Cultura Popular Quilombola - O Baile de Congo de São Benedito de Conceição da Barra - Ticumbi -

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Cultura Popular Quilombola O Baile de Congo de São Benedito de Conceição da Barra - Ticumbi

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Michele Freire Schiffler Jonas dos Santos Balbino Aline Meireles do Nascimento



Cultura Popular Quilombola O Baile de Congo de São Benedito de Conceição da Barra - Ticumbi

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Michele Freire Schiffler Jonas dos Santos Balbino Aline Meireles do Nascimento


© 2018 dos autores Direitos reservados desta edição RiMa Editora Capa: Thiago Balbino

Schiffler, Michele Freire S333c

Cultura popular quilombola: o Baile de Congo de São Benedito de Conceição da Barra / Michele Freire Schiffler, Jonas dos Santos Balbino, Aline Meireles do Nascimento – São Carlos: RiMa Editora, 2018. 52 p. il. ISBN – 978-85-7656.054.8 1. baile de Congo de São Benedito. 2. Ticumbi. 3. patrimônio cultural. 4. comunidades quilombolas. I. Autor. II. Título.

COMISSÃO EDITORIAL Dirlene Ribeiro Martins Paulo de Tarso Martins Carlos Eduardo M. Bicudo (Instituto de Botânica - SP) Evaldo L. G. Espíndola (USP - SP) João Batista Martins (UEL - PR) José Eduardo dos Santos (UFSCar - SP) Michèle Sato (UFMT - MT)

Rua Virgílio Pozzi, 213 – Santa Paula 13564-040 – São Carlos, SP Fone:2(16) 988064652


Sumário Agradecimentos ...................................................................... 4 Apresentação .......................................................................... 6 Baile de Congo de São Benedito, de Conceição da Barra (Ticumbi) ........................................ 18 Uma linda história ........................................................ 25 Poesia e devoção ............................................................ 28 Fragmentos do Baile de Congo de São Benedito ........... 31 Obras Consultadas ............................................................... 51

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Agradecimentos


Aos moradores das comunidades quilombolas do Espírito Santo, aos brincantes do Baile de Congo de São Benedito de Conceição da Barra, em especial ao Mestre Terto. À Capes e à Fapes, pelo financiamento da pesquisa (processo no 70984425). Aos parceiros: Aline Meireles, pelas lindas fotos; Thiago da Penha Balbino, pela inspiradora capa; e Jonas dos Santos Balbino, por sua arte.


Apresentação A cultura brasileira é rica e diversa. O patrimônio cultural material e imaterial de que dispomos aproxima povos e nações ancestrais, que seguem existindo nas práticas cotidianas de comunidades que atualizam e reinscrevem histórias de antigas civilizações. O espaço escolar é um lugar privilegiado de diálogo e de troca de conhecimentos para a valorização e o reconhecimento das diversas histórias que compõem a nossa cultura. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), amparada pelas Leis 10.639 e 11.645, assume o compromisso de respeitar e difundir a cultura dos povos africanos, afro-brasileiros e indígenas.

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O trabalho com perspectiva cultural envolve diversos aspectos, como a organização social, os saberes tradicionais, as mitologias, as crenças, os valores, a forma de ver e entender o mundo, bem como a religiosidade. Importante observar as diferentes culturas com respeito e responsabilidade, de modo a valorizar os saberes locais, promover o diálogo e não reproduzir estereótipos. Descrições caricatas e preconceituosas dos diversos povos de matrizes africanas e das centenas de comunidades indígenas não devem ser reproduzidas.

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Assim, é importante revisarmos nossas posturas pedagógicas, nossos discursos dentro e fora da sala de aula, bem como os materiais didáticos e paradidáticos com os quais nos deparamos todos os dias. Essa postura reflexiva deve acender o interesse por nossas matrizes culturais, respeitando nossos antepassados e revisitando as diferentes culturas que nos constituem enquanto povo brasileiro, diverso e plural. No Estado do Espírito Santo, a diversidade de manifestações culturais de comunidades remanescentes de quilombos permite o contato com saberes ancestrais. O território quilombola de Sapê do Norte, localizado entre os municípios de São Mateus e Conceição da Barra, reúne dezenas de comunidades que compartilham histórias de luta e resistência, desde tempos coloniais. A memória de irmãos e irmãs traz ventos do passado, sons que falam ao coração, e cores e sabores de distantes terras africanas. Anti-

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gos reinos, milenares linhagens, são celebrados em narrativas, cantos e performances que guardam a história do Estado do Espírito Santo a partir da chegada de diferentes povos originários da África Subsaariana. Com eles chegou-nos a tradição de reis, rainhas, guerreiros e chefes religiosos que cruzaram o Atlântico deixando para trás as terras do Antigo Reino do Congo e dos Impérios Lunda e Monomotapa. O contato com os portugueses em 1491 propiciou, durante os séculos XVI a XIX, uma das maiores barbáries protagonizadas pela humanidade, com a mercantilização de seres humanos em troca de acumulação de capital. A diáspora Atlântica, no entanto, não apagou a sabedoria e a força de grupos étnicos como os kikongu, os kimbundu, os lundatchokwe, os ovimbundu, os oshindonga, dentre outros pertencentes aos povos Bantus. A escravatura sangrou a África. Contudo, em seus filhos, dispersos em território estrangei-

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ro, as matrizes culturais africanas seguem pulsando e resistindo às marcas desse violento passado. Foram muitas as formas de resistência protagonizadas no Estado do Espírito Santo, como a Insurreição de Queimados (em 1849) e diversos levantes ocorridos em São Mateus, Guarapari e Serra, além da Revolta da Safra, em Cachoeiro de Itapemirim. No século XIX foram criadas as Companhias de Guerrilha para combater as ações quilombolas organizadas em meio às matas do Estado. Na região Norte, destacaram-se insurreições conduzidas por Benedito Meia-Légua, homem heroico, líder revolucionário que morreu no sertão de Angelim lutando pela liberdade de seus irmãos.

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Cortejo em Barreiras

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Narrar esse passado, performatizá-lo, é uma forma de reexistência, pertença e estima. A força da oralidade e as cores da cultura popular das comunidades remanescentes de quilombos renarram o passado poeticamente, rompendo o silêncio imposto por séculos de violência e preconceito. Os festejos quilombolas reinscrevem o passado de injustiças, trazendo reflexões e denúncias para o tempo presente, unindo a fé à força da tradição. Dentre as manifestações da cultura negra na região Norte do Estado do Espírito Santo, encontramos os grupos de Reis de Bois, de Jongo e os Bailes de Congo (Ticumbi). De maneira abrangente, os Reis de Bois trazem para a praça pública o caráter jocoso e a atmosfera festiva da cultura popular. Tais elementos são expostos publicamente: por personagens masculinos, interpretando a Catirina; pela representação de animais, que perseguem o público; e pela figura do vaqueiro, que incorpora caráter autoritário para com o rebanho e a audiência. Celebrado nos quintais de benfeitores do festejo, os Reis

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de Bois encenam histórias de violência motivadas pela expropriação de terras, mescladas ao riso festivo e compartilhadas na praça pública. Juntos, vaqueiros, brincantes e plateia dançam acompanhados pela sanfona dos mestres até o nascer do sol.

Jongo de São Cosme e Damião, Mestre Osmara

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Os grupos de Jongo trazem de volta a importância e a beleza do canto da mulher quilombola, que em meio a cirandas e giros enunciam cantigas de tempos da senzala. A estrutura do Jongo conta com a participação dos homens, no toque do tambor e da casaca, e a entoação de motes

Jongo Nossa Senhora Aparecida, 14 Mestre Douglas Alexandre


que são respondidos pelo canto feminino. Marcado pelas saias rodadas e pela presença imponente da mestra anciã, o Jongo, como performance ritual, carrega forte herança da tradição africana bantu.

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Realizado apenas no Espírito Santo, o Ticumbi é dramatizado por quatro grupos: o de Conceição da Barra, o do Bongado, o de Itaúnas e o de Santa Clara. Apesar de estrutura e personagens semelhantes, o enredo e as demandas sociais expressas são distintos. O nome Ticumbi, popularmente conhecido, diz respeito a uma das partes da celebração do Baile de Congo de São Benedito. A partir deste momento, convido a todos para que ingressem no maravilhoso universo cultural do Baile de Congo de São Benedito, de Conceição da Barra. Seu mestre, o amável Tertolino Balbino, após 64 anos de dedicação, passou o bastão, em abril de 2018, ao então contraguia, Berto Florentino. Este exemplar é uma forma de expressar minha gratidão ao Mestre Terto, pela generosidade em compartilhar, ano a ano, a sabedoria ancestral do povo de Sapê do Norte.

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Mestre Terto

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Baile de Congo de São Benedito, de Conceição da Barra (Ticumbi) Em terras distantes, dois reis disputam o direito de celebrar, em oração e festa, São Benedito. São Bino, o São Beneditinho das Piabas, o “pequeno”, que cercado de flores e luz protegeu e seguirá protegendo os congos ao longo dos anos.

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Tertolino Balbino, Berto Florentino, Domingos Júlio, Antônio Carlos Alexandre, Hamilton de Oliveira, Silvani da Conceição e Douglas Alexandre

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Ao Rei de Congo, rei mais velho e de grande soberania, é conferido o poder de agradecer e homenagear o santo de devoção.

20 São Benedito, o Padroeiro


Durante o Baile de Congo de São Benedito, são retomadas antigas batalhas entre reinados africanos. O Rei de Congo e o Rei de Bamba, juntamente com seus Secretários, travam guerras com palavras e espadas, recriando o cenário de disputas entre o imperador do Antigo Reino do Congo, o mani Congo, e o governador da província de Mbamba, que desafiava o poder do imperador, negando-se a pagar-lhe os impostos. No século XVII, conta-nos o historiador Elikia M´Bokolo, o duque de Mbamba, aliado do conde de Soyo, rebelou-se contra o Rei de Congo, Álvaro III, em uma crise de sucessão ao Reino do Congo que durou de 1614 a 1641. Como forma de negociação entre os Reis de Congo e de Bamba, são realizadas boas e reais embaixadas, proferidas por seus Secretários. Em antigos reinos africanos, as embaixadas faziam parte dos ritos de entronização de reis de linhagem, sendo símbolos do poder real. As embaixadas eram visitas ritualizadas, proferidas por emissários dos reis ou dos chefes locais, constituindo importante meio de comunicação entre os chefes políticos. 21


22 Rei de Bamba e seu Secretรกrio


São muitos os diálogos estabelecidos entre os brincantes de Conceição da Barra e a cultura de países africanos, em tempos antigos e nos dias atuais. Há palavras, regiões e rituais que remetem ao Ticumbi. No antigo Império Lunda-Tchokwe, que corresponde atualmente à região Nordeste de Angola, havia um posto administrativo no distrito de Cacolo que se chamava Cucumbi. Na língua local, o fonema /thi/ apresentava sonoridade /ki/, remetendo aos sons da manifestação cultural capixaba. Em Angola, dois rituais femininos nos conduzem à melodia do Ticumbi: o Kubala o kikumbi e o Txicumbi, ambos relacionados ao respeito pelos ancestrais, à fertilidade e aos cuidados com a preparação da mulher para a vida adulta. Txicumbi, em lígua Cokwe, significa iniciação feminina, e seu objetivo é preparar as jovens para o casamento.

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Ainda praticado nos dias de hoje, o Txicumbi é orientado por uma madrinha, chamada Txilombola, que realiza os rituais no retiro da mata, em territórios sagrados. Linguística, geográfica e ancestralmente, as matrizes culturais africanas entrelaçam-se em terras brasileiras, renascem e resistem no solo de Sapê do Norte.

Margens

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Uma linda história

Cortejo em Barreiras

São Benedito e São Bino, o pequeno, aguardam a multidão em um palácio de luz, ao lado do menino Jesus. Chamam seus devotos em oração, desde os tempos da escravidão. São Beneditinho das Piabas, que fora de Benedito Meia-Légua, testemunha a união do povo em busca de libertação.

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Viva o povo liberto! Viva SĂŁo Benedito! Viva o Mestre Terto! Seja bem-vindo, Mestre Berto!

Benedita Gomes dos Santos com SĂŁo Bino


Berto Florentino


Poesia e devoção Convidamos, agora, o povo a aplaudir, acompanhar Mestre Terto ao Baile de Congo conduzir. Rei de Congo e Rei de Bamba, nessa disputa, uma guerra há de se travar. Golpe de espadas, desafios e embaixadas. Nessa luta apenas um há de ganhar e terá o direito de São Benedito festejar.

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Jonas Balbino, Rei de Congo

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30 Renan dos Santos, Violeiro


Fragmentos do Baile de Congo de São Benedito Secretário do Rei de Congo Licença, senhor paciência! Eu peço que a excelência o povo cala Enquanto o Rei de Congo Chega nesta praça e fala! Me vala valoroso Rei de Congo Rei de Congo assim chamado, Que foi rei em Costa d’África E que em Guiné foi apresentado. Me vala o valoroso Rei de Congo! Hoje aqui neste dia, Que vós sois o Rei mais velho E de grande soberania. Rei de Congo Secretário, Secretário! Secretário do Rei de Congo Rei senhor, para que chamastes? Rei de Congo Eu já vivo tão cansado, E cansado eu vivo aflito, Não achamos um assento de cadeira Para descansar, Ao lado do violeiro, Perto de São Benedito. 31


Secretário do Rei de Congo Senhor meu Rei mandei pedir no Palácio do Planalto E a resposta veio ligeiro Me dizendo que lá tem muitos (assentos), Mas só senta ganancioso, Ladrão, bandido e caloteiro E o que está desocupado É porque não se elegeram Então pedi no educandário E logo me atenderam, Foram na sala da diretora. Coitadas das professoras e Também dos professores Que são de classe sofrida, Mas educam o mundo inteiro. Elas educam padre, pastor, Presidente e outros governos Cuidam bem de seus maridos, Esse bando de cachaceiros Ouve bem o que não quer Pra educar os nossos herdeiros Bebe sangue de seus rostos, Professor apanhando de aluno nas escolas Outra morre queimada no fogo Pra educar nossos herdeiros Ganhando uma mixaria Por causa desse bando de injusticeiro Mas como é a segunda mãe E também segundo pai Eles não querem ver nenhum deles no desespero Foram na sala da diretora e pegaram a melhor cadeira E colocaram do lado do violeiro. O senhor pode descansar Que eu descanso por derradeiro. 32


33 Miguel dos Santos


[...] Para, para, para, Que aqui não é botequim nem bazar Aqui não pode fazer festa enquanto meu rei não manda Ô senhor meu rei, se o senhor visse o que eu estou vendo, Que só de ódio meu sangue já tá fervendo. Se o senhor mandar eu ir eu vou E se eu topar com um atrevido Eu trago preso e amarrado pro senhor ser conhecedor. Rei de Congo Secretário, Secretário! Secretário do Rei de Congo Rei senhor, pra que chamastes? Rei de Congo Você vai ao encontro Do Rei de Bamba E venere ele com cortesia. Ele é um rei pagão Com grande malandria. Vai e diz pra ele Que a festa de São Benedito Ele não faz, Que enquanto meu peito resistir, Que essa gloriosa espada clarear, Diante dele há de se dar Tamanho golpe Que a cabeça irá voar. Secretário do Rei de Congo Ô senhor meu rei Agora mesmo eu irei. 34


Eu sou seu vassalo E o senhor, meu rei. E o Rei de Bamba vai ver O quanto ele vai pagar, Se acaso não respeitar As ordens do grande rei. O senhor conhece meu estilo E a minha malcriação, Só falta ajoelhar aos seus pés E tomar sua bênção. Rei de Congo Abençoado seja Deus, Da Virgem Mãe Imaculada, O Glorioso São Benedito Deve ser a sua guia E de toda sua cruzada. Vai meu Secretário, Vai ligeiro e não tenha pressa. Se você encontrar algum contraventor Querendo fazer hora, Você mete essa espada na testa. Secretário do Rei de Congo Já tomei a bênção do meu rei, Já estou abençoado Com a fé no glorioso São Benedito E na Virgem da Conceição, Que esteja comigo em toda caminhada. Ô povo devoto, Toque aí um zambi Que eu quero ver o Rei de Bamba Se ele garante o que diz.

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Chegando às terras do Rei de Bamba... Secretário de Rei de Congo Dá licença, Rei de Bamba, licença queira nos dar, Tenho ordem por escrito para no seu palácio entrar. Secretário do Rei de Bamba De onde tu vens rebolando Parecendo uma rainha de escola de samba? Quando avistar esse palácio, Tu chegas com moderação Que esse é o trono do Rei de Bamba! Rei de Bamba Secretário, Secretário! Secretário do Rei de Bamba Rei senhor, pra quem chamar? Rei de Bamba Diga que vassalo é esse Que em meu trono é chegado. Secretário de Rei de Bamba É o vassalo do Rei de Congo Que vem nos atacando. Ele vem falando em guerra E em guerra ele vem falando. Rei de Bamba Diga a ele que entre para comigo conversar, que a boa e real embaixada, eu mesmo é que posso dar. 36


Secretário de Rei de Bamba Entra pra dentro, embaixador. E não queira de nós fazer um sururu, Porque em terra de Rei de Bamba Não se entra urubu. Secretário do Rei de Congo Rei de Bamba, o meu, o seu, o poderoso Rei de Congo, Rei de Congo assim chamado, Que governa toda a província, país e todos os estados, Por mim mandou dizer Que a festa do glorioso São Benedito vocês não fazem. Enquanto o peito dele resistir E aquela linda e gloriosa espada clarear, Ele lhe dará tamanho golpe que pedaço há de voar. E vocês vão ajoelhar nos pés dele Para ele lhes batizar. Rei de Bamba, eu já lhe dei o meu recado, Que meu rei mandou te dar. Eu estou aqui para falar pouco, mas vou falar quase nada. Essa espada era do meu tataravô, Que morreu faz trezentos anos, Ficou com meu bisavô. Meu bisavô também se foi, Passou para o meu avô. Meu avô foi convocado Para o Ticumbi do senhor. Então passou para o meu pai, Meu pai muito lutou. 37


Arquimino dos Santos, Secretรกrio do Rei de Congo

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Não podendo mais lutar, Para o mestre ele entregou. O mestre passou para mim Para eu ser o vencedor. E eu com ela na mão Vou fazer igual a ele, Seja aqui, seja acolá, Seja em qual lugar eu for. Eu ando devagar e possuo pé ligeiro, Sou igual coelho novo, Só durmo com olho aberto, Não conto por onde eu venho, Que não confio em companheiro, Só confio em Jesus no céu E na Virgem da Conceição, Glorioso São Benedito, que é nosso padroeiro. Por isso, Rei de Bamba, Com essa espada na mão E com a coragem que eu tenho Eu reviro o mundo inteiro. Eu vou te dar um recado Com muita indignação De ver nosso povo sofrendo, Sem emprego e sem feijão, E o dinheiro aos montes Na linha do mensalão.

É criança desnutrida, Sem ter alimentação, O povo sendo humilhado, Na cidade e no sertão,

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E o dinheiro em Brasília, Passando de mão em mão. No Brasil tem por demais É político mascarado, Que tira de quem não tem, Enquanto o rico é poupado, Vai o pobre e vota nele Que é para depois ser roubado. Existe muito corrupto Aqui ou em qualquer lugar, É na bolsa quilombola, É na bolsa família, É no programa fome zero E na merenda escolar. E esses políticos, Não é para se ter perdão, É tomar o que eles têm E jogar na detenção. Comer uma vez por semana, Beber água de três em três dias, Tomar banho de dois em dois meses, Vestir a mesma roupa e ainda dormir no chão. E esses políticos corruptos, Que se diz ser inocente, Deveria ser carimbado E marcado com ferro quente, Deixar dois dentes moles na boca: Um para roer osso E outro para doer na frente. Está faltando competência E remédio nos hospitais, Vergonha já não se tem Respeito não se vê mais.

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Duelo dos Secretรกrios

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Educação nem se fala, Em todas as capitais. Se o pai quer educar o filho, Do jeito que foi educado, Se um vizinho corrupto vê, Corre e vai dar parte à autoridade. Autoridade apanha para criar, Para fazer o que eles bem quer. Se seu filho não aprende, Eles levam para o eucalipto, Chegando deixa na vala Ou no bico do urubu. E a minha situação Não é diferente das outras Aqui no nosso país, Quem trabalha mora preso E quem rouba vive solto. Tudo isso que eu falei, Não tenho medo do resultado. Sou negro com todo orgulho, Nasci e criei na roça, Mas não sou mal informado. Rei de Bamba Secretário do Rei de Congo, Eu vou falar uma coisa Que é de grande repercussão. Tá acontecendo lá em Brasília Com esse tal de mensalão. É tanta roubalheira Que não quer acabar mais não. Quando você chega nos hospitais

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E vê aquela tentação, É tanto paciente sem leito E outros atendidos no chão. O dinheiro roubado É muito da saúde e também da educação. E agora em 2018 está chegando a eleição. Eles vêm com a cara mais sem vergonha, Pegando de mão em mão. A gente tem que aprender a votar, Senão nunca vai acabar essa tropa de ladrão. Secretário, Secretário! Secretário do Rei de Bamba Rei Senhor, pra quem chamar. Rei de Bamba Tira esse vassalo daqui! [...] Vai ao trono do Rei de Congo E venere ele com cortesia. Vai e pergunta a ele por que ele não quer Que festeje São Benedito hoje aqui nesse dia. Se acaso intimar, grande guerra vamos formar, Ou há de morrer e a São Benedito adorar. Secretário do Rei de Bamba Ô senhor meu rei O senhor sabe bem da minha malcriação. Só falta ajoelhar em seus pés E tomar a sua bênção. Ô povo devoto, toca pandeiro e faça uma linda canção, Que vou ajoelhar nos pés dele e tomar sua bênção.

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44 Antônio Carlos Alexandre dos Santos, Secretário do Rei de Bamba


Rei de Bamba Abençoado seja de Deus e também da Virgem Maria, São Benedito é que te leva, Nossa Senhora que te guia. Vai, meu Secretário, vai ligeiro e não tem pressa não. Se você encontrar o Secretário de Rei de Congo no caminho, Você derruba ele no chão. Secretário do Rei de Bamba Já tomei a bênção do meu Rei e já estou abençoado, Com essa espada na mão enfrento qualquer parada. Ô povo devoto toca pandeiro e faz uma linda canção Que vou pegar o Rei de Congo e derrubar ele no chão. Nas terras do Rei de Congo... Secretário do Rei de Congo Ô senhor meu rei, eu já fui e fiz o que o senhor me mandou. Topei esse embaixador no caminho querendo me meter medo. Eu trouxe preso e amarrado para o seu conhecedor. Rei de Congo Você diz pra ele que entre E comigo venha conversar, Que a boa e real embaixada Eu mesmo posso dar. Secretário do Rei de Congo Entra pra dentro, embaixador, Pra você dar sua embaixada, Faça conversa bonita, Não faça pataquada. 45


Se tu ameaçar meu rei, Eu te dou uma surra de espada. Secretário do Rei de Bamba Sempre quando o filho chora, o pai corre pra ajudar, Só que nosso pai é o Brasil que também ouço chorar. O governo manda fazer, mas o Congresso não faz, Porque é um puxando pra frente e dez puxando pra trás. Do jeito que a coisa vai, sem ter respeito e paciência, O Brasil só tem um rumo: é caminhar pra falência. O povo não tem dinheiro, o prefeito diz que também não, Porque o país está quebrado de tanta corrupção. É homem correndo com mala de dinheiro pra não ser assaltado, Sabendo que dentro da mala vai o dinheiro dos desempregados. Já virou descaração, na grana meter a mão. Antes se roubava pouco, hoje se rouba milhões, E o nosso parlamento virou escola de ladrão. A coisa tá tão descarada por conta da impunidade, Que os nossos projetos sociais dependem da oportunidade. Se os nossos governantes vão embolsar uma parte, Esses tem prioridade, E o cara fala mansinho dizendo “não sei de nada”. Mente, mente, e inventa com a cara deslavada, Instruído pelo advogado cada palavra falada. Se o político tá preso, o juiz manda soltar, Atendendo o advogado que pediu pra revogar, E vai pra casa o sujeito em prisão domiciliar.

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Lá nas suas casas eles riem dos brasileiros, Junto com seus comparsas fazem festa com seu dinheiro, E viaja pra onde quer pros confins do estrangeiro. Mas existe um ditado, que é velho e esclarecido: A justiça tem dois pesos e também duas medidas. Se a pessoa é ladra rica, sempre é favorecida, Se o pobre é réu ladrão, fica preso pro resto da vida. E termina tua embaixada, Que o meu rei está me esperando com a cara ensandecida. Ele tá cego de uma vista, querendo se aposentar, Pra não trabalhar mais nessa vida. Rei de Congo Muito mal foi aprendido pra dar sua embaixada. Embaixada quando se dá a um rei são com razões amoderadas. Você vai e diz pro seu rei, que licença eu não te dou, Que eu sou o rei mais velho e foi Deus quem me coroou. Vassalo de Rei de Bamba, Hoje, o povo lá do Norte passa fome, Os grandes culpados são vocês, Que a grande floresta plantaram De cana-de-açúcar e eucalipto. O povo da terra vocês expulsaram! Vocês vão morrer de fome, vão comer erva daninha. De raiz de cana-de-açúcar e nem de eucalipto Não dá pra fazer farinha, E tampouco dá pra criar gado, porco nem muito menos galinha. 47


Foi no dia 27 de abril de 1933, o dia que ele nasceu, Filho de Manoel Jerônimo e Deolinda Balbina do Rosário. Foi na Cidade de São Paulo e no quarto centenário Que assumiu o Baile de Congo De São Benedito, de Conceição da Barra. Com a morte de Luiz Hilário, No baile de Congo de São Benedito, de Conceição da Barra, Muitos negros, devotos, guerreiros Passaram e fizeram história por aqui. E hoje nós temos muito orgulho de fazer parte Desse grupo que se chama Ticumbi. Pra ser um grande líder, tem que ter muita devoção, Ouvir muito e falar pouco e ainda falar com a razão, Pra não decepcionar os brincantes nem causar mal à população. Tem que divulgar o nosso folclore, Aqui na Barra, no Estado e em toda a nação. Eu quero agradecer a nossa bela sociedade Pelo amor e também dedicação De acompanhar o nosso baile de Congo Louvando a São Benedito. Tertolino Balbino é o nome Desse nosso Mestre querido, Sessenta e quatro anos de cultura popular Dos oitenta e cinco anos vividos.

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Hamilton de Oliveira (in memorian)


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Obras Consultadas BARBOSA, A. Dicionário Cokwe-Português. Coimbra: Instituto de Antropologia da Universidade de Coimbra, 1989. KAMUANGA, J. Txicumbi. Cultura: Jornal Angolano de Artes e Letras, Angola, p. 4, 11-24 nov. 2013. M’BOKOLO, E. África Negra: história e civilização (até o século XVIII). v. 1. Lisboa: Vulgata, 2003. MARTINS, J. V. Os Bakongo ou Tukongo no Nordeste de Angola. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2008. OLIVEIRA, O. M. de. Ticumbi: o baile de congos para São Benedito. In: MACIEL, C. Negros do Espírito Santo. 2.ed. Vitória: Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, 2016. SCHIFFLER, M. F. Literatura Oral e Performance: a identidade e a ancestralidade no Ticumbi de Conceição da Barra, ES. 2014. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Letras, Centro de Ciências Humanas e Naturais, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2014. SOUZA, M. de M. Reis Negros no Brasil Hoje: história da festa de coroação de Rei Congo. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2006.

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