencionou Roberto Carlos, e como os sambadores modificaram os ritmos de qualquer música para se adequarem ao samba. Muito da habilidade rítmica de Manoel Victor e seu filho Pedro advém de um contato mais profundo com a cultura afro-brasileira. A busca por uma levada mais “balanceada”, “sambada” ou “maxixada” revela uma influência dos ritmos negros no fandango ubatubano. Na ocasião da coleta da história de vida, Pedrinho estava compondo uma canção em parceria com um fandangueiro, que lhe escreveu a letra para que ele musicasse. Mostrou-me na prática seu procedimento. Era um “samba rural”, mas Pedrinho o tocou como “canoa maxixada”, “chiba” e “samba” até escolher o gênero que julgou mais adequado à música (a canoa). A partir disso, modificou alguns trechos da letra e finalizou o trabalho. A identidade das cantigas provém, portanto, de sua letra e melodia, pois são intercambiáveis em seu ritmo e gênero. Uma canoa tradicional como “Morena da Ponte Nova” ou “Vinha vindo de Viagem” podem ser executadas em diversos gêneros, entretanto sempre são identificadas pelo nome que as define por haver a permanência do refrão e sua melodia. Essa variação de ritmos faz com que a canção seja única a cada momento em que é cantada. Essa metamorfose constante da canção é marca da cultura tradicional, cuja reinvenção permanente a distingue das canções gravadas de uma vez por todas no mercado fonográfico.
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2.2. Instrumental
Os principais instrumentos musicais do fandango são a viola, a caixa e o pandeiro. A rabeca e o machete são também muito tradicionais e comuns. A formação mais frequente no Grupo Fandango do Mestre Pedrinho é duas violas, caixa e pandeiro. Pela sua função rítmica e harmônica, é a viola caiçara que se sobressai na musicalidade típica do fandango.
2.2.1. Viola Caiçara
Na tradição de Mestre Pedrinho a viola é o principal instrumento da cultura musical caiçara. Na Folia do Divino, na Dança de São Gonçalo, no Chiba e no Fandango é a viola quem dita a melodia, a harmonia e o ritmo da função, tendo ascensão sobre as formas de dançar. Por esse motivo, todas as modas são iniciadas pela viola, pois determina o ritmo dos demais instrumentos.
2.2.2. A viola e o canto
Na Folia do Divino, Chiba, Fandango do grupo de Mestre Pedrinho há sempre duas violas, tocadas exatamente por aqueles que cantam (o mestre, que entoa a primeira voz, e o contramestre, responsável pela segunda voz). A viola oferece o tom da toada e o fundo harmônico que orienta e sustenta o canto, daí serem os cantadores aqueles que a executam. Essa aliança do canto e da viola fica clara na denominação “violeiro” utilizada como sinônimo de cantador (e não restrita a quem executa o instrumento). Pedrinho, contudo, também canta batendo a caixa, como em algumas gravações da Folia do Divino, mas prefere cantar ao tocar a viola.
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2.2.3. O Instrumento
Mestre Pedrinho toca uma viola produzida industrialmente, da marca Giannini. Trata-se de uma viola eletroacústica, com bojo ampliado e similar ao violão, muito diferente da viola fandangueira feita artesanalmente. Conforme detalhado no Dossiê de Registro do Fandango Caiçara (IPHAN, 2011, p. 51), a viola fandangueira tradicional (“viola branca”) é caracterizada pela presença da turina, cantadeira ou piriquita (corda que dá o tom para a voz do cantador). Mestre Pedrinho prefere tocar a viola industrializada, pois considera ter maior qualidade musical. Tiê, contramestre na Folia do Divino e no Fandango, possuía duas violas: uma Giannini eletroacústica e uma viola fandangueira artesanal, obra do luthier ubatubano Roberto. Esta última era utilizada com mais frequência pelo violeiro. Numa apresentação da Folia do Divino no projeto TAMAR, ao terminar a apresentação Tiê me pediu para tocar minha viola, um instrumento industrializado da marca Rozini. Ao final do encontro, comentou que gostava muito de minha viola ao que respondi que preferia a dele. Tiê sugeriu a troca, realizada na mesma hora. Perguntei pelo motivo, ao que respondeu que minha viola era melhor pra “pontear”, ou seja, possuía uma configuração de braço que ele julgava mais confortável para solar no instrumento. Assim, parece haver uma preferência pelas violas industrializadas, com formato padronizado e assemelhado ao violão, que definem uma sonoridade mais uniforme e se distanciam da estética e da musicalidade específicas do caiçara.
2.2.4. Afinação
Nos primeiros meses em que acompanhei e toquei no Fandango e na Folia do Divino havia definido a afinação das duas violas da seguinte maneira: Mestre
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Pedrinho tempera seu instrumento tal como o violão, numa afinação conhecida como “natural” ou “quatro pontos” (mi, si, sol, ré, lá); Tiê utiliza uma afinação conhecida como Cebolão em Ré (ré, lá, fá sustenido, ré, lá). Como a tradição ubatubana sempre utiliza o tom Ré, tais violas combinavam num timbre muito bonito. A afinação utilizada por Pedrinho é aquela mais tradicional em Ubatuba e no universo caiçara. Já a de Tiê provém de grande influência do universo caipira, considerando que o violeiro iniciou sua carreira na juventude formando uma dupla sertaneja que se apresentava na rádio de Ubatuba. As posições dos acordes, a escalas em terça que fundamentam seus solos são influências da viola caipira mais convencional no Estado de São Paulo que não encontra paralelo, diga-se de passagem, em qualquer outro violeiro caiçara. Curiosamente, essa afinação mudou quando o afinador embutido na viola de Mestre Pedrinho quebrou. Passamos a afinar o instrumento “de ouvido”, no início dos ensaios, sem o auxílio de qualquer aparelho de medição. A afinação, assim, passou a ser variável, sem seguir o padrão de 440 Hz. Em muitas ocasiões, a afinação ficava aproximadamente meio tom abaixo da descrita mais acima (ré#, lá#, fá#, dó# e sol#). Contudo, nas peregrinações da Folia do Divino era comum a viola ficar, ao contrário, meio tom acima, se comparada com a primeira afinação que descrevemos. Em uma ocasião afinei ambas as violas, minha e do mestre, com um afinador e passamos a tocar. Após a primeira música não julgou que o instrumento estava bem temperado e acertou-o de maneira a não seguir o padrão dos 440hz. Disse: “a gente sempre tem que corrigir....” – como se o afinador oferecesse uma referência, sempre modificada pelo violeiro. Em outra oportunidade, houve situação curiosa: Tiê chegou com viola caipira afinada em Mi (cebolão) e Pedrinho temperou sua viola a partir dessa referência. O som das violas ficou muito diferente do habitual e passaram a lembrar de modas caipiras. Nesse momento, Pedrinho cantou o que chamou de uma “rancheira maxixada”, típica de Ubatuba, que nunca havia ouvido ele tocar.
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Por fim, num baile de Fandango no qual toquei com o mestre, na cidade de Trindade, outro violeiro iniciou a função e Pedrinho se recusou a afinar seu instrumento na altura praticada. Ausentou-se do baile e o acompanhei, perguntando pelo motivo de sua saída. Disse que o violeiro em questão, ubatubano conhecido de longa data pelo mestre, havia afinado seu instrumento de uma maneira muito particular pois não queria ser acompanhado. Pedrinho contou que alguns mestres afinavam seus instrumentos daquela forma para confundir os outros ou para a eles se sobrepor. Assim, a afinação da viola é um elemento fundamental pois define o tom da cantoria, o repertório praticado e dá ensejo a rivalidades entre cantadores.
2.2.5. Espessura das Cordas
A viola de mestre Pedrinho possui uma sonoridade única e inconfundível. Obviamente isso se deve a grande habilidade de ritmo e harmonia do violeiro. Pedrinho contou-me também de um “segredo” de sua viola: o calibre das cordas. Os cinco pares da corda da viola são organizados de forma que os três últimos pares (os mais graves) são formados por uma corda mais aguda e outra mais grave (esta última com um característico revestimento de cobre). Mestre Pedrinho retira as cordas mais graves de terceiro e quarto par, substituindo-as por cordas de igual calibre (sem o revestimento de cobre). Assim, em suma, sua viola fica com um timbre mais agudo e original.
2.3. Harmonia
A musicalidade caiçara é baseada em um sistema tonal herdado da tradição, prescindindo de qualquer referência à teoria musical. Não há qualquer
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menção a notas musicais, escalas, compassos, etc., mas uma experiência baseada nas sonoridades que se ouviu dos mestres, nas posições que praticavam na viola e nas melodias que cantavam. Fala-se muito da “altura” da voz ou dos instrumentos, ou se estão “temperados”, numa apropriação muito espontânea do sistema de tons e escalas. A harmonia é baseada sempre em tom maior, com grande preponderância do Ré. A determinação do tom é dada pela posição do acorde nos braços do instrumento, de duas formas distintas: Acorde Ré maior
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Acorde Lá maior
Acorde Lá maior com sétima
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Como a afinação da viola varia, a tônica também oscila, sendo o Ré utilizado como uma referência. A harmonia é caracterizada pela tônica e dominante acrescida de sétima nota (Ré e Lá com sétima), como no seguinte exemplo:
Sánchez (2017) observa que a prática harmônica de intercalar tônica e dominante prepondera no fandango europeu do século XVIII. No fandango caiçara se observa a mesma prática (IPHAN, 2011 e Costa 2015). Contudo, Giordani (2019) observa que a inclusão da subdominante é característica dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, pois no Sul surge apenas no encerramento da canção. Em Ubatuba, a inclusão de um acorde subdominante mais agudo (sol) é comum, à exemplo da seguinte canoa:
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Como vemos em ambas cantigas, seu desenho melódico tende a intercalar a subida e a descida da escala em formas frequentes de ondas:
2.4. Formas de cantar
As formas de cantar da tradição caiçara de mestre Pedrinho abarcam diferentes papéis aos cantadores que atuam de maneira entrosada. O mestre (ou “primeira voz”) possui a função de coordenar o canto, definir o repertório e “tirar o verso” (ou seja, compor estrofes improvisadas). Além do mestre, há também o contramestre e o coro. A voz do mestre é acompanhada de forma simultânea pelo “segunda” (às vezes chamado contramestre) que deve cantar de forma mais aguda (às vezes em
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intervalo de terça nota). Como nem sempre quem executa a segunda voz conhece o verso improvisado pelo mestre, sua função melódica é acentuada, ao passo que cabe ao mestre mais uma função poética de composição dos versos. A primeira e segunda vozes assim organizadas remetem ao “motetus francês do século XIII”, no qual “a voz principal (tenor)” propunha o canto acompanhada pelo “contralto, medius cantus ou duplum” (Setti, 1985, p. 183). Em muitas canoas do fandango ou sambas rurais, o mestre incentiva os instrumentistas e outros participantes da função para que cantem em coro o refrão da canção. Assim, a maioria dos fandangos possui a tríade vocal: mestre, segunda e coro.
3. Forma Poética A forma poética do fandango se baseia na quadra tradicional ou trova, em esquema conhecido como ABCB (com rimas terminais entre o segundo e o quarto versos septissílabos):
A B C B
A viola tem dez cordas Bem podia ter onze Meu coração é de carne Bem podia ser de bronze
Em sua grande maioria, as quadras são extraídas da tradição, havendo a possibilidade de serem improvisadas instantaneamente pelo cantador.
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3.1. Refrão
As quadras são sempre acompanhadas de refrão, posicionado entre as estrofes, entre os dísticos ou após cada um dos versos. O refrão após cada verso da estrofe é observado na canoa “Adeus Mariana”:
Estava na beira do cais, Adeus Mariana Quando meu bem embarcou, Adeus Mariana Foi a prenda mais bonita, Adeus Mariana Que as ondas do mar levou, Adeus Mariana A canoa ubatubana “Vinha vindo de viagem” é cantada e forma a posicionar o refrão entre os dois dísticos que formam uma quadra:
Eu fui aquele que andei Sessenta légua num dia Eu vinha vindo de viagem Encontrei o meu amor Disse: “Adeus” Peguei na mão e voltei Só pra ver se barganhava Tristeza por alegria O mais convencional, contudo, é o refrão coral entre as estrofes:
Eu queria estar agora Onde está meu coração No alto daquele morro Onde bate a viração Ai Moreninha Moreninha do Pinhal Todo pássaro me diverte O sabiá me faz chorá
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No caminho pra São Paulo Quem achar um lenço é meu Bordado das quatro pontas Que a morena me deu Na tradicional canoa Camélia, o refrão é entoado de forma incomum após primeiro e o terceiro versos:
Se eu soubesse que ocê vinha, Ai Camélia Fazia o dia maior Dou um nó na fita verde, Ai Camélia Outro no raio do sol Outra exceção é a cantiga da cana-verde que, como em outras regiões do Brasil, é caracterizada pela repetição dos versos:
Eu vou dar a despedida Como deu o sabiá Eu vou dar a despedida Como deu o sabiá Cana-verde Como deu o sabiá Que se despediu cantando No caminho foi chorar Em Ubatuba, o verso “cana-verde” é frequentemente cantado como “balanceia” ou “verde-cana”.
3.2. Temas
No acervo de versos tradicionais cantados por Mestre Pedrinho os temas mais recorrentes são: o próprio canto ou o ato de cantar; os instrumentos musicais, principalmente a viola; a canoa, tanto se referindo à embarcação
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quanto como metáfora do gênero musical; os versos líricos e amorosos, incluindo aqueles de desilusão; e os versos de despedida, pois é uma regra do fandango tematizar a despedida ou a “parada”, na última quadra que anuncia o fim da canção. Uma amostra dos versos cantados pelo grupo Fandango do mestre Pedrinho pode ser vista no Anexo I.
4. Repertório O repertório do Fandango do Mestre Pedrinho é composto por dezenas de canções extraídas das mais diversas fontes: tradição caiçara; fontes impressas; gravações fonográficas (CDs); canções autorais. As fontes tradicionais dizem respeito às canções que Pedrinho aprendeu em sua longa trajetória em comunidades caiçaras. Há toadas rememoradas de sua infância, outras aprendidas em sua convivência com grandes mestres e, ainda, marcas que ouviu mais recentemente em suas andanças por Paraty ou pelo litoral Sul, nos encontros de fandangueiros. A Fundart compilou uma série de modas tradicionais cantadas por mestre Orlando, numa brochura que circula entre muitos fandangueiros. O material possui dezenas de canções que servem de inspiração para mestre Pedrinho executar toadas ou reproduzir versos. Trabalhos de pesquisa de Kilsa Setti e Rossini Tavares Lima, que contêm partituras, também são fontes de pesquisa do mestre. Por fim, as diversas gravações fonográficas, em sua maioria provenientes das comunidades fandangueiras do sul, enriquecem o repertório de canções e o acervo de versos do grupo. Dentre as principais peças do repertório de mestre Pedrinho, estão: Ai morena (canoa), atribuída ao mestre Dito Fernandes (Ubatuba).
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Adeus Mariana (canoa), tradição de Paraty. Arara (dança), comum em Paraty e Ubatuba. Baile a beira mar (canoa), do fandango do sul. Balanceia Morena (canoa), atribuída ao mestre Dito Fernandes (Ubatuba). Bela Morena (canoa), da tradição de Ubatuba. Camélia (canoa), da tradição de Ubatuba. Cana-verde, típica da tradição de Ubatuba e Paraty, encontrando grande variação na interpretação. Canoa de verso (canoa), modalidade de canoa mais ligeira, usada em cantos improvisados de desafio. Canoa, minha canoa (canoa), da tradição de Paraty. Chora lírio, chora (canoa), da tradição de Paraty. Chora Marica, chora (chiba), da tradição de Ubatuba. Chora morena (canoa), composição de mestre Pedrinho. Ciranda, comum em Ubatuba e Paraty. Dalila (canoa), da tradição de Paraty. Era meu maior prazer (canoa), tradição de Ubatuba. Flor do Mar (canoa), da tradição de Paraty. Gavião (dança), samba rural de Ubatuba. Menina do cabelo comprido (canoa), da tradição do fandango do sul. Morena Ingrata (chiba), da tradição de Ubatuba. Morena Ponte Nova (canoa), da tradição de Ubatuba. Moreninha do Pinhal (canoa), da tradição de Ubatuba. O galo canta, dia amanhece (canoa), da tradição do fandango do sul. Papagaio Loro (canoa), da tradição do fandango do sul. Peixinhos de mar (canoa), típica de Ubatuba e Paraty. Ponte de Ubatuba (marcha carnavalesca), da tradição de Ubatuba. Recortado da Bahia (recortado), da tradição de Ubatuba. Sereia (canoa), da tradição de Paraty. Subida do Almada (canoa), composição de mestre Pedrinho. Tempo passado (sertaneja), da tradição de Ubatuba. Tratei meu casamento (chiba), da tradição de Ubatuba. Vem cá, vem cá (canoa), da tradição do fandango do sul. Vinha vindo de viagem (canoa), da tradição de Ubatuba, cantada também em Paraty.
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5. Danças As coreografias coletivas do fandango caiçara de Ubatuba estão estreitamente relacionadas com sua musicalidade e sua poesia. Basta dizer que o ritmo da dança reproduz e, às vezes, interfere no ritmo da viola. Da mesma forma, o mestre muitas vezes faz o papel de “marcador”, ou seja, canta em versos as figuras da coreografia a serem dançadas pelo grupo. Assim, como dissemos, a dança, música e poesia devem ser estudados de forma interdependente.
Chiba O Chiba é a expressão mais tradicional do fandango de Ubatuba. Não há chiba em qualquer outra comunidade caiçara sendo, portanto, uma manifestação específica e que confere identidade ao bate-pé ubatubano. Antes do processo de patrimonialização do fandango, comunidades como o Morro do Querosene, onde vivia mestre Orlando, se reuniam para fazer o chiba, sendo sinônimo de baile, função ou bate-pé. Essa proeminência do chiba leva muitos autores a suporem, inclusive, que o que há em Ubatuba não é tanto fandango, mas principalmente chiba (IPHAN, 2011; Giordani, 2019). A importância do Chiba diz respeito a sua origem religiosa. Emílio Willems (1947, p. 133), em sua consagrada pesquisa sobre a cidade de Cunha, menciona o “significado sagrado” do chiba, sem, contudo, detalhá-lo. Ouvindo o Chiba, hoje, parece não haver nenhuma relação explícita com a religiosidade popular. Porém, há pistas. Primeiro, o chiba inicia o baile. Na cultura popular é muito comum a parte religiosa iniciar à noite, pois protege e abençoa a todos, permitindo o divertimento. A posição inaugural do chiba no baile pode ser uma pista desse papel sagrado. Diz-se que antes do baile se deve “pagar” o chiba, colocando-o como uma obrigação religiosa que reforça seu teor sagrado. Em segundo lugar há uma semelhança grande do vocal do chiba com aquele das folias (de Reis e do Divino). Tais folias são orações cantadas que
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consagram o nascimento de Cristo ou a chegada do Espírito Santo. Ao final das estrofes se entoa longamente um lamento (Ai), com nítida influência do canto gregoriano. A voz aguda do tipe se sobressai, revelando, como observou Kilsa Setti (1985), a influência das cantigas religiosas medievais. Nessa louvação é como se o próprio sagrado estivesse presente no canto entoado. A presença desse procedimento ao final de uma das estrofes do chiba revela a evocação do divino em seu ritual. A própria coreografia em fila e a presença do bate-pé assemelham o chiba a expressões culturais como o cateretê e o catira, criados pelos jesuítas no processo de catequização dos índios tupis. O espanhol Padre Anchieta, teria feito uso da importância do ato de bater os pés nas danças indígenas, mesclando-as com o sapateado característico de seu país de origem. A grande roda dos indígenas teria sido substituída pela fila europeia e as cantigas teriam o teor de pregação religiosa, motivo pelo qual, enquanto se entoa a canção, todos os dançadores se mantêm atentos aos versos e cessam a coreografia. Aceitando a semelhança do chiba com o catira poderíamos pensar que a dança ubatubana também tem raízes no processo de catequização. Essa tese é reforçada pelo teor de algumas composições caiçaras da tradição de mestre Orlando, como, por exemplo, “Menina Donzela” (cantiga de 1915, atribuída a Dorvalina Barbosa): uma moça órfã que morre de uma doença incurável no dia de seu casamento. Há outra composição que menciona uma mulher que fora convidada pra cantar e é assassinada. Tais infortúnios constituem momentos difíceis na vida em que se recorre à fé divina para reunir forças de superação e pedir clemência a Deus. São, portanto, similares às ladainhas dominicais que reforçam a fé dos devotos. Atualmente, o chiba é dançado mantendo alguns desses rituais, como o fato de iniciar o baile e conter a voz do tipe, porém sem seu teor devocional. O chiba sempre inicia o baile com duas voltas, ou a realização da dança em duas canções, preferencialmente com as mesmas pessoas.
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O instrumental é composto necessariamente por viola, pandeiro e caixa, podendo haver machete e rabeca, estendendo-se duas filas em frente ao grupo musical. A dança do chiba segue rigorosa coreografia tradicional, cujas principais figuras são: após a primeira quadra cantada entram os dançadores, de maneira a organizarem duas filas com homens e mulheres intercalados; após cantar a primeira quadra, a música é sustentada pela viola, pandeiro, caixa e rabeca, momento em que os homens sapateiam nas cordas da viola (no ritmo do instrumento) e mulheres rodam as saias dando meias-voltas; posteriormente, enquanto os cantadores cantam a quadra, os dançadores fazem singelo passo, para frente e para trás, de forma a prestarem atenção na letra cantada; ao final da quadra, com os fandangueiros ainda cantando, faz-se um movimento conhecido como 8, no qual homens e mulheres de uma fila trocam de lugar com a fila em sua frente, em forma de 8, voltando à posição de origem; apenas ao som dos instrumentos se sapateia novamente na viola e, ao final da quadra, tem-se a voz aguda do tipe que anuncia a formação dos dançadores em uma grande roda, na qual homens caminham sapateando e mulheres bailando; retornam a posição de origem na qual se segue o palmeado; posteriormente se repete a figura do 8, agora com sapateado e meia-volta; por fim, se retoma a mesma coreografia inicial que inaugura novo ciclo.
Ciranda A ciranda é uma dança de pares que formam uma grande roda em movimento e se orientam pela “marcação” do cantador. Ao final da quadra é comum a roda mudar seu sentido. A coreografia é orientada pelo refrão:
Ciranda, cirandinha Vamos todos cirandar Balanceia na ciranda Vamos balancear Vamos dar a meia-volta
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Meia-volta vou dar Na ciranda, continua mesmo par (ou vai na frente e troca o par) Os dançadores ficam de frente a seus pares, balanceiam e formam os pares bailando a meia-volta. O final do refrão orienta os dançadores a permanecerem com o mesmo par ou a trocarem, gesto que é realizado com os homens formando par com a pessoa exatamente à sua frente.
Dança do Caranguejo
Também comum nos bailes ubatubanos e paratienses, a Dança do Caranguejo é constituída por pares de mãos dadas que formam uma grande roda em movimento. A coreografia é narrada pelo refrão da toada:
Pé, pé, pé Outra vez é mão, é mão Roda minha gente Caranguejo no salão Tá tão bom Os pares soltam a mão, batem o pé e a mão no ritmo e conforme a letra anunciada, dão-se as mãos e rodam bailando, retornando a formação da roda.
Dança do Arara
Os pares bailam à vontade pelo salão enquanto um homem, sem par, levanta seu chapéu simbolizando que ocupa o personagem do arara. Este é passado para outra pessoa no momento em que o refrão da canção menciona o gesto:
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Eu quero ver o arara Passa o chapéu pra outro Que o arara vai ficar
Tira o chapéu
Trata-se de uma dança de pares que formam uma grande roda, caracterizada pelo fato de as mulheres tirarem o chapéu, num gesto expansivo para o lado de fora da roda, ao som do refrão: Tira o chapéu Moreninha, aiá Torna a tirá Quero ver balancear
Danças ameaçadas de esquecimento
Na memória dos antigos e em registros de folcloristas, diversas outras danças tradicionais do fandango ubatubano não são mais praticadas nos bailes atuais. Entre essas danças ameaçadas de esquecimento, temos: Gavião; Tonta; Tontinha; Mazurca; Sabão; Recortado; Andorinha; Flor do Mar; Marrafa; Serra Baile; Caboclo Atira; e Urubu. No ano de 2019, o grupo de Fandango do Mestre Pedrinho foi um dos vencedores do Prêmio Funarte Descentrarte, com o projeto Grupo de Danças Tradicionais do Fandango de Ubatuba, cujo objetivo era retomar tais danças tradicionais1.
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Iniciado em 2020, o Projeto mencionado foi interrompido pela pandemia da Covid-19.
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6. Movimento fandangueiro de Ubatuba: grupos e bailes Ubatuba possui um forte movimento de cultura popular em torno do fandango, atualmente a principal referência da produção musical caiçara. Por um lado, o fandango acolhe e fortalece outras expressões da cultura popular, como a Dança do Boi, e se irmana com as tradicionais corridas de canoa caiçara. Por outro lado, o movimento de Ubatuba forma ampla rede de cultura caiçara em torno do fandango, reunindo grupos e mestres do litoral sul do Rio de Janeiro ao norte do Paraná. Os protagonistas do fandango caiçara de Ubatuba formam um grupo intergeracional, com grande participação de jovens. Da mesma maneira, a participação das mulheres é marcante, tomando parte nos grupos e possuindo representação entre mestres e mestras da cultura caiçara. A principal forma de organização dos fandangueiros são os grupos de fandango. Após o pioneirismo do Grupo de Fandango Caiçara, foram criados mais quatro coletivos congêneres. Tais grupos reúnem as pessoas por afinidades pessoais ou musicais, não mais havendo a predominância do bairro, mas de uma comunidade de fandangueiros. Os grupos atuam de forma profissional, em meio a pesquisas, editais públicos, ensaios, espetáculos e cachês. No geral, os grupos se irmanam e são caracterizados pela solidariedade mútua, embora seja comum haver desavenças provenientes de questões financeiras. Há rivalidades entre fandangueiros e alguns deles trocam acusações de falta de transparência e lisura na gestão financeira dos grupos e projetos. A comunidade ubatubana de fandangueiros é formada por pessoas que se encontram periodicamente, algumas com amizade de longa data. Há diversos grupos de WhatsApp que conectam os fandangueiros da cidade e formam uma rede entre as diversas comunidades caiçaras de prática do fandango.
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Os grupos se apresentam em espaços culturais, ONGs, bares, celebrações privadas (aniversários) e, principalmente, em festas locais. Muitas dessas festividades são organizadas em torno de eventos de empresas turísticas que apresentam o fandango como marca da cultura local. Contudo, as festas populares são os encontros mais importantes para a comunidade fandangueira, pois se reúnem todos os grupos locais, frequentemente com participação de caiçaras de outras comunidades (Paraty e Paranaguá, por exemplo). As principais festas populares são: Festa do Divino Espírito Santo de Ubatuba; Festa de São Pedro Pescador; Caiçarada; e Festa do Fandango Caiçara de Ubatuba. Tais festas participam do calendário turístico da cidade e são promovidas pelo poder público local, com empenho evidente da Fundart. Os fandangueiros são reunidos para decidirem a participação do fandango na festa e o valor do cachê para cada grupo. No ano de 2019, as festas populares tiveram a participação do fandango de maneira muito similar. Os grupos revezam as apresentações nos dias da festa, mas toda a comunidade fandangueira participa de todos os bailes. Após a apresentação oficial de um grupo, costuma-se reunir todos os fandangueiros em uma espécie de palco aberto que anima o baile até amanhecer. Embora haja público formado por visitantes e turistas, a maioria dos presentes provem da própria comunidade local que celebra suas tradições culturais. As apresentações de fandango incluem uma variedade de danças tradicionais (Chiba, Ciranda, Dança do Caranguejo, Tira o Chapéu) e, é claro, dezenas de canoas que enlevam os pares. Todas as apresentações são realizadas em palco convencional, com instrumentos amplificados e equalizados. Por fim, os grupos ubatubanos participam de eventos da rede de fandango caiçara, frequentemente organizados no litoral sul de São Paulo, no litoral norte do Paraná ou em Paraty.
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7. O mestre de cultura popular em Ubatuba As comunidades tradicionais possuem uma série de saberes e fazeres oriundos de tempos imemoriais que possibilitam a sobrevivência do coletivo e a atribuição de sentido à realidade. Práticas relacionadas a como construir a habitação, como morar, como plantar, colher e cozinhar, necessárias a produção da vida material, assim como os valores morais, as crenças religiosas e os divertimentos, formam o amplo acervo da tradição. Tais saberes são sempre coletivos e anônimos, pois focados na partilha da vida em comum. Muitos dizem que os saberes tradicionais existem “desde o começo do mundo” ou “desde os tempos antigos”, pois remetem a um saber coletivo cuja origem remonta aos fundadores das comunidades. O mestre de cultura popular é alguém que incorpora e personifica a tradição coletiva. É uma espécie de guardião de todo o manancial das expressões culturais da comunidade, com o papel de manter vivas, transmitir e renovar as tradições. A consagração de um mestre varia muito de acordo com a expressão da cultura popular, mas sempre segue uma tradição coletiva. O mais comum é os próprios mestres consagrarem seus sucessores, com o reconhecimento e aval comunitários. Os últimos mestres de Ubatuba consagrados pela tradição, conforme nos conta Pedrinho, foram Orlando, Pedro Brandão e Dito Fernandes. Tais mestres foram formados por mestres anteriores, a partir da tradição, e gozavam de pleno respeito e reconhecimento de todas as comunidades. Conforme observa Pedrinho, o título de mestre que ostenta se deve a uma escolha de dirigentes da Fundart, que o fizeram para evitar o desaparecimento da Folia do Divino da cidade. Essa decisão hierárquica, tomada à revelia dos mestres e da comunidade, revela uma intervenção senão autoritária, pelos menos desrespeitosa com a tradição. Uma instituição do poder público tomou tal
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atitude exatamente por julgar que a tradição popular não possuía gestão plena de seus processos de transmissão. Pedrinho formulou um abaixo assinado para demonstrar o consentimento comunitário sobre sua maestria e procurou provar aos mestres Orlando, Pedro Brandão e Dito Fernandes seus méritos. Ao final desse processo conseguiu o aval dos mestres e a assinatura de muitas pessoas de comunidades tradicionais. Em suma, a cultura tradicional não teve autonomia e iniciativa de consagrar o mestre, mas foi precedida (e pressionada) por deliberações de dirigentes do Estado (com muito boa vontade e compromisso popular, sem dúvida, mas sem muito conhecimento ou confiança nos meios com os quais as comunidades definem seus mestres). Os meios utilizados para a consagração do mestre também foram absolutamente incomuns (“canetada” e abaixo assinado), sem paralelo em outras comunidades tradicionais. Em outras regiões em que estudo as expressões da cultura popular (como São Luiz do Paraitinga, São José dos Campos e Sertão da Onça), os mestres são caracterizados principalmente por sua ética e, em segundo plano, por sua técnica. Ou seja, o modo de vida, a forma de convivência, a liderança nos interesses comunitários, a animação das expressões culturais e a organização de festas são aspectos éticos que constituem o papel fundamental do mestre na comunidade tradicional. As formas de cantar, de tocar os instrumentos, o repertório musical, as coreografias da dança, formam um aspecto técnico muito importante para o mestre. Em Ubatuba, o mestre é assim considerado quando domina os aspectos técnicos das expressões culturais, na maioria das vezes relacionados à musicalidade. Recentemente foram consagrados dois “mestres” muito jovens, reconhecidos pela comunidade fandangueira, sob alegação de que conseguiam atuar em palco dominando todos os aspectos técnicos. Assim, se nas comunidades tradicionais o aspecto ético se sobressai no papel do mestre, em Ubatuba a ética é secundária, pois se salienta as habilidades
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musicais puramente técnicas. Trata-se de uma reconfiguração da maestria para atuar em eventos turísticos, apresentações comerciais e demais shows. Como a importância antiga da comunidade é substituída pela preponderância do Estado e do mercado, já não é apenas aos membros das comunidades tradicionais que os mestres devem respeito, mas a gestores da política pública, empresários e demais agentes da indústria de entretenimento. Espera-se de um mestre uma carreira de sucesso com shows, projetos aprovados, prêmios recebidos e CDs gravados, já que estes parecem ser os meios modernos com os quais difundi e transmite seu legado tradicional.
8. Estética Social do Fandango em Ubatuba O fandango caiçara é um ponto seminal na atribuição de sentido à realidade partilhada em comum. É mote de organização comunitária e de festas populares, assim como faz a mediação do contato com o divino, na religiosidade do catolicismo popular. É ensejo para encontros e divertimentos e se irmana na luta por direitos sociais e ambientais. É vínculo de ligação histórica com a tradição dos ancestrais, da mesma forma que valoriza a construção contemporânea da identidade local, em diálogo com uma realidade em constante transformação. Ora como baile festivo, ora como música, poesia ou dança, o fandango se aproxima do campo da arte. Neste sentido, o fandango seria uma manifestação artística com saliente importância social. Contudo, a alcunha de “arte” não abarcaria apenas uma dimensão do fandango, reduzindo sua amplitude nas culturas tradicionais? No fandango caiçara parece haver sobretudo uma ênfase na consagração das relações humanas como experiência estética. Quais seriam essas relações entre a estética e a vida comunitária? A experiência estética é social, bem como a vivência social pode ser estética. Em sua noção de Estética Social, Arnold Berleant observa que as
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“relações humanas” e vivências coletivas podem ser compreendidas como experiência estética. Em “The case for social aesthetics”, comenta, inclusive, o quanto a experiência estética pode florescer e fortalecer as relações humanas (Berleant, 2016). No âmbito da Psicologia Social da Arte, o fandango caiçara se revela como uma “experiência de estética social” em dois sentidos da expressão: tomando o fandango como uma experiência estética construída social e historicamente, mas também observando as relações comunitárias como experiência estética. Em outras palavras, o fandango é experiência estética fruto da convivência social que fertiliza as próprias relações humanas que florescem como experiência estética. Na história de vida de mestre Pedrinho e na análise dessa expressão musical da cultura caiçara pudemos compreender a construção social do fandango como fruto da tradição comunitária do povo caiçara. Ou seja, vimos como as relações comunitárias criam o fandango como expressão de uma estética social, pois construída historicamente por uma coletividade. Agora restanos analisar como o fandango fortalece estas mesmas relações, ou seja, como as próprias relações humanas constituídas em torno do fandango podem ser consideradas uma experiência estética. A experiência estética das relações humanas não é um assunto muito estudado no fandango. Pesquisa-se o vínculo entre o fandango e a identidade caiçara, sua presença como patrimônio cultural imaterial, sua importância na luta por direitos sociais e ambientais ou suas características festivas, musicais, poéticas e coreográficas. Contudo, como as próprias pessoas engajadas no fandango podem ser tomadas como obras de arte? Uma das formas de estudar essa estética social das relações comunitárias é a partir do conceito de imagens. A noção de “estética”, como bem notou Berleant (2016), refere-se à sensibilidade. Arley Andriolo (2016) acrescenta que o campo da experiência estética é aquele das sensações corporais. Tomar o corpo como palco da estética remete àquilo que Merleau-Ponty nomeia como vivência
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pré-reflexiva: o corpo como uma “experiência instantânea, singular, plena” do mundo vivido, anterior a qualquer julgamento, reflexão ou explicação (1945/1999, p. 122). Arley Andriolo (2016) observa que essas sensações corporais vividas durante a experiência estética formam “imagens”. O termo imagem deve ser aqui tomado em seu sentido mais amplo, não apenas restrito as produções visuais comuns no contexto contemporâneo. As imagens são as representações das sensações vividas, podendo ser afetivas, olfativas, musicais, táteis ou mesmo relacionadas a sentimentos de alegria, comunhão e encantamento. Ou seja, o mundo vivido corporalmente cria “imagens mentais” como reverberação dos afetos experimentados. Assim, uma intensa experiência corporal, como aquela da sensibilidade estética, fica registrada na memória como um feixe de imagens. Quais são as imagens da experiência estética do fandango?
8.1. As imagens do fandango caiçara
No decorrer da pesquisa de campo e da convivência com os fandangueiros pudemos ser afetados corporalmente por uma série de imagens: sons, sorrisos, movimentos de danças, aromas praianos e afetos de comunhão. O baile de fandango a beira mar reverbera em nosso corpo muito da força da cultura tradicional caiçara. Porém, quais imagens ficam registradas na memória dos fandangueiros? Em conversas no interior do grupo de Fandango Mestre Pedrinho, as imagens do fandango remetem frequentemente ao tempo passado. Há até uma cantiga tradicional que entoa: “Alembro do tempo passado / do bom tempo que não volta mais”. Ao ouvir o fandango, muitos caiçaras mergulham na maré da infância, certamente porque ouvem tais cantigas desde a mais tenra idade. Essa perspectiva saudosista também pode estar ligada ao fato de os integrantes do
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grupo terem todos mais de sessenta anos. De qualquer forma, é o fandango de “antigamente” que é rememorado com mais frequência e intensidade. Certa vez perguntei aos integrantes do Fandango do Mestre Pedrinho porque gostavam tanto de falar do fandango de antigamente e quais as diferenças com relação ao contexto atual. Estávamos partilhando uma refeição durante o ensaio e todos foram unânimes: “Ah! Não tem nem comparação”; “Antigamente é que era bom”; “Você precisa de ver”. Quando pergunto quais as diferenças, contudo, as respostas são generalistas: “O fandango era outra coisa”, “Tá muito mudado” ou “De primeira era muito diferente”. Às vezes salientam que não havia profissionalização, obrigação de fazer uma boa apresentação ou limitação no tempo de cada grupo. Todos brincavam o fandango de bom coração e por divertimento; sem separação dos fandangueiros e grupos, todos cantavam juntos de maneira mais espontânea; sem as pressões e enquadramento temporal de uma apresentação, deixava-se levar por um tempo de intensidades, que só rompia seu encanto com a aurora. Nessa memória encantada de antigamente não é a música, a dança ou a esfera artística do fandango que é lembrada com maior carinho. Os fandangueiros enfatizam principalmente as relações humanas. A cantiga os transporta para uma série de familiares, amigos e vizinhos. É como se a melodia presentificasse os entes queridos que já se foram. Ao ouvir um repique da caixa, Pedrinho sente a presença de seu pai; da mesma forma que um ponteio da viola o remete às longas tardes passadas ao lado de mestre Octávio ou uma voz mais aguda o traz a lembrança de sua mãe. São pequenos detalhes, presentes na musicalidade, que trazem consigo a enxurrada de afetos vividos desde há tempos. É muito comum, após uma toada, os fandangueiros conversarem sobre um tal mestre que sempre a cantava. Falam do modo característico como o mestre interpretava a canção, mas logo já estão falando de situações que partilharam e de causos acontecidos. Os avós, pais e tios são constantemente lembrados,
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tornando o fandango um elo de ligação com os antepassados. O fandango carrega uma tradição no sentido forte da expressão: um modo de vida compartilhado, que se concretiza na forma de cantar, tocar e atribuir um sentido à realidade coletiva. A imagem do fandango carrega a sensação de pertencimento a uma tradição familiar que atravessa as gerações até chegar aos antepassados. Essa ancestralidade, contudo, não é resgatada apenas nas recordações do ambiente familiar, mas também das vivências comunitárias. Estas lembranças não são focadas apenas em pessoas, mas em momentos coletivos. Durante a peregrinação da Folia do Divino Espírito Santo, os foliões caminham e conversam no decorrer do trajeto de uma casa à outra. Nesse momento, narram com entusiasmo as festas que participaram naquele bairro, a quantidade de pessoas que dançava no baile do fandango, as refeições comunitárias compartilhadas e as vertigens das bebedeiras. É comum também o fandango transportar sensações relacionadas à vida dos povos caiçaras que, antes dos turistas, ocupavam o litoral para morar e trabalhar. A beira mar é o palco dessas corporeidades. Uma vez um fandangueiro tirou os calçados para tocar, mesmo estando em um palco, dizendo que conseguia sentir a textura da areia. Outra vez, em um ensaio, combinamos de fazer um prato tradicional, pois alguns acordes da viola abriam o apetite para as refeições de antigamente: à base de farinha, banana e peixe frito. O tato e o olfato confluem sensações encarnadas nas modas do fandango. O tema da canoa na poesia caiçara e sua denominação ao principal gênero musical do fandango também aguçam imagens corporais relacionadas à navegação no mar, à pesca e ao ato de mariscar na beira mar. Não se trata apenas de memórias antigas, mas de imagens que são presentificadas e constroem afetos no interior da comunidade fandangueira. As relações entre os integrantes do Fandango do Mestre Pedrinho trazem a força familiar e comunitária dessa tradição. A companheira do mestre faz parte do
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grupo e os demais integrantes são velhos amigos. Contam histórias sobre a amizade entre seus pais e as relações fraternas de mais de uma geração. No início do trabalho de campo, em junho de 2019, os encontros do grupo ocorriam às terças e quintas e se iniciavam com a partilha de uma refeição: o “café”. Os fandangueiros do grupo se revezavam para prover o pão e a mortadela, ao passo que os anfitriões sempre ofereciam o café e o leite. Ao redor da mesa havia um ritual: a partilha do pão e as conversas sobre a vida. Ora o assunto versava sobre alguma dificuldade pessoal ou enfermidade de um integrante, ora sobre notícias de parentes ou amigos em comum. Os acontecimentos
das
apresentações
do
grupo
eram
frequentemente
rememorados, com ênfase em algum detalhe engraçado. Sempre havia tempo para a saudável provocação entre os integrantes, numa bem-humorada chacota a algum fato hilário que envolvesse um dos presentes. Ria-se a todo momento: da barriga de um, da bebedeira de outro, das aventuras amorosas frustradas e dos namoricos de um terceiro. Havia cuidado e cumplicidade ao acolher um desabafo mais doloroso e alegria ao partilhar os momentos felizes da vida. Todos estavam muito à vontade e comportavam-se como uma família. O término do “café” era o sinal do começo do “ensaio”. Primeiramente, todos pegavam os instrumentos musicais e afinavam as violas. Depois, mestre Pedrinho iniciava as canções prontamente acompanhadas por todos os presentes. Como acontece frequentemente nos processos de transmissão de saberes na cultura popular, tudo o que precisa ser vivido ocorre durante o desenrolar da expressão cultural. Não há um momento de explicação, interrupção ou abstração, mas sempre um diálogo imanente e prático. Por exemplo: quando o mestre julgava que o contramestre não o estava acompanhando a contento no canto, entoava os versos: “Cadê o meu companheiro / que me ajudava a cantar / parece que já morreu / Deus o tenha em bom lugar” – ao que o contramestre já emparelhava seu canto. Uma
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dificuldade de ritmo de um violeiro era corrigido pelo mestre enfatizando o pulso de sua viola e olhando para o companheiro. Quando o coro de cantadores não estava a contento, vinha o verso: “companheiros me ajude / na altura que puder / nós tudo cantano junto / cantamo na boa fé”. E assim toda palavra falava era substituída pelo verso cantado, pelo gesto vivido e pelo momento partilhado. O “ensaio” terminava sempre perto das 19:00, momento em que três fandangueiros que moravam nas praias do norte já se preparavam para não perder o “bondão”. Ao fim do ensaio, como no término de um baile de fandango, sente-se uma alegria profunda. Ri-se sozinho de alguma façanha ou se cantarola uma toada. O corpo cansado reverbera gestos de danças que amplificam suas sensibilidades. Os sons dos acordes da viola e das batidas do pandeiro ainda ecoam na memória. Há um gostoso sentimento de pertença de quem participa de uma comunidade que não está necessariamente localizada no espaço, mas que nos conecta com um tempo ancestral: é a tradição do fandango caiçara que refulgi em nosso corpo. Somos nós, brincantes ou leitores, a experimentar a estética social do fandango. Somos agora parte de relações comunitárias que transformam a própria convivência humana em uma obra de arte.
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ANEXO Amostras do Cancioneiro do Fandango Caiçara de Ubatuba Canto 01 Bendito louvado seja O que a minha boca falou O meu peito criou asas Meu coração avoou 02 Quem me vê assim cantando Pensa que eu não trabalho Tenho os dedos calejados Da viola e do baralho 03 Me chamaram pra cantar Pensando que eu não sabia Começo no sábado Vô até domingo ao meio-dia 04 Pega um pouco d’água Lá de dentro do armário Que é pra limpar meu peito Pra cantar quinem canário 05 Me ajude companheiro Embora seja baixinho Eu sou muito envergonhado Não posso cantar sozinho 06 Me ajude companheiro Embora seja baixinho Tenho o peito cansado Da poeira do caminho 07 Me ajuda companheiro Na altura que puder Nós cantando junto Cantamo na boa fé 08 Cadê meu companheiro Que me ajudava a cantar
De certo que já morreu Deus o tenha em bom lugar 09 Eu vou cantá esse verso Que o amigo me pediu Não quero que ele diga: - “Ingrato não me serviu” 10 Eu junto com os companheiros Podemos se ajudar Saindo pelo mundo afora O fandango a cantar
Viola 11 Viola, minha viola Vamos no canto chorar Você sabe e não me conta Onde meu amor está 12 Viola, minha viola Cavalete de marfim Quem toca nessa viola Vai no céu e torna a vim 13 Viola, minha viola Cavalete de canela Ela chora nos meus braços Eu choro nos braços dela 14 Viola, minha viola Viola, meu violão Não me deixe envergonhado No meio desse salão 15 Viola, minha viola Cavalete de araçá Quando eu pego na viola O povo começa a dançá
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16 Chora viola danada No punho da minha mão Não me deixe envergonhado No meio desse salão 17 Viola na minha mão Chora sem comparação A minha viola chora Por dentro do coração 18 A viola tem dez cordas Bem podia ter onze Meu coração é de carne Bem podia ser de bronze 19 Minha viola nova Que eu mandei buscar do Rio Os marinheiro trouxeram Na proa do seu navio
A viola e o pandeiro 20 A viola não é nada Sem a bulha do pandeiro É como padre vigário Reza missa sem dinheiro 21 A viola e o pandeiro Fizeram combinação Pra toda essa modinha Bem no meio do salão 22 Eu pego na viola E o companheiro do pandeiro Parece banda de música Que veio do Rio de Janeiro 23 A viola e o pandeiro Estão fazendo guerra A viola vai pro mar E o pandeiro vai por terra
24 O tocador da viola Toca bem, não toca má O tocador do pandeiro Toca para remediar Canoa 25 Canoa, minha canoa Canoa não é assim Tanta sereia no mar E o canário no jardim 26 Canoa, minha canoa Canoa que vai e vem Canoa chegou no porto Pra embarcar o meu bem 27 A minha canoa é feita De madeira de cabuçu A minha canoa viaja Pro norte e pro sul
Amorosos 28 Eu plantei o sempre vivo O sempre vivo nasceu Tomara que sempre viva O meu amor e o seu 29 O alecrim no pé da água Não dura quarenta dias Um amor longe do outro Não dura nem meio dia 30 Beija-flor que beija a flor Beija-flor da laranjeira Dá um beijo na viola E outro no violeiro 31 Era eu, tu e ela Era ela, tu e eu
65 Agora nem tu nem ela Nem ela, nem tu, nem eu 32 Se essa rua fosse minha Eu mandava ladrilhar Com pedrinhas de brilhante Para o meu amor passar 33 No caminho do sertão Quase morri de sede A menina me deu água Na folha do caeté 34 Na onda do mar tem peixe Na praia tem areia Na pedra tem caminho Onde a morena passeia 35 Menina se eu pudesse Todo dia eu te ver Meu coração alegrava Era o meu maior prazer 36 Você deve estar lembrada Do beijinho que eu te dei Daquele dia pra cá Nunca mais esquecerei 37 O presente que me deu Ainda guardo na lembrança Pra gozar o seu carinho Ainda eu tenho esperança 38 Eu lembro dos seus carinhos E também do nosso lar E nós vamos se amar Pois eu sou seu homem 39 No caminho pra São Paulo Quem achar um lenço é meu Bordado das quatro pontas Que a morena me deu
40 Se eu soubesse que ocê vinha Fazia o dia maior Dou um nó na fita verde Outro no raio do sol 41 No alto daquele morro Passa boi passa boiada Também passa a moreninha Do cabelo cacheado 42 Meu filho: “Onde é que você vai?” - “Vou passear, ó meu pai, Procurar moça bonita Que as feias já não quero mais”. 43 Uma branca na janela E uma escurinha no jardim Se você amar a branca Deixa a escurinha pra mim 44 Estava na beira do cais Quando meu bem embarcou Foi a prenda mais bonita Que as ondas do mar levou 45 Aquela flor tão bonita Ela foi e não voltou Passaram alguns dias E a saudade não passou 46 Depois de muito tempo Um barco no cais atracou Trazendo uma linda mulher Flor do mar ela voltou
Desilusão 47 Dizem que bala mata Bala não mata ninguém A bala que mais me mata É o desprezo do meu bem
66 48 Meu amor brigou comigo Eu fiquei na escuridão Como já lhe dei amor Vou lhe dar meu coração 49 Aquela morena ingrata Não me soube agradecer Passeia no meio desse salão Até o dia amanhecer 50 Aquela morena ingrata Não me soube agradecer Eu venho vindo de longe Somente para te ver 51 Nós fizemos um juramento Só nos trouxe ingratidão Você jurou pra mim De entregar seu coração 52 Eu queria estar agora Onde está meu coração No alto daquele morro Onde bate a viração 53 O anel que tu me deste Era vidro e se quebrou O amor que tu me tinha Era pouco e se acabou 54 Eu fui aquele que andei Sessenta légua num dia Só pra ver se barganhava Tristeza por alegria 55 Todo mundo reunido Com a família em nosso lar Depois veio a separação Foi cada um pro seu lugar
56 Quem tiver mulher bonita Traga presa na corrente A minha linda moreninha Gavião levou no dente 57 A menina ainda chora Depois de tudo que dei Morre o pai e morre a mãe Fica as filhas sem ninguém
Vária 58 Quem quiser saber meu nome Vai lá em casa que eu dô Meu nome está gravado Na porta do corredor 59 Essa casa está bem feita Por dentro, por fora não Por dentro foi eu quem fiz Por fora foi meu irmão 60 Essa casa está bem feita Olha lá na cumeeira Salve o dono da casa E sua família inteira 61 Subi lá no alto do morro Pra ver o mar lá fora Avistei a minha ilha Ai que saudade de ir embora 62 Quem quiser aprender verso Vai lá em casa essa semana Eu tenho um balaio cheio Debaixo da minha cama 63 Da Bahia me mandaram Um presente num canudo Uma velha descascada Um velho com casca e tudo
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64 No alto daquele morro Tem um véio gaioleiro Quando vê moça bonita Faz gaiola sem ponteiro 65 Quando eu fui embora Minha mãe ficou na porta Ela perguntou: “Meu filho Quando é que você volta?” 66 A morena até chora De tanto filho que tem Morre o pai e morre a mãe Fica as filhas sem ninguém
Despedida 67 Eu vou dar a despedida Como deu o sabiá Que se despediu cantando No caminho foi chorar 68 Eu vou dar a despedida Como deu o bacurau Uma perna no caminho A outra no galho do pau 69 Eu vou dar por despedida Lá por cima da avenida A moda que eu não danço Não posso fazer cumprida 70 Eu vou dar a despedida Na metade do caminho Uma despedida é minha A outra do meu amigo 71 Eu vou dar a despedida A despedida eu vou dar Eu junto com meus amigos Agora vamos parar
72 Eu vou dar a despedida Junto com meus camarada Vô parar a cantoria Vamo dá uma parada 73 Amanhã eu vou embora Pro lado que o vento vai Vou buscar minha morena Ela foi e não voltou mais 74 Amanhã eu vou embora Pro lado que o vento dança Vou deixar meu coração Pra morena de lembrança 75 Vou m’embora, vou m’embora Já disse que vou Vou buscar o meu amor Ela foi e não voltou 76 Vou embora ainda de dia Que de noite tenho medo Minha mãe é especial Fecha porta e dorme cedo 77 Vou m’embora Pro lado que o vento vai Vou buscar a moreninha Que foi e não voltou mais 78 Vou m’embora, vou m’embora Eu já disse que vou Vou atrás do meu benzinho Que foi e ainda não voltou
Tempo Passado Numa noite de luar Me dá uma saudade demais Alembro do tempo passado Do bom tempo que não volta mais Quando chegava visita Em casa pra nós cantar
68 Me dá uma saudade no peito Faz o peito até soluçar No mar tem certos peixinhos Que me faz alembrar do passado É onde está todos amigos Que eu tenho reparado Subi lá no alto do morro Pra ver o mar lá fora Avistei a minha ilha A que saudade de ir embora Todo mundo reunido Com a família em nosso lar Depois veio a separação Foi cada um pro seu lugar Deixando a triste saudade E o coração machucado
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APÊNDICE Samba caiçara de Ubatuba “Samba caiçara”, “samba rural” ou “samba da terra” é a maneira como as comunidades se referem ao samba praticado em Ubatuba. A alcunha “rural” remete às raízes mais antigas da cidade, na qual as pessoas viviam entre a roça e a pesca. Já o termo “caiçara” é mais largamente utilizado como característica da identidade cultural local, pois é com essa expressão que o ubatubano se referi a si próprio. Daí ser um samba da “terra” se referindo ao território geográfico e tradicional da cidade. A expressão samba rural foi consagrada por Mário de Andrade (1937) para abarcar uma série de manifestações tradicionais afro-brasileiras, como o batuque de umbigada e o jongo. O folclorista buscava as características específicas do samba regional paulista, diferente daquele samba de roda baiano (estudado por Edison Carneiro) ou do samba carioca (pesquisador por Luciano Gallet). Contudo, o samba caiçara de Ubatuba não parece se enquadrar nessa categoria especificamente regional, pois sua especificidade é justamente fazer dialogar tradições dos cariocas e paulistas, do urbano e do rural, fazendo jus a sua localização geográfica (no limiar dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro), bem como sua rápida urbanização a partir da década de 1970. Já a expressão “samba caiçara” tem sido utilizada para o estudo dos sambas do litoral norte de São Paulo, a exemplo do movimento do Recanto do Samba (Ilha Bela), em torno de Dito Felinho Camarão (Benedito Izidro de Jesus, 1925-1988) e família. Pesquisadores como Maria Claudia França Nogueira, Kilsa Setti e Francisco D’Intino comentaram e registraram os chorinhos e sambascanção executados ao som do violão, cavaquinho, pandeiro e surdo. As feições dos sambas da Ilha Bela são as mesmas do samba urbano carioca, com seus instrumentos, melodias e ritmos característicos. O termo “caiçara”, nesse caso,
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se refere principalmente aos temas das composições que versam sobre a vida na ilha, mas emprestam a musicalidade alheia. O termo também é empregado no samba de extração carioca, presente no trabalho de Tatiana Bueno, intitulado exatamente “Samba Caiçara”. O samba caiçara de Ubatuba também possui forte influência do samba urbano carioca, entretanto dialoga intensamente com as tradições musicais locais, como o fandango e a congada. Utilizaremos o termo “samba caiçara” nesse trabalho em respeito à maneira como a própria comunidade nomeia suas expressões tradicionais, caracterizando-o como um ritual afro-brasileiro caiçara de Ubatuba que mescla o consagrado samba carioca com a musicalidade tradicional local, em especial o fandango. Em Ubatuba, o samba caiçara é considerado um gênero musical marcado pelo ritmo, “batida”, “levada” ou “puxada”. Em sua poesia, melodia, harmonia ou forma de dançar não se diferencia das tradições locais, mas sim por ser considerado mais “balanceado”.
1. História do samba caiçara de Ubatuba A década de 1970’ foi um período de profundas transformações para os caiçaras do litoral norte do estado de São Paulo. As comunidades que viviam imersas em sua tradição imemorial passam a conviver com pessoas provenientes dos grandes centros urbanos. A vida pacata, entre a roça e a pesca, é desafiada pela especulação imobiliária e pelo mercado turístico. Em 1975, com a finalização da estrada Rio-Santos, o trânsito de turistas implica na transformação de todo modo de vida na região. Primeiramente, ocorre a desapropriação das comunidades caiçaras à beira mar, expulsas para o sertão. Muitos trabalhadores rurais abandonam seus ofícios tradicionais e passam a servir aos recém-chegados.
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Do ponto de vista das expressões da cultura popular, as tradições do chiba e do fandango passam a conviver com as modas vindas nas bagagens dos turistas ou veiculadas pela rádio. O samba caiçara traduz esse processo de renovação da cultura caiçara em meio à exposição às novas musicalidades provenientes dos centros urbanos. As memórias em torno do samba caiçara remetem a esse período histórico. Inicialmente, o samba “rural” tinha espaço nos bailes a beira mar que recebiam o nome de “função”, “bate-pé” ou “fandango”. Tais bailes reuniam toda a comunidade e ocorriam em festas de dias santos, aniversários e demais momentos de confraternização comunitária. Se dançava o chiba, a canoa, a ciranda, a Dança do Caranguejo e o samba rural. O samba era marcado sobretudo por um ritmo mais balanceado de matriz afro-brasileira e interagia musicalmente com os demais gêneros musicais. Estavam presentes algumas cantigas típicas da congada, toadas sertanejas e o cortejo devocional da comunidade negra a São Benedito, em meio a composições dos próprios caiçaras. O sertão do Puruba é muito lembrado como palco de bailes em que se cantava o samba caiçara. Sob a coordenação do mestre congadeiro Dito Fernandes, a comunidade realizava durante as décadas de 1970’ e 1980’ suas festividades em torno do baile à moda antiga, no qual o samba compunha a função em meio ao chiba, a cana-verde e a canoa. A partir de meados da década de 1970, conforme rememora o mestre de cultura popular e sambador Pedrinho, passam a se organizar rodas de samba. São bailes em que o samba reinava, realizados na comunidade, então periférica, do Perequê-Açu. Tratava-se de um grupo de amigos (Tião, Romeu, Tonico, Lavico, Seu Zé) que tocava repertório composto por sambas de sucesso provenientes da rádio, composições próprias, marchas carnavalescas e, às vezes, canoa e canaverde. O instrumental era composto por cavaquinho, violão, caixa, surdo, pandeiro e reco-reco. A dança era sempre em par, no ritmo do samba. A comunidade de sambadores não era composta pelas mesmas pessoas que
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tomavam parte no bate-pé. Pedrinho não entende que o samba era próprio da comunidade afro-brasileira, pois considera que o público era “misturado”. Ainda durante a década de 1980, formou-se o Bloco do Perequê-Açu destinado aos divertimentos carnavalescos. O bloco tornou-se Escola de Samba e sua quadra acolheu os bailes denominados agora como “carnaval de salão”. O samba caiçara teve o mesmo destino de outras expressões da cultura caiçara, como a Dança do Boi, absorvido em um carnaval elitista dominado pelos desfiles oficiais das escolas de samba de inspiração carioca.
2. Plasticidade e diversidade no samba caiçara O que se denomina como “samba caiçara” possui sua identidade definida especialmente pelo ritmo, como dissemos. Um dos expoentes do samba de Ubatuba, mestre Pedrinho, fora, durante quinze anos, percursionista da Banda Musical Lira Padre Anchieta, fundada em 1960. A Lira executava um repertório composto por música popular brasileira e estrangeira, em gêneros tais como maxixe, tango, valsa, baião, forró, samba rural, samba canção e chorinho. Dessa forma, o samba praticado no litoral é inspirado em diversos ritmos brasileiros populares, em especial o samba carioca mais consagrado, como observamos no movimento musical da vizinha Ilha Bela. O ritmo do samba, entretanto, possui a plasticidade de acolher os mais diversos gêneros musicais. Conforme rememora mestre Pedrinho: “no baile, tudo vira samba”. Ou seja, uma canção tradicional do fandango, uma cantiga da congada ou uma música de sucesso na rádio podem ser cantadas como samba, a critério dos cantadores. Pedrinho lembra que executavam na roda de samba inclusive Roberto Carlos, evidenciando a versatilidade do ritmo em executar e transmutar qualquer outro gênero musical.
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No repertório do samba caiçara das comunidades do Perequê-Açu e Puruba, encontramos grande variedade de canções que podem ser divididas em: Canoa, forte tradição do fandango caiçara de Ubatuba; Ciranda, forte tradição da cidade vizinha de Paraty; Cantigas de congada, influenciadas principalmente por mestre Dito Fernandes, da Congada de São Benedito do sertão do Puruba; Marchas carnavalescas de Ubatuba; Canção Sertaneja de compositores locais; Sambas próprios compostos pelos sambadores das comunidades; Sambas de sucesso veiculados pela grande mídia.
Dessa maneira, o samba caiçara é importante termômetro da renovação da tradição local a partir de várias fontes: rádio, disco, tradição, fandango, carnaval. Também materializa a diversidade cultural de Ubatuba, influenciada pelo samba carioca e a ciranda paratiense, pelas congadas do Vale do Paraíba Paulista e pelo mercado de massa.
3. Repertório As principais amostras do samba caiçara foram coletadas junto a mestre Pedrinho e Tião do Perequê, tal como se segue.
3.1.
Beira do Cais
Estava na beira do cais Vendo o povo trabalhar (Bis) É que meu corpo Não enfrenta o trabalho
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Ele fica mais contente Com a viola e o baralho “O nego: aonde vai?” - “Vou passear, meu pai Atrás de moça bonita Que as feia não quero mais” Uma branca na janela E a escurinha no jardim Se você amar a branca Deixa a escurinha pra mim
Este é um dos sambas caiçaras mais conhecidos, cantado por mestre Pedrinho em algumas das apresentações de seu grupo de fandango. Há muitos elementos característicos do samba nos temas abordados na composição. As letras caiçaras tendem a valorizar a moral do trabalho, na pesca ou na agricultura, considerando o fandangueiro um trabalhador. Em Beira do Cais, ao contrário, o sambador faz as vezes de um malandro, cujo corpo não enfrenta o trabalho. Enquanto o caiçara no fandango canta suas aventuras na pesca, o sambador prefere suas façanhas na viola e no baralho (símbolos de uma vida noturna boêmia). Por fim, o sambador é também mulherengo, faceta típica do malandro carioca. Beira do Cais menciona a questão étnico-racial na figura da “branca” e da “escurinha”, tema inexistente nas demais amostras do cancioneiro ubatubano. O sambador prefere ficar com a “escurinha” do jardim, em detrimento da “branca da janela”. Esta última, muito presente nas cantigas caiçaras e no cancioneiro português, é a famosa namoradeira das famílias dos vilarejos. A “escurinha”, contudo, aparece no “jardim” (ou terreiro?), ou seja, fora de casa, como se não estivesse protegida pelos pudores das famílias tradicionais. Ao preferir a escurinha, o cantador coloca o samba caiçara ao lado da comunidade afro-brasileira e, como sabemos, também a mais pobre.
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Por outro lado, a subjetividade inventada no samba cria rupturas com a vida tradicional caiçara, em especial com a exaltação da vida do trabalhador, demonstrando como, junto com as canções, novas formas de ser vão sendo incorporadas.
3.2.
Se tem mulher no samba
Se tem mulher no samba Pode me convidar que eu vou No samba em que eu fui convidado Estava tão desaminado Faltava mulher, meu senhor O samba sem mulher é um fracasso É um circo sem palhaço Para mim não tem valor, que horror Se tem mulher no samba Pode me convidar que eu vou A roda de samba é um ritual de divertimento e confraternização comunitária, com ênfase nas paqueras e possibilidades de encontros amorosos. Esse samba revela a perspectiva masculina, em um tom machista presente também em Beira do Cais, da roda de samba como festividade envolta em paqueras. A mulher é aquela que traz o ânimo ao samba, pois sem ela o baile é um fracasso, um horror. Fica claro que os sambadores e compositores são homens, já que as mulheres cantariam de maneira diferente, mas, talvez, também mencionando a roda de samba como lugar para namorar.
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3.3.
Sereno da Madrugada (Cantiga de Congada)
Peguei meu tamborim Para fazer a marcação São Benedito Que me deu a inspiração Sereno da madrugada Molhou o meu barracão (bis) Subi o morro Antes da lua nascer Entrei no samba Sem ninguém me conhecer Quando eu estava No meio da batucada Ouvi a cuíca gemer Mestre Dito Fernandes cantava essa cantiga de congada no samba, a mesma utilizada pelos devotos para louvar São Benedito, durante o cortejo da congada na qual era o mestre. Trata-se de uma cantiga presente também em outras companhias de congada do Vale do Paraíba paulista, pois o pesquisador Valdir Pfeifer da Silva (2009) a coletou na Congada de São Benedito de Mogi das Cruzes, com autoria atribuída a Chico Preto. Embora seja marcadamente devocional, pois inspirada em São Benedito e presente no cortejo de adoração ao santo, a cantiga se aproxima muito do samba carioca. Termos como “tamborim”, “cuíca”, “morro”, “batucada” e “barracão” fazem parte de um contexto prontamente associado ao samba urbano. Nem na congada nem no samba caiçara se usa o tamborim e a cuíca, assim como a expressão “barracão” não é utilizada em Ubatuba, como típico das moradias dos morros cariocas. Assim, a cantiga foi consagrada no samba caiçara provavelmente por sua pronta associação ao samba carioca.
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3.4.
Dança de São Gonçalo
Foi numa tarde de agosto Num sertão arretirado Fomos assisti uma promessa Fomos todos convidados Nessa promessa que fomos Nós não tivemos abalo Nós fomos para dançar A dança de São Gonçalo Nós chegamos lá na festa Estava mesmo animada Vendemos pé de moleque Amendoim e marmelada Dançamos a dança do santo Ainda fizemos dinheiro Vendemos pé-de-moleque Cada talhada um cruzeiro Toda ocasião de festa Eu até que acho graça Um vende pão e cigarro Outro pé-de-moleque e cachaça Essa canção é parte do repertório de mestre Orlando, antigo mestre da Folia do Divino Espírito Santo e dos cantadores caiçaras mais consagrados de Ubatuba. Novamente é uma canção que tematiza as devoções religiosas locais, dessa vez com referência à famosa Dança de São Gonçalo. Embora adaptada e conhecida nas rodas de samba, a toada original é uma música sertaneja de raiz. Dessa forma, é amostra típica do que poderíamos mais facilmente nomear como “samba rural”, pois seu mote e musicalidade consagram o universo da roça.
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Fica evidente que, se de um lado, o samba caiçara flerta com o samba urbano carioca, por outro lado, mantém raízes nas devoções, festas e demais tradições culturais das comunidades caiçaras.
3.5.
Pombinha Branca
Pombinha branca Onde tu passeia Na beira da praia Mariscando areia A sua vida é só mariscar Pombinha branca Na beira do mar Mestre Pedrinho se recorda da presença constante dessa toada nas rodas de samba. Atualmente, Pombinha Branca é mais comum entre os cirandeiros de Paraty. Uma das marcas das canoas e cirandas da região é a presença de um refrão coral entremeado por quadras improvisadas pelos cantadores. Trata-se de uma característica preponderante na cultura tradicional caiçara. Assim, com o improviso dos versos esse samba/ciranda mantém um diálogo mais intenso com as expressões da cultura popular da região.
3.6.
Peixinho do Mar
Foi, foi, foi Foi o peixinho do mar Foi o peixinho do mar Que me ensinou a nadar
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Em tudo similar à Pombinha Branca, esta canção também é marca frequente entre os cirandeiros, que entoam o refrão entremeado pelos improvisos dos cantadores. Sua presença no samba ratifica a incorporação das modas tradicionais pelos sambadores que realizavam uma modificação em seu ritmo. Se a roda de samba era um momento festivo para dançar e cantar as modas que agradassem a todos os gostos, entre elas certamente estavam muitas cantigas tradicionais, conhecidas por qualquer caiçara desde a infância.
3.7.
Chora Morena
Chora morena Morena chora Chora morena Que amanhã eu vou m’embora Esta canoa foi composta por mestre Pedrinho e é cantada nos bailes de fandango. Apresenta também um refrão coral que oferece o mote ao improviso das quadras. Assim, o samba caiçara se renova com novas toadas, mantendo seu vínculo nas tradições caiçaras, em detrimento da mera reprodução dos sambas alheios ao seu contexto de vida.
3.8.
Ponte de Ubatuba
Na ponte de Ubatuba Um dia eu fui pescar Encontrei uma sereia De me apaixonar Ela era tão bonita Com seus olhos cor de anil Com sua boca corada Olhando pra mim sorriu
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Quando o barco saiu Apitando sem parar Eu acordado me assustei Ah! Meu deus o que será? Essa marchinha de carnaval de autor desconhecido está muito presente nas festividades da cidade de Ubatuba e era muito cantada nas rodas de samba caiçara. A tal ponte se localiza sob o Rio Indaiá, na Barra dos Pescadores, em frente à Ilha dos Pescadores, dividindo o centro da cidade do bairro do Perequê-Açu. O local é ainda hoje muito utilizado por pescadores, pois fica também próximo ao Mercado Municipal de Peixe e os bares que atendem aos pescadores. Na composição, o pescador estava com sua vara em cima da ponte e ficou fascinado ao ver uma “sereia”. Seu instante de êxtase tem fim quando um barco sai do porto com seu apito característico, assustando o pescador apaixonado. Esse samba caiçara evidencia seu vínculo com o carnaval tradicional, em um instante anterior à predominância do samba entre os foliões e a absorção das rodas de samba pelas escolas imitativas do padrão carioca.
3.9.
Este samba não foi feito pra você
Este samba não foi feito pra você Foi feito numa noite de luar Eu quando tinha meu benzinho, ai ai ai Saía pela rua passear Eu já quebrei minha viola Só falta eu curar meu tamborim Eu vou tirar meu nome da batucada É pra você gostar de mim
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Muito provavelmente esse samba foi composto a partir de uma variação da canção homônima de Assis Valente, gravado por Mário Reis, em 1935. Isso porque esse samba clássico também começa com os versos:
Este samba foi feito pra você Pra você numa noite de luar Na noite em que eu fiquei sem o teu amor Sozinho pelas ruas a vagar Nas rodas de samba ubatubanas há muitas influências de sambas cariocas gravados e difundidos pela rádio. Os ritmos, as melodias e as harmonias revelam uma integração dos sambas urbanos na tradição local, como pode ser percebido na reprodução de muitas músicas gravadas mencionadas a seguir.
3.10.
Músicas Gravadas
Os sambas até agora detalhados mantêm um diálogo com expressões musicais caiçaras tradicionais em Ubatuba e região, como a canoa, a ciranda, a congada, a marcha carnavalesca e a música sertaneja. Na roda de samba se cantava também uma série de canções gravadas pelo mercado fonográfico e veiculadas pela grande mídia. Os sambadores, em sua maioria, aprendiam tais toadas no interior da roda de samba e não tinham conhecimento de sua procedência. Assim, é muito comum apresentarem tais sambas como exemplos da tradição local do “samba da terra”, desconhecendo as gravações. Dentre os sambas mais relembrados, estão: A) Adeus, amigos! (Haroldo Lobo e David Nasser), gravado por Almirante, em 1943, no LP “Bombardeio em Berlim/Adeus amigos!”; B) Jarro da Saudade, gravado por Carmem Costa, em 1956, no LP “Jarro da saudade/Está bem”; C) Maracangalha, clássico de Dorival Caymmi, presente em seu álbum “Eu vou p’ra Maracangalha” (1957);
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D) Trabalhar para quê? Samba de Enildo Campagnuci (Niterói), muito presente na Umbanda; E) Laranja Madura, clássico de Ataulfo Alves, presente no álbum “Eternamente Samba” (1966); F) Vem chegando a Madrugada (Noel Rosa de Oliveira e Zuzuca do Salgueiro), gravado por Jair Rodrigues no álbum “O sorriso do Jair” (1966); G) Nostalgia, gravado por Elza Soares no álbum “O máximo em samba” (1967); H) Minha madrinha, mangueira querida (Zuzuca do Salgueiro), samba enredo do Salgueiro de 1972, gravado por Jair Rodrigues no álbum “É isso aí” (1971); I) Lágrima, samba de Chico Buarque, do álbum “Sinal Fechado” (1974); J) Beirando a Praia (Ruy Castro e Walter Ferreira da Silva), canção sertaneja da dupla Lourenço e Lourival, presente no álbum “Dama da Noite” (1975). Observa-se que os sambas gravados também revelam o período de auge das rodas de samba caiçara nas décadas de 1960’ e 1970’, época que abrange a circulação das canções.
4. Samba versus fandango O fandango é um baile tradicional caiçara que abrange uma série de gêneros musicais e ritmos: o chiba, a canoa, a cana-verde, a ciranda e uma variedade de outras danças. Antigamente, o samba rural era um dos ritmos que tinham espaço na função, conforme observamos nos bailes vivenciados no sertão do Puruba por mestre Dito Fernandes ou no Perequê-Açu, por mestre Pedrinho. Atualmente, contudo, após a patrimonialização do fandango no início dos anos 2000’, tem-se buscado uma identidade caiçara que exclui o samba rural do baile. O vínculo dos fandangueiros locais com aqueles do litoral sul de São Paulo e norte do Paraná faz com que se enfatizem os gêneros musicais e as danças em comum. A presença do samba caiçara no fandango, marca histórica dos bailes de Ubatuba, acaba esquecida na busca dessa identidade caiçara compartilhada. Citaremos dois exemplos. Em uma apresentação do Grupo Fandango Caiçara, nos anos 2000’, incluiu-se um samba caiçara no repertório para fazer jus
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a esse legado antigo. A audiência, contudo, reclamou: “Ei, isso aí não é fandango” e muitos pares pararam de dançar, exigindo que o grupo retirasse o samba do repertório. Mestre Pedrinho narra uma outra ocasião em que cantou um samba caiçara num baile de fandango e um dos fandangueiros que tocava com o grupo reprovou e se retirou, como forma de protesto. Nesse contexto, podemos inferir que o samba caiçara não apenas foi excluído do fandango de Ubatuba mas, inclusive, representa uma intromissão que ameaça sua identidade e autenticidade. Dada a importância do fandango caiçara na identidade cultural de Ubatuba, fortalecido pelo empenho de movimentos culturais, grupos artísticos e o poder público local, a exclusão do samba representa forte ameaça de esquecimento. Não apenas o samba tende a perecer como o próprio fandango local perde sua autenticidade que é formada, entre outros fatores, pela proximidade da cidade do Rio de Janeiro e a influência do samba caiçara em seu contexto festivo de baile. Enfim, excluído do baile de fandango, o samba rural paira ameaçado de esquecimento, o fandango local perde uma de suas especificidades e a cultura caiçara deixa de lado uma importante expressão tradicional da cultura popular brasileira.
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