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A produção de sentido do conhecimento

possibilidade de deixar o jornalismo. No entanto, sabemos que por se tratar de história vivida, de experiência, de dialética do cotidiano, a resposta não pode ser desferida como se optasse por oito ou oitenta. Os caminhos serão definidos nesta produção de sentido em que o sujeito, no presente, irá problematizar a sua vida. A luta contra o tempo, a ressignificação das grandes derrotas e das pequenas vitórias serão o peso para que a narrativa de sua história de vida tome outros sentidos. E por sinal, estenda, para além da redação, em outro espaço, agora da faculdade, para que possa utilizar como campo nesta luta. Assim como o tempo na redação, o futuro se apresenta imprevisível para o presente. Mas é no movimento da memória de analisar o passado que Erivelton Rodrigues vai relevando os conflitos que se lançará para que o seu conceito de jornalismo se concretize como consonância da sua produção de sentido da realidade vivida.

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Omomento da vida em que Sandra Satiko Kihuchi aceitou o convite para o diálogo da entrevista na pesquisa é sintomático: trata-se do período em que a jornalista se retira da vida profissional para se ingressar no mundo da vida como aposentada. A aposentadoria está distante de ser interpretada como uma decisão que se efetiva do dia para a noite ao sujeito. Mesmo em condi ções que é tomada como ação pragmática, o ponto essencial está em saber que é impossível avançar na decisão de se aposentar sem se desvencilhar da memória. E neste processo de reflexão do passado como crítica ao presente, ou do presente como dilema do passado, Sandra salta do deslumbramento do ser jornalista para a o estado atual de decepção.

Talvez seja por isso que Sandra Satiko explique que a história de sua formação acadêmica é meio complicada. O primeiro aspecto é sobre o espaço em que concretizou a graduação. Sandra Satiko iniciou sua jornada acadêmica ao ingressar pelas Faculdades Integradas São Tomás de Aquino, em Uberaba, FISTA. Depois de dois anos a FISTA foi encampada pela então FIUBE (Faculdade Integrada de Uberaba), que hoje se trata da UNIUBE. Em 1983, a entrevistada acabava de se formar em Comunicação Social: Jornalismo pelas Faculdades Integradas de Uberaba.

A decisão de optar por jornalismo veio amparada pela experiência vivida da família com atuação profissional na área. Primeiro, o fascínio pela área de comunica-

ção instigado pelo programa de rádio de responsabilidade dos primos, em Uberaba, Triângulo Mineiro. O segundo aspecto é decorrente da convivência.

Então assim, já veio meio que uma coisa pronta. Meu pai tinha um bar bem tradicional lá em Uberaba e era muito bem frequentado por jornalistas, por músicos e etc. Então eu convivia muito com comunicação sabe, com gente que aparecia na televisão, gente que falava no rádio. Então aquilo me despertou certo interesse e entusiasmo também, sabe, convivendo com aquilo. (Entrevista, Sandra SATIKO, Dez. 2015)

E o mergulho no passado acrescenta também uma identificação de um fato, mais precisamente de uma característica sua, que releva um suposto ponto de origem na experiência vivida para o rumo que tomou na graduação. Por isso, Sandra Satiko afirma que sempre teve como primeira opção fazer o curso de Jornalismo.

Mas sempre foi o Jornalismo, mesmo no tempo de estudante, eu sempre era oradora e eu lia os textos. Eu tinha mania de narrar como se eu já tivesse fa zendo uma reportagem. Então já é sempre o Jornalismo. Nunca tive dúvidas, nunca. (Entrevista, Sandra SATIKO, Dez. 2015)

No horizonte, de 1983, para o salto da sua aposentadoria, de 2016, há algo sintomático que conduz o discurso de Sandra Satiko para o outro extremo. Ou mais precisamente, para que a conversa recente com o filho, em vez do fascínio, ter superado em seu espírito o conselho de negativo para seguir a carreira de jornalista. A pergunta era sobre uma hipotética avaliação, de caráter impessoal, mas Sandra Satiko empregou como experiência vivida. Se tivesse alguém hoje em dúvida de prestar o vestibular e chegasse pra você dizendo que havia decidido fazer Jornalismo. Qual seria o seu comentário?

E assim que a resposta veio com a revelação da situação vivida: o filho comentou: “Mãe, vou fazer jornalismo”. E ela respondeu em tom direto:

“Não, não faça. Se você for fazer jornalismo vai fazer 5 línguas e vai embora de Uberlândia, vai fazer fora’. Isso eu tô contando do meu filho. Agora pras

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pessoas que falam que vão fazer, ‘vai, e faça bem feito’. Tudo na vida tem que fazer muito bem feito. Se a pessoa for só pra querer ser mais um rostinho bonito na TV ou fazer um blog, desiste que pra fazer blog não precisa ser jornalista. Pra aparecer na Televisão não precisa ser jornalista. Acho que a pessoa tem que procurar outro rumo. Fazer jornalismo é estudar, aprender, ler, sabe? É um autor, um dos, autores da história do Brasil. Faça com amor e bem feito. Só que meu filho eu não quis não. (Entrevista, Sandra SATIKO, Dez. 2015)

E de que forma a afirmativa de Sandra Satiko se estabeleceu como crítica para convencer o próprio filho a entender que fazer jornalismo, a profissão que atuou durante toda a vida, não compensava. A primeira ordem da crítica estava voltada essencialmente para o financeiro.

Falei pra ele que achava que não compensava. Eu acho que eu tive sorte, de ter entrado na universidade, conseguido um bom emprego. Porque eu tenho muitos companheiros ganhando 1.500 reais. A minha ajudante ganha 1.200. Minha empregada, ganha 1.200. Trabalha feito um cavalo. É uma profissão mal remunerada, mas não é por conta do mercado, é por conta do jornalista que aceita um salário barato em troca do estágio, fazer um trabalho de graça pra poder aparecer, ganhar ingresso. (Entrevista, Sandra SATIKO, Dez. 2015)

Esse aceitar um emprego, barato ou quase fazer um trabalho de graça leva Sandra Satiko a comentar sobre a ética na profissão. E no seu reverso, ela denuncia como prostituição. A denúncia deixa de se ater à desvalorização do mercado ao trabalho do jornalista, que poderíamos entender como ordem estabelecida pelo sistema capitalista. Mas avança agora no plano subjetivo, que ora se apresenta como conflito ético da categoria. Quando alguém se apresenta para produzir um trabalho com a proposta de receber aquém ou até mesmo deixar de receber, o que se faz : É prostituir a profissão. Aí, por exemplo, fazer uma boa produção de vídeo. Você cobra 250 reais a diária, aí vem uma bonitinha e fala que faz de graça pra aparecer no set, aparecer perto do ator. Então o próprio estudante, o próprio jornalista que tá começando, ele mesmo se prostitui. (Entrevista, Sandra SATIKO, Dez. 2015)

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E a pergunta que se encerra neste comentário crítico sobre a profissão tanto na ordem da remuneração do campo profissional, quanto no questionamento da identidade subjetiva, Sandra Satiko retoma da temporalidade do presente e faz uma pergunta em busca de outros sentidos interpretativos sobre a realidade. E assim, ela materializa uma pergunta existencial: “Vocês na sala de aula discutem isso?”. (Entrevista, Sandra SATIKO, Dez. 2015) Antes de finalizar com a resposta no presente, é preciso compreender o complexo caminho do fascínio da profissão provocada pela família ao desencantamento de Sandra Satiko referente às pessoas que levam o jornalismo para uma marginalidade, em que a resultante está na própria objetificação do sujeito.

O fascínio do jornalismo enquanto representação sobreveio à leitura crítica da realidade quando Sandra Satiko entrou na universidade. A expectativa do curso se transfigura em um sentimento que ela distancia de frustração e podemos aproximar de produção de sentido. Pois é do sentimento de se “sentir uma ignorante assim, entre aspas, porque eu pensava que sabia muita coisa, mas eu não sabia nada.” (Entrevista, Sandra SATIKO, Dez. 2015) E o diagnóstico estava em enfrentar os seus próprios dilemas sobre o conceito de conhecimento.

Aquela coisa de jovem. Não sabia nada de história do Brasil, que eu estudei durante o colegial, não era nada daquilo. Então eu recomecei, sabe! não sabia o que tinha acontecido no Cangaço...Isso tudo a gente discutia na faculdade, através de livro e discussão. E coisas que eu achava que sabia, que não precisava mais. Aí muito pelo contrário, aí que eu e meu grupo a gente começou a estudar mesmo, a conhecer a história do Brasil. Isso depois que eu entrei na faculdade. Foi isso, eu fiquei deslumbrada, deslumbrada em aprender e estudar e desbravar as coisas, sabe? (Entrevista, Sandra SATIKO, Dez. 2015)

É sintomático entender esse relato de Sandra Satiko. Ao entrar na universidade, ela tinha, por experiência vivida no Ensino Médio, determinada concepção do que é conhecimento. Mais especificamente, ter domínio da história do Brasil. E assim que mergulha no plano acadêmico, aos poucos vai se desvelando que aquilo que

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considerava profundo, ao ponto de se tornar conhecimento em sua realidade vivida, se apresenta como superficial. Ao ponto de considerar que, na verdade, nada mesmo sabia. E aqui se torna importante desferir a pergunta: quais são as consequências ao sujeito que identifica o limite de seu conhecimento sendo levado a interrogar sobre o seu próprio sentido de sujeito histórico?

O que a conduz ao sentido da frustração, de esvaziamento daquilo que se sabe, se reverte para outro plano. Os livros, a leitura atenta, as discussões passam a constituir um significado que a alimenta como estudante de graduação e aos poucos vai tomando corpo no próprio conceito que a entrevistada efetiva sobre o que é ser jornalista. Ao retomar a explicação sobre o porquê não gostaria que o filho seguisse no jornalismo, Sandra Satiko indaga que “fazer jornalismo é estudar, aprender, ler”.

No momento em que se descobriu ignorante na universidade, Sandra Satiko mergulhou, pela própria experiência vivida, na discussão complexa epistemológica sobre: o que é conhecimento? E assim, a memória coletiva se efetiva. Não se trata de um movimento solitário, cujo vazio teórico entra em um caminho perigoso de imediato preenchimento, em que se perde a referência do que se trata como informação e do que se efetiva enquanto saber. Pelo contrário: o deslumbramento a leva a pensar em toda a sua vida e ao mesmo tempo refletir sobre o sentido da realidade vivida. E assim, o grupo do qual ela se identifica por pertencimento, toma a decisão de estudar com afinco para conhecer, não mais de forma superficial, mas de modo profundo a história do Brasil.

Trata-se aqui de identificar que Sandra Satiko está, no primeiro plano de ingresso na universidade, submetida a uma problemática epistemológica cíclica. Mas em que medida poderíamos denominar que esse novo conhecimento que se desperta pode ser considerado como profundo? A resposta está nesse dinâmico movimento do jornalismo de estudar, do cotidiano da profissão sempre dispor uma realidade que permite o aprender e ao mesmo tempo o sujeito jornalista não pode se indispor

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de realizar a leitura. E é desta forma que a história, o conhecimento acadêmico passou a ser desbravado. E é neste ponto que somos levados a outro estado de interrogação: quando a expectativa do curso se desmorona na produção de sentido do cotidiano, em que base passa a sustentar a construção da identidade do sujeito?

Para a resposta a essa indagação temos de recorrer a memória de formação teórica de Sandra Satiko. Não é de se surpreender que uma das disciplinas que ela traz como referência para sua formação seja a de Cultura Latino-americana. A justificativa era que a sala gostava muito, e que “era um professor massa”. Mas do que se tratava essa disciplina que materializa o concreto do deslumbramento da entrevistada no ato de desbravar o conhecimento?

Sim, a gente estudou todos os países da América Latina, suas culturas, costumes, sabe? Foi bastante interessante. E tudo assim, eu me lembro que a gente tinha que apresentar trabalhos e a gente pesquisava muito, mostrava slides, tirava foto, sabe? Era muito bacana. Essas coisas que não dá pra esquecer. Fica um pouco complicado, professor, por causa disso. Eu não tenho o histórico aqui pra gente lembrar assim, e quantos anos tem isso. Pelo amor de Deus, mais de trinta anos. (Entrevista, Sandra SATIKO, Dez. 2015)

Há duas decisões que possibilitam entender o caminho percorrido pela entrevistada na produção do conhecimento. A primeira decisão é sobre o trancamento da disciplina de Estatística, que teve no segundo e terceiro períodos da universidade. O motivo do trancamento está explicado pelo descompasso entre essa vontade de escrever e os números e estatísticas levados nessa disciplina.

Então eu achei estatística meio chata. Então eu tranquei e deixei pros últimos períodos. Aí eu gostei. Por que? Porque eu já tinha uma noção do que era o Jornalismo, das coisas e como eu iria usar a estatística nas matérias. Então se tornou algo mais atraente, me lembrei muito disso. Que eu até fechei rapidinho, porque ela passou a ser interessante depois que a gente começou a redigir matérias e estatisticamente informar as pessoas do que é que você estava fazendo e de que forma aquilo era feito. Então foi uma matéria que eu achei bastante interessante. (Entrevista, Sandra SATIKO, Dez. 2015)

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No momento em que o eu de Sandra Satiko buscava a compreensão da história do Brasil, na complexa relação da ignorância que se comunga com o próprio sentido do que é o conhecimento, ela se defronta com o horizonte de estatísticas. A ausência de sentido a leva a fazer o trancamento. E o olhar do final do curso para o início requalifica a disciplina de chata para atraente. O que significa que a construção do percurso para o saber desencadeado por Sandra Satiko não só edifica uma problemática desta disciplina no campo do jornalismo, como desvela a estrutura da qual a entrevistada passou a nutrir sobre o sentido do que é saber. A estatística submetida ao sentido da escrita do texto, para a produção da matéria.

De outro lado, a segunda decisão, é sobre as disciplinas com ênfase na produção nos laboratórios. “Agora as outras, que são laboratório de fotojornalismo, cinema, a gente tinha cinema, fotojornalismo, jornal laboratorial, psicologia, é isso que mais chamava a atenção”. (Entrevista, Sandra SATIKO, Dez. 2015)

A produção técnica dos laboratórios se fizeram em um bom momento de construção de saber de Sandra Satiko. E é por isso que ela não pensa duas vezes para afirmar que teve uma boa formação teórica. Ao orientar o elemento teórico no cumprimento de disciplinas práticas, temos de identificar que outros fatores estão adicionados nesta frase, que nos permite ultrapassar o sentido da instrumentalidade.

Um bom exemplo desta produção está no relato de algumas dessas disciplinas. Sandra Satiko enumera que teve excelentes professores na parte de produção. E enquanto desvela o método empregado por cada um desses nesta produção de sentido deixa nos ver um distanciamento de como fazer jornalismo na década de 80 no processo do presente da sua aposentadoria.

Foi uma época muito diferente da de hoje. Que a gente tinha tudo que se virar, pra gravar um programa de rádio, por exemplo. A gente tinha que se fechar em um quarto, e não existia estúdio na faculdade. Vou por etapa. Como não existia estúdio na faculdade, a faculdade alugava estúdios da cidade de Uberaba. Então você tinha uma hora pra ficar dentro do estúdio e você já ti -

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nha que levar tudo pronto, roteiro e tudo. Outras vezes a gente gravava na casa dos amigos, e um aumentava o som, aí você falava alguma coisa. Eu acho que um amigo meu tem gravado um dos programas. Então já estava tudo no roteiro “vai começar o jornal não sei o que”. Aí ele subia o som. Era tudo mecânico, tudo na mão. (Entrevista, Sandra SATIKO, Dez. 2015)

Era tudo mecânico, tudo na mão. O problema do estúdio, longe de se tornar frustração, passou a ser outro elemento de desbravar para se produzir o conhecimento. Para fazer programa de rádio, tinha de deixar tudo pronto, o que nos revela: é preciso conhecer e saber aprender a fazer todo o processo. Esse mesmo dilema, agora revertido em encantamento, Sandra Satiko submeteu às outras disciplinas:

Cinema, era uma câmera pro curso inteiro. Então a gente saía pra fazer, aí editava, tinha que cortar e tudo. Aí não era só filmar, você tinha que conhecer a história do cinema, conhecer a máquina, como que era, como era o funcionamento da máquina, como se montava, como desmontava. Fotografia, fotografar, revelar, ampliar, secar. No jornal, já era o jornal mural, era um jornal que a gente pregava na parede da cantina da faculdade e lá pro final do curso já tinha um jornal que chamava “Enfim”. (Entrevista, Sandra SATIKO, Dez. 2015)

Se por um lado a jornalista revela os motivos que considera ter tido boa formação teórica, mesmo em disciplinas práticas, por outro é necessário fazer outra indagação. A jornalista fez parte de um período em que no curso de Jornalismo não havia a exigência de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Mas será que essa experiência a deixou com alguma falta em sua formação? Sandra Satiko diz que o TCC não fez falta porque o conhecimento produzido na faculdade foi bom. No entanto, acrescenta uma frase que nos leva agora a interrogação da sua experiência no mercado de trabalho: “o conhecimento que eu tive foi muito bom, mas a prática eu acho que a faculdade não te ensina não”. (Entrevista, Sandra SATIKO, Dez. 2015)

A primeira indagação que poderíamos fazer dessa última frase da jornalista é sobre o seguinte elemento: de qual prática Sandra Satiko está realmente pondo em negativa? Isso porque a descrição de boa formação teórica está vinculado exata-

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mente às disciplinas de laboratório, em que o exercício prático de entender a totali dade de determinados meios nos conduziu a entender o método. A revelação da jornalista se fez aos poucos, com os questionamentos em que a entrevista se seguiu para tentar entender essa complexa relação de aprendizagem, conhecimento e ignorância. Sandra Satiko diz que teoricamente se sentia preparada para atuar no merca do de trabalho. Mas na prática, se sentia insegura. E depois que estava atuando profissionalmente, esse discurso só passou a ganhar mais corpo: “mas não adianta, depois que você começa a trabalhar, a prática é totalmente diferente da teoria”. (Entrevista, Sandra SATIKO, Dez. 2015) E assim Sandra Satiko expõem essa fragilidade ao responder a pergunta sobre: o que falta na teoria?

Não, eu acho que falta a prática dentro da universidade. Porque naquela época, professor, a gente não tinha o que tem hoje. Essas faculdades que dispõem de laboratório, de estúdio, de recursos da tecnologia, na nossa época não tinha isso, você tinha que se virar nos 30. E aí você me perguntou do que eu senti falta, é isso. É o medo, né, então você tem que meter as caras. (Entrevista, Sandra SATIKO, Dez. 2015)

A frase pode ser entendida pelo sentido irônico da experiência vivida. Sandra Satiko revela como positivo, na construção do conhecimento, que as disciplinas as conduziu a desbravar por meio de uma produção mecânica, artesanal, o sentido do jornalismo. Mas ao mesmo tempo em que produzia esse sentido, o medo de enfrentar outros espaços em que a tecnologia se fazia presente a levou a essa outra condição de crítica. Entretanto, engana-se se vincularmos que o único sentido de crítica da jornalista se faz pela questão do manuseio tecnológico. O que mais a jornalista sentiu falta da formação na universidade quando chegou na redação jornalística é ética:

A ética, agora, a ética, tem colega de escola que eu não fui com a cara dele no primeiro semestre e até hoje não vou. Eu acho que a índole vem com a pessoa. Ou a pessoa é ética ou não é, eu acho que já nasce assim, eu acho que você não cria uma pessoa. A personalidade da pessoa eu acho que ela já é nata. Mas assim, te ajuda, claro. (Entrevista, Sandra SATIKO, Dez. 2015)

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É importante entender esse tom de crítica à profissão sobre a ética no jornalismo. Mas, ao mesmo tempo, o sentido da frase nos conduz a entender um alongamento da temporalidade do passado, da graduação, e de hoje, em que se aposenta. O colega da escola do primeiro semestre, da década de 80, e que até hoje, três décadas e meia depois, ela questiona seu caráter, materializa esse salto da memória de Sandra Satiko. Se visualizarmos de forma rápida, é provável chegar a conclusão que a entrevistada está argumentando do passado para o presente, num sistema contínuo da história.

Uma pausa pouco mais demorada, nos remete a entender que esse dilema é do presente como reflexão do passado. Pois a acusação de falta de ética está justamente neste fator de que não se pode alterar com o tempo. Só tem sentido compreender esta frase se levarmos em consideração que a jornalista acreditava nesta possibilidade. Ao se defrontar com a continuidade deste elemento que ela considera gravíssimo, ao ponto de se frustrar na profissão, só há uma forma de apresentar para si mesmo uma justificativa conceitual: “acho que já nasce assim”. O problema da frustração do presente mergulha em outro problema conceitual para analisarmos a entrevistada: a retirada do conceito de ética do processo de construção histórica do sujeito para a naturalização, quase que biológica.

Este momento é imprescindível retornarmos para as explicações sobre a experiência vivida da jornalista no mercado de trabalho para se compreender o sentido desta crítica e evitarmos, incorrer em generalização. Como se trata de ponto de origem, é possível aqui enumerar e descrever os espaços em que Sandra Satiko atuou como profissional. Ela relata que a primeira experiência começou enquanto estudante a ajudar um amigo:

tinha um projeto em Uberaba que chamava Circo do Povo. Que era um circo itinerante que ficava nos bairros e ia coletando, conhecendo, descobrindo novos talentos do bairro, e no final de semana eles se apresentavam. E eu fazia esse serviço com ele, de procurar novos talentos. Então já comecei ali. Acho

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que no segundo ano de faculdade, eu já trabalhava com produção achística lá do circo. (Entrevista, Sandra SATIKO, Dez. 2015)

Em seguida Sandra Satiko fez outros caminhos. Trabalhou na Fundação Cultural de Uberaba onde arquiva fotos, fotografava, e levantava histórias da cidade. Mas a experiência como jornalista veio mesmo no Jornal da Manhã.

porque tinha uma vaga lá de repórter fotográfico. E eu falei “Lidia me dá uma semana, duas semanas, pra eu ver se é isso, se eu dou conta”. Aí dei, aí comecei como repórter fotográfica de lá. Aí a Lidia que era proprietária do jornal me pediu pra eu começar a escrever algumas matérias, eu não tinha me formado ainda. Acho que não tinha, quando eu trabalhava lá. Não, tinha. Aí depois que ela me registrou. (Entrevista, Sandra SATIKO, Dez. 2015)

A outra experiência começou após fazer e ser aprovada em um teste na TV Integração, em Uberlândia. Depois nunca mais voltou a atuar profissionalmente em Uberaba. “E na TV, fiz a matéria, gostei, nunca mais voltei”. (Entrevista, Sandra SATIKO, Dez. 2015) No período da entrevista, Sandra Satiko encerrava sua carreira profissional de jornalista na equipe da Rádio e Televisão Universitária da Universidade Federal de Uberlândia.

Essa descrição da atuação profissional de Sandra Satiko nos permite então compreender as questões que a levaram a se interrogar sobre esse distanciamento entre a prática vivenciada na universidade e prática no mercado de trabalho. Neste percurso da memória da entrevistada, ela revela, em primeiro momento, um pequeno desvio. Mas procura apresentar um primeiro indício: É porque eu to confundindo aqui com a rádio universitária e com o tempo de escola. É experiência, né. Tem um amadurecimento, porque você chega crua. Você sai com um trabalho acadêmico pra ir pra um mercado profissional. É igual quando você forma “ixe, e agora, amanhã não tem aula mais, acabou”. Vida nova, independência. (Entrevista, Sandra SATIKO, Dez. 2015)

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A narrativa revela que essa vida nova, essa independência está dominada por um fascínio teórico, mas dominado por uma insegurança prática. Então o caminho para sair deste complexo círculo de se defrontar com a liberdade da vida nova pós aulas é descobri-la encerrada em uma insegurança. E como é possível sair deste estado de conflito? Por ironia do destino, o enfrentamento no mercado de trabalho veio justamente em uma disciplina que a jornalista revela ter tido pouco na prática: o telejornalismo. Ela revela que não tinha na estrutura curricular a disciplina de telejornalismo. E do conteúdo que lembra é porque aprendeu no curso de cinema.

O primeiro desafio de sua careira, para retomar a confiança em si e, com ele o deslumbramento, veio na raça: passar em um teste da TV Integração. Eis o triunfo da subjetividade frente ao indeterminado da estrutura profissional. Ao ser indagada por mais de uma vez sobre qual a distância entre a prática na universidade e a prática no mercado de trabalho, Sandra Satiko nos revela o momento em que o jornalismo se fez como sentido de vida nova:

É o dia a dia. O dia a dia e responsabilidades. Só de ter ficado, claro, quando você se submete a um teste você tem que mostrar competência, porque você quer ficar. Então assim, já é um triunfo. Então quando isso já acontece te dá mais força. E aos poucos que eu fui adquirindo essa segurança. (Entrevista, Sandra SATIKO, Dez. 2015)

A segurança profissional foi sendo adquirida sim aos poucos, no dia a dia em que se exige a responsabilidade do jornalista em seu trabalho com o outro. A diferença da prática da academia para a prática do mercado é esse cotidiano em que o sujeito é levado para a produção de sentido. E a jornalista iniciou esse processo para desbravar essa nova realidade que a conduziu novamente da revelação do estado de ignorância para a produção do conhecimento. No começo, os companheiros foram dando dicas técnicas sobre o procedimento para produzir as matérias. E assim a insegurança passou novamente para o deslumbramento:

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Quando você vê uma matéria sua no ar, professor, é o trem mais bom no mundo. A sensação é de satisfação, sabe? É do seu trabalho, de você atingir as pessoas com uma informação verdadeira, que está fazendo bem pras pessoas, porque você está alertando ou de utilidade pública. Você tá colaborando com a comunidade. E o respaldo, né, antigamente nem existia essa palavra “feedback”. O retorno que te dá de você estar andando na rua e as pessoas falarem “ah, obrigada, você ajudou demais da conta. Nossa, resolveu.”, então você tinha, como tem hoje ainda, retorno do trabalho que você faz, que se divulga. (Entrevista, Sandra SATIKO, Dez. 2015)

O deslumbramento deixa de ser uma conquista subjetiva para demarcar a importância social do trabalho jornalístico. O esforço de aprender na raça, com os conselhos técnicos dos companheiros, se ressignificou na sociabilidade com a comunidade. E então, ao ser cumprimentada na rua, ao ver a satisfação de ver a matéria ir ao ar, a produção de sentido do sujeito se encontra em consonância com a produção de sentido coletiva. O retorno do trabalho pela comunidade, essa satisfação revelada pela entrevistada de atingir as pessoas com uma informação verdadeira, estabelece o valor do cotidiano. É por isso que a memória coletiva de Sandra Satiko, por mais uma vez, decreta esse fato como histórico.

Depois do deslumbramento de ter as matérias indo ao ar, é sobre o sentido das matérias que se passa a entender o significado da profissão. Por quem se luta no jornalismo? O feedback revela que se luta com a responsabilidade de apresentar um significado do social para o social. E assim neste percurso que Sandra Satiko passou a definir o significado do que é o trabalho do jornalista:

Eu fiz muito esses trabalhos culturais, até hoje um punhado de artista plástico, porque muita coisa que acontecia era porque o TN primeira edição era muito focado em cultura. Então assim, a gente fazia muita matéria cultural. E eu acho que, acho não, a imprensa ela é responsável por dar um reflexo da cultura da sua cidade. Se você divulga, ninguém sabe que tem. Ou não cresce, ou não melhora, fica ali estagnado. Divulga o seu livro, por exemplo, as pessoas vão querer comprar. Esse é o retorno que o jornalista tem. (Entrevis ta, Sandra SATIKO, Dez. 2015)

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Ao definir o significado do trabalho do jornalista vinculando a realização subjetiva diretamente ao cumprimento da responsabilidade pública, trata-se do momento de efetivar uma análise da sua experiência vivida no mercado de trabalho. Ou melhor: trata-se de interrogar sobre o que define em uma redação no mercado de trabalho: a ideologia individual do jornalista, a ideologia da empresa ou é o público? A resposta da entrevistada é enfática:

Eu acho que tem que ser tudo junto. Mas o que predomina é a ideologia da empresa. A partir do momento que você tá trabalhando na Universidade Federal de Uberlândia, eu tô vestindo a camisa dela. Mas isso não quer dizer, existem N formas de você seguir essa ideologia. É igual eu estava te mostrando ali. Renata Neiva falou, do esmalte. Antigamente não se podia usar esmalte vermelho, era só clarinho, em TV. Hoje tá liberado. Então isso se segue. A forma de você entrevistar, hoje existe relação comercial “não é pra falar mal de…”. Não se fala mal de prefeitura. Quem sou eu pra fazer uma matéria falando mal da prefeitura? Então você tem que seguir a sua linha editorial. (Entrevista, Sandra SATIKO, Dez. 2015)

Sandra Satiko acha que tem de ser tudo junto, mas confessa que está separado. O que prevalece no jornalismo é a ideologia da empresa. Esse testemunho nos coloca diante do dilema da própria jornalista. Ela testemunha que o fascínio advindo do jornalismo é o reconhecimento público da responsabilidade social. Tanto que enfatiza os termos e frases da comunidade que mostram que se cumpre a proposta de ser crítico social. Mas ao reconhecer a ideologia da empresa, embora esteja alicerçado um discurso de maturidade profissional, deixa em aberto a interrogação: se este lugar da qual se direciona é motivo de crítica, de onde poderia manter, por meio deste ponto, a satisfação em ser jornalista?

Pode-se considerar então que a entrevistada localiza agora o estado de tensão e conflito do próprio trabalho jornalístico: por um lado, está o jornalista que reconhece a satisfação individual ao escrever matérias que contribuam para a melhoria do social e que resulta no reconhecimento do público no cotidiano. Por outro lado, é o

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diagnóstico de que a o sujeito está sob determinação da ideologia da empresa. Esse estado só não leva a estagnação do sujeito quando ele toma consciência de que o conflito se edifica em movimento histórico. E isso distancia dela recair no discurso da naturalização. Mesmo que a senha para esse movimento esteja em detalhe: da passagem do esmalte clarinho, definido sob normas pela estrutura, para o esmalte vermelho, agora sob a liberdade de escolha do sujeito.

Em que momento da história Sandra Satiko reconhece que o jornalista perdeu a referência de quem é o público. Em primeiro momento ela disse que as vezes o jornalista perde a referência do público porque está “tudo tão globalizado, entre aspas, que acho que todo mundo tem a mesma linguagem”. (Entrevista, Sandra SATIKO, Dez. 2015) Mas depois acrescenta que cada emissora tem público dirigido. O que significa essa perda de referência de público e ao mesmo tempo escrever mais para a ideologia da imprensa? Será que há consequências na definição sobre a história narrada pelo jornalista?

A pergunta para a jornalista se faz inevitável: você acredita que nosso trabalho enquanto jornalista é um trabalho de valor histórico? E a jornalista responde de forma enfática:

“Ah, total. Você tá ajudando a escrever a história da sociedade, seu bairro, sua entidade. É documento. Parte fundamental da história de tudo. Por isso daí a responsabilidade, entendeu?”. (Entrevista, Sandra SATIKO, Dez. 2015)

No primeiro momento a resposta sobre o valor histórico do jornalista é sobre a sua responsabilidade do social. O jornalista produz um documento que é possível fazer a leitura sobre a história da sociedade. E em seguida a entrevista é levada a responder outro dilema: você considera que o jornalista, hoje, ele tem consciência de que quando ele está fazendo uma matéria ele está fazendo história? A resposta ressoa como relativo ora pelo subjetivo, ora pelo coletivo da categoria.

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“Depende do jornalista. Se não tem, deveria, minha resposta é essa”. (Entrevista, Sandra SATIKO, Dez. 2015)

É preciso entender qual o conceito de história que perpassa a construção crítica de Sandra Satiko. O jornalista deveria ter consciência de que aquilo que ele escreve tem o sentido da história. Mas ainda fica uma brecha para entender como pode um documento, que no seu processo de produção não é histórico, se tornar história. E a resposta da entrevistada é resumida. “Mas eu acho que tudo vira história”. (Entrevista, Sandra SATIKO, Dez. 2015). Então qual a referência que se pode estabelecer sobre o que é história? Seria o tempo do documento em vez de considerar o processo de produção? É o tempo, o tempo define. É que eu tô viajando aqui no tempo, por isso eu to meio parada assim. Porque ontem quando você me falou eu fui procurar meu histórico escolar, e eu comecei a mexer e achei um punhado de matéria que eu já tinha feito, uns roteiros, é história. E eu acho bacana quando alguém coloca lá, tem uns grupos nossos da faculdade. O pessoal começa a postar umas coisas que a gente fazia antigamente e tudo. Eu penso “porque não arquivei isso?”. (Entrevista, Sandra SATIKO, Dez. 2015)

Ao considerar que o documento, ou melhor, que o tempo em que existe o documento já o define como histórico, há uma necessidade de verificarmos que o conflito deixa da tensão do sujeito para ser objeto da mídia. Eis o sentido da pergunta do final da frase: “Porque eu não arquivei isso”. A frase remete a uma discussão premente de memória. O grupo da faculdade, do qual Sandra Satiko faz parte, posta determinadas imagens que passam a ser consideradas como importante para a memória do grupo. Mas se por um lado não foi arquivado por Sandra Satiko de forma espontânea, é porque não passou a ter relevância na continuidade do presente da profissional. É preciso aqui discutir outro impasse da memória: será que é possível você apanhar imagens de outro grupo para incorporar à sua história de vida como memória?

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É difícil chegar a conclusão, mas a defesa desta linha indica que não se pode edificar uma memória vivida simplesmente arquivando fotos do passado. Então nós podemos considerar que a história seria a plataforma em que aquilo fica armazenado? E a jornalista responde:

“Eu acho que é um documento também. Quando você faz a matéria você não faz com o intuito dela virar história, você está registrando a história. Quem vai saber se eu trabalhei aqui 30 anos, se vai interessar também. São histórias que interessam cada público.” (Entrevista, Sandra SATIKO, Dez. 2015)

E que histórias são essas narradas pelos jornalistas? A jornalista refaz a pergunta e responde: “Que história que nós estamos narrando? A nossa. De vida, de divertimento, de cultura. De crise.”. (Entrevista, Sandra SATIKO, Dez. 2015) A problemática ainda ressoa com a resposta cujo conceito de história está diluído em todos os fatores. No documento que será visto por outro daqui a 30 anos. A assinatura da matéria em que se pode comprovar que ela esteve e fez parte da redação. No fato que se tornou notícia e que está estampado nas páginas: esse é o registro histórico.

Essa concepção de história produzida pelo jornalista é confrontada com outra narrativa de Sandra Satiko: a decepção com o jornalismo. Será que há alguma relação que poderia problematizar a produção de sentido histórico do jornalismo com a decepção subjetiva da jornalista? A pergunta exige, antes da resposta, um mergulho sobre o que a jornalista considera como essencial para a responsabilidade social da qual somos exigidos. E, que por sinal, é o aspecto positivo que ela traz como refe rência da memória teórica da sua formação em graduação. Para Sandra Satiko, o ponto fundamental do sentido de ser jornalista é o poder de argumentar que se transfigura em conhecimento:

Que você tem o conhecimento de uma coisa e vê outra. O poder da argumentação de você não aceitar ser assim, por exemplo. É tipo quando você fala “ah, a caixa de água pegou fogo. A cobertura é sua”, aí você vai mas não questiona. “Como a caixa de água pegou fogo?”, é pegadinha, a pessoa desce e vai lá no

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DMAE fazer. De brincadeira, sacanagem, sabe? Já aconteceu, não comigo. É o poder da argumentação. Você ter conhecimento, professor, você argumenta qualquer coisa. Você nega uma pauta, você muda a sua pauta, você cria a sua pauta. Né? Eu acho que é por aí. (Entrevista, Sandra SATIKO, Dez. 2015)

Esse poder de argumentar retira o sujeito do estado de ignorância, do ponto de vista epistemológico, para o transpor na produção do conhecimento. E o maior exemplo que ela pode citar sobre esse processo de maturidade como jornalista está no relato de uma entrevista com uma psicóloga, quando entrou na universidade. É um fato relevante da memória que Sandra Satiko traz para o campo do presente e produz significado para toda a sua experiência vivida.

Quando eu entrei pra universidade a psicóloga falou assim, que ela estava entrevistando os candidatos pra entrar aqui, eu não me esqueço disso, que ela perguntou se eu sou uma pessoa que acataria às normas do meu chefe. A resposta era só sim ou não. Eu coloquei não. Aí ela virou e perguntou “porque você respondeu não?”. Aí eu falei “uai, se meu chefe me designar uma coisa que eu não concordo…”. Eu falei pra ela, não tinha outra opção, era sim ou não. Eu coloquei não. “Se meu chefe me designar uma coisa que eu não concorde, eu vou conversar e argumentar com ele porque não pode ser de uma outra forma”. Ela falou “Vocês jornalistas são tudo doido”. Eu acho que ela pirou na batatinha de ter entrevistado 10 jornalistas, sabe. Deve ter recebido muito não ali. Mas assim, quem não tem argumentação, não tem um conhecimento teórico, não tem um estudo, não tem uma leitura, vai concordar com tudo. (Entrevista, Sandra SATIKO, Dez. 2015)

Se discordar daquilo que o chefe remete para ser feito é necessário usar o poder de argumentação, indagar, pois aí está o processo de construção de conhecimento. A decepção de Sandra Satiko com o jornalismo tem um dos pontos de origem exatamente no momento em que considerou que o jornalista perdeu esse papel de crítico, intelectual. Ou melhor, quando a argumentação não é mais seu ponto forte. “Por isso que eu falo que o repórter não pergunta nada. Não questiona, não argumenta. É muito difícil você ver isso.”. (Entrevista, Sandra SATIKO, Dez. 2015) Sem argu-

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mentação não há critica. Sem crítica, sem discutir a ideologia da empresa na redação para confrontar com a responsabilidade social, perde-se o sujeito em meio a determinação hegemônica do econômico. E assim veio se constituindo a desilusão da jornalista para o jornalismo, ao ponto de se aposentar e manter uma distância da sua experiência vivida.

A decepção teve início com a rede social. “Não é bem uma desilusão com o jornalismo, sabe, acho que estava na hora e juntou a fome com a vontade de comer, desiludi. Achei as pessoas vulgares, não profissionais, chegou um ponto de vulgaridade.” (Entrevista, Sandra SATIKO, Dez. 2015). Mais do que analisar a vulgaridade, que ela já apontou como prostituição no jornalismo, é preciso compreender o sentido do termo não profissional. O diagnóstico aponta para essa fratura na sociabilidade que desencadeia de forma incisiva nas redes sociais: “antigamente os jornalistas se juntavam pra trocar ideia, levantar pauta, uma conversa boa. Hoje não, eu acho. No meu caso nem é esse, eu desiludi com as pessoas.” (Entrevista, Sandra SATIKO, Dez. 2015)

O principal argumento levantado pela jornalista é sobre o tempo de produção no mercado de trabalho. E aqui ela faz uma análise comparativa sobre as mudanças de valores da década de 80 para os atuais.

Tinham tempo pra levantar matéria, porque não existia pauteiro. Tinham tempo pra produzir essa matéria. Não, não tinha, é o mesmo tempo de hoje, mas é que a gente que fazia tudo. Sabe o que não existia? Computador. E hoje as pessoas perdem tempo é pelo computador, sabe? Era assim: chegava lá, no quadro, câmara. Minha pauta era essa. Aí chegava na câmara tinha que ver qual o assunto que estava em pauta, se tinha algum assunto polêmico. Nem todos eram assim. Aí era assim a pauta: feira livre… Ver os preços dos legumes. Hoje já sai assim: o tomate semana passada estava tanto, essa semana já foi vendido a tanto. Já vai com tudo mastigado. (Entrevista, Sandra SATIKO, Dez. 2015)

Então sobrevém nova indagação da própria entrevistada no meio de sua própria reflexão:

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