Educação para Sustentabilidade

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Janette Brunstein Arilda Schmidt Godoy Helio Cesar Silva (Organizadores)

S達o Carlos 2014


© 2014 dos autores Direitos reservados desta edição RiMa Editora Capa: Emmanuel Augusto de Andrade Rodrigues - Design Gráfico

E21e

Educação para sustentabilidade nas escolas de administração / organizado por Janette Brunstein, Arilda Schmidt Godoy e Helio Cesar Silva – São Carlos: RiMa Editora, 2014. 384 p. il ISBN - 978-85-7656-019-7 – e-book 1. Administração. 2. Ensino. 3. Sustentabilidade. I. Autores. II. Título

COMISSÃO EDITORIAL Dirlene Ribeiro Martins Paulo de Tarso Martins Carlos Eduardo M. Bicudo (Instituto de Botânica - SP) Evaldo L. G. Espíndola (USP - SP) João Batista Martins (UEL - PR) José Eduardo dos Santos (UFSCar - SP) Michèle Sato (UFMT - MT)

www.rimaeditora.com.br

Rua Virgílio Pozzi, 213 – Santa Paula 13564-040 – São Carlos, SP Fone/Fax: (16) 3411-1729


Sobre os autores Organizadores Janette Brunstein Doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo. Professora Pesquisadora do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Administração de Empresas da Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail: janette@mackenzie.br Arilda Schmidt Godoy Doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo. Professora Pesquisadora do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Administração de Empresas da Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail: arilda-godoy@uol.com.br Helio Cesar Silva Doutorado em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor Pesquisador de Administração com foco em Sustentabilidade do Centro Universitário Senac. E-mail: hcos1966@gmail.com

Colaboradores Ana Augusta Ferreira Freitas Doutorado em Engenharia de Produção na Universidade Federal de Santa Catarina. Professora Titular do Curso de Mestrado Acadêmico em Administração da Universidade Estadual do Ceará. E-mail: ana.freitas@uece.br Ana Silvia Rocha Ipiranga Doutorado em Psicologia do Trabalho e da Organização pela Università Alma Mater Studiorum di Bologna. Professora do Curso de Mestrado Acadêmico em Administração da Universidade Estadual do Ceará. E-mail: ana.silvia@pq.cnpq.br Andreza Sampaio de Mello Doutorado em Administração de Empresas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail: andreza_sampaio@yahoo.com.br


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Carla V anessa Pinto de Macedo Vanessa Graduada em Administração de Empresas pela Universidade Estadual do Ceará. Empresária e Consultora Organizacional. E-mail: cvanessamacedo@gmail.com David Bevan PhD Management, King’s College London. Professor at the Europe-China Centre for Leadership and Responsibility (CEIBS), Shanghai, PRC. E-mail: davidjbevan@me.com Delyse Springett Doctor of Philosophy, Durham University. Director, Centre for Business and Sustainable Development, Massey University, New Zealand. E-mail: D.V.Springett@massey.ac.nz Diego de Queiroz Machado Doutorando em Administração de Empresas pela Universidade de Fortaleza. E-mail: diegoqueirozm@yahoo.com.br Diego de Sousa Guerra Mestrado em Administração pela Universidade Estadual do Ceará. Professor na Universidade Federal do Cariri. E-mail: diegoguerra@gmail.com Eliete Carina de Melo Mestrado em Administração de Empresas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professora do Senac/SP e do Instituto Sumaré de Educação. E-mail: carina_demelo@yahoo.com.br Emmanuel Raufflet PhD Management, McGill University, Montréal, Québec, Canada. Associate Professor, Management, HEC Montréal. E-mail: emmanuel.raufflet@hec.ca elzel Evelize W Welzel Doutorado em Administração pela Friedrich-Schiller-Universität Jena, Alemanha. Professora do Departamento de Ciências da Administração da Universidade Federal de Santa Catarina. Pesquisadora do Núcleo de Estudos em Estratégia, Gestão e Sustentabilidade da UFSC. E-mail: ewelzel@hotmail.com


Sobre os autores vii

Fátima Regina Ney Matos Doutorado em Administração pela Universidade Federal de Pernambuco. Professora do Programa de Pós-graduação em Administração da Universidade de Fortaleza. E-mail: fneymatos@globo.com Germana Ferreira Rolim Mestre em Administração de Empresas pela Universidade Estadual do Ceará. Professora da Universidade Federal do Ceará. E-mail: germanarolim@gmail.com Herbert Kimura Doutorado em Administração pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo e Doutorado em Administração de Empresas pela Escola de Administração do Estado de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. Professor Titular da Universidade de Brasília. E-mail: herbert.kimura@gmail.com Jamille Barbosa Cavalcanti Pereira Doutora em Administração de Empresas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professora do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas da Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail: jamillebc@uol.com.br Kátia Lene de Araújo Lopes Mestrado em Administração de Empresas pela Universidade Estadual do Ceará. Coordenadora e Professora da Faculdade Lourenço Filho. E-mail: katialene@gmail.com Ladislau Dowbor Doutorado em Ciências Econômicas pela Escola Superior de Estatística e Planejamento. Professor Titular da Pontifícia Universidade Católica. E-mail: ladislau@dowbor.org Leonardo Fernando Cruz Basso Doutorado em Economia pela New School for Social Research. Professor Titular do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Administração de Empresas da Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail: leonardobasso@mackenzie.br


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Luiz Carlos Beduschi Filho Doutorado em Ciência Ambiental pela Universidade de São Paulo. Professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades e do Programa de Pós-graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo. E-mail: beduschi@usp.br Marta Fabiano Sambiase Doutorado em Administração de Empresas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professora do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail: martafsambiase@gmail.com Pedro Jaime Doutorado em Antropologia Social pela USP e em Sociologia & Antropologia pela Université Lumière Lyon 2. Professor Pesquisador do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Administração do Centro Universitário da FEI e Professor da ESPM-SP. E-mail: pedrojaime@uol.com.br Pedro Roberto Jacobi Doutorado em Sociologia pela Universidade de São Paulo. Professor Titular da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo/Instituto de Energia e Ambiente. E-mail: prjacobi@gmail.com Rafaella Alves Medeiros Alvarenga Mestrado em Administração de Empresas pela Universidade de Fortaleza. Professora da Faculdade CDL. E-mail: rafaella.alves.medeiros@gmail.com Rodrigo Augusto Prando Doutorado em Sociologia pela Universidade Estadual Paulista. Professor do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas da Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail: raprando@hotmail.com Sandra Lays Gathás Carvalho Mestrado em Administração de Empresas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail: mscarval@uol.com.br


Sobre os autores ix

Sumário Introdução .............................................................................................. 1 Parte I – Tendências em Educação para Sustentabilidade .......................... 5 Capítulo 1 – Luta ideológica: o desenvolvimento sustentável no currículo de Administração ............................................................. 7 Delyse Springett Capítulo 2 – Formas de integração da sustentabilidade ao ensino de Administração ................................................................... 16 Emmanuel Raufflet Capítulo 3 – Integrando o conceito de aprendizagem social pelas perspectivas da sustentabilidade e da aprendizagem organizacional ... 28 Andreza Sampaio de Mello e Arilda Schmidt Godoy Capítulo 4 – O MBA One Planet ............................................................ 55 David Bevan Capítulo 5 – Um panorama das discussões sobre educação para a sustentabilidade no ensino superior e nos cursos de Administração ... 79 Sandra Lays Gathás Carvalho, Janette Brunstein e Arilda Schmidt Godoy Parte II – Educação para Sustentabilidade: Aspectos Curriculares e de Ensino-Aprendizagem .......................................... 119 Capítulo 6 – Gestão ambiental e o ensino de Administração ................. 121 Pedro Roberto Jacobi e Luiz Carlos Beduschi Filho Capítulo 7 – Representações sociais e sustentabilidade: o significado do termo para alunos do curso de Administração ........ 136 Fátima Regina Ney Matos, Ana Silvia Rocha Ipiranga, Diego de Queiroz Machado, Germana Ferreira Rolim, Rafaella Alves Medeiros Alvarenga e Kátia Lene de Araújo Capítulo 8 – Abordagem socioambiental nos cursos de Administração de Empresas: uma escala para mensurar a importância percebida pelos docentes ........................... 156 Carla Vanessa Pinto de Macedo, Ana Augusta Ferreira Freitas e Diego de Sousa Guerra


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Capítulo 9 – Afinal, quem são os gestores da responsabilidade social corporativa (RSC)? Implicações para a formação dos administradores .............................................. 174 Evelize Welzel Capítulo 10 – Experiências docentes em educação para a sustentabilidade em escolas de negócios: uma análise à luz dos conceitos de reflexão crítica e aprendizagem transformadora ............................................ 201 Eliete Carina de Melo, Janette Brunstein e Arilda Godoy Capítulo 11 – Sustentabilidade & formação de administradores: diálogos cruzados e a contribuição do ensino-aprendizagem de Sociologia................................................................................... 229 Pedro Jaime Capítulo 12 – A gestão das diferenças humanas nas organizações sob as perspectivas de alunos do curso de Administração ................ 249 Jamille Barbosa Cavalcanti Pereira Capítulo 13 – O ensino da sustentabilidade e o diálogo interdisciplinar com as humanidades ............................................... 273 Rodrigo Augusto Prando Capítulo 14 – Marketing e sustentabilidade: novos desafios para a formação dos administradores .............................................. 297 Helio Cesar Silva Capítulo 15 – O debate sobre a sustentabilidade no ensino de finanças ...................................................................... 315 Herbert Kimura e Leonardo Fernando Cruz Basso Capítulo 16 – Ensino-aprendizagem de estratégia para sustentabilidade ...................................................................... 333 Marta Fabiano Sambiase Capítulo 17 – Entender a Rio+20: balanços e compromissos para a nova geração de administradores .......................................... 361 Ladislau Dowbor


Introdução

A legitimação do ideário da sustentabilidade no campo da Administração A questão da educação para a sustentabilidade em escolas de Administração e a reflexão sobre a prática docente em favor da formação de uma nova geração de profissionais dos negócios – que coloquem na mesma hierarquia de valor e importância aspectos de cunho social, ambiental, político, territorial e cultural tanto quanto os econômicos – é o debate central deste livro. Um repertório de pesquisas e de experiências práticas está em curso em nosso país e no exterior, e merece atenção e espaço para que a iniciativa de reposicionar o que é e o que não é de interesse e responsabilidade dos negócios ganhe força motriz, capaz de fomentar uma nova mentalidade e ação empresarial. O convite desta coletânea é partilhar parte desse repertório, provocando o leitor para uma discussão que não é desprovida de tensões e inquietudes. Na mesma proporção que a ideia âncora do desenvolvimento sustentável se espalha e ganha adeptos, é também cotidianamente refutada, tanto no âmbito das ações individuais, nas microdinâmicas, quanto nas macrodinâmicas sociais, na política, no governo, na economia e, como não, nas organizações empresariais. Tal qual o ideário da democracia, da justiça, da igualdade prescindem de um esforço diário que garanta sua existência, sustentabilidade também exige impulso contínuo. Não se trata de uma meta a ser atingida em um dado momento, mas de um propósito em moto perpétuo. Se este debate pode parecer familiar nas salas de aula das escolas de sociologia, filosofia, ou mesmo em áreas afins como nas ciências biológicas, nas escolas de Administração discussões dessa natureza soam ainda estranhas e, por vezes, até mesmo inadequadas, incompatíveis com o que o universo da gestão representa em nossa sociedade. E aqui termos, então, um ponto central pelo qual toda a discussão desta coletânea perpassa: a legitimação do debate da sustentabilidade no campo da Administração. Qual é, de fato, a demanda por profissionais de administração que atuem em uma perspectiva sustentável? Qual a oferta de trabalho? Estão esses profissionais em cargos e posições estratégicos nas empresas? Qual o espaço que propostas socioambientais ocupam nas organizações? Com que frequência e amplitude são financiadas e levadas a efeito? Além disso, podemos ainda questionar qual o lugar do administrador neste cenário? Ele não é o engenheiro, não é o assistente social, mas terá de lidar com questões


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que envolvem novas tecnologias e atendimento a demandas de ordem social. Qual é a porção que cabe a esse profissional nesse contexto? E nas escolas de negócios, as salas de aula estão abrindo espaço para questões de sustentabilidade? Em que medida? Com que frequência? Em que matérias? Com qual intensidade? De que forma? Com qual propósito? Mas se essas perguntas provocam inquietações, e até podem despertar certo ceticismo, é importante lembrar que ao redor do mundo há educadores e pesquisadores preocupados em endereçar respostas e apresentar caminhos viáveis e interessantes. Os capítulos desta coletânea são um exemplo disso. A despeito do quanto já avançamos ou não na tentativa de repensar a formação do administrador, considerando aspectos que não somente o de maximização do lucro, não se pode negar que vivemos um momento histórico e social muito favorável à construção de novos fundamentos da educação gerencial. Da mesma forma, se a legitimação no campo ainda é um terreno arenoso e não sabemos muito bem até onde vamos conseguir chegar, temos uma certeza: a de que assistimos ao fortalecimento da reflexão acadêmica e das experiências práticas de educação para a sustentabilidade em salas de aula e em cursos de Administração, que paulatinamente crescem em quantidade e densidade. Os leitores encontrarão aqui visões e experiências distintas, de autores brasileiros e estrangeiros. Alguns capítulos apresentam discussões de ordem mais teórica, outros estão mais ancorados em pesquisa empírica. Encontrarão também textos escritos em formato de relato de experiências de docentes, além de trabalhos que ora são mais focados em debater o projeto pedagógico e o currículo de Administração, ora se dedicam a olhar para a sala de aula, os docentes e os discentes. Essa diversidade dará ao leitor a chance de pensar a educação para a sustentabilidade em escolas de Administração sob diferentes enfoques. Embora o livro esteja organizado em duas partes – uma que congrega textos e autores que estão tratando de tendências em educação para a sustentabilidade, outra que foca os aspectos relativos às questões educacionais envolvidas no currículo e processo de ensino-aprendizagem de sustentabilidade –, a apresentação que faremos dos textos nesta introdução seguirá outra lógica, buscando articulá-los em alguns grandes temas. Esta organização temática poderá, inclusive, auxiliar o leitor a decidir sua rota de leitura, que poderá ser diferente daquela traçada pelos organizadores. Dois capítulos privilegiam abordagens teóricas distintas sobre educação para a sustentabilidade: o da pesquisadora neozelandesa Delyse Springett, que traz uma perspectiva crítica sobre as disputas ideológicas que atravessam o debate sobre desenvolvimento sustentável no currículo de Administração, e o de Andreza Sampaio de Mello e Arilda Schmidt Godoy, que examinam o tema a partir da perspectiva da aprendizagem social, explorando o entendimento do mesmo segundo os autores do campo da sustentabilidade e da


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aprendizagem organizacional. Embora esses textos abordem a educação para a sustentabilidade por meio de diferentes enfoques, apresentam ideias que podem ser complementares e instigar articulações entre elas. Outros dois capítulos apresentam o estado da arte da educação para a sustentabilidade nos cursos de Administração: o de Sandra Lays Gáthas Carvalho, Janette Brunstein e Arilda Schmidt Godoy traz uma revisão da literatura sobre educação para a sustentabilidade nas instituições de ensino superior, com especial atenção aos cursos de Administração, e o de Eliete Carina de Melo, Janette Brunstein e Arilda Schmidt Godoy sumariza experiências de sala de aula em escolas de negócios com o propósito de fomentar reflexão crítica e aprendizagem transformadora. Três capítulos destacam questões curriculares na graduação e pós-graduação. O trabalho de Pedro Roberto Jacobi e Luiz Carlos Beduschi Filho descreve duas experiências concretas desenvolvidas na Universidade de São Paulo (USP) discutindo os desafios e as perspectivas da educação para a sustentabilidade no ensino superior, considerando o conceito de aprendizagem social. O de David Bevan traz uma experiência curricular internacional suportada por uma pesquisa-ação em um curso de MBA. Outro colaborador internacional, Emmanuel Raufflet, mapeia quatro formas de integração da sustentabilidade na administração, apontando desafios e ambiguidades no âmbito dos currículos e instituições. Cinco capítulos apresentam experiências de sala de aula focadas em explorar as questões de sustentabilidade em disciplinas específicas do curso de Administração de empresas em nível de graduação. Rodrigo Augusto Prando promove uma reflexão sobre o papel da disciplina Sustentabilidade e Responsabilidade Social na estrutura curricular de um curso de Administração e sua relação com as demais disciplinas que compõem o rol de formação humanística do curso. O capitulo de Pedro Jaime traz uma experiência de ensino-aprendizagem de sociologia no curso de Administração, examinando questões relativas à sustentabilidade, sobretudo em sua dimensão sociocultural. Marta Fabiano Sambiase oferece um relato de experiência no qual desenvolve e compartilha com o leitor a trajetória de construção da disciplina Gestão Estratégica para a Sustentabilidade, a qual envolveu também uma discussão no campo das teorias de estratégia. Helio Cesar Silva apresenta uma discussão teórica sobre marketing sustentável e relata sua experiência ao lecionar disciplinas de marketing, que enfatizem a sustentabilidade, em cursos de Administração. Por fim, Herbert Kimura e Leonardo Basso analisam a relevância da sustentabilidade no contexto da teoria de finanças e, indo além da visão simplista de maximização de riqueza do acionista, apresentam propostas de dinâmicas de sala de aula que incentivem os alunos a pensarem além das fronteiras da teoria tradicional de finanças.


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Quatro capítulos discutem a educação para a sustentabilidade a partir de pesquisas empíricas. A pesquisa de Evelize Weizel em empresas alemãs buscou identificar o perfil do profissional que atua na gestão da responsabilidade social corporativa e verificar como os mesmos adquirem conhecimento para o exercício de suas funções. A partir desses resultados, a autora desenvolve uma reflexão sobre a formação de administradores de empresas que vão atuar no campo da responsabilidade social corporativa. Jamille Barbosa Cavalcanti Pereira discute teoricamente o conceito de gestão da diversidade nas organizações e relata as percepções, concepções, sentimentos e significados que alunos de administração de empresas atribuem a esse tema. Aponta, a partir dos resultados da pesquisa que realiza, implicações para uma prática de ensino que valorize a gestão das diferenças humanas nas organizações. Fatima Regina Ney Matos, Ana Silva Rocha Ipiranga, Diego de Queiroz Machado, Germana Ferreira Rolim, Rafaella Alves Medeiros Alvarenga e Kátia Lene de Araújo analisam os significados da palavra sustentabilidade para alunos do curso de Administração de uma Instituição de Ensino Superior pública com o propósito de evidenciar as representações sociais que a ela subjazem ou dela decorrem, relacionando-as às dimensões sociais, econômicas, ecológicas, espaciais e culturais. Já o estudo de Carla Vanessa Pinto de Macedo, Ana Augusta Ferreira Freitas e Diego de Sousa Guerra teve por objetivo a construção e testagem de uma escala para mensuração da importância da abordagem socioambiental nos cursos de Administração de empresas na percepção dos docentes. No fechamento do livro contamos com o texto de Ladislau Dowbor, que nos convida a pensar os balanços e compromissos da Rio + 20 como desafios para as escolas de negócios. Além disso, o texto de Dowbor oferece um conjunto de indicações que poderão enriquecer nossa reflexão a respeito do papel da sustentabilidade na educação de administradores. Por fim, é importante contextualizar os leitores de que o esforço empreendido nesta coletânea nasceu do projeto “Gestão social, comunidades de aprendizagem e educação para a sustentabilidade: contribuições para a formação da nova geração de administradores”, financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), e que atende ao edital PróAdministração, cujo propósito é estimular a realização de projetos conjuntos de pesquisa e apoio à capacitação docente para ampliar e consolidar o desenvolvimento de áreas de formação consideradas estratégicas no país, como a gestão social e ambiental. Assim, este livro está alinhado às reflexões feitas no nível desse projeto, mas incorpora também autores convidados, nacionais e internacionais, cuja experiência e expertise consideraram-se relevantes.

Janette Brunstein, Arilda Schmidt Godoy e Helio Cesar Silva (Organizadores)


PARTE I TENDÊNCIAS EM EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE



Capítulo 1

Luta ideológica: o desenvolvimento sustentável no currículo de Administração Delyse Springett

Resumo Este capítulo discute a luta ideológica que a educação para o desenvolvimento sustentável nos estudos de administração representa. Foca-se, primeiramente, as perspectivas críticas adotadas e as escolhas pedagógicas de minha atividade de ensino na pós-graduação. A segunda parte do texto debate a práxis, ou seja, como estimular os alunos a perceberem que eles próprios podem ser agentes de mudança. O objetivo é prover uma educação que “faça diferença” por meio de uma teorização crítica que contextualize os objetivos, a estrutura, o conteúdo do currículo e as escolhas pedagógicas feitas, ou seja, uma teorização que contextualize o processo inteiro de planejar e agir, monitorar e refletir (SPRINGETT, 2005).

Defesa de uma teorização crítica Uma abordagem para a educação para o desenvolvimento sustentável que seja robusta o suficiente para motivar os professores a ensinar sobre negócios e sustentabilidade demanda uma teorização crítica, e há dificuldade justamente nessa questão. Perspectivas críticas sobre sustentabilidade e desenvolvimento sustentável revelam os pilares teóricos da racionalidade corporativa que têm colaborado para a relegação das questões ambientais e sociais ao nível de “externalidades”, enquanto a responsabilidade do próprio ensino tradicional de administração no apoio dessa hegemonia é exposta. Portanto, introduzir questões estruturais e a política da sustentabilidade no currículo dos estudos de administração continua sendo problemático: é uma luta ideológica que tenta contestar a “legitimidade” e o legado da teoria ortodoxa da administração (SPRINGETT e KEARINS, 2001). Como a própria sustentabilidade, essa perspectiva afasta-se da ortodoxia convencional. No entanto, pode-se argumentar que a plataforma mais importante para os estudos da sustentabilidade seria ensinar nossos futuros líderes e gerentes corporativos a se tornarem agentes dessa mudança de direção voltada para a sustentabilidade, um papel que às vezes é atribuído a eles (HAWKEN, 1993).


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Parte do “problema” de se introduzir uma teorização crítica do currículo é o fato de ela ser abertamente ideológica. Entretanto, isso não significa que a intenção é cooptar os alunos a uma perspectiva em particular. Os objetivos do programa são emancipadores, voltados para o estímulo de um ceticismo saudável e de um hábito de questionamento crítico que impedem essa cooptação. O objetivo é fazer os estudantes refletirem sobre temas pessoais e temas societais mais amplos, “estender um espelho para o mundo e mostrar a realidade e como ela tem sido produzida e formada em sua própria natureza” (O’CONNOR, 1998, p. 52). Para isso, é necessário prestar atenção em vozes que raramente são empoderadas e escutar perspectivas relacionadas à sustentabilidade e desenvolvimento sustentável que não reflitam somente as visões dos administradores (SPRINGETT e FOSTER, 2005). Essa educação tem um objetivo “político”: ela não alega ter a suposta “neutralidade” do currículo ortodoxo, que auxilia na consolidação da hegemonia social para manter os valores e a ideologia dos grupos sociais dominantes (APPLE, 1979; FIEN, 1993; HUCKLE, 1996; O’CONNOR, 1998; SPRINGETT, 2005) nem perpetua uma imagem “sanitizada” do mundo (WILLMOTT, 1994). O objetivo do curso aqui descrito tem sido emancipar a capacidade dos alunos de se engajarem em questionamentos críticos, e essas reflexões são incluídas no próprio curso, em seu conteúdo e em seu ensino. Os alunos cresceram cercados por um ambiente e uma cultura que a máquina corporativa de relações públicas ajudou a criar; como Beder (2009) demonstrou graficamente, a cultura corporativa tem tomado e comoditizado amplamente a infância, ajudando a criar cidadãos sem sentido crítico. A educação para o desenvolvimento sustentável, portanto, apresenta valores e visões de mundo que ajudam os estudantes a questionarem o mundo em que vivem (SPRINGETT, 2005). É necessário especificar com clareza os objetivos e propósitos do curso: a meta não é ensinar um curso “sobre” teoria crítica per se nem produzir “teóricos críticos”. Em vez disso, um conjunto de ferramentas baseadas no bom senso tem servido como lente para que o mundo seja visto como ele é, ajudando a erguer o “espelho” da teoria crítica que, como O’Connor (1998) observou, mostra a natureza circunstancial do mundo que conhecemos. Para os próprios educadores de administração, isso pode resultar em um dilema do tipo “a galinha e o ovo”, levando à questão de como eles devem se preparar para ensinar perspectivas críticas sobre administração e sustentabilidade se em geral eles próprios não aprenderam essas perspectivas. Também há dificuldades políticas e possíveis consequências para as carreiras dos educadores de administração que promovem uma agenda crítica (SPRINGETT e KEARINS, 2001). Os acadêmicos devem buscar oportunidades de publicação em periódicos respeitados e competir por promoções e recursos para pesquisa, a fim de que haja incursões fora dos limites disciplinares tradicionais


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que representam um risco. Não surpreendentemente, os currículos de administração que começaram a focar no desenvolvimento sustentável têm promovido mais comumente a retórica do ecomodernismo e das mudanças incrementais em vez de adotar uma perspectiva radical: muitas vezes, o foco é a “gerência” da agenda do desenvolvimento sustentável (SPRINGETT, 2006, p. 53). Há outras consequências importantes para o papel do professor. Que tipo de papel devemos assumir, se é para refletirmos os objetivos de uma teorização crítica? E que tipo de escolhas pedagógicas devem ser feitas? Aqui, defende-se que as escolhas pedagógicas que envolvem professores e alunos em métodos de ensino baseados na ação são abordagens eficazes que ajudam a moldar os próprios papéis deles – não por uma definição limitada, mas por prover uma aprendizagem experiencial e por ajudar a criar contextos de aprendizagem democráticos. Os métodos pedagógicos que envolvem ação podem ser vistos mais como um paradigma do que como um conjunto de métodos (NORTON, 2008) – eles dão aos alunos um grau maior de controle sobre seu próprio aprendizado e fornecem uma base para uma tomada de decisões responsável. Em termos do papel do professor, sugere-se aqui que o professor que combina métodos de ação com uma abordagem baseada em teoria crítica é semelhante à classificação de intelectual “orgânico” de Gramsci. O objetivo é permitir que as pessoas vejam o mundo de uma nova maneira, por meio de uma participação ativa na vida prática (GRAMSCI, 1971). Como Huckle observou (1996), tal processo torna-se um questionamento crítico em seu próprio direito. Ele permite-nos explorar as complexidades e consequências da sustentabilidade, levando em consideração as forças econômicas, políticas, culturais, técnicas, sociais e ambientais que promovem ou impedem seus objetivos. Obviamente, o problema não é somente o currículo dos estudos de administração: a dificuldade de se introduzir uma agenda crítica de sustentabilidade é consideravelmente maior. Talvez espere-se que o setor de educação superior, enquanto espaço de conscientização e de crítica da sociedade, assuma o papel de liderança no discurso sobre negócios e sustentabilidade. No entanto, já se salientou que grande parte dessa liderança é cedida a poderosas organizações empresariais em virtude da mudança de rumos cada vez mais reducionista da agenda do ensino superior, caracterizada por competição e valores ditados pelo mercado (ver, por exemplo, CAPRA, 1983; TRAINER, 1990; ORR, 1992; HUCKLE, 1996; COLLINI, 2003). Um resultado disso é a comercialização e comoditização do ensino superior que Slaughter e Rhoades (2004), ao revisarem as mudanças nas universidades dos Estados Unidos, identificaram como “capitalismo acadêmico”. No Reino Unido, o relatório do Higher Education Funding Council for England [Conselho de Financiamento de Educação Superior do Reino Unido] (HEFCE,


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2008), o ”Browne Report” on Higher Education and Student Finance [“Relatório Browne” sobre Educação Superior e Financiamento Estudantil] (2010) e o relatório Higher Education: Students at the Heart of the System [Ensino Superior: Estudantes no Cerne do Sistema] (2011) destacam o crescente controle burocrático do ensino superior, que é visto como um mercado em que a demanda do consumidor (e também os requisitos dos negócios) será soberana (COLLINI, 2010; MCKIBBIN, 2010; COLLINI 2011). Essas tendências não incentivam uma perspectiva crítica nem um foco em sustentabilidade. Entretanto, demonstram a necessidade de os acadêmicos de diferentes disciplinas trabalharem mais proximamente – mesmo enquanto são levados para silos disciplinares concorrentes – para desenvolverem abordagens interdisciplinares críticas à pesquisa e ao ensino da sustentabilidade.

Da teoria à práxis Essas são algumas das implicações ontológicas e epistemológicas de uma teorização crítica do ensino de sustentabilidade nos currículos de estudos de administração que foi adotada em dois cursos de pós-graduação que desenvolvi e ministrei. Aqui, focam-se a práxis e as escolhas pedagógicas feitas para estimular a autorrealização dos estudantes. Meu foco é o curso condensado de dois dias que ensinei na Universidade de Hong Kong, de 2005 a 2010. Para envolver os alunos no debate sobre negócios e sustentabilidade, são preferíveis métodos de ação, pois eles permitem uma aprendizagem experiencial e ajudam a criar contextos de ensino democráticos. Como foi observado, a abordagem dos métodos de ensino baseados na ação pode ser considerada um paradigma para o ensino e a aprendizagem em vez de um mero conjunto de estratégias de sala de aula. Ao mesmo tempo, após vivenciar uma gama de “métodos de ação” voltados à tomada de decisões e à aprendizagem experiencial, tanto os estudantes quanto os professores tornam-se mais competentes na exploração de questões, bem como no esclarecimento e solução de problemas. Estudantes passam a ter maior grau de controle sobre o próprio aprendizado e uma base para uma tomada de decisões responsável. As idades dos alunos do segundo curso variavam de 20 e poucos anos a 50 e poucos anos; alguns já eram gerentes intermediários ou seniores de empresas. Participar da tomada de decisões a respeito da própria aprendizagem, portanto, tem sido bem recebido. O conteúdo do currículo do curso começa e termina com valores – os alunos esclarecem quais são seus próprios valores, compreendendo as mudanças de valores e visões de mundo que levaram ao dilema da sustentabilidade, e os valores que possibilitam a concepção de um futuro mais sustentável para poder abordar a crise. A perspectiva crítica é empregada com o propósito de incitar a capacidade dos estudantes de fazer um questionamento crítico, e


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ela é acrescentada ao curso para que eles incluam suas reflexões sobre o próprio curso, seu conteúdo e seu ensino: o processo torna-se um processo contínuo de aprendizagem para o professor e seus alunos. Um panorama do que uma perspectiva crítica visa a analisar inclui: t

Desafiar crenças tomadas como certas e compreender a natureza circunstancial do mundo que conhecemos.

t

Perguntar como e por que as coisas terminaram sendo construídas da maneira como são atualmente e refletir sobre quem se beneficia e se prejudica com essas circunstâncias.

t

Descobrir quem possui o poder de manter o status quo e como alcançaram e mantêm o poder assimétrico.

t

Entender como os outros são persuadidos a aceitar a perspectiva ou ideologia daqueles que detêm o poder.

Prestar atenção em como as agendas “alternativas” (sustentabilidade e desenvolvimento sustentável, por exemplo) podem ser apropriadas, normalizadas ou “sequestradas”. O conteúdo do curso discute as seguintes áreas: t

Valores da Sustentabilidade

t

Introdução de Perspectivas Críticas

t

O Debate do Desenvolvimento Sustentável: Problematizando um Conceito Contestado

t

Criticando o “Argumento Empresarial” para o Desenvolvimento Sustentável

t

Aprendizagem em Ação: Foco em Você

A “Aprendizagem em Ação” é fundamental nesse curso, e o envolvimento do aluno começa muito antes do início das aulas. Os estudantes recebem todos os materiais do curso e diretrizes claras a respeito do nível de aprendizagem em ação que será utilizado. Uma ampla variedade de leituras pré-curso reforça a natureza interdisciplinar do estudo e introduz uma abordagem discursiva. As dimensões institucionais, sociais, políticas e econômicas da questão da insustentabilidade são analisadas nas leituras, assim como os impactos culturais, espirituais e intelectuais relacionados à mudança de visões de mundo com o decorrer do tempo. Debater o imperativo institucional do desenvolvimento sustentável ajuda os alunos a se conscientizarem a respeito dos papéis das empresas, governos e instituições internacionais que afetam o meio ambiente e as pessoas, pois talvez anteriormente eles tenham classificado alguns desses atores como forças para o bem. A genealogia do desenvolvimento ambiental/sustentável é examinada sob uma ótica crítica.


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A reação do setor empresarial ao dilema também é examinada e problematizada, além do discurso que aborda o “desenvolvimento sustentável” como “crescimento sustentável”. Em geral, os alunos apreciam a discursividade e as novas perspectivas apresentadas por meio das leituras, mas também comentam que normalmente não se pede que eles leiam tanto. O compromisso com as leituras é garantido pela seleção de artigos seminais para serem criticados oralmente, discutidos em aula e incluídos na avaliação geral do curso. Há outros exercícios a serem completados em grupos autosselecionados antes do início do curso. Os alunos formam suas equipes para os debates em aula sobre assuntos préescolhidos e recebem as “regras” do debate, sendo os temas também negociáveis. O principal exercício é realizado em grupo, e os alunos escolhem seus grupos e suas tarefas a partir dos tópicos fornecidos, mas podem negociá-los mais uma vez. Em seguida, eles devem examinar o tópico selecionado sob a “ótica” do conteúdo e do processo do curso. O exercício também requer um grau de pesquisa-ação, como entrevistas com atores relevantes da comunidade mais ampla. No tópico selecionado com mais frequência, faz-se um exame crítico da sustentabilidade em Hong Kong e os alunos são convidados a conceber como se alcançaria uma versão sustentável da cidade. Também anteriormente ao curso, os alunos realizam um exercício pela internet que mede a “pegada ecológica” deles. Assim, eles se preparam para um exercício feito no início da primeira sessão em que, com base em suas “pegadas”, os alunos e o professor do curso posicionam-se fisicamente em um “contínuo” pela sala e discutem suas “pegadas” e o estilo de vida e hábitos de consumo que elas refletem, além de estabelecer metas para o futuro. O contínuo é uma ferramenta de tomada de decisões esclarecedora e útil que pode ser utilizada em qualquer momento do curso para explorar ou solucionar questões. O exercício da “pegada” leva a outra atividade em que os alunos consideram suas “necessidades” e em seguida distinguem “necessidades” de “desejos/ vontades”. Posteriormente, eles analisam o foco atual do mundo desenvolvido em “aspirações” e o significado geral disso. Usando a “hierarquia” de necessidades de Maslow (Maslow, 1943), discutimos os níveis de necessidade dessa hierarquia e onde as necessidades e desejos expressados se encaixam dentro dela. Isso gera um debate sobre autorrealização, ação e metas para o futuro. O conceito de “autoconstrução” de Foucault (1984) é discutido em termos de transformar a si mesmo em um agente de mudanças, e também debatem-se alertas de autores como Bandura (2007) a respeito do fato de o individualismo egoísta ser uma das causas da insustentabilidade social e ambiental. O ensino no estilo de um seminário é a base do curso, com a mobília posicionada em formato de ferradura para permitir mobilidade. O início dos métodos de ação é imediato, com um exercício em que os alunos se apresen-


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tam. O objetivo de cada sessão é exposto e discutido com os alunos antes de seu início, e cada sessão termina com uma avaliação informal da atividade feita por todos os alunos: “O que aprendi de mais importante nessa sessão foi...” ou “Essa sessão me fez refletir sobre...”. Isso ajuda a estabelecer o ambiente adequado para se empregar um paradigma de aprendizagem em ação. Cria-se um contexto de aprendizagem mais democrático, em que o professor também aprende com as perspectivas dos alunos, que contribuem para o desenvolvimento contínuo do curso. Essa técnica também serve como um “ensaio” importante para os alunos que precisam de certo incentivo para manifestar suas opiniões e participar das atividades em classe. Um membro do corpo docente comentou que os alunos que costumavam ficar “quietos” ou não participar encontraram suas “vozes”. Como funcionam os “métodos de ensino baseados na ação”? Em geral, os alunos leem os textos cuidadosamente para fazerem suas críticas e preparam sofisticadas apresentações de slides para a aula. Frequentemente, eles pesquisam na biblioteca e/ou na internet outras leituras sobre o tema para fazer comparações. Formas diferentes de apresentação são escolhidas, às vezes usando-se até encenações, e é comum a incorporação de desafios para o professor do curso e o restante da turma. Após um tempo, decidiu-se que os alunos distribuiriam suas críticas para cada membro da turma para serem itens adicionais em seu conjunto de recursos. As críticas e os debates dos alunos durante o curso mostram que a liderança alterna-se constantemente entre o professor e os alunos. Um estudante comentou: “Não esperava que o curso fosse ser assim... eu percebi que NÓS somos o curso. Os alunos são o curso”, indicando que a meta de aprendizagem participativa estava sendo alcançada e reconhecida. Os debates são conduzidos com entusiasmo e energia e, mais uma vez, desafiam-se as opiniões do professor. As regras do debate tornam-se mais flexíveis e também têm o intuito de incentivar os membros mais reticentes da turma a participar. Uma encenação é feita entre o professor e os grupos de alunos que representam três setores industriais importantes de Hong Kong. O objetivo é que essas “empresas” determinem se vão participar de uma pesquisa sobre responsabilidade social e ambiental que o docente do curso tem realizado com grandes empresas da Nova Zelândia há mais de dez anos. Os alunos recebem uma cópia do questionário da pesquisa, selecionam seu setor industrial e escolhem o papel que vão desempenhar na encenação. Após um tempo de preparação, o professor do curso organiza uma “reunião” com cada grupo e cada indivíduo para discutir a decisão de participar ou não da pesquisa. A encenação estimula os alunos a pensar no nível de ação progressiva que administradores e outros funcionários realmente possuem e nas circunstâncias que afetam as decisões sobre questões de sustentabilidade no local de trabalho.


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Talvez o aspecto mais importante do curso seja o nível de reflexão estudantil que vem à tona. Em casa fase, os alunos participam avaliando o processo e o conteúdo do curso, seus fundamentos filosóficos, os métodos empregados e o estilo do docente, e também refletem sobre sua própria aprendizagem e desenvolvimento. Os alunos valorizam o estilo mais “flexível” da interação e o forte envolvimento que têm no processo. Eles fazem comentários sobre o nível atipicamente alto de envolvimento que tiveram e gostam especialmente das partes do curso que eles mesmos comandam. A avaliação dos alunos também ajuda a determinar se os conceitos complexos da teoria crítica estão sendo compreendidos. Além das avaliações informais mencionadas, um instrumento de avaliação mais formal é apresentado e preenchido anonimamente. Ademais, há também a avaliação formal do curso exigida pela instituição em que esse curso é ministrado. O objetivo é determinar o nível de “legitimidade” que o curso obteve na opinião dos alunos. Perguntas de desenvolvimento e feedback qualitativo revelam quais tópicos estimularam maior ou menor interesse por parte dos alunos e as causas disso. Após o curso, incentivam-se comentários sobre o que os alunos acharam de seu próprio desenvolvimento e compreensão, e eles explicam por que recomendariam ou não o curso a outros alunos. Esse feedback ajuda a ilustrar como as metas de envolvimento, reflexão e ação dos alunos estão sendo alcançadas. Em uma tentativa de “colocar em prática o que eu ensino”, um discurso participativo e democrático e uma preparação para a vida são os objetivos do curso. Isso estimula a contestação dos alunos, promovendo um discurso mais dialético, empoderador e emancipatório em seus objetivos. Os alunos começam a perceber que eles mesmos são agentes na busca por maior sustentabilidade ambiental e social. Uma evidência da seriedade com que eles encaram os objetivos do curso é o intenso contato entre o professor do curso e os alunos após o curso, que continuam debatendo como estão lidando com seus próprios desafios no local de trabalho. Outra evidência é a decisão tomada por vários alunos de abordar uma perspectiva crítica em suas pesquisas para teses de mestrado feitas sob minha supervisão.

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EDUCAÇÃO Capítulo 2PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO 16

Formas de integração da sustentabilidade ao ensino de Administração Emmanuel Raufflet

Resumo Na última década, diversos módulos, cursos e programas relacionados ao ensino de Administração integraram a sustentabilidade a seus currículos. No entanto, essa “integração” apresentou formas e conteúdos bastante variados. Este capítulo tem o objetivo de esclarecer essas ambiguidades, mapeando quatro formas de integração da sustentabilidade ao ensino de Administração. São elas: (1) integração por disciplina, que tem por fundamento a disciplina de negócios (a sustentabilidade é acrescentada como uma dimensão desse corpo de conhecimento); (2) integração baseada na estratégia/ competitividade, em que o fundamento é a estratégia da organização (a sustentabilidade é vista como um benefício em potencial à vantagem competitiva da firma); (3) integração por aplicação, em que as ferramentas gerenciais e as abordagens das disciplinas de negócios contribuem com o enfrentamento dos desafios da sustentabilidade; e, por último, (4) integração sistêmica, tendo por fundamento o desafio sócio-ecológico-econômico definido por meio de uma perspectiva interdisciplinar. Este capítulo pode influenciar a elaboração de cursos e programas e a prática da sustentabilidade no ensino de Administração de duas maneiras. Em primeiro lugar, ele contribui para a superação de uma tendência dominante dos estudos de sustentabilidade no ensino de Administração de focar principalmente em ferramentas e aplicações. Ao fazer isso, este capítulo ajuda a enquadrar esses desafios no nível de elaboração dos cursos e dos programas. Em segundo lugar, este texto auxilia o corpo docente a mapear o que se pretende obter com a integração da sustentabilidade ao currículo de Administração.

Introdução: uma empreitada desafiadora Na última década, muitos programas de graduação, pós-graduação e gestão executiva inseriram módulos, cursos e tópicos relacionados à sustentaO autor agradece à Paola Schmitt Figueiro pelos comentários sobre a última versão deste capítulo.


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bilidade. Além disso, foram criados diversos programas que debatem a sustentabilidade (ver RANDS e STARIK, 2009, para um panorama geral desse processo nos Estados Unidos). Volumes e edições especiais de periódicos que relatam essas experiências e as lições aprendidas foram publicados (WANKEL, 2008; WANKEL e STONER, 2009; Business Strategy and the Environment, 2005; Academy of Management Learning an Education/Edição Especial, 2010), o que reflete essa tendência. Diversos fóruns foram criados para que professores de Administração e Gestão discutissem e compartilhassem suas experiências e, de modo mais geral, refletissem sobre as questões relacionadas à sustentabilidade no ensino de Administração. Essa multiplicação e difusão de cursos, módulos e programas costumam ocorrer em resposta à demanda de órgãos de credenciamento (ver, entre outros, a AACSB –Associação Americana de Universidades e Escolas de Administração) e de organizações empresariais, governos, sociedade e estudantes. Em um nível global, essas iniciativas resultaram de pedidos feitos por instituições como a Global Compact e a Unesco, em particular a Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável desta última (UNESCO, 1997; UNESCO, 2008). Similarmente, os recursos que os professores de administração podem usar como material de ensino relacionado à sustentabilidade também se tornaram mais numerosos (exercícios, casos de ensino, simulações e livros-texto, entre outros – como exemplo, ver os websites Oikos.org e Caseplace.org). Entretanto, a multiplicação desses recursos que abordam a sustentabilidade também originou ampla diversidade de tópicos, de níveis de análise e de ação, de formatos e de processos pedagógicos desses cursos. Em relação aos tópicos discutidos, os cursos relacionados à sustentabilidade variam desde áreas muito técnicas a áreas integrativas. Quanto aos níveis de análise e ação, os cursos podem ser feitos em nível individual, grupal, organizacional, interorganizacional, nacional ou internacional. Quanto ao formato, alguns cursos podem representar tentativas “isoladas” ou ser parte de uma iniciativa mais abrangente de se integrar a sustentabilidade ao currículo como um todo ou, até mesmo, uma maneira de se associar aos movimentos voltados para a criação de um campus mais ecológico. As abordagens pedagógicas desses cursos podem ser um processo de “absorção-transmissão” de áreas mais renomadas do conhecimento. Do outro lado do espectro, as abordagens podem promover a co-construção da compreensão do conhecimento por meio de instrutores e participantes, com maior ênfase no processo de ensino do que no conteúdo. A grande diversidade de cursos relacionados à sustentabilidade e a ampla definição de desenvolvimento sustentável representam uma fonte de inspiração e também de confusão para a integração da sustentabilidade. No fim da introdução da edição especial de Business Strategy and the Environment dedicada à educação para a sustentabilidade, Springett e Kearins (2005, p. 145)


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concluem: “Chegamos à conclusão de que a empreitada em que nos envolvemos era, de determinadas maneiras, desafiadora”. Algumas dimensões dessa empreitada “desafiadora” para professores e educadores da área de negócios estão relacionadas a questões conceituais e à diversidade de programas e experiências que tem sido observada. Em um nível conceitual, o que realmente significa “integrar a sustentabilidade ao ensino de Administração”? Seria algo relacionado à integração da sustentabilidade ao ensino de forma convencional, isto é, inserindo ou adicionando questões e tópicos relacionados à sustentabilidade à educação “clássica” da Administração? Ou seria algo relacionado a uma “mudança de rumo”, ou seja, um questionamento dos pressupostos, da ideologia, do propósito, do conteúdo e do processo de ensino da administração com base nos desafios relacionados à sustentabilidade (GHOSHAL, 2005)? Em um nível pedagógico, em virtude da diversidade de programas, experiências e resultados do aprendizado, o que realmente significa a sustentabilidade no ensino da Administração? Para explicar os desafios conceituais e pedagógicos da integração da sustentabilidade ao ensino da Administração, este capítulo propõe um sistema que mapeia as diversas formas de integração. O restante do texto é dividido em três seções. A primeira seção identifica os desafios conceituais e institucionais/organizacionais mais frequentes relacionados à integração do desenvolvimento sustentável ao ensino de Administração. A segunda seção apresenta um sistema que mapeia quatro formas de integração da sustentabilidade ao ensino da Administração. A seção final destaca as possíveis e potenciais limitações desse sistema para o mapeamento e elaboração da integração da sustentabilidade ao ensino de Administração.

1. Sustentabilidade e o ensino de Administração: desafios conceituais, institucionais e curriculares Neste capítulo, a palavra “integração” é definida, em um sentido mais amplo, como a busca pela coerência em um programa ou atividade pedagógica relacionada a questões de sustentabilidade. A integração da sustentabilidade ao ensino de Administração representa um desafio tanto no nível conceitual quanto nos níveis institucional e organizacional. Os desafios conceituais devem-se às muitas definições e interpretações dos termos “desenvolvimento sustentável” e “sustentabilidade”. Os desafios institucionais e organizacionais resultam do contexto em que os cursos e programas são elaborados, implementados e ensinados, ou seja, o contexto das escolas de administração e universidades/corpos docentes de administração.

Desafios conceituais A Comissão Brundtland (WCED, 1987) definiu desenvolvimento sustentável como um desenvolvimento que “atende às necessidades do presente sem


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comprometer a capacidade das gerações futuras de atenderem a suas próprias necessidades”. Ademais, a Comissão também se referiu aos pilares do desenvolvimento sustentável, que são “interdependentes e se reforçam mutuamente”: o desenvolvimento econômico, o desenvolvimento social e a proteção ambiental. Essa definição tem sido criticada por diversos motivos – por favorecer os humanos em detrimento dos ecossistemas (STARIK e RANDS, 1995), por depender de uma definição de “desenvolvimento” que favorece os países desenvolvidos em detrimento daqueles em desenvolvimento (BANERJEE, 2003) e por sua definição confusa de “necessidades”, que costumam ser definidas de acordo com padrões de consumo ecologicamente insustentáveis e prejudiciais à sociedade. Essa imprecisão fez diversos educadores e pesquisadores de educação questionarem a relevância de educar indivíduos e grupos quanto ao desenvolvimento sustentável, pois educar com foco no desenvolvimento sustentável acarretaria a subordinação da educação à noção vaga e imensamente contestada de desenvolvimento sustentável (SAUVÉ, 1999).

Desafios institucionais O segundo conjunto de desafios aborda as dimensões organizacionais e institucionais das escolas de administração. As críticas às escolas de administração como um todo, e em particular a seus currículos, não são novas. As escolas de administração têm sido criticadas de diversos ângulos, inclusive por focarem em funções e conhecimento especializado em detrimento da prática administrativa per se (MINTZBERG, 2004). Outras críticas incluem a ênfase em um treinamento de indivíduos que leva à arrogância, com consciência limitada a respeito de questões sociais (MINTZBERG et al., 2002), e predominância da pesquisa “científica” em relação à relevância prática – originando um currículo mais especializado e técnico, um foco em abordagens quantitativas (BENNIS et al., 2005). O documentário Trabalho Interno (FERGUSON, 2010) fez uma crítica mais recente, destacando os papeis e responsabilidades ambíguos que diversos reitores e o corpo docente das escolas de administração dos Estados Unidos tiveram na geração das condições que levaram à crise financeira de 2008. Um último conjunto de obstáculos está relacionado ao ethos – a cultura organizacional – da instituição acadêmica/escola de Administração, cujos valores dominantes podem ser, explícita ou implicitamente, contrários aos valores sustentáveis (LOZANO, 2012).

Desafios curriculares Os desafios relacionados à integração ao currículo de Administração não são novos nem específicos ao tema de sustentabilidade. Béchard (2009), em sua pesquisa de duas décadas sobre as formas de integração ao currículo de Administração, concluiu que, apesar dos diversos relatórios que tratam da necessidade de integração da sustentabilidade ao currículo de Administra-


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ção, o progresso obtido foi limitado. Muitos programas adotaram uma das três abordagens para inserir a sustentabilidade no currículo. A primeira abordagem consiste em criar um curso em um programa de Administração já existente, com limitada conexão às questões desse currículo já existente. Essa abordagem ad hoc tem sido adotada com frequência (RAUFFLET et al., 2009). No entanto, é possível que a criação de um curso sobre desenvolvimento sustentável, que inicialmente possa parecer uma solução, pode acabar não tratando questões mais profundas do currículo atual, isto é, dos princípios dos programas existentes. Giaccalone e Thomson (2006) destacaram a diferença entre os pressupostos explícitos e implícitos da ética de negócios nos programas de Administração. Enquanto o currículo implícito refere-se à ideologia e aos pressupostos subjacentes de disciplinas e cursos específicos, um currículo explícito refere-se às tentativas formais e deliberadas de se inserir a sustentabilidade nas conversas e questões de sala de aula. Por conseguinte, podese concluir que, se um curso sobre sustentabilidade for acrescentado a um programa dominado por pressupostos limitados e voltados para o curto prazo, ele não atingirá seu objetivo (GHOSHAL, 2005). A segunda opção é reformular o currículo tendo a sustentabilidade como um pilar. Mais uma vez, o significado polimórfico de sustentabilidade pode dificultar seu papel como pilar de um programa. Quanto às prioridades, os educadores podem achar difícil selecionar quais temas da sustentabilidade são mais importantes para serem abordados no currículo de administração. Quanto à integração dos elementos sociais, ambientais e econômicos da sustentabilidade, a questão é como assegurar que os alunos e os administradores integrem e relacionem essas dimensões tanto em sua forma de pensar como em suas ações. Quanto ao conteúdo, um desafio comum é apresentar aos alunos de administração (que muitas vezes possuem uma especialização excessiva) temas como conservação de energia, mudança climática e biodiversidade, que costumam ser tecnicamente complexos. Em geral, como compreender e criar um curso ou currículo coerente a partir de materiais potencialmente díspares? A primeira seção discutiu os desafios conceituais, institucionais e curriculares da integração da sustentabilidade ao currículo de Administração. São essas dimensões inter-relacionadas que tornam essa empreitada desafiadora. O significado polimorfo de sustentabilidade, os desafios institucionais das escolas de administração e o problema persistente do currículo do ensino de Administração tornam essa integração difícil. O propósito da próxima seção é esclarecer as formas de integração.

2. Mapeamento das formas de integração curricular Antes de mapearmos as formas de integração da sustentabilidade ao ensino da Administração, é necessário mapear o ensino da Administração


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como um campo per se, com base em critérios epistemológicos e analíticos. Por um lado, partindo de perspectivas históricas e epistemológicas, o ensino da Administração é composto de disciplinas de administração (como contabilidade, finanças, economia, recursos humanos, etc.) e está ligado a disciplinas cruciais como estratégia ou administração estratégica (DÉRY, 1992; RAUFFLET e GARCIA, 2005). Essas disciplinas de administração são organizadas ao redor de uma base teórica comum, de certos pressupostos e de ferramentas que visam orientar e informar decisões e ações administrativas e organizacionais. O eixo interdisciplinaridade versus monodisciplinaridade representa o eixo vertical para se diferenciarem os locais em que ocorre a integração da sustentabilidade (Quadro 1). Por outro lado, historicamente, a unidade de análise do ensino de Administração e Gestão tem sido a administração organizacional ou corporativa. As primeiras escolas de administração – como Harvard Business School, HEC Paris e HEC Montreal, entre outras – foram criadas na virada do século XX para atender às empresas que necessitavam de profissionais de qualidade nas áreas de gestão, contabilidade e administração. A divisão de conhecimento nos programas de Administração normalmente reflete as divisões funcionais da própria organização de negócios. A preocupação fundamental do ensino da Administração está relacionada à atuação administrativa nas organizações de negócios. Nos últimos anos, diversos programas de Administração têm almejado treinar administradores para atuarem em diferentes formas de organizações – como cooperativas e organizações de economia social – e para terem motivos diferentes do lucro, indo além do “típico” modelo de negócios (como empreendimentos sociais, inovação social e programas de negócios sociais). Esse modelo inovador, relacionado a organizações que não são de negócios, e suas motivações ganharam importância com a crise financeira e econômica de 2008, que desafiou o modelo dominante. O segundo eixo (horizontal) refere-se à unidade de análise e aborda a questão: “O que deve ser sustentado?”. Esse eixo varia da sustentabilidade de uma organização de negócios bastante preocupada com sua própria competitividade à realização das condições de sustentabilidade de uma sociedade e/ou ecossistema. Em nome da clareza, denominamos este último de “um sistema social e ecológico” (Quadro 1).

Quatro formas de integração A matriz é dividida em quatro quadrantes. A forma de integração identificada em cada quadrante contextualiza a questão da integração de uma maneira diferente. O quadrante inferior da esquerda – integração por disciplina – mapeia a sustentabilidade do ponto de vista de uma única disciplina e responde à seguinte pergunta: como inserir as questões da sustentabilidade em uma


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disciplina em particular? Um exemplo do progresso dessa integração monodisciplinar é a contabilidade ambiental. A pesquisa e o ensino em contabilidade ambiental têm o intuito de prover modelos que estejam adaptados para incluir as externalidades das atividades de negócios, como, por exemplo, poluição ou esgotamento de recursos naturais, nos modelos de contabilidade e nos processos de tomadas de decisões. O quadrante inferior da direita – integração por aplicação – mapeia a integração monodisciplinar da sustentabilidade. Essa aplicação de ferramentas desenvolvidas em uma disciplina de administração tem o objetivo de abordar alguns dilemas da sustentabilidade, como a mudança de comportamento individual ou do grupo em relação à questão ambiental ou social. A meta é debater a seguinte questão: como as ferramentas gerenciais podem contribuir para os desafios sistêmicos de natureza social e ambiental? O marketing social e o marketing ambiental ilustram esse tipo de integração. O marketing de causa (cause-marketing), por exemplo, tem o intuito de sensibilizar indivíduos e grupos ou promover a conscientização a respeito do desenvolvimento sustentável, que pode levar a mudanças comportamentais e, eventualmente, a melhorias sociais e ambientais. Essa forma de integração por aplicação mobiliza ferramentas que foram elaboradas originalmente para uma organização de negócios e fornece um novo propósito a elas – um propósito alinhado com a sustentabilidade social e ambiental. O quadrante superior da esquerda – integração estratégica/competitiva – mapeia a integração das questões de sustentabilidade com foco exclusivo na organização de negócios. O alinhamento entre sustentabilidade e competitividade empresarial é o postulado fundamental dessa perspectiva. Essa abordagem presume que os objetivos da integração da sustentabilidade estarão alinhados com a melhoria da posição competitiva da organização de negócios ou, também, como estratégia para reduzir a ineficiência ou como fonte de diferenciação do produto ou da empresa. Em outras palavras, essa abordagem presume que a posição competitiva da empresa pode se beneficiar das preocupações com a sustentabilidade. Essa forma de integração é interdisciplinar: em contraste com a integração monodisciplinar observada em disciplinas como contabilidade ou marketing, por exemplo, diferentes disciplinas e suas respectivas contribuições são mobilizadas com o objetivo de se conquistar uma vantagem competitiva sustentada. Ao mesmo tempo, o que é sustentado também é de interesse da empresa (WILLARD, 2004). Nesses três quadrantes, tem-se observado bastante progresso. Como exemplo, pode-se mencionar “O MBA Sustentável” – The Sustainable MBA (WEYBRECHT, 2010).


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The Sustainable MBA: The Manager Manager’’s Guide to Green Business (“O MBA Sustentável: O Guia do Administrador para os Negócios Verdes”) é um guia para qualquer pessoa interessada no que o setor de negócios pode fazer e está fazendo no campo de sustentabilidade. É um guia prático com muitas dicas de como se envolver e levar essas ideias para seu trabalho, qualquer que seja ele. Organizado como um curso de Administração, o livro discute a sustentabilidade e suas relações com contabilidade, economia, empreendedorismo, ética, finanças, marketing, operações, comportamento operacional e estratégia, unindo todas as peças do quebra-cabeça que conecta negócios e sustentabilidade e possuindo um formato fácil de usar e compreender. Atualmente, o livro está sendo utilizado por programas e empresas de negócios em todo o mundo. O ponto de partida desses três quadrantes é semelhante ao ponto de partida do currículo do ensino de Administração: as disciplinas de administração e uma imensa preocupação com a busca por uma vantagem competitiva corporativa. Em geral, a integração da sustentabilidade nesses três formatos tem sido feita de maneira gradual, e não de maneira radical. No entanto, o progresso em direção à integração desses três quadrantes depara-se com diversos obstáculos. O primeiro é a falta de maior questionamento sobre o ensino de administração, que tem sido criticado de muitas perspectivas distintas na última década. Em um artigo publicado postumamente, Ghoshal (2005) criticou a predominância do conhecimento teórico, mais semelhante ao científico, em detrimento da prática e a promoção da ideologia da Universidade de Chicago no currículo de Administração. Esse currículo, afirma ele, levou à promoção de uma representação negativa do comportamento humano, a uma visão determinística do comportamento humano e à prevalência de uma ideologia que favorece o valor do acionista em detrimento da criação de valores para outros grupos de stakeholders. A dominação dessa ideologia de curto prazo, e potencialmente destrutiva, está longe de ser compatível com a ideologia de um mundo sustentável. Essas três formas de integração (por disciplina, por aplicação e estratégica) não utilizam uma abordagem adaptativa para lidar com a integração. Na realidade, promovem a visão de que a sustentabilidade precisa ser “acrescentada” ao currículo existente, sem que seja questionada a epistemologia e/ ou o propósito do currículo de ensino de Administração. Os pontos de partida dessas três formas de integração são os próprios currículos; em consequência, essas formas não contribuem para o questionamento dos pressupostos consolidados no ensino de Administração (SAUVE, 1997, 2002).


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EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO

Um segundo grupo de críticas debate o papel do ensino da Administração na ideia de um mundo sustentável. O argumento de que o sistema econômico atual (Capitalismo Tardio) não é ecologicamente sustentável e aumenta as disparidades sociais, econômicas e culturais não é novo (ver CLUBE DE ROMA, 1972; MILLENNIUM ASSESSMENT, 2005, entre outros). Críticas recentes ao ensino de Administração têm destacado os papéis que as Escolas de Administração desempenham na reprodução e amplificação de condições insustentáveis ao manterem a forma atual do ensino de Administração (DOYLE et al., 2011). Pesquisas na área de Administração têm investigado limitadamente como a administração e as organizações podem contribuir para a construção de sistemas econômicos, sociais e ambientais mais inovadores e resilientes (WESTLEY et al., 2006). Quadro 1 Quatro formas de “integração”. Interdisciplinaridade

Como aumentar a sustentabilidade de uma organização de negócios integrando diferentes corpos de conhecimento?

Integração estratégica/competitiva

Como tornar os sistemas socio-ecológicoeconômicos mais sustentáveis? Como tornar os sistemas mais resilientes? Como estimular inovações sociais ou institucionais?

Integração sistêmica

Monodisciplinaridade

Como inserir as preocupações da sustentabilidade em uma única disciplina?

Integração por disciplina ou funcional

Como utilizar conhecimento e ferramentas desse corpo de conhecimento em uma questão ou situação relacionada à sustentabilidade?

Integração por aplicação

Integração do conhecimento/ conhecimento/Esfera de análise

Organização de negócios

Sistema sociosocio-ecológicoecológicoeconômico


Cap 2 – Formas de integração da sustentabilidade ao ensino de Administração 25

O quarto quadrante aborda a integração sistêmica. Refere-se à interdisciplinaridade e a uma mudança do foco analítico das organizações empresariais e competitivas para as condições de sustentabilidade de um sistema sócioecológico-econômico. Essa integração sistêmica enquadra a questão da sustentabilidade como uma questão da sustentabilidade geral do sistema sócio-ecológico-econômico ao elaborar as seguintes perguntas: como tornar os sistemas sócio-ecológico-econômicos mais sustentáveis? Como aumentar a resiliência de um sistema? Como estimular as inovações sociais ou institucionais como possíveis conjuntos de soluções para desafios da sustentabilidade? Enquanto as três primeiras formas de integração são gradativas, essa quarta forma é radical, pois seu ponto de partida não é o ensino de Administração existente nem a perspectiva tradicional de análise do ensino da Administração (isto é, a vantagem competitiva da organização de negócios). Em vez disso, essa quarta forma de integração baseia-se na premissa de que o mais relevante são as interações das sociedades humanas com a biosfera em que organizações empresariais e não-empresariais atuam. Enquanto as três primeiras formas de integração preocupam-se com os efeitos instrumentais, de curto prazo e muitas vezes unidimensionais, a quarta forma visa à construção de relações e ao treinamento de estudantes e administradores para que pensem, ajam e sintam de maneira diferente.

Conclusão e direções futuras Este capítulo identificou quatro formas de integrar a sustentabilidade aos currículos de Administração com base em dimensões epistemológicas (monodisciplinaridade na Administração versus interdisciplinaridade na Administração) e também em esferas de análise (centrado na empresa versus centrado em um sistema mais amplo). Enquanto três dessas formas são formas gradativas de integração, a quarta é radical. Esta seção final identifica as limitações e consequências para os educadores da área de Administração que têm interesse em elaborar cursos de sustentabilidade empresarial. Este capítulo possui suas limitações. Em primeiro lugar, ele foca no próprio currículo e não aborda outros componentes ou dimensões da experiência educacional dos alunos, como iniciativas sustentáveis realizadas no campus. Em segundo lugar, não foca em abordagens e métodos de ensino de Administração como o ensino de caso, o aprendizado baseado em problemas ou as abordagens tradicionais do ensino. Em terceiro lugar, não discute o papel do professor ou educador de Administração. As consequências para a elaboração de módulos, cursos e programas de ensino de Administração são apresentadas a seguir. Primeiramente, a estrutura aqui exposta tem o objetivo de ser utilizada como heurística para a ava-


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EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO

liação de um currículo. Além disso, ela também pode ser empregada para mapear o que está sendo feito, o que mais pode ser feito e o que precisa ser fortalecido ou acrescentado em termos de sustentabilidade no currículo do ensino de Administração. Na última década, surgiram muitas iniciativas voltadas à criação de materiais e programas detalhados de ensino sobre sustentabilidade. É nossa esperança que essa simples estrutura contribua para uma avaliação cuidadosa do que tem sido concretizado e do que precisa ser feito no futuro para que as condições de um mundo sustentável sejam alcançadas. O ensino de Administração já faz parte do problema da sustentabilidade – ele também pode fazer parte da solução.

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EDUCAÇÃO Capítulo 3PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO 28

Integrando o conceito de aprendizagem social pelas perspectivas da sustentabilidade e da aprendizagem organizacional Andreza Sampaio de Mello Arilda Schmidt Godoy Resumo O conceito de aprendizagem social está presente entre os autores que estudam a temática da educação para sustentabilidade, assim como entre os que focam o fenômeno da aprendizagem organizacional. O interesse na aprendizagem social pela perspectiva da sustentabilidade está centrado na compreensão do poder que os processos sociais têm de instigar as pessoas a colaborar, compartilhar ideias, construir entendimentos comuns e promover mudanças positivas. No campo da aprendizagem organizacional, o ato de aprender também é visto como parte de um processo social, ocorrendo por meio da experiência vivida e da vida cotidiana, sendo constituído a partir das relações sociais e informais. Observa-se, então, que essas perspectivas teóricas apresentam pontos em comum e, neste capítulo, examina-se cada uma delas a partir de seus fundamentos e ideias principais para, a seguir, fazer a articulação entre elas.

Introdução Alguns autores que discutem a educação para a sustentabilidade propõem o conceito de aprendizagem social como parte dessa temática (JACOBI, 2003, 2005; PAHL-WOSTL e HARE, 2004; PAHL-WOSTL et al., 2007; JACOBI et al., 2009; SWARTLING et al., 2010). No campo da aprendizagem organizacional, o conceito também está presente, especialmente entre autores que estudam o tema a partir da dimensão psicológica da construção social, como mostram DeFillippi e Ornstein (2003). No âmbito dessa dimensão destaca-se aqui a teoria da aprendizagem social proposta por Bente Elkjaer (2000, 2003a, 2004a, 2004b), por se considerar que ela traz elementos importantes que levam à reflexão a respeito da inserção do tema da sustentabilidade no interior dos cursos de administração, como mostram vários capítulos deste livro. É importante dizer também que o conceito de aprendi-


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zagem social tem suas raízes em diferentes disciplinas das ciências humanas e sociais, estando atrelado às suas vertentes mais interpretativas. No campo da educação, por exemplo, o conceito de aprendizagem social tem sido adotado para articular a educação de adultos com questões sociais. Pela perspectiva da sustentabilidade, a aprendizagem social é entendida como um processo contínuo de ressignificação e reinterpretação de conceitos e informações, que podem surgir tanto do aprendizado em sala de aula quanto da experiência individual de cada aluno. Os autores entendem que o interesse na aprendizagem social no âmbito da sustentabilidade é muito mais do que lidar com estruturas de governança adaptativa, é principalmente compreender o poder que os processos sociais têm de instigar as pessoas a colaborar, compartilhar ideias, construir entendimentos comuns e promover mudanças positivas. Pela perspectiva da aprendizagem organizacional, a aprendizagem também é vista como parte de um processo social, ocorrendo por meio da experiência vivida e da vida cotidiana, sendo constituída a partir das relações sociais e informais. Para Elkjaer (2000), o indivíduo que aprende deve ser entendido como participante de processos sociais que acontecem na vida da organização. Assim, ela entende a aprendizagem como um fenômeno tanto individual quanto coletivo, estando envolvida com a ação, com o pensar, com elementos não discursivos e experiências de linguagem. Este capítulo tem por objetivo apresentar essas duas perspectivas teóricas e analisar a possibilidade de entendê-las como complementares, quando se tem por foco o estudo da educação para sustentabilidade nos cursos de Administração de Empresas. Para atingir esse objetivo examina-se cada uma das perspectivas a partir de seus fundamentos e ideias principais para, em seguida, fechar o capítulo fazendo a articulação entre elas.

Aprendizagem social pela perspectiva da sustentabilidade Neste item foca-se inicialmente o projeto HarmoniCOP (2003a, 2003b, 2003c), o qual introduziu o conceito da aprendizagem social no âmbito da sustentabilidade e tem servido de referência para argumentos de estudiosos da área. Em seguida, são trazidas contribuições complementares de autores, internacionais e nacionais (JACOBI, 2003, 2005; PAHL-WOSTL e HARE, 2004; PAHL-WOSTL et al., 2007; JACOBI et al., 2009; SWARTLING et al., 2010), que discutem a aprendizagem social aproveitando alguns pressupostos do projeto HarmoniCOP, mas também ampliando e aprofundando esse tipo de discussão ao focar em novos aspectos.


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O Projeto Harmonicop O Projeto HarmoniCOP (Harmonizing COllaborative Planning) foi elaborado em 2002 com o objetivo de aumentar a compreensão da gestão participativa de bacias hidrográficas na Europa e gerar informações sobre os processos dessa gestão com participação do público estabelecida pelo European Water Framework Directive (HARMONICOP, 2003a). Envolve 17 equipes de pesquisa em nove países europeus e seus objetivos específicos são: (a) preparar um handbook de metodologias em Participação Pública (PP); (b) fornecer uma visão sobre aprendizagem social; (c) aumentar a compreensão do papel da informação e ferramentas de ICT (informação e tecnologia da comunicação); e (d) comparar e avaliar experiências nacionais de Participação Pública (PP) (HARMONICOP, 2003a). Vale ressaltar que não é propósito deste capítulo analisar na íntegra todos os objetivos do HarmoniCOP, mas, sim, entender a proposta de aprendizagem social introduzida no âmbito do projeto. Nesse sentido, a Figura 1 representa o modelo conceitual da aprendizagem social para a gestão de recursos do HarmoniCOP.

Contexto

Estrutura de governança

Ambiente natural

Processos

Feedback

Envolvimento social

Práticas relacionais

Gerenciamento de conteúdo

Resultados Qualidades relacionais

Figura 1

Qualidades técnicas

Modelo conceitual da aprendizagem social para a gestão de recursos. Fonte: Adaptado de HarmoniCOP (2003a).


Cap 3 – Integrando o conceito de aprendizagem social pelas perspectivas... 31

É importante destacar que o conceito original de aprendizagem social está presente nos trabalhos de Bandura e refere-se à aprendizagem dos indivíduos, que ocorre em contextos sociais por meio da observação e imitação de outros (PAHL-WOSTL et al., 2007). Tendo esse conceito como ponto de partida, os desenvolvedores do projeto HarmoniCOP (2003a, 2003b, 2003c) basearam suas argumentações no construcionismo social, por este assumir que conhecimento, realidade e experiências humanas são construídos socialmente (MATURANA e VARELA apud HARMONICOP, 2003c). Assim, o HarmoniCOP (2003c) defende o “aprender-em-organização”, entendendo que a aprendizagem não está apenas na cabeça das pessoas, mas em suas relações sociais. O modelo da aprendizagem social de acordo com o HarmoniCOP (2003a) refere-se: t

a um processo que envolve um contexto específico em termos de estrutura de governança (atores, regulação e normas culturais) e o ambiente natural;

t

a um processo participativo, social e técnico, que inclui o “aprender fazendo” de uma forma coletiva, exigindo que os atores desenvolvam práticas relacionais baseadas na reciprocidade e no respeito à diversidade; e

t

aos resultados do processo que podem afetar tal contexto.

Pahl-Wostl et al. (2007) entendem esse modelo como um processo interativo, cíclico e de mudança. Para o HarmoniCOP (2003c, p. 8): Aprendizagem social refere-se à capacidade crescente de entidades sociais executarem tarefas comuns relacionadas a uma bacia hidrográfica. É um processo e um resultado. Trata-se de conhecer o contexto e como os resultados da aprendizagem social podem afetá-lo. A sintonia mútua por parte dos atores, entre o social e o sistema físico, é a essência do processo (TRADUÇÃO NOSSA).

A aprendizagem social, neste caso, implica não apenas uma reflexão de como alcançar um objetivo (single-loop learning), mas uma reflexão sobre as próprias metas (double-loop learning) nas inter-relações entre as partes interessadas. Assim, cada participante deve perceber que ele é interdependente e que não pode ignorar os interesses dos outros (HARMONICOP, 2003a). O conceito é focado na interação direta entre pequenos grupos de trabalho, com participantes pertencentes a uma mesma comunidade ou diferentes comunidades de prática. É um conceito que enfatiza a dimensão relacional visando destacar as interações entre indivíduos, grupos interessados e público em


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geral em suas situações complexas, ou seja, a noção básica é “aprender juntos para compartilhar” (HARMONICOP, 2003b). Um aspecto central apresentado na abordagem da aprendizagem social do HarmoniCOP (2003c), além da questão da participação, consiste no foco que é dado ao processo social. Trata-se não apenas do envolvimento dos atores sociais na tomada de decisões, mas principalmente da qualidade das relações que se estabelecem. Outro aspecto desse conceito (HARMONICOP, 2003b) consiste na dualidade entre o social e o natural, no sentido de que as pessoas estão aprendendo a lidar com o outro e suas interdependências, enquanto juntos aprendem a lidar com questões de seu meio ambiente. A perspectiva da aprendizagem social do HarmoniCOP (2003c) não deve ser tratada apenas como aprendizagem cognitiva, mas ser entendida como um processo de mudanças de atitudes, crenças e habilidades. A aprendizagem social, segundo essa perspectiva, consiste em um crescimento de: a) Cognições: não implica apenas competências técnicas, mas inclui o conhecimento do processo social, como, por exemplo, lidar com interdependência. Aprender sobre o estado de alguns problemas, possíveis soluções e eventuais consequências. b) Atitudes: vontade de aceitar as diferenças e colaborar. Busca o desenvolvimento de um sentido de responsabilidade para si e para os outros, um sentido de solidariedade de grupo. c) Habilidades: melhorar as habilidades técnicas para gerenciar e melhorar competências relacionais a fim de lidar de forma construtiva com os diferentes interesses e pontos de vista. d) Ações conjuntas: permitir aos indivíduos contribuir de forma significativa e possibilitar que diferentes grupos e organizações percebam mais e melhor suas intervenções. A ação proposta aqui é convergente com a abordagem da aprendizagem experiencial (KOLB, 1984). É possível dizer que se trata de uma abordagem conceitual ambiciosa para responder aos desafios atuais de sustentabilidade. Combina as contribuições de diferentes grupos das ciências sociais e naturais, incluindo temas como: participação como uma sequência de negociações entre múltiplos atores e definições de problemas de desenvolvimento. Nesse sentido, a aprendizagem social é concebida como uma forma de aprendizagem individual, porém, com consequências sociais. Na interação entre indivíduos e grupos, os significados e valores são desenvolvidos, orientando o próprio processo de aprender (HARMONICOP, 2003c).


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Apesar de a aprendizagem social abordada pelo HarmoniCOP (2003a, 2003b, 2003c) estar relacionada com a compreensão da gestão participativa de bacias hidrográficas e processos dessa gestão com a participação do público, ela tem em seus pressupostos aspectos teóricos que podem embasar outras abordagens da aprendizagem, como a educacional e a organizacional. Aprendizagem social, educação e sustentabilidade Reafirmando o que foi dito anteriormente, o conceito de aprendizagem social trazido pelo HarmoniCOP pressupõe uma dimensão relacional ao enfatizar que o envolvimento dos atores sociais ocorre em um contexto específico e envolve processos participativos, sendo capaz de gerar mudanças de atitudes, crenças e habilidades. Tem ganhado relevância nos discursos relacionados ao meio ambiente, por apresentar uma perspectiva que combina o rigor do método cientifico com as realidades contingentes das políticas. Tem ainda se tornado comum na literatura sobre gestão de recursos naturais por se referir a todos os tipos de processos de aprendizagem e mudança que podem ocorrer em redes ou comunidades de práticas e são influenciados pela estrutura administrativa à qual são submetidos. Para a adoção e efetivação de suas propostas na prática, os autores ressaltam que é imprescindível que essa estrutura organizacional e administrativa proporcione certo grau de estabilidade e segurança, sem ser rígida ou inflexível (PAHL-WOSTL et al., 2007). A noção de aprendizagem social tem sido utilizada para se referir a processos de aprendizagem e mudança, tanto dos indivíduos quanto dos sistemas sociais, pressupondo um processo interativo de feedback entre o aprendiz e seu meio ambiente, no qual o aprendiz muda o ambiente e essas mudanças afetam o aprendiz. Constitui-se num processo interativo e contínuo que compreende vários loops e aumenta a flexibilidade do sistema socioecológico e sua capacidade para responder às alterações do meio ambiente. Inclui a capacidade de lidar eficazmente com as diferenças de pontos de vista, capacidade de resolver conflitos, de propor e implementar decisões coletivas e aprender com a experiência (PAHL-WOSTL et al., 2007). De acordo com Pahl-Wostl e Hare (2004), os elementos necessários para um processo de aprendizagem social bem-sucedido são: a consciência de perspectivas uns dos outros, compreender a interdependência mútua entre atores e a complexidade do sistema no qual estão envolvidos, aprender a trabalhar em conjunto e a confiança. No sentido de incrementar suas argumentações, Pahl-Wostl (2002) considera, juntamente com a abordagem da aprendizagem social, os processos de transformação e de mudança, argumentando que eles são de grande importância para que a sustentabilidade e a gestão de recursos sejam melho-


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radas. Para essa autora, a gestão participativa e a aprendizagem social facilitam a ocorrência de mudanças que envolvem a sustentabilidade em regimes tecnológicos e em configurações institucionais. Destaca ainda que é de fundamental importância considerar os processos de transformação e de mudança, assim como a dimensão humana, quando se trata de alterar instituições e sistemas de regra. Do ponto de vista científico, Pahl-Wostl (2002) ressalta que os pressupostos teóricos da aprendizagem social, associados à ideia da gestão adaptativa, como é o caso do projeto HarmoniCOP, ainda são fracos e fragmentados. Essa fraqueza é atribuída ao fato de que falta uma abordagem interdisciplinar nas ciências sociais e que, embora as ciências naturais tenham conseguido consideráveis realizações no desenvolvimento de seus esquemas conceituais, orientados por uma abordagem holística, falta essa orientação em seus esquemas conceituais. Acrescenta ainda, em sua discussão, a questão da consciência que os atores sociais devem ter de suas interdependências (PAHL-WOSTL et al., 2007), reforçando os níveis de interação entre os agentes. Nesse sentido, autores nacionais (JACOBI, 2003, 2005; JACOBI et al., 2009) têm oferecido relevante contribuição à compreensão do conceito de aprendizagem social, articulando meio ambiente e educação. É possível dizer que o contexto atual, que envolve as questões do meio ambiente, é marcado pela hegemonia de uma racionalidade cognitivo-instrumental, na qual prevalece a ideia de dominação e uso da natureza. Considerando que esse pressuposto ignora as esferas contextuais que estão imbricadas nas práticas sociais, Jacobi et al. (2009) defendem a articulação entre os diversos sistemas de conhecimento, como o engajamento na formação e profissionalização de docentes e demais profissionais que atuam no âmbito educacional. Para os autores, esse posicionamento pode ser concretizado a partir de uma abordagem metodológica interdisciplinar, reconhecendo as complexidades que envolvem os valores e práticas sustentáveis, no sentido de criar o interesse e a integração de uma coletividade diante de suas ações e responsabilidades. De acordo com Jacobi (2005), a relação entre meio ambiente e educação torna-se um desafio, pois exige a construção de novos conhecimentos que abranjam a complexidade e os riscos inerentes aos processos sociais. Essa abordagem coloca o conceito da sustentabilidade dentro de uma perspectiva que considera que as práticas educativas devem ser contextualizadas e problematizadas, por meio de um processo dialógico, visando integrar e fortalecer valores pessoais e coletivos voltados para uma atitude de ação-reflexão-ação em torno da problemática ambiental. Para Jacobi (2005) é preciso desenvolver nas pessoas um pensamento crítico sobre hábitos e práticas sociais, com destaque para a cidadania ambiental e questões da susten-


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tabilidade. Assim, as práticas educativas ambientalmente sustentáveis devem estar assentadas em uma proposta pedagógica que emancipe os sujeitos e desenvolvam criticidades, tendo em vista uma mudança de atitudes e comportamentos. O principal pressuposto do paradigma proposto por Jacobi et al. (2009, p. 68) é que haja diálogo entre os diversos saberes, no sentido de estimular um pensamento crítico e alinhado às necessidades futuras, considerando as complexidades que existem entre os processos naturais e sociais e respeitando as diversidades socioculturais. Para fundamentar esse paradigma, os autores adotam o conceito da aprendizagem social, que “pressupõe a contribuição de diversas áreas de conhecimentos, numa abordagem metodológica interdisciplinar para a compreensão das interfaces e abrangências do campo educativo-ambiental”. Segundo essa perspectiva, a educação ambiental toma forma de um processo intelectual ativo de aprendizado social, que é baseado na reinterpretação e recriação de conceitos e informações que se desenvolvem em sala de aula ou fazem parte da experiência pessoal, promovendo assim uma visão crítica no indivíduo. A conjuntura atual demanda parcerias estratégicas que estimulem práticas que tanto deem ênfase à autonomia e legitimidade de atores sociais quanto se articulem em uma perspectiva de cooperação. Trata-se de criar e viabilizar novas formas de cooperação social (JACOBI, 2003, p. 203) por meio de um processo que exige “o fortalecimento das organizações sociais, a redistribuição de recursos mediante parcerias [...] e a construção de instituições pautadas por uma lógica de sustentabilidade”. Jacobi (2003) baseia suas considerações na noção de aprendizagem social presente nos estudos de Vigotsky, o qual considera que os processos educativos devem se desenvolver por meio das relações entre os sujeitos, e desses com seu meio, gerando assim um conhecimento que é socialmente construído. Esse posicionamento relacional proporciona aos sujeitos o reconhecimento de seus papéis, funções sociais e de sua própria consciência, desenvolvendo um processo que ocorre tanto na esfera individual (relações intrapessoais) quanto na esfera social (relações interpessoais) (JACOBI et al., 2006). Jacobi (2005) atenta para o papel dos educadores na inserção da educação ambiental no contexto educacional, no sentido de preparar os alunos para se posicionarem com discernimento diante da crise socioambiental, tendo por objetivo mudanças de hábitos e práticas, a fim de que a sociedade entenda a sustentabilidade em seu aspecto mais abrangente. Assim, as práticas de educação ambiental devem ser desenvolvidas como sendo parte de um processo educativo que está inserido em um contexto de crise civilizatória, no


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qual se encontra a crise ambiental e a crescente incerteza dos riscos produzidos pela sociedade global. Jacobi et al. (2006) entendem o termo aprendizagem social (ou social learning) como sendo um mecanismo que contribui no processo de construção de tomada de decisão compartilhada, interdisciplinar e intersetorial. Aqui, a aprendizagem social é inserida no contexto da educação formal por meio das práticas socioambientais educativas, que têm se mostrado importantes para o desenvolvimento de uma cultura de diálogo e participação. Trata-se de uma abordagem integradora das relações entre campos subjetivos e intersubjetivos, abrindo possibilidades de desenvolver identidades coletivas em espaços de debates e convivências. A proposta da aprendizagem social discutida pelos autores é de que a escola, embora seja institucional, pode ser um lugar de diálogos horizontalizados, onde haja o exercício de uma aprendizagem participativa permeada pelas experiências dos diversos atores envolvidos. Eles chamam esse exercício de “fazer coletivo”, no sentido de ser uma postura que envolve os atores e suas práticas e que os leva a fomentar novos paradigmas e, principalmente, a desenvolver uma sociedade voltada para a sustentabilidade socioambiental. Esse trabalho coletivo articula elementos como contexto, processos e resultados, promovendo um diálogo reflexivo. Nesse sentido, o principal elemento para a aprendizagem social é a promoção de um trabalho cooperativo, que desenvolva participação coletiva e diálogo entre todos os indivíduos envolvidos em determinado processo. O posicionamento de Jacobi et al. (2006) também tem suas bases no modelo conceitual da aprendizagem social do HarmoniCOP (2003a), que articula em seu processo de aprendizagem o contexto, processos e resultados. Os autores entendem que essa perspectiva promove o aprendizado dos atores, propiciando um melhor modo de uns lidarem com os outros e o reconhecimento do trabalho do outro, na busca de um ambiente sinérgico de negociação. Assim, a aprendizagem social, para eles, é uma construção coletiva, em que posturas, tanto individuais quanto coletivas, devem ser discutidas no sentido de promover ganhos para ambas as partes em um processo de aprendizagem colaborativa. Trata-se de um processo de aprendizagem complexa que, segundo os autores, requer a “recriação e reinterpretação de saberes, informações, conceitos e significados” (JACOBI et al., 2009, p. 71). A fim de explorar o uso e aplicação do conceito de aprendizagem social, 35 participantes reuniram-se em um workshop sobre “aprendizagem social e sustentabilidade”, em junho de 2010, no Stockholm Resilience Center. Dentre os diversos temas apresentados, discutiram-se questões relacionadas à associação entre aprendizagem social, educação, sociedade, gestão de recursos naturais e mudança social (SWARTLING et al., 2010).


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De acordo com Chabay (2010), um dos participantes do workshop, em educação ambiental é preciso nutrir uma curiosidade que leve ao interesse em explorar as questões ambientais, os sistemas sociais e ecológicos. Além disso, é necessário ser provocativo e também oferecer incentivos. O autor destaca que a aprendizagem social é mais eficaz quando as pessoas estão receptivas, sabem aprender e reconhecem que é possível aprender socialmente nos processos de formulação de políticas de outras disciplinas, ou seja, a aprendizagem social tem um papel estratégico na relação entre as disciplinas, tanto as de gestão organizacional como as de gestão ambiental. Essa relação disciplinar é um desafio apontado por Jacobi (2005), pois se trata da busca da transversalidade entre as disciplinas e uma superação da demasiada especialização científica. O autor acredita que a interdisciplinaridade não é suficiente, se não houver a troca e o confronto de saberes disciplinares que consigam superar a visão multidisciplinar. Além desse desafio, Swartling et al. (2010) apontam algumas questões emergentes no que tange a essa temática. A primeira é a complexidade da definição, pois o termo aprendizagem social é muitas vezes alinhado com outros processos sociais e/ou outros campos de pesquisa. Outro desafio é que a aprendizagem social é realizada a partir de uma diversidade de configurações (indivíduos, organizações, comunidades, universidades, políticas governamentais e sociedade), situadas em diferentes escalas, o que torna complexa sua articulação. Os autores ainda ressaltam que é preciso melhorar a compreensão das formas por meio das quais a aprendizagem pode beneficiar a sociedade e o meio ambiente, bem como entender quais tipos de aprendizagens ajudariam a melhorar os resultados de indivíduos, grupos, organizações e sociedades. Tendo em vista as considerações dos autores abordados neste tópico, entende-se que o interesse na aprendizagem social no âmbito da sustentabilidade é muito mais do que lidar com estruturas de governança adaptativa, é principalmente compreender o poder que os processos sociais têm de instigar as pessoas a colaborar, compartilhar ideias, construir entendimentos comuns e promover mudanças positivas. É defendendo esse poder inerente aos processos sociais, que Jacobi et al. (2009), baseados na escola vygotskyana e no modelo conceitual da aprendizagem social do HarmoniCOP, propõem uma educação ambiental com o objetivo de transformação social, sustentando a ideia de que é imprescindível que haja integração dos diversos sistemas de conhecimento e um diálogo entre os diversos saberes. Sumariando as ideias até agora apresentadas, é possível dizer que, no que tange à aprendizagem social, o projeto HarmoniCOP destaca a aprendizagem focada nas relações sociais, no envolvimento dos atores sociais, na


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interação, na dimensão relacional, na preocupação com um contexto específico e com processos participativos, nas mudanças de atitudes, crenças e habilidades. Além desses aspectos, Pahl-Wostl et al. (2007) acrescentam, em sua discussão, a questão da consciência que os atores sociais devem ter de suas interdependências, destacando a importância dos níveis de interação entre os agentes. Jacobi et al. (2009), em uma perspectiva educacional, argumentam que a aprendizagem social deve ser principalmente baseada no processo de ressignificação e reinterpretação de conceitos e informações, que podem surgir tanto do aprendizado em sala de aula quanto da experiência individual de cada aluno. A aprendizagem social conforme abordada pelo HarmoniCOP (2003c) está especialmente focada nas interações diretas (aprendizagem em comunidade), beneficiando-se de conceitos que foram originalmente desenvolvidos para pequenos grupos (dinâmica de grupo). No entanto, teóricos organizacionais tem se esforçado para discutir insights em nível organizacional (aprendizagem organizacional). O desafio para essa mudança de nível individual para o organizacional refere-se ao “como” os significados gerados pelo indivíduo e pequeno grupo podem ser transmitidos para o nível organizacional, preocupando-se também com a maneira pela qual tais elementos serão colocados em práticas locais. Trata-se de um desafio que envolve questões de escala e escopo. Nesse sentido, o próximo tópico abordará a aprendizagem social pela perspectiva da aprendizagem organizacional, tomando por referência os trabalhos de Bente Elkjaer. Examinar o nível organizacional é fundamental no âmbito da discussão proposta neste livro, pois analisar questões envolvidas com a inserção do tema sustentabilidade nos cursos de administração exige entender os espaços universitários enquanto organizações e estar atento para o fato de que a formação dos alunos enquanto gestores tem por foco principal a preparação dos mesmos para o exercício de suas atividades profissionais em diferentes tipos de organizações.

Aprendizagem social pela perspectiva da aprendizagem organizacional Para o entendimento da teoria da aprendizagem social de Bente Elkjaer, primeiramente serão apresentadas as bases teóricas nas quais a autora se inspirou, com destaque para os fundamentos da filosofia pragmática de John Dewey e a teoria dos mundos sociais de Anselm Strauss, que está assentada nos pressupostos do interacionismo simbólico. A partir desse entendimento, serão discutidas as duas metáforas da aprendizagem organizacional que, para Elkjaer (2003a), apresentam limitações, levando-a a organizar uma terceira proposta. Por fim, será examinada a visão da autora para as questões que


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envolvem tensões, conflitos e poder no âmbito do processo da aprendizagem organizacional. Bases teóricas da teoria da aprendizagem social segundo Bente Elkjaer De acordo com Elkjaer (2000), as concepções de Dewey foram desenvolvidas a partir de sua aproximação com a filosofia de Friedrich Hegel. Essa aproximação gerou em Dewey a necessidade de compreender o mundo como sendo um todo coerente, conexo e contínuo, organizado a partir de uma lógica que não era nem “formal”, nem da “verdade”, mas uma lógica dos processos pelos quais o conhecimento é alcançado. Essa lógica foi nomeada pelo autor como “lógica da experiência” e propõe que a origem do conhecimento é a experiência de vida. A filosofia de Dewey está intimamente relacionada ao seu pensamento educacional e à sua noção de aprendizagem, que aqui deve ser entendida a partir da ideia de resolução de problemas que são originados nos conflitos e nas dificuldades da vida social. Para esse autor, a filosofia necessita compreender aspectos da vida cotidiana e, assim, gerar conhecimento e compreensão das ações humanas. Essa é a base a partir da qual Dewey constrói sua teoria pragmática, que, articulada ao seu pensamento educacional, levou-o a prescrever, praticar e incentivar iniciativas pedagógicas no sistema de educação americano (ELKJAER, 2000). O pensamento pragmático de Dewey relativo à esfera educacional, especificamente sobre a maneira “como aprendemos”, está pautado na resolução de problemas para melhorar o mundo, no sentido de que as pessoas, perante um problema e por meio de sua existência, raciocinam de forma a agir, exercendo, assim, o pensamento enquanto instrumento para a ação social (ELKJAER, 2000). Para Dewey (1980, p. 113): Esse agir sobre outro corpo e sofrer de outro corpo uma reação é, em seus próprios termos, o que chamamos de experiência. Nosso conceito de experiência, longe, pois, de ser atributo puramente humano, alarga-se à atividade permanente de todos os corpos, uns com os outros [...]. Experiência não é, portanto, alguma coisa que se oponha à natureza – pela qual se experimente ou se prove a natureza. Experiência é uma fase da natureza, é uma forma de interação pela qual os dois elementos que nela entram – situação e agente – são modificados.

De acordo com Elkjaer (2000), no pragmatismo, qualquer forma de abstração, sejam ideias, teorias ou conceitos, funciona como instrumentos para as ações. As ações, os pensamentos e as ideias são delimitados, seletivos e,


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especialmente, contextuais. Uma ação refletida é criada em relação a uma situação específica ou problema. Esse entendimento sobre pensamento e ação está presente no conceito de experiência e de investigação de Dewey, para quem uma situação de aprendizagem se efetiva principalmente pela experiência, cujos princípios dominantes são continuidade e interação. Assim, o conhecimento se refere à experiência humana, sendo que essa experiência se dá no processo de interação entre o indivíduo e seu meio social. Sendo considerado o maior pedagogo do século XX, Dewey (1976) desenvolveu seu pensamento a partir do campo educacional. Ele criticou a educação tradicional de seu tempo argumentando que esta ensinava um produto acabado, sem compreensão dos modos e meios pelos quais tais produtos foram originados e, principalmente, sem atenção para as mudanças que sofreriam no futuro. Nesse sentido, aprender significa apenas adquirir o que já está incorporado nos livros e na mente dos mais velhos. Ele propôs, então, uma filosofia de educação “nova” ou “progressiva”, como é denominada pelo autor, a qual consiste na relação entre os processos da experiência real de cada indivíduo e a educação. O autor ressalta que os princípios gerais de uma nova educação não resolvem os problemas práticos de condução e direção das escolas progressivas, mas levantam novos problemas, que terão de ser resolvidos com base em uma nova filosofia da experiência. Para ele, um dos problemas da escola tradicional não é a falta de experiência, mas a qualidade dessas experiências, pois a qualidade de qualquer experiência pode ser agradável ou desagradável e pode ou não influenciar experiências posteriores. O aspecto mais importante não é que as experiências sejam agradáveis, mas que elas enriqueçam o indivíduo de tal modo que o prepare para experiências futuras, pois “toda experiência vive e se prolonga em experiências que se sucedem” (DEWEY, 1976, p. 16). Para melhor entendimento de sua concepção de experiência, Dewey (1976, p. 26) aponta dois princípios. O primeiro é o “continuum experiencial” ou princípio da continuidade, que “significa que toda e qualquer experiência toma algo das experiências passadas e modifica de algum modo as experiências subsequentes”. O segundo princípio é a “interação”, a qual atribui direitos iguais aos fatores da experiência – as condições objetivas e as condições internas –, as quais tomadas em conjunto constituem uma “situação”. As condições objetivas são de natureza de ordenar e regular e podem ser controladas pelo educador (são entendidas no livro de Dewey como a matéria de estudo). Já as condições internas, não consideradas na educação tradicional, são entendidas como sendo as condições físicas e sociais do ambiente, as quais contribuem para o conjunto de experiências. Assim, qualquer experiência é um jogo entre os dois grupos de interação. Os indivíduos vivem uma série de situações nas quais há interação entre o indivíduo e objetos e outras pessoas.


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De acordo com Dewey (1976, p. 36-37): Uma experiência é o que é, porque uma transação está ocorrendo entre o indivíduo e o que, ao tempo, é o seu meio [...]. O meio ou o ambiente, em outras palavras, é formado pelas condições, quaisquer que sejam, em interação com as necessidades, desejos, propósitos, aptidões pessoais de criar a experiência em curso.

Os dois princípios para interpretar uma experiência – continuidade e interação – não se separam um do outro, pelo contrário, eles se unem e se interceptam. Nesse sentido, toda experiência deve contribuir para cada pessoa em experiências posteriores de qualidade mais ampla ou mais profunda. A verdadeira situação de aprendizagem, além de ter dimensões longitudinais e transversais, deve conter a dimensão histórica e social, sendo uma aprendizagem ordenada e dinâmica. Baseando-se em Dewey, Elkjaer (2000) entende que, para transformar esses processos – continuidade e interação – em uma experiência de aprendizagem, o indivíduo deve ativamente estabelecer uma ligação com suas experiências anteriores, pois qualquer processo de aprendizagem não se dá a partir de uma página em branco, mas é resultado da interação entre o indivíduo e as condições sociais, num processo de desenvolvimento e mudança do ser humano. Como Dutra (2005) esclarece, o conhecimento está presente em toda ação, que é sempre investigação. Agir envolve pensar e, para que um indivíduo investigue agindo, é fundamental que durante o processo de ação ele investigue pensando. O conhecimento é um dos meios pelos quais o indivíduo resolve suas relações com o ambiente no qual vive, acreditando que existe uma continuidade natural entre as ciências da natureza e as ciências sociais. Ou seja, “a vida social e a ação que tem lugar no meio social são formas naturais por meio das quais os seres humanos enfrentam os desafios do ambiente” (DUTRA, 2005, p. 169). Segundo Dutra (2005), a teoria apresentada por Dewey não é nem uma teoria da lógica no sentido contemporâneo, nem uma teoria do conhecimento no sentido tradicional, mas é uma teoria da investigação. A investigação, segundo Dewey, começa com uma dúvida e termina quando são formadas as condições que eliminam a dúvida, as quais são designadas pelos termos “crença” e “conhecimento”. Dutra (2005, p. 171) esclarece que Dewey define investigação como sendo: A transformação controlada e dirigida de uma situação indeterminada (de dúvida) em outra de tal forma determinada de modo a converter os elementos da situação original em um todo unificado em suas distinções


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constitutivas e relações (uma situação de crença – ou assertibilidade garantida).

A investigação constitui-se em um processo contínuo, progressivo e cumulativo, no qual a solução de um problema pode conduzir a novas situações e investigações, ou seja, a solução de determinado problema pode se tornar um meio para investigações futuras. Além disso, a investigação também apresenta um caráter holístico, pois ela deve ser entendida sempre no contexto das investigações que a precederam (DUTRA, 2005). Elkjaer (2000) reafirma essa ideia enfatizando que se trata de um processo que começa quando sentimos a sensação de que algo está errado, que há algum problema, independente de ser um fato da vida cotidiana ou da ciência. Ela compreende que a investigação é um método para adquirir experiência e construir conhecimentos, que podem ser usados no cotidiano ou em um processo de aprendizagem pretendida. Esse processo de investigação, que exige pensamentos e reflexões sobre a resolução de problemas, que conduz os indivíduos a novas experiências, que estabelece uma ação e uma consequência, culmina, segunda a autora, em um processo de aprendizagem (ELKJAER, 2000). De acordo com Elkjaer (2000), os processos de experiência e investigação abordados por Dewey não estão limitados à mente ou ao corpo, ao conhecimento ou à emoção, ao pensamento ou à ação, mas envolvem todos esses aspectos. A autora entende que a aprendizagem é tanto um fenômeno individual quanto coletivo, que ocorre ao longo da vida e não se limita a ambientes educacionais institucionalizados. Está envolvida com a ação, com o pensar, com elementos não discursivos e experiências de linguagem. Além de se sustentar em Dewey para desenvolver sua compreensão sobre o processo de aprendizagem organizacional, Elkjaer (2003c) também baseia seus argumentos em Anselm Strauss e sua teoria de mundos sociais. Na obra Permutações de Ação Contínua, Strauss (1993), reconhecendo a contribuição de Dewey e Mead, apresenta sua teoria da ação – ou da interação – cujos pressupostos evidenciam não só a ação e a interação, mas a ação e a interação em relação a uma série de fenômenos encontrados em qualquer nível de organização, desde o mais macroscópico ao mais microscópico. Strauss (1993) define ação em duas dimensões: a primeira, “agir abertamente”, que envolve as ações observadas por outras pessoas; e a segunda, “agir secretamente”, ou de modo “reflexivo”, que envolve as ações que não podem ser observadas pelos outros, mas podem ser relatadas. A interação, de acordo com esse autor, significa “estar agindo”, individualmente ou em coletividade, em relação aos outros. Nesse sentido, para Strauss (1993, p. 21)


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“ações são de fato interações entre membros de grupos, não simplesmente ações ou atos individuais”. Ao expor que as ações são incorporadas às interações, que nenhuma ação é possível sem um corpo, que elas são de caráter racional e emocional, que podem ser acompanhadas por interações reflexivas, Strauss (1993) apresenta os pressupostos de sua teoria da ação. Além disso, ele aborda aspectos como a biografia e trajetória, pois entende que as ações são desenvolvidas desde a infância, no sentido contínuo da vida. Destaca ainda que o mundo social é uma representação simbólica, criado e recriado na interação. Traz, portanto, em sua obra o conceito de mundos sociais que inspirou Elkjaer no desenvolvimento de sua teoria da aprendizagem social. Strauss (1993, p. 212) define mundos sociais como “grupos que possuem compromissos compartilhados para a realização de determinadas atividades, compartilhando recursos de muitos tipos para o alcance dos objetivos e construindo ideologias compartilhadas sobre como conduzir o negócio”. Com o olhar nas organizações, Hyusman e Elkjaer (2006) entendem mundos sociais como o termo usado para compreender a vida organizacional que se desenrola entre os membros e o contexto da organização. Os mundos sociais não são unidades ou estruturas sociais, mas um fazer reconhecível a partir de ações coletivas e interações permeadas por um compromisso individual (ELKAJER, 2004a). Como parte do interacionismo simbólico, abordagem característica da Escola de Chicago, a concepção dos mundos sociais também abarca a ideia de conflito e foca, especialmente, os processos que envolvem tensões, segmentação e interseção, como resultado dos compromissos de diferentes mundos sociais para as atividades organizacionais. Strauss (1993) introduz no interacionismo simbólico a abordagem “negociada” à ordem social. O autor considera a arena social como um palco onde os indivíduos praticam suas ações, as quais geram competições e conflitos, mas que pode ser entendida ainda como um local onde os problemas são resolvidos, constituindo-se em um ambiente no qual são estabelecidas trocas de diversas naturezas. Como para Strauss (1993) o processo de negociação é de fundamental importância para a ordem social, ele denominou a arena social como um lugar de “ordem negociada”, pois ali atuam compromissos, transações e acordos variados. Essa ideia das organizações como ordens negociadas fez com que Hyusman e Elkjaer (2006) entendessem a aprendizagem organizacional como processos de negociação, ou seja, as normas que regem a convivência humana não estão postas, mas sustentadas e transformadas durante as interações que ocorrem entre o indivíduo e o meio ambiente, como uma ação de negociação que muda conforme as situações enfrentadas (ELKAJER, 2004a).


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A abordagem dos mundos sociais rejeita o argumento de que é por meio de padrões e participações que o indivíduo se sente parte de uma organização e defende que existem compromissos, metas e ideologias que fazem com que ele se sinta parte do ambiente organizacional. Assim, entender as organizações como arenas sociais permite a identificação de diferentes compromissos para as atividades organizacionais, o que facilita reconhecer as práticas existentes e que propiciam (ou não) o pensamento crítico e a reflexão (BRANDI e ELKJAER, 2006). Também pressupõe o engajamento de pessoas e grupos de trabalho na vida organizacional, entendendo que as relações estabelecidas entre indivíduos e organizações perpassam a estrutura/sistema organizacional, por considerar que os indivíduos, como participantes ativos do processo, podem (ou não) engajar-se na vida organizacional. Inspirada por Strauss, Elkjaer (2003c) entende que a aprendizagem organizacional não deve ser analisada apenas tendo o indivíduo como ponto de partida, mas que ela emerge das transações existentes nos mundos sociais, considerando as ações de aprendizagem no tempo e no contexto em que ocorrem. É a partir desses dois pilares teóricos que Elkjaer (2000, 2003a, 2003b, 2004a, 2004b) desenvolve sua teoria da aprendizagem social, exposta no item A terceira via: uma proposta pragmática para a teoria da aprendizagem organizacional, organizada a partir das reflexões da autora a respeito das concepções de aprendizagem organizacional presentes na literatura vigente. Metáforas da aprendizagem organizacional A literatura sobre aprendizagem organizacional, de acordo com Elkjaer (2003a), apresenta duas abordagens, que podem ser entendidas a partir de duas metáforas denominadas de “aquisição de conhecimento” e “participação”. A primeira abordagem entende que o conhecimento já está armazenado em algum lugar (nos livros, nas bases de dados e na mente das pessoas) esperando para ser transferido e adquirido por aqueles que precisam dele, ou seja, o conhecimento é visto como um recurso. Aqui, o conceito de aprendizagem tem por ponto de partida o indivíduo e sua capacidade para aumentar seus conhecimentos e habilidades. Essa abordagem é dominante na literatura da aprendizagem organizacional e na compreensão de como criar organizações de aprendizagem. Nessa perspectiva, os indivíduos e a organização não são compreendidos como um dependente do outro (ELKJAER, 2003a). Neste caso, a metáfora utilizada para abordar a relação entre indivíduo e organização é associada por Elkjaer (2004a) à ideia da “sopa e o recipiente”. A mente é vista como um recipiente que deve ser ocupado pela substância conhecimento, sendo papel da aprendizagem transferir e adicionar novas substâncias ao recipiente.


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A segunda abordagem – metáfora da participação – é oposta à primeira, pois vai além do indivíduo e foca os processos coletivos presentes nas práticas de trabalho e na vida organizacional. Elkjaer (2003a) esclarece que a metáfora da participação na literatura da aprendizagem organizacional é inspirada no trabalho de Lave e Wenger (1991). Nessa perspectiva, os indivíduos são entendidos como seres sociais, participantes da vida cotidiana e da prática organizacional, sendo esta relação – indivíduo e organização – vista de forma dependente. Aprender é uma parte integrante da estrutura organizacional, da vida cotidiana do trabalho, pois se trata de uma prática e não de um processo cognitivo. Essa perspectiva muda a compreensão do processo de aprendizagem, pois na metáfora da aquisição a aprendizagem ocorre na mente dos indivíduos e na metáfora da participação a aprendizagem faz parte dos padrões de participação dos membros da organização. A aprendizagem organizacional é determinada pela participação dos membros e pelo contexto, o que leva a entender a organização como uma arena de aprendizagem, cujos processos são desenvolvidos dentro de uma comunidade de prática (ELKJAER, 2003a). A figura metafórica aqui é a da corda que é composta por fibras, sendo que as fibras que compõem a corda não são contínuas, mas a corda enquanto unidade é contínua. A corda não tem fibras, mas, se for partida, as fibras serão expostas. Aprender significa movimentar-se no sentido de pertencer a uma comunidade de prática, ou seja, aprender nesse sentido exige a participação em uma rede de relações entre seres humanos e atividades. Assim, o conteúdo da aprendizagem é determinado pelo contexto. No entendimento de Elkjaer (2003a), a primeira metáfora – da “aquisição do conhecimento” – não consegue explicar como é possível à aprendizagem individual gerar aprendizagem organizacional, tendo em vista que indivíduo e organização são vistos como separados. A segunda metáfora – da “participação” – tem dificuldade em explicar “como” se aprende e “o que” se aprende por meio da participação em comunidades de práticas. A autora considera que nas duas abordagens o indivíduo é subordinado à organização, quer pela escolha de aderir à organização como uma entidade sistêmica ou por sua dissolução nas comunidades de práticas (ELKJAER, 2004b). Visando desenvolver um arcabouço conceitual que complemente essas duas metáforas, Elkjaer (2004a; 2004b), com base nos conceitos de experiência e investigação presentes no pragmatismo de John Dewey e na noção de mundos sociais de Anselm Strauss, sugere uma “terceira via”, a qual fornece elementos importantes para se pensar acerca da aprendizagem nas organizações.


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A terceira via: uma proposta pragmática para a teoria da aprendizagem organizacional De acordo com Elkjaer (2000, 2003a, 2004a, 2004b), essa terceira via, denominada pela autora de metáfora da “investigação”, expande a metáfora da “participação”, incluindo em seu escopo aspectos como a ação, o pensamento, a sensação, a emoção e a intuição, reconhecendo também os pressupostos da metáfora da “aquisição do conhecimento”. A noção de aprendizagem organizacional baseada na metáfora da investigação propõe que a aprendizagem exige participação ativa e comprometimento dos funcionários, entendendo que diferentes grupos de trabalhadores têm acesso a diferentes experiências organizacionais. Assim, os funcionários podem apresentar diferentes definições de problemas e soluções, a partir de suas distintas posições organizacionais. Essa ideia de aprendizagem organizacional inclui cognição, emoção, pensar e agir (individual e socialmente), fazendo com que o método de investigação utilizado pelos atores sociais defina o campo da aprendizagem individual e coletiva (ELKJAER, 2003a). Considerando as três metáforas analisadas pela autora é possível visualizar, no Quadro 1, os diferentes elementos que compõem cada uma delas. No âmbito da metáfora da investigação é importante reforçar que, para Dewey (1976), uma situação de aprendizagem se efetiva principalmente pela experiência, cujos processos dominantes são continuidade e interação. Elkjaer (2000) entende que, para transformar esses processos – continuidade e interação – em uma experiência de aprendizagem, o indivíduo deve ativamente estabelecer uma ligação com suas experiências anteriores, pois o ato de aprender não se dá a partir de uma página em branco, mas é resultado da interação entre o indivíduo e condições sociais, envolvendo o desenvolvimento e a mudança do ser humano. Assim, o conhecimento se refere à experiência humana, sendo que esta experiência se dá no processo de interação entre o indivíduo e seu meio social. O que em alguns textos Dewey tinha chamado de “interação” passou a ser denominado, em seus últimos trabalhos, de “transação”. Esta denominação reforça a ideia de que todos os eventos estão sujeitos a alterações e não são independentes um do outro, como na interação, em que as relações são vistas como conexões causais (BRANDI e ELKJAER, 2006). Transação é um refinamento do conceito de “interação”. Em uma transação, os próprios componentes estão sujeitos às alterações, sendo considerados mutuamente dependentes (ELKJAER, 2008). Assim, a experiência, no entendimento de Dewey, é um processo contínuo, uma transação entre indivíduo e ambiente em que ambos se desenvolvem o tempo todo.


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Quadro 1

Metáforas da aprendizagem organizacional.

Teoria da Aprendizagem

Metáfora da Aquisição Aquisição de Conhecimento

Metáfora da Participação

Metáfora da Investigação

Individual

Social

Pragmática

Conteúdo da Aprendizagem

• Aquisição do conhecimento. • Processos cognitivos. • Informação e conhecimento individual sobre as ações para orientar o comportamento organizacional.

Método da Aprendizagem

• Mente do indivíduo. • Aquisição de conhecimento e habilidade. • Indivíduos trabalham com suas estruturas cognitivas.

Relação entre indivíduo e organização

• Independente um do outro.

Organização

Sistema

• Torna-se um praticante, um membro da comunidade de prática. • Participação na vida cotidiana e prática da organização. • Processos sociais. • Contexto específico de um “currículo situado”. • Participar da comunidade de prática. • Prática cotidiana. • Interações. • Participar da prática organizacional.

• Desenvolvimento de experiências. • Relacionar problemas concretos no trabalho. • Evolução do contexto social. • Saber sobre o mundo e tornar-se parte dele (conhecer e socializar).

• Dependente um do outro.

• Inseparáveis. • Indivíduo e organização são produtos e produtores de conhecimento. • Transacional – forma mútua entre indivíduos e organização

Comunidades de prática

• Perguntar para investigar. • Pensamento como base para a ação. • Reflexão necessária para a aprendizagem. • Começa no corpo, na emoção e na intuição. • Tensões e rupturas em situações de investigação como forma de mudar a experiência.

Mundos sociais

Fonte: Adaptado e traduzido pelas autoras, a partir de Elkjaer (2003a, 2004a) e de Brandi e Elkjaer (2011).


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Investigar implica transformar as coisas, fazer avaliações e tirar conclusões (ELKJAER, 2003a). O processo de investigação começa quando sentimos a sensação de que algo está errado, que há algum problema, independente de ser um fato da vida cotidiana ou da ciência. Elkjaer (2000) compreende a investigação como um método que possibilita a aquisição das experiências e a construção dos conhecimentos, que podem ser usados no cotidiano ou em um processo de aprendizagem pretendida. Essa estratégia investigativa, que exige pensar e refletir sobre a resolução de problemas, que conduz as pessoas à obtenção de novas experiências, que estabelece uma ação e uma consequência, culmina, segundo a autora, em um processo de aprendizagem. O resultado de aprendizagem – que implica ganho de conhecimento e de experiência – deve então ser compartilhado com os outros e também envolver a reflexão do próprio sujeito sobre ele. Elkjaer (2003a) esclarece que o pragmatismo de Dewey não rejeita a perspectiva da aquisição de conhecimento, mas defende que a condição para uma aprendizagem se tornar significativa envolve a investigação e a reflexão. Assim, a teoria pragmática engloba não apenas a ação e a prática, mas também o papel da reflexão no ato de aprender. No entendimento de Elkjaer (2000), a aprendizagem é tanto um fenômeno individual quanto coletivo, estando envolvida com a ação, com o pensar, com elementos não discursivos e experiências de linguagem. A aprendizagem deve ser vista como uma relação entre o indivíduo e aspectos sociais, pois os processos de aprendizagem envolvem o indivíduo e a comunidade. No entanto, para a autora, algumas teorias da aprendizagem social tendem a deixar de lado o individuo, focando excessivamente nos elementos sociais. Para ela, não há aprendizagem sem socialização e socialização sem aprendizagem, e destaca que essas atividades têm seu espaço tanto no sistema educacional quanto na vida cotidiana das organizações. Embora seja o individuo quem aprende, ele aprende em situações sociais e por meio da reorganização e reconstrução de sua experiência. Assim, a aprendizagem envolve a prática social de indivíduos que estão engajados em um contínuo esforço de reorganização e reconstrução de sua experiência. A maneira de Elkjaer entender a aprendizagem organizacional também está assentada na teoria dos mundos sociais de Anselm Strauss. Hyusman e Elkjaer (2006) usam o termo mundo social para fazer referência à vida organizacional, que se desenrola entre os membros e o contexto da organização. Os mundos sociais não são unidades ou estruturas sociais, mas um fazer reconhecível a partir de ações coletivas e interações que ocorrem no interior das organizações, permeadas por um compromisso individual (ELKAJER, 2004a).


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Relembrando que Strauss (1993) considera a arena social como um lugar de “ordem negociada”, pois ali atuam compromissos, transações e acordos variados. Hyusman e Elkjaer (2006) compreendem a aprendizagem organizacional enquanto um conjunto de processos de negociação, em que conflitos organizacionais e tensões derivam de compromissos diferentes para diferentes ações, atividades e valores. Assim, as normas que regem a convivência humana não estão postas, mas sustentadas e transformadas durante as interações que ocorrem entre o indivíduo e o meio ambiente, como uma ação de negociação que muda conforme as situações enfrentadas (ELKAJER, 2004a). Esse esforço que envolve contínuas negociações e renegociações criam tensões e conflitos que, por sua vez, se constituem em gatilhos potenciais para a aprendizagem organizacional. É possível dizer que Elkjaer (2004a) contribui com um novo entendimento para a relação indivíduo e organização, sendo esta vista como uma transação contínua que colabora para o desenvolvimento de ambos. Esse entendimento não considera a organização nem como um sistema, nem como uma coletividade, mas como um mundo social feito em conjunto com situações, eventos e todos os aspectos que podem ser tratado no âmbito do binômio tempo– espaço. Esse argumento muda o lócus do processo da aprendizagem da mente do indivíduo para as arenas de ordens negociadas, entendidas aqui como normas que regulam a convivência humana, passando pelas relações sociais e englobando as áreas de conflito e poder. Nesse sentido, a estrutura social da prática organizacional, bem como suas relações de poder e condições para legitimidade, definem possibilidades de aprendizagem (ELKJAER, 2003c). Além de trazer uma nova abordagem para o campo da aprendizagem organizacional, Elkjaer (2004a, 2004b) e Hyusman e Elkjaer (2006) entendem que é necessário um olhar para as questões de tensão, conflito e poder que permeiam o processo de aprendizagem, destacando que tais aspectos têm sido ignorados por algumas correntes da literatura da aprendizagem organizacional. Os autores entendem que a teoria dos mundos sociais é uma teoria de conflito e sua relação com a aprendizagem organizacional tem como cerne o entendimento de que a aprendizagem é resultado de tensões e conflitos que se constituem em gatilhos potenciais para a aprendizagem. Essa teoria também entende que as organizações são vistas como arenas de negociação e a aprendizagem organizacional como processo de negociação (incluindo conflitos) entre diferentes vozes ou mundos sociais. Isso ocorre porque existem vários grupos dentro das organizações, cada um com suas próprias experiências criadas e mantidas por um período de tempo, no qual cada grupo se relaciona com fenômenos específicos de seu próprio quadro de entendimentos. Tais mundos sociais influenciam o aprendizado dentro e entre grupos e comunidades, tanto em formas negativas quanto em formas construtivas.


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Articulação conceitual A Figura 2 foi desenvolvida com o intuito de ilustrar, a partir de um olhar holístico, a possibilidade de pensarmos a relevância da noção de aprendizagem organizacional, sob o enfoque da construção social e no âmbito dos cursos de administração, incorporando-a à reflexão acerca da inserção (ou não) dos objetivos, valores e pressupostos da sustentabilidade no processo formativo dos futuros administradores. Embora neste capítulo a preocupação tenha sido mostrar como o conceito trazido pelos estudiosos da sustentabilidade se alinham àquele defendido por Elkjaer e colaboradores, para pensar a aprendizagem no ambiente organizacional que permeia os cursos da administração de empresas oferecidos pelas universidades, é possível notar, em algumas das experiências apresentadas na Parte II deste livro, indícios de que as ações desenvolvidas pelos docentes trazem elementos presentes nas duas perspectivas.

Organização ( Universidade) Cursos de administração de empresas

Participação

Conte xt o Organizacional

Comprometimento

Tensões Conflitos Poder

Ordens negociadas

Aprendizagem Social

Sustentabilidade -Mudança - Reinterpretação - Recriação - Abordagem interdisciplinar - Práticas educativas

Figura 2

-Sujeito e meio socialmente construídos -Aprendizagem nas relações sociais - Aprendizagem sé dá de modo individual e coletivo - Interação - Interdependência -Experiência -Mudança de atitudes, crenças e habilidade

Organizacional -Experiência -Reflexão -Pensamento -Inquérito -Avaliação

Integração dos pressupostos da aprendizagem social. Fonte: Elaborada pelas autoras.


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Como, neste livro, se busca pensar as questões da sustentabilidade no âmbito das organizações universitárias, acredita-se que o entendimento teórico da(s) organização (ões) deva estar atento aos elementos destacados no primeiro círculo – denominado “Organização (Universidade) – Cursos de administração de empresas” – e que constam da Teoria da Aprendizagem Social desenvolvida por Elkjaer e colaboradores. Este arcabouço teórico define a organização enquanto mundo social regido por ordens negociadas que ocorrem a partir de mecanismos de aprendizagem nos quais estão presentes (ou não) a participação ativa e o comprometimento dos funcionários (com ênfase especial aos professores). Além disso, é importante retomar que Elkjaer (2003c) propõe que a aprendizagem organizacional não deve ser analisada apenas tendo o indivíduo como ponto de partida, mas considerando também o contexto organizacional que é visto como propulsor da aprendizagem para socialização e desenvolvimento dos atores organizacionais. A teoria proposta por Elkjaer (2004ª, 2003b) procura focar também fenômenos que envolvem tensão, conflito e poder, tendo em vista que os mundos sociais são entendidos como arenas que coordenam ações coletivas por meio de compromissos com atividades organizacionais. Considera-se que essa perspectiva teórica é relevante para aprofundar a reflexão a respeito do posicionamento da organização e dos atores organizacionais nos processos da aprendizagem individual e coletiva que permeiam os processos de inserção do tema sustentabilidade em cursos de administração de empresas. O círculo menor apresenta os principais elementos que orientam a discussão da aprendizagem social, indicando os pressupostos pela perspectiva da sustentabilidade e pela perspectiva organizacional. Na perspectiva da sustentabilidade, a aprendizagem social assume uma dimensão relacional focada na interação dos atores sociais, na preocupação com um contexto específico e com processos participativos. No exame desse processo interativo cíclico há de se observar mudanças de atitudes, crenças e habilidades (HARMONICOP, 2003c; PAHL-WOSTL et al., 2007). Os autores alinhados com essa concepção, como Jacobi et al. (2009), argumentam que a aprendizagem social está baseada no processo de recriação e reinterpretação de conceitos e informações, que podem surgir tanto do aprendizado em sala de aula quanto da experiência individual de cada aluno. A abordagem interdisciplinar discutida por Chabay (2010) dentro da lógica da aprendizagem social tem papel estratégico no que tange à relação entre as disciplinas, desde as de gestão organizacional quanto as de gestão ambiental. Essa relação disciplinar é vista por Jacobi (2005) como um desafio, pois se trata da busca de transversalidade entre as disciplinas e de superação da demasiada especialização científica. O autor acredita que a interdisciplinaridade não é suficiente, se não houver a troca e o confronto de saberes dis-


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ciplinares que consigam superar a visão multidisciplinar. Essa abordagem, de acordo com Jacobi (2005), considera as práticas educativas de forma contextualizada e problematizada, por meio de um processo dialógico, visando integrar e fortalecer valores pessoais e coletivos voltados para uma atitude de ação-reflexão-ação em torno da problemática ambiental. Esses aspectos trazidos pelos autores que abordam a aprendizagem social dentro da perspectiva da sustentabilidade poderão contribuir para o entendimento de como se dá a construção dos currículos e conteúdos adotados pela universidade e seus professores, de forma a entender a inserção do tema sustentabilidade, bem como as dificuldades enfrentadas nesse processo. A perspectiva da aprendizagem organizacional a partir da teoria da aprendizagem social proposta por Elkjaer (2000, 2003a, 2004a) complementa a proposta apresentada pelos autores da sustentabilidade, incluindo a noção de que o aprender – individual e coletivo – está pautado na resolução de problemas que envolve, necessariamente, o pensamento reflexivo. Seguindo o pensamento de Dewey, a reflexão, neste caso, tem a função e a finalidade de encontrar respostas, de descobrir, trata-se de uma busca que leve o indivíduo a um grau de esclarecimento pessoal. Ainda que esse esclarecimento já esteja absolutamente claro aos demais, é o sujeito inquiridor que precisa ir à busca de satisfação para seus anseios, é ele quem deve investigar e descobrir respostas. Aqui, indivíduos (em especial, os professores e alunos) e organização (a universidade, em especial, o curso de administração) não podem ser separados, pois os dois são produtos e produtores de conhecimento. O pensamento e a reflexão são, portanto, considerados importantes recursos intelectuais para que a aprendizagem ocorra. Para melhor explicitação da Figura 2, considera-se que os aspectos que são apresentados no meio do círculo referente à aprendizagem social dizem respeito aos elementos comuns para o entendimento desse conceito, tanto pela perspectiva da sustentabilidade quanto pela perspectiva organizacional. Nas duas perspectivas, a aprendizagem é entendida como um fenômeno individual e coletivo, desenvolvida por meio de interações. Elkjaer (2000) argumenta que os processos de aprendizagem envolvem o indivíduo e a comunidade e que, embora seja o indivíduo quem aprende, esse aprender se dá em situações sociais, por meio da reorganização e da reconstrução de sua experiência, entendendo-se que é no seio do contexto social que acontecem os processos de aprendizagem. O conceito da aprendizagem dos autores da sustentabilidade (HARMONICOP, 2003b; PAHL-WOSTL et al., 2007) também é focado na interação entre indivíduos e grupos. A aprendizagem social é concebida como uma forma de aprendizagem individual, porém, com consequências sociais. A noção básica é “aprender juntos para compartilhar”.


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Além da interação, Pahl-Wostl et al. (2007) acrescentam, em sua discussão, que os atores sociais devem ter consciência de suas interdependências no que tange ao processo de aprendizagem social. Na esfera organizacional, Elkjaer (2004a) não considera a organização nem como um sistema, nem como uma coletividade, mas como um mundo social feito em conjunto com situações, eventos e todos os aspectos que podem ser tratados no âmbito do tempo e espaço, de modo interdependente. A aprendizagem social, de acordo com Jacobi et al. (2006), é também permeada pelas experiências dos diversos atores sociais. Elkjaer (2000) destaca que a experiência não tem a ver simplesmente com um aspecto consciente ou verbal, mas será adquirida por meio de uma reflexão consciente. Para transformar esse processo em uma experiência de aprendizagem, o indivíduo deve ativamente promover uma ligação com suas experiências anteriores e estabelecer mudanças. A inserção desses aspectos dispostos em diferentes planos, porém, entendidos como articulados e imbricados, ao mesmo tempo em que permite delimitar os espaços dos atores organizacionais, também possibilita que o tema sustentabilidade no âmbito de um curso de administração de empresas seja melhor compreendido, principalmente no que se refere à sua inserção, dificuldades e aprendizagens, tanto no nível individual quanto coletivo.

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Capítulo 4

O MBA One Planet David Bevan

Resumo Este capítulo contribui para temas fundamentais desta coletânea, focando em particular o vínculo entre gestão de negócios sustentáveis e ensino superior, os desafios para a prática da administração de negócios e as consequências para, neste caso, o currículo de MBA. Com base em recordações da prática, na interpretação do discurso institucional e em entrevistas contemporâneas, discute-se especificamente a evolução contextual do MBA One Planet (OPMBA) da Escola de Administração da Universidade de Exeter. Seguindo o ethos evidente do projeto OPMBA, abordei a elaboração e a apresentação do capítulo como um trabalho de pesquisa-ação, dialogando com diversos participantes e stakeholders. O resultado é uma dissertação colaborativa e polifônica que pode ser tanto uma homenagem experimental quanto um guia prático e empírico.

Prólogo do autor Desde a recente virada do milênio, diversas mudanças têm sido observadas e crescentemente reconhecidas pela sociedade humana. Com base nas verdades inconvenientes a respeito da mudança climática, na restrição de recursos e no crescimento populacional, uma agenda de sustentabilidade global tem emergido e conquistado certa ortodoxia (PORRITT, 2006). Juntamente com as repercussões dos escândalos empresariais de 2001-2003 e as irregularidades do mercado em 2007-2009, essa agenda parece ter provocado, paralelamente, um fluxo constante de questionamento circunstancial a favor da sustentabilidade nas práticas administrativas. No campo do ensino superior, houve algumas contestações ao modelo de Schumpeter de capitalismo explorador ou destrutivo e maior interesse na atuação das escolas de Administração e Gestão na perpetuação (ou contestação) dessas tendências. Administrar não é mais visto como uma coleção de técnicas de valores neutros; o ensino da administração admite sua cumplicidade na criação – e destruição – de valores. Concluiu-se que, para cursos de treinamento de administração avançados, como o curso de MBA, um ensino falho ou teorias ruins contribuem positivamente para a construção da integridade de maus administradores (GHOSHAL, 2005). Como implicação dessa linha de crítica, o currículo dominante do MBA meramente inculca e consolida técnicas e


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tecnologias associadas ao ilimitado capitalismo de mercado e seus objetivos exploradores de curto prazo, focados no trimestre. Seguindo esse raciocínio, um comentarista observa o seguinte: É um truísmo afirmar que a mudança está mais acelerada do que nunca, no entanto, é evidente que o pensamento a respeito de organizações e da administração não conseguiu acompanhar esse ritmo. As Escolas de Administração do mundo ocidental continuam ensinando métodos que foram desenvolvidos para lidar com um mundo que não existe mais, e o pensamento administrativo das nossas grandes organizações continua baseando-se em um conjunto de disciplinas e métodos que são irremediavelmente inadequados para enfrentar os desafios atuais (HOVERSTADT, 2008, p. 3). Podem-se sugerir diversas abordagens metodológicas para essa prática aparentemente redundante com base nessa gama de desafios. Para se enquadrar e compreender a complexidade do que seria inovar a administração e o ensino tradicionais, pelo menos uma prática mostra-se coerente e consistente com o ethos da sustentabilidade e a necessidade de mudar ou melhorar continuamente a administração e o aprendizado: a pesquisa-ação. De acordo com Carr e Kemmins (1986), pesquisa-ação: (…) é simplesmente uma forma de questionamento, de autorreflexão, feita por participantes de situações sociais com o objetivo de melhorar a racionalidade e a justiça de suas próprias ações habituais, sua compreensão dessas ações e as situações em que as ações são observadas (...) (p. 162).

Os antecedentes teóricos na área de educação remontam ao trabalho de Donald Schön (1983) e Kurt Lewin (1948). A pesquisa-ação não tem o objetivo de ser um procedimento nem um método por si só. Na realidade, essa classificação a confina às limitações dos métodos de pesquisa empíricos/analíticos. Ela é, como sugiro aqui, uma prática ou abordagem que emerge continuamente, como a própria realidade. Então, no campo de ensino e desenvolvimento da administração, em uma área de ortodoxia, encontram-se os Dez Princípios para o Desenvolvimento Sustentável do Pacto Global da Organização das Nações Unidas (2000, 2003), que listam diversos princípios para os negócios sustentáveis. Esses princípios transformaram-se nos Principles for Responsible Management Education [Princípios para a Educação da Gestão Responsável], formando-se um guia para o ensino. Desde sua publicação, em 2007, essas normas têm sido amplamente adotadas por Escolas de Administração e Faculdades de Gestão. Ao focar menos o status quo aparentemente falho e mais a discussão dos Objetivos do Milênio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimen-


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to(2000),1 desenvolveu-se, nos últimos anos, uma agenda mais radical, que finalmente foi inaugurada na Cúpula do Rio de 2012. Em um espaço chamado Management Education for the World [Educação em Gestão para o Mundo], comumente denominado “50+20”, essa agenda afasta-se do antigo paradigma do individualismo neoliberal, que estrutura um capitalismo competitivo e ávido. Em vez disso, o “50+20” almeja estruturar um capitalismo mais ecológico que reproduz sistematicamente uma sociedade mais colaboradora e focada em stakeholders.2 Com o apoio inicial do UNDP/PRME, da Globally Responsible Leadership Initiative [Iniciativa de Liderança Globalmente Responsável] e do World Business School Council for Sustainable Development [Conselho Mundial de Escolas de Administração para o Desenvolvimento Sustentável], esse modelo de desenvolvimento, em oposição ao tradicional modelo linear, foi organizado em colaboração por um grupo de estrutura flexível composto de acadêmicos de Escolas de Administração e administradores profissionais. O professor Jonathan Gosling, da Escola de Administração da Universidade de Exeter, contribuiu e co-assinou o estatuto original. No entanto, até este momento, um grupo de instituições de MBA parece determinado a permanecer leal ao que podemos interpretar como a falácia da separação positivista: a ideia de que o progresso econômico pode, e deve, ser analisado separadamente de suas consequências ecológicas. Alguns indivíduos e pelo menos uma escola descartaram inteiramente esse modelo. O professor Malcolm Kirkup, diretor do programa MBA One Planet na Escola de Administração da Universidade de Exeter, descreve o modelo tradicional do MBA como “falho”. Em uma abordagem linear – por assim dizer – a ideia de que é possível usar o modelo de economia de materiais para explorar os recursos de um único planeta em uma busca incessante por mais lucros é desacreditada intelectual e praticamente. A expansão das burocracias e dos sistemas de controle não é responde suficientemente ao paradigma dos sistemas complexos que se transformam rapidamente. Na realidade, isso meramente replicaria o problema que se deseja solucionar. Parafraseando Albert Einstein, não podemos solucionar problemas com o mesmo raciocínio que foi usado para criá-los. Com o intuito de fornecer um contexto autêntico e congruente para o OPMBA para este capítulo, conversei e obtive informações com uma gama de participantes escolhidos por conveniência. Essa polifonia potencialmente complexa é incompleta e assimétrica, mas os leitores poderão adquirir experiência com a diversidade do texto resultante. 1. http://www.pnud.org.br/ODM.aspx. 2. http://50plus20.org/wp-content/uploads/2012/06/50+20_AGENDA_15June.pdf.


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Neste capítulo, o leitor poderá discernir entre experiência(s) superficial(is), informações relacionadas à origem do curso e sua evolução até o momento da publicação deste texto, muitas conclusões pessoais e experimentais e algumas sugestões para uma trajetória de progresso.

Jean-Paul Jeanrenaud – a Perspectiva da WWF Internacional Na minha análise, as origens do OPMBA remontam a aproximadamente 2003. Naquela época, o trabalho começou com a Nokia e a WWF, e no início desse relacionamento desenvolveu-se um programa de acesso livre de conscientização dos funcionários. O conteúdo do programa baseava-se em artigos on-line sobre mudança climática e perda de biodiversidade, e criamos alguns jogos para conscientizá-los a respeito dos desafios ambientais, sociais e econômicos com que a indústria global se depara. O programa obteve nítido sucesso na Nokia e, em determinado momento, tivemos participação de mais de 25% dos funcionários. Após cerca de dois anos, o interesse nesse formato começou a esvaecer naturalmente, e nós conversamos com a Nokia a respeito do que mais poderia ser feito. Em 2004-2005, elaboramos cursos de treinamento internos voltados para os negócios ambientalmente sustentáveis da Nokia. Criamos equipes mistas, unindo participantes de áreas e responsabilidades diferentes: funcionários de design, transporte/logística, marketing, manufatura, finanças, etc., e também de regiões distintas. Juntamente com a administração da Nokia, identificamos, em seguida, alguns projetos que apresentavam problemas necessitando de solução. Elaboramos cinco projetos que teriam resultados significativos para a empresa. Nossas equipes conheceram-se virtualmente e depois se reuniram para uma série de workshops de dois dias, durante os quais cada equipe selecionou o desafio com que trabalharia. Ao longo de um mês, as equipes trabalharam virtualmente para pesquisar projetos e discutir ideias. Em seguida, reunimos as equipes mais uma vez para outro workshop em que analisaram suas descobertas. Depois, tiveram mais um mês para virtualmente finalizar soluções e criar conclusões estratégicas antes de uma reunião final em que apresentaram seus projetos finais ao diretor executivo. A qualidade das apresentações foi tanta que a empresa resolveu implementar quatro das cinco propostas. Uma delas, em particular, tratava de embalagens. Havia uma variedade de opções, como redução do tamanho da embalagem, uso do Forest Stewardship Council [Conselho de Manejo Florestal] ou de papel reciclado, diminuição do uso de plástico e redução do número de encartes publicitários. O programa, que foi iniciado em âmbito regional, poupou, de imediato, 1200 trajetos de caminhão por ano. Os meno-


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res gastos com combustível e as economias de escala em virtude da embalagem menor de cada unidade geraram uma economia anual de 60 milhões de euros na zona da União Europeia, e esse número passou dos 100 milhões quando a iniciativa foi implementada globalmente. Esse foi um exemplo do enorme sucesso que obtivemos com a Nokia. E, em um trabalho de dois consultores executivos com a WWF Internacional em 2005-2006, discutimos como seria possível desenvolver ainda mais a iniciativa. A Nokia financiou dezoito meses de desenvolvimento de produto, o que posteriormente deu origem ao programa One Planet Leaders (OPL) de 2007. O OPL foi um programa de acesso aberto, e o primeiro grupo contou com 35 participantes em Genebra. Entre os palestrantes convidados que se apresentaram diante do grupo estava o professor Jonathan Gosling, que ministrou um caso sobre liderança baseado em uma empresa da França. Com o objetivo de obter credenciamento para o material, um certificado ou diploma de pós-graduação, desenvolvemos os cursos de maneira mais completa, trabalhando inicialmente com uma instituição sediada no Reino Unido e depois com outra, mas naquela fase talvez estivéssemos excessivamente focados no material empírico. Em determinado momento, voltamos a dialogar com Jonathan Gosling, que teve a ideia de integrar o material de alguma maneira a um MBA especializado da Universidade de Exeter. Havia um programa com certificado de pós-graduação na Escola de Geografia, mas ambos percebemos que um MBA da Escola de Administração teria seus atrativos. O reitor da UEBS naquela época, o professor Richard Lamming, parecia apoiar certas inovações radicais para o programa de MBA e, após ler a proposta (similar às contribuições de Jonathan Gosling acima), nós todos nos reunimos em Exeter, onde se confirmou seu genuíno interesse. Expusemos nossas ideias ao reitor, que concordou em trabalhar com a WWF e substituir o programa existente por completo. Naturalmente, não houve competição interna com nenhum programa alternativo, o que teria sido difícil. Passamos um ano elaborando o material e, em outubro de 2010, iniciamos com um “grupo de co-criação” em que os participantes concordaram em ajudar a recriar o currículo para um relançamento em 2011. Assim que o OPMBA foi anunciado, a equipe de recrutamento da UEBS percebeu uma imediata evolução demográfica dos inscritos, com maior diversidade de gênero e mais interesse internacional. Malcolm Kirkup foi contratado como diretor de programa do OPMBA para dirigir o grupo de co-criação, e Sally Jeanreneaud juntou-se à UEBS como pesquisadora sênior em fevereiro de 2011. Onde estamos atualmente? Somos apenas uma pequena equipe na Suíça, com foco em três correntes de atividade. A primeira é observar o envol-


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vimento das universidades e trabalhar por meio da Universidade de Exeter, e desenvolvemos um programa de MBA Executivo – diferente da turma de tempo integral, com 40 alunos – que atraiu 20 administradores para o primeiro grupo. Também estendemos alguns dos cursos do OPL para os cursos de administração da graduação. Com a Universidade de Exeter, também buscamos o interesse de universidades em outras partes do mundo para disseminar mais amplamente a abordagem do OPL nos currículos de escolas de administração. Nossa segunda área de envolvimento são as Escolas de Administração, e fico contente por estarmos desenvolvendo módulos que contribuam para os programas do IMD e da INSEAD. Nossa terceira área de envolvimento são os treinamentos internos de empresas e programas customizados. Atualmente, estamos trabalhando com as empresas General Mills, Lafarge e Pepsi, seguindo as linhas de desenvolvimento que adotamos originalmente na Nokia: com grupos homogêneos e heterogêneos. Geograficamente, estamos explorando projetos desse tipo no sul da África, na América do Sul, na China e na Austrália. Planejamos desenvolver mais programas de co-criação para outros profissionais de ensino superior na Universidade de Exeter e explorar o potencial da participação internacional de maneira mais completa.

Malcolm Kirkup: a experiência do diretor de MBA O professor Kirkup e sua equipe remodelaram um único programa de MBA para competir com o MBA “tradicional” no espírito da agenda 50+20, ou ao menos coincidindo com ela. “Queríamos um programa que começasse focando os desafios globais atuais e posteriormente reexaminasse cada disciplina de administração sob a ótica da sustentabilidade. Queríamos nos afastar do foco no curto prazo do ensino tradicional da administração, que parece ignorar questões sociais, ambientais e de governança.” Com base nisso, o MBA One Planet foi elaborado com base em um programa de co-criação com o corpo docente, participantes, empresas com interesse em sustentabilidade e outros atores. Uma importante inovação tem sido trabalhar com a WWF Internacional e com organizações envolvidas em sua Market Transformation Initiative [Iniciativa de Transformação do Mercado], cujos detalhes podem ser lidos nos websites da Universidade de Exeter e da WWF. Até agora, a Universidade de Exeter contou com a participação de onze grandes empresas no primeiro ano de seu programa, incluindo Canon, Coca-Cola, The Cooperative Group,


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IBM, IKEA, Lafarge, Lloyds Banking Group, Nokia, Sony, ATOS e Thomson Reuters. Cada uma dessas empresas está envolvida no desenvolvimento do programa e em parte de seu ensino. Essas, juntamente com outras empresas, também fornecem acesso aberto a seus sites de pesquisa para os projetos de pesquisa e consultoria dos participantes do MBA. Pedi que Malcolm respondesse a algumas perguntas que surgiram em discussões sobre a mudança radical em organizações e no ensino superior. A primeira pergunta foi mencionada na seção Business Education do Financial Times (MURRAY, 2011), em que o professor David Grayson, diretor do Doughty Centre for Corporate Responsibility [Centro Doughty de Responsabilidade Corporativa], da Cranfield University, confirma o valor da experiência da organização não governamental (“ONG”) e seu envolvimento em cursos, mas pergunta sutilmente se “um dos desafios, como uma instituição acadêmica, é a importância de que a pessoa não esteja somente apresentando uma linha de pensamento” (MURRAY, 2011). Perguntei a Malcolm como ele responderia a isso. Existem, afirma ele, quatro vantagens evidentes quando se trabalha com uma ONG como a WWF e, resumindo a resposta dele, elas são: primeiramente, a WWF tem acesso direto à diretoria do tipo de empresa global – referindose às 150 empresas mais importantes que compõem a Market Transformation Initiative – em que a maioria dos participantes do MBA gostaria de trabalhar. Em segundo lugar, a WWF é uma ONG equilibrada e conciliatória em sua abordagem de negócios. Ela não é meramente ativista, é respeitada em pesquisa e se envolve em negócios de uma maneira sensata, buscando inovação e mudanças. Em terceiro lugar, o MBA One Planet não é uma plataforma da WWF, e, sim, uma colaboração genuína e emergente entre ela e a Escola de Administração da Universidade de Exeter, desde a elaboração e o desenvolvimento do programa até o ensino e aprendizado experimental em projetos reais. Por fim, a WWF tem verdadeiro alcance global, e seria difícil pensar em uma ONG melhor como parceira em um programa tão importante, que fornece a nossos alunos acesso privilegiado às principais empresas mundiais que se interessam por sustentabilidade. A segunda pergunta surgiu de uma curiosidade a respeito de como os participantes de um grupo de potencial tão idealista reagiriam à chegada de um gerente de uma empresa como a Coca-Cola para debater, por exemplo, programas sustentáveis sobre o uso de água. Malcolm responde que, primeiramente, todas as empresas envolvidas no programa estão “dispostas a par-


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ticipar de um diálogo desafiador”. Ele afirma que essas empresas não chegam pensando que podem simplesmente dar continuidade ao que têm feito e seriam repreendidas se tentassem fazer “greenwashing” na frente de um grupo tão bem informado. Na realidade, as empresas estão cientes dos problemas e limitações com os quais se deparam em um mundo de recursos limitados e realmente buscam soluções inovadoras e resilientes. Além disso, ele confirma que os alunos são “firmes” em suas críticas, e também que as empresas aceitam com prazer o envolvimento de estágios de consultoria em que os alunos do MBA contribuem para o desenvolvimento de abordagens inovadoras para problemas. Um exemplo disso é o uso da biomimética para encontrar novas maneiras de fazer coisas em uma gama de empresas. Ademais, empresas como IBM estão inscrevendo seus vice-presidentes em aulas da Universidade de Exeter para explorarem novas ideias e sugerirem em que parte do currículo poderia haver maior aproveitamento dos avanços atuais na área de TI (como a iniciativa Smarter Planet). Minha terceira pergunta surge ao se considerar a Escola de Administração uma fornecedora de serviços e também a questão mais mercenária do impacto dessa diferenciação de mercado no lucro. Em relação a esse assunto, duas coisas são evidentes: a Universidade de Exeter considerou limitar sua exposição ao risco dessa diversificação excessiva que ocorreria caso fossem oferecidos dois MBAs (o “tradicional” e o One Planet) paralelamente. O corpo docente concordou unanimemente, em uma questão de integridade, que, se a resposta One Planet é “A Resposta”, ela não deve ser comprometida por versões concorrentes na mesma escola. Em segundo lugar, Malcolm ficou contente em debater oficialmente os números. Inicialmente, as inscrições despencaram, e os recrutadores tiveram de se esforçar bastante para converter um grupo bem menor de inscritos. No entanto, apesar do número menor de inscritos, a taxa de conversão foi bem mais alta. “O normal seria um programa novo demorar três anos para se integrar e correr de maneira confiável, sem imprevistos”, sugere ele. “Nesse mercado, dois terços dos inscritos seriam esperados em um curso tradicional de MBA. Mas, aqui, a taxa de conversão é bem mais alta. Também temos uma diversidade fantástica de participantes: 55% do grupo é composto de mulheres, uma proporção que nunca seria vista em uma sala de um MBA tradicional, e há 22 países representados em uma turma de 40 pessoas. Estou muito contente com os resultados que obtivemos até agora.”

Com base nisso, fica evidente que o cerne do MBA One Planet é o espírito colaborativo. Se queremos que haja inovação e mudança na maneira como a próxima geração administra responsavelmente nossa sociedade industrial,


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poderíamos talvez esperar que o elogio da imitação origine outras remodelações completas de MBAs. Como contribuição final a este capítulo, em março de 2013, apresentamos alguns pontos para ênfase contextual e contemporânea: O programa OPMBA gerou imenso interesse por parte de toda a gama de possíveis grupos de interesse especial e também de importantes empresas globais. Na Universidade de Exeter, passamos muitos dias simplesmente recebendo visitantes curiosos (acadêmicos, empresas, inscritos, antigos alunos, público em geral, etc.). O programa evidentemente popularizou-se, atraindo stakeholders de diversos grupos importantes. Para escolas que contemplam elaborar um programa desse tipo, elas precisam fazer isso AGORA. É o momento certo. A EFMD alterou recentemente seus requisitos para credenciamento, o que incentivará as escolas de administração a se VOLTAREM para a nova agenda. Em alguns anos, será bastante estranho uma escola de administração NÃO oferecer algum tipo de diploma em sustentabilidade. Alguns dos motivos para o sucesso na Universidade de Exeter são: (a) É um programa pessoal – apenas 40 alunos no curso de tempo integral –, e não queremos que nenhum grupo aumente tanto a ponto de diluir ou reduzir os efeitos do curso em cada indivíduo. (b) O grupo de alunos do OPMBA apresenta demografia distinta dos programas tradicionais: há bastante mulheres, são alunos mais velhos, mentalmente maduros, e observa-se bastante variedade e pluralismo cultural. (c) Temos um conjunto de princípios que consideramos importantes (ver abaixo) – alguns são inovações para os programas de ensino de administração: colaboração em vez de competição, foco comunitário em vez de puramente individualista, e mais semelhante ao mundo real. Nossos alunos são menos competitivos do que em um MBA normal; eles enxergam o valor de alianças e colaborações. (d) Colocamos nossos alunos para fazer consultorias práticas diretamente com empresas ao longo do ano. Todo aluno faz no mínimo dois projetos com um cliente externo, e eles também podem fazer o projeto final para uma grande empresa. Isso é diferente, e é importante porque permite aos nossos alunos dialogar com as empresas, ver o que elas pensam sobre sustentabilidade e, em alguns casos, trabalhar com empresas que já são modelos nessa área. (e) Quando anunciamos a disponibilidade de projetos estudantis, nós nos deparamos com uma enxurrada de pedidos – literalmente. Uma quantidade insana de projetos tem chegado a nós pelas empresas e das empresas. Elas costumam pedir que o foco do projeto seja uma das três questões: (1) como a minha empresa deve abordar a sustentabilidade – o que ela deve significar para nós? (2) Sabemos


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EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO

muito sobre sustentabilidade, mas como COMPARAR nossa empresa a outras que já fazem isso? (3) Sabemos MUITO sobre sustentabilidade e sentimos que estamos na liderança em relação a certos aspectos – como podemos nos manter à frente e ser ainda mais inovadores? Os critérios que especifiquei três anos atrás têm muito valor para nós. Acho que precisamos definir como seria possível perceber que um OPMBA possui o potencial necessário e congruente para alterar as mentalidades dos indivíduos. Quais são as dimensões-chave? O esquema abaixo define-as. Desde então, houve pequeno aperfeiçoamento, mas eu ficaria contente se ele se tornasse uma estrutura de referência.

MBA One Planet: metas e princípios3 Meta Desenvolver, nos administradores, o conhecimento, as mentalidades, a compreensão, as habilidades de liderança e os valores necessários para desenvolver e incentivar estratégias de negócios sustentáveis em um ambiente de mercado natural, financeiro, social e global que se transforma rapidamente. Diversidade t Equilibrado em gênero e diversidade. t

Administradores experientes (mais de três anos), mas de formações distintas.

t

Capazes de assumir cargos em grandes empresas-alvo.

t

Nível de escolaridade equivalente a um boa formação no Reino Unido.

t

Inglês de alto nível.

Comunidade t Visão compartilhada de mudar o comportamento empresarial. t

Mentalidades semelhantes.

t

Juntar-se a uma rede de “agentes de mudança”.

t

Rede de ex-alunos da Universidade de Exeter e da WWF One Planet Leaders.

t

Rede global.

Integração (negócios e sustentabilidade) t Um programa interdisciplinar e integrativo.

3. © Malcolm Kirkup 2011-2013.


Cap 4 – O MBA One Planet 65

t

Como os negócios funcionam e os pensamentos, técnicas e ferramentas mais recentes da administração.

t

Integração das perspectivas dos negócios e do planeta.

t

Capaz de debater o argumento empresarial para a sustentabilidade, responsabilidade e mudanças.

t

Abordagem estratégica para a sustentabilidade a fim de estimular inovação, criação de valores e vantagem competitiva.

Perspectiva de negócios t Como os negócios funcionam – processo, comportamento, cultura. t

Como mercados e economias funcionam, e cenários alternativos.

t

Consumo e o papel do marketing.

t

Estratégias para fortalecer a performance.

t

Como administrar recursos, operações e cadeias de suprimento.

t

Como administrar talento quando se busca mudança.

t

Avaliar a performance e a viabilidade de uma empresa e de investimentos.

t

Contabilidade e relatórios integrados (tripé da sustentabilidade).

t

O impacto das finanças e da regulação na estratégia de negócios.

Perspectiva da sustentabilidade t Melhor administração do capital natural, financeiro e social para um futuro mais sustentável. t Compreender os limites ecológicos e o impacto da escassez de recursos nos negócios e na sociedade. t O papel dos negócios na sociedade; o impacto dos negócios no meio ambiente, nas comunidades, na vida selvagem e na cultura; o papel dos negócios em um futuro mais sustentável. t Os desafios e consequências da mudança climática. t A importância da energia, da água e da gestão de resíduos. t Os benefícios de materiais locais, recuperados, renováveis e recicláveis. Inovação t Como inovar? Conteúdo da prática inovadora e pioneira. t

Inovação responsável que contribui para a sustentabilidade, a saúde e o bem-estar.


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EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO

t

Incentivar a criatividade e a inovação em projetos e tarefas.

t

A inovação nas abordagens de ensino (exemplo: comunicação de crise).

t

Desafio pessoal.

t

Desenvolvimento de um novo empreendimento (comercial e social).

Liderança t Compreensão de diferentes abordagens para a liderança. t

Autenticidade.

t

Desenvolvimento de habilidades e atributos para sobreviver, prosperar e motivar os outros em situações de pouca certeza, pouca concordância ou alta complexidade.

t

Confiança pessoal, coragem e resiliência.

t

Apresentar um desafio pessoal no MBA.

Experiência t Conhecimento de geografia e economias globais. t

Ter delicadeza em relação às perspectivas de diferentes culturas e stakeholders.

t

Capaz de trabalhar eficazmente em grupos multiculturais.

t

Compreender os desafios dos negócios em mercados emergentes.

t

O papel e a contribuição das vozes nativas.

t

Oportunidades de estudo e/ou estágio no exterior.

Colaboração t O valor do trabalho em equipe; performance eficaz em equipe; manter um relacionamento de trabalho leal aos colegas (revisão por pares). t

Compreender os benefícios de relacionamentos, colaborações, parcerias, cooperações e coalizões externas.

t

Parcerias entre empresas, governo local e ONGs.

t

Colaboração nos estudos (por videoconferência ou mesas-redondas).

Responsabilidade e ética t Governança de negócios e responsabilidade social corporativa. t

Debater os dilemas éticos de terceirizar e administrar negócios e abordagens alternativas.

t

Explorar valores de diferentes sociedades.

t

Contribuição pessoal para a comunidade local.


Cap 4 – O MBA One Planet 67

t

Desenvolvimento de defensores da mudança.

Experimentação e aplicação t Aplicação da teoria na prática. Consultoria e projetos no campo. t

Cenários nem sempre cômodos.

t

Relações com empresas locais.

t

Consultoria.

t

Contribuição para a comunidade empresarial local.

Pensamento crítico t Abordagem crítica na pesquisa e no uso da teoria e da prática. t

Pensamento analítico estruturado.

t

Questionar informações, dados, pressupostos, tendências, normas.

t

Refletir sobre os processos, comportamentos e alegações científicas da administração.

t

Utilizar teoria, estruturas, ferramentas (e TI) para auxiliar na análise de dados.

t

Julgar dados, propostas, soluções e argumentos fortes e fracos.

Influenciar a mudança t Desenvolver habilidades eficazes de comunicação. t

Comunicação marcante.

t

Habilidades de negociação e facilitação.

t

Comunicação eficaz em situações de crise.

t

Capaz de solucionar conflitos entre indivíduos ou grupos.

t

Agentes de comunicação – defensores da mudança.

Reflexão e transformação pessoal t Transformação pessoal por meio do desenvolvimento de habilidades pessoais, treinamento pessoal e conselhos relacionados à carreira. t

Desafios pessoais.

t

Desenvolver o “hábito” de reflexão.

t

Guiar o próprio autodesenvolvimento.

t

Melhor qualidade de vida e bem-estar (não apenas o salário).

Conexão (ou reconexão) com a natureza t Aprender com a natureza e sistemas naturais. t

Compreender que a vida é preciosa e vulnerável.


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Jonathan Gosling: a experiência da Escola de Administração da Universidade de Exeter Desde o princípio, planejamos recriar e relançar nosso conjunto de programas de MBA como o “MBA One Planet”, orientando o currículo completo do MBA na direção da preparação dos participantes para a administração de empresas com base nos princípios One Planet (ver quadro abaixo). A histórica análise a seguir foi tirada da proposta de 2007 elaborada por Jonathan Gosling, com colaboração de Jean-Paul Jeanreneaud e Sally Jeanreneaud. O MBA One Planet será oferecido em parceria com a WWF Internacional e elaborado para ter conteúdo e estilo internacionais. Pode haver a inclusão de módulos colaborativos com outros parceiros, como o IMD (Lausanne), e receptividade quanto à customização para organizações, regiões e setores específicos. A pedagogia será elaborada com o objetivo de auxiliar os participantes a fazerem mudanças substanciais em suas organizações. O programa será o destaque da Escola de Administração da Universidade de Exeter. Ele(a) supervisionará a elaboração, o marketing, as operações e o ensino do programa, com o apoio de especialistas em disciplinas acadêmicas relevantes e no desenvolvimento e ensino de administração. O programa seria realizado na Universidade de Exeter e fortemente ligado à WWF em Gland, perto de Genebra.

Análise racional O objetivo estratégico da UEBS é contribuir significativamente, por meio de pesquisa e programas ministrados, para que os negócios e as práticas do setor público tornem-se mais sustentáveis e também para os debates de políticas. Focar em nosso curso de destaque estaria em concordância com essa estratégia e, mais amplamente, com a estratégia da universidade e diferenciaria o MBA da Universidade de Exeter de outros. O conceito de “One Planet Business” inspiraria e uniria funcionários, parceiros, candidatos e alunos. A diferenciação se originaria da clara orientação de todos os materiais ensinados, que estariam voltados para a ideia de “um planeta”, do co-branding com a WWF, do ensino internacional com parceiros como o IMD e da pedagogia voltada para o impacto na prática da administração e da liderança. A WWF Internacional deseja estender seu curso de verão existente (One Planet Leaders, credenciado pela UEBS) para aumentar seu alcance geográfico e seu impacto nas organizações clientes. Já há planos de buscar um ou mais parceiros capazes de fornecer uma plataforma para atividades educacionais sustentadas, e uma parceria com a Universidade de Exeter poderia fazer isso por meio do MBA One Planet e de sua experiência com customização,


Cap 4 – O MBA One Planet 69

parcerias internacionais e abordagens inovadoras para o aprendizado e o ensino, como o Mestrado em Liderança Coaching Ourselves [Treinando Nós Mesmos] e o trabalho de seus pesquisadores. A proposta baseia-se no relacionamento existente entre a WWF e a UEBS por meio do Programa One Planet Leaders e aproveita as sinergias em posições estratégicas e táticas das duas partes. Além disso, também fundamenta-se nos objetivos individuais de algumas pessoas-chave. O IMD (Lausanne) expressou bastante interesse em se juntar a essa iniciativa, e há inúmeras outras oportunidades para colaborações internacionais.

Consequências para o MBA O público-alvo desse MBA seria semelhante ao de qualquer outro MBA. Ensinaríamos as pessoas a analisar questões organizacionais e de negócios, a agir construtivamente nos papeis de administrador, consultor, investidor, etc., e as ajudaríamos a desenvolver suas habilidades e competências pessoais. Tudo isso e o conteúdo acadêmico focariam a orientação de empresas e organizações (públicas) em direção às operações one-planet. Portanto, os módulos sobre finanças, por exemplo, transmitiriam conhecimento e técnicas nitidamente enquadrados dentro das ideias one-planet. Parcerias internacionais podem trazer alunos de outros MBAs para cursarem parte do programa na Universidade de Exeter e fornecer oportunidades para os alunos de Exeter fazerem módulos com nossos parceiros. Pode haver trocas de funcionários e, possivelmente, versões do(s) programa(s) completamente ministradas em outros locais, com base no conceito de MBA One Planet da Universidade de Exeter e da WWF Internacional. Partes dos programas poderiam ser ministradas pela internet, utilizando parcerias locais para auxiliar os estudantes; versões customizadas de alguns módulos poderiam ser oferecidas para empresas, possivelmente com base em acumulação de créditos (um atalho pelo Certificado e pelo Diploma até o MBA, por exemplo). Tudo isso demandará novas abordagens de ensino, o que significaria oportunidades para membros do corpo docente que apreciam educação executiva e também uma maneira de estender o nosso modelo de gestão de pessoas para que a inclusão de associados, por exemplo, fosse possível.

Próximos passos Debater o conceito e, se ele for aceito em geral, dar continuidade com a nomeação do Diretor do MBA One Planet, que concretizará o programa (hoje histórico) para início em outubro de 2010.


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EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO

Princípios One Planet da WWF Internacional4 O One Planet Living (OPL) utiliza a pegada ecológica como principal indicador de sustentabilidade. Entretanto, o One Planet Living ainda defende a ideia de que viver sustentavelmente também deve ser sinônimo de melhor qualidade de vida. Precisamos encontrar maneiras sustentáveis de atender às necessidades humanas: alimentação, roupas, moradia, energia, saúde, educação, mobilidade e lazer. É por isso que o One Planet Living é também um conjunto de princípios únicos da sustentabilidade. São indicadores sociais, ambientais e econômicos que, juntos, formam uma abordagem holística para a sustentabilidade. A WWF Internacional e nossos parceiros utilizam tanto a pegada ecológica quanto os dez princípios abaixo em projetos que mostram o One Planet Living em ação. Desafio global Mudança climática em virtude do acúmulo de gás carbônico (CO2) na atmosfera causado pelos humanos.

Princípio do OPL Zero Carbono

Resíduos de produtos e embalagens descartados criam um imenso desafio de disposição, desperdiçando recursos valiosos.

Zero Resíduos

Usar carro ou avião pode causar mudanças climáticas, tráfego e poluição do ar e sonora.

Transporte Sustentável

Objetivo e estratégia do OPL Alcançar zero de emissã o líquida de CO2 nos projetos do OPL Implementar eficiência energética em construções e infraestrutura; fornecer energia de fontes renováveis locais, complementada por um novo suprimento renovável não-local onde for necessário. Eliminar os fluxos de resíduos para aterros sanitários e incineração. Reduzir a geração de resíduos por meio de um aperfeiçoamento do modelo; incentivar o reúso, a reciclagem e a compostagem; gerar energia a partir dos resíduos de maneira limpa; eliminar o conceito de resíduos de uma sociedade com eficiência de recursos. Reduzir a dependência de veículos particulares e alcançar maiores reduções na emissão de CO 2 causada por transporte Fornecer sistemas de transporte e infraestrutura que reduzam a dependência do uso de combustíveis fósseis, i.e., de carros e aviões. Compensar as emissões de carbono de trajetos aéreos e talvez de trajetos de automóveis.

4. http://www.panda.org/what_we_do/how_we_work/conservation/one_planet_living/about_opl/ principles/.


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Desafio global Padrões destrutivos de exploração de recursos e uso de materiais não-locais em construção e manufatura aumentam os danos causados ao meio ambiente e reduzem os ganhos da economia local.

Princípio do OPL Materiais Locais e Sustentáveis

A agricultura industrial produz alimentos de qualidade duvidosa e prejudica os ecossistemas locais, e o consumo de alimento não-local impõe grandes impactos causados pelo transporte.

Alimento Local e Sustentável

Os suprimentos de água doce costumam ser insuficientes para atender às necessidades humanas em virtude da poluição, da alteração dos ciclos hidrológicos e do esgotamento de estoques existentes

Água Sustentável

Perda de biodiversidade e de habitats em virtude da construção em áreas naturais e da exploração excessiva de recursos naturais

Habitats e Vidas Selvagens Naturais

Objetivo e estratégia do OPL Transformar o suprimento de materiais até haver um impacto líquido positivo no meio ambiente e na economia local Quando possível, usar materiais locais, recuperados, renováveis e reciclados em construções e produtos, o que minimiza as emissões causadas pelo transporte, estimula investimento nos recursos naturais locais e incentiva a economia local. Transformar o suprimento de alimentos até ele causar impacto líquido positivo no meio ambiente, na economia local e no bem-estar das pessoas. Apoiar a produção de alimento local e de baixo impacto que fornece alimentos saudáveis e de boa qualidade e que, ao mesmo tempo, estimula a economia local de maneira benéfica ao meio ambiente; expor exemplos de embalagens, processamento e disposição de baixo impacto; destacar os benefícios de uma dieta de baixo impacto. Alcançar impacto positivo nos recursos de água locais e no suprimento de água local. Implementar medidas de uso eficiente da água, de reutilização e de reciclagem; minimizar a extração e a poluição da água; estimular uma gestão sustentável da água e dos esgotos neste panorama; restaurar os ciclos hidrológicos naturais. Regenerar áreas degradadas e impedir a perda de biodiversidade Proteger ou regenerar as áreas naturais existentes e os habitats que elas proveem para a fauna e a flora; criar novos habitats.


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EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO

Desafio global Patrimônios culturais locais estão sendo perdidos em todo o mundo em cosequência da globalização, causando perda de identidade e sabedoria locais

Princípio do OPL Cultura e Patrimônio

Parte do mundo industrializado vive em relativa pobreza, e muitos do mundo em desenvolvimento não conseguem obter o que precisam para atender a suas necessidades básicas a partir do que vendem ou produzem.

Equidade e Comércio Justo

A riqueza crescente afastase cada vez mais da saúde e da felicidade, o que suscita perguntas a respeito do verdadeiro fundamento do bem-estar e da alegria

Saúde e Felicidade

Objetivo e estratégia do OPL Proteger e aproveitar o patrimônio e a diversidade culturais de um local Celebrar e reavivar patrimônios culturais e a sensação de identidade local e regional; escolher estruturas e sistemas que se baseiam nesses patrimônios; incentivar uma nova cultura de sustentabilidade. Garantir que o impacto da comunidade OPL em outras comunidades seja positivo Promover relações comerciais baseadas em equidade e comércio justo para garantir que a comunidade OPL afete outras comunidades de maneira positiva, tanto local quanto globalmente, em especial comunidades desfavorecidas. Aumentar a saúde e a qualidade de vida dos membros da comunidade OPL e de outros Incentivar estilos de vida saudáveis e o bem-estar físico, mental e espiritual por meio de estruturas bem elaboradas e medidas voltadas para o envolvimento da comunidade, e também por meio do ensino em alvos sociais e ambientais.

Sarah Bailey: a perspectiva de uma participante Quando contei às pessoas que tinha decidido parar de trabalhar e fazer um MBA, vi muitas sobrancelhas se erguerem e escutei sinceras exclamações de horror. As opiniões de meus colegas variavam; alguns comentavam a dificuldade do que eu ia fazer e outros diziam que eu não me adaptaria ao mundo agressivo da educação executiva. Meus amigos tiveram dificuldades para compreender por que eu estava preferindo pagar um curso e abdicar de um ano de renda em uma época de tantas incertezas financeiras. Terminei criando a imagem de uma sala de aula repleta de Borgs de terno, trocando seus cartões de visita mais novos em uma cena que encaixaria perfeitamente em Psicopata Americano. Felizmente, até agora, minha experiência mostrou-se completamente diferente daquele cenário de pesadelo. O MBA One Planet me expôs a um dos ambientes de trabalho mais diversificados e de


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maior riqueza cultural que já vi. Trabalhei com pessoas de origens bastante variadas, cujas opiniões eram genuinamente distintas e me inspiraram a desenvolver novas formas de raciocínio. Nosso MBA caracterizou-se pela perspicácia, pela empatia e pelo que Wheatley (2005) chama de importância compartilhada. Ela descreve esse termo como um estado que surge da curiosidade e do diálogo, por meio do respeito à diversidade de opiniões e a novas interpretações. Ele propicia novas formas de pensamento e possibilita uma maneira de trabalhar com objetivos comuns que dispensam a necessidade de conformidade e uniformidade e os conflitos e incômodos que surgem quando se empenha para alcançar um objetivo comum (WHEATLEY, 2005). Trabalhar com um grupo tão diverso me ensinou que é possível criar algo relevante mesmo com diferenças étnicas, de religião e normas culturais. Fui exposta a abordagens diferentes, às vezes estranhas, às vezes frustrantes, e isso confirmou para mim que a liderança é uma empreitada fluida, dinâmica e humildemente humana. Raelin (2004) introduziu o termo “leaderful”, definindo-o como uma maneira de construir a liderança como um empreendimento participativo e coletivo. O conceito baseia-se, em parte, nos princípios de atividade coletiva e concorrente: “Liderança coletiva significa que todos os membros do grupo podem servir como líder; a equipe não depende de um único indivíduo que vai assumir essa posição. Liderança concorrente significa que não apenas muitos membros podem ser líderes, mas também que eles podem fazer isso ao mesmo tempo” (RAELIN, 2004, p. 133-134). Presenciei pela primeira vez a prática da liderança concorrente com meus colegas de classe, e testemunhei como ela estimula a criatividade e a inclusão para que o resultado final seja mais rico e resiliente. Abordarei a liderança de maneira diferente no futuro, pois me convenci de que se ganha mais ao trabalhar com as pessoas, e não contra elas, reconhecendo os talentos e a contribuição do grupo e respeitando diferenças e perspectivas alternativas.

Yuichiro Kamikawa: a perspectiva de um participante Yui veio do Japão para fazer o MBA One Planet na Universidade de Exeter. Seus estudos foram financiados pela Coca-Cola Corporate Partnership Scholarship, e, durante seu primeiro semestre, ele teve a oportunidade de conhecer o diretor de Sustentabilidade do Cliente da empresa, que visitou a Escola de Administração como palestrante especialista. Yui cultivou seu relacionamento com a Coca-Cola e visitou os escritórios da empresa em Londres, onde conheceu o diretor de Reciclagem da CocaCola Enterprises Ltd (CCE), um parceiro de engarrafamento independente. Essa reunião permitiu que Yui compreendesse melhor o foco da Coca-Cola em reciclagem e embalagens sustentáveis e também o incentivou a organi-


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EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO

zar uma visita de sua turma do MBA à fábrica de reprocessamento récemlicenciada em Lincolnshire. A fábrica, um joint venture com a empresa ECO Plastics, é a maior instalação de reciclagem de plástico na Europa Ocidental. Inspirado com a viagem, Yui entrou em contato com seus patrocinadores para desenvolver instruções para seu Projeto de Consultoria em Sustentabilidade do MBA. Ele queria combinar sua crescente compreensão de sustentabilidade empresarial, seus conhecimentos e experiência em engenharia e o empenho da CCE em desenvolver novas tecnologias ambientais. A CCE concordou, e Yui recebeu instruções para trabalhar com a ECO Plastics e aperfeiçoar a operação de avaliação de qualidade do material reciclado que era entregue à fábrica. O projeto teve consequências bastante reais, pois uma avaliação precisa dos resíduos de chegada é vital para a produtividade da fábrica, afetando diretamente o lucro e as margens da empresa. Um dos maiores desafios durante o projeto foi equilibrar informações empresariais complexas e delicadas com as condições extremamente competitivas do mercado. Diz Yui: “Naturalmente, há diferença entre teoria e prática. A realidade é que as operações de negócios são complexas, e as soluções não são simples de identificar e implementar. Esse projeto realmente me ajudou a compreender a sustentabilidade na prática”. Yui apresentou ao cliente várias opções de aperfeiçoamento do processo. Como resultado direto de seu projeto, a ECO Plastics decidiu introduzir uma nova tecnologia pioneira de escaneamento, capaz de determinar as quantidades e os tipos de plástico em cada carga de matéria-prima. A implementação das imagens de raios X de energia dupla reduzirá custos e permitirá melhor qualidade na cadeia de suprimento. A diligência e o profissionalismo de Yui impressionaram a Coca-Cola Enterprises Ltd, e agora ele ocupa o cargo de gerente sênior de Embalagens Sustentáveis da empresa. Diz Yui: “Para mim, o mais interessante a respeito da Coca-Cola é a posição que eles ocupam, que possibilita o estímulo do progresso técnico das embalagens”. Com esse novo emprego, Yui torna-se parte fundamental do aperfeiçoamento da estratégia da empresa nesse campo. Comentando sua contribuição para a empresa, Patrick McGuirk, diretor de Reciclagem da Coca-Cola Enterprises, acrescenta: “Yui assumiu um projeto complexo e crucial em parceria com a CCE durante seu MBA na Universidade de Exeter. O projeto de Yui analisava a qualidade do material entregue para reciclagem em nossa fábrica de joint venture de reprocessamento de plástico em Lincolnshire. Os resultados do projeto foram dinâmicos e importantes, auxiliando a empresa a desenvolver nossa estratégia técnica e de compras. Yui trouxe verdadeiro conhecimento do assunto, o que nos incentivou a encontrar um papel permanente apropriado para ele na Coca-Cola Enterprises”.


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Angela Corredor-oviedo: a perspectiva de uma participante Antes Decidi fazer o MBA para mudar de carreira. Minha formação é em Pedagogia. Enquanto era formadora de professores e consultora pedagógica, e após completar um Mestrado em Liderança e Administração Pedagógica no Reino Unido, voltei para a Colômbia em busca de um projeto que me permitisse fazer alguma diferença em meu país. Após um ano trabalhando como consultora pedagógica, percebi que os agentes de mudança em meu país tinham chances bem melhores de sucesso se trabalhassem na área de negócios ou se estivessem relacionados a grandes empresas que tivessem dinheiro para iniciar projetos de mudança de grande escala. A necessidade de práticas sustentáveis em meu país, juntamente com minha ambição pessoal de aprender a linguagem dos negócios para poder entrar no “círculo de mudança” da Colômbia, fez com que eu procurasse um MBA que me capacitasse a fazer a diferença de uma perspectiva de negócios. Participei do OPMBA graças a uma bolsa concedida por Gerald e Clemencia Brown. Gerald é um exaluno da Universidade de Exeter extremamente generoso. A bolsa de estudos Ayudar Scholarship (Ayudar significa “ajudar” em espanhol) tem o intuito de ajudar acadêmicos de sucesso e agentes de mudança de origem colombiana que acreditem no papel da sustentabilidade na mudança da Colômbia. Quando iniciei o OPMBA, não tinha nenhuma experiência em administração de negócios nem em sustentabilidade. No entanto, eu estava 100% comprometida com o programa por ser uma ambição pessoal e porque minha experiência e performance permitiriam que outros estudantes colombianos fizessem parte do programa no futuro. Quando o programa começou, eu estava ansiosa, cheia de expectativas e esperança. Em minha opinião, estudar em uma Escola de Administração que tinha desafiado completamente seu MBA a alterar sua abordagem tradicional do ensino de administração era algo igualmente entusiasmante e desafiador. Desde o início, soube que faria parte de um grupo de agentes de mudança e que aprenderia com palestrantes que tinham a capacidade de pensar de maneira diferente. Essa sensação única a respeito do OPMBA me deu forças para acreditar nas habilidades e competências que eu possuía graças à minha formação em Pedagogia e para começar minha jornada no OPMBA. Durante Minha jornada com o OPMBA foi desafiadora desde o primeiro dia. Para boa parte da turma, Finanças, Contabilidade, Marketing e Economia eram assuntos familiares e a sustentabilidade era uma área completamente nova,


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EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO

mas minha situação era bem diferente. Com exceção de Liderança, todos os módulos eram novos para mim, então, iniciar o OPMBA me levou da minha zona de conforto para minha zona de pânico. Ao longo da experiência, minha colaboração com os palestrantes e a equipe de administração foi essencial. No entanto, o que realmente me ajudou a progredir no programa e continuar dando o meu melhor foi o apoio de meus colegas. Vindo de formações e nacionalidades bem diferentes, e com abordagens bem diferentes para a vida e o aprendizado, escutá-los e trabalhar com eles foi fundamental ao longo do MBA. Em um programa extremamente desafiador em seus trabalhos de grupo e tarefas individuais, trabalhar de maneira isolada teria sido um desastre para mim. No entanto, o apoio de meus colegas e o apoio excepcional dos palestrantes me permitiram um desempenho e envolvimento dinâmicos nas palestras. De uma perspectiva educacional, eu diria que o programa foi desafiador tanto para os alunos quanto para os professores. Os palestrantes esforçavam-se para incluir a sustentabilidade em seus programas. Para alguns, era algo novo e talvez não muito fácil de ensinar. Outros sentiam-se bem mais à vontade com o assunto e realmente o incorporavam às palestras. Nos dois casos, era evidente que a Escola de Administração estava se esforçando bastante para implementar o programa, e que, mais do que adaptar o currículo, os palestrantes tinham realmente se comprometido com o OPMBA. Se eu tivesse de escolher uma palavra para descrever minha experiência no programa, seria “desafiadora”. De uma perspectiva de aprendizado e como experiência pessoal, o OPMBA desafiou minhas opiniões sobre negócios, sobre a liderança voltada para a mudança e sobre minha capacidade de ter sucesso. Até mesmo minha confiança em minha capacidade de ter sucesso foi desafiada ao longo do programa. No entanto, quando terminei o primeiro semestre do programa, percebi que eu tinha habilidades, motivação e empenho para completar o programa com êxito. Depois Quando completei o OPMBA, eu era uma pessoa diferente. Estava bem mais forte, menos arrogante, e minha capacidade de realmente ouvir os outros tinha melhorado de modo drástico. Somente percebi isso quando completei o programa, pois voltei para o mundo real e compreendi como seria difícil falar sobre sustentabilidade. Quando completei o programa, eu tinha três letras para acrescentar ao meu nome: MBA, que adicionavam uma mentalidade à minha identidade, e uma personalidade diferente de quando eu trabalhava com pedagogia. Se eu acrescentasse OPMBA em vez de MBA, as pessoas poderiam se perguntar a respeito da minha educação e do tipo de MBA que eu havia feito. Fico contente em dizer que completei o OPMBA, pois não tenho a mesma percepção a respeito de negócios que muitos outros MBAs


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têm. Tenho tido a oportunidade de participar de vários eventos de Finanças em Londres, e é surpreendente ver o quanto a sustentabilidade ainda é nova e mal compreendida nessa área. Falar sobre o tripé da sustentabilidade às vezes é considerado bizarro durante conversas com colegas que tratam de bens, que lidam com finanças. Agora que trabalho para uma firma de consultoria administrativa, vejo que pode até ser difícil incluir sustentabilidade em um modelo de negócios de uma empresa, mas não é algo impossível. Percebi que esse passo é essencialmente um desafio profissional que preciso aproveitar se quero fazer diferença em meu país e na maneira como os negócios são feitos. Houve alguma mudança significativa depois do término do programa? Não voltei a trabalhar na firma em que estava antes. Eu me mudei para o Reino Unido e atualmente trabalho para uma firma de consultoria de administração. Foi um passo natural após o MBA, pois eu queria sair da pedagogia e entrar na administração de negócios. Nenhum dos meus colegas de trabalho da firma de consultoria de administração tem MBA. No entanto, como mencionei antes, enquanto descrevia minhas experiências após o MBA, conheci diversos profissionais da área de Finanças em Londres, onde moro. Alguns completaram MBAs e outros estão pensando em fazer um MBA. Quando eles discutem o que querem do programa, percebo que o interesse deles é basicamente nas áreas tradicionais do MBA e que a sustentabilidade é frequentemente um termo estranho para eles. Agora que faço parte de uma indústria bastante competitiva como a consultoria de administração, devo dizer que, em geral, as pessoas terminam o MBA com o objetivo de progredir na carreira e assumir um cargo de maior responsabilidade em suas empresas. Não é comum encontrar profissionais que fazem MBA para mudar suas mentalidades e reorientar suas empresas em direção à sustentabilidade ou para voltar a suas empresas ou países e difundir práticas de negócios sustentáveis. Isso, eu diria, é o que diferencia os ex-alunos do OPMBA dos alunos de um MBA tradicional.

Epílogo do autor A European Foundation for Management Development [Fundação Europeia para o Desenvolvimento da Administração], em Bruxelas, é a mais importante agência de credenciamento de programas de escolas de administração do mundo. Nos anos recentes, a fundação tem dado bastante espaço ao debate da agenda emergente 50+20 por meio de comunicados tanto da instituição quanto de seu conselho diretivo. Recentemente, ela publicou emendas a suas regras de credenciamento para expandir o escopo das relações corporativas, incluindo uma referência explícita à ética, à responsabili-


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dade e à sustentabilidade. A partir de 2013, todas as instituições credenciadas pelo EQUIS™ precisarão descrever como a escola contribui para o desenvolvimento ético, responsável e sustentável dos negócios e das práticas de negócios.5 É mais um indicador da ortodoxia e legitimidade crescentes dessas questões normativas que são o cerne do MBA One Planet. De uma perspectiva editorial, dentro dos limites deste espaço necessariamente restrito, este capítulo apresenta um panorama indicativo do que sugeri como projeto de pesquisa-ação. Nos termos do breve resumo de introdução, o projeto está em concordância com a intenção de diálogo e emancipação de Lewin no espírito pós-moderno – e talvez quase fenomenológico – de incompletude e aperfeiçoamento contínuos. Por meio dessa polifonia, cada participante reflete, com sua própria voz, a abordagem diversa, rica e assimétrica do aprendizado e do ensino. Essa abordagem ilustra a pesquisaação como uma prática coerente com o valioso potencial normativo do paradigma da administração responsável, que tem passado por mudanças necessárias. O projeto OMPBA, portanto, exemplifica as forças intelectuais, práticas, congruentes e colaborativas da pesquisa-ação, sempre em uma prática incompleta/emergente. O autor gostaria de agradecer os comentários e correções pacientes feitos nas versões iniciais deste capítulo por Jonathan Gosling, Jean-Paul Jeanrenaud, Malcolm Kirkup e os editores deste livro.

Referências bibliográficas CARR, W.; KEMMIS, S. Becoming critical: education, knowledge and action research. Abingdon: Falmer Press, 1986. GHOSHAL, S. Bad management theories are destroying good management practices. Academy of Management Learning and Education, v. 4, n.1, p. 75-91, 2005. HOVERSTADT, P. The crisis of organization. In: HOVERSTADT, P. (Ed.). The fractal organization: creating sustainable organizations with the Viable System Model. Chichester, UK: John Wiley & Sons, 2008. p. 3-11. LEWIN, K. Resolving social conflicts: field theory in social science. Ed. K. Lewin, 1948. p. 230. MURRAY, S. A meeting of minds. Financial Times, 11 abr. 2011. PORRITT, J. Capitalism: as if the world matters. Londres: Earthscan, 2006. RAELIN, J. A. Don’t bother putting leadership into people. Academy of Management Executive, v. 18, n. 3, p. 131-135, 2004. SCHÖN, D. Educating the reflective practitioner: towards a design for teaching and learning in the professions. São Francisco, CA: Jossey-Bass, 1983. WHEATLEY, M. J. Finding our way: leadership for an uncertain time. São Francisco: Berrett-Koehler, 2005. 5. http://www.efmd.org/images/stories/efmd/EQUIS/Changes_EQUIS_SC_since_Jan_2012.pdf.


Capítulo 5

Um panorama das discussões sobre educação para a sustentabilidade no ensino superior e nos cursos de Administração Sandra Lays Gathás Carvalho Janette Brunstein Arilda Schmidt Godoy Resumo O objetivo deste capítulo é apresentar uma revisão da literatura que permita compreender o movimento da educação para a sustentabilidade nas instituições de ensino superior, mais especificamente nos cursos de administração de empresas. Para tal, faz-se uma retomada histórica de como essa discussão evoluiu e foi incorporada nas escolas de negócios, nacionais e internacionais, refletindo sobre as perspectivas de avanço e os desafios enfrentados nesse processo.

Introdução Para oferecer o panorama a que estamos nos propondo, este capítulo apresenta uma discussão sobre o ambiente institucional que permitiu que a sustentabilidade estivesse na pauta das discussões sobre o ensino superior, discorrendo também sobre o sentido que tal educação vem assumindo. Na continuidade, trata dos desafios da gestão universitária sustentável e sua (in)coerência com o que se prega nas salas de aula das escolas de gestão. Em seguida, analisa tendências mundiais e formas de inserção da sustentabilidade no ensino superior, destacando as principais dificuldades e elementos facilitadores desse processo. Por fim, abordam-se questões mais específicas sobre as formas de inserção da questão da sustentabilidade no currículo de administração de empresas. Espera-se que tal apanhado teórico contribua para o entendimento e a reflexão sobre os caminhos da educação para a sustentabilidade, lançando luzes sobre suas potencialidades e limitações.


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O ambiente institucional em que a sustentabilidade tornou-se pauta do ensino superior Embora em 1970 alguns documentos de políticas públicas nacionais e internacionais já evidenciassem algum tipo de interesse pelas questões relacionadas à educação para a sustentabilidade (WRIGHT, 2004; LIMA, 2003), é somente a partir da década de 1990 que o tema surge com preocupações mais específicas (THOMAS et al., 1999; WRIGHT, 2004). Diversas organizações intergovernamentais e não governamentais começaram a promover o debate e a divulgar declarações com o intuito de comprometer indivíduos, governos e instituições com as causas da sustentabilidade. Dentre essas diversas iniciativas e declarações de compromisso com a inclusão da sustentabilidade na educação, destacam-se: t t t

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The Stockholm Declaration on the Human Environment, de 1972; Declaração Tbilisi, de 1977; Declaração Talloires da University Leaders for a Sustainable Future, de 1990; Halifax Action Plan for Universities – conferência “Criando um Futuro Comum”, em dezembro de 1991; Conferência das Nações Unidas de 1992 e seus desdobramentos: Capítulo 36 da Agenda 21 sobre a Promoção da Educação, Ensino e Conscientização Pública e a Declaração de Kyoto; Swansea Declaration of the Association of Commonwealth Universities, de agosto de 1993; Copernicus University Charter for Sustainable Development – conferência de reitores europeus em 1993; Student Charter for a Sustainable Future – das uniões estudantis do Reino Unido de 1995; Declaração Thessaloniki – conferência internacional sobre ambiente e sociedade: educação e conscientização pública para a sustentabilidade, de 1997; Global Higher Education for Sustainability Partnership (GHESP), formada pela UNESCO em 2000; Lüneburg Declaration – da Universidade Lüneburg, 2001. Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável, lançada pelas Nações Unidas em 2002, para o período entre janeiro de 2005 e dezembro de 2014.

Desde os anos 70, o ambiente institucional tem favorecido o avanço das preocupações socioambientais na formação profissional. Wright (2004) afir-


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ma que mais de mil presidentes e vice-chanceleres de universidades do mundo todo assinaram as seguintes declarações: Halifax, Swansea, Copernicus Charter, Talloires, Kyoto e Lüneburg. A AASHE ( Association for the Advancement of Sustainability in Higher Education) incluiu em seu rol mais de 500 faculdades e universidades dos Estados Unidos e Canadá interessadas em questões de sustentabilidade. E, de acordo com a University Leaders for a Sustainable Future (ULSF, 2002), a Talloires Declaration of University Leaders for a Sustainable Future foi assinada por mais de 280 Instituições de Ensino Superior (IES) em 47 países nos cinco continentes, comprometendo-se os signatários a operacionalizar atividades e iniciativas curriculares associadas ao desenvolvimento sustentável em seus campus e cursos. A Conferência das Nações Unidas, ocorrida no Rio de Janeiro em 1992, trouxe um importante marco para a educação para a sustentabilidade. Dentre os documentos mais reconhecidos resultantes da conferência estão a Declaração de Kyoto e a Agenda 21. A Declaração de Kyoto de 1993, adotada por 90 universidades do mundo todo, desafiava a educação superior a conscientizar-se sobre a relevância do tema e de sua inserção nos currículos das IES. Já o Capítulo 36 da Agenda 21 é dedicado a promover a educação, a consciência pública e o treinamento para o desenvolvimento sustentável. A Agenda 21 reforçou a necessidade de a educação ambiental e a educação para o desenvolvimento sustentável serem temas transversais em todas as políticas e práticas da educação (UNESCO, 2012). Esse esforço foi resultado de uma longa negociação envolvendo mais de 178 países. É considerado um feito significativo no sentido de ter provido a base para educadores e influenciadores políticos começarem a desenvolver uma prática de educação para a sustentabilidade mais consistente. Dez anos após a reunião no Rio, a Conferência das Nações Unidas de 2002, em Johannesburgo, voltou a colocar o tema da educação para a sustentabilidade no topo da lista. O foco da conferência era estimular os estadosmembros a aumentarem os esforços e revitalizar a agenda do desenvolvimento sustentável. Segundo o relatório da UNESCO (2003, p. 4): Educação para o desenvolvimento sustentável passou a ser vista como um processo de aprendizagem de como tomar decisões que consideram o futuro a longo prazo [...]. Isto representa uma nova visão da educação, uma visão que auxilia pessoas de todas as idades a entenderem melhor o mundo em que vivem, compreendendo a complexidade e a interconexão dos problemas [...]. A visão de que educação enfatiza uma abordagem holística e interdisciplinar para o desenvolvimento do conhecimento e de habilidades necessárias para um futuro sustentável, tanto quanto mudanças em valores, comportamentos e estilos de vida.


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Votada em dezembro de 2002, a Resolução 57/254 instituiu a Década das Nações Unidas da Educação para o Desenvolvimento Sustentável, de janeiro de 2005 a dezembro de 2014. A UNESCO ficou responsável pela promoção da década e por desenvolver um esquema de implantação. A Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa (UNECE) se encarregou da dinâmica de implantação, abrindo caminho para cada um dos membros desenvolver uma estratégia adequada a seu país. Esse breve panorama institucional enfatiza a crescente relevância do tema. Não há dúvidas de que agências intergovernamentais fomentam a discussão da necessidade de transformação da educação. Mas, conforme apontam muitos autores (SPRINGETT, 2003; TILBURY, 2004), a operacionalização dos pressupostos da educação para a sustentabilidade só será viável à medida que as instituições e os docentes repensem seus papéis como agentes de mudança.

Educação para a sustentabilidade e o ensino superior Para Tilbury (2004), a UNESCO (2003) reconheceu explicitamente o papel crítico da educação superior em promover oportunidades para a aprendizagem social e mudança rumo ao desenvolvimento sustentável no relatório “Education for Sustainability: from Rio to Johanesburg”. Para a autora, o relatório apoia formas de aprendizagem socialmente críticas que possam influenciar as transformações necessárias ao mundo, bem como identifica a necessidade de uma educação que questione os modelos mentais correntes. Corcoran e Wals (2004, p. 3) reforçam ainda que a educação superior deve responder aos tempos de crises em que estamos vivendo, destacando que o “escopo e amplitude dos impactos negativos causados por pessoas formadas nas universidades sobre os sistemas naturais que sustentam a Terra são sem precedentes”. De acordo com Clugston (2004), a educação superior tem a missão de questionar a realidade, desenvolver novos conhecimentos, habilidades e valores e preparar cidadãos e trabalhadores competentes, que possam contribuir para um mundo melhor. Para esse autor, a educação superior não só tem a responsabilidade de ensinar sobre os problemas sociais, mas a academia precisa participar e liderar debates teóricos e a experimentação prática em direção à solução desses problemas. Autores como Orr (2004), Sterling (1996, 2001, 2004) Tilbury (2004), Almeida (2002) e Lima (2003), ao analisarem as propostas correntes de uma educação para a sustentabilidade, partem da premissa de que a educação vigente não responde adequadamente aos problemas modernos. Eles reconhecem que a educação ambiental, como tem sido trabalhada nas últimas décadas, não apresentou os resultados esperados nem tem se mostrado capaz de atender à crescente complexidade da crise contemporânea (LIMA,


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2003). Nesse sentido, esses autores acreditam que apenas com uma mudança de paradigma será possível responder adequadamente aos problemas. Esta é a posição defendida também por Sterling (1996, p.18), para quem a educação em si é geralmente parte do problema: “Longe de ser um agente de mudança, a educação dominante encoraja o individualismo, estilos de vida e padrões de consumo insustentáveis, diretamente ou por default”. Sterling (1996) parte da análise da visão tecnocrata dominante para justapor à mesma a visão ambientalista. Ao final conclui que a educação para a sustentabilidade constitui-se em um novo paradigma que deve conciliar as duas visões. Na visão tecnocrata (também endereçada pelo autor de tecnocêntrica, materialista, reducionista), a sustentabilidade é vista apenas como uma questão de fazer ajustes, adaptações às atividades humanas. Do outro lado, a visão ambientalista radical (também caracterizada pelo autor como democrática, integrativa, preocupada com o social) representa uma reformulação fundamental dos padrões da atividade humana, a qual integra a sustentabilidade ecológica com justiça social e enxerga sustentabilidade como uma metáfora promissora de transformações estruturais e pessoais. Perante essas duas tensões, um paradigma culturalmente mais sustentável para a educação deve ser discutido, com elementos orientadores que se sobreponham às duas visões. Para ele, o paradigma dominante não leva em consideração a necessidade de rompimento com a visão tecnocrata e tecnocêntrica. De outro lado, o paradigma da educação ambiental radical utópica não dá conta das diversas forças sociais, éticas e culturais, ao apresentar uma visão fundamentalmente ecológica. O autor defende que é necessário encontrar novos modelos e novas abordagens para a educação para sustentabilidade. Argumenta que o conceito de educação para a sustentabilidade implica algumas condições primárias e que estão inter-relacionadas, conforme proposto no Quadro 1. Os elementos apontados por Sterling (1996) como características da educação para a sustentabilidade convergem para uma educação participativa e holística. O autor especifica que, para ser holística, há a necessidade de reconhecer que todas as dimensões educacionais, tais como currículo, pedagogia, estruturas, organização e ethos, se afetam mutuamente e devem ser vistas em conjunto. Nesta mesma linha, Springett e Kearins (2005) apontam as seguintes características da educação para o desenvolvimento sustentável: t

interdisciplinar e holística em sua abordagem;

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guiada por valores e com pressupostos explícitos que possam ser examinados, debatidos, testados e aplicados;

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promotora da atuação participativa por meio do pensamento crítico e da solução de problemas;


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realizada a partir de abordagens multimétodos que envolvam diversas pedagogias de ensino e o emprego da linguagem dos aprendizes;

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apoiada em processos inclusivos e participativos que envolvam os aprendizes na tomada de decisão.

Quadro 1

Características da educação para a sustentabilidade.

Contextual

Sintonizada e comprometida em tratar as crises da modernidade. Na medida do possível aplicada e baseada no contexto social, econômico, ambiental e geográfico.

Inovadora e construtiva

Inspirada pelo pensamento pós-moderno em diversos campos de conhecimento (incluindo ciências, ética, política, economia, design, psicologia)

Focada e inspirada

Baseada, mas não limitada, no desenvolvimento social e ecologia humana, equidade e futuro, em uma abordagem holística.

Holística e humana em escala

Reconhece que todas as dimensões educacionais, tais como currículo, pedagogia, estruturas, organização e ethos, se afetam mutuamente e devem ser vistas como um todo consistente.

Integradora

Maior ênfase na pesquisa interdisciplinar e transdisciplinar (transversal), refletindo que nenhum tema, fator ou problema existe isoladamente.

Orientada ao processo em vez de orientada ao produto

Reavalia a educação e a aprendizagem como intrínsecas à vida. Desta forma é engajada e participativa com ênfase no aprender em vez de no ensinar. Em particular valoriza a pesquisa-ação, com ênfase na reflexão crítica, aprendizagem experimental e domínio democrático.

Crítica

Atenta à ideologia vigente e socialmente crítica. Reconhece que nenhum valor educacional é politicamente neutro.

Equilibrada

Procura o balanço entre os paradigmas tecnocrata e ecológico radical. Inclui discussões sobre aspectos pessoais, tais como conhecimento e valores individualistas, racionalidade e intuição, e aspectos coletivos, tais como economia e ecologia, presente e futura, local e global, individual e comunitária.

Sistêmica e conexa

Coloca ênfase na relação e nos padrões de comportamento, encorajando a consciência sistêmica participativa.

Ética

Alimenta a sensibilidade ética normativa, que vai além do pessoal e imediato, e incentiva o senso de participação e solidariedade com o outro, seja este pessoa, ambiente ou espécie.

Intencionada

Explora, testa, critica e alimenta os valores e alternativas da sustentabilidade, com o propósito explícito de promover mudança.

Inclusiva e ao longo da vida

Considera que a educação se dá ao longo da vida e em diversas áreas de conhecimento.

Fonte: Baseado em Sterling (1996, p. 22-24). Tradução dos autores.


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Vale a pena mencionar também a visão do programa do Australian Research Institute on Education for Sustainability (ARIES), iniciativa do governo da Austrália que aponta os seguintes componentes para a educação sustentável: visão de um futuro melhor, pensamento crítico e reflexão, participação, parcerias para mudança e pensamento sistêmico (ARIES, 2009). Por visão de um futuro melhor entende que a educação para a sustentabilidade deve promover o estabelecimento de metas de longo prazo conjugadas com ações imediatas a fim de motivar indivíduos a agir, estabelecendo níveis de relevância e dando a direção a seguir. Considera que o pensamento crítico deve desafiar e questionar os pressupostos que delineiam a sociedade, conhecimentos e opiniões estabelecidas, de forma que modos alternativos de pensar e de agir sejam desenvolvidos. Trata-se de envolver os indivíduos na análise, no planejamento e na tomada de decisão, capacitando-os para o exercício da autonomia. Sumarizando tais propostas pode-se dizer que há uma convergência de argumentos em torno da ideia de que a educação dominante não trata, em geral, dos temas da sustentabilidade ou, quando trata, o faz de maneira superficial. A educação ambiental tradicional, por vezes, apresenta uma abordagem fragmentada e acrítica da questão socioambiental. Tal educação ambiental, ao “[...] aplicar metodologias disciplinares, não participativas e de baixa criatividade e ao propor respostas comportamentais e tecnológicas para problemas de maior complexidade”, não responde às necessidades urgentes de preservação socioambiental e de expectativas de mudança (LIMA 2003, p. 110). Para autores como Orr (1992), Sterling (1996) e Springett (2003, 2005a), incorporar os princípios do desenvolvimento sustentável ao currículo acadêmico e às IES pressupõe o uso de estratégias e práticas educacionais diferenciadas. Um número de fatores aponta para a interdisciplinariedade e a transdisciplinariedade do currículo (currículo transversal) como bases fundamentais da educação para a sustentabilidade. Além disso, a educação sustentável, ao contrário da educação formativa/tradicional, ocorre em situações vivenciais, se dá ao longo da vida e tem como autor central o aprendiz. No Brasil, vale ressaltar a visão de Jacobi (2005), que, em sintonia com os autores internacionais, defende que o processo educativo deve ser capaz de formar um pensamento crítico, criativo e sintonizado com a necessidade de apresentar propostas para o futuro, de analisar as relações complexas entre os processos naturais e sociais e de atuar no ambiente em uma perspectiva global, respeitando as diversidades socioculturais. O processo educativo deve, então, estimular a reflexão sobre os valores individuais e coletivos e promover novas atitudes e comportamentos que levem em consideração o respeito


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às pessoas e ao meio ambiente. Ainda de acordo com Jacobi (2005), o caminho para uma sociedade sustentável é traçado à medida que se desenvolvem práticas educativas que introduzam atitudes reflexivas sobre os efeitos gerados pelas ações e pelas atitudes utilitaristas dos indivíduos. Trata-se, sobretudo, da formação de novas mentalidades, conhecimentos e comportamentos. Jacobi (2003) afirma que: “[...] a educação ambiental assume cada vez mais uma função transformadora, na qual a corresponsabilização dos indivíduos torna-se um objetivo essencial para promover um novo tipo de desenvolvimento – o desenvolvimento sustentável” (p. 193). Mas se os pressupostos de uma educação para a sustentabilidade devem se dar nesses termos, se exigem esse grau de mudança, como a literatura vem analisando sua operacionalização? Este é o tema do próximo item.

Sustentabilidade, ensino superior e gestão universitária Como exposto no item anterior, entende-se, como afirma Corcoran (2010, p. xiii), que a “natureza da sustentabilidade e o prospecto da insustentabilidade requerem uma mudança epistemológica fundamental e, portanto, mudança na educação. Mudanças são necessárias no currículo, pedagogia, políticas e estruturas institucionais”. Assim entendida a proposta da educação para a sustentabilidade, resta compreender dois pontos: quais motivações levariam as IES a adotarem práticas de sustentabilidade e como ocorreria a operacionalização das mesmas. Quanto ao primeiro aspecto é importante trazer o pensamento de Shriberg (2002) e de Alabaster e Blair (1996). Segundo Shriberg (2002), a maior parte das razões para se inserir sustentabilidade nos currículos do ensino superior fundamenta-se no fato de que educação é a maior indústria no mundo e, por isto, tem poder, potência e obrigação. A seguir, uma síntese das razões apontadas pelo pesquisador para uma IES tornar-se sustentável (SHRIBERG, 2002, p. 55-57): t

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Expertise/habilidade: as IES são as mais capacitadas para liderarem a sociedade rumo à sustentabilidade, pois possuem menor pressão fiscal em relação a outras grandes instituições; além disso, possuem expertise, os recursos e a alavancagem para provocar progresso significativo à sustentabilidade. Obrigação social/ética: faculdades e universidades têm a obrigação moral de tratar de temas de sustentabilidade. Modelos: as IES exercem papel ímpar em estabelecer tendências na sociedade. Causadores de problemas: os defensores da sustentabilidade e teóricos afirmam que o paradigma social atual é amplamente criado e


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reforçado pela educação superior de duas maneiras, sendo a primeira o fato de o corpo docente e discente da graduação e pós-graduação não estarem preparados para a sustentabilidade e a segunda o fato de a própria universidade ser causadora de impactos ambientais. t

Benefícios à imagem: ao incorporar princípios de sustentabilidade, as instituições de ensino superior podem obter benefícios à reputação.

Também o artigo de Alabaster e Blair (1996), intitulado Greening the University, faz uma análise das universidades britânicas. A expressão “tornar verde” é comumente utilizada para descrever os esforços de tal integração, apresentados abaixo: t

Conformidade legal: para muitas instituições, o estímulo imediato é estar em conformidade com a legislação ambiental. A vantagem dessa abordagem é a rápida absorção pelas instituições da agenda ambiental. A desvantagem é que nem todos os componentes relacionados à sustentabilidade estão presentes na legislação ambiental.

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Diminuição de despesas: esta é uma oportunidade real para as universidades. Ao investirem em tecnologias e instalações mais modernas, a economia é potencialmente grande, levando-se em conta que a maior parte das instalações das IES são amplas, obsoletas, com design ultrapassado, além do fato de consumirem enormes quantidades de suprimentos, tais como papel. Considerações sociais: elemento qualitativo, porém tangível, representa o papel que a universidade tem nas comunidades locais e com sua força de trabalho. Especialmente com a legitimação dos princípios e práticas do desenvolvimento sustentável, há maior aceitação de que questões de justiça e igualdade social devam ser adotadas. Expectativas da força de trabalho: disparidade muito grande entre o que se ensinava e o que se praticava nas IES ficou mais perceptível ao se introduzir um leque mais amplo de cursos de educação e de gestão ambiental. Isto fez surgir uma pressão clara por parte do corpo discente, docente e de apoio administrativo de que a prática deve seguir o discurso. Há uma expectativa de que a instituição implante sistemas de gestão ambiental, monitore seu progresso e torne pública a informação sobre o mesmo. Ter um currículo mais “verde”: há uma necessidade urgente de força de trabalho alfabetizada ecologicamente. Mas apenas tornar o currículo mais verde não é aceitável se as práticas institucionais não suportarem os elementos básicos da sustentabilidade em todos os seus aspectos.

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Ao buscar definir o que é um curso superior sustentável, ou se uma faculdade ou universidade já se tornou sustentável, a revisão de literatura mostra que há pelo menos uma condição necessária para essa identificação: o reconhecimento por todos que ali trabalham ou estudam de que a mesma tem papel central na contribuição à sustentabilidade do planeta. Uma instituição sustentável reconhece sua contribuição a partir de suas declarações oficiais, das auditorias a que se submete e por outros meios de comunicação utilizados com a finalidade de deixar clara sua posição (SHRIBERG, 2002; ULSF, 2002). Instituições “sustentáveis” estabelecem metas explícitas para sua integração com comunidades e com o meio ambiente e reconhecem que há interdependência entre os mesmos. Embora se notem certa clareza e concordância quanto aos motivos que levam as IES à busca pelo desenvolvimento sustentável, em relação ao segundo aspecto – como operacionalizar a sustentabilidade – a situação é diferente. A maneira como as IES estão desenhando seus modelos de gestão, visando tornarem-se sustentáveis, ou seus modelos curriculares, buscando a inclusão da sustentabilidade em seus cursos, são as mais diversas. Ao redor do mundo todo, tanto universidades quanto faculdades têm relatado seus processos de mudança. Segundo Leal Filho (1999) e Clugston (1999), as abordagens para a sustentabilidade diferem de campus para campus, de país para país, de política para política e de declaração para declaração. Lozano-García et al. (2009) afirmam que não há uma resposta simples e única, uma vez que a estratégia de incorporação depende de muitas variáveis, endógenas e exógenas à instituição. A UNESCO (2005, apud SHALLCROSS e ROBINSON, 2007) afirma que saber o que os outros estão fazendo em outras partes do mundo é uma significativa fonte de aprendizagem, mas que as práticas da educação para a sustentabilidade não podem ser simplesmente transferidas de uma região geográfica para outra, sem levar em conta as diferenças regionais. Assim, boas práticas que obtiveram sucesso em determinada instituição, curso ou situação específica de ensino devem ser adaptadas e modificadas para se tornarem relevantes e culturalmente apropriadas em outro local. Apesar disso, há princípios e temas em comum à maioria das políticas institucionais e declarações nacionais e internacionais de compromisso com a educação para a sustentabilidade. Após analisar oito das principais declarações internacionais sobre educação para a sustentabilidade no período de 1970 a 1998 e de estudar políticas e práticas de treze universidades e faculdades americanas e canadenses, Wright (2002) sumarizou em oito os temas mais comuns encontrados, que são apresentados a seguir:


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Operações sustentáveis: constituem-se num dos principais temas discutidos pelas políticas das universidades e incluem, em geral, o modus operandi de diversas frentes, tais como saúde e segurança, listas de ações e tarefas a serem seguidas na conservação de recursos, reciclagem, redução do desperdício, operações adequadas ao ambiente. Pesquisa sobre sustentabilidade: inclui o apoio dado às investigações acadêmicas voltadas à sustentabilidade, que pode ser verificado por intermédio de declarações das instituições e do apoio financeiro aos projetos de pesquisa. Alcance público (extensão universitária): além do público interno, as instituições devem se situar quanto à sustentabilidade junto à comunidade na qual residem. As faculdades e universidades existem não só para que os docentes e discentes busquem e desenvolvam conhecimentos, mas também para que o conhecimento seja aplicado na solução de problemas complexos da sociedade. Acredita-se que para que a mudança ambiental ocorra é necessário que os diversos stakeholders estejam, obrigatoriamente, envolvidos. Cooperação interuniversitária e intrauniversitária: deve encorajar as unidades universitárias e faculdades a compartilharem informações sobre as iniciativas que estão sendo tomadas na busca de soluções e políticas de sustentabilidade. Incluem programas de cooperação entre elas e a rede de troca de conhecimento entre diversas universidades. Parcerias com governo, organizações não governamentais e indústria: buscam aumentar a interação entre as IES e outras organizações que estejam preocupadas com a sustentabilidade. Wright (2004) afirma que há um importante reconhecimento de que as IES não conseguem criar mudanças sociais por si só. Embora consideradas como agentes de mudança, observa-se que as declarações deixam claro que há necessidade de cooperação em vários níveis, incluindo parcerias com outras instâncias. Alfabetização ecológica: as universidades encorajam a criação de programas que desenvolvam a capacitação do corpo docente e também programas para o ensino de sustentabilidade na graduação e pós-graduação. Pode abranger ainda programas de treinamento que incluam workshops, encontros profissionais e acadêmicos, palestras, seminários, simpósios, troca de conhecimentos e desenvolvimento de indicadores de sucesso.


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Desenvolvimento de currículo interdisciplinar: relacionado ao tema de alfabetização ecológica está a noção de desenvolvimento de um currículo interdisciplinar. As políticas e práticas de diversas instituições privilegiam a inclusão de princípios e conceitos ambientais nos currículos de todos os cursos, de maneira interdisciplinar. Obrigação moral: ponto de unificação de todas as declarações e políticas estudadas, a obrigação moral e ética em promover a sustentabilidade deve estar presente e envolver os líderes das universidades.

A emergência desses temas sugere que há certas prioridades para a sustentabilidade na educação superior. As duas temáticas que aparecem em todas as oito declarações analisadas por Wright (2004) são: obrigação moral da instituição em se tornar sustentável e alcance comunitário (também chamado de extensão universitária). Outros focos como aprendizagem ecológica e parcerias com diversos atores sociais também são comuns. Já operações dentro do campus (que inclui a gestão operacional, manutenção e preservação do campus físico) e desenvolvimento de um currículo interdisciplinar aparecem com menos frequência, sugerindo que estes podem não ser uma prioridade para a maioria das declarações nem para a agenda da sustentabilidade na educação. Essas informações oferecem pistas sobre quais são as prioridades para se tornar sustentável a partir do ponto de vista das instituições e dos caminhos que as mesmas escolhem para seguir. Ainda que tais pontos de atenção possam representar uma visão utópica da educação para a sustentabilidade, são uma constante lembrança do que a educação para a sustentabilidade no ensino superior deveria considerar. Wright (2004) afirma que o fato de a instituição ser signatária ou não de uma declaração de âmbito nacional ou internacional não necessariamente é um indicador do grau em que a IES está se dedicando às causas e pressupostos da sustentabilidade. Mas revela a preocupação e o posicionamento da organização. Tão significantes quanto as declarações externas e as políticas internas são os planos de implantação, que podem demonstrar a urgência da mudança e o grau de envolvimento que a entidade está pronta para assumir.

Tendências mundiais e formas de inserção da sustentabilidade no ensino superior: breve panorama Neste item busca-se apresentar um panorama das experiências internacionais de introdução da sustentabilidade nos currículos da educação superior e algumas das iniciativas encontradas nas diretrizes educacionais brasileiras determinadas pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad/MEC). Abordam-se ainda as principais dificuldades e avanços decorrentes de tais iniciativas.


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A maior parte das pesquisas relatadas em artigos publicados em periódicos internacionais sobre sustentabilidade têm raízes na Europa e nos Estados Unidos, revelando a hegemonia econômica e editorial dessas duas regiões. Mas pesquisas de outras origens, tais como Ásia, Oceania, América Latina e até mesmo África, têm sido reportadas internacionalmente, com focos, muitas vezes, diferenciados (WALS apud WALS e BLEWITT, 2010, p. 59). Mochizuki e Fadeva (2008 apud WALS e BLEWITT, 2010) atentam para o fato de que, desde 2003, diversos centros de expertise regionais foram criados, a partir de negociações advindas da V Conferência Ministerial Europeia sobre o Meio Ambiente. A criação desses centros de expertise tem facilitado e encorajado o desenvolvimento regional do tema. Até junho de 2009 já havia 62 centros na África, América do Norte, Ásia, Europa e Oriente Médio. Mas na América Latina constava apenas um: em Curitiba, no Paraná (WALLS e BLEWITT, 2010). Analisa-se agora cada região separadamente. Segundo Wals e Blewitt (2010), a maior parte dos artigos advindos do Canadá e dos Estados Unidos publicados nos nove primeiros volumes do International Journal of Sustainability in Higher Education (IJSHE) foca temas como: tornar o campus verde, melhoria da gestão ambiental e redução da pegada ecológica. Em geral, os artigos revelam o intuito das organizações de minimizar os impactos ambientais e sociais causados pela gestão operacional do campus, em compras, acessibilidade, energia, resíduos, moradia estudantil e outros. Os artigos frequentemente também estão voltados para a discussão de como envolver o corpo docente, discente e departamentos de apoio. Contudo, os pesquisadores chamam a atenção para o fato de que a educação superior nos Estados Unidos não tem dado mostras de um redesenho significativo além da gestão operacional da instituição, ou seja, poucas mudanças profundas em direção à sustentabilidade têm sido observadas nas instituições americanas. Tal visão também é compartilhada por Calder e Clugston (2003), que afirmam que apenas um número reduzido de instituições nos Estados Unidos conseguiu provocar mudanças de forma significativa. Em termos de currículo, um número crescente de cursos que incorporam princípios de sustentabilidade em diversas disciplinas é observado nos campi americanos. De acordo com o relatório State of the Campus Environment (CALDER e CLUGSTON, 2003, p. 10009), estima-se que, em 1995, apenas 400 faculdades e universidades norte-americanas ofereciam graduação em estudos ambientais e em ciências do meio ambiente (de um total de 3.700 instituições de ensino superior). Em 2001, 43% de 4.100 instituições ofereciam disciplinas obrigatórias ou eletivas em estudos ambientais ou em sustentabilidade. No entanto, as disciplinas baseavam-se majoritariamente nos


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fundamentos de biologia e de química, ficando longe de abordagens de gestão, estratégia ou de tomada de decisão. Apenas 8% das instituições pesquisadas em 2001 exigiam que todos os estudantes tivessem ao menos um curso ligado ao meio ambiente. Mas também há registros de abordagens inovadoras na tentativa de ampliar as fronteiras disciplinares ou departamentais, segundo Calder e Clugston (2003). Um dos exemplos citados pelos autores é o caso da College of the Atlantic, em Barl Harbor, estado do Maine. Nessa instituição há apenas o curso de bacharelado em ecologia humana. A abordagem de aprendizagem adotada é fundamentalmente interdisciplinar e exige que todos os estudantes matriculem-se em uma disciplina intitulada resolução de problemas com a finalidade de “desenvolver habilidades necessárias para realizar contribuições significativas à sociedade” (CALDER e CLUGSTON, 2003, p. 10010, tradução dos autores). Outro exemplo citado pelos autores é o da Kenan-Flagler Business School, da Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill. Essa faculdade lançou, em 1999, um curso de administração com área de concentração em Empreendimentos Sustentáveis, o qual oferece disciplinas relacionadas a investimento urbano, desenvolvimento econômico de minorias, sistemas de gestão sustentáveis, marketing social, gestão de ciclo de vida, finanças e sustentabilidade e desenvolvimento sustentável. Em termos de pesquisas voltadas para a sustentabilidade realizadas nos campi, segundo Calder e Clugston (2003), em grande parte se encontram na área das ciências naturais, apesar de que há mostras de progresso no campo das ciências sociais. Dados do levantamento do relatório State of the Campus Sustainability (CALDER e CLUGSTON, 2003), 23% das instituições americanas pesquisadas em 2001 ofereciam centros de pesquisa com foco em questões ambientais. Porém, não há detalhes quanto ao nível de suporte oferecido pelas IES aos centros ou às pesquisas. Há forte tendência dos institutos americanos em apoiarem pesquisas de tecnologia sustentáveis, como é o caso da Georgia Tech (Instituto de Tecnologia da Geórgia), que se destaca como líder na área por meio do Instituto para a Tecnologia e Desenvolvimento Sustentável (ISTD). Na gestão operacional dos campi universitários, os progressos das universidades americanas têm sido mais expressivos do que aqueles alcançados nas outras dimensões institucionais críticas mencionadas por Calder e Clugston (2003). Uma parte da explicação vem dos ganhos financeiros imediatos procedentes da diminuição do uso de recursos. Segundo os autores, há centenas de exemplos de esforços de conservação de recursos (água, energia, materiais consumíveis, etc.). Para se ter uma ideia do potencial de ganhos, os autores citam que o orçamento anual do setor educacional norteamericano excede os duzentos milhões de dólares.


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A participação estudantil é uma das dimensões citadas por Calder e Clugston como a que apresenta os maiores desafios. Sem dúvida, a participação dos estudantes é central na educação para a sustentabilidade e deve ser o foco na expansão do movimento. Os dois exemplos citados pelos autores são o da Universidade de Harvard, onde um grupo de onze estagiários de diversas unidades da universidade desenvolveu um projeto voltado para a introdução de alimentos orgânicos nos refeitórios da universidade em 2001, e o da Associated Colleges of the South, que desenvolve um projeto com 16 faculdades com o objetivo de aumentar o interesse estudantil pelas causas da sustentabilidade. Aparentemente, diversas iniciativas das instituições encontram problemas de escala, sendo difícil aumentar o número de participantes e os valores dos orçamentos direcionados a esforços de sustentabilidade. Em termos de extensão e serviços à comunidade, aparentemente as universidades americanas têm demonstrado diversos progressos e há inúmeros exemplos de tentativas inovadoras de aproximar a universidade da comunidade nas propostas da sustentabilidade (CALDER e CLUGSTON, 2003; WALS e BLEWITT, 2010). Os exemplos são os mais variados. Calder e Clugston (2003) destacam o projeto da faculdade Allegheny, no noroeste da Pensilvânia, a parceria de 16 faculdades e universidades de Nova Jersey, o consórcio de 41 instituições de ensino superior na Pensilvânia e o da Clemson University na Carolina do Sul. Na Allegheny, 150 estudantes da universidade trabalharam, em 1997, com cem parcerias comunitárias para investigar cursos de águas, exploração de madeira e proprietários de terras, com a finalidade de estabelecer reflorestamento sustentável na região. Em Nova Jersey, a associação de 16 faculdades e universidades culminou com a assinatura de um “pacto de sustentabilidade” após vários trabalhos realizados com a comunidade e também na redução de 3,5% de gases e efeito estufa no ano de 2005. A declaração da missão de uma instituição revela sua visão e compromissos fundamentais, mas, segundo Calder e Clugston (2003), poucos dirigentes e reitores de universidades e faculdades acabam estabelecendo diretrizes dessa ordem. Não obstante, 34% das instituições americanas que participaram da pesquisa State of the Campus Sustainability de 2001 afirmaram ter uma declaração de compromisso com a sustentabilidade ou uma séria intenção de fazê-la. Na Europa Europa, os relatos de progresso rumo à integração da sustentabilidade no ensino superior têm sido bastante variados. Um significativo número de universidades de diversos países tem contado seus cases de ensino de como incluir diretrizes socioambientais no currículo e como fazer com que as mesmas façam parte dos princípios institucionais. Os cases cobrem universidades na Espanha, Suécia, Finlândia, Holanda, Grã-Bretanha, Bél-


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gica e Alemanha, entre outras. Há também diversos projetos multinacionais entre países europeus dedicados a desenvolver materiais para o ensino e pesquisa do tema. Um projeto de destaque é o CO-operation Programme in Europe for Research on Nature and Industry through Coordinated University Studies (COPERNICUS), lançado em 1994, após a Conferência dos Reitores Europeus (JONES et al., 2010). Na Alemanha, uma universidade foi criada inteiramente com o propósito de defender e difundir as causas da sustentabilidade: a Lüneburg Univesität. Wals e Blewitt (2010) observam que a maior parte das iniciativas de incorporação da sustentabilidade desenvolvidas na Alemanha foi resultado de ações individuais das próprias IES, não sendo então consequência de leis ou iniciativas governamentais. Também predomina na Alemanha um sistema de ensino em que os estados são responsáveis pela educação, dessa forma, traçar uma estratégia nacional para a educação ou propostas de mudanças unificadas nacionalmente é um grande desafio (WALS e BLEWITT, 2010). Wals e Blewitt (2012) mencionam ainda que um fenômeno interessante ocorre nesse país: o surgimento do conceito de Gestaltungskompetenz (competência de caráter), que tem o objetivo de articular as qualidades, competências e atributos de que os aprendizes necessitam para se envolver com as causas da sustentabilidade. Gestaltungskompetenz é ainda descrita como a habilidade de “modificar e modelar o futuro das sociedades nas quais se habita, participando ativamente no espírito do desenvolvimento sustentável” (DE HAAN, 2006 apud WALS e BLEWITT, 2010, tradução dos autores). Para Wals e Blewitt (2010), a Gestaltungskompetenz tem por objetivo acomodar um modelo amplamente holístico, histórico e sistêmico de entendimento e de ação e há elementos de similaridade entre a Gestaltungskompetenz, a teoria cultural crítica e a ecologia. Para os autores, a proposta da Gestaltungskompetenz para a educação inclui a necessidade de desenvolver a crítica e a reflexão nos aprendizes, para que estes possam refletir e reconhecer os perigos e as consequências negativas advindos das relações de poder sociais desiguais, da desigualdade econômica, de diferenças de ideologia, do uso indevido dos recursos naturais. O projeto de educação para o desenvolvimento sustentável desenvolvido até 2004 na Alemanha ainda não foi totalmente implantado em todos seus estados, muito em função das dificuldades do sistema de ensino alemão mencionadas. Na Holanda, desde 1998, a Dutch Foundation for Sustainable Development in Higher Education (DHO) vem exercendo significativa influência sobre cada instituição de ensino superior daquele país (WALS e BLEWITT, 2010). Com o propósito de desenvolver oportunidades de aprendizagem, ambientes e


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metodologias de aprendizagem inovadoras, o DHO trabalha junto aos estudantes no ensino superior com o objetivo de fazer com que os mesmos ganhem compreensão sobre o conceito de desenvolvimento sustentável, bem como capacidade para desenvolver estratégias para trabalhar com o desenvolvimento sustentável em suas carreiras futuras (DHO, apud WALS e BLEWITT, 2010). Desenvolvimento sustentável foi integrado ao sistema holandês de credenciamento, o que significa que o mesmo faz parte do quadro de critérios pelos quais todos os programas e cursos da graduação são avaliados e reconhecidos. Segundo Wals e Blewitt (2010), em geral é nas instituições de ensino mais politécnicas (ou mais profissionalizantes) que se encontram as disciplinas voltadas ao desenvolvimento sustentável e menos nas faculdades voltadas à pesquisa ou estudos acadêmicos. Segundo Jones et al. (2010), a questão de incluir sustentabilidade como disciplina obrigatória nos currículos superiores da Inglaterra continua ainda sem uma solução. Em 2005 foi lançado um documento de consulta, Sustainable Development in Higher Education (Desenvolvimento sustentável na educação superior), no qual o Higher Education Funding Council for England (Conselho de Educação Superior da Inglaterra) oferece uma visão e estratégia para o avanço da educação superior para o desenvolvimento sustentável. O documento foi rechaçado pelo então vice-chanceler da Universidade Central da Inglaterra, Peter Knight, que argumentou que a proposta do Conselho tirava a última liberdade das universidades. Segundo Peter Knight (apud JONES et al., 2010, p. 4, tradução do autores): “A questão aqui não é se desenvolvimento sustentável é ou não uma boa ideia. É sobre os direitos e responsabilidades básicos das universidades e a necessidade de salvaguardar a liberdade acadêmica”. Para Knight, a responsabilidade da universidade é a de ensinar os estudantes a tomarem suas próprias decisões, a partir do exame crítico de políticas, ideias, conceitos e sistemas, e não a de promover uma ou outra ortodoxia em particular. Uma série de embates levou o Conselho a desistir da ideia de tomar resoluções sobre o currículo das IES. O vácuo criado pela relutância do Conselho foi parcialmente preenchido pela Higher Education Academy (JONES et al., 2010), que desenvolveu um projeto intitulado Education for Sustainable Development e cobre 24 disciplinas em centros de desenvolvimento de diversas universidades da Inglaterra, País de Gales e Irlanda, com o objetivo de apoiar as instituições a desenvolverem currículo e pedagogia capazes de potencializar as habilidades e conhecimentos sobre sustentabilidade junto aos estudantes. Apesar de não haver uma decisão centralizada, as universidades britânicas continuam a adotar, ainda que individualmente, as causas da sustenta-


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bilidade. As universidades de Bradford e de Plymouth, por exemplo, têm estado à frente de outras britânicas nas questões de sustentabilidade ao adotarem uma abordagem compreensiva e estruturada para o desenvolvimento do currículo (JONES et al., 2010). Em 2006, a Universidade de Bradford lançou uma iniciativa conhecida como “Ecoversity” com o objetivo de introduzir o desenvolvimento sustentável na gestão operacional e na cultura da universidade. A iniciativa teve apoio financeiro do Conselho de Educação Superior da Inglaterra. O programa desenvolvido pela Universidade de Bradford seguiu a abordagem apoiada pela UNESCO no que se refere a conteúdo, avaliação e pedagogia. A Universidade de Plymouth foi condecorada, em 2004, com o título de Centro de Excelência em Ensino e Aprendizagem de Educação para o Desenvolvimento Sustentável. O centro adotou uma abordagem sistemática e sistêmica para o desenvolvimento do currículo, além de ter facilitado, no âmbito institucional, uma consulta “ampla e profunda” sobre política e plano de ação a serem adotados pelas universidades. O desenvolvimento do currículo envolveu a fusão dos conceitos, temas e estudos de caso de sustentabilidade, nos programas e módulos de graduação e pós-graduação, além da criação de novos módulos e programas de sustentabilidade. Na África África, segundo Wals e Blewitt (2010), o programa de parcerias chamado MESA (Mainstreaming of Environment and Sustainability in African Universities) foi estabelecido em 2004 com o auxílio da UNESCO e a UNEP (Programa do Meio Ambiente das Nações Unidas), com a finalidade de criar uma estrutura para que as universidades possam discutir e avançar nas propostas do desenvolvimento sustentável, em questões de meio ambiente e de mudanças climáticas. O MESA se constitui em um grupo de intelectuais africanos que sugerem que participar de tal iniciativa não significa apenas se envolver em questões retóricas do desenvolvimento sustentável ou participar no desenvolvimento de novas estruturas e projetos nas universidades, mas um profundo envolvimento na discussão sobre as heranças institucionais remanescentes do colonialismo e do neocolonialismo na África (OKOLIE, 2003 apud WALS e BLEWITT, 2010, p. 64). Tal movimento inclui a análise das formas institucionais das atuais universidades, tendências contemporâneas, divulgação e privatização dos serviços universitários para a sociedade, constituindo-se, portanto, em um projeto muito mais amplo, envolvendo questões de democracia, sociedade, cultura e ambiente. As prioridades para a renovação do ensino superior na África (UNEP, apud WALS e BLEWITT, 2010) são transformar as faculdades e universidades em agentes de desenvolvimento capazes de defender as causas locais e regionais e de contribuir para o fortalecimento do continente.


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O programa de parceria MESA sustenta que introduzir debates sobre educação para o desenvolvimento sustentável envolve todas as três funções fundamentais de uma universidade – ensino, pesquisa e alcance comunitário – e inclui também a gestão do campus e o estabelecimento de parcerias externas. Em 2004, um estudo financiado pela UNEP demonstrou que na maioria das universidades africanas as disciplinas que envolviam o meio ambiente eram ensinadas como cursos eletivos (25%) ou como um item no escopo de outras disciplinas, tais como ecologia, hidrologia, climatologia e geografia. Poucos cursos na área de advocacia, engenharia e humanidades tinham integrado questões da sustentabilidade ou do meio ambiente. Apenas cinco por cento das universidades possuíam uma estrutura institucional (do tipo centro de estudos, instituto ou escola) voltada para a natureza multidisciplinar da sustentabilidade (UNEP, apud WALS e BLEWITT, 2010). Segundo um artigo publicado por Lotz-Sisitka (2004), vários países africanos já assinaram acordos multilaterais de cooperação, incluindo a Agenda 21 e outras convenções de meio ambiente, que têm influenciado políticas e práticas locais, incluindo a educação (LOTZ-SISITKA, 2004). A autora explica que os países africanos têm uma história de leis de conservação socialmente injustas e a proteção é feita para o benefício de poucos. A política pósapartheid sul-africana, por exemplo, enfatiza a relação entre justiça social e sustentabilidade ecológica, sendo que as questões e riscos ambientais estão fortemente relacionados aos direitos humanos e responsabilidades sociais em diversas políticas públicas. Ainda segundo Lotz-Sisitka (2004), o contexto atual da África do Sul reflete um desenvolvimento socioeconômico lento e com má distribuição de renda, o que afeta a sustentabilidade e as opções de vida de comunidades locais. O sistema educacional é diretamente afetado por esse contexto, e as IES têm sido cada vez mais requisitadas a participar e realizar pesquisas e estudos que possam auxiliar as comunidades locais com foco em sustentabilidade. Com esse propósito, a Universidade de Rhodes iniciou, em 1990, uma cadeira dentro da faculdade de educação para tratar da educação ambiental (The Murray & Roberts Chair of Environmental Education) e responder às necessidades e riscos socioecológicos, por meio do aprimoramento da educação, de programas de treinamento e da pesquisa educacional. Um dos primeiros programas desenvolvidos pela cadeira foi o de capacitação comunitária, com o objetivo de apoiar educadores ambientais que estivessem trabalhando em comunidades locais. O programa aos poucos expandiu para outros países da África: Zanzibar, Zimbábue, Suazilândia, Malaui, Zâmbia, Angola e Namíbia. Os pontos fortes do programa, segundo Lotz-Sisitka (2004), eram a sua natureza (ethos) participativa, a participação no trabalho e o foco


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na comunidade. Para obterem certificação, os estudantes devem comprovar trabalhos práticos e envolvimento com as comunidades. Com o crescimento do programa, a Universidade de Rhodes estabeleceu o Gold Fields Environmental Education Services Centre em 1997. Mais de 700 educadores ambientais já foram preparados pela Universidade de Rhodes. O curso é aberto, ou seja, não há requisitos de entrada ou de saída, e a obtenção de título profissional ocorre de acordo com evidências de desenvolvimento profissional e de participação. O curso tem sido caracterizado, durante toda a sua trajetória, pela reflexão e mudança com forte foco no processo social. Os pesquisadores Janse van Rensburg e Le Roux (apud LOTZ-SISITKA, 2004), a partir de uma revisão analítica do currículo participativo da Universidade de Rhodes, identificaram aspectos-chave da orientação do curso, os quais formavam a pedagogia e as práticas educacionais do mesmo. A revisão permitiu o entendimento de tendências na aprendizagem de adultos, especialmente aquelas ligadas à educação ambiental e seus vínculos com a comunidade. As tendências confirmam a importância de colocar o aprendiz no centro do processo de educação, em vez da instituição ou das práticas tradicionais de ensino e aprendizagem (LOTZ-SISITKA, 2004). Os aspectoschave identificados pelo estudo foram: avaliação e aprendizagem, práxis, participação, estrutura flexível de curso e sensibilização. Tais elementos permitiram uma abordagem participativa, de envolvimento prático com questões da sustentabilidade, em diversos contextos comunitários. Em 2004, um artigo publicado por Malone et al. (apud TILBURY, 2004b) afirmava que a Austrália tem sido lenta na adoção do termo desenvolvimento para sustentabilidade, e expressões como educação ambiental, educação para a sustentabilidade ou educação para o desenvolvimento sustentável têm sido frequentemente utilizadas de maneira intercambiável nessa região. Já Tilbury (2004b) defende que nessa região uma significativa mudança ocorreu nos últimos anos em direção a uma educação que leva os estudantes a pensar mais crítica e reflexivamente e em como se comprometer com aspectos da sustentabilidade. Uma série de iniciativas nacionais foi posta em curso, o que auxiliou a contextualizar as políticas e as práticas da educação para a sustentabilidade na Austrália (TILBURY, 2004b). Uma das experiências de incorporação da sustentabilidade ao currículo na Austrália é o da universidade The Royal Melbourne Institute of Technology (RMIT). No período entre 1996 e 2004, duas tentativas foram feitas na universidade RMIT com o objetivo de se introduzir a educação para a sustentabilidade. Na primeira tentativa, uma parte dos funcionários foi mobilizada e organizada a fim de alavancar outros interessados. As primeiras iniciativas focavam diminuir o desperdício e os consumíveis da universidade


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(THOMAS, 2004). Uma segunda estratégia focou em mudanças no currículo e foi desenvolvida com a participação do corpo docente de quatro programas de diferentes disciplinas que envolviam três faculdades. A estratégia não incluiu o desenvolvimento de materiais ou apostilas específicos, pois ficou claro que os professores, apesar de demonstrarem interesse pelo tema, tinham dificuldade em encontrar artigos e materiais que fossem relevantes ao assunto. Desta forma, optou-se por focar em trabalhar com o contexto e materiais providos pela instituição, pelos órgãos educacionais e pela indústria. Porém, sem os recursos necessários, os professores não puderam seguir com a tentativa de disseminar a estratégia por toda a instituição e a iniciativa não deu certo. Dentre as principais barreiras mencionadas por Thomas (2004) no estudo da RMIT estão, resumidamente, as seguintes: t

desconhecimento pelos professores sobre o assunto;

t

desconhecimento de onde buscar informação relevante;

t

não saber combinar informações sobre o ambiente com o conteúdo do curso;

t

professores que não sabem trabalhar em projetos multidisciplinares;

t

sentimento de falta de suporte;

t

não ser reconhecido pelas inovações trazidas;

t

preocupação com o fato de o entendimento ambiental não ser reconhecido como importante na formação do estudante;

t

entendimento de que as mudanças requeridas são muito custosas e/ ou difíceis;

t

preocupação de que o que é bom para uma disciplina não necessariamente é bom para outra;

t

percepção de que as tarefas administrativas, de pesquisa ou outras relacionadas ao tema desenvolvimento sustentável aumentam a carga de trabalho do professor.

No entendimento de Tilbury (2004b), a educação para o desenvolvimento sustentável na Austrália está em curso. Apesar de grandes progressos e de programas exemplares terem sido planejados, ainda há muito a ser feito. Projetos de pesquisa entre vários setores estão delineados, envolvendo indústria, governo e o setor educacional, o que “[...] coloca a Austrália em uma posição forte no apoio a importantes grupos da sociedade na mudança em direção ao desenvolvimento sustentável” (TILBURY, 2004b, p. 111, tradução dos autores). A Nova Zelândia não tem ficado muito atrás da vizinha Austrália: pesquisas e artigos sobre o tema da sustentabilidade cobrindo instituições neo-


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zelandesas são facilmente encontrados em buscas na internet e nas bases de dados. Algumas experiências de incorporação da sustentabilidade ao currículo superior citam as universidades de Ontago, Massey e Waikato. O foco dos programas das Universidades de Waikato e de Massey tem sido o desenvolvimento de uma perspectiva teórica crítica, que se deve, em grande parte, às escolhas pedagógicas e paradigmáticas de duas pesquisadoras trabalhando nos centros de pesquisa dessas universidades: Delyse Springett e Kate Kearins. Segundo as pesquisadoras Kearins e Springett (2003), a teoria crítica tem sido aplicada a diversas áreas, particularmente na promoção de agendas de mudanças radicais, como ecojustiça e sustentabilidade. No campo da administração, a contribuição da teoria crítica permite explorar junto aos estudantes os benefícios e as limitações de práticas gerenciais e considerar possibilidades para a mudança (KEARINS e SPRINGETT, 2003). Desta forma, os programas e as práticas desenvolvidas pelas universidades Waikato e Massey incluem grande número de conceitos da teoria crítica, a fim de desenvolver junto aos estudantes habilidades consideradas fundamentais para a compreensão da sustentabilidade: reflexão, crítica e envolvimento social. Segundo Garcia (2010), o primeiro encontro para a educação ambiental na América Latina ocorreu em Bogotá, na Colômbia, em 1976. Durante o evento, os participantes discutiram as implicações do Charter de Belgrado para a região. Em 1982, educadores da região criaram a Rede de Formação Ambiental para a América Latina e Caribe. Em 1985, educadores ambientais participaram do primeiro seminário sobre universidades e meio ambiente na região América Latina e Caribe. Outros seguiram ao primeiro: 1986 em Brasília, 1987 em Belém e 1989 em Havana, Cuba (GONZÁLES-GAUDIANO e LORENZETTI, 1996). O primeiro Congreso Iberoamericano de Educación Ambiental foi realizado em Caracas, na Venezuela, em 1981. Outros congressos aconteceram em Guadalajara, México, em 1997; Caracas, em 2000; Havana, em 2003; e em Joinvile, Brasil, em 2006. Em 1996, educadores ambientais da região da América Latina e Caribe e também da região ibérica criaram a Organização Internacional das Universidades para o Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (OIUDSMA). Atualmente essa organização possui 20 instituições participantes da região da América Latina e Caribe e do sul da Espanha, (OIUDSMA, 2006). A Costa Rica se destacou como uma das pioneiras na educação para a sustentabilidade na região da América Latina e Caribe, por meio da implantação de programas com o objetivo de incluir a educação para a sustentabilidade em seu sistema educacional, inclusive nas universidades. Na Costa Rica, o Programa Institucional de Sustentabilidade e Paz (PRINSOPAZ),


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apoiado pela UNESCO e pelo Earth Charter (Carta da Terra) e dirigido pela Universidade da Costa Rica, tem a missão de promover a educação ambiental e a redução da poluição nos campi, nas comunidades próximas e em todo o país (CALDER e CLUGSTON, 2003). O México também vem incluindo a educação para a sustentabilidade em seus programas educacionais. O Centro para Educação e Treinamento para o Desenvolvimento Sustentável (CECADESU), do qual o Ministério do Ambiente e dos Recursos Naturais, em parceria com o Ministério da Educação Pública, lidera um programa nomeado de Estratégia de Educação Ambiental para a Sustentabilidade, tem por objetivo incluir a educação para a sustentabilidade em todos os aspectos da educação pública no México (GARCIA, 2010). No Brasil, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) não trata especificamente da educação para a sustentabilidade, mas sim da educação ambiental. Segundo a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), o processo de institucionalização da educação ambiental no Brasil teve início com a criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente, em 1973 (SECAD, 2007). Antes disso, a educação ambiental já vinha sendo praticada, mas não de forma institucionalizada. Em 1981, foi estabelecida a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), por intermédio da Lei 6.938/ 81. A PNMA estabeleceu a necessidade de inclusão da educação ambiental em todos os níveis de ensino e também na educação na comunidade. Outros marcos históricos importantes do processo de institucionalização da educação ambiental foram, segundo a SECAD (2007): t

Constituição Federal de 1988, cujo inciso VI do artigo 225 estabeleceu a necessidade de “promover a Educação Ambiental em todos os níveis do ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente”.

t

Grupo de Trabalho de Educação Ambiental do MEC, criada em 1991 com o objetivo de preparar a Rio 92 e que se transformou, em 1993, na Coordenação Geral de Educação Ambiental.

t

Criação do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), também em 1991, para a institucionalização da política de educação ambiental no âmbito do Sistema Nacional do Meio Ambiente.

t

Criação do Ministério do Meio Ambiente, em 1992.

t

Instituição do Programa Nacional de Educação Ambiental (PRONEA), em 1994. O PRONEA foi executado pela Coordenação de Educação Ambiental do MEC e pelo Ministério do Meio Ambiente e Ibama, sendo o primeiro responsável pelo sistema de ensino e os dois últimos, pela gestão ambiental.


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t

Aprovação da Lei 9.795 em 1999, que dispõe sobre a Política Nacional de Educação Ambiental, com a criação da Coordenação Geral de Educação Ambiental (CGEA) do MEC e da Diretoria de Educação Ambiental no Ministério do Meio Ambiente.

Além dos marcos citados acima, a SECAD (2007) destaca que, em 2004, o Programa Nacional de Educação Ambiental foi submetido, em sua terceira versão, a um processo de consulta pública. Do processo participaram Comissões Interestaduais de Educação Ambiental e Redes de Educação Ambiental, envolvendo 800 educadores ambientais de 22 unidades federativas do país. Também em 2004 foi criada a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD) junto ao MEC, que passou a ser responsável pela CGEA. Ao passar para o MEC, a educação ambiental adquiriu nova visibilidade junto às redes municipais e estaduais de ensino. A proposta da educação ambiental conforme discutida pela Secretaria (SECAD) na publicação de 2007, intitulada “Educação ambiental: aprendizes de sustentabilidade”, inclui as dimensões social, cultural, política e geográfica, além da ambiental. Segundo a SECAD, “em 2004, tem início um novo Plano Plurianual, o PPA 2004-2007. Em função das novas diretrizes e sintonizado com o ProNEA, o Programa 0052 é reformulado e passa a ser intitulado Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis” (SECAD, 2007, p. 15, maiúsculas no original). A autarquia afirma, no mesmo documento, que novas denominações para conceituar a educação ambiental surgiram a partir do final dos anos 80 e início da década de 1990, “como a alfabetização ecológica [...], a educação para o desenvolvimento sustentável [...], a educação para a sustentabilidade [...], a ecopedagogia [...], ou, ainda, a educação no processo de gestão ambiental [...]” (SECAD, 2007, p. 16). A compreensão da educação ambiental defendida pela Secretaria é a partir da função social da mesma. Segundo Teixeira e Teixeira (2005), a CGEA tem ações específicas no ensino formal a partir de cinco eixos de atuação: fortalecimento da Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), formação continuada de professores, educação ambiental no ensino básico, educação ambiental no ensino superior e comunicação e eventos. A proposta de atuação da CGEA é a ampliação dos programas de educação ambiental a todos os níveis de ensino. Trata-se de uma política oficial de incentivo à incorporação da educação ambiental no ensino superior, tanto de graduação quanto de pós-graduação. Um mapeamento conduzido pela RUPEA (2005) constatou que a maioria dos grupos de educação ambiental nas instituições de ensino pesquisadas constituiu-se nos anos 2000. Entre 2000 e 2005 foram criados 14 dos 23 grupos de educação ambiental mapeados, o que correspondente a 60%. Isto demonstra como o tema ainda é bastante recente no Brasil.


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Não só o tema é recente no País como sofre da escassez de dados. Lima (2003), em um artigo sobre o discurso da sustentabilidade e suas implicações para a educação, apontou para o fato de que a educação ambiental no Brasil não possuía dados passíveis de generalização, fosse por falta de pesquisas ou por falta de acompanhamento sistemático e abrangente. Apesar de constatar que, em 2003, já havia no Brasil “a presença de um significativo conjunto de educadores, pesquisas e experiências comprometidas com uma educação ambiental crítica e integradora” (LIMA, 2003, p. 110), o autor afirma que não se conhecia com clareza nem o perfil e as tendências do campo da educação ambiental no Brasil, nem a extensão da renovação político-pedagógica proposta pela sustentabilidade. Finalmente, uma questão importante de se ressaltar no movimento da educação ambiental no Brasil é o fato de a mesma estar fortemente apoiada em movimentos sociais e organizações ambientalistas. Sorrentino (1992, p. 1) afirma que só foi possível viabilizar a proposta de educação ambiental no Brasil a partir dos movimentos “promovidos por órgão governamentais, organizações não governamentais, nas escolas e outras instituições educacionais ou mesmo por meios não formais de educação”. Em 2012 há uma regulamentação legal sobre educação ambiental no ensino formal. O parágrafo 10 da Lei nº 9.795/2012 encerra que a educação ambiental não deve ser implantada como disciplina específica no currículo, mas faculta-se a criação de uma disciplina específica nos cursos de pós-graduação, extensão e nas áreas voltadas aos aspectos metodológicos da educação ambiental, se necessário. A educação ambiental passa assim a fazer parte do currículo da educação superior. O parágrafo 11 da lei regulamenta ainda que cursos de formação docente em todos os níveis preparem esses profissionais para tratarem o tema em todas as disciplinas. Esse cenário aponta o processo de institucionalização da educação para a sustentabilidade no ensino superior que está em curso, a despeito das dificuldades e limitações das experiências. Cabe agora entender, mais especificamente, como as escolas de administração de empresas vêm se posicionando neste contexto.

Inserção da sustentabilidade nos currículos das IES: principais dificuldades e elementos facilitadores Neste item faz-se uma breve revisão de três artigos que abordam as dificuldades e os elementos facilitadores identificados nos processos de inserção da sustentabilidade na educação superior. O primeiro é o trabalho de Velazquez et al. (2005), em que os pesquisadores realizam uma ampla análise da literatura sobre o tema, disponível entre 1990 e 2002. O segundo é um


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artigo de Down (2006) que foca especificamente uma universidade na Jamaica que, ao analisar como os desafios foram enfrentados, revela princípios que podem servir de orientação na introdução da educação para a sustentabilidade. O terceiro é o estudo conduzido pela RUPEA (2005), que aborda as experiências da educação ambiental no Brasil e do qual se apresentaram, anteriormente, os resultados gerais. Aqui volta-se a ele para examinar as dificuldades e elementos facilitadores do processo de implementação dos programas que fizeram parte da investigação e que foram analisados a partir de três dimensões principais. Espera-se que a análise desses documentos possa ser fonte de inspiração para as IES interessadas na inserção da sustentabilidade em seus programas de ensino. Velazquez et al. (2005) identificaram 18 fatores que têm prejudicado o avanço da inserção da sustentabilidade na educação. Os autores conduziram uma revisão da literatura a respeito do tema examinando periódicos, manuscritos, anais de conferências, relatórios de universidades, livros e materiais disponíveis em websites. Embora não tenham focado em nenhuma área de conhecimento específica, concluíram que a maior parte do material coberto pela pesquisa estava relacionada com engenharia, economia e sociologia ou disciplinas relacionadas a estas, como a administração. O período coberto pela revisão de literatura foi de 1990 a 2002, mas documentos importantes anteriores a 1990 também foram incluídos na análise. Afirmam que não é fácil prever a repercussão que um desafio ou uma combinação de desafios pode trazer a uma iniciativa de sustentabilidade em uma IES. Ressaltam que as barreiras e obstáculos mencionados impactaram o progresso de iniciativas de diferentes maneiras, dependendo do contexto e das circunstâncias específicas de cada faculdade ou universidade: falta de consciência, interesse e envolvimento, estrutura organizacional, falta de orçamento, falta de apoio dos administradores da IES, falta de tempo, falta de acesso a dados, falta de treinamento, falta de informação e comunicação oportuna, resistência à mudança, mentalidade de lucros, falta de legislação mais rigorosa, falta de pesquisa interdisciplinar, falta de indicadores de desempenho, falta de políticas que promovam sustentabilidade no campus, falta de definições ou conceitos comuns, problemas técnicos, falta de definição de local de trabalho, “machismo”. Os fatores estão apresentados a seguir, do mais frequente ao menos frequente, segundo a incidência nos dados levantados. Velazquez et al. (2005) tecem ainda alguns comentários em relação a cada fator: t

Falta de consciência, interesse e envolvimento: a falta de envolvimento nos processos relacionados à sustentabilidade é um dos fatores mais mencionados pelos profissionais responsáveis pelas ques-


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tões de sustentabilidade nas IES. Mesmo entre os docentes mais reconhecidos em suas disciplinas nota-se a falta de interesse em participar das iniciativas. Alguns exemplos simples, elementares, da falta de consciência da importância da sustentabilidade entre estudantes, professores ou outros profissionais que trabalham no campus são o desrespeito às campanhas de conservação de energia e a negligência no uso dos recipientes de reciclagem. t

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Estrutura organizacional: as IES em geral possuem uma estrutura organizacional caracterizada por falta de integração, gestão descentralizada, burocracia, alto turnover (rotatividade) de estudantes e docentes e processos sem padronização. Tais características dificultam a integração das unidades e envolvidos com o processo. Falta de orçamento: a falta de financiamento para iniciativas de sustentabilidade é um limitador e preocupação constante dos envolvidos com os projetos. A falta de um orçamento adequado coloca em risco não só o projeto em curso, mas futuras ações. Falta de apoio dos administradores da IES: o apoio dos administradores é fundamental para a inserção de qualquer iniciativa de sustentabilidade, mas não é incomum a falta de apoio ou mesmo a oposição de líderes. Falta de tempo: professores e membros das IES são pessoas ocupadas. Muitas vezes depende-se de voluntários para implantar as iniciativas. Trabalhar com voluntários pode trazer resultados, desde que acompanhados por líderes, pois invariavelmente os voluntários abandonam os projetos quando seu próprio tempo é escasso. Falta de tempo afeta o planejamento, a avaliação e o relatório do projeto. Além disso, professores relatam a dificuldade de introduzir material adicional aos cursos que ensinam, em virtude da restrição de períodos letivos e tempo em sala de aula. Falta de acesso a dados: dados podem não estar disponíveis por uma série de razões. Entre elas há a resistência de empresas em compartilharem informações sobre práticas de sustentabilidade, inacessibilidade a dados, falta de metodologia para coleta de dados, falta de orçamento para realizar coleta de dados sistematizada e ampla. Falta de treinamento: as iniciativas de sustentabilidade também são restritas por falta de especialização dos participantes em sustentabilidade. Poucos no mundo acadêmico já receberam uma educação fundamentada nos princípios sócio-econômico-ambientais da sustentabilidade. Docentes estão sendo estudantes ao mesmo tempo que ‘ensinantes’ de sustentabilidade e estão aprendendo ‘no campo’.


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Falta de informação e comunicação oportuna: informações importantes invariavelmente não estão disponíveis a uma grande quantidade de indivíduos nem com a frequência necessária. Outras vezes, a falta de comunicação acarreta a duplicação de esforços ou a sobreposição de iniciativas. Resistência à mudança: sustentabilidade tem sido reconhecida como importante nas IES, porém ainda há resistência de alguns grupos dentro das IES quanto às causas da sustentabilidade. Mentalidade de lucros: algumas iniciativas, tais como reciclagem, compra de produtos “verdes”, prevenção de poluição e outras, não são facilmente mensuráveis e demandam um prazo mais longo do que os geralmente esperado para se mostrarem efetivas. A mentalidade voltada a lucros é um dos desafios bastante citados pela literatura. Falta de legislação mais rigorosa: há necessidade de se desenvolver uma legislação mais rigorosa que apoie a sustentabilidade, mas há também a necessidade de colocar mais ênfase na aplicação da legislação existente. Falta de pesquisa interdisciplinar: estimular atividades de pesquisa interdisciplinar tem sido uma das tarefas mais difíceis nas universidades. Geralmente falta coordenação e colaboração entre experts de unidades acadêmicas distintas. Falta de indicadores de desempenho: ainda há a necessidade de se desenvolverem indicadores de desempenho que possam medir, principalmente, variáveis ambientais. Falta de políticas que promovam sustentabilidade no campus: a falta de políticas afeta as iniciativas de sustentabilidade de diversas formas e tem levado as unidades dentro campus a desenvolverem suas próprias políticas, as quais acabam sendo um desafio posterior para uma administração centralizada. Falta de definições ou conceitos comuns: a falta de definição de termos e conceitos de sustentabilidade impõe barreiras a projetos dentro do campus. Ainda é uma prioridade para as IES definir o que se entende por sustentabilidade em cada iniciativa promovida. Problemas técnicos: diversas iniciativas falham, pois carecem de suporte técnico e tecnológico. Falta de definição de local de trabalho: muitas vezes é difícil encontrar um lugar ou espaço dentro do campus que possa comportar voluntários, materiais ou mesmo funcionários dedicados às iniciativas de sustentabilidade. Falta de espaço é um problema comum dentro de faculdades e universidades.


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Machismo: o machismo tem sido frequentemente comentado em universidades latino-americanas como um desafio que afeta líderes femininas envolvidas com a sustentabilidade. Elas relatam que são vítimas de falta de confiança em seu trabalho, o que as obriga gastar mais esforços e energia para obter os mesmos resultados que líderes masculinos.

Apesar de o artigo de Velazquez et al. (2005) ser interessante, por apresentar uma análise compreensiva da literatura para um período bastante longo, o mesmo não discute profundamente cada fator nem possíveis soluções a serem dadas aos mesmos. O artigo de Down (2006) efetua uma análise da iniciativa realizada na University of the West Indies, na cidade de Kingstown, na Jamaica. O autor realizou uma pesquisa-ação, e dois cursos foram selecionados para a integração de questões de sustentabilidade: o curso de computação básica e o curso de literatura caribenha. O curso de literatura começou com a exploração do conceito de desenvolvimento sustentável e com a leitura e discussão de projetos. Em seguida, os alunos foram encorajados a pesquisar a área, em especial a questão da sustentabilidade relacionada ao ambiente e à economia. Os alunos foram apoiados na busca da literatura de suporte e na discussão critica de assuntos contemporâneos relacionados com os temas. Além disso, várias palestras foram organizadas e um workshop foi realizado, entre outros trabalhos “práticos”. O curso de computação básica era eletivo e aberto a qualquer estudante da graduação. O conteúdo de sustentabilidade seria introduzido de maneira on-line, com os alunos acessando o programa da UNESCO “Teaching and Learning for a Sustainable Future”. A partir da pesquisa realizada, o autor concluiu que os cinco desafios principais enfrentados no processo daquela universidade estavam diretamente relacionados: ao entendimento, conhecimento e atitude dos professores sobre o tema, às expectativas dos estudantes, aos limites do plano de ensino, à transformação de uma iniciativa pessoal em política e ao suporte limitado aos programas de sustentabilidade. Em relação ao primeiro desafio, o autor destaca que o envolvimento inicial dos docentes com o projeto variou desde o interesse pelo assunto até o ceticismo. Os docentes se questionavam sobre a definição do conceito e sobre o que era diferente do que já vinham fazendo em suas disciplinas. Após aprofundamento na literatura sobre o tema, baseada principalmente na documentação da UNESCO, os docentes compreenderam que o que vinham fazendo eram apenas abordagens fragmentadas, uma vez que a proposta da educação para a sustentabilidade exigia uma abordagem holística e interdisciplinar.


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O segundo desafio foi atender às expectativas dos estudantes. Os dados mostraram que os estudantes se matriculam nas disciplinas e esperaram obter um plano de ensino específico para as mesmas. Os programas com planos mais abertos, menos estruturados, sofreram resistência dos alunos. Quanto aos limites do plano de ensino, o maior problema enfrentado foi o da falta de tempo para abordagens inter e multidisciplinares. Os estudantes do curso de literatura, por exemplo, optaram por estudar sustentabilidade dentro da literatura, sem se preocuparem em buscar conteúdos em outras disciplinas ou áreas do conhecimento que ampliassem o plano de ensino e exigissem um tempo maior de dedicação. Em relação ao quarto desafio, a autora concluiu que não é difícil para o docente introduzir conteúdos ou questões ligadas à sustentabilidade em sua disciplina, enquanto uma iniciativa individual. O ponto é como transformar a iniciativa individual em política institucional, ou seja, dar escala ao projeto e fazer com que a educação para a sustentabilidade seja parte de uma reforma educacional. Por fim, Down (2006) considera que o desafio mais sério à educação para a sustentabilidade é a falta de suporte aos programas existentes na atualidade. Segundo a autora, pelo fato de não haver visibilidade na agenda nacional e pela falta de uma comunidade local de defensores da sustentabilidade, algumas tensões surgiram no decorrer do projeto, embora o apoio de entidades regionais e internacionais tivesse sido fundamental para o tipo de pesquisa realizada. No Brasil, a pesquisa desenvolvida pela RUPEA também focou as dificuldades e elementos facilitadores do processo de implementação de programas de educação ambiental, que foram analisados a partir de três dimensões principais: reconhecimento e institucionalização da sustentabilidade; dinâmica institucional, isto é, dinâmica acadêmica e as condições que se proporcionam para a inserção da sustentabilidade em uma perspectiva transversal e interdisciplinar; e qualidade das práticas educativas e da formação de pessoal especializado em sustentabilidade (SECAD, 2007). Quanto ao reconhecimento e institucionalização da sustentabilidade, as principais dificuldades relatadas referem-se a resistências de diversas naturezas. Dentre elas destaca-se a falta de recursos financeiros e de infraestrutura acadêmica para o desenvolvimento de projetos associada à ausência de políticas de fomento e ao desconhecimento da legislação sobre educação ambiental. Os elementos facilitadores mais reconhecidos foram a existência de políticas públicas e organizacionais como meio para o reconhecimento da sustentabilidade e incentivo para sua inserção nos currículos de todos os cursos e das atividades acadêmicas, a criação de estruturas ou órgãos res-


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ponsáveis pela gestão ambiental da IES e a criação de parcerias intra e interinstitucionais entre a IES e instituições sociais. Quanto à dinâmica institucional, as principais dificuldades mencionadas são a departamentalização da universidade, a burocratização, a fragmentação e especialização do conhecimento e as dificuldades para a formação de equipes interdisciplinares. Os elementos facilitadores foram: maior integração entre as diversas atividades acadêmicas de ensino, pesquisa, extensão e gestão, a mobilização do pessoal e aproveitamento da produção acumulada de conhecimentos e o envolvimento da universidade com a comunidade em iniciativas populares e solidárias. No que se refere às práticas educativas e à formação de pessoal especializado em educação ambiental, as principais dificuldades mencionadas pelas IES foram: falta de fundamentação teórico-metodológica, falta de clareza quanto à epistemologia relacionada ao tema, falta de reflexão e práxis e falta de consciência da importância do tema. Dos elementos facilitadores ao processo foram citadas a criação de espaços educativos que promovam a socialização de saberes e estimulem a melhoria da prática pedagógica, bem como a sistematização dos resultados e das reflexões sobre tais prática e a investigação e aplicação de novos modelos de aprendizagem. Contudo, como a própria SECAD observa em relação à falta de pessoal especializado em educação ambiental: se, por um lado, o fato é visto “como uma dificuldade para a implementação de programas de educação ambiental das IES, inversamente, indica-se como elemento facilitador a formação de profissionais com perfil ‘multidisciplinar’ para atuarem nesses programas” (SECAD, 2007, p. 29).

Tendências e formas de inserção da questão da sustentabilidade no currículo de administração de empresas Em nenhum outro lugar o desafio de se introduzir sustentabilidade tem se provado mais difícil do que na área de administração. Apesar disso, ainda se advoga que não há plataforma disciplinar mais importante para os estudos de sustentabilidade (SPRINGETT, 2010). Autores internacionais que estudam a questão da sustentabilidade no ensino superior concordam que, apesar da conscientização a respeito da importância da sustentabilidade no âmbito das organizações e entre os líderes de negócios nas últimas duas décadas, a educação superior de administração não tem se movido na mesma velocidade (SPRINGETT e KEARINS, 2001; ELLIOTT, 2004; AROSTEGUY, 2007; WALCK, 2009). Até 1987, ano da publicação do Relatório Brundtland, nenhuma escola de administração norte-americana oferecia cursos ligados à gestão ambiental


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ou à ecologia (MEB apud ELLIOTT, 2004). Já em 2009, segundo a publicação Aspen’s Global 100: Beyond Grey Pinstripes 2009-2010 (THE ASPEN INSTITUTE, 2009), 69% das 150 universidades avaliadas pelo instituto informaram que exigiam que alunos do MBA cursassem ao menos uma disciplina com conteúdo relacionado a questões sociais. Ainda que o número de cursos relacionados à sustentabilidade junto aos programas de administração tenha aumentado consideravelmente nas duas últimas décadas, continuam sendo, prioritariamente, disponibilizados como disciplinas eletivas, sem estarem completamente integrados ao currículo obrigatório e sem estarem conectados à cultura das IES. Dado que o controle de vastos recursos naturais está nas mãos de diversas organizações industriais modernas, um progresso significativo em direção ao desenvolvimento sustentável somente será praticável na medida em que docentes e discentes desenvolvam um entendimento dos princípios que relacionam os sistemas gerenciais aos sistemas ecológico, econômico e social (ELLIOTT, 2004). A questão ambiental nas organizações modernas exige um novo perfil de profissional que consiga articular e organizar uma estrutura que comporte a efetiva condução de toda a organização rumo à responsabilidade social e ambiental. Autores como Orr (1992) e Gladwin et al. (1995) insistem que a ciência organizacional evoluiu dentro de uma epistemologia fragmentada e que abarca apenas parte da realidade. Argumentam que a disfunção ecológica moderna resulta do fracasso de enxergar as coisas em sua totalidade. Para eles, ao desassociar a organização humana da biosfera e da comunidade humana total, as teorias organizacionais encorajaram as organizações a agirem de maneira que, em última instância, destroem os sistemas de bases naturais e sociais. A tarefa que se apresenta aos teóricos da administração é, agora, a de reintegração. Para Gladwin et al. (1995), a concepção de desenvolvimento sustentável como um desenvolvimento inclusivo, interligado, equitativo, prudente e seguro traz implicações que são aplicáveis a grande parte da teoria gerencial. Há necessidade de mudar a visão de que os recursos naturais são plenos para a visão de que os recursos naturais são finitos. Para os autores, também se faz necessário mudar a concepção de eficiência para a concepção de equidade. Defendem que as organizações não devem buscar crescer indefinidamente, mas sim desenvolver-se indefinidamente. Isto implica remover os pressupostos de crescimento indefinido das teorias de estratégia e teorias organizacionais. Além disso, complementa que a sustentabilidade exige modos de pesquisa interdisciplinares e multidisciplinares, uma vez que, apesar de teóricos das organizações terem estabelecido conexões com outras ciências sociais, há poucas evidências de ligação com as ciências físicas e naturais.


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Introduzir questões do desenvolvimento sustentável nos currículos tradicionais das escolas de administração e negócios parece ser útil, mas não efetivo no longo prazo (CLARK, 1991 apud ELLIOTT, 2004). Para Elliott (2004), a educação gerencial tradicional é geralmente atomizada, constituída de silos, enfatizando muito mais o conhecimento especializado do que o conhecimento de grandes áreas. Introduzir disciplinas ligadas à sustentabilidade como complementares ou eletivas ao currículo pode contribuir, de certa forma, para a perpetuação da tendência de fragmentação da educação e, consequentemente, do conhecimento. Segundo esses autores, a educação de gestão e negócios deveria desenvolver nos alunos a visão de um mundo interconectado, complexo e dinâmico, capaz de garantir qualidade de vida por várias gerações. Complementando essas ideias, Springett (2005) defende que a função do ensino de administração não deve ser simplesmente a de alertar os estudantes para problemáticas e soluções atuais, nem a de treinar futuros gerentes a respeito do pragmatismo ambientalista, mas sim prover uma abordagem que “[...] introduza a reflexão sobre mudanças em valores pessoais e em estruturas institucionais, necessários à responsabilidade ecológica e social e às relações sustentáveis dos seres humanos com a natureza e entre si” (SPRINGETT, 2005a, p. 149). Springett é uma pesquisadora da Nova Zelândia que tem se destacado no estudo da educação para a sustentabilidade no âmbito dos cursos de administração, o que pode ser atestado pelos artigos que vem publicando em journals internacionais (como, por exemplo, SPRINGETT, 2003, 2005a, 2005b, 2010) e, inclusive, por sua participação nesta obra. Nesses artigos, a autora explora os motivos pelos quais o tema não tem ganhado força junto aos estudos organizacionais e tem sido tratado de maneira tangencial, bem como oferece algumas reflexões sobre experiências internacionais e sobre a própria experiência de introduzir o tema em uma universidade neozelandesa. Segundo a autora, as escolas de administração e negócios geralmente não são avessas à introdução de novas disciplinas em seus programas, e seria de se esperar que em tempos de acirrada competição por estudantes as IES abrissem rapidamente as portas à sustentabilidade ou, pelo menos, encorajassem a entrada do tema nos currículos (SPRINGETT e KEARINS, 2001). Sustentabilidade poderia servir como um fator de atração para um grupo de estudantes interessados pelo tema, segundo a autora. Mas a realidade não tem sido essa. Evidências mostram que o tema desenvolvimento sustentável não tem conseguido espaço, nem junto às universidades americanas, nem junto às britânicas. Pesquisas conduzidas pelo Washington World Resources Institute (WRI) e pelo Aspen Institute, entre 1998 e 1999, revela-


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ram que, em 1998, apenas 16% das 37 escolas de administração participantes do estudo tinham incorporado disciplinas voltadas à gestão ambiental ao currículo obrigatório dos programas de MBA e que, na maior parte das vezes, o tema era tratado em disciplinas eletivas. O relatório Forum for the Future, de 1998, que focou mais explicitamente o tema sustentabilidade nos cursos de administração no Reino Unido, demonstrou resultados similares aos das duas pesquisas mencionadas. Apesar de metade das instituições auditadas terem políticas específicas de sustentabilidade, nenhuma possuía programas voltados à implantação das mesmas (FORUM FOR THE FUTURE apud SPRINGETT e KEARINS, 2001). Springett e Kearins (2001) discutem ainda a existência de uma dicotomia entre o que se prega e o que se faz em relação à sustentabilidade nas escolas de administração e que, apesar de politicamente desejada, a mesma fica marginalizada nos programas das faculdades e universidades. As autoras indicam quatro razões para tal marginalização: tradicional resistência acadêmica às abordagens interdisciplinares exigidas pela educação para a sustentabilidade; carência de variação nas abordagens pedagógicas e nos métodos de avaliação que sejam apropriados à educação para a sustentabilidade; dificuldades das IES em balancear princípios e lucro; e, por fim, a carreira dentro da própria academia. Para Springett (2010), permanecer na corrente dominante (mainstream), com especialização dentro de uma disciplina estabelecida, tende a facilitar a portabilidade do docente na academia. Essa posição da autora está em sintonia com a visão reducionista da educação superior comentada por Gladwin et al. (1995), que não proporciona um olhar sistêmico para o processo de ensino-aprendizagem, criando tradicionais fronteiras entre as disciplinas, o que implica, em última instância, limitações ao que se enxerga como legítimo para se ensinar e pesquisar. Além disso, se a opção do docente for adotar uma agenda crítica, o mesmo pode encontrar dificuldades políticas e relacionadas ao desenvolvimento de sua carreira. Isso porque “uma perspectiva crítica sobre sustentabilidade demonstra uma luta ideológica que se choca contra a legitimidade e o legado da teoria gerencial ortodoxa” (SPRINGETT, 2010, p. 78). Outro aspecto comentado pelas pesquisadoras Springett e Kearins (2001) é a operacionalização de um currículo multidisciplinar e transversal. Afirmam que, embora a variedade de cursos oferecidos aos estudantes de nível superior tenha aumentado e novas opções de graduação tenham sido instituídas (programas com mais de duas áreas de concentração, cursos com ênfase em determinado campo de estudo e pesquisa, entre outros), o estudante continua a ter as mesmas restrições ao número total de cursos de que pode participar, limitando a transversalidade e as possibilidades de busca por outros campos de pesquisa, como as discussões sobre sustentabilidade exigem.


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No caso do Brasil, o movimento de integração do tema nos cursos superiores de administração ainda é bastante incipiente, embora já existam iniciativas nesse sentido, conforme pode ser atestado nos vários artigos trazidos por este livro. Carvalho (2011) estudou os modelos de inserção da sustentabilidade em 18 IES de administração brasileiras, mostrando que a opção de inserção da educação para a sustentabilidade mais prevalente foi aquela que optou por introduzir o tema a partir de uma ou mais disciplinas específicas, com poucas iniciativas interdisciplinares. Além dos aspectos acima mencionados, que podem ser vistos como aspectos que dificultam o processo de inclusão da sustentabilidade no currículo dos cursos de administração, as instituições de nível superior voltaram-se às forças de mercado e têm se sujeitado às suas ideologias (HUCKLE, 1996; ORR, 1992). Segundo Huckle (1996), as universidades demonstram uma tendência a esposar a cultura e filosofias gerenciais, as quais se espelham no mercado e na competição, muito mais do que em valores e princípios educacionais. Orr (1992) vê as instituições de nível superior preparando indivíduos para uma economia de mercado em expansão, em que predomina a especialização. O ambiente de competição, característico dos mercados, externo às instituições de nível superior, passa a ser observado, de certa forma, dentro das instituições de ensino: departamentos disputam entre si as verbas disponíveis e, cada vez mais, limitadas. Tais limitações, segundo Springett (2005a, 2010), forçam escolhas entre os diversos cursos a serem oferecidos pelas faculdades e universidades, o que pode deixar a carreira de docentes de certa forma vulnerável (tal como nos mercados competitivos) e impor restrições à expansão da sustentabilidade nas instituições de ensino. A despeito dessas críticas, um estudo dentre as 50 melhores escolas de administração do mundo demonstrou que 70% delas oferecem um ou mais cursos com tópicos relacionados à sustentabilidade (CHRISTENSEN et al., 2007). Apesar de o estudo ter focado em cursos de MBA, inclui-se aqui uma breve análise sobre o mesmo, por ser um tópico relevante à discussão do currículo de administração. Um debate atual sobre o tema indaga se a sustentabilidade deve ser integrada ao currículo mínimo obrigatório do curso de administração ou ensinada como uma das disciplinas eletivas ao curso (CHRISTENSEN et al., 2007; TILBURY et al., 2004). Os resultados do estudo de Christensen et al. (2007) mostraram que 84% das escolas envolvidas na pesquisa exigiam que os alunos frequentassem, no mínimo, um curso que focasse, pelo menos, um dos seguintes assuntos: sustentabilidade, responsabilidade social corporativa ou ética. Além disso, os resultados apontaram um número considerável de centros de estudos voltados às questões de sustentabilidade nas instituições: 65% das instituições afirmaram ter um centro de estudo de sustentabilidade.


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Outro objetivo do estudo era investigar se a ética, a sustentabilidade e a responsabilidade social estavam inseridas no programa dos cursos de MBA das escolas de administração. Neste caso, 54,55% das escolas participantes afirmaram que, de alguma forma, os tópicos estavam sendo cobertos pelo programa. A questão é entender em que medida os tópicos estavam integrados ao programa e às diretrizes educacionais. As respostas variaram desde afirmações genéricas informando a presença dos mesmos nas ementas dos cursos até a existência de currículos integrados. As universidades que mais se destacaram por apresentarem esforços significativos de integração da sustentabilidade foram: University of Cornell, University of Michigan, HEC-Paris e University of North Carolina at Chappel Hill. A HEC-Paris se destacou, entre outros motivos, por oferecer um curso chamado “Gestão Alternativa”, com duração de um ano e com treinamentos não convencionais, tais como desenvolvimento de projetos em conjunto com organizações não governamentais, associações e sindicatos. A Cornell, por sua vez, além de incorporar sustentabilidade em todas as disciplinas do MBA, oferece a opção de um curso de MBA em sustentabilidade. A universidade se destacou ainda pelo compromisso demonstrado por seus coordenadores de curso e docentes em relação ao conceito da educação para a sustentabilidade. Sumarizando, pode-se dizer que as instituições de ensino superior voltadas à administração e negócios estão caminhando em direção à inclusão da sustentabilidade em seus programas, sendo que algumas já dão demonstrações claras de progresso. Outras ainda estão discutindo se devem adicionar cursos que tratem de aspectos e problemas do desenvolvimento sustentável como eletivos. A simples inclusão de disciplinas como eletivas pode ser um passo importante, mas não suficiente, para garantir o envolvimento de futuros administradores de empresas com os princípios norteadores da sustentabilidade. Nas palavras de Springett e Kearins (2001, p. 216), “[...] o grande freio ao desenvolvimento sustentável no ethos e nas práticas das instituições acadêmicas parece ser a inércia”.

Palavras finais Tem-se, portanto, aqui, um cenário ao mesmo tempo preocupante e desafiador que, se de um lado ainda não sinaliza para a construção de ações educativas mais robustas no que diz respeito a formar uma nova geração de administradores preparados para responder às exigências de uma lógica sustentável, por outro, mostra que há um movimento em curso das escolas de ensino superior no mundo todo. Como se pôde observar nesta revisão da literatura, essas dificuldades não são prerrogativas do contexto brasileiro ou de qualquer outro país, ao


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contrário, as pesquisas indicam uma preocupação mundial nesse sentido. O que não minimiza em nada a necessidade de um empenho significativo de nossas escolas de administração em fazer avançar modelos alternativos que respondam minimamente ao que se espera de uma formação em direção à lógica da sustentabilidade. A agenda está formada, os desafios e entraves explicitados, experiências estão sendo testadas, resta-nos agora ousar mais, com vontade política, rigor e esforço intelectual, por uma educação em nossas escolas de negócios que torne os administradores pessoas que pensam e trabalham por uma sociedade melhor.

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PARTE II EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE: ASPECTOS CURRICULARES E DE ENSINO-APRENDIZAGEM



Capítulo 6

Gestão ambiental e o ensino de administração Pedro Roberto Jacobi Luiz Carlos Beduschi Filho

Resumo Este texto tem por objetivo principal discutir, a partir de duas experiências concretas desenvolvidas na Universidade de São Paulo, os desafios e as perspectivas da educação para a sustentabilidade no ensino superior voltado à formação de administradores. Sustenta-se que um dos principais desafios contemporâneos consiste exatamente em romper as barreiras disciplinares que impedem a compreensão da complexidade dos problemas socioambientais. Tal ruptura abre um novo campo, que já está em construção, como atestam as experiências discutidas neste capítulo, para a atuação de profissionais que consigam operar na confluência dos sistemas naturais e antrópicos. Formar profissionais com esse perfil, que ajudem as corporações a gerar valor não apenas para seus acionistas, mas para a sociedade como um todo, respeitando os limites ecológicos fixados pelos ecossistemas, é um desafio urgente que se impõe para as Instituições de Ensino Superior.

Introdução A problemática da sustentabilidade tem assumido papel central na reflexão em torno das dimensões do desenvolvimento e das alternativas que se configuram. O agravamento dos níveis de degradação ambiental tem provocado um aumento da vulnerabilidade socioambiental e, embora tenha ocorrido um incremento das iniciativas governamentais e não-governamentais para ampliar o acesso à informação e à educação, ampliando a consciência do público para os efeitos dos problemas ambientais, a incidência e intensidade de desastres naturais e os prejuízos econômicos resultantes têm aumentado de forma significativo. Num contexto marcado pela degradação permanente do meio ambiente e de seus ecossistemas, chama a atenção a prevalência da racionalidade cognitivoinstrumental que agravou a situação ambiental do planeta. Coloca-se o desafio de ruptura com a compartimentação do conhecimento, e isto envolve um conjunto de atores do universo educativo em todos os níveis. Abre-se a possibilidade de potencializar outras racionalidades para o engajamento dos diver-


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sos sistemas de conhecimento, da formação e profissionalização docente, de profissionais em geral e da comunidade universitária, fortalecendo conteúdos e conhecimentos baseados em valores e práticas sustentáveis, indispensáveis para estimular o interesse, o engajamento e a responsabilização. Este texto tem por objetivo principal discutir, a partir de duas experiências concretas desenvolvidas na Universidade de São Paulo (USP), os desafios e as perspectivas da educação para a sustentabilidade no ensino superior. Sustenta-se que um dos principais desafios contemporâneos consiste exatamente em romper as barreiras disciplinares que impedem a compreensão da complexidade dos problemas socioambientais. Tal ruptura abre um novo campo, que já está em construção, como atestam as experiências discutidas neste capítulo, para a atuação de profissionais que consigam operar na confluência dos sistemas naturais e antrópicos. Formar profissionais com esse perfil, que ajudem as corporações a gerar valor não apenas para seus acionistas, mas para a sociedade como um todo, respeitando os limites fixados pelos ecossistemas, é um desafio urgente que se impõe para as Instituições de Ensino Superior. O capítulo está dividido em duas partes, além desta introdução e das conclusões. Na primeira parte são apresentados, com base em uma discussão sobre risco e reflexividade, os contornos e características das sociedades contemporâneas que justificam a formação de profissionais capazes de lidar com a complexidade que se exprime na ideia de sustentabilidade. Em seguida, o texto discute, com base em duas experiências em curso no ensino superior na USP, os desafios e as perspectivas para a formação profissional voltada à gestão ambiental. Na pós-graduação, o Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental (PROCAM) tem uma trajetória pioneira de mais de 20 anos formando quadros profissionais para o enfretamento dos desafios socioambientais contemporâneos. Já na graduação, a experiência do Bacharelado em Gestão Ambiental da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), implantado na USP Leste em 2005, oferece a possibilidade de discutir a formação profissional para a sustentabilidade no marco de um projeto político-pedagógico explicitamente voltado para o enfrentamento das principais questões socioambientais contemporâneas. O capítulo, em seguida, apresenta algumas conclusões que devem ser entendidas como muito mais indutores de uma discussão que, se é bem verdade que é ainda incipiente, se faz cada vez mais necessária e premente.

Complexidade, sustentabilidade e interdisciplinaridade O quadro socioambiental que caracteriza as sociedades contemporâneas revela que a ação humana sobre o meio ambiente está causando impactos cada vez mais complexos, tanto em termos quantitativos quanto qualitati-


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vos. O conceito de desenvolvimento sustentável surge para enfrentar a crise ecológica, sendo que pelo menos duas correntes alimentaram esse processo. Uma primeira tem relação com aquela vertente que desde a economia influenciou mudanças nas abordagens do desenvolvimento econômico, notadamente a partir dos anos 1970, sendo um exemplo desta linha de pensamento o trabalho do Clube de Roma publicado sob o título de “Limites do Crescimento”, em 1972. A segunda está relacionada com a crítica ambientalista ao modo de vida contemporâneo e que se difundiu a partir da Conferência de Estocolmo em 1972, quando a questão ambiental ganha visibilidade pública. Desde os anos 1980 tem sido desenvolvida vasta produção intelectual e científica, da qual o enfoque do desenvolvimento sustentável é parte componente (Veiga, 2005, 2007). O avanço do quadro de degradação ambiental e a crescente desigualdade entre regiões assumem um lugar de destaque que reforça a importância de adotar esquemas integradores e demandam a necessidade de repensar os paradigmas existentes. Por outro lado, o alarme dado pelos fenômenos de aquecimento global e a destruição da camada de ozônio, dentre outros problemas, contribui para estimular o debate e a emergência de iniciativas voltadas ao enfrentamento dos efeitos da crise socioambiental vigente. Assim, o que se observa é que, enquanto se agravavam os problemas sociais e se aprofundava a distância entre os países pobres e os industrializados, emergiram com mais impacto diversas manifestações que se relacionam diretamente com os padrões produtivos e de consumo prevalecentes. A partir de 1987, com a divulgação do Relatório Brundtlandt, também conhecido como “Nosso Futuro Comum”, a ideia do “desenvolvimento sustentável” representa um ponto de inflexão no debate sobre o sentido do desenvolvimento. A partir de uma abordagem em torno da complexidade das causas que originam os problemas socioeconômicos e ecológicos da sociedade global, tal documento não só reforça as necessárias relações entre economia, tecnologia, sociedade e política, mas também chama a atenção para a necessidade do reforço de uma nova postura ética em relação à preservação do meio ambiente, caracterizada pelo desafio de uma responsabilidade tanto entre as gerações quanto entre os integrantes da sociedade dos nossos tempos. Desde a Rio 92 tal enfoque foi adotado como um marco conceitual que presidiu todo o processo de debates, declarações e documentos formulados. Assim, a interdependência entre o desenvolvimento socioeconômico e as transformações no meio ambiente marca também a afirmação de uma filosofia do desenvolvimento, definindo as possibilidades de crescimento e um conjunto de iniciativas que levem em conta a existência de interlocutores e participantes sociais relevantes e ativos por intermédio de práticas educativas e de


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um processo de diálogo informado, o que reforça um sentimento de corresponsabilização e de constituição de valores éticos (Jacobi, 2005). Atualmente, o avanço rumo a uma sociedade sustentável é permeado de obstáculos, na medida em que existe uma restrita consciência na sociedade a respeito das implicações do modelo hegemônico de desenvolvimento. Pode-se afirmar que as causas básicas que provocam atividades ecologicamente predatórias podem ser atribuídas às instituições sociais, aos sistemas de informação e comunicação e aos valores adotados pela sociedade. Isto implica principalmente a necessidade de estimular uma participação mais ativa da sociedade no debate sobre seus destinos, como uma forma de estabelecer um conjunto socialmente identificado de problemas, objetivos e soluções. O caminho a ser desenhado passa necessariamente por uma mudança no acesso ao conhecimento e à informação, por transformações institucionais e da lógica de governança corporativa e pela formação de lideranças focadas nas premissas que norteiem a construção de uma sociedade sustentável, a partir do exercício de uma cidadania ativa e da mudança de valores individuais e coletivos. Para tanto se torna indispensável que se criem todas as condições para promover o conhecimento e incentivar a reflexão crítica em torno do que o sociólogo alemão Ulrich Beck (2010) denomina de “sociedade de risco”. A multiplicação dos problemas ambientais tem imposto às diversas disciplinas científicas temas para os quais estas não estavam anteriormente preparadas e para cujo enfrentamento são obrigadas a reformular os parâmetros de ensino e pesquisa. Os riscos contemporâneos (BECK,2009) explicitam os limites e as consequências das práticas sociais, trazendo consigo como novo elemento a “reflexividade”. A sociedade, produtora de riscos, se torna crescentemente reflexiva, o que significa dizer que ela se torna um tema e um problema para si. A sociedade se torna cada vez mais autocrítica e, ao mesmo tempo em que a humanidade põe a si em perigo, reconhece os riscos que produz e reage diante disso. A sociedade global “reflexiva” se vê obrigada a confrontar-se com aquilo que de positivo e de negativo criou. Sem renunciar às especialidades disciplinares atualmente em vigor, mas certamente contribuindo para sua reformulação e desenvolvimento, a noção do meio ambiente recoloca o ser humano no centro das preocupações e dos programas científicos. A sustentabilidade como novo critério básico e integrador precisa estimular permanentemente as responsabilidades éticas, na medida em que a ênfase nos aspectos extraeconômicos serve para reconsiderar os aspectos relacionados com a equidade, a justiça social e a ética dos seres vivos.


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A emergência da questão ambiental induz um processo mais complexo do conhecimento e do saber para apreender os processos materiais que configuram o campo das relações sociedade-natureza (Morin, 2007). As transformações sociais em curso demandam cada vez mais concepções interdisciplinares para orientar tanto estratégias de pesquisa quanto de formação de políticas ambientais e de desenvolvimento sustentável, devendo-se reconhecer os efeitos das políticas econômicas vigentes sobre a dinâmica dos ecossistemas e sobre as condições de vida das sociedades (Funtowicz, 2000; Sachs, 2007). Os enfoques de conhecimento se consolidam tendo por referência os estudos em torno dos efeitos da problemática ambiental sobre as transformações metodológicas e os diálogos interdisciplinares que abrem um novo horizonte para o diagnóstico das mudanças socioambientais e propiciam a formulação de diferentes abordagens em torno da sustentabilidade ambiental (Jacobi, 2000). Nesse sentido, o trabalho intersetorial se apresenta como uma importante contribuição para estabelecer melhores condições para uma lógica cooperativa e para abrir um novo espaço, não só para a sociedade civil, mas também para os sistemas peritos (Giddens, 1992). A ênfase em práticas que estimulam a interdisciplinaridade e a transversalidade revela o grande potencial existente para o trabalho com temáticas que incitam mudanças no comportamento, na responsabilidade socioambiental e na ética ambiental, o que estimula outro olhar. Trata-se da importância de compreender a complexidade envolvida nos processos e o desafio de ter uma atitude mais reflexiva e atuante e, por conseguinte, que os cidadãos se tornem mais responsáveis, cuidadosos e engajados em processos colaborativos com o meio ambiente (Wals, 2007). O caminho para uma sociedade sustentável se fortalece à medida que se desenvolvam práticas educativas que, pautadas pelo paradigma da complexidade, conduzam para uma atitude reflexiva em torno da problemática ambiental, visando traduzir o conceito de ambiente e o pensamento da complexidade na formação de novas mentalidades, conhecimentos e comportamentos. Ao admitir que a complexidade é uma alternativa para a busca de novas formas de gerar conhecimento, coloca-se o desafio de romper com a estrutura consolidada que gerou uma hierarquia de saberes (Ribeiro e Sandeville, 2010). Isso implica a necessidade de se multiplicarem as práticas sociais, pautadas por uma visão que visa alterar gradualmente a lógica de insustentabilidade prevalecente, expandindo o acesso aos canais que multiplicam ideias e práticas que apresentam visões alternativas e promovem a corresponsabilidade na sociedade. No entanto, para quebrar o hiato existente entre o reconhecimento da crise social e ambiental e a construção real de práticas capazes de estruturar


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as bases de uma sociedade sustentável, coloca-se a necessidade de fortalecimento de comunidades de prática (Wenger, 1998)1 e da aprendizagem social (Glasser)2 como processos que permitam ampliar o número de pessoas no exercício desse conhecimento e a comunicação entre essas pessoas, de modo a potencializar interações que tragam avanços substanciais na produção de novos repertórios e práticas de mobilização social para a sustentabilidade. Segundo Glasser (2007), o maior desafio é criar oportunidades de aprendizagem social ativas, nas quais haja o real envolvimento dos sujeitos em relações de diálogo, que favoreçam: a percepção da diversidade de opiniões e visões de mundo; a mediação de interesses individuais e coletivos; e a possibilidade de ampliação de repertórios que aumentem a capacidade de contextualizar e refletir (Glasser, 2007; Sterling, 2007; Wenger, 1998). As experiências e práticas educativas e de pesquisa interdisciplinares ainda são recentes e incipientes. Os processos de conhecimento buscam estabelecer cortes transversais na compreensão e explicação dos contextos de aprendizagem e de formação. O estímulo é para a interação e interdependência entre as disciplinas e, consequentemente, entre as pessoas, para o desenvolvimento de metodologias interativas. Aborda-se o estudo e o conhecimento do meio ambiente por meio de uma concepção integrada, interdisciplinar, identificando disponibilidades e avaliando consequências do uso dos recursos naturais, fontes energéticas, tecnologias e empreendimentos, na formação do conhecimento e nas práticas e estruturas socioculturais. Sob essa perspectiva, a sustentabilidade ambiental pressupõe o fortalecimento do debate científico sobre a gestão, formando pessoal qualificado para o exercício integrado da multidisciplinariedade, englobando as ciências naturais, humanas e exatas. O referencial que se busca é a formação de pesquisadores, professores e profissionais dentro de uma lógica pautada pelo paradigma da sustentabilidade socioambiental, intrínseca à construção da cidadania e da incorporação dos indivíduos ao processo de desenvolvimento. Este é o cenário no qual têm emergido programas de formação de recursos humanos baseados numa perspectiva interdisciplinar, que instrumentalize a busca de respostas para atenuar e prevenir os impactos provocados pela degradação tanto por processos naturais quanto pela atividade humana.

1. Conforme Wenger (1998): “Comunidades de prática são grupos de pessoas que compartilham uma preocupação ou paixão por algo que fazem e aprendem como fazê-lo melhor à medida que interagem com regularidade”. 2. Aprendizagem social é entendida aqui como um processo de mudança cultural orientado para o enfrentamento dos problemas socioambientais da atualidade.


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Em busca do conhecimento interdisciplinar: a experiência do Programa de Pós-graduação em Ciência Ambiental da USP Vale destacar, neste capítulo, a experiência do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental (PROCAM) da USP, que representa um exemplo concreto do estabelecimento de uma colaboração organizada entre as diferentes disciplinas que constituem o campo da ciência – para integrar ensino e pesquisa orientados para a reflexão, análise e formulação de propostas de ação. Criado em 1989, o PROCAM, inicialmente apenas em nível de Mestrado e, a partir de 1999, em nível de Doutorado, esteve vinculado à Pró-Reitoria de Pós-Graduação até 2008, quando passou a se vincular ao Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP. O Programa tem representado um importante acúmulo de experiência que permite uma reflexão crítica em torno das práticas desenvolvidas e dos desafios que estão em pauta. O PROCAM convive permanentemente com o desafio da interdisciplinariedade, visando construir um campo analítico de conhecimentos no qual diversas ciências podem interagir e se desenvolver. No PROCAM, o desafio da interdisciplinariedade é enfrentado como um processo de construção de conhecimento que busca estabelecer cortes transversais na compreensão e explicação do contexto de ensino e pesquisa. Trata-se de uma proposta de trabalho que, tendo como ponto de partida uma realidade socioambiental complexa, exige, crescentemente, a internalização de conhecimento sobre a questão ambiental emergente num conjunto de disciplinas. O diálogo entre disciplinas e a vivência de experiências de ensino e pesquisa visam construir um campo de conhecimento capaz de captar as multicausalidades e as relações de interdependência dos processos de ordem natural e social que determinam as estruturas e mudanças socioambientais. Busca-se, portanto, a interação entre as disciplinas, superando-se a compartimentalização científica provocada pela excessiva especialização (Jacobi, 2000; Ribeiro et al., 2011). Enquanto combinação de várias áreas de conhecimento, a interdisciplinariedade pressupõe o desenvolvimento de metodologias interativas, configurando a abrangência de enfoque, contemplando uma nova articulação das conexões entre as ciências naturais, sociais e exatas. A preocupação em consolidar uma dinâmica de ensino e pesquisa desde uma perspectiva interdisciplinar enfatiza a importância dos processos sociais que determinam as formas de apropriação da natureza e suas transformações por meio da participação social na gestão dos recursos ambientais,


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levando em conta a dimensão evolutiva no sentido mais amplo, incluindo as conexões entre as diferentes matrizes da ciência, seja natural, da vida ou das ciências humanas, assim como as práticas dos diversos atores sociais, bem como o impacto de sua relação com o meio ambiente. A aglutinação de docentes em torno de linhas de pesquisa reflete a necessidade que se coloca de abranger temas complexos e a articulação de conhecimentos de forma organizada e coerente em espaços abertos ao diálogo e à crítica que favoreçam a hibridação e articulação de conhecimentos, entendendo a interdisciplinaridade, nos termos de Funtowicz e Ravetz (2000), como “um novo objeto científico”. A crescente incorporação da dimensão socioambiental ao processo de gestão empresarial e às políticas públicas envolve a discussão de múltiplos aspectos da dinâmica organizacional. A articulação entre a ação prática e os pressupostos acadêmicos na formação de gestores que incorporem metas sociais e ambientais nos negócios requer a incorporação de novos conceitos e métodos nos quais políticas, processos, práticas e programas se tornam partes integrantes da lógica de gestão (Borger, 2006). Assim, além da responsabilidade social, se incorpora a dimensão da sustentabilidade numa formação profissional que qualifique o formando a desenvolver práticas que agreguem os interesses dos stakeholders e promova ações pautadas pela inovação e criatividade que atendam ao conjunto de demandas do planejamento e gestão ambiental de entidades governamentais e privadas. O desenvolvimento de iniciativas acadêmicas na direção da formação para a sustentabilidade no ensino superior, nas áreas associadas com a gestão, requerem mais do que apenas repensar os currículos de ensino, influenciando currículo, formação, financiamento, operações, processos de gestão, ações de pesquisa e outros elementos, como o modo pelo qual instituições de ensino superior ensinam, aprendem e atuam (Tilbury, 2004). Um primeiro tipo de desafio premente é a incorporação, no âmbito da própria gestão dos campi universitários, de práticas voltadas à sustentabilidade. Do consumo de materiais para pesquisa e ensino até a disposição final de resíduos, as Instituições de Ensino Superior (IES) estão desafiadas a repensar suas ações e relações. A incorporação de inovações tecnológicas, como captação de energia solar, de água de chuva, reúso de águas servidas para irrigação, entre outras, pode servir de inspiração para os futuros gestores que estão em processo de formação nas salas de aula. A relação com fornecedores de materiais (para construção, alimentação, etc.) pode ser mais bem trabalhada, fazendo com que o poder de compra das IES seja utilizado para induzir mudanças nas práticas produtivas. Tais inovações estão em curso em várias IES de diferentes países do mundo, e no Brasil já existem indícios de


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que mudanças na gestão estão começando a ocorrer. Na Universidade de São Paulo, programas como USP Recicla, PURA (Programa de Uso Racional da Água) e PURE (Programa Permanente para o Uso Eficiente de Energia na USP) já têm anos de experiência acumulada e vivem atualmente o desafio de sua efetiva institucionalização. Esse aspecto da gestão é de extrema importância e deve ser cada vez mais levado em conta pelos gestores universitários. Contudo, esta é uma discussão que não será aprofundada neste capítulo, ainda que se reconheçam sua relevância e pertinência. Outro desafio de extrema relevância, ao qual nos dedicaremos com mais atenção, é o de formar profissionais que consigam desenvolver conhecimentos, habilidades, atitudes e técnicas que permitam fazer, em linhas gerais, da conservação dos recursos naturais um trunfo aos processos de desenvolvimento. Dito de forma bem direta, trata-se de construir novos referenciais para que os estudantes possam construir, de forma autônoma, seus próprios caminhos de aprendizagem, ampliando a possibilidade de navegar por vias até bem pouco tempo inexploradas. No caso da formação de gestores, tal desafio reveste-se de fundamental importância. Na economia contemporânea, as empresas que não conseguirem estabelecer formas amistosas e transparentes de relacionamento com seus diferentes tipos de stakeholders estarão seriamente ameaçadas. Se é verdade que ainda é possível encontrar muitas empresas nas quais padrões éticos de comportamento socioambiental não são a regra, também é correto afirmar que algumas das empresas mais dinâmicas do capitalismo contemporâneo estão cada vez mais interessadas e preocupadas com sua reputação socioambiental. Tal preocupação induz a construção de um mercado de trabalho para profissionais que consigam atuar nas interfaces. A capacidade de compreensão dos sistemas de relações entre os distintos componentes dos sistemas produtivos é uma habilidade cada vez mais procurada pelas organizações. Contudo, tal capacidade não é algo que surge por acaso. Ao contrário, tem de ser construída, e tal processo de construção se dá exatamente nas interfaces das diferentes disciplinas científicas. Assim, ainda que na formação dos administradores exista um diálogo entre diferentes disciplinas (economia, direito, marketing, etc.), estas estão fundamentalmente circunscritas às ciências humanas e sociais. A ideia de que os sistemas econômicos estão incrustrados em sistemas vivos, ainda que possa parecer intuitiva, não é corriqueira na formação convencional do administrador. Assim, ao logo das duas últimas décadas, impôs-se às IES a necessidade de formar novos profissionais que pudessem dar conta dos desafios complexos que a sustentabilidade acarreta.


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EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO

A experiência da USP Leste na formação de gestores ambientais: um caminho em construção Na Universidade de São Paulo, a preocupação com a dimensão socioambiental do desenvolvimento está presente há bastante tempo. Como apontado anteriormente, uma das evidências de tal preocupação foi a criação, em 1989, do PROCAM. No âmbito do ensino de graduação, diferentes carreiras tratam de questões socioambientais, mas foi apenas em 2002 que a USP implantou, na ESALQ, seu primeiro curso de Bacharelado em Gestão Ambiental, oferecendo 40 vagas no período noturno. Em 2005, com a implantação da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), na zona leste do município de São Paulo, a USP passou a oferecer mais 120 vagas (60 no período matutino, 60 no período noturno) para a formação de bacharéis em gestão ambiental. Tal decisão demonstra o grau de comprometimento da Universidade de São Paulo com a formação de profissionais que possam atuar de forma consistente diante dos desafios da sustentabilidade. Uma das características peculiares do curso de Bacharelado em Gestão Ambiental da EACH é a sua inserção em um projeto político-pedagógico que extrapola seus próprios limites, como será apresentado a seguir. Um dos princípios orientadores que norteou a implantação da EACH foi a constituição de um Ciclo Básico que possibilitasse aos ingressantes dos seus dez cursos de graduação uma formação humanística e crítica, que ampliasse seus horizontes e estimulasse a construção de valores, habilidades, conhecimentos e atitudes mais sintonizados com os desafios contemporâneos. Um conjunto de seis disciplinas gerais (Sociedade, Multiculturalismo e Direitos; Sociedade, Meio Ambiente e Cidadania; Ciências da Natureza; Tratamento e Análise de Dados; Psicologia e Temas Contemporâneos; e Arte, Literatura e Cultura no Brasil), com professores de diferentes formações e trajetórias intelectuais, é oferecido a todos os mais de 1020 ingressantes anuais. Além delas, em uma experiência inovadora, e como tal marcada por entusiasmo e desconfiança, é oferecida também uma disciplina que se intitula Resolução de Problemas.3 Em sintonia com experiências mundiais que focam no que se chama de aprendizagem baseada em problemas (Problem Based Learning), as turmas de 60 alunos são divididas em grupos mais reduzidos de aproximadamente 12 alunos que são acompanhados por todo o semestre 3. Para maiores detalhes sobre o Ciclo Básico da EACH-USP e a abordagem utilizada em Resolução de Problemas, ver o documento disponível em http://www.each.usp.br/calouroseach/docs/ ManualCB.pdf.


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letivo por um professor que atua como um tutor do processo de aprendizagem. Cada grupo, por sua vez, é subdividido em dois grupos de seis alunos que devem desenvolver um projeto ao longo do semestre, orientados pelo tutor e com alto grau de protagonismo. Tal projeto deve dialogar com um tema amplo definido coletivamente pela turma de 60 alunos. Durante o semestre, os grupos encontram-se com seus respectivos tutores pelo menos três vezes, para discutir o andamento dos trabalhos, trocar experiências e apresentar os resultados. A implantação do Ciclo Básico da EACH, como qualquer inovação institucional, gera discussões acaloradas no âmbito do corpo docente, o que reflete também a efervescência típica de uma nova geração de professores universitários, grande parte deles formada já no diálogo científico interdisciplinar. No âmbito do curso de gestão ambiental da EACH, em especial, o quadro de professores é composto, em sua grande maioria, por docentes forjados na construção da interdisciplinaridade, o que facilita o diálogo entre disciplinas e a construção de projetos conjuntos de pesquisa e ensino. De acordo com seu Projeto Político Pedagógico, o curso de Gestão Ambiental “tem como missão a geração de conhecimento e a formação de profissionais capazes de prever, prevenir, mitigar e reverter crises ambientais”. Seu principal objetivo é “a formação humanística e interdisciplinar, exigindo do profissional egresso a habilidade de desenvolver pesquisas; de compreender e diagnosticar os fatos do meio natural, social, político, econômico, cultural no qual se insere; de planejar, desenvolver projetos e atividades específicas no campo das instituições públicas e privadas, dando-lhe condições de questionar e tomar decisões que contribuam para a transformação dos processos de produção contemporâneos”. Desta forma, o objetivo é que os alunos trilhem dois caminhos convergentes, quais sejam: a) atuar na redução dos impactos e da degradação ambiental causados pela ação humana e b) estimular a adesão aos processos de certificação e normalização, de responsabilidade socioambiental, de adoção de princípios de precaução e prevenção de riscos. Ora, a formação desse profissional é um desafio que nenhuma área disciplinar, de forma isolada, pode lograr. Assim, em grandes linhas, o curso integra, além do Ciclo Básico, quatro eixos complementares, como mostra a Figura 1. A integração desses diferentes eixos deve permitir “formar profissionais com base científica sólida e visão interdisciplinar sobre o meio ambiente, capazes de diagnosticar e propor soluções técnico-científicas voltadas para a prevenção, proteção, conservação e o uso sustentável do patrimônio natural”. Profissionais que terão os conhecimentos, as habilidades, as atitudes e as


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EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO

ferramentas para atuar no seio das organizações, privadas e públicas, com o compromisso ético de buscar meios para conciliar as diferentes dimensões da sustentabilidade (social, econômica, ecológica, política, cultural, territorial).

Ciências da Vida e da Terra

Ciências da Gestão

Ciências Humanas e Sociais

Ciências aplicadas e tecnologia ambiental

Figura 1

Eixos de formação do bacharel em Gestão Ambiental da EACH-USP. Elaboração própria a partir do Projeto Político-Pedagógico.

No eixo da Ciência da Vida e da Terra, o estudante de Gestão Ambiental constrói os fundamentos que lhe permitirão compreender o funcionamento dos ecossistemas. A base sólida e científica nesse eixo permite ao futuro gestor ambiental analisar com mais propriedade os efeitos das ações antrópicas no meio ambiente, assim com dimensionar com maior acuidade os limites naturais impostos pelo planeta. Desde o ponto de vista de uma nova ética da sustentabilidade, assumir que existem limites naturais para a expansão das ações humanas é fundamental, o que justifica a existência desse eixo no processo formativo do estudante de Gestão Ambiental da EACH-USP. Por outro lado, o eixo de Ciências Humanas e Sociais traz ao aluno a possibilidade de compreender os fundamentos do funcionamento das sociedades humanas. O desafio aqui é ajudar o aluno a construir de forma autônoma um repertório de conhecimentos, habilidades e atitudes que lhe permita contribuir para dotar de novo sentido a própria ação econômica na sociedade contemporânea. Um desafio premente que se impõe à sociedade está exatamente em reincorporar a ética nas tomadas de decisão econômica, o que justifica plenamente a preocupação desse eixo de formação no currículo do futuro gestor ambiental.


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O eixo intitulado Ciências da Gestão atua exatamente na confluência dos anteriores. Ao assumir a existência de limites naturais e conhecer os fundamentos do comportamento das sociedades humanas, o aluno de Gestão Ambiental tem nesse eixo a possibilidade de instrumentalizar as emergências que surgem da confluência dos eixos anteriormente apresentados. O diálogo entre as Ciências da Vida e da Terra e as Ciências do Homem e da Sociedade é traduzido em técnicas, instrumentos e ferramentas de gestão ambiental que se alimentam dos conhecimentos advindos das diferentes disciplinas que conformam tais eixos. Interdisciplinar por definição, tal eixo de formação se apoia nos conhecimentos clássicos da gestão, mas inova ao dar o passo além, trazendo para o centro mesmo do processo de ensino-aprendizagem a dimensão da sustentabilidade. De forma complementar aos eixos de formação anteriormente apresentados, o que se dedica às Ciências Aplicadas e Tecnologia Ambiental oferece ao estudante de Gestão Ambiental da EACH-USP a possibilidade de experimentar e aplicar conhecimento científico à resolução de desafios tecnológicos que se impõem ao campo da sustentabilidade. Não se trata apenas de conhecimento teórico, mas da possibilidade de construir soluções socioambientais fortemente apoiadas em ciência e tecnologia que passam a estar a serviço da sociedade. Tratase, em alguma medida, de formar um profissional que tenha a capacidade de trazer para o interior mesmo dos sistemas peritos as demandas socioambientais que se impõem com a emergência do desafio da sustentabilidade. Em resumo, o profissional que o Curso de Bacharelado em Gestão Ambiental da EACH-USP está colocando no mercado de trabalho tem como característica fundamental a capacidade de compreender as relações, não só entre os seres humanos e suas instituições, mas também destes com o ambiente no qual estão imersos.

Conclusões Ainda que tal perfil profissional desejado suponha um alto grau de compromisso com a construção da sustentabilidade, não se trata, de modo algum, de formar qualquer tipo de “missionário” ou “altruísta” que será movido apenas por alguma espécie de “vocação para fazer o bem para o planeta”. De fato, parte-se da constatação de que é cada vez mais necessário ter profissionais preparados para enfrentar os desafios que as grandes mudanças em curso no mundo estão impondo às organizações. No mundo privado, profissionais com capacidade para entender o contexto no qual as empresas estão inseridas são cada vez mais valorizados e demandados. Assim, parecem-nos altamente promissoras as carreiras voltadas à sustentabilidade. Em um mundo em que a reputação das empresas


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é tão ou mais importante que seu capital financeiro, a capacidade de antecipar-se às contestações sociais que podem advir de suas atividades pode fazer a diferença entre permanecer no mercado ou desaparecer. Daí a importância de incorporar, na estratégia mesmo do negócio, a dimensão socioambiental, o que demandará, cada vez mais, profissionais habilitados para tanto. O caminho para uma sociedade sustentável se fortalece por meio da multiplicação de práticas formativas que reforçam a preparação dos futuros profissionais com um embasamento que lhes permite apreender que em qualquer processo de gestão ambiental torna-se necessário prover, no conjunto de disciplinas e conteúdos, a capacidade de desenvolver uma atitude reflexiva em torno da problemática ambiental. Isto permitirá traduzir o conceito de ambiente e o pensamento da complexidade na formação de novas mentalidades, conhecimentos e comportamentos. Em resumo, sugerimos aqui que a própria gestão das organizações, sejam elas públicas ou privadas, ao confrontar-se com os desafios impostos pela sustentabilidade, terá de se adaptar, em um intenso processo de aprendizagem organizacional. Ainda que adaptação e aprendizagem organizacional não sejam exatamente temas novos para a área da Administração, a dimensão ambiental da gestão acarreta novos desafios para os quais grande parte dos administradores não está preparada. É neste sentido, portanto, que entendemos que a inserção da sustentabilidade no ensino de administração é uma necessidade premente, ao mesmo tempo em que se configura como incrível oportunidade de trabalho para os futuros profissionais que atuarão nesse campo. Para as IES, da mesma forma, o desafio de incorporar a sustentabilidade no ensino de administração pode resultar em significativos ganhos, acadêmicos e não acadêmicos. Entre as estratégias para que tal incorporação consiga romper os bloqueios que a inércia institucional costuma impor às novas ideias e enfoques, sugerimos com veemência a maior aproximação das IES de empresas que tenham claro compromisso com a sustentabilidade, de modo a trazer para os estudantes, de forma viva e estimulante, os desafios contemporâneos da gestão ambiental.

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EDUCAÇÃO Capítulo 7 PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO 136

Representações sociais e sustentabilidade: o significado do termo para alunos do curso de Administração Fátima Regina Ney Matos, Ana Silvia Rocha Ipiranga, Diego de Queiroz Machado, Germana Ferreira Rolim, Rafaella Alves Medeiros Alvarenga e Kátia Lene de Araújo

Resumo Considerando as atuais discussões sobre sustentabilidade, desenvolvimento e desenvolvimento sustentável, e tendo por base a abordagem da teoria das representações sociais, o objetivo deste estudo foi identificar os significados da palavra sustentabilidade para alunos do curso de administração de uma Instituição de Ensino Superior pública. O intuito foi evidenciar as representações sociais que a ela subjazem ou dela decorrem, identificando seus significados a partir da determinação do núcleo central e sistema periférico e relacionando-os às dimensões sociais, econômicas, ecológicas, espaciais e culturais. Para tanto, foi realizada uma pesquisa exploratória e descritiva, sendo o universo formado por 132 alunos matriculados no curso de administração de empresas de uma universidade pública de Fortaleza, utilizando-se o critério de acessibilidade. A técnica de coleta empregada foi o teste de evocação de palavras, e a palavra indutora foi sustentabilidade. Dessa forma, pôde-se constatar a permanência da representação da sustentabilidade, nucleada basicamente no meio ambiente. Este achado confirma o pressuposto inicial de que permanece o significado naturalista do conceito, de certa forma dissociado das demais dimensões do desenvolvimento sustentável.

Introdução Morin (1962, p. 33) ensina que “há palavras que se tornam demasiado pesadas, que acabam por se fazer esmagadas pelos seus conteúdos e que, à força de tudo terem explicado, exigem uma explicação”. Pode-se considerar que as palavras desenvolvimento e sustentabilidade encontram-se nessa categoria, pois mesmo sendo conceitos interdisciplinares e, por assim ser, frequentemente relacionados e intensamente debatidos por diferentes campos disciplinares, ainda requerem explicações ao receber diferentes adjetivações e significações.


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A perspectiva da sustentabilidade é aqui conceituada conforme Sachs (2001), como a necessidade de criar novos modos de produção e estilos de vida, nas condições e potencialidades ecológicas de regiões e territórios específicos, na diversidade sociocultural e étnica e na gestão participativa dos recursos. Neste sentido, Leff (2001) aponta para a necessidade de desconstruir o paradigma do desenvolvimento com foco predominante no aspecto econômico, por intermédio da ideia do desenvolvimento sustentável que deve ser fundamentado nos limites das leis da natureza, nos potenciais ecológicos, na produção de sentidos sociais e na criatividade humana. Desta forma, o desenvolvimento sustentável é definido pela Comissão Brundtland como aquele que “satisfaz as necessidades do presente, sem comprometer a capacidade de as gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades” (CMMAD, 1991, p. 46). Nesse contexto de discussão, Sachs (1986) destaca que, para se tornarem eficazes, as estratégias de transição para um desenvolvimento sustentável, ou ecodesenvolvimento, devem se basear em cinco dimensões, quais sejam: sustentabilidade social, sustentabilidade econômica, sustentabilidade ecológica, sustentabilidade espacial e sustentabilidade cultural. Para este e outros autores, como Buarque (2006), essas dimensões indicam que o princípio da sustentabilidade é resultante da interação e sinergia entre a qualidade de vida da população local, a eficiência econômica e a gestão pública eficiente. Considerando essas discussões sobre sustentabilidade, desenvolvimento e desenvolvimento sustentável, e tendo por base o aporte da teoria das representações sociais, o objetivo deste estudo foi identificar os significados da palavra sustentabilidade para alunos do curso de administração de uma Instituição de Ensino Superior pública, mostrando as representações sociais que a ela subjazem ou dela decorrem, identificando seus significados a partir da determinação do núcleo central e sistema periférico e relacionando-os às dimensões sociais, econômicas, ecológicas, espaciais e culturais. Vale ressaltar que, neste estudo, o conceito de representação social utilizado se fundamenta nas ideias de Moscovici (2003), sendo apresentada como um tipo de conhecimento do senso comum, formado por conceitos e imagens sobre pessoas, eventos, fenômenos do cotidiano, que são aceitos e considerados verdadeiros, mesmo sendo somente representações. Assim, uma representação social não é o puro reflexo das determinações objetivas, mas um sistema de interpretação de uma relação, ou de um tipo de realidade social que relaciona um conjunto de elementos de diferentes naturezas, sendo estes cognitivos, sociais, afetivos, valorativos e ideológicos (JODELET, 1992; GUARESCHI e JOVCHELOVITCH, 1994). Em complemento a essa abordagem das representações sociais, tomouse por base as cinco dimensões do desenvolvimento sustentável propostas por


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Sachs (1986) — sustentabilidade social, sustentabilidade econômica, sustentabilidade ecológica, sustentabilidade espacial e sustentabilidade cultural — , pois o núcleo de significados da representação social torna estáveis e permanentes os conceitos. Dessa forma, pressupõe-se que permanece o significado naturalista do conceito de sustentabilidade, dissociado das demais dimensões. Em termos metodológicos, a pesquisa de caráter exploratório e descritivo se baseia na abordagem de natureza qualitativa segundo o escopo do levantamento. Como técnica de coleta e organização de dados, fez-se uso do teste de evocação de palavras junto aos 132 participantes da pesquisa, todos alunos matriculados no curso de administração de empresas de uma universidade pública de Fortaleza. Deste modo, este estudo se apresenta como um esforço inédito de utilização de tais procedimentos metodológicos, fundamentados na abordagem das representações sociais, em investigações acerca da sustentabilidade e seus significados para futuros gestores. Para tanto, este capítulo está estruturado em seis partes, incluindo esta Introdução. Primeiramente é apresentada uma breve contextualização sobre os conceitos de sustentabilidade, desenvolvimento e desenvolvimento sustentável, seguida de discussões sobre a teoria das representações sociais, com seu núcleo central e sistema periférico. Posteriormente, são descritos os procedimentos metodológicos utilizados, em que são apresentados o delineamento da pesquisa, o universo e os instrumentos de coleta e análise dos dados. A seguir, são discutidos os resultados obtidos e, por fim, são tecidas as considerações finais.

Desenvolvimento, sustentabilidade e desenvolvimento sustentável A ciência econômica ou arte de enriquecer, de acordo com Aristóteles (1988), era de dois tipos: a economia doméstica e a crematística. A economia doméstica se interessava “mais pelos seres humanos da casa que por seus bens inanimados, e mais pelas qualidades daqueles que pelas de seus bens, que denominamos riquezas, e mais por seus membros livres que pelos escravos” (ARISTÓTELES, 1988, p. 31). Já a crematística tinha natureza comercial e estava ligada à usura, “cujo ganho vem do próprio dinheiro, e não daquilo que levou à sua invenção” (ibid., p. 28). Apesar de o pensamento aristotélico considerar a economia doméstica necessária e louvável e censurar a crematística, foi esta última que forneceu os fundamentos para o conceito da economia moderna para desenvolvimento. Em sua base histórica, o desenvolvimento sempre esteve relacionado ao crescimento econômico, sendo resultante deste último. Braudel (1996) apon-


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ta que o termo desenvolvimento nasceu com a engrenagem das trocas, que favoreceu o surgimento das feiras e mercados, característicos do setor terciário, e o advento do estado/mercado nacional. Apesar de não ter sido produto da Revolução Industrial, foi a partir desta que a história da humanidade passou a ser quase inteiramente determinada pelo fenômeno do crescimento econômico relacionado ao desenvolvimento (VEIGA, 2006). Desde então, ganhou força uma visão quantitativa do mundo, sem considerar os processos qualitativos históricos, culturais e ambientais, ou seja, desconsiderando os aspectos sociais. É importante enfatizar que essa desconsideração pelos aspectos sociais vem a manter as regras do capitalismo, quais sejam, as relações de propriedade e de apropriação, o que corrobora para a reprodução de uma situação de desigualdade social, principalmente da pobreza. A pobreza é característica do subdesenvolvimento e, para Indira Gandhi, estadista indiana que conviveu com a situação de governar um país de proporções continentais com 250 milhões de indigentes, a miséria é a pior forma de poluição (SACHS, 2004). Corroborando com essa afirmação, o Relatório “Nosso Futuro Comum” aponta a pobreza como uma das principais causas dos problemas ambientais do planeta (CMAAD, 1991). Como exemplo desta discussão, visualiza-se no período pós-guerra, até aproximadamente a década de 1970, a expansão econômica, com a indústria automobilística, siderúrgica, de borracha, de equipamentos elétricos, eletrônica de consumo, telefonia e petróleo fazendo uso de uma matriz energética de crescimento intensiva em energia-petróleo (PEREZ, 1985). Os recursos naturais foram considerados infinitos e, até 1973, foi registrado um período de expansão denominado de petro-prosperidade (FURTADO, 2005). Sabe-se que tal expansão após a Segunda Guerra, de acordo com Sunkell e Paz (1988), derivou da pretensão dos aliados de extinguir do mundo os problemas de desemprego, miséria, discriminação racial, desigualdades políticas, econômicas e sociais. Foi nesse período que nasceu a palavra subdesenvolvimento, ressaltada na definição de desenvolvimento de Outhwaite e Bottomore (1996, p. 197): “conquista do progresso econômico e social através da transformação do estado de subdesenvolvimento (baixa produção, estagnação, pobreza)”, sendo o desenvolvimento relacionado ao crescimento econômico mais que ao progresso social. Neste sentido, é corroborada a definição de Furtado (1961, p. 111), que considera que, “do ponto de vista econômico, desenvolvimento é, basicamente, aumento do fluxo de renda real, isto é, incremento da quantidade de bens e serviços, por unidade de tempo, à disposição de determinada coletividade”. Em complemento, Milone (1998) acrescenta que a variação positiva de crescimen-


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to econômico deve considerar os indicadores de renda, renda per capita, PIB e PIB per capita, redução dos níveis de pobreza, desemprego e desigualdade e melhoria dos níveis de saúde, nutrição, educação, moradia e transporte. Na tentativa de esclarecer a diferença entre crescimento e desenvolvimento, Sachs (2006, p. 9) aponta que “desenvolvimento não se confunde com crescimento econômico, que constitui apenas a sua condição necessária, porém não suficiente”. Assim, o crescimento econômico, apesar de condição necessária, não é suficiente para reduzir a pobreza e a desigualdade social, sendo fundamentais a qualidade e a estrutura do crescimento, pelos impactos que causam sobre o nível de emprego, meio ambiente, qualidade de vida e distribuição da renda (KLIKSBERG, 1997). Simplificando, Veiga (2006) indica que no crescimento ocorre uma mudança quantitativa, enquanto no desenvolvimento a mesma é qualitativa. Na corrente contra-hegemônica do desenvolvimento como sinônimo de crescimento econômico, encontra-se o pensamento de Schumacher (1979, p. 149), para quem “o desenvolvimento não se inicia com bens materiais; começa com pessoas e sua educação, organização e disciplina. Na ausência desses três elementos, todos os recursos permanecem latentes, inexplorados, potenciais”. Em concordância com o pensamento aristotélico, para esse autor, o desenvolvimento necessariamente zelará pelas pessoas, que são a fonte primária e suprema de toda e qualquer riqueza. Mais recentemente, Sen (2000) faz distinção entre duas atitudes gerais em relação ao processo de desenvolvimento: “uma visão considera o desenvolvimento um processo ‘feroz’, com muito ‘sangue, suor e lágrimas’ – um mundo no qual sabedoria requer riqueza. [...] a outra vê o desenvolvimento essencialmente como um processo ‘amigável’” (p. 51). Esta visão foi possível a partir do surgimento de um novo paradigma de desenvolvimento, que se originou, de acordo com Buarque (2006, p. 57), com “a publicação do primeiro Relatório do Clube de Roma, Os limites do crescimento (MEADOWS et al., 1981), em 1969” (itálicos no original) e apoiado pela crise do petróleo, em 1973. Foi na Conferência das Nações Unidas de Desenvolvimento e Meio Ambiente (ECO 92), realizada no Rio de Janeiro, que foi proposto um modelo de desenvolvimento aliado à sustentabilidade, qual seja, o do desenvolvimento sustentável. Desenvolvimento sustentável, definido pela Comissão Brundtland, “é aquele que satisfaz as necessidades do presente, sem comprometer a capacidade de as gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades” (CMMAD, 1991, p. 46). Pode-se observar que o conceito de sustentabilidade nasceu de uma proposta de mudança forçada por condições ambientais.


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Nascia um novo paradigma de desenvolvimento, motivado pela certeza de que “a vitória do homem sobre a natureza, como se esmagar a natureza fosse a mais épica das façanhas, [...] conduziria ao suicídio; a natureza vencida é a destruição do homem” (MORIN, 1979, p. 80). Esse conceito, na visão de Foladori (2005), é necessariamente interdisciplinar e já nasceu incorporando à sustentabilidade ambiental uma sustentabilidade econômica e social. A sustentabilidade é a expressão de uma sociedade mais justa e pressupõe o equilíbrio entre saúde, ambiente e desenvolvimento, dentro de um processo democrático, com ampla participação social e de exercício de cidadania (DUVAL, 1998). De acordo com Sachs (2001), a perspectiva da sustentabilidade impõe a necessidade de criar novos modos de produção e estilos de vida, nas condições e potencialidades ecológicas de regiões e territórios específicos, na diversidade sociocultural e étnica e na gestão participativa dos recursos. Em complemento, Badiru (2010) ressalta a sua aplicação mediante um rigor metodológico, científico e analítico, a fim de torná-la eficaz no gerenciamento das atividades humanas e dos recursos. Nesse sentido, Sachs (1986) aponta que, para se tornarem eficazes, as estratégias de transição para o desenvolvimento sustentável ou ecodesenvolvimento devem obedecer a cinco dimensões: t

t

t

t

t

Sustentabilidade social: visando à distribuição de renda e de bens (oportunidades) com propósitos de reduzir o abismo entre ricos e pobres. Sustentabilidade econômica: a eficiência econômica avaliada em termos macrossociais, não em termos microeconômicos ou empresariais. Sustentabilidade ecológica: novas e criativas formas de intervenção do indivíduo humano na natureza, com níveis mínimos de abuso ou parasitismo. Sustentabilidade espacial : equilíbrio rural urbano, evitando a hiperurbanização. Sustentabilidade cultural: respeito e estímulo à diversidade, aos valores e saberes locais de cada população.

Essas dimensões apontam que o princípio da sustentabilidade é resultante da “interação e sinergia entre a qualidade de vida da população local – redução da pobreza, geração de riqueza e distribuição de ativos –, a eficiência econômica – com agregação de valor na cadeia produtiva – e a gestão pública eficiente” (BUARQUE, 2006, p. 27 – itálicos no original). Seguindo essa linha de pensamento complexo, Bernal e Edgar (2012) propõem a incorporação de uma dimensão semelhante à sustentabilidade cultural de Sachs (2001), chamada pelos autores de dimensão da consciência profunda do ser


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humano, que ressalta o relacionamento dos indivíduos consigo e com a sociedade neste contexto. É válido salientar que, apesar de estruturas e redes sociais não terem sido usualmente objeto de estudos econômicos, Polanyi (2000) apresentou, ainda em meados da década de 1940, a ideia de que a atividade econômica está imersa, inserida, embutida (embedded) na teia social e na cultura da sociedade. Granovetter (1992) corroborou a importância dos aspectos sociais sobre a atividade econômica, enfatizando a influência das relações sociais na vida econômica, mais até do que os dispositivos institucionais ou a existência de uma moral generalizada. Em um período como o atual, no qual o capitalismo procura adequar suas estruturas de domínio para a manutenção da economia de mercado, é importante conhecer a representação social de futuros administradores sobre a sustentabilidade, tendo em vista que é na representação que se formam visões compartilhadas do grupo. Para tanto, Audebrand (2010), diante das dificuldades no ensino da sustentabilidade, ressalta o uso de metáforas no processo de educação em gestão sustentável, sendo tais metáforas nada mais do que a manifestação de representações desse fenômeno. O propósito desse processo seria aumentar o envolvimento desses administradores, em todos os níveis organizacionais (FIBUCH e VAN WAY III, 2012), em iniciativas sustentáveis em suas organizações, ao contrário do observado em outros profissionais, como relatam Ballou et al. (2012). Ademais, o paradigma emergente da sustentabilidade pode ser indício do que vaticina Polanyi (2000, p. 11): “o que nossa época precisa é a reafirmação, pelas suas próprias necessidades, dos valores essenciais da vida humana”, valores como confiança, cooperação, colaboração e comunhão, que permitam ao homem se organizar e construir o desenvolvimento sustentável. Dessa forma, para potencializar o ensino da sustentabilidade, principalmente no contexto ressaltado das escolas de gestão, novos caminhos e estratégias, como as propostas por Jacobi et al. (2011), relativas à criação de comunidades de aprendizado, que favoreçam uma aprendizagem social, integrando conhecimentos para além das fronteiras organizacionais, tornam-se cada vez mais necessárias. Dentro desse conjunto de possibilidades de exploração da temática sustentável no ambiente de aprendizagem dos futuros gestores, uma análise dos conceitos e representações já presentes nesses indivíduos acaba por adquirir nova importância.

Representações sociais e o conhecimento do cotidiano Durkheim (1978), em sua obra As formas elementares da vida religiosa, sustenta que a religião possibilitou o surgimento dos primeiros sistemas


Cap 7 – Representações sociais e sustentabilidade: o significado do termo... 143

de representações que o homem fez do mundo e de si mesmo. As representações religiosas são representações coletivas, tendo em vista que exprimem realidades coletivas. Nesse sentido, a sociedade se sobrepõe ao indivíduo, sendo a mais alta manifestação da natureza e, portanto, as representações coletivas sempre acrescentam alguma coisa às representações individuais. Contudo, de acordo com Herzlich (1991), a visão durkheimiana de priorizar a sociedade em detrimento do indivíduo é considerada reducionista, pois minimiza as possibilidades de manifestações individuais. De fato, Durkheim (1978) considerava a consciência coletiva como a forma mais elevada de vida psíquica. Diante desse posicionamento, Minayo (1995) e Cavedon (2003) situam as obras desse autor como o marco para a origem da abordagem das representações sociais. Não obstante o termo representação ter um longo passado, seja na filosofia, na psicologia ou na sociologia, neste estudo ele se refere ao significado proposto por Serge Moscovici, considerado o maior representante da vertente europeia da teoria. Moscovici (1995) considera que a representação social funciona como uma forma de mediar o conflito entre o individual e o social, buscando um equilíbrio e uma complementaridade entre essas categorias. Em complemento, Jovchelovitch (1995) aponta que “o sujeito não está subtraído da realidade social, nem meramente condenado a reproduzi-la. Sua tarefa é elaborar a permanente tensão entre um mundo que já se encontra constituído e seus próprios esforços para ser um sujeito” (p. 78). Assim, a “representação social é uma forma de conhecimento específico ou saber do senso comum, cujos conteúdos se constroem a partir de processos socialmente marcados” (JODELET, 1992, p. 123). Constroem-se as representações sociais quando as pessoas se comunicam, conversam sobre suas práticas cotidianas, bem como quando estão expostas às instituições, aos meios de comunicação, aos mitos e à herança histórico-cultural de suas sociedades (GUARESCHI e JOVCHELOVITCH, 1994). De acordo com esses autores, a teoria das representações sociais “questiona ao invés de adaptar-se e [...] busca o novo, lá mesmo onde o peso hegemônico do tradicional impõe as suas contradições” (p. 17). Nesse cenário, o conhecimento do senso comum, relegado pela ciência moderna, vem sendo crescentemente resgatado. Souza Santos (1989) sugere uma reabilitação do que chama de lumpendiscursos, e Alves (2005, p. 12) indica que “a aprendizagem da ciência é um processo de desenvolvimento progressivo do senso comum” (itálico no original). Assim, a utilidade da teoria das representações sociais se revela na busca de uma melhor compreensão das práticas coletivas. Por meio do conhecimento de uma representação


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social é possível um entendimento mais adequado dos processos de constituição simbólica encontrados na sociedade e na qual os indivíduos se engajam, dando sentido ao mundo e nele construindo sua identidade social (GOMES et al., 2003; JOVCHELOVITCH, 1995). Sendo assim, principalmente nos últimos anos, têm-se produzido um número considerável de pesquisas científicas que se utilizam dessa abordagem (por exemplo, KALISH e LAWSON, 2008; GORGORIÓ e ABREU, 2009; SOUZA-FILHO e BELDARRAIN-DURANDEGUI, 2009; FAGUNDES et al., 2010; POESCHL e RIBEIRO, 2010; SARRICA e WACHELKE, 2010; FLOWERS e SWAN, 2011; SANTOS et al., 2011; LESCURA et al., 2012; TORELLI et al., 2012; VIZCARRA, 2012), cuja contribuição reside em produzir reflexões e possibilitar o desenvolvimento das ciências em seus mais diversos campos, como defendem Bovina e Dragul’skaia (2008). Além disso, segundo Parales-Quenza e VizcaínoGutiérrez (2007) e Castorina e Barreiro (2010), o conhecimento das representações sociais presentes nos indivíduos é fundamental para o entendimento do seu próprio comportamento, já que tais representações seriam responsáveis por influenciar suas ações individuais. Como afirma Herner (2010, p. 152): As representações sociais constituem sistemas cognitivos nos quais é possível reconhecer a presença de estereótipos, opiniões, crenças, valores e normas que costumam ter una orientação atitudinal positiva ou negativa. Constituem-se, por sua vez, como sistemas de códigos, valores, lógicas classificatórias, princípios interpretativos e orientadores das práticas, que definem a chamada consciência coletiva, que é regida com força normativa na medida em que institui os limites e as possibilidades da forma em que as mulheres e os homens atuam no mundo.

Assim sendo, observa-se que as representações sociais não são necessariamente consensuais. Pelo contrário, o sentido que se atribui a um dado objeto, além do próprio processo de atribuição, constituem construções psicossociais, as quais integram a história pessoal de cada indivíduo com o resultado de suas interações grupais. Objetivando auxiliar na identificação da parte mais relevante de uma representação social, dos valores e percepções que são compartilhados com mais clareza e coesão pelo grupo investigado, pode-se trabalhar com o chamado núcleo central da representação social. Abric (1976 apud SÁ, 2002) aponta que a organização de uma representação social apresenta a característica específica de ser organizada em torno de um núcleo central, que é formado por um ou mais elementos que dão significado à representação. O autor entende que:


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A organização de uma representação apresenta uma característica particular: não apenas os elementos da representação são hierarquizados, mas, além disso, toda representação é organizada em torno de um núcleo central, constituído de um ou de alguns elementos que dão à representação o seu significado (ABRIC apud SÁ, 2002, p. 62).

Desse modo, o núcleo central é formado pelas significações fundamentais da representação, aquelas que lhe atribuem identidade. Passando o núcleo central por transformações, cria-se uma nova identidade. Os valores que representam o núcleo central de uma representação social são aqueles dos quais, geralmente, o sujeito não tem consciência ou não explicita, mas que, todavia, direcionam sua ação e definem suas atitudes. Em outras palavras, representam o que é inegociável, a essência da representação social, formada pela memória coletiva do grupo e suas normas. Portanto, o núcleo central possui uma função consensual que objetiva a homogeneidade do grupo e que se caracteriza por ser estável, coerente, resistente à mudança, além de ser independente do contexto social e material imediato, ou seja, não é significativamente influenciável pelos fatos mais recentes. Autores como Madeira (2001) e Sá (2002) consideram que o núcleo central é decisivo na inflexão que o sentido de um dado objeto assume para um grupo, em um dado contexto histórico e cultural. Em volta do núcleo central há o sistema periférico, que abriga as diferenças de percepção entre os indivíduos, de modo a suportar a heterogeneidade do grupo e acomodar as contradições trazidas pelo contexto mais imediato (MADEIRA, 2001; MAZZOTTI, 2001). O sistema periférico é composto dos elementos que se posicionam em volta do núcleo central, não constituindo valores inegociáveis. Pelo contrário, nele estão acomodados os conceitos, percepções e valores que o indivíduo até admite rever, negociar. Madeira (2001) e Sá (2002) explicam que ele pode até ser visto como uma forma de defesa do núcleo central, possibilitando o intercâmbio com outros grupos e proporcionando a evolução da representação social, sem chegar a modificá-la. Enfim, as representações sociais se inserem em um conceito plural e bastante complexo. Mas, mesmo existindo várias acepções – umas mais aproximadas, outras, nem tanto –, é possível identificá-las como sendo dinâmicas e explicativas; englobando aspectos culturais, cognitivos e valorativos; possuindo dimensão histórica e transformadora. Compreendem um material de estudo expressivo, uma vez que correspondem a situações reais de vida e revelam a visão de mundo de determinado grupo social. O que tem permitido a utilização, em trabalhos de pesquisa social, da teoria das representações sociais é seu aspecto inovador, que permite a apreensão e reabilitação


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da ordem simbólica, que rompe com a dicotomia estabelecida entre exterior e interior, sujeito e objeto. Representações sociais, de acordo com Moscovici (2003, p. 181), são “um conjunto de conceitos, proposições e explicações originado na vida cotidiana no curso de comunicações interpessoais”. Nesse sentido, as representações sociais podem ser consideradas como meio de recriar a realidade buscando torná-la senso comum. Já que as representações sociais são fenômenos que estão ligados a um modo particular de pensar, tendo o poder de materializar ideias, elas também podem ser ligadas a uma maneira específica de entender e comunicar aquilo que já se sabe. Portanto, ao compreender as representações sociais de determinados atores, pode-se tentar apreender tanto a essência da realidade social quanto a personalidade individual que interpreta, manipula e reage às regras e aos valores sociais. Ou seja, estudam-se as representações sociais como um modo de saber como um grupo humano constrói um conjunto de saberes que expressam sua identidade social. É nesse sentido que Jodelet (2001) esclarece que as representações são frutos da interação entre indivíduos integrados que, ao mesmo tempo, constroem e produzem uma história individual e também produzem uma história social. Conhecendo-se as representações sociais que são construídas, compreende-se o comportamento assumido por esse grupo e como estas atuam na motivação desses indivíduos.

Procedimentos metodológicos Em termos metodológicos, a pesquisa de caráter exploratório baseia-se na abordagem de natureza qualitativa segundo o escopo do levantamento, pois o tema estudado ainda é passível de conhecimento sistematizado (VERGARA, 1997). É importante salientar que não se buscam respostas tidas como verdades, pois representações sociais estão em constante reformulação (FREITAS e CASTRO, 2004). O resultado que se busca é a compreensão e a descrição do significado de um termo, o que torna a pesquisa também descritiva em termos de delineamento. Tendo por objetivo identificar os significados da palavra sustentabilidade para alunos do curso de administração de uma Instituição de Ensino Superior pública, seu universo de pesquisa foi formado por 132 alunos matriculados no curso de administração de empresas de uma Instituição de Ensino Superior pública de Fortaleza, utilizando-se o critério de acessibilidade. Estando este estudo baseado nos aportes da teoria das representações sociais, utilizou-se o teste de evocação de palavras (TEVOC) como técnica de coleta de dados (VERGARA, 2008). Essa técnica foi aplicada visando levan-


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tar elementos que possivelmente compõem a estrutura da representação do objeto em estudo. A palavra indutora foi sustentabilidade. Neste procedimento, foi solicitado aos alunos que mencionassem por escrito as quatro primeiras palavras ou expressões que viessem espontaneamente à mente a partir do termo indutor sustentabilidade. Considerou-se a ordem de citação espontânea das palavras ou expressões como sendo a ordem de importância atribuída pelos entrevistados. Os dados foram tratados e categorizados tendo por base medidas de estatística descritiva, considerando-se a conjugação da frequência/média e da ordem de evocação das palavras, o que implica contemplar, respectivamente, a dimensão coletiva e a individual. Fez-se uso dos softwares Excel e SPSS, versão 15, para facilitar o processo de organização e análise dos dados coletados.

Discussão dos resultados Detalhamento do teste de evocação de palavras Foram entrevistados 132 alunos de uma universidade pública na cidade de Fortaleza. Foi solicitado que os alunos mencionassem as quatro primeiras palavras a partir do termo indutor sustentabilidade. Ao todo foram coletadas e listadas 512 respostas, classificadas em 208 categorias. Das 208 categorias, foram selecionadas para o cálculo do teste de evocação as 20 primeiras categorias de maior frequência simples. Foram desprezadas as demais, pois alcançaram, isoladamente, menos que 0,7% da frequência simples, sendo esse o critério para determinar as categorias pouco significativas. A Tabela 1 apresenta as categorias, frequências e ordens médias de evocação. Efetuados os cálculos de frequência e da ordem média de evocação de cada uma das 20 categorias significativas, pode-se chegar aos resultados da frequência média de evocação em 10,40 e, para a média aritmética das ordens médias de evocação, ao valor de 2,45. Sendo assim, os critérios de distribuição no diagrama de quatro quadrantes são os apresentados na Tabela 2. A frequência média de evocação determina que as palavras cujo somatório das frequências de evocação tiver um valor superior ou igual a 10,40 estarão em um dos quadrantes superiores. Já a média das ordens médias de evocação determina que as palavras cuja ordem média de evocação for igual ou inferior a 2,45 estarão em um dos quadrantes esquerdo. Assim, a determinação de em qual quadrante a palavras estará é a combinação dos dois resultados.


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Tabela 1

Categorias, frequências e ordens médias de evocação. Frequ Frequência 1o lugar

Frequ Frequência 2o lugar

Frequ Frequência 3o lugar

Frequ Frequência 4o lugar

∑ das frequ uências freq de evocação

Ordem média de evocação

Meio ambiente

12

12

1

5

30

1,97

Necessidade

9

3

6

4

22

2,23

Responsabilidade

6

5

5

3

19

2,26

Categorias

Consciência

6

2

6

0

14

2,00

Futuro

4

1

7

2

14

2,50

Importante

3

3

5

3

14

2,57

Inovação

6

2

3

1

12

1,92

Desenvolvimento

0

4

4

1

9

2,67

Organização

2

1

1

5

9

3,00

Respeito

0

4

4

1

9

2,67

Ética

1

2

2

2

7

2,71

Marketing

2

0

5

0

7

2,43

Lucro

5

1

0

0

6

1,17

Planejamento

0

2

1

3

6

3,17

Compromisso

1

0

3

1

5

2,80

Crescimento

0

1

0

4

5

3,60

Essencial

5

0

0

0

5

1,00

Objetivo

0

1

1

3

5

3,40

Preservação

1

1

1

2

5

2,80

Progresso

1

3

0

1

5

2,20

208

49,1

Total

Fonte: Dados da pesquisa, 2010.

Tabela 2

Critérios de distribuição do diagrama.

Frequência média de evocação

10,40

Média das ordens médias de evocação

2,45

Eixo vertical (valores ≥ 10,40 devem ser alocados na parte superior) Eixo horizontal (valores ≤ 2,45 devem ser alocados do lado esquerdo)

Fonte: Dados da pesquisa, 2010.

O conceito de sustentabilidade e suas representações sociais No quadrante superior esquerdo posiciona-se o núcleo central, no qual se encontram as categorias com maior frequência e mais prontamente citadas. O quadrante inferior direito representa as categorias citadas com menor frequência e mais tardiamente. Os outros dois quadrantes, superior direito e inferior esquerdo, mantêm uma relação estreita com o núcleo cen-


Cap 7 – Representações sociais e sustentabilidade: o significado do termo... 149

tral e formam o sistema periférico. Na Figura 1 pode-se observar o diagrama formado. Frequência de evocação Meio ambiente, Necessidade, Responsabilidade, Consciência, Inovação

Futuro, Importante

Marketing, Lucro, Essencial, Progresso

Desenvolvimento, Organização, Respeito, Ética, Planejamento, Compromisso, Crescimento, Objetivo, Preservação

Ordem média de evocação

Figura 1

Diagrama de evocação. Fonte: Dados da pesquisa, 2010.

A partir dos resultados do teste de evocação de palavras, pode-se observar que os sujeitos constroem representações sociais sobre a palavra sustentabilidade em torno dos seguintes significados: meio ambiente, necessidade, responsabilidade, consciência e inovação. Estas palavras compõem o núcleo central da representação. Ressalta-se que a expressão meio ambiente apresentou o somatório mais elevado das frequências de evocação, aparecendo tanto no primeiro quanto no segundo lugar na ordem de evocação. O significado, bem como a construção do conceito de sustentabilidade, está então alicerçado na dimensão “sustentabilidade ecológica”, proposta por Sachs (1986).

Necessidade, responsabilidade e consciência são os substantivos abstratos evocados pelo grupo pesquisado, que denotam uma condição inerente à existência da sustentabilidade. Na percepção dos respondentes é imprescindível que haja na sociedade a qualidade de ser necessário, de ser responsável e de ser consciente para que seja construído o significado do desenvolvimento sustentável. Ainda compondo o núcleo central da representação, encontra-se a palavra inovação. O significado desta palavra vem ao encontro do novo paradigma de desenvolvimento, denotando a necessidade de criar novos modos de produção e estilos de vida, conforme proposto por Sachs (2001). Como apresentado anteriormente, de acordo com Sá (2002), os elementos periféricos caracterizam, apoiam e protegem o núcleo central e abrigam as diferenças de percepção entre os indivíduos, de modo a suportar a heterogeneidade do grupo e acomodar as contradições trazidas pelo contexto mais imediato (MADEIRA, 2001; MAZZOTTI, 2001). Pode-se observar essa heterogeneidade no quadrante inferior esquerdo, onde se concentram as palavras


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marketing, lucro essencial e progresso, inseridas no paradigma vigente de crescimento econômico. Também compondo o sistema periférico estão as palavras futuro e importante, que confirmam o núcleo central no sentido do paradigma emergente do ecodesenvolvimento. Encontram-se no quadrante inferior direito as palavras citadas menos vezes e mais tardiamente: desenvolvimento, organização, respeito, ética, planejamento, compromisso, crescimento, objetivo e preservação. É importante salientar que as palavras desenvolvimento e crescimento aparecem no mesmo quadrante, ou seja, são pouco significativas na representação social da palavra sustentabilidade, o que reforça o argumento de que meio ambiente tem pouca relação com o avanço econômico. A palavra preservação, que o conhecimento do senso comum relaciona com meio ambiente, foi pouco e tardiamente evocada. Pode-se observar, conforme consta no Quadro 1, a relação das palavras evocadas com as dimensões propostas por Sachs (1986). Quadro 1

Dimensões do ecodesenvolvimento e representações sociais de sustentabilidade. Fonte: Dados da pesquisa, 2010.

Sustentabilidade social: visando à distribuição de renda e de bens (oportunidades) com propósitos de reduzir o abismo entre ricos e pobres. Sustentabilidade econômica: a eficiência econômica avaliada em termos macrossociais, não em termos microeconômicos ou empresariais. Sustentabilidade ecológica: novas e criativas formas de intervenção do indivíduo humano na natureza, com níveis mínimos de abuso ou parasitismo. Sustentabilidade espacial: equilíbrio rural urbano, evitando a hiperurbanização. Sustentabilidade cultural: respeito e estímulo à diversidade, aos valores e aos saberes locais de cada população.

Organização, Inovação, Objetivo

Marketing, Lucro Progresso, Crescimento, Desenvolvimento, Futuro

Meio ambiente, Preservação

Planejamento Ética, Respeito, Essencial, Compromisso, Responsabilidade, Consciência, Importante

Os significados das palavras organização, inovação e objetivo foram relacionados à dimensão da sustentabilidade social, pois são palavras de estímulo ao aumento de riquezas nas empresas ou pessoais. Já as palavras ética, respeito, essencial, compromisso, responsabilidade, consciência e importante foram relacionadas à dimensão da sustentabilidade cultural, pois são substantivos e adjetivos que expressam valores. Como o núcleo central tem a função de criar ou transformar significados, pode-se argumentar que está sendo criada uma representação social


Cap 7 – Representações sociais e sustentabilidade: o significado do termo... 151

prioritariamente na perspectiva ecológica, mantendo-se o significado naturalista do conceito de sustentabilidade, de certa forma dissociado das demais dimensões do ecodesenvolvimento.

Considerações finais Este estudo teve por objetivo identificar os significados da palavra sustentabilidade para alunos do curso de administração de uma Instituição de Ensino Superior pública, mostrando as representações sociais que a ela subjazem ou dela decorrem. Tal análise teve em vista identificar o estágio atual de desenvolvimento desse conceito na mente desses futuros gestores, uma vez que o conceito de sustentabilidade nasceu de uma proposta eminentemente ambiental, embora já tenha incorporado aspectos sociais, econômicos e organizacionais. Por se caracterizar como uma pesquisa exploratória e de cunho descritivo, não se tratou, portanto, de um estudo com amostra ampla e suficientemente estratificada que permitisse a extrapolação dos resultados alcançados para a população em geral ou mesmo para parte determinada dela. Deste modo, os resultados apresentados demonstram tão somente a percepção de alunos do curso de graduação em administração de empresas de uma Instituição de Ensino Superior pública de Fortaleza. Feita essa ressalva, podese elaborar algumas considerações finais. Considerando que, conforme Morin (1979), uma representação social não é um reflexo de determinações objetivas, mas um sistema de interpretação de uma relação, os resultados desta pesquisa evidenciaram a proposta contida no conceito de sustentabilidade quando afirma que este se originou da mudança paradigmática sobre a ideia de desenvolvimento como a vitória do homem sobre a natureza. Essas evidências se coadunam com as discussões tecidas no referencial teórico deste estudo, ao relevar que o conceito de sustentabilidade é interdisciplinar, envolvendo cinco dimensões: social, econômica, ecológica, espacial e cultural. Moscovici (2003, p. 62) salienta que o modo como as representações são “construídas e adquiridas” é semelhante ao modo como se constroem e adquirem os conceitos teóricos. Assim, pode-se concluir que o conceito de sustentabilidade está sendo consolidado na perspectiva ecológica, pois o núcleo central, que tem a função de criar ou transformar significados, mostra que no desenvolvimento da representação social está se mantendo o significado naturalista do conceito, de alguma forma dissociado das demais dimensões do ecodesenvolvimento. No entanto, salienta-se que estudos com base na teoria das representações sociais apresentam um design flexível e deixam margem para continuidade, ora para confirmar, ora para questionar resul-


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tados, pois, como propõe Moscovici (2003), são estudos provisórios e abertos. Sendo assim, faz-se necessário o desenvolvimento de novos estudos que visem avaliar os achados encontrados nesta pesquisa, seja pela exploração de diferentes universos, seja pela utilização de métodos distintos de pesquisa, a fim de validar, complementar ou ponderar seus achados. Por fim, é importante salientar que a aplicação da teoria das representações sociais no campo disciplinar da administração pode contribuir para a construção do link entre teoria e prática, tendo em vista que o conhecimento obtido por meio destas pode ajudar a compreender, produzir, reproduzir e interpretar os objetos e fenômenos do cotidiano, relacionando-os aos conceitos teóricos. Neste sentido, ressalta o caráter inovador desta pesquisa, ao contribuir para as investigações e debates acerca da sustentabilidade a partir do reconhecimento de sua interdisciplinaridade e mediante abordagem da psicossociologia, adotante, dentre seus objetos de pesquisa, das representações sociais. Dessa forma, este estudo contribui para a consolidação das investigações relativas à sustentabilidade, por meio da aplicabilidade de tais procedimentos metodológicos junto a um universo formado por futuros gestores de negócios. Além disso, destaca-se a perspectiva de sua transitoriedade pelas fronteiras entre as tradicionais disciplinas do conhecimento, constituindo-se como uma das inovadoras iniciativas de construção do diálogo entre a psicossociologia e a ecologia política.

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EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO

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Cap 7 – Representações sociais e sustentabilidade: o significado do termo... 155

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EDUCAÇÃO Capítulo 8 PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO 156

Abordagem socioambiental nos cursos de Administração de Empresas: uma escala para mensurar a importância percebida pelos docentes Carla Vanessa Pinto de Macedo Ana Augusta Ferreira Freitas Diego de Sousa Guerra

Resumo As empresas representam uma entidade de grande poder com relação à sustentabilidade, pois suas decisões geram impactos significativos sobre a sociedade. Neste sentido, torna-se relevante saber qual a importância atribuída pelos profissionais de educação a temas como gestão ambiental e sustentabilidade, principalmente em cursos de administração, já que eles são o principal veículo de formação dos futuros gestores. Esta foi a preocupação de Costa et al. (2008), quando os autores avaliaram a importância atribuída por professores à área de gestão ambiental. O presente trabalho constitui-se em uma extensão daquela pesquisa, na medida em que se busca abordar conceitos sugeridos pelos autores, mas ainda não contemplados. O objetivo geral é a construção de uma escala para mensuração da importância da abordagem socioambiental nos cursos de administração de empresas na percepção dos docentes. O mapeamento dos construtos e sua forma de operacionalização deram-se por meio da revisão de literatura e pela avaliação de pesquisadores da área. Na segunda fase, realizou-se uma análise fatorial confirmatória, e os testes sugerem que as características psicométricas de um bom instrumento foram atingidas. A aplicação do instrumento com cem professores mostrou que estes entendem que uma boa formação em administração necessita do envolvimento com questões socioambientais. Segundo os docentes, os cursos de administração não abordam de forma satisfatória a temática socioambiental nem incentivam a abordagem desse tema dentro da sala de aula. Além disso, há uma descrença por parte desses profissionais quanto às reais preocupações das empresas com os temas sustentáveis. Embora a maioria tenha formado conceitos bem próximos do conceito mais usual para definir sustentabilidade, os aspectos econômicos, sociais e culturais não foram citados. Finalmente, poucos indicam a forma pela qual o conceito é tratado,


Cap 8 – Abordagem socioambiental nos cursos de Administração de Empresas... 157

ou seja, não há menções relevantes a projetos de pesquisa e/ou de intervenção organizacional.

Introdução Formar pessoas e profissionais preocupados com os problemas socioambientais deve ser o papel das Instituições de Ensino Superior (IES). Segundo Sordi (2005, p. 30), “produzir qualidade no campo educacional implica pronunciar-se sobre que tipo de homem queremos formar para produzir um determinado tipo de sociedade no qual faça sentido viver”. Assim, o papel das instituições educacionais, enquanto formadoras da sociedade, deve ser o de instigar o debate e proporcionar informações consistentes acerca dos problemas sociais e ambientais e da responsabilidade que se tem sobre esses problemas. Além das IES e do governo, as empresas representam outra entidade de grande poder sobre a sociedade com relação à sustentabilidade. As decisões tomadas dentro dessas organizações podem gerar impactos significativos sobre a sociedade e sobre o meio ambiente. A proporção que essa temática tem tomado dentro das empresas traz como consequência uma carência de profissionais com formação voltada para essas questões. É neste contexto que se destaca a importância da abordagem de temáticas como: sustentabilidade e responsabilidade socioambiental na formação dos administradores e nos projetos pedagógicos das IES responsáveis pela formação desses profissionais. Neste sentido, torna-se importante saber qual a importância atribuída pelos profissionais de educação a temas como gestão ambiental e sustentabilidade, em cursos de administração, já que eles são agentes ativos no processo de aprendizagem, juntamente com os discentes. Esta foi a preocupação de Costa et al. (2008), quando os autores avaliaram a importância atribuída por professores de Instituições de Ensino Superior em Administração à área da gestão ambiental, considerando sua importância para a formação em administração. O presente trabalho constitui-se em uma extensão daquela pesquisa, na medida em que se busca abordar conceitos sugeridos pelos autores, mas ainda não contemplados em suas pesquisas, como sustentabilidade e responsabilidade social. O objetivo geral é a construção de uma escala para mensuração da importância da abordagem socioambiental nos cursos de administração de empresas na percepção dos docentes. A seção a seguir traz uma fundamentação teórica sobre sustentabilidade e responsabilidade social, em que se busca o esteio teórico para suas principais dimensões. As demais seções tratarão dos aspectos metodológicos da pesquisa, seus resultados, discussões e considerações finais.


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EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO

Fundamentação teórica O desenvolvimento insustentável praticado nos últimos séculos e as mazelas sociais e ambientais decorrentes deste pedem um posicionamento das instituições de ensino (IEs), lócus prioritário para o desenvolvimento de projetos e pessoas capazes de mudar esse cenário. As IEs ocupam, junto à sociedade, um papel relevante na construção do compromisso com o comportamento ético e responsável. Nesta perspectiva, a sustentabilidade, a gestão ambiental e a responsabilidade social são conceitos a serem desenvolvidos e estimulados na mente dos estudantes. As universidades devem utilizar seu potencial intelectual, técnico e tecnológico em favor de uma consciência e da formação humanística de seus alunos (SORDI, 2005). Embora a proposta esteja relacionada à educação de forma geral, as Instituições de Ensino Superior (IES), em especial, têm o papel de modificar o sistema educacional, de modo a incorporar na formação acadêmica os princípios do desenvolvimento sustentável. A caminhada para uma sociedade mais justa, consciente e sustentável se inicia pela compreensão da sustentabilidade. A discussão em sala de aula, principalmente com alunos dos cursos administração de empresas, abordando assuntos como a responsabilidade social e ambiental, é de fundamental importância, pois esses terão papel relevante na busca por uma sociedade sustentável. Os discentes são muitas vezes responsáveis por levar para as organizações empresariais a preocupação com essa temática. São eles que futuramente estarão à frente dessas empresas, ou seja, mudança no comportamento desses alunos implica mudança nas ações das empresas (GONÇALVES-DIAS et al., 2009). No entanto, apesar da intensa discussão que vem sendo cumprida no mundo acadêmico não há mudanças significativas na adoção do ensino ambiental (GONÇALVES-DIAS et al., 2009; PINHERO et al., 2010). Ferreira e Ferreira (2008), em pesquisa realizada com IES no Estado de Santa Catarina, constataram que 45% dos cursos de administração não contam com disciplinas relacionadas à questão socioambiental na matriz curricular. Dentre aquelas que apresentam tais matérias, a maioria é de escolas particulares (93%) e oferecem a disciplina em regime optativo. Esses resultados corroboram com os argumentos de Payne (2006) e Cole (2007) sobre a necessidade de uma profunda mudança filosófica e paradigmática relacionada à abordagem curricular da educação ambiental, bem como mudança das práticas pedagógicas adotadas. Ainda nesta perspectiva, Krunglianskas (1993), em convergência com os estudos apresentados por Strife (2010), Gonçalves-Dias et al. (2009), Jacobi (2003) e Barbieri (2004), apresentou quatro desafios a serem considerados para a inserção da temática nos cursos de graduação de administração de empresas (Quadro 1).


Cap 8 – Abordagem socioambiental nos cursos de Administração de Empresas... 159

Quadro 1

Desafios para inserção da temática ambiental no curso de administração.

Desafios Institucionalização da temática

Engajamento de atoreschave externos Abordagem didática

Perspectivas profissionais

Comentários Refere-se ao modo como o tema da questão ambiental tem sido introduzido nos currículos, seja na forma de discussões, criação de disciplinas específicas ou criação de programas e centros de estudos dedicados ao tema. O fator de sucesso, independente da abordagem, é a existência de professores comprometidos. Objetiva trazer relevância para a sociedade com os programas de gestão ambiental, envolvendo indivíduos das esferas organizacionais e/ou governamentais. Refere-se ao desafio de alterar as abordagens tradicionais para uma interdisciplinaridade que promova o aprendizado em gestão ambiental, inserindo a gestão ambiental nas disciplinas tradicionais e não concentrando essas discussões em uma disciplina específica. Aborda a necessidade de apresentar a gestão ambiental como uma oportunidade de desenvolvimento de carreira, em que profissionais capacitados a trabalhar suas problemáticas têm demanda cada vez mais crescente no mercado.

Fonte: Kruglianskas (1993),adaptado por Pinheiro et al. (2010).

Cooperrider (2008) explica que o que acontece dentro das empresas está diretamente ligado ao que é ensinado nas universidades, e que isto ocorre porque tudo o que é aprendido na escola, incluindo os valores e princípios morais, impactam o sistema. Para ele, a questão da sustentabilidade é o desafio de uma transformação cultural, do surgimento de uma nova cultura que induza os membros da sociedade a atuarem em seus campos de atividade com o compromisso de criar valor, mas em conexão com o todo. Essa é uma nova competência individual e social a ser criada. Neste contexto, o docente é uma das principais peças no processo de formação desses universitários e na inserção desse conteúdo no currículo acadêmico, embora ele não seja o único responsável pela propagação da educação para a sustentabilidade. Segundo Gonçalves-Dias et al. (2009), o engajamento de atores-chave externos é a forma de assegurar que os programas de gestão ambiental sejam relevantes para a sociedade. O envolvimento de pessoas da comunidade empresarial, de órgãos governamentais e de organizações nãogovernamentais pode ocorrer por meio de diferentes papéis, tais como: orientadores, professores, palestrantes, patrocinadores e empregadores. Além disso, interligar os valores e as práticas do desenvolvimento sustentável ao aprendizado do aluno em torno do conceito de desenvolvimento sustentável requer um processo de ensino que permita a vivência do aluno


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EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO

com esses princípios. Diante desse desafio, diversas pesquisas têm discutido a importância desse tema dentro das universidades e qual seria a melhor forma de integrar as dimensões da sustentabilidade nos currículos acadêmicos, em especial para a área de administração e de negócios. Um exemplo de pesquisas dessa natureza foi a desenvolvida por Costa et al. (2008), em que os autores discutem a importância atribuída por professores de IES em administração à área de gestão ambiental. O trabalho de Costa et al. (2008) teve por objetivo ofertar, a gestores de cursos e de instituições que oferecem cursos na área de administração, informações para que estes possam incluir nos projetos de formação de gestores a preocupação com essa área que tende a apresentar uma grande demanda de administradores profissionais. O presente trabalho segue a mesma linha metodológica, adicionando elementos não incorporados na pesquisa dos referidos autores. Jabbour et al. (2008), em um estudo bibliométrico que mapeou a produção acadêmica brasileira entre os anos de 1996 e 2005, verificaram que, dos 1.785 trabalhos publicados em seis respeitados periódicos de administração, apenas 41 versavam sobre temas relacionados à questão ambiental. Os autores observaram também uma alta concentração de autoria da produção, uma vez que, na ocasião, cinco instituições de pesquisa eram responsáveis por 60% da produção nacional e quatro pesquisadores detinham cerca de 32% dos trabalhos publicados na área. Além das questões já abordadas, o perfil metodológico dos estudos avaliados, que geralmente adotam estratégias teórico-empírico qualitativas, diverge das principais pesquisas acadêmicas da área, tal como as publicadas no Journal of Cleaner Production, que comumente adotam abordagens teórico-empíricas quantitativas (JABBOUR et al., 2008). Cerca de 50% da literatura que serviu de base para estudos dessa natureza são internacionais, sendo os mais citados os estudos de Hunt e Auster (1990) e de Porter e Linde (1995). O uso recorrente de publicações estrangeiras pode ser explicado pelo número restrito de estudos sobre a temática nos periódicos nacionais (JABBOUR et al., 2008).

Metodologia Esta seção apresenta os procedimentos e decisões metodológicas seguidas no desenvolvimento da investigação empírica. Para a consecução do objetivo principal do trabalho, recorreu-se a duas fases distintas de investigação. Na primeira, denominada de fase exploratória, procedeu-se a uma considerável revisão de literatura com o intuito de construir bases teóricas consistentes para os tópicos abordados no estudo. O mapeamento dos construtos e sua forma de operacionalização deram-se por meio da revisão de literatura


Cap 8 – Abordagem socioambiental nos cursos de Administração de Empresas... 161

especializada e por instrumentos de mensuração já utilizados, como, por exemplo, o proposto por Costa et al. (2008). Com a adoção desses procedimentos foram identificadas cinco dimensões relacionadas à percepção dos professores sobre a importância da abordagem socioambiental nos cursos de administração de empresas, a saber: t

A primeira dessas dimensões (VL1) considera a relevância da sustentabilidade, medindo a importância desse tema para a formação em administração e para o desempenho das organizações, bem como a necessidade de se abordar esse assunto em sala de aula.

t

A segunda (VL2) trata do papel das instituições de ensino na formação da percepção socioambiental, verificando a responsabilidade destas na promoção do interesse e no envolvimento dos discentes.

t

A terceira dimensão (VL3) contempla a percepção dos docentes acerca das instituições de ensino como lócus para a formação de profissionais capacitados a lidar com questões socioambientais.

t

A quarta (VL4) analisa a percepção dos docentes sobre o interesse do mercado em questões socioambientais, avaliando a preocupação das empresas em atuarem com sustentabilidade.

t

A última dimensão (VL5) mensura o interesse pessoal dos professores na temática socioambiental, verificando o desejo de esses se envolverem profissional e academicamente com assuntos socioambientais e a preocupação em abordar e discutir a sustentabilidade em sala de aula.

As delimitações desses construtos serviram de base para a construção do instrumento de pesquisa. Trata-se de um questionário estruturado, composto por 20 afirmativas mensuradas por meio de uma escala de Likert de 5 pontos, além de mais 10 questões relacionadas a informações gerais e perfil sociodemográfico dos respondentes. O instrumento também contou com uma parte qualitativa, na qual os entrevistados eram convidados a responder de forma aberta a duas questões: como eles definiam o conceito de sustentabilidade e a forma como eles costumam abordar essa temática em sala de aula. Estas questões tinham o intuito de complementar as questões de cunho quantitativo, no sentido de avaliar de que forma o conceito de sustentabilidade estava sendo interpretado pelos docentes e de que forma ele se operacionaliza na prática cotidiana do ensino. As respostas foram examinadas utilizando-se a análise de conteúdo. Após os procedimentos preliminares de ajuste do instrumento, de avaliação por pesquisadores especialistas e de pré-teste, o questionário foi apli-


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EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO

cado a cem (100) professores de instituições de ensino superior (IES) públicas e privadas de Fortaleza (CE). A amostra continha professores que lecionavam tanto em cursos diurnos quanto noturnos, em universidades e faculdades isoladas, com diferentes portes. A amostra, não-probabilística, foi definida por acessibilidade, e a coleta de dados foi realizada nos meses de setembro e outubro de 2010, por meio de abordagem direta dos professores nos locais de trabalho ou do envio de surveys eletrônicas por e-mail. Importante destacar que, embora se reconheça a heterogeneidade da amostra, não foram realizadas análises estratificadas. Na segunda fase da pesquisa, os dados foram analisados com o auxílio dos softwares Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) e Analysis of Moment Structures (AMOS). O primeiro foi utilizado para as análises descritivas, testes não-paramétricos e testes de confiabilidade. O uso do segundo software justifica-se pelo fato de que a escala proposta neste trabalho já dispõe de uma estrutura fatorial definida previamente, havendo, portanto, a necessidade de testar sua adequação por meio da análise fatorial confirmatória (RAYKOV e MARCOULIDES, 2006). Os missing values foram tratados utilizando-se o método de substituição pela média dos dados presentes naquela variável em razão da total aleatoriedade dos casos omissos. Os índices de não-resposta variaram de 1% a 4%, estando, portanto, dentro da faixa recomendada pela literatura especializada, que é de até 10% (COSTA, 2002). Outro pressuposto testado foi a ausência de outliers, ou seja, padrões de resposta destoantes das demais observações da amostra.

Análise dos resultados A pesquisa foi realizada com docentes das mais diversas áreas do curso de graduação em administração de empresas, como: finanças, RH, estatística, marketing, direito, filosofia, logística, economia e produção. Vale ressaltar que, por se tratar de um curso bem abrangente em termos de áreas de aplicação, muitos dos professores atuam em mais de uma área ao mesmo tempo. A análise foi realizada com cem entradas de dados e, com base nas entradas não nulas, pode-se concluir da amostra o seguinte: t

Entre os entrevistados, 65% são homens e 58% informaram ter menos de 50 anos.

t

Quanto à formação, 49% dos entrevistados são formados em Administração, 16% em Economia ou Ciências Contábeis, 18% em Engenharia, Matemática ou Estatística, 7% em Direito e 10% em Psicologia, Sociologia e cursos afins, sendo que 6% das entradas possuem pelo menos duas formações distintas.


Cap 8 – Abordagem socioambiental nos cursos de Administração de Empresas... 163

t

Dos professores participantes da presente pesquisa, ficou constatado que 4% são apenas graduados, 25%, apenas especialistas, 50% são mestres, 19%, doutores e 2% têm pós-doutorado. Além disso, 35% declararam possuir algum curso ou especialização na área.

Análise fatorial confirmatória Para o processo de análise fatorial confirmatória definiu-se inicialmente os parâmetros associados ao processo de avaliação das dimensões, dada a certa variação de critérios apresentada pela literatura especializada (RAMOS, 2009). Os critérios utilizados para avaliação desta fase da pesquisa foram valores de RMSEA (raiz do erro quadrático médio aproximado) menores que 0,08; valores de GFI (índice de adequação do ajustamento) e CFI (índice de ajuste comparativo) superiores a 0,9; a estatística qui-quadrado (?2) menor possível e sua divisão pelos graus de liberdade (gl) menor do que 3 (HAIR et al., 2005; RAYKOV e MARCOULIDES, 2006; RAMOS, 2009; MARÔCO, 2010). Adicionalmente, foram extraídos, para cada dimensão, os índices de confiabilidade composta, de variância extraída, a média dos escores fatoriais, o Alpha de Cronbach e o menor critical ratio. A Tabela 1 mostra os resultados obtidos para cada uma das dimensões da escala após os procedimentos de ajuste guiados pelos parâmetros supracitados e pelas alterações sugeridas pelo software AMOS no item modification indices. É importante ressaltar que tal adequação só foi possível com a exclusão de alguns itens, que são listados no Quadro 2. Quadro 2

Itens excluídos por construto.

Construto VL2

VL2 VL5

Item Cursos de administração deveriam ter nos currículos conteúdos/disciplinas sobre desenvolvimento sustentável. Cursos de administração deveriam ter projetos relacionados com questões sociais e ambientais. Probabilidade de trabalhar (no mercado não acadêmico) com questões socioambientais.

Fonte: Dados da pesquisa.

Para a análise da unidimensionalidade foi utilizado o índice CFI, que tem como parâmetro mínimo o valor de 0,9. A confiabilidade dos construtos foi verificada pelos valores de variância extraída, que deve ser maior que 0,5, além do Alpha de Cronbach e da confiabilidade composta, que devem ser maiores que 0,7 (HAIR et al., 2005; RAMOS, 2009). Conforme se verifica na Tabela 1, a unidimensionalidade e a confiabilidade dos construtos foram


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EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO

asseguradas por índices mínimos de CFI de 0,997, variâncias extraídas de 0,619, Alphas de 0,774 e confiabilidades compostas de 0,709. A validade convergente, que avalia o grau de correlação positiva das variáveis com seus pares de mesma dimensão (DEVELLIS, 1991), foi testada pela análise dos t-values. Valores superiores a 1,96 (p < 0,05) indicam boa adequação. Na Tabela 1 pode-se observar que o menor valor de critical ratio (CR) encontrado foi de 4,399, bem superior aos padrões mínimos exigidos para essa medida. Todos os valores observados foram significativos a p < 0,001, o que sugere a validade convergente para cada uma das dimensões. Tabela 1

Medidas finais de ajuste por construto.

Medida

Dimensão

VL1

VL2

VL3

VL4

VL5

Confiabilidade composta

0,709

0,759

0,752

0,718

0,793

Variância extraída

0,695

0,788

0,701

0,619

0,730

Média dos escores

0,770

0,702

0,701

0,604

0,671

Menos critical ratio*

5,941

7,802

5,277

4,399

4,429

Qui-quadrado (c²)

0,513

0,425

1,348

1,413

1,069

2

1

1

2

1

c²/gl

0,256

0,425

1,348

0,707

1,069

Valor de p

0,774

0,514

0,246

0,493

0,301

GFI

0,997

0,997

0,991

0,993

0,993

CFI

1,000

1,000

0,997

1,000

1,000

RMSEA

0,000

0,000

0,059

0,000

0,026

Alpha final

0,831

0,862

0,774

0,788

00,792

Graus de liberdade (gl)

Fonte: Dados da pesquisa. Nota: *Todos os valores significativos a p < 0,001.

A validade discriminante foi testada a partir da comparação de dois modelos de correlação entre os pares de construto. O primeiro foi analisado assumindo que havia correlação perfeita entre as variáveis latentes, enquanto no segundo nenhuma correlação foi previamente definida. Gosling (2001), com base no trabalho de Moorman e Miner (1998), sugere a existência de validade discriminante quando a diferença do teste quiquadrado do modelo de correlação perfeita supera em 3,84 o modelo de correlação livre. Os resultados da Tabela 2 indicam a existência de validade discriminante para a escala, visto que a menor diferença observada entre os construtos foi de 19,033.


Cap 8 – Abordagem socioambiental nos cursos de Administração de Empresas... 165

Tabela 2

Validade discriminante da escala.

Construtos correlacionados VL1-VL2 VL1-VL3 VL1-VL4 VL1-VL5 VL2-VL3 VL2-VL4 VL2-VL5 VL3-VL4 VL3-VL5 VL4-VL5

?² com correlação perfeita 84,911 70,026 75,454 78,081 86,242 78,558 78,211 80,183 73,962 36,547

?² com correlação livre 24,489 24,133 15,222 17,502 33,905 30,332 23,664 24,824 10,241 17,514

Diferença 60,422 45,893 60,232 60,579 52,337 48,226 54,5457 55,359 63,721 19,033

Fonte: Dados da pesquisa.

De maneira geral, os resultados descritos nesta seção sugerem que as características psicométricas de um bom instrumento foram atingidas, conforme apresentado a seguir: t

A validade de conteúdo foi atestada por pesquisadores especialistas na área e ratificada por meio do pré-teste realizado com uma pequena amostra de respondentes típicos na fase preliminar do trabalho de campo.

t

A validade de construto, ou seja, as validades convergente e discriminante, foi chancelada pelos índices de ajustamento propostos pela literatura, bem como a verificação da diferença do teste qui-quadrado entre os modelos de correlação perfeita e livre.

t

Os critérios utilizados para a avaliação da confiabilidade dos construtos, como o Alpha de Cronbach e a confiabilidade composta, indicaram índices satisfatórios em todas as verificações.

Análise descritiva Para uma análise da importância da sustentabilidade e das questões socioambientais para o curso de administração de empresas, foram avaliadas as médias obtidas em três itens que verificavam essa questão. Em uma escala convencional de likert de 5 pontos, o índice médio encontrado foi superior a 4 e o desvio-padrão apresentou-se inferior a 1 (Tabela 3). Juntos, esses fatores indicaram o entendimento dos professores de que uma boa formação em administração necessita do envolvimento com questões socioambientais e a concepção dessa temática como uma questão de grande relevância para a formação em administração.


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EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO

Tabela 3

Relevância da sustentabilidade para a administração de empresas.

Item A sustentabilidade é uma questão relevante para o desempenho das organizações. A sustentabilidade é um assunto de grande importância para a formação em administração. Uma boa formação em administração necessita de uma formação envolvida com questões socioambientais.

Média

Desvio-padrão

4,41

0,818

4,62

0,763

4,60

0,725

Fonte: Pesquisa de campo.

Com relação à análise do papel da universidade no desenvolvimento do aprendizado sobre questões sociais e ambientais, os docentes demonstraram que, para eles, as IES são responsáveis pelo desenvolvimento e pelo aumento da compreensão dos alunos no que tange a assuntos sociais e ambientais. Na questão que avaliava essa temática, a média foi superior a 4 e o desviopadrão inferior a 1. Para promover o desenvolvimento desse aprendizado seria importante que as IES inserissem em seu currículo conteúdos e disciplinas relacionados com a temática, bem como avaliassem nesses alunos o conhecimento sobre sustentabilidade e responsabilidade socioambiental. Confirmando essa afirmativa, os quatro itens que avaliavam essa questão apresentaram média superior a 4 e desvio-padrão inferior a 1, o que representa uma baixa divergência na opinião dos professores (Tabela 4). Tabela 4

Papel da universidade no desenvolvimento do aprendizado sobre questões socioambientais.

Item Escolas de administração deveriam oferecer oportunidades para que os estudantes aumentem sua compreensão sobre sustentabilidade Cursos de administração deveriam avaliar os conhecimentos sobre sustentabilidade dos alunos Os cursos de administração deveriam envolver os estudantes em assuntos socioambientais Estudantes de administração deveriam ser incentivados por suas Instituições de Ensino a se envolverem em projetos socioambientais.

Média

Desvio-padrão

4,68

0,601

4,24

0,996

4,60

0,682

4,49

0,732

Fonte: Pesquisa de campo.

Os três itens que mensuravam a abordagem socioambiental da universidade para o mercado apresentaram médias inferiores a 3 e desvios de aproximadamente 1, conforme pode ser observado na Tabela 5. Esses resultados


Cap 8 – Abordagem socioambiental nos cursos de Administração de Empresas... 167

indicam que os professores acreditam que os cursos de administração não abordam de forma satisfatória a temática socioambiental nem incentivam a abordagem do tema dentro da sala de aula. Ainda segundo a percepção dos docentes, há carência de administradores capacitados a lidar profissionalmente com o assunto. Esses resultados corroboram a tese de que, apesar da incontestável importância do debate de temas relacionados com as questões socioambientais, as discussões inerentes a essa temática estão sendo negligenciadas pelos cursos de graduação em administração (FERREIRA e FERREIRA, 2008; GONÇALVES-DIAS et al., 2009; PINHEIRO et al., 2010). Tabela 5

A abordagem socioambiental da universidade para o mercado.

Item Os cursos de administração abordam de forma satisfatória a temática socioambiental. Há, no mercado, profissionais com formação para atender à demanda por profissionais capacitados para lidar com questões socioambientais. Os cursos de administração incentivam/apoiam/exigem a abordagem da temática socioambiental em sala de aula.

Média

Desvio-padrão

2,53

1,029

2,54

0,989

2,78

1,124

Fonte: Pesquisa de campo.

Em relação à percepção dos professores sobre o interesse do mercado em questões socioambientais, os docentes apontaram, de forma bastante modesta, haver interesse do mercado no assunto. Todas as afirmativas apresentam médias inferiores a 4 pontos e desvios superiores a 1. O destaque desse construto está relacionado à questão que propunha haver uma preocupação das empresas em atuar com sustentabilidade dentro das questões socioambientais, que obteve média de 3,09, bem próxima ao ponto médio da escala. Esse resultado demonstra indícios de descrença dos professores quanto às reais preocupações das empresas com os temas sustentáveis, mesmo havendo uma tendência positiva (média = 3,73), e relativamente modesta, em relação à percepção dos professores na questão que avalia a demanda por administradores com formação compatível com a área (Tabela 6). Quanto à probabilidade de inserir essas questões entre seus temas de ensino e à probabilidade de se envolverem academicamente em projetos socioambientais, as médias obtidas foram de aproximadamente 4 e os desvios-padrão próximos a 1. Já com relação ao envolvimento profissional no mercado não acadêmico, o interesse em atuar em questões socioambientais foi menor que o percebido nos itens anteriores, com uma média de aproximadamente 3,5, e desvio-padrão superior a 1 (Tabela 7).


168

EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO

Tabela 6

Interesse do mercado em questões socioambientais.

Item Faz parte das exigências do mercado que a formação acadêmica dos administradores passe pela formação socioambiental. A formação de administradores com ênfase em responsabilidade socioambiental facilita sua colocação no mercado de trabalho. Há no mercado demanda por administradores com formação voltada para o social e o ambiental. As empresas estão preocupadas em atuar com sustentabilidade dentro de questões socioambientais.

Moda

Média

DesvioDesvio-padrão

4

3,35

1,201

4

3,48

1,105

4

3,73

1,081

4

3,09

1,093

Fonte: Pesquisa de campo.

Tabela 7

O interesse pessoal dos professores pela temática socioambiental.

Item Probabilidade de inserir o desenvolvimento sustentável entre os meus temas de ensino . Probabilidade de inserir as questões socioambientais dentre os meus temas de pesquisa. Probabilidade de me envolver academicamente em projetos de sustentabilidade socioambiental.

Média

Desvio-padrão

4,06

0,941

3,96

0,875

3,93

0,946

Fonte: Pesquisa de campo.

Considerando a importância que a temática socioambiental tem alcançado nos últimos tempos, outra questão analisada foi o conhecimento que os professores têm acerca do assunto. Para isso foi solicitado aos professores que definissem o que entendem por sustentabilidade. Os conceitos obtidos foram comparados ao conceito preconizado pelo relatório de Brundtland – Nosso Futuro em Comum –, elaborado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento: “Atender às necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras atenderem também as suas”, ou seja, promover o desenvolvimento de modo a garantir a renovação e a conservação dos recursos para que as próximas gerações continuem usufruindo destes. É relevante destacar que aqui não se trata exclusivamente da preservação e manutenção dos recursos ambientais, embora estes sejam


Cap 8 – Abordagem socioambiental nos cursos de Administração de Empresas... 169

de suma importância; deve-se lembrar que a cultura, a economia e o bemestar social são fatores igualmente essenciais para as gerações que ainda virão. Analisando as respostas obtidas chegou-se aos seguintes resultados: t

3% dos entrevistados informaram não possuir nenhum conceito acerca da sustentabilidade.

t

11% formaram um conceito equivocado, associando sustentabilidade a fatores como geração de renda, urbanismo, lazer, sobrevivência da empresa no mercado competitivo, etc.

t

Em 86% dos casos os conceitos apresentados estavam relacionados com preservação ambiental e manutenção dos recursos naturais, garantindo sua disponibilidade às gerações futuras.

Interessante ressaltar que continuidade foi o termo mais citado pelos entrevistados em suas definições. Embora a maioria dos professores tenha formado conceitos bem próximos do mais usual para definir sustentabilidade, os aspectos econômicos, sociais e culturais não foram citados pela maioria (53%) dos entrevistados. O esquecimento desses fatores deixou claro que grande parte dos entrevistados entende que os aspectos ambientais são os mais relevantes quando se trata de sustentabilidade, mas é fundamental ressaltar aqui que todos os aspectos acima citados são de suma importância na construção de uma sociedade sustentável. Ainda com o objetivo de avaliar a relação dos professores com questões ligadas à temática socioambiental, foi perguntado se eles costumam abordar o assunto em sala de aula e, em caso positivo, de que forma o fazem. Os dados mostram que 85% dos professores abordam esse tema durante as aulas, e a maioria reconhece que sua disciplina tem relação com a temática. Interessante que esses dados contrastam com aquilo que esses mesmos professores percebem dos cursos de administração em geral (Tabela 6). Na verdade, nessa tabela apresenta-se o que eles acreditam que acontece nos cursos de administração, enquanto na parte qualitativa estavam revelando sua própria práxis. Finalmente, poucos indicam a forma como o conceito é tratado, ou seja, não há menções relevantes a projetos de pesquisa e/ou de intervenção organizacional. Outras metodologias de ensino, como estudos de caso, não foram citadas. Além disso, nas IES que possuem projetos interdisciplinares, não fica claro a inserção da temática como assunto transversal a ser tratado por professores de outras disciplinas.


170

EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO

Considerações finais Os administradores têm um papel relevante na transformação da consciência ambiental, posto que se espera que parte deles ocupe cargos estratégicos nas organizações, com reflexos na mudança de valores e comportamentos sociais. Esse fato esclarece por que a educação voltada para os desafios socioambientais se apresenta de maneira tão decisiva na formação dos administradores. O modo como se vê a administração, como uma atividade que deve buscar atender exclusivamente aos interesses das organizações, se contrapõe às atuais perspectivas da sociedade, que indicam como instrumento de competitividade empresarial a necessidade de incluir o meio ambiente nas decisões empresariais. As questões sociais e ambientais precisam ser discutidas em sala de aula. A capacitação desses graduandos, não só com relação à sua função empresarial e profissional, mas também social, é um desafios dos educadores e uma necessidade da sociedade. Para que se alcance uma formação voltada para o social e o ambiental, são necessários profissionais capacitados a inserir essa temática na vida acadêmica dos alunos. A inserção dessa problemática na formação dos administradores é uma responsabilidade que não pode ser negligenciada pelas IES. O presente trabalho traz uma contribuição metodológica relevante quando apresenta uma proposta de escala para mensuração da importância da abordagem socioambiental nos cursos de administração na percepção dos docentes. A presente pesquisa avança também em relação a trabalhos anteriores (e.g. COSTA et al., 2008), na medida em que amplia a discussão sobre a preocupação ambiental, incluindo temas como sustentabilidade e responsabilidade social. Além disso, este estudo oferece algumas evidências empíricas que podem ajudar a superar os desafios identificados em trabalhos prévios. Em relação à institucionalização da temática ambiental, por exemplo, a pesquisa mostra indícios de que não bastam professores comprometidos. Uma boa parte deles precisa de treinamento, a partir, por exemplo, de programas de capacitação, antes de inserirem a temática em suas disciplinas. Dentro desse contexto, a presente pesquisa revelou que, embora a importância atribuída a essa temática seja relevante, ainda não se percebem grandes ações voltadas para essa questão na práxis de ensino. Praticamente não são ofertadas aos alunos oportunidades de se envolverem em projetos relacionados com o assunto, sejam eles de caráter de intervenção ou de pesquisa. Isso deixa claro que, embora o apelo da sociedade em relação ao social e ao ambiental tenha sido crescente nos últimos anos, essa preocupação ainda não atravessou os muros das Instituições de Ensino Superior e estas ainda não têm cumprido seu papel. A sustentabilidade e as questões socioambientais relacio-


Cap 8 – Abordagem socioambiental nos cursos de Administração de Empresas... 171

nam-se com as mais diversas disciplinas, como economia, direito, administração da produção, logística, marketing, entre outras. A multidisciplinaridade facilita sua abordagem em sala, podendo ser inserida e abordada por meio das mais diversas perspectivas. Tal interdisciplinaridade poderia ser objeto dos projetos interdisciplinares tão comuns nos cursos de administração. Os resultados ainda evidenciaram que os docentes têm consciência de sua importância no desenvolvimento da compreensão dos discentes com relação a assuntos sociais e ambientais e se mostram mais interessados em se envolver academicamente do que profissionalmente com essas questões, além de perceberem pouco interesse do mercado com temáticas socioambientais. Segundo eles, uma boa formação em administração necessita do envolvimento com questões socioambientais, uma temática relevante que ainda não é adequadamente tratada nos cursos de administração. Finalmente, quando avaliados em termos de conhecimento sobre o assunto, a maioria dos entrevistados vincula sustentabilidade a aspectos ambientais, negligenciando as questões econômicas, culturais e sociais subjacentes ao conceito. Como implicação gerencial imediata, sugere-se aos gestores de IES que forneçam capacitação aos professores não somente sobre o assunto, mas, principalmente, sobre os recursos didáticos disponíveis para tratá-los nas disciplinas, de forma a despertar nesses profissionais o interesse pela área e desse modo promover o desenvolvimento de discussões em sala de aula acerca da temática. Melhor desenvolvimento de valores pessoais sobre sustentabilidade nos estudantes figura como implicação social deste estudo, uma vez que as decisões desses futuros gestores serão reflexo da qualidade dessa educação. Importante registrar que a amostra utilizada nesta pesquisa tinha uma natureza não probabilística. Isto significa que, apesar de o trabalho contribuir com a literatura pertinente, oferecendo à comunidade uma escala que pode ser empregada em outros contextos, seus resultados não podem ser generalizados. Como sugestão para pesquisas futuras indica-se a aplicação do instrumento proposto com diferentes amostras, com o objetivo de verificar se os resultados aqui encontrados se repetem em outros contextos. Estudos de adaptação e/ou validação da escala também se configuram em boa perspectiva de futuras contribuições metodológicas.

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EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO

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Cap 8 – Abordagem socioambiental nos cursos de Administração de Empresas... 173

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EDUCAÇÃO Capítulo 9 PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO 174

Afinal, quem são os gestores da responsabilidade social corporativa (RSC)? Implicações para a formação dos administradores Evelize Welzel

Resumo A concepção do termo responsabilidade social corporativa pertence, na literatura acadêmica, à temática moderna do ‘negócio e a sociedade’ (MATTEN et al., 2003; WADDOCK, 2004), em que é possível distinguir duas correntes principais no tocante a seu direcionamento: legitimidade das organizações e; derivada do conceito de desenvolvimento sustentável. O foco do presente estudo está nesta última, que pressupõe que RSC está interligada ao conceito de desenvolvimento sustentável e constitui a implementação da sustentabilidade na esfera corporativa (RNE, 2006; VAN MARREWIJK, 2003). Nesse sentido, a RSC é compreendida como uma pedra fundamental da implementação de uma empresa sustentável, guiada por princípios econômicos, éticos e ecológicos e, portanto, não é um padrão estático, mas sim um processo contínuo na busca de níveis cada vez mais altos de envolvimento e comprometimento empresarial com os grupos sociais do seu ambiente. Entendendo que a implementação da temática de RSC influi no pensar o ensino de administração dos futuros gestores de empresas sustentáveis, este estudo pretende possibilitar uma reflexão acerca das implicações da adoção de RSC na formação dos administradores. Para tanto, partiu-se de duas questões iniciais: qual é o perfil dos atuais gestores das atividades de RSC? De que forma esses gestores adquirem conhecimento para exercer suas atividades relativas à criação e implementação das atividades de RSC? Esse levantamento foi realizado com 76 empresas alemãs da indústria de transformação que atuam no Brasil. Observou-se que as empresas pesquisadas encontram-se em estágio embrionário de inserção da RSC em suas estruturas e carecem de formação profissional para gerenciamento da área de RSC. As fontes de conhecimento necessárias para a concretização das práticas de RSC são adquiridas a partir de uma ‘rede informal de conhecimentos’, em que se evidencia a iniciativa individual. Por consequência, entende-se que a construção das competências que possibilitem o desenvolvimento do que se denomina aqui de “administradores profis-


Cap 9 – Afinal, quem são os gestores da responsabilidade social corporativa (RSC)? ... 175

sionais da sustentabilidade” deve ser pensada pelas escolas e, por conseguinte, pelos professores de administração com base em três questões fundamentais: (1) rompimento da visão linear de empresa; (2) entendimento do conceito sistêmico de ambiente e a decorrente capacidade de compreensão de questões urgentes com foco socioambiental; e (3) inserção de processos de avaliação multidimensionais das empresas.

Introdução Observa-se, nas últimas décadas, a disseminação do conceito da RSC (LOCKETT et al. 2006, p. 129). Entretanto, não existe nenhum instrumento – político, legal ou econômico – que obrigue ou garanta o engajamento socioambiental das empresas. No caso de as empresas voluntariamente se engajarem, emergem esperança e receio por parte da sociedade (MATTEN et al., 2003, p. 118), em função do questionamento de como se dará esse engajamento e suas consequências, em outras palavras, se trarão melhorias ou deterioramento das questões sociais e ambientais (HANSEN, 2004, p. 64). Decorrente dessa apreensão observa-se o crescimento da pressão e da influência de organismos supranacionais (ex.: ONU, IWF, WTO, União Europeia), que defendem a difusão do conceito de RSC estreitamente ligado ao conceito de sustentabilidade (EU-KOMMISSION, 2001, p. 7). Consequentemente, fica evidente a modificação do papel das empresas que, além da performance econômica, deverão apresentar elevado desempenho socioambiental. Nesse sentido, concebe-se que as empresas passarão a incorporar essas questões em suas políticas e estratégias, de modo a se anteciparem à pressão externa (MATTEN e CRANE, 2005, p. 172), na medida em que se posicionam diante da concorrência e entendam a implementação de atividades de RSC como uma oportunidade de obter vantagem competitiva (LOEW et al. 2004, p. 18). Para tanto, o constructo RSC contribui para o diálogo entre empresa e seus stakeholders e concretiza a discussão do engajamento sustentável das organizações nas questões socioambientais. Evidencia-se, portanto, que a visão linear de empresa como uma “cadeiaextração-manufatura-venda-uso-descarte” (RODRIGUEZ et al., 2002, p. 139) está distante e, consequentemente, não condiz com a realidade organizacional atual (HANSEN e SCHRADER, 2005, p. 378), em que o desafio é coadunar RSC à estratégia empresarial. Surge, então, a discussão se e como as empresas enfrentarão esse novo cenário, que envolve a melhoria das condições socioeconômicas do contexto empresarial, bem como a contribuição para o fortalecimento do capital social,1 o que exige, portanto, novas funções, de modo a abarcar o engajamento socioambiental, sem se distanciar ou negligenciar sua 1. Capital social é entendido aqui como todos os recursos humanos e imateriais, como orientação empresarial, confiança, imagem e sua decorrente legitimidade (MÜLLER-CHRIST, 2004, p. 9).


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EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO

vocação e função econômica. Modifica-se, por conseguinte, o próprio papel dos administradores das empresas, visto que, em última análise, quem criará e concretizará esse novo modelo de organização são seus gestores. Emerge, então, o interesse de entender quem atualmente está à frente da definição e implementação das atividades de RSC nas empresas. Compreendendo que a implementação da temática de RSC influi o pensar o ensino de administração dos futuros gestores de empresas sustentáveis, formulam-se as questões norteadoras do presente estudo: qual é o perfil dos atuais gestores das atividades de RSC? De que forma esses gestores adquirem conhecimento para exercer suas atividades relativas à criação e implementação das atividades de RSC? Especificamente, pretende-se descrever o perfil dos responsáveis pelas atividades de RSC, em especial nas empresas brasileiras com capital alemão, relacionar as fontes de conhecimento necessárias para a concretização das práticas de RSC e, por fim, proceder a caracterização do perfil do administrador a partir da realidade da adoção de atividades de RSC pelas empresas, Este capítulo está estruturado em cinco partes principais. Na primeira, apresentada nesta seção, contextualizou-se o novo papel das empresas e de seus gestores diante do engajamento destas à RSC. A seguir, faz-se uma discussão teórica das definições e modelos de RSC, bem como da forma de implementação da sustentabilidade no nível organizacional. Complementarmente, descreve-se a metodologia empregada para responder às questões norteadoras do estudo supracitada. Na parte seguinte apresentam-se os dados do levantamento empírico realizado junto às empresas brasileiras com capital alemão e analisam-se os principais resultados. Por fim, discutem-se as influências da adoção de RSC na formação dos administradores.

Reflexões introdutórias sobre o conceito de responsabilidade social corporativa (RSC) A responsabilidade social corporativa possui vários significados. Para alguns traduz a ideia de ‘responsabilidade ou obrigação legal’ (PRESTON e POST, 1987); para outros significa um ‘comportamento ético empresarial’ (HOMANN, 2004; SUCHANEK, 2003); para um terceiro grupo expressa a ideia de ‘filantropia’ (PORTER e KRAMER, 2002); uma outra concepção do termo incorpora a noção de ‘legitimidade’ das empresas (DAVIS, 1973; WARTICK e COCHRAN, 1985); e o termo pode ainda ser compreendido como obrigação ‘fiduciária’ empresarial (FREEMAN, 1984). Seu antônimo pode ser entendido pelos termos ‘irresponsabilidade social’ ou “inexistência de responsabilidade social” (ZENISEK, 1979).


Cap 9 – Afinal, quem são os gestores da responsabilidade social corporativa (RSC)? ... 177

A concepção do termo responsabilidade social corporativa pertence, na literatura acadêmica, à temática moderna do negócio e da sociedade (MATTEN et al., 2003; WADDOCK, 2004), em que é possível distinguir duas correntes principais no tocante a seu direcionamento. A primeira pressupõe que a existência de uma empresa é permitida pela sociedade e, portanto, precisa ter legitimidade para existir (princípio da legitimidade) (SETHI, 1975; DAVIS e FREDERICK, 1985; WOOD, 1991). Garrida e Melé (2004) denominam essa abordagem como ‘constitucionalismo corporativo’, a qual se fundamenta na ideia de que há uma codependência entre empresa e sociedade. Concretamente, observa-se que atualmente há uma pressão exercida pela sociedade no intuito de forçar maior engajamento das empresas nas questões sociais (JOYNER e PAYNE, 2002). A segunda parte do princípio de que a RSC está interligada ao conceito de desenvolvimento sustentável, já que tem alicerce conceitual no tripé da sustentabilidade: as dimensões econômicas, ecológicas e sociais. Mais que isso, a RSC é a implementação da sustentabilidade na esfera corporativa (RNE, 2006; VAN MARREWIJK, 2003). Essas duas correntes não são excludentes, mas sim complementares e auxiliam na definição da RSC. Nas palavras da comissão da comunidade europeia, a RSC pode ser entendida como um “conceito composto de fundamentos sociais e ambientais, aos quais a empresa adere livremente, visando servir e se relacionar de forma integrada com seus stakeholders (EU-KOMMISSION, 2001, p. 7, tradução livre). Essa é uma definição genérica do conceito de RSC e, portanto, apresenta várias possibilidades de entendimento e concretização do tema. Fica clara, nessa definição da EU, a relevância das questões do meio ambiente, que, associadas ao aumento da consciência ecológica por parte dos clientes e, por conseguinte, da exigência em termos de qualidade geral das operações das empresas, representam o desafio do gerenciamento empresarial da atualidade. Na prática, isso resultou na necessidade de outras formas de avaliação do desempenho das empresas, além dos balanços econômicos, surgindo assim os balanços sociais ou socioambientais. A Figura 1 apresenta graficamente a evolução dessa recente realidade empresarial, bem como a respectiva resposta operacional das certificações. Destaca-se especialmente aqui a difusão das certificações de cunho ambiental. De maneira geral, verifica-se um aumento de praticamente 205% no número de certificações ISO 14001 emitidas ao redor do mundo entre os anos de 2001 e 2005 (ISO SURVEY, 2005). Um dos motivos do crescimento das certificações ambientais emitidas se deve ao fato de que o fomento de atividades ecologicamente responsáveis pode trazer consigo uma diminuição nos custos operacionais da empresa, como pode ser constatado, por exemplo, a partir da introdução de estratégias para a economia de energia (HANSEN, 2004).


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EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO

DESAFIO EMPRESARIAL Exigência por níveis de qualidade

Consciência ecológica

Foco no produto e no processo

Foco nas práticas ambientais

- Qualidade - Serviços - Segurança

- Poluição - Tratamento de resíduos

Consciência ética

Foco nas práticas sociais - Condições não éticas de trabalho

RESPOSTAS OPERACIONAIS

ISO 9000

Década de 80

Figura 1

ISO 14000

SA 8000

Década de 90

A partir de 2000

Evolução das iniciativas de certificação empresarial. Fonte: Adaptado de Kreikebaum et al. (2001, p. 170).

Contraditoriamente, a adesão a comportamentos ambientais sustentáveis requer o investimento no desenvolvimento de tecnologias limpas, o que pode influenciar direta e negativamente a competitividade das empresas no curto prazo. Em contrapartida, há posicionamentos claros de que o desenvolvimento de tais tecnologias permita a obtenção, num futuro próximo, de vantagens competitivas duradouras. Esse é o rumo escolhido pela comissão da comunidade europeia, a qual estabelece que o patrocínio de atividades ligadas à responsabilidade social corporativa é um dos alicerces estratégicos para que a comunidade europeia seja líder econômica da sociedade do conhecimento baseada em princípios da sustentabilidade (EU-KOMISSION, 2002). Outro padrão de certificação que ‘atesta’ o comprometimento social das empresas é a Social Accountability 8000 (SA 8000). Entretanto, esse ainda não é um padrão amplamente implementado e aceito como o da ISO 14001. O Brasil é o quarto no ranking mundial com apenas 99 certificações emitidas (SAI, 2005). Em termos europeus, a Alemanha, por exemplo, não possuía até 2006 nenhuma empresa certificada listada. No entanto, expoentes do mundo empresarial alemão e europeu fazem parte do Advisory Board da SA 8000, o que incentiva a divulgação desse padrão, pois lhe fornece credibilidade. Além disso, a ISO lançou um padrão sobre responsabilidade social, a chamada ISO 26000, porém esta não permite a certificação da RSC, pelo fato deste ser entendido de formas diferentes no contexto internacional.


Cap 9 – Afinal, quem são os gestores da responsabilidade social corporativa (RSC)? ... 179

Contudo, imagina-se que a adesão a padrões de certificação social tenda a crescer, graças à popularização do conceito de responsabilidade social corporativa. É possível identificar na literatura 8 modelos explicativos principais de RSCC. Zenisek (1979) definiu três perspectivas de RSC (ideológica, societal e operacional). No mesmo ano, Carroll (1979) definiu um modelo tridimensional sobre as categorias de RSC (econômica, legal, ética e discricionária), que foram reelaboradas em 1991 em forma de pirâmide, e a filosofia de responsividade social (reativa, defensiva, acomodada e proativa). O modelo piramidal sobre responsabilidade social corporativa idealizado por Carroll (1991) é tido até o momento como um modelo explicativo fundamental do tema. Segundo esse modelo, a empresa possui quatro graus com categorias diferentes de responsabilidade social, a saber (MATTEN e CRANE, 2005, p. 167): (1) Responsabilidade econômica – a empresa precisa gerar lucro. (2) Responsabilidade legal – a empresa deve obedecer à lei. (3) Responsabilidade ética – a empresa deve fazer o que é certo e agir sempre de forma correta e leal. (4) Responsabilidade de ação discricionária – a empresa deve contribuir para a melhoria das condições da sociedade em geral, engajando-se em projetos sociais comunitários de cunho educacionais, culturais e esportivos. Os dois primeiros critérios são exigidos pela sociedade, o que Homann (2004) denominou de “responsabilidade de ação” das empresas. O terceiro aspecto é esperado pela sociedade, e o quarto é desejado pela sociedade (CARROLL, 1991). A esses dois últimos critérios, Homann (2004, p. 6) denominou de “ampliação da responsabilidade de ação” das empresas. Num primeiro momento, esse modelo se apresenta como amplo e praticamente completo. No entanto, para Schneider (2004, p. 22, tradução livre), o modelo de Carroll negligencia os preceitos básicos da RSC, mais precisamente o ecológico e o social, “(…) por ser construído a partir de uma lógica econômica dominante, em que esses aspectos surgem praticamente como preocupação secundária”. Além disso, a autora salienta que a “expectativa da sociedade” é um conceito arbitrário, pois a sociedade moderna, por definição, é fragmentada pela diversidade de pontos de vista, de interesses cada vez mais personalizados e divergentes, e, portanto, fica difícil esclarecer o que a expressão “expectativa conjunta” representa. Outro ponto a destacar é que o quarto critério do modelo piramidal de Carroll (1991) ficou mais conhecido e passou a ser utilizado, praticamente,


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EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO

como sinônimo de RSC. Em parte, isso se deve ao fato de que deste critério surgiu o conceito de cidadania corporativa (CC), cujo conteúdo é basicamente filantrópico. Em razão disso, as empresas utilizam os resultados alcançados pelas ações sociais como forma de ‘moeda’ em momentos de crise (MATTEN et al., 2003; VAN MARREWIJK, 2003), como, por exemplo, quando a empresa é alvo de algum escândalo de corrupção, ou em caso de desastre ecológico, ou ainda quando há caso de demissão em massa. Nessas situações, há uma desconfiança de que a empresa esteja apenas agindo em “interesse próprio”, pois utiliza esses projetos como meio de publicidade, o que Matten et al. (2003, p. 112) denominam de “utilização limitada” do conceito de cidadania corporativa. Tendo por base os trabalhos de Carroll (1979), Wartick e Cochran (1985) definiram os principais desafios de RSC como sendo: a responsabilidade econômica, a responsabilidade pública e a responsividade social. Aqui os autores elaboraram um modelo de performance social corporativa em que as categorias de Carroll foram rebatizadas como princípios de RSC e a filosofia de responsividade social como processos, sendo estes assim redefinidos: reativa, defensiva, responsiva e interativa. Por último, os autores definiram que há a necessidade de incorporar essas duas categorias em um programa e/ou políticas de gestão social no contexto da empresa. Partindo do trabalho desses autores, Wood (1991) modificou o modelo de performance social corporativa de Wartick e Cochran (1985), remodelando os princípios em três níveis: institucional (legitimidade), organizacional (responsabilidade pública) e individual (gerenciamento discricionário). Os processos também foram redefinidos em três temas: avaliação do ambiente onde a empresa atua, gestão dos stakeholders e gestão social. A grande novidade desse modelo refere-se à concretização da implementação das atividades de RSC, a saber: políticas sociais, programas sociais e impactos sociais. Outro modelo conceitual da responsabilidade social corporativa foi proposto por Enderle e Tavis (1998), em que são definidos três níveis éticos – de mínimo a idealista – para as principais dimensões de RSC: econômica, social e ambiental. Especificamente sobre modelos explicativos da RSC, Quazi e O’Brien (2000) desenvolveram um modelo bidimensional (Figura 2): (1) a amplitude da responsabilidade, entendida dentro de uma perspectiva que pode se estender entre extremos que vão de restrita a ampla; e (2) os efeitos de ações de RSC, enquadradas em um extremo como benéfica para a empresa e, do outro, causadoras de custos. A contribuição do modelo bidimensional está no fato de que a responsabilidade empresarial é avaliada a partir da perspectiva de seus custos, podendo ser enquadrada em quadrantes distintos, a saber: (1) a visão clássica,


Cap 9 – Afinal, quem são os gestores da responsabilidade social corporativa (RSC)? ... 181

que corresponde ao grau de responsabilidade econômica de Carroll e à posição defendida por Friedman (1988), de que a primeira responsabilidade da empresa é gerar lucro; (2) a visão socioeconômica, uma composição entre os graus de responsabilidade legal e ética de Carroll (1991), em que se entende que a empresa deve empreender ações sociais desde que estas tragam benefícios para a empresa, ou seja, agir em ‘interesse próprio’; (3) a visão moderna, que contempla a combinação entre motivações éticas e os pressupostos da teoria dos stakeholders, para garantir benefícios tanto de curto quanto de longo prazo; e (4) a visão filantrópica, a qual corresponde à responsabilidade de ação discricionária de Carroll (1991).

Benefícios das ações de RSC

VISÃO MODERNA

VISÃO SOCIOECONÔMICA

Responsabilidade ampla

Responsabilidade estreita VISÃO CLÁSSICA

VISÃO FILANTRÓPICA

Custos das ações de RSC

Figura 2

Modelo bidimensional de RSC. Fonte: Adaptado de Quazi e O’Brien (2000, p. 36).

Nesse modelo, a filantropia é vista como positiva, pois seus custos são tidos como ‘investimento’ na construção de relações com os stakeholders, bem como estratégia de melhoria da imagem corporativa. Com isso, a empresa espera que a sociedade a favoreça em virtude de suas ações caritativas em prol da comunidade (QUAZI e O`BRIEN, 2000). Exatamente aí se observa a falha do modelo bidimensional, pois isso nada mais é do que agir em ‘interesse próprio’, como já é o caso da visão socioeconômica, mas com um ‘revestimento’ de altruísmo. Além disso, essa visão é enquadrada como ‘responsabilidade ampliada’, mas baseia-se pura e simplesmente em ações caritativas, reforçando uma ideia de superficialidade da responsabilidade social corporativa. Um terceiro modelo da RSC é apresentado por Schwartz e Carroll (2003), que se propõe a solucionar alguns problemas dos modelos anteriores. Primeiramente, ao definir como temas centrais da RSC a questão econômica, legal e ética, os autores quebram com a concepção equivocada de que a filantropia


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EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO

possui um lugar de destaque. Esta, por sua vez, pode ser observada em ações pontuais dentro tanto da dimensão ética quanto da econômica. Em segundo lugar, ao representar o modelo em um diagrama, os autores eliminam a errônea interpretação de que há uma hierarquia entre os temas centrais da RSC. Finalmente, esse modelo considera as possibilidades de combinações entre os temas centrais da RSC, resultando em sete categorizações das atividades das empresas, portanto, desfaz o modelo do ‘ou’, trazendo consigo a possibilidade do ‘e’. O modelo é apresentado na Figura 3. (3) Puramente ético (4) Éticoeconômico (1) Puramente econômico

Figura 3

(6) Ético-legal (7) Econômicoético-legal (5) Econômicolegal

(2) Puramente legal

Modelo de três temas centrais de RSC. Fonte: Adaptado de Schwartz e Carroll (2003, p. 519).

Entretanto, o modelo de Schwartz e Carroll apresenta algumas falhas. Nesse modelo são consideradas as atividades isoladamente e não há indicações de pressupostos, indicadores ou meios instrumentais com os quais uma empresa como um todo possa ser considerada, verificada e avaliada. Outro problema é o fato de que dificilmente uma atividade/ação ou empresa se encaixará na categoria ‘puramente’ ética, econômica ou legal, mas sim imagina-se que haverá sempre uma tendência de ligação de no mínimo duas dimensões. O terceiro problema refere-se ao fato de que a dimensão ambiental não está explicitada no modelo, mas sim é entendida como parte do tema ética, o que poderia levar erroneamente à conclusão de este ser um tema secundário. Em geral, esses modelos não abordam a questão da coordenação das atividades de RSC na arena organizacional, portanto, este é o tema apresentado a seguir.

Coordenação das atividades de RSC: construção das categorias de análise e proposições para mapear o perfil dos gestores da sustentabilidade no nível organizacional Acadêmicos e empresas procuram um denominador comum de entendimento do tema RSC no contexto internacional, visto que a noção de RSC não está restrita a fronteiras geopolíticas, mas é entendida como necessária em toda a cadeia produtiva internacional. Portanto, partindo-se do pressuposto


Cap 9 – Afinal, quem são os gestores da responsabilidade social corporativa (RSC)? ... 183

de que o entendimento de RSC difere entre os países, passa-se a apresentar seu conceito em algumas realidades diversas no ambiente internacional. Para os EUA, o tema RSC representa a “responsabilidade pessoal por suas próprias ações e impactos na sociedade” (WBCSD, 2000, p. 8, tradução livre). Para a Holanda, o termo significa “o engajamento proativo e inclusão, nos valores essenciais da empresa, de questões relativas ao reconhecimento das diferenças locais e culturais ao se implementarem políticas globais”. No Brasil a ênfase é o “engajamento na busca do melhor desenvolvimento econômico para a comunidade, do respeito aos colaboradores e a construção de suas capacidades, da proteção do meio ambiente e colaborar na criação de condições em que negócios éticos possam prosperar”; já nas Filipinas o termo é entendido de maneira curta e geral como a “obrigação empresarial de retribuir e dar retorno à sociedade” (WBCSD, 2000, p. 8, tradução livre). Com a intenção de encontrar uma definição ampla, o documento do WBCSD (2000, p. 8, tradução livre) propõe o entendimento de RSC como “o engajamento contínuo do mundo dos negócios em comportar-se eticamente, contribuir para o desenvolvimento econômico, melhorando tanto a qualidade de vida dos colaboradores e suas famílias quanto o da comunidade local, bem como da sociedade em geral”. Partindo dessa definição genérica de RSC é possível, portanto, vislumbrar que há várias possibilidades de significados e derivações de suas atividades centrais. Além da variedade de significados RSC, imagina-se que, da mesma forma, os meios de sua implementação e formas de coordenação no espaço organizacional variam de acordo com as demandas e realidade de cada país/sociedade. Por isso, torna-se interessante analisar a realidade de organizações que atuem em mais de um ambiente, ou seja, estudar as multinacionais. As multinacionais figuram no cenário internacional de RSC tanto como vilãs ou, antagonicamente, como exemplos a serem seguidos. Neste segundo caso, a explicação está no fato de que essas organizações estão mais expostas à opinião pública e, portanto, tendem a ter um comportamento de “boas cidadãs” na comunidade internacional no intuito de diminuir uma possível tensão com os países “hospedeiros” e acessar mais facilmente os recursos dos quais necessita (NAOR, 1982, p. 224). Para tanto, inúmeras vezes as multinacionais precisam se adaptar às demandas locais, o que invariavelmente significa ajustes em termos de sua estruturação. A inserção do tema RSC nas organizações pode ser explicada, parcialmente, pelo fato de que há receio por parte das empresas de que o tema sofra regulação e padronização governamental (LOEW et al., 2004, p. 44). Portanto, é racional que as empresas se antecipem e, com isso, evitem intervenção direta dos órgãos governamentais. Nesse sentido, observa-se a introdução das atividades/programas acerca da RSC no cotidiano empresarial em duas


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fases: a inserção do tema RSC nas organizações e a inclusão de atividades de RSC na estrutura organizacional. Relativamente à primeira fase, a inserção do tema RSC nas organizações corresponde ao inicio de sua institucionalização (GARRIGA e MELÉ, 2004, p. 58), em que acontece a apropriação do tema RSC no discurso dos dirigentes da empresa. Abouzeid e Weaver (1978) pressupõem que empresas que tenham clara definição de RSC consigam implementar melhor as práticas de RSC. Tendo por base uma pesquisa qualitativa – realizada com 18 empresas holandesas –, Cramer et al. (2004, p. 215) constataram que há uma ligação entre os artefatos linguísticos (palavras e definições) utilizados e a condução prática na construção do significado de RSC nas empresas. No entanto, os autores concluíram que o significado é situacional e diretamente influenciado pelas características de quem coordena o assunto (EILBIRT e PARKET, 1973a, 1973b; NAOR, 1982; KHAN e ATKINSON, 1987; CRAMER et al., 2004; DAVIS e ROTHSTEIN, 2006). Por conseguinte, segundo os autores, é relevante a verificação da faixa etária, sexo, formação profissional, função e tempo na empresa do responsável pelo tema. Mesmo não havendo unanimidade sobre o perfil dos responsáveis por atividades de RSC, Orpen (1987, p. 90) indica que esse profissional possui experiência pessoal e na função e ocupa uma posição de direção no setor em que trabalha. Numa segunda fase, há a inclusão do tema RSC na estrutura organizacional. Neste caso surge a questão relativa ao nível hierárquico adequado, alocação departamental e número de pessoas envolvidas, bem como a forma de inserção. Para diversos autores (HABISCH, 2006; PINKSTON e CARROLL, 1996; NAOR, 1982; CRAMER et al., 2004), a temática da RSC pertence ao nível estratégico da tomada de decisão das organizações. Habisch (2006b, p. 84, tradução livre), inclusive, é enfático ao afirmar que “(…) um conceito estratégico de RSC não é suficiente, porém é uma condição imprescindível para a empresa alcançar um ‘bom’ engajamento nas questões de RSC”. Portanto, acrescenta-se aqui a necessidade de investigação do envolvimento dos executivos no processo de planejamento e implementação das atividades/programas de RSC. Um estudo pioneiro, nesse sentido, foi o de Eilbirt e Parker (1973), seguido pelo estudo de Khan e Atkinson (1987) na década seguinte. Na direção do fortalecimento da institucionalização da RSC, observase um movimento de legitimação das práticas de RSC a partir da perspectiva local. Neste sentido, surgem rankings nacionais ao redor do mundo que atribuem às empresas o título de “Good Companies” (GAZDAR, 2006, p. 54), ou a atribuição de selos – como ABRINQ, produtos Bio, etc. – que comprovem o engajamento e a adesão das empresas às causas comunitárias ou de cunho moral e ético elevado, bem como o respeito destas, perante os proces-


Cap 9 – Afinal, quem são os gestores da responsabilidade social corporativa (RSC)? ... 185

sos ou padrões socioambientalmente responsáveis. Esse tipo de adesão, que por consequência produz melhoria em termos de imagem das empresas, tem crescido na última década, porém, o efeito desse tipo de prática se restringe ao ambiente local, onde tais ‘selos’ e premiações tenham significado. O mais interessante desse processo de exteriorização das práticas socioambientais é o fato de estas se tornarem ‘cases’ e, por conseguinte, fontes de aprendizagem das boas práticas de RSC. Emerge aqui a questão de que outras formas e fontes de aquisição do RSC-Know-how necessário ao desempenho das práticas de RSC são utilizadas pelas empresas. A partir do que foi discutido na presente seção, entende-se que a categoria de análise coordenação da RSC na estrutura organizacional é composta por três fatores: perfil dos responsáveis pelas atividades de RSC, alocação departamental e fontes de aquisição do RSC-Know-how necessário ao desempenho das práticas de RSC. Para a operacionalização do presente estudo derivaramse cinco proposições desses três fatores, apresentadas no Quadro 1. Quadro 1

Relação das categorias, fatores e critérios de análise.

Categorias de análise

Fatores

Critérios de análise Proposições Formação profissional

Perfil dos responsáveis pelas atividades de RSC

O responsável específico pelas atividades de RSC é do sexo masculino, possui experiência de mais de 2 anos na Idade empresa, preponderantemente tem Sexo formação acadêmica e ocupa uma Função na empresa posição de direção no setor em que trabalha. Tempo de empresa

Número de pessoas Coordenação da RSC na estrutura Alocação organizacional departamental

O responsável pelas atividades de RSC pertence ao alto escalão executivo. Nível hierárquico

Fontes de aquisição do RSC– Know-how necessário ao desempenho das práticas de RSC

Fonte: Elaborado pela autora.

Empresas que possuem atividades de RSC, contam com uma ou mais pessoas responsáveis pelo desenvolvimento e implementação dessas atividades.

Individual Intraorganizacional Interorganizacional

Caso a(s) pessoa(s) designada(s) para coordenar as atividades de RSC não pertença(m) ao alto escalão executivo, esta(s) estará(ão) diretamente subordinada(s) ao corpo diretivo da empresa. De maneira geral, o know-how necessário ao desempenho das práticas de RSC é adquirido por meio de fontes intraorganizacionais.


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Inicialmente pressupõe-se que ‘empresas que contam com atividades de RSC possuem uma ou mais pessoas responsáveis pelo desenvolvimento e implementação dessas atividades’. A partir desse pressuposto, o foco passa a ser o perfil do responsável específico pelas atividades de RSC na empresa, considerando-se que este ‘é do sexo masculino, possui experiência de mais de 2 anos na empresa, preponderantemente tem formação acadêmica e ocupa uma posição de direção no setor em que trabalha’. Em termos de nível hierárquico, o que consequentemente afeta o delineamento do perfil dos administradores e do ensino de administração, entende-se que ‘o responsável pelas atividades de RSC pertence ao alto escalão executivo’. Por sua vez, em casos em que ‘a(s) pessoa(s) designada(s) para coordenar as atividades de RSC não pertença(m) ao alto escalão executivo, esta(s) estará(ão) diretamente subordinada(s) ao corpo diretivo da empresa’. Por último, imagina-se que, de maneira geral, o ‘Know-how necessário ao desempenho das práticas de RSC é adquirido por meio de fontes intraorganizacionais’.

Metodologia para a coleta e análise dos dados O presente estudo consiste numa pesquisa descritiva de natureza teórica-empírica. De acordo com Gil (1996), os estudos descritivos visam descrever as características de determinada população ou fenômeno, ou, ainda, o estabelecimento de relações entre as variáveis. Essa metodologia é adequada, haja vista a necessidade de descrever as formas de inserção da coordenação das atividades de RSC nas empresas, proceder à caracterização do perfil dos gestores responsáveis pela RSC, bem como as fontes de aquisição do RSCKnow-how necessário ao desempenho das práticas de RSC, e relacioná-las à formação dos futuros administradores da sustentabilidade. Tabela 1

Descrição geral da amostra pesquisada.

Ramo de atividade Automobilístico Químico Eletroeletrônico Metalmecânico Diversos Total

Grupo de empresas com certificação ISO 14001 11 5 5 5 5 31

Grupo geral de empresas

Total da amostra

6 5 5 25 4 45

17 10 10 30 9 76

Fonte: Elaborada pela autora.

A população estudada é constituída por empresas brasileiras com capital alemão, portanto, multinacionais. A escolha da amostra foi intencional, com base em quatro critérios: empresas que tivessem plantas industriais nos


Cap 9 – Afinal, quem são os gestores da responsabilidade social corporativa (RSC)? ... 187

dois países (Brasil e Alemanha), existência de certificação ISO 14001, ramo de atividade e acessibilidade às empresas. O primeiro critério objetivou eliminar empresas que possuem apenas representações comerciais no Brasil, portanto, a amostra estudada é composta pela indústria. O segundo critério atendeu ao fato de a pesquisa principal ser motivada pela investigação e comparação entre empresas dos dois países e que já tivessem atividades de RSC. Para tanto, pressupôs-se que a obtenção da certificação ambiental garantiria essa prerrogativa. No entanto, no momento da pesquisa, o número de empresas com certificação ISO 14001 no Brasil, na população estudada, era insuficiente em termos estatísticos, portanto, utilizou-se como terceiro critério o ramo de atividade. Esse critério tem o propósito de manter a proporcionalidade na amostra de cada ramo de atividade encontrada na população pesquisada. Por conseguinte, há dois grupos de empresas estudadas: empresas certificadas com a ISO 14001 e o grupo geral de empresas. A acessibilidade foi o quarto critério, pois partiu-se de uma lista de endereços de empresas alemãs no Brasil e havia a necessidade de adesão à pesquisa. Foram contatadas 129 empresas e, destas, 76 se dispuseram a participar do levantamento. No entanto, como o interesse do presente estudo se refere exclusivamente a empresas que possuam programas/atividades de RSC, a amostra considerada e apresentada na seção seguinte compreende 60 empresas, ou 79% da amostra descrita na Tabela 1. O estudo é quali-quantitativo de cunho descritivo, pois a motivação foi a de caracterizar o perfil dos gestores das atividades de RSC, sua forma de adquirirem conhecimento para exercer as atividades relativas à criação e implementação das atividades de RSC, bem como assinalar os impactos desse perfil no pensar o ensino de administração dos gestores de empresas sustentáveis. No entanto, utilizam-se ferramentas de coleta e análise de dados quantitativas de modo a mapear o maior número possível de empresas para o estudo, garantindo a padronização das respostas e facilitando a compreensão do processo de inserção da RSC no Brasil. Os dados primários foram coletados por meio de entrevistas, tendo como instrumento um questionário estruturado, não disfarçado, respondido pelos indivíduos ligados ao problema da pesquisa, ou seja, responsáveis pelo tema RSC nas empresas. Nos casos em que não havia esse responsável, entrevistou-se o responsável pela empresa. O contato foi por telefone, pelo fato de diversas empresas estarem localizadas distantes geograficamente do grupo de pesquisa. Para a interpretação de dados foram utilizados métodos estatísticos descritivos com a elaboração de quadros e gráficos. Para tanto, partiu-se da definição de categorias de análise, seu desdobramento em fatores e critérios de análise. Esses itens foram descritos no Quadro 1. O período da coleta de dados primários foi de novembro de 2007 a março de 2008.


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Na coleta de dados secundários foi utilizada pesquisa bibliográfica, que visou selecionar fontes bibliográficas com passagens relevantes para o esclarecimento do tema a ser desenvolvido. A partir desse levantamento teórico construíram-se proposições centrais do estudo, que serviram de base para a comparação dos resultados do levantamento empírico, portanto, procedeuse a uma pesquisa analítico-descritiva.

O perfil dos gestores de RSC: estudo das empresas multinacionais alemãs no Brasil Descrição dos gestores de RSC e sua alocação departamental De maneira geral, defende-se que a implementação estratégica da RSC aconteça com base em uma plataforma profissional e contínua e não pontual e desfocada do negócio (GAZDAR et al., 2006, p. 160; HABISCHa, 2006, p. 38-40). De modo a compreender como se dá a inserção da coordenação de RSC nas empresas pesquisadas, passa-se a descrever o perfil dos responsáveis pelas suas atividades e programas. Com relação à faixa etária, 66% dos responsáveis específicos pela RSC nas empresas pesquisadas têm mais de 36 anos, porém, não há uma idade predominante. A maioria, 58%, são homens e 93% dos respondentes têm formação acadêmica. Muito interessante observar aqui que 33% dos respondentes são formados em administração, o que já indica a necessidade dos conhecimentos acadêmicos de ensino superior para gerenciarem as atividades de RSC. Os resultados do perfil dos responsáveis pela RSC no presente levantamento estão em consonância com estudos antes publicados. Orpen (1987, p. 90), em pesquisa comparativa entre EUA e a África do Sul, identificou que os responsáveis pela RSC trabalhavam, em sua maioria, há mais de 15 anos nas empresas, possuíam graduação (72% nos EUA e 61% na África do Sul) e tinham em torno de 47 anos. No levantamento de Eilbirt e Parker (1973, p. 49), 61% possuíam graduação e 81% tinham acima de 41 anos. Portanto, em linhas gerais, trata-se de um profissional maduro, com experiência e algum tempo de empresa. Concernente à função na empresa, 41% dos responsáveis pelas atividades/programas de RSC estão alocados ao departamento de gestão de pessoas, 31% ocupam funções de média gerência (gerentes ou coordenadores de suas áreas) e 13% estão na presidência/diretoria, o que condiz com o grau de instrução dos respondentes e que de certa maneira indica certo destaque dado ao tema de RSC nas empresas pesquisadas. O tempo de trabalho na empresa é de mais de 10 anos em 41% dos casos e entre 3 e 10 anos em 34%. Nesse ponto, é possível corroborar a proposição de que “o responsável específico pelas atividades de RSC na empresa é do sexo masculino, possui experiência de mais de 2 anos na empresa, preponderantemente tem formação acadêmica e ocupa uma posição de direção no setor em que trabalha”.


Cap 9 – Afinal, quem são os gestores da responsabilidade social corporativa (RSC)? ... 189

Tabela 2

Dados sociodemográficos dos entrevistados. Dados gerais gerais dos respondentes

Porcentagem (%) das respostas

Até 25 anos

7

9

26-30 anos

12

16

31-35 anos

7

9

36-40 anos

12

16

41-45 anos

14

19

46-50 anos

9

12

51-59 anos

14

18

Acima de 59 anos

1

1

Faixa etária

Grau de instrução instrução

Dados absolutos

Mestrado completo

5

7

Especialização completa

30

39

Graduação completa

36

47

Nível técnico completo

3

4

Ensino médio completo

2

3

Administração

25

33

Ciências da Comunicação

9

12

Engenharia

9

12

Ciências Contábeis

6

8

Química

5

7

Economia

4

5

Curso de graduação

Direito

4

5

Psicologia

4

5

Ciências da Computação

2

3

Assistência Social

1

1

Engenharia de Materiais

1

1

Bioquímica e Farmácia

1

1

Não quis responder

5

7

Masculino

44

58

Feminino

32

42

Sexo

Fonte: Elaborada pela autora.

Em termos de alocação departamental, Orpen (1987, p. 90) indica que 68% dos responsáveis pela RSC nos EUA atuavam como CEO, já na África do Sul 72% ocupavam essa função. No estudo de Eilbirt e Parker (1973, p. 47), 75% ocupavam essa posição.


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Tabela 3

Dados sobre as funções administrativas dos entrevistados. Dados ab solutos

Porcentagem (%) das respostas

< 1 ano De 1 a té menos de 3 anos

6 13

8 17

De 3 a té menos de 5 anos De 5 até m enos de 10 a nos De 10 a té menos de 20 anos Mais de 20 anos

11 15 20 11

14 20 27 14

Setor/Depto. de Recursos Humanos Presidência/Direção Setores/Depa rtamentos de Comunicação e/ou Relações Públicas Setor/Depto. Administrativo/Financeiro Setor/Depto. de Controladoria (Controller)

31 7

41 9

7

9

5

7

5

7

Setor/Depto. de Produção Setor/depto. específico com orçamento específico para atividades de RSC Setor/Depto. de Gestão da Qualidade e Ambiental Setor/Depto. de Gestão Ambiental Setor/Depto. de Marketing Setor/Depto. Administrativo

3

4

2

3

2

3

1 1 1

1 1 1

Setor/Depto. Financeiro Outro setor/depto. Diretor

1 10 10

1 13 13

24 18 14

31 24 18

2 3 5

3 4 7

Dados sobre a atuação e funções dos respondentes na em presa

Tempo de a tuação dos respondentes na empresa

Alocação departa mental dos respondentes na empresa

Função dos respondentes na empresa

Média gerência Coordenador de área Analista Assessor Assistente Outra posição hierárquica

Fonte: Elaborada pela autora.

Portanto, em relação à posição hierárquica, os resultados do presente estudo corroboram parcialmente os dados anteriormente levantados, já que apontam para uma tendência de atribuição da responsabilidade sobre a RSC para o nível gerencial médio. Contudo, nesses casos, o responsável responde diretamente, em 71% dos casos, ao presidente/diretoria das empresas pesquisadas. Isto posto, observa-se a tendência de atribuir a responsabilidade da RSC para pessoas em cargos de direção. Considerando a Tabela 4 fica evidente que a RSC é tratada como um tema estratégico pelas empresas pesquisadas, haja vista que em 83,5% de-


Cap 9 – Afinal, quem são os gestores da responsabilidade social corporativa (RSC)? ... 191

las a presidência/diretoria se envolve diretamente no planejamento e implementação das atividades/programas de RSC e para 73,5% das empresas essa é uma incumbência da média gerência. Tabela 4

Envolvimento no planejamento e implementação das práticas de RSC.

Dados absolutos

Porcentagem das respostas (em %)

Presidência/Diretoria

50

83,5

Média gerência

44

73,5 73,5

Departamentos de Gestão de Pessoas

37

61,5

Responsável específico para RSC

23

38,5

Comitê com diversos departamentos

21

35

Matriz na Alemanha

19

31,5

Conselho da empresa

17

28,5

Comissão de empregados(as)

9

15

Assessoria/consultoria externa

9

15

Setores/Departamentos de RSC

8

13,5

Setores/Departamentos de Marketing

7

11,5

Setores/Departamentos de Controladoria

7

11,5

Setores/Departamentos de Produção

6

10

Stakeholders externos

6

10

Todos os colaboradores

4

6,5

Setores/Departamentos de Comunicação e/ou Relações Públicas

3

5

Outros

1

1,7

Fonte: Elaborada pela autora.

Analisando a Tabela 4 é possível verificar duas interessantes tendências. A primeira refere-se à similaridade da inserção da RSC no espaço organizacional com o surgimento do Departamento de Marketing nos anos 70 (HABISCH, 2006a, p. 35), isto é, os dados apontam para a institucionalização da RSC nas empresas pesquisadas. Em 38,5% das empresas pesquisadas há uma pessoa responsável pelo tema de RSC e, em 13,5%, o estabelecimento de um departamento próprio para a RSC já é uma realidade (Tabela 4). Especificamente sobre o tamanho desse departamento, as empresas pesquisadas apontam que em 50% dos casos há a dedicação de três pessoas no setor e, para 26% das empresas, esse número chega a seis pessoas. Portanto, pode-


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EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO

se falar no surgimento de um profissional de RSC, o que requer discutir e pensar sua formação. Nos casos de empresas em que há uma pessoa responsável pelo tema RSC, foi adicionalmente averiguado sua subordinação na cadeia escalar. A maioria, 71% das empresas respondentes, apontou para uma subordinação direta do responsável pelas atividades/programas de RSC à presidência/diretoria das empresas. Em 21% dos casos, o profissional se reporta à média gerência. Reforça, portanto, o tratamento estratégico atribuído à coordenação das atividades/programas de RSC. A segunda tendência observada na tabela acima é o fortalecimento do compartilhamento da responsabilidade acerca da coordenação das atividades/ programas de RSC por diversos setores da empresa. Nesse sentido, os dados indicam algumas possibilidades, como comitês formados por diversos departamentos da empresa – opção escolhida por 35% das empresas respondentes –, ou por meio do conselho administrativo/consultivo da empresa, alternativa apontada por 28,5% dos respondentes. Outra possibilidade é a atribuição para a comissão de empregados, que não necessariamente representam departamentos diferentes. Para 15% dos respondentes essa foi a opção escolhida. Num primeiro momento, essas duas tendências podem parecer contraditórias. No entanto, também podem ser entendidas como complementares. Nesse sentido, os comitês, comissões ou conselhos decidem acerca das diretrizes, linhas gerais, objetivos e prioridades de atividades/programas. Estes, por sua vez, serão planejados, organizados, coordenados e implementados pela pessoa ou departamento responsável pela RSC. Pode-se perceber na Tabela 4 que há ainda uma terceira opção de coordenação da RSC, por intermédio de um consultor externo, opção apontada por 15% das empresas respondentes. Esta seria uma ‘forma intermediária’ de inserção do tema na agenda estratégica da empresa. Em termos de alocação departamental, nos casos das empresas em que não há especificamente um departamento para RSC, mas sim um responsável pelo tema, foi levantado a qual departamento este se reportava. Para 61,5% dos respondentes, o tema é de responsabilidade da área de gestão de pessoas. Outros setores, como marketing, controladoria, operações e relações públicas, foram pouco citados: entre 11,5% e 5% (vide Tabela 2). Quando apontada a alternativa “outros”, foi espontaneamente indicado o setor de ‘segurança e qualidade’. Isso pode ter origem na atual tendência de associar a RSC às formas de normalização e certificações do tema, como ISO 14001, SA 8000 e AA1000. Todos são sistemas de gestão e, portanto, podem ter ‘migrado’ para o setor de qualidade, haja vista que esse departamento é responsável pelas outras certificações e sistemas de gestão das empresas.


Cap 9 – Afinal, quem são os gestores da responsabilidade social corporativa (RSC)? ... 193

Fontes de aquisição do RSC-Know-how Pensar o ensino de administração com o objetivo de preparar os futuros administradores para serem gestores de empresas sustentáveis remete a uma questão anterior, a de compreender as atuais fontes de conhecimento necessárias à concretização das práticas de RSC utilizadas pelos profissionais que se dedicam ao tema. Para tanto, foram consideradas algumas alternativas possíveis nesse processo de aprendizagem, em três níveis distintos: individual (por iniciativa pessoal), intraorganizacional (com o incentivo da organização e entre unidades da mesma) e interorganizacional (entre organizações distintas por iniciativa individual e/ou com o incentivo da organização). A Tabela 5 contém o sumário das principais informações levantadas no estudo e fundamentam as observações a seguir. Tabela 5

Fontes de aquisição do RSC-Know-how.

Tipo de fonte Individual

Dados absolutos

Porcentagem (%) das respostas

Rede de contatos pessoais

48

71,5

Literatura específica

45

67

Participação em conferências/congressos/seminários

46

68,5

46

68,5

Benchmarking de práticas/atividades desenvolvidas por outras empresas na área ecológica, ética, social e/ou filantrópica

38

57

Colegas de trabalho do mesmo grupo de empresas ou da matriz

42

62,5

Fonte de conhecimento

Troca de experiências com outras empresas/associações/organizações sobre as Interorganizacional “melhores práticas” na área ecológica, ética, social e/ou filantrópica

Intraorganizacional

Experiência com projetos/situações anteriores

38

57

Assessoria externa

29

43

Outro(s) meio(s)

9

13,5

Nossa empresa não realiza programas de RSC

7

10,5

Fonte: Elaborada pela autora.

Imaginava-se que, de maneira geral, o ‘know-how necessário ao desempenho das práticas de RSC fosse adquirido por meio de fontes intraorganizacionais’. No entanto, a maior parte das respostas indica a existência de uma ‘rede informal de conhecimentos’, em que se evidencia a iniciativa individual, visto que ‘rede de contatos pessoais’ foi a forma mais utilizada para a aquisição de conhecimento sobre RSC por 71,5% dos respondentes. Observa-se na Tabela 5 a utilização de uma segunda oportunidade de construção de conhecimentos de RSC, composta por duas possibilidades: troca


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EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO

de experiências com outras empresas/associações/organizações sobre as ‘melhores práticas’ na área ecológica, ética, social e/ou filantrópica, bem como a participação em conferências/congressos/seminários. Ambas foram apontadas em 68,5% dos casos e podem ser consideradas fontes complementares, visto que o intercâmbio com outras empresas/associações/organizações sobre as “melhores práticas” de RSC é mais facilmente viabilizada a partir de encontros temáticos em formatos de conferências, congressos, seminários e workshops. Essas duas formas de aquisição de conhecimento são de natureza interorganizacional, entretanto, a participação em conferências/congressos/seminários pode ser também considerada uma iniciativa individual. A prevalência de iniciativas individuais fica mais evidente quando se nota que 67% dos entrevistados apontaram a utilização de literatura específica sobre RSC como fonte de aquisição de conhecimentos sobre o tema. Já a utilização de fontes intraorganizacionais – em comparação com as fontes individuais e interorganizacionais – foi a menos citada e, portanto, não foi possível comprovar a proposição inicial. Mesmo assim algumas formas intraorganizacionais foram citadas por mais de 50% dos respondentes. Nesse sentido, pode-se apontar a troca com ‘colegas de trabalho do mesmo grupo de empresas ou da matriz’, com 62,5%, e ‘experiência com projetos/situações anteriores’, em 57% dos casos. Foram citadas no estudo outras fontes de informação para aquisição de RSC-Know-how. As respostas apontaram para a óbvia utilização da internet – fonte esta que não é passível de ser enquadrada em apenas uma ou duas das categorias listadas – para pesquisar ‘Cases de RSC’ de outras empresas, concorrentes ou não, e para encontrar e avaliar ONGs que porventura se tornarão parceiras em possíveis projetos da empresa. Neste último caso, houve referência a dois principais portais: Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE) e Instituto Ethos.2 Além da internet, as empresas pesquisadas apontaram os próprios clientes e as universidades como fontes de busca para a construção de conhecimento sobre RSC.

Implicações para a formação dos administradores De acordo com levantamentos anteriores (ORPEN, 1987; EILBIRT e PARKET, 1973b; NAOR, 1982; CRAMER et al., 2004), as atividades de RSC ficariam a cargo de executivos do alto escalão. Inclusive, Cramer et al. (2004, p. 217) apontam que a inserção do tema nesse nível hierárquico é mais fácil, em virtude da visão de longo prazo dos executivos, característica esta intrínseca à RSC. Complementarmente a essa afirmação, Habisch (2006a, p. 39) 2. Para outras informações ver Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE) no site http:// www.gife.org.br e Instituto Ethos no site http://www.ethos.org.br.


Cap 9 – Afinal, quem são os gestores da responsabilidade social corporativa (RSC)? ... 195

salienta que o envolvimento direto dos executivos é a garantia de que as atividades de RSC serão implementadas, pois o autor os considera como “guardiões da RSC”. Retomando às proposições confirmadas, destaca-se o fato de a RSC ser relevante nas empresas pesquisadas face a posição ocupada por seus responsáveis. Portanto, comprova-se a afirmação de Naor (1982, p. 223), que indica que a gestão da RSC é uma função que deve ser subordinada ao alto escalão executivo e, portanto, com ligação direta com o top management. Corroborando a afirmação de entendimento estratégico da RSC, retomamse os dados acerca do perfil dos responsáveis pelas atividades/programas de RSC. Estes, em sua maioria, possuem alto grau de instrução, contam com experiência em termos de tempo de empresa e ocupam posições de direção em suas respectivas empresas. Sendo a coordenação das atividades de RSC enquadrada como estratégica nas empresas pesquisadas, observa-se, por um lado, o início da consolidação da gestão do tema no cotidiano das empresas pesquisadas, o que indica que estas se encontram em um estágio embrionário de inserção da RSC em suas estruturas, corroborando as pesquisas de Khan e Atkinson (1987). Por outro lado, a avaliação da situação atual do tema de RSC indica que já há espaço para ‘administradores da sustentabilidade’, pois existe nas empresas pesquisadas um setor específico ou no mínimo um responsável pelo tema RSC, cuja formação em 33% dos casos estudados é em administração, ou seja, há demanda por administradores capazes de gerenciar a implementação da sustentabilidade na esfera corporativa. Por conseguinte, defende-se aqui que a introdução e gestão da RSC devem basear-se em uma gestão profissional (GAZDAR et al. 2006; HABISCHb, 2006), visto que esta se apresenta como uma condição fundamental para aproveitar o potencial de relações ‘ganhaganha’ advindas do engajamento empresarial às atividades de RSC, de modo a tornar as empresas sustentáveis e lucrativas ao mesmo tempo. Kirchhoff (2006, p. 22) denomina essa situação como “good-management’ da RSC. Voltase portanto, ao pensamento inicial de que a implementação da temática de RSC influi o pensar o ensino de administração dos futuros gestores de empresas sustentáveis, o que requer entender as implicações da adoção de RSC na formação profissional destes. A construção das competências que possibilitem o desenvolvimento do que se denomina aqui de ‘administradores profissionais da sustentabilidade’ carece de consolidação do corpo teórico de ensino-aprendizagem, que vá além do atual estado de ‘tateamento’ empírico individual para a constituição do conhecimento para o gerenciamento das atividades de sustentabilidade. Nesse sentido, pontuam-se três questões fundamentais a serem consideradas pelas escolas e, por conseguinte, pelos professores de administração: (1) rompimento da visão linear de empresa; (2) entendimento do conceito sistêmico de


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EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO

ambiente e a decorrente capacidade de compreensão de questões urgentes com foco socioambiental; e (3) inserção de processos de avaliação multidimensionais das empresas. Cabe esclarecer que esses pontos estão interligados e a intenção é apresentá-los de forma introdutória como pontos de partida para a discussão da formação dos administradores de empresas sustentáveis e em hipótese alguma como os únicos a serem considerados. O rompimento da visão linear de empresa implica compreender as forças extrativistas atuais que regem o funcionamento das organizações e o consequente rompimento da visão de empresa como uma “cadeia-extraçãomanufatura-venda-uso-descarte”. Para tanto, imagina-se que a inserção do tema sustentabilidade deva acontecer transversalmente nas diversas disciplinas de formação geral de administração, quebrando a lógica estanque de que o conhecimento da sustentabilidade encerra-se em uma disciplina. Portanto, a RSC, pautada na sustentabilidade, é considerada uma área temática e não uma disciplina3 (LOCKETT et al., 2006). O caráter multidisciplinar do conceito de RSC exige entendimento do conceito sistêmico de ambiente e a decorrente capacidade de compreensão de questões urgentes com foco socioambiental, como decorrência direta da inserção do tema sustentabilidade no processo organizacional. Portanto, se faz necessário o desenvolvimento da visão e capacidade de empreender a partir de questões paradoxais e dilemas do ambiente organizacional (SMITH e LEWIS, 2011). Para exemplificar, destaca-se um dos principais problemas de implementação de RSC apontados pelas empresas pesquisadas: a não existência/utilização de instrumentos de “Prospecção e Percepção do Ambiente Social” que identifiquem e capturem sistematicamente as necessidades dos stakeholders da empresa (WELZEL, 2012). Portanto, as organizações entendem a importância e inclusive os retornos possíveis de aproximação da empresa com os stakeholders mais próximos (ex. comunidade do entorno, clientes e ONGs), mas não constroem os canais e o ferramental de gestão necessários para concretizar a gestão da RSC no cotidiano empresarial. Isso leva ao ponto seguinte, que se refere à inserção de processos de avaliação multidimensionais, em que haja apreensão do ferramental de gestão que não se restrinja à performance econômica, mas, sim, que inclua o pensar a função econômica mais básica de uma empresa – a de produção de algo – a partir das dimensões contidas no tripé da sustentabilidade. A carência dessas mudanças no pensar a formação dos administradores fica evidente quando se observa que, ainda que demonstrem e expressem a consciência sobre a importância da RSC e procurem se posicionar como ‘socioambien3. Os autores descrevem as disciplinas que permeiam a construção das pesquisas do campo da RSC, em que disciplina é “conventionally understood as ‘branches’ or ‘departments’ of knowledge” (LOCKETT et al., 2006, p. 116).


Cap 9 – Afinal, quem são os gestores da responsabilidade social corporativa (RSC)? ... 197

talmente responsáveis’, as empresas persistem em um estágio normativo de implementação da RSC (WELZEL, 2012). Em outras palavras, o discurso empresarial incorporou o conceito básico de sustentabilidade que permeia o constructo RSC, inclusive o introduziu na estrutura organizacional em alguns casos, mas falta sua implementação nas estratégias, ações e operações organizacionais de modo que o funcionamento da empresa se dê com base em uma lógica complexa, incluindo diversos fatores ao mesmo tempo e não simples e puramente focados no retorno financeiro. Cabe ressaltar que este último não pode em hipótese alguma ser esquecido, visto que ‘economicamente viável’ compõe o próprio conceito de desenvolvimento sustentável. Por fim, se associarmos o entendimento de RSC como uma pedra fundamental da implementação de uma empresa sustentável, guiada por princípios econômicos, éticos e ecológicos e, portanto, não um padrão estático, mas sim um processo contínuo na busca de níveis cada vez mais altos de envolvimento e comprometimento empresarial com os grupos sociais do seu ambiente, ao fato de as crianças da geração atual receberem mais informações sobre sustentabilidade, pode-se projetar que os acadêmicos de administração de hoje se depararão, em no máximo duas décadas, com pessoas que serão formadas com uma nova consciência socioambiental. Estas serão clientes potenciais e ao mesmo tempo constituirão a força de trabalho subordinada aos atuais estudantes de administração. Portanto, defende-se que a carência de formação profissional na área de RSC traz consigo a necessidade urgente de modificar os cursos de administração de modo a concretamente formar ‘administradores profissionais da sustentabilidade’. Isto, por sua vez, abre um leque de possibilidades ao pensar as estratégias e práticas de ensino da sustentabilidade na Administração.

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Capítulo 10

Experiências docentes em educação para a sustentabilidade em escolas de negócios: uma análise à luz dos conceitos de reflexão crítica e aprendizagem transformadora Eliete Carina de Melo Janette Brunstein Arilda Schmidt Godoy

Resumo Discutir sustentabilidade em cursos de Administração pressupõe uma revisão de modelos de negócios sustentados exclusivamente pela ideologia de maximização do lucro, na intenção de buscar equilíbrio com demandas e metas socioambientais. Este capítulo se propõe a discutir o papel da educação para a sustentabilidade em escolas de negócios visando fomentar a capacidade de futuros gestores em romper com uma gestão empresarial insustentável. Orientado por esta meta, o texto relata e discute experiências didático-pedagógicas que buscam alcançar tal objetivo. Para tanto, descreveu-se um conjunto de atividades de ensino – nacionais e internacionais – e organizou-se uma figura que reúne seus elementos centrais, os quais mostram uma preocupação em expor o educando à reflexão e potencializá-lo à ação em prol da sustentabilidade. Do ponto de vista conceitual, buscou-se trazer o conceito de reflexão crítica de Jack Mezirow na intenção de oferecer aos leitores e, especialmente, aos professores que focam questões de sustentabilidade em seus cursos elementos que os ajudem a pensar se seu ensino e suas ações pedagógicas têm sido conduzidos no sentido de promover uma reflexão que seja de natureza crítica e viabilize uma aprendizagem transformadora.

Introdução Neste capítulo reúnem-se trabalhos de autores nacionais e internacionais da literatura em administração que buscam relatar experiências didático-pedagógicas consideradas relevantes para tratar de sustentabilidade em cursos de gestão. As experiências narradas revelam preocupações com um processo educacional que favoreça a reflexão dos alunos, seu engajamento e capacidade de ação ao tratar de questões socioambientais no contexto pro-


202

EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO

fissional em que porventura já atuam ou em que atuarão ao longo de sua trajetória profissional. A tarefa que cabe ao educador neste contexto é essencialmente política, no sentido de que este assume a responsabilidade de potencializar o pensamento, o discurso e a ação dos alunos, a fim de romper ciclos de insustentabilidade. Mas o que significa provocar tal reflexão em sala de aula? Como podemos compreender as experiências em curso nas escolas de negócios? Na busca de respostas, este capítulo tem dupla intenção: primeiro, discutir o significado da reflexão crítica e aprendizagem transformadora em sala de aula e, segundo, à luz desses conceitos, colocar em debate exemplos práticos de atuação docente que a literatura na área nos oferece. Ao final, apresenta-se um quadro síntese das análises empregadas que, espera-se, forneça subsídios tanto para a pesquisa neste campo como para a atuação de docentes em cursos de administração.

O significado da reflexão crítica e a promoção da aprendizagem transformadora: lições de Jack Mezirow Em primeiro lugar, é preciso ampliar e aprofundar o que se entende por reflexão, examinando com cuidado o conceito, evitando usá-lo de forma superficial e apenas em seu sentido cotidiano. Como ressalta Mälkki (2012), o termo tem sido usado como uma palavra de ordem nos campos do ensino superior e da educação de adultos, mas é preciso estar atento a seu significado, uma vez que os estudiosos da reflexão no campo educacional, em suas propostas e discussões, buscam compreendê-la a partir de diferentes perspectivas. Aqui se procura examinar o conceito no bojo da teoria da aprendizagem transformadora de Jack Mezirow (1981, 1991, 1994, 1998), por ela entender que a realidade é apreendida de múltiplas formas, socialmente construídas e baseadas nas experiências e interações sociais vivenciadas. É importante, no entanto, pontuar que tais experiências prévias se constituem, ao mesmo tempo, tanto em propulsores da aprendizagem e desenvolvimento dos indivíduos quanto em limitadoras de aprendizados futuros (Mälkki, 2012). Neste sentido, o exercício da reflexão seria benéfico caso trouxesse profundos resultados individuais e coletivos, inclusive no nível da prática e da ação. Embora a reflexão seja declarada como uma competência adquirida em situações educacionais formais e informais, e, pesquisas tenham sido realizadas sobre esse tema, a noção de reflexão está longe de ser compreendida em todas as suas nuanças e de ser bem utilizada na prática. Muitas práticas que se declaram facilitadoras da reflexão têm sido criticadas por alcançar apenas resultados superficiais em comparação com os objetivos profundos e complexos por elas propostos. Para melhorar esse quadro é preciso enten-


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der, teoricamente, a natureza da reflexão, o que é fundamental para compreender e analisar os processos de aprendizagem que estimulam sua prática e os tipos de desafios e barreiras que podem estar presentes nas estratégias utilizadas para adquiri-la. Este item traz a noção de reflexão desenvolvida no âmbito da ideia da aprendizagem transformadora, visando fornecer aos professores que buscam levar seus alunos de administração a refletir a respeito da sustentabilidade elementos teóricos que os auxiliem a organizar suas práticas de ensino e pensar criticamente sobre elas. Concordando com Mälkki (2012), é possível dizer que uma das mais sofisticadas concepções de reflexão é a oferecida por Mezirow no âmbito de sua teoria da aprendizagem transformadora, a qual tem suas raízes no pensamento do filósofo Jurgen Habermas e do educador Paulo Freire. Mezirow (1981) declara que desenvolveu a teoria da aprendizagem transformadora apoiando-se nos três domínios de aprendizagem definidos por Habermas. O primeiro domínio – o técnico – relaciona-se à aprendizagem instrumental, buscando o controle e a manipulação do ambiente por meio da ação instrumental. Essa ação baseia-se em conhecimento e testes empíricos e na mensuração objetiva. O segundo domínio – o prático ou comunicativo – envolve a interação e a ação comunicativa. Diferentemente da instrumental, a ação comunicativa requer a clarificação das condições para a comunicação e a intersubjetividade. Busca o entendimento do significado em vez do estabelecimento de causalidade. O terceiro domínio é caracterizado como emancipatório e envolve o interesse pelo autoconhecimento, pela história pessoal e por como a pessoa vê a si mesma, assim como seu papel e expectativas sociais. A integração dos conhecimentos instrumentais e comunicativos produzem aprendizagens significativas. Entretanto, a aprendizagem emancipatória ocorre quando esses conhecimentos geram questionamentos de visões anteriores sobre o mundo e sobre si mesmo, alterando a perspectiva de uma pessoa e potencializando, assim, a possibilidade de ocorrência da aprendizagem transformadora. Para melhor entender o domínio emancipatório, Mezirow (1981) utiliza também o pensamento de Paulo Freire, para quem o conceito de conscientização envolve o processo a partir do qual os adultos reconhecem que a realidade sociocultural molda suas vidas, assim como gera a capacidade de transformá-las por meio da ação. A ideia básica da teoria de Mezirow é que o individuo adquire seus valores, atitudes, modos de pensar e de sentir por meio da socialização e interação com outros. Aprendizagem transformadora é entendida por Mezirow (1991, p. 12) “como o processo de utilizar uma interpretação prévia para cons-


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truir uma interpretação nova ou revisada do significado da experiência de alguém para guiar ações futuras”. Tem por foco as transformações que acontecem nos quadros de referências dos indivíduos, de modo consciente, por intermédio da reflexão crítica sobre pressupostos previamente construídos. Assim, o principal objetivo da educação, segundo Mezirow (1991), é ajudar os aprendizes a se tornarem conscientes da própria subjetividade, o que envolve a emancipação, o empoderamento, o desenvolvimento do pensamento autônomo, adquirindo assim o controle sobre a própria vida. Neste sentido pode-se entender, como Mälkki (2012), que o conceito de reflexão constituise no “coração” da teoria da aprendizagem transformadora. O desencadeamento da reflexão ocorre a partir do confronto com um dilema desorientador que pode ser entendido como um evento particular da vida ou uma experiência que não pode ser resolvida por meio da aplicação de uma estratégia de solução de problema anteriormente utilizada. Os movimentos que desencadeiam uma mudança de perspectiva podem ocorrer de forma súbita na estrutura cultural ou psicológica de pressupostos que limitam ou distorcem o entendimento sobre si e sobre a relação com outros, ou a partir de sucessivas transformações que permitam a revisão desses pressupostos até que a estrutura como um todo se transforme (MEZIROW, 1981). Segundo Mezirow (1991), a aprendizagem que envolve reflexão crítica segue um conjunto de fases, embora nem sempre tais fases ocorram em sequência linear. A primeira é desencadeada a partir de um dilema desorientador que acontece na vida do aprendiz, desafiando sua visão de mundo. A segunda e terceira fases estão relacionadas ao engajamento no autoexame e à avaliação crítica das crenças, pressupostos e valores que moldam determinada perspectiva corrente. A quarta fase consiste em reconhecer outras pessoas que tenham passado por um processo semelhante, e a quinta explora as opções para a formação de novos papéis, relações ou ações que culminam em um plano de ação. O plano de ação abrange a aquisição de conhecimentos e habilidades, os esforços para a experimentação de novos papéis, a renegociação de relações e a construção de competência e confiança próprias dos novos papéis e relações. Finalmente, o processo encerra-se quando o aprendiz integra a nova perspectiva em sua vida. Embora para Mezirow (1998) o processo se inicie com a experiência do aprendiz, somente passar pela experiência não é suficiente. O aprendiz deve criticamente autoexaminar as premissas e crenças que estruturaram a forma pela qual essa experiência foi interpretada. A fim de testar se uma nova perspectiva é verdadeira ou autêntica, é necessário buscar a maior variedade de opiniões possíveis. Ao concluir o melhor julgamento, o aprendiz é levado a agir sob uma nova perspectiva. Assim, na aprendizagem transformadora, o papel da reflexão crítica é fundamental. A reflexão crítica de pressupostos


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é a que norteia a diferenciação entre qualquer outra reflexão, pois diz respeito a uma avaliação sobre o que está sendo refletido. É o conceito central para o entendimento da aprendizagem transformadora e busca explicar como os adultos aprendem a pensar sobre si mesmos, em vez de tomar ações baseadas nos quadros de referência de terceiros (MEZIROW, 1998). A palavra ação também tem um sentido especial na teoria da aprendizagem transformadora (MEZIROW, 1981, 1991). O aprendiz pode tomar uma ação imediata, postergar uma ação ou reafirmar um padrão existente. A ação frequentemente envolve a superação de barreiras emocionais, de conhecimentos ou situacionais. Implica tomada de decisão, mas não necessariamente mudança de comportamento imediata. Assim, quando um dilema desorientador é o resultado de uma ação opressiva, a pessoa precisa tomar uma ação individual ou coletiva contra o opressor. Aprendizagens transformadoras resultam em aprendizes motivados para tomar ações sociais, coletivas, com o objetivo de modificar práticas sociais, instituições ou sistemas. Uma ação social pode consistir em trabalhar em sintonia com indivíduos que pensam de maneira similar, ou ainda coletivamente, para efetuar mudanças tanto culturais quanto políticas em relacionamentos interpessoais, nas famílias, organizações, comunidades ou nações. A ação transformadora pode produzir mudanças nos indivíduos e na forma como eles aprendem. Em vez de aceitar passivamente realidades definidas por outros, a educação para desenvolver competências comunicativas requer o cultivo da habilidade do aprendiz para negociar significados e objetivos (MEZIROW, 1994). Como último aspecto, é importante pontuar que, de acordo com Closs e Antonello (2010, p. 31-32), Mezirow (1994) entende que: O papel dos educadores na aprendizagem transformadora envolve o auxílio aos aprendizes em seus processos de transformação de experiências e a facilitação de ações refletidas, que os ajudem a superar barreiras situacionais, de conhecimento e emocionais e que favoreçam o desenvolvimento de aprendizagens transformadoras. O desenvolvimento de um adulto é representado pela realização progressiva de sua capacidade para participar em um discurso de forma racional, plena e livremente, a fim de adquirir um entendimento mais amplo, discriminante, permeável e integrativo de suas experiências, de modo a guiar suas ações.

À luz desses conceitos que envolvem a ideia de reflexão crítica e de aprendizagem transformadora é que se pretende aqui analisar estudos sobre experiências em sala de aula para o ensino da sustentabilidade em escolas de administração. Passemos, então, a descrevê-las para, ao final, retomar os conceitos de Mezirow, colocando em debate o que aprendemos dessas experiências didáticas.


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Experiências de sala de aula no ensino da sustentabilidade Este item traz um conjunto de experiências de ensino coletadas na literatura internacional e nacional que buscam desenvolver nos alunos um olhar reflexivo para as questões da sustentabilidade, no âmbito das escolas de negócios. As três atividades de ensino propostas inicialmente fazem parte do esforço desenvolvido por Springett e colaboradores que usam a teoria crítica como fundamento para o ensino da sustentabilidade. A seguir, destaca-se o uso da simulação enquanto uma estratégia importante para ensinar como as decisões gerenciais impactam as questões de sustentabilidade. A contribuição internacional apresenta ainda o uso de casos para se trabalhar com sustentabilidade em sala de aula. Na literatura brasileira, duas publicações merecem destaque por relatar experiências de desenvolvimento de habilidades e competências que capacitem os futuros gestores a atuar no encaminhamento de soluções socioambientais desencadeadas pelos atuais modelos de gestão: o trabalho de Gonçalves-Dias, Herrera e Cruz (2013), que discute estratégias de ensino em uma disciplina específica de sustentabilidade na grade curricular de administração e uma proposta de ensino interdisciplinar em um curso de administração relatada por Demajorovic e Silva (2012) .

Experiências relatadas por Kearings e Springett Kearings e Springett (2003), com a intenção de proporcionar um olhar reflexivo e crítico em direção à sustentabilidade, relatam um conjunto de atividades que propõem em sala de aula das escolas em que atuam. A primeira experiência que relatam é denominada continuun e tem por objetivo levar os alunos a refletirem sobre seus conhecimentos prévios a respeito do tema da sustentabilidade, com o propósito de que avaliem seu nível de consciência ambiental. Em seguida, solicita-se aos alunos que estabeleçam metas para o próprio desenvolvimento no tema. Para isto, desenham uma linha imaginária que atravessa a sala, indicando desde o nível mais baixo de entendimento da temática, isto é, seu estágio atual de conhecimento, até o ponto de aprendizagem desejado. As autoras enfatizam que o ponto-chave da atividade não é o nível que se deseja atingir, mas, antes de tudo, a jornada do aprendizado. Em sequência a essa atividade estabelecem metas de aprendizagem e adotam uma estratégia para atingir o estágio desejado, apresentando-a ao grupo. No final do curso, os alunos são convidados a analisar novamente sua posição na linha e redirecioná-la para uma nova meta, justificando a nova posição e o tipo de aprendizagem e experiência que os ajudará a chegar à nova meta. Defendem que o exercício promove reflexividade e


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encoraja os discentes a controlar seu próprio processo de aprendizagem. O exercício também permite uma reflexão crítica e ideológica sobre os distintos posicionamentos das empresas, ao traçar um movimento contínuo similar entre a visão antropocêntrica e a ecocêntrica, ou de uma sustentabilidade fraca para outra considera forte. Outra atividade que relatam é a que denominam de timeline. Trata-se de um exercício que tem o propósito de construir um quadro de análise histórico com a intenção de demonstrar aos alunos como os valores se modificaram ao longo do tempo, o que é importante para a compreensão dos preceitos que envolvem os negócios e o desenvolvimento sustentável no decorrer do tempo. A intenção é mostrar como o que era considerado adequado em uma dado período histórico, como, por exemplo, na revolução industrial, passa a ser questionado. O exercício capacita os estudantes a considerar os impactos das empresas no ambiente e nas pessoas. São também convidados a adicionar à timeline pontos-chave de sua própria vida. O exercício promove, assim, reflexividade, ao capacitar e encorajar os estudantes a debater, compartilhar e questionar suas próprias crenças e atitudes. Essas reflexões levam os alunos a se autoavaliarem e a buscarem compreender como muitas das crenças que nos rodeiam hoje foram construídas historicamente. Isso permite que tomem consciência de que parte dessas crenças e atitudes consideradas “naturais” foram construídas e reificadas ao longo do tempo. A força dessa atividade está em seu potencial transformacional, uma vez que o indivíduo tem a oportunidade de refletir sobre sua visão de mundo e compreender que até ações e valores preconcebidos e cristalizados como corretos podem ser modificados. A construção de mapas mentais também é apontada como uma ferramenta pedagógica para ajudar os estudantes a entender o progresso que fizeram. São convidados a refletirem sobre sua jornada no curso, considerando, especialmente, as mudanças ocorridas na forma de pensar e de agir, bem como indicando os fatores que provocaram tais mudanças. Podem representar essa jornada em forma pictórica ou de diagrama, destacando as ideias ou eventos-chave que os desafiaram e as transformações que experienciaram. Segundo as autoras, os estudantes, frequentemente, relatam como se despiram de uma falsa consciência sobre como o mundo opera, tomam conciência dos usos e abusos do poder, das relações assimétricas de poder que levam à impotência e à miséria, bem como passam a compreender a natureza política de conceitos como desenvolvimento sustentável. Engajando-se dessa forma no exercício reflexivo e crítico, os estudantes compreendem seu poder de escolha e seu papel como agentes de mudança. Da mesma forma, tornam-se mais conscientes dos desafios e dificuldades que enfrentam. Propõem, também, um exercício denominado Campus e Ação Comunitária. Aqui os alunos são desafiados a trabalhar em pequenos grupos em classe


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com foco na resolução de problemas reais no campus ou na comunidade mais ampla. Podem planejar, por exemplo, um processo que leva a universidade a repensar suas politicas de meio ambiente em termos de sustentabilidade. O exercício foca a atenção dos alunos em problemas e conflitos locais, na universidade ou em uma organização com a qual eles estão familiarizados e onde podem começar a fazer diferença. Desta forma, busca-se potencializar a inovação. Essa atividade trabalha, de um lado, com os estudantes que porventura se tornam excessivamente otimistas sobre as perspectivas de mudanças imediatas ou muito significativas e, de outro, com os pessimistas que não veem possibilidades de qualquer melhoria. São, assim, encorajados a pesquisar uma organização local, examinando o potencial de aprimoramento sustentável e preparando posteriormente um relatório. Dessa forma, os alunos aprendem, em primeira mão, as dificuldades de convencer os outros a aceitarem suas ideias e como os ideais de sustentabilidade não são facilmente traduzidos em prática.

Experiências de educação para a sustentabilidade em um MBA propostas por Springett Em 2005, Springett, publicou um artigo focando suas experiências de educação para a sustentabilidade em um curso de MBA. A concepção do curso se fundamenta no entendimento de O’Connor (1988, apud Springett, 2005) de que sustentabilidade não deve ser reduzida a um discurso ecológico e econômico, mas, antes de tudo, se refere a um posicionamento político e ideológico. O curso tem também uma ênfase na práxis, instrumentalizando os alunos para a ação no ambiente de trabalho. O objetivo da proposta não é tornar os participantes especialistas em gestão ambiental, mas, sobretudo, instigar um processo de autorreflexão capaz de: a) prover um entendimento crítico das forças do ambiente e da ideia de sustentabilidade e desenvolvimento sustentável como relevante para os negócios, examinando o contexto do discurso social, político e econômico em que se manifestam; b) ajudar os estudantes no entendimento de como as teorias, princípios e práticas da administração podem incorporar as questões de sustentabilidade; c) compreender a mudança de paradigma requerida, a fim de tornar os negócios sustentáveis, incluindo as mudanças nos níveis estruturais e institucionais; e d) assumir um papel de agentes de mudança no intuito de assisti-los nos negócios das organizações e na mudança de paradigma pretendida. O curso não parte de uma literatura previamente prescrita. Ao contrário, permite ampla variedade de leituras que contemplam questões filosóficas e práticas de diferentes perspectivas, sempre a partir de uma abordagem dialética. Para estimular uma aprendizagem ativa, os estudantes, em duplas, são chamados a conduzir uma discussão em classe sobre algum tema


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de interesse que eles tenham identificado nos artigos que elegeram para leitura, produzindo uma crítica sobre esse material. Conforme relata Springett (2005), o curso é desenvolvido em duas partes divididas em 12 seções. A primeira parte, chamada pela autora de “Definindo o Problema”, tem por objetivo assegurar aos estudantes a oportunidade de examinar perspectivas críticas sobre as causas da insustentabilidade. Já a segunda parte, chamada de “Atendendo ao Desafio do Negócio: do Discurso para a Ação”, encoraja os estudantes a aplicar as perspectivas críticas encontradas na Parte Um, no discurso de Negócios e Sustentabilidade. Uma tarefa especial também é solicitada aos alunos ao longo do curso, com a intenção de desafiá-los tanto do ponto de vista prático como teórico. Os alunos têm liberdade para negociar tópicos de especial interesse, sempre em consonância com as metas de empoderamento e emancipação pretendidas. Cada aluno preenche o que a autora chama de eco-fact sheet, que representa 20% de sua avaliação, em que destacam o porquê da escolha do tema, a estrutura do documento e sua aplicabilidade prática em fomentar a comunicação e a consciência no ambiente de trabalho. A avaliação desse trabalho está baseada no preenchimento completo dessa folha e na apresentação feita posteriormente em classe. Springett (2005) menciona ainda um segundo trabalho, que representa 30% de sua avaliação. Requer dos alunos a compreensão de um processo de gestão ambiental estratégica e o estabelecimento de um plano de ação para introduzir um programa dessa ordem em uma organização específica. Esse segundo trabalho pressupõe uma análise dos impactos da organização no ambiente físico e humano e uma ampla mudança de valores, incluindo uma avaliação e antecipação dos prováveis facilitadores e barreiras para a concretização da tarefa. Também envolve o exame das possíveis implicações para o papel dos agentes de mudança. O último e mais importante trabalho, que representa 50% da avaliação, dá aos alunos oportunidade de escolherem se querem produzir um projeto teórico ou prático. Os estudantes devem selecionar um aspecto relevante do debate sobre negócios e sustentabilidade, conduzir uma revisão da literatura associada e produzir um documento com a posição deles sobre o assunto. Esse material, de acordo com a autora, fornece um exame mais minucioso de algumas das questões críticas introduzidas no curso e tem levado a subsequentes pesquisas e dissertações. Para os estudantes que buscam um projeto mais prático, é solicitado que apliquem o aprendizado teórico em situações do local de trabalho. Springett (2005) esclarece que eles devem focar em tópicos específicos, como questões de treinamento no local de trabalho ou mesmo na produção de relatórios


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corporativos de sustentabilidade. Para desenvolver as habilidades de crítica, engajamento social e reflexividade, a autora recorre a métodos de ensino baseados na pesquisa-ação, incentivando, no lugar de leituras formais preestabelecidas, a realização de seminários, suplementados por palestras e visitas ocasionais a sites, entre outras coisas. Enfim, Springett (2005) conclui que a teoria crítica de educação para a sustentabilidade, no currículo de escolas de negócios, influencia não somente o conteúdo, mas também a base filosófica e de valores do curso, a abordagem pedagógica e a meta da autorreflexão dos alunos. Para a autora, a importância do uso da teoria crítica é que os alunos saem do curso com uma clara concepção de como o mundo real funciona e reconhecem os desafios existentes e a parte que lhes cabe para gerenciar um negócio na direção mais compatível com a sustentabilidade. Outra atividade relatada é a que desafia os alunos a selecionarem e visitarem ambientes onde estejam sendo realizadas experiências de sustentabilidade e a se engajarem nessas ações mesmo que em pequena escala. Antes das visitas realizam atividades preparatórias. Um exemplo fornecido pelas autoras refere-se à visita a um aterro sanitário. Incentiva-se nas atividades preparatórias que os alunos busquem leituras e outros materiais que tratem do assunto, preparando-se assim para formular questões pertinentes e coerentes para o gestor do aterro. Da mesma forma, solicita-se que estes se apoderem com dados sobre as questões políticas que levaram à forma atual de gestão dos resíduos locais. A intenção é que haja aprofundamento sobre o contexto que envolvia a gestão do aterro, despertando nos alunos um processo reflexivo. Provoca-se nos estudantes exercícios de autoanálise, levando-os a avaliar sua própria contribuição como cidadãos na geração de lixo. Em seguida, os alunos são instigados a desenvolver estratégias para a gestão do lixo na cidade, ou mesmo propor formas de mudar as atitudes dos estudantes com relação aos resíduos gerados em ambiente de moradia estudantil. A partir dessa proposta de aprendizagem experiencial, os alunos puderam vivenciar a realidade do processo de gestão de resíduos. O estímulo ao pré-preparo para a visita é essencial para que seus questionamentos e reflexões tenham embasamento e possam ser agregadores no processo. Relatam as autoras que essa visita os fez refletir sobre seus papéis dentro da comunidade, constituindo-se numa estratégia mais efetiva do que aquelas que são conduzidas exclusivamente no interior da sala de aula.

A experiência didática de Collins e Kearins Em 2007, Collins e Kearins descreveram outra experiência didática que buscou estimular a reflexão crítica dos alunos acerca dos pressupostos de sustentabilidade. Nessa prática pedagógica exploraram a negociação com stakeholders. Destacaram as autoras que, no campo organizacional, profis-


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sionais terão de saber negociar com grupos de interesse, lidar com conflitos e expectativas distintas, embora pouca ou nenhuma formação lhes seja dada para desenvolver esse tipo de habilidade. A dinâmica de sua proposta em sala de aula começa com uma discussão sobre o tema, chamando a atenção para o fato de que a literatura sobre os stakeholders está voltada para o processo de gestão interna desses grupos e não para seu engajamento em questões de interesse mútuo, o que pressuporia processos dialógicos. Também chamam a atenção dos alunos para a questão dos potenciais riscos presentes nessas relações, considerando que elas estão permeadas por distintas visões de sustentabilidade e dilemas éticos que poderão gerar conflitos entre as partes. Enfim, os resultados dessas negociações nem sempre são os ideais para a sustentabilidade, o que possibilita que os estudantes reflitam sobre esses riscos. Na preparação inicial desse exercício, busca-se identificar um tema que seja considerado um problema local, para aumentar o interesse dos alunos. No caso relatado pelas autoras, optou-se por estudar um mega-aterro. Aparentemente, o tema escolhido, eliminação de resíduos, parecia uma problemática bastante simples, no entanto, envolvia múltiplas questões, como o tempo em que o aterro operaria no local e os interesses conflitantes de stakeholders (conselho da cidade, agricultores, população indígena local e dilemas ambientais). Cada grupo deveria ter um facilitador e, no máximo, cinco participantes por equipe. A segunda decisão-chave é decidir se os alunos serão providos com informações ou se deixará alguns ou todos pesquisarem, com atenção ao fato de que não importa se as informações sobre os stakeholders são desiguais, o mais importante é a qualidade. A próxima decisão-chave refere-se a quem serão os facilitadores do exercício: professores ou alunos. O papel dos facilitadores é importante, dado que são embuídos de poder: eles organizam as sessões, buscam acordar regras para a interação e trabalham junto com os grupos de stakeholders para atingir consenso. Aqui se observa o grau de consenso que os facilitadores conseguem atingir. Se o resultado é o consenso, a aprendizagem ocorre quando os estudantes exploram como chegaram a tal resultado e o que não foi possível acordar. Se a classe não chega ao consenso, então há uma oportunidade para se refletir sobre o que pode ser feito de diferente, se os vários stakeholders permanecem arraigados em suas posições ou se o consenso tem sido benéfico para o ambiente e a comunidade. No exemplo relatado pelas autoras não houve consenso, o que, se de um lado levou à frustração dos estudantes, de outro, permitiu boa discussão sobre como poderiam ter conduzido as negociações de forma distinta. No caso, o fato de um representante de um grupo indígena ter convencido o represen-


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tante do grupo que assumia o papel de autoridade local a postergar a decisão sobre a localização do mega-aterro gerou relativa frustração para esse grupo. O assunto foi explorado em outras duas sessões, até que se chegou à conclusão de que haviam ignorado os indígenas como uma prioridade, situação recorrente nas práticas organizacionais. A quarta decisão-chave gira em torno da atribuição de nota. Todos os alunos receberam nota por sua participação nas atividades de negociação, que valiam 5% da avaliação geral do curso. Os facilitadores receberam os mesmos 5% e 20% adicionais pelo projeto de pesquisa obrigatório. A quinta decisão-chave é o tempo. Trabalha-se o exercício durante um período de duas horas pela manhã e duas horas na mesma noite. Estudantes se inscreveram para um dos seis grupos de stakeholders, e os facilitadores forneceram materiais prévios para cada grupo. Os alunos são aconselhados a não escolher um grupo de stakeholder no qual já tivessem experiência, o que os desafia e facilita o alcance do objetivo da atividade de desenvolver uma abordagem baseada em conflitos. Semanas antes do exercício são designadas aos alunos leituras sobre relacionamento com stakeholders. Cada grupo de stakeholder tem cinco minutos para apresentar suas posições sobre o aterro, e os facilitadores transitam entre os grupos procurando oportunidades para chegar a um consenso. Os intervalos de tempo entre as atividades dão chance para os alunos refletirem a respeito da posição de seu grupo de stakeholders. Como avanço das atividades, os alunos tendem a incorporar um pouco mais seus papéis, evoluindo de uma discussão em que se colocavam como 3ª pessoa para a de 1ª pessoa. A sessão noturna ajuda os alunos a simularem sessões próximas a condições de vida reais, nas quais as pessoas podem se sentir cansadas e estarem trabalhando no limite. É crucial deixar um tempo, no fim de uma sessão, para uma instrução que revise e solidifique os aprendizados-chave, considerados mais importantes. Em muitos casos, a perspectiva dos alunos depois da reflexão é diferente daquela após a sessão diurna. Por exemplo, os estudantes se desapontaram com a falta de consenso sobre a localizaçao do aterro, mas em debates posteriores o foco da discussão mudou para o que poderiam ter feito de diferente a fim de alcançar o nível de concordância desejado.

Experiência de simulação relatada por Svoboda e Whalen Segundo Svoboda e Whalen (2004), as simulações são uma estratégia relevante na educação para a sustentabilidade, dado seu potencial para o desenvolvimento de um trabalho em equipe mais eficaz, capaz de potencializar a inovação. Defendem que a aprendizagem por meio da simulação pode abrir


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espaço para outras formas de ensino e incentivar a promoção de diálogos entre os alunos. Os autores construíram sua proposta com base no artigo de Stuart Hart: “Beyond Greening: Strategies for Sustainable World”, publicado na Harvard Business Review, em 1999, que serviu de sustentação teórica para a estruturação da atividade. Seguindo as premissas dessa publicação, Svoboda e Whalen (2004) propuseram, como um dos objetivos da educação para a sustentabilidade, inserir os alunos em um contexto no qual consigam perceber, de forma sistêmica, o quanto suas decisões gerenciais influenciam as questões de sustentabilidade. Como exemplo relatam uma atividade didática que envolve compreender o ciclo de vida de um produto. No caso, uma equipe de alunos fica encarregada de fazer uma proposta de alteração do projeto de um produto para eliminar uma substância perigosa que cria risco de poluição quando o consumidor o utiliza. Segundo os autores, a atividade coloca os participantes em um ambiente de sistema complexo, que lhes permite experimentar o impacto de suas ações nesse sistema, considerando as dimensões econômica, ambiental e social. Os alunos têm de combinar indicadores tradicionais de gestão com demonstrações de resultados e balanços, juntamente com indicadores de poluição, impacto do produto na sociedade, uso de energia renovável, entre outros. A simulação também permite aos alunos explorar formas de aumentar os lucros, otimizando o uso do capital natural e humano, defendendo, desta forma, que esse tipo de raciocínio é significativo para o aprendizado, muito mais do que tentar ensinar sobre negócios sustentáveis sem considerar questões de lucratividade. Argumentam, assim, que, para construir soluções, de fato, sustentáveis, a aprendizagem colaborativa é essencial, porque potencializa a capacidade de trabalhar com múltiplos e conflitantes interesses dos stakeholders. Em síntese, os grupos têm de lidar com situações de empresas reais que competem em um mercado no qual o sucesso depende de sua capacidade decisória. Desde o desenvolvimento de um produto, os alunos têm de lidar com problemas sociais e ambientais, e, dependendo das decisões tomadas, podem aumentar seus custos ou interferir em sua capacidade de competir. Cada equipe de alunos representa uma empresa que produz determinado produto, e cada membro do grupo assume determinado papel dentro da sua respectiva empresa. São simulados contextos reais de uma organização, como pressão do tempo, restrições orçamentárias, intervenção de stakeholders e condições de mercado. Aos participantes são atribuídos papéis funcionais, incluindo marketing, desenvolvimento de produto, manufatura, finanças e gestão ambiental. Para cada função há uma descrição específica, que explica as metas e os objetivos


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da equipe. Formados os grupos, estes selecionam um mercado e desenvolvem um produto, criam uma campanha de marketing e realizam uma análise de rentabilidade. O produto é construído com brinquedos educativos e deve considerar o impacto econômico, ambiental e social de seus componentes, avaliados de acordo com as medidas de desempenho estabelecidas, incluindo liderança, proatividade, transparência e inovação. Além disso, as equipes lidam com informações às vezes incompletas, ou até conflitantes, e com os stakeholders – papel desempenhado por alunos – que têm por objetivo influenciar de forma proativa as decisões tomadas pelas empresas. Segundo os autores, o papel dos stakeholders permite customizações e ajuda a atender a questões específicas de diferentes grupos. Os grupos (empresas) são reagrupados em indústrias compostas de cinco a nove companhias, e a cada rodada os participantes são estimulados a tomar decisões sobre seus produtos. No final de cada ciclo de decisão devem vender seus produtos, que, dependendo das posições adotadas, podem tomar uma “fatia” do mercado dos outros. Esse ciclo de decisão é pontuado a cada rodada, e ao final da atividade o software, construído com base em indicadores de gestão tradicional e de sustentabilidade, gera um relatório com o resultado de diversos indicadores. Será vencedora a indústria que obtiver os melhores resultados nos indicadores. Concluída a atividade, o facilitador fornece feedback qualitativo para os grupos, principalmente sobre a qualidade de suas interações com os stakeholders, e solicita uma reflexão sobre quais foram as decisões que mais impactaram os resultados da indústria. Svoboda e Whalen (2004) explicam que essa simulação tem sido aplicada ao longo de seis anos de sua vivência em universidades, empresas e organizações não governamentais. Avaliam que os participantes aprendem a ver a sustentabilidade como parte integrante do modelo de negócio, o que contribui para seu sucesso, porém atingir esse patamar implica mudanças na forma de pensar, agir e tomar decisões. Resumem que os participantes dessas simulações aprendem a importância de: t

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Ouvir seus clientes: de acordo com os autores, cerca de 1/3 das equipes não consegue estabelecer diálogos com seus clientes e acaba desenvolvendo produtos que supõe atender ao contexto do ambiente da simulação, ou seja, “produtos verdes”. empresa: no começo Sustentar a visão e os valores definidos para a empresa dos trabalhos, as equipes desenvolvem suas visões e valores, porém, os autores relatam que, quando os alunos são postos diante de problemas como restrições orçamentárias, rapidamente se orientam para obter um produto rentável, situação percebida no processo de


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reflexão dos grupos, isto é, a maioria dos alunos facilmente relegou a segundo plano a visão e os valores sustentáveis em prol da rentabilidade. Valorizar relacionamentos: grande parte das soluções inovadoras para alcançar a sustentabilidade requer mudanças significativas de pensamento e/ou cooperação de múltiplas partes. Os autores relatam que as equipes tendem a encontrar essas soluções, porém, não constroem as relações necessárias com outras partes da empresa para desenvolvê-las. É frequente que percebam, no processo de reflexão, que sua estratégia não funcionou em virtude da incapacidade de construir relacionamentos eficazes. Adaptabilidade e flexibilidade: os grupos mantêm foco excessivo em atingir as metas estabelecidas e, por vezes, se recusam a rever decisões com base em novas informações. Benefícios do engajamento de stakeholders: os autores relatam que grande parte dos grupos entende os stakeholders como um incômodo e acabam criando estratégias para afastá-los, para garantir que eles não interfiram nas operações do negócio. Um aprendizado fundamental para a maioria dos participantes neste exercício é que stakeholders, quando engajados, podem ajudá-los a atingir seus objetivos mais rapidamente e com resultados de maior qualidade.

Segundo os autores, aplicações de exercícios dessa natureza mostram-se eficazes no que tange à proposta de educação para a sustentabilidade, permitindo, por meio da reflexão, que os participantes percebam as múltiplas e complexas facetas que envolvem processos decisórios de uma organização que tem por foco atingir seus resultados alinhados a preceitos de sustentabilidade. Contudo, ressaltam que a aplicação dessas dinâmicas tem limitações. O tempo é uma delas, já que é necessário ao menos quatro horas para desenvolver essa atividade. Outro ponto limitador é a existência de “um certo” ceticismo por parte de alguns estudantes com relação à aprendizagem experiencial. Eles acreditam que dificilmente aprenderão por meio de jogos, mas no decorrer do exercício esse comportamento reativo diminui, já que os estudantes envolvemse na atividade. Desenvolver exercícios dessa natureza também pode ser demorado, caro e complexo. Por essas razões alguns docentes preferem aplicar simulações existentes a construir sua própria atividade. Nesse sentido, os autores não tecem críticas aos docentes, mas fornecem referências para que estes observem características importantes nas simulações que têm por propósito desenvolver a lógica de negócios sustentáveis (p. 178-179): t

fornecer um modelo rico que reflita a complexidade do mundo dos negócios e suas inter-relações com os sistemas naturais e sociais, mas


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EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO

que ao mesmo tempo seja simples e facilite o aprendizado dos alunos em um curto espaço de tempo; t

oferecer um nível apropriado de desafio para manter os alunos interessados e engajados;

t

ser flexível o suficiente para que os participantes possam expor seus próprios conhecimentos;

t

incentivar a inovação tecnológica e a mudança de comportamento;

t

fornecer embasamento teórico no que tange à sustentabilidade e à gestão de negócios;

t

dar oportunidade para os participantes ocuparem posições diferentes das usuais;

t

apoiar-se em aspectos importantes para as pessoas e para os negócios (lucratividade, participação de mercado, inovação, retorno sobre o investimento) e demonstrar como escolhas sustentáveis são relevantes;

t

promover um ambiente desafiador, no entanto, que evite falhas constantes dos alunos;

t

proporcionar a aprendizagem em múltiplos níveis (pessoal, da equipe, da organização, da indústria);

t

seguir procedimentos claros e de fácil compreensão que assegurem progressão lógica das atividades;

t

promover um ou mais ciclos de aprendizagem experiencial;

t

fornecer feedback presencial que incida sobre os aspectos mais importantes da sustentabilidade do negócio;

t

criar um sistema de pontuação que seja tangível e realista para os participantes;

t

oferecer oportunidade para o mapeamento claro das lições aprendidas, por meio de um processo de reflexão, discussão e briefing.

Casos de ensino em sustentabilidade relatados por Cotton e Winter, por Elliot e por Annandale e Morrison-Saunders Cotton e Winter (2010) apontam que estudos de caso têm sido a escolha mais frequente para trabalhar com sustentabilidade em sala de aula. Historicamente, segundo Roesch (2007), o método de estudo de caso começou a ser utilizado na Universidade de Harvard, no curso de Direito, e tinha o objetivo de aproximar os alunos da realidade prática da área. Especificamente em Administração, os casos de ensino iniciaram por volta de 1908, quando executivos começaram expor aos alunos questões cotidianas da realidade empresarial, com o intuito de que desenvolvessem análises e recomendações para


Cap 10 – Experiências docentes em educação para a sustentabilidade em escolas... 217

as questões apresentadas. De acordo com a autora, os casos são relatos de situações da vida organizacional, construídos com propósitos educacionais específicos. A autora aponta a existência de dois tipos de casos: problema e demonstração. O caso-problema foi desenvolvido pela Universidade de Harvard e seu objetivo é capacitar estudantes para identificarem e resolverem problemas gerenciais, assim como lidar com fatores de riscos que competem à tomada de decisão. Acrescenta Roesch (2007) que esse é um processo indutivo, uma vez que os discentes desenvolvem regras gerais para a resolução de problemas inerentes aos casos. Já o caso-demonstração relata problemas, processos ou soluções quase universais e relevantes para a maioria das organizações e há pouca preocupação em criticar a realidade; seu propósito é estudar as melhores práticas de determinado contexto organizacional. Embora a literatura de ensino de sustentabilidade não especifique tipos de caso, como aborda Roesch (2007), à luz de Elliot (2004), casos-problemas parecem ser compatíveis para o estudo e a resolução de problemas organizacionais relacionados à temática da sustentabilidade. De acordo com Elliot (2004), no ensino de sustentabilidade recorre-se a casos que introduzem nos negócios dimensões econômicas, sociais e ambientais e podem se ater a questões mais simples – como a viabilidade econômica de um projeto de prevenção à poluição ou a produção de um vinho orgânico – até as mais complexas, que envolvem várias esferas, desde a parte técnica até a comercialização do produto, demandando a reflexão e a resolução de problemas entre a posição de equilíbrio da indústria no mercado e a gestão sustentável. Já Annandale e Morrison-Saunders (2004) recorrem aos casos de ensino na educação para a sustentabilidade, com a intenção de despertar a atenção dos alunos para a complexidade de uma decisão que visa ser sustentável. Ou seja, não basta reduzir a produção de resíduos, ou consumir energia de fontes renováveis, é preciso compreender sistematicamente como todo o processo que envolve aquela cadeia precisa ser sustentável. Como exemplo, os autores descrevem como utilizaram o estudo de caso de uma cidade da Austrália – cujo governo anunciou a intenção de construir uma estação secundária de tratamento de esgoto a partir de um tubo de descarga em um penhasco, com vista para o oceano – para relacionar resultados sustentáveis à dinâmica do processo. Segundo os autores, ao instigar os alunos a buscar uma solução sustentável para o problema, eles poderão perceber e reavaliar a forma como o governo tomou a decisão sobre a construção da estação de tratamento de água e a importância da opinião dos distintos grupos de interesse nessas decisões.


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EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO

Para tanto, os alunos recebem as informações sobre questões políticas, desenvolvimento regional e conflitos políticos inerentes ao tratamento de água na cidade para analisarem aspectos de sustentabilidade à luz do conceito do triple bottom line, isto é, do equilíbrio entre as dimensões sociais, econômicas e ambientais Na análise do caso, os autores ressaltam que as decisões iniciais entregues aos estudantes pareciam ser sustentáveis do ponto de vista econômico e ambiental, contudo, o projeto gerava insatisfação na comunidade em razão da localização dos tubos de descarga da estação de tratamento de esgoto. Para a discussão da temática, a sala de aula foi dividida em diferentes grupos, e os alunos representaram diferentes papéis de stakeholders: autoridades, pescadores de salmão, mergulhadores, grupos de conservação, autoridades de proteção ambiental, empresas de consultoria na área ambiental, surfistas, condado da cidade e Departamento de Conservação e Manejo da Terra. Os autores destacam que a participação dos grupos precisa ser equilibrada, e alunos alocados em grupos aparentemente mais “confortáveis” devem ser estimulados pelo facilitador a confrontarem interesses, posicionamentos e relações de poder de outras equipes, ou seja, a intenção é equalizar a importância de todos os grupos de interesse (supostos stakeholders) no processo de tomada de decisão. Além disso, segundo Annandale e Morrison-Saunders (2004), essa modalidade de aplicação de estudos de caso, na qual os alunos representam papéis de stakeholders, é também uma forma de incorporar a reflexão, fazendo-os rever suas próprias crenças. O propósito ao trabalhar com essa ferramenta é conseguir que os alunos tomem decisões menos instrumentais.

Experiência de uma proposta disciplinar relatada por Gonçalves-Dias, Herrera e Cruz Gonçalves-Dias, Herrera e Cruz (2013) relatam uma experiência de desenho de uma disciplina de sustentabilidade implementada em uma universidade brasileira, com o propósito de desenvolver nos alunos a capacidade de reflexão e ação em prol da sustentabilidade. Descrevem os caminhos percorridos para a operacionalização da disciplina (obrigatória), desde a reestruturação do projeto pedagógico do curso de Administração em 2005 até sua reformulação em 2010. Não se tratava somente de mais uma inserção curricular, mas de repensar as estratégias para formar administradores capazes de tomar decisões à luz dos pressupostos de sustentabilidade, o que significa considerar o meio ambiente e a sociedade na tomada de decisões organizacionais. A disciplina foi idealizada a partir de métodos construtivistas e participativos que bus-


Cap 10 – Experiências docentes em educação para a sustentabilidade em escolas... 219

cavam discutir desafios, dilemas e oportunidades em sustentabilidade por meio de estratégias metodológicas diversificadas, visando desenvolver no aluno uma visão mais crítica e reflexiva de sustentabilidade na gestão empresarial. A Figura 1 representa a estrutura da disciplina.

Introdução

Microperspectiva

Macroperspectiva

Figura 1

Apresentação básica de noções de sustentabilidade, gestão para sustentabilidade e desenvolvimento sustentável (DS) Resgate histórico da sociedade contemporânea

Economia verde (tendências de negócios) Consumo e meio ambiente (consumo nas sociedades contemporâneas e suas interações com o discurso e as práticas de cidadania)

Integração do conceito de sustentabilidade às estratégias e práticas das organizações, através da evolução do conceito de Responsabilidade Socioambiental (RSA) e do tripé da sustentabilidade

Estrutura da disciplina de sustentabilidade em uma universidade brasileira. Fonte: Adaptação da autora (Gonçalves-Dias, Herrera e Cruz, 2013, p. 9).

Para concretizar a disciplina na estrutura proposta, foram promovidas atividades diversificadas como o World Café, seminários, visitas técnicas e troca de materiais on-line. Segundo as autoras, nessas atividades os alunos eram motivados a refletir, buscando desenvolver tanto o aprendizado prático quanto o teórico. O Quadro 1 relata brevemente cada uma das atividades aplicadas durante o desenvolvimento do curso. Como é possível observar no Quadro 1, a disciplina buscou adotar uma abordagem pedagógica que, segundo as autoras, atendesse às metas da educação para a sustentabilidade e desenvolvesse habilidades como a capacidade crítica e de reflexividade. Essas propostas foram pensadas em acordo com as orientações dos trabalhos de Springett (2005) e Lima (2003). Houve um esforço em reduzir o número de aulas formais e expositivas para privilegiar abordagens de cunho mais participativo, como seminários e visitas técnicas ocasionais, na tentativa de que um processo de aprendizagem experiencial estivesse presente em todas as etapas do curso. Organizou-se uma página on-line da disciplina que serviu como canal de comunicação e interação em que foram trocados informações e materiais complementares às aulas, como curiosidades, notícias, filmes, etc. Relatam ainda as autoras que, ao participar dessas atividades, o aluno era convidado a elaborar reflexões e análises sobre os temas discutidos fora e dentro da sala de aula, a fim de construir e reconstruir considerações tanto teóricas quanto conceituais das práticas empresariais.


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EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO

Quadro 1 Atividades aplicadas durante o curso. Atividades

Descrição

Tipos de Metodologia de Ensino

Workshop da primeira aula

Resgates dos conceitos prévios sobre sustentabilidade, formato World Café

Mais participativa e não convencional

Página on-line da disciplina

Canal de comunicação e interação entre alunos e professor, contendo chat, fóruns de discussão, textos, notícias, vídeos e materiais sobre o tema

Mais participativa e não convencional

Atividade à distância

Análise e discussão do filme:

O jardineiro fiel

Participativa e não convencional

Simpósio Semana Acadêmica

Alunos apresentaram projetos relacionados ao tema “sustentabilidade” e uma banca de professores comentou e debateu

Menos convencional

Seminários dos alunos

Grupos de alunos foram responsáveis pela apresentação e debate de temas previamente selecionados

Participativa e convencional

Trabalho final

Estudar o conceito de sustentabilidade por meio da análise de caso. Propiciar ao aluno fomento à pesquisa, à análise do contexto e ao diagnóstico das atividades desenvolvidas pelo caso selecionado

Participativa e convencional

Exercícios em classe

Estudo de caso e exercícios para aplicação dos conceitos-chave

Participativa e convencional

Palestra do convidado

Palestrante atuante na ONG “Médicos sem Fronteiras” e com rica vivência em projetos humanitários na África

Mais convencional e menos participativa

Aulas expositivas

Conceitos-chave apresentados pela professora (palestra sobre mídia e meio ambiente)

Mais convencional e menos participativa

Fonte: Adaptação da autora (Gonçalves-Dias, Herrera e Cruz, 2013, p. 9).

Uma atividade a que as autoras deram destaque foi a oficina do tipo World Café. A metodologia consiste na promoção de diálogos construtivos, orientados para discussão de determinada situação. Trata-se de uma atividade na qual é possível resgatar os conhecimentos prévios dos alunos que servem de guia para a construção de conhecimentos novos. No World Café, os alunos se deparam com perguntas que os levam a refletir sobre os conceitos de sustentabilidade e sua relação com o meio empresarial, tais como: O que é sustentabilidade? Qual é o papel do gestor em relação a esse tema? Qual é o papel da empresa com relação a esse conceito? As respostas dos alunos são exibidas em forma de diagramas


Cap 10 – Experiências docentes em educação para a sustentabilidade em escolas... 221

coloridos, apresentados em sala e posteriormente postados no Moodle em conjunto com a reflexão empreendida pelo grupo. Para a avaliação da aprendizagem dos alunos propôs-se um trabalho final em que os estudantes escolhiam um tema sugerido pela professora, como: lixo, matriz energética, trabalho escravo, tabaco, publicidade infantil, obesidade infantil, água engarrafada, agrotóxicos e cadeia produtiva. Depois elegiam uma organização como estudo de caso, o que permitiu compreender a realidade, por meio da reflexão do conceito de sustentabilidade. Os alunos apresentaram os resultados de suas pesquisas, com reflexões profundas e críticas sobre os temas e as organizações estudadas, demonstrando terem adquirido embasamento teórico, o que sinalizou que a proposta foi bem-sucedida.

Experiência de uma proposta interdisciplinar por Demajorovic e Silva Demajorovic e Silva (2012) discutem o ensino de sustentabilidade a partir de uma experiência interdisciplinar em uma instituição de ensino superior brasileira, o Senac (SP), no curso de gestão de negócios com linha de formação específica em sustentabilidade. Os autores analisaram o resultado da experiência considerando os participantes de duas turmas de formandos dos anos de 2009 e 2010. Para eles, uma proposta de ensino interdisciplinar assume um caráter dialógico durante todo o projeto educacional, desde a fase de implementação até a sua consolidação. A proposta do curso teve como eixo norteador os seguintes pontos: O eixo norteador do curso teve, como perspectiva, a valorização do espaço público e a visão integral da ação das organizações. O curso propôs-se a desenvolver habilidades que incorporassem a avaliação não apenas financeira, mas também socioambiental de suas decisões de longo prazo. Para isso, a proposta pedagógica abordou temas como a diversidade cultural, social e política. Outro ponto que merece destaque na proposta do curso foi o desenvolvimento de abordagens teóricas e práticas que demonstrassem que os processos de tomada de decisão passam pela articulação entre empresas privadas, públicas, organizações de fomento e organizações multilaterais e não governamentais. Os alunos foram estimulados a compreender que uma formação para a sustentabilidade implica, além de suas competências técnicas e analíticas, um entendimento das variáveis sociais e ambientais. Também durante todo o curso foi reforçada a ideia de que o administrador comprometido com as questões da sustentabilidade é um profissional do diálogo, integrando diferentes contextos organizacionais e diferentes campos da atuação profissional (DEMAJOROVIC e SILVA, 2012, p. 49).


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EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO

O corpo docente do curso foi formado por profissionais de distintas áreas do conhecimento, com o propósito de proporcionar um olhar multidisciplinar (arquitetura, engenharia, sociologia, biologia, direito, etc.). Houve também um esforço institucional de contratar docentes que já atuavam na área socioambiental – nos setores público, privado e não governamental –, dando cobertura aos distintos setores em que os profissionais formados por esse curso podem atuar. Levando em consideração a concepção de Fazenda (2009), de que um projeto interdisciplinar não exige abolição de disciplinas específicas, o curso manteve uma estrutura disciplinar, com a ressalva de que todas as disciplinas deveriam, obrigatoriamente, dialogar com os desafios da sustentabilidade. O curso ainda adotou uma variedade de conteúdos multidisciplinares das ciências, assim como das ciências sociais, políticas e econômicas, para ajudar na compreensão dos problemas do meio ambiente. Os autores destacam também a criação de uma disciplina estruturante batizada de “Projeto Integrador”, que aborda sustentabilidade transversalmente ao longo dos quatro anos do curso. O trabalho interdisciplinar que os alunos têm de desenvolver com essa disciplina tem por objetivo estimular a realização de trabalhos em equipe que simulem situações próximas às da realidade cotidiana do profissional do meio ambiente. De acordo com os autores, a disciplina Projeto Integrador foi desenhada em três grandes blocos: t

Primeiro: 1º e 2º Semestres – as atividades da disciplina são direcionadas para sensibilizar o aluno a realizar as interfaces entre as questões organizacionais e a crise socioambiental.

t

Segundo: 3º, 4º e 5º Semestres – os alunos estudam técnicas e ferramentas da administração e da gestão ambiental.

t

Terceiro: 6º e 7º Semestres – os alunos aprofundam o estudo da gestão organizacional, incluindo o debate com relação à ação empreendedora.

Dadas essas particularidades do curso, Demajorovic e Silva (2012) explicam que, no decorrer do processo de formação, foram adotadas múltiplas estratégias de ensino, como as visitas técnicas a comunidades e empresas, possibilitando a aprendizagem com foco na resolução de problemas socioambientais mediante elaboração e desenvolvimento de um projeto de intervenção em conjunto com as comunidades. Posteriormente, concluído esse projeto, os alunos apresentam os trabalhos por meio de seminários e relatórios. É interessante destacar que os alunos apresentam soluções em diversas temáticas, como, por exemplo, turismo social. Além disso, os autores explicam que, no sétimo semestre, os alunos recebem a missão de construir um projeto de


Cap 10 – Experiências docentes em educação para a sustentabilidade em escolas... 223

empreendedorismo social, em que “são colocados diante do desafio de construir uma proposta de negócio sustentável” (DEMAJOROVIC e SILVA, 2012, p. 52). Por fim, ressaltam que a disciplina Projeto Integrador não faz parte da grade curricular do 8º Semestre, pois se compreende que nessa fase os alunos se dedicarão aos trabalhos inerentes ao curso de gestão. Encerrada a formação das turmas participantes dessa experiência, os autores realizaram uma pesquisa com os formandos das turmas de 2009 e 2010, que demonstrou a capacidade da proposta interdisciplinar de desenvolver as habilidades para negociação e trabalho em equipe voltados à sustentabilidade. Os resultados apontaram ainda que a disciplina Projeto Integrador estimulou a capacidade de diálogo entre professores, alunos e sociedade relacionado à temática. Assim, a experiência relatada pelos autores detalha uma proposta de curso inovadora, que contribui para a discussão da evolução das práticas interdisciplinares da educação para a sustentabilidade em cursos de administração.

Considerações finais: o que aprendemos dessas experiências? Ao percorrer as experiências didáticas e pedagógicas relatadas, podese observar que estas tratam de dimensões importantes do processo educacional para a sustentabilidade: a) Dimensão instrumental, que se preocupa com as ferramentas gerenciais e os saberes conceituais necessários para que os alunos operacionalizem pressupostos de sustentabilidade. Trata-se de capacitá-los a criarem estratégias e planos de negócios, avaliarem uma cadeia de produção, etc. b) Dimensão dos valores, que coloca em questão o que se valoriza numa organização sustentável: como avaliamos as atitudes das empresas, como nos importamos com os outros e com o ambiente, como estabelecemos relações de poder e negociamos com stakeholders e, sobretudo, como rompemos com a inércia, com os valores consagrados no modelo insustentável, e criamos novos costumes, novas formas de fazer as coisas e pensar o trabalho. c) Dimensão institucional, que trata da capacidade das instituições de ensino de promover sustentabilidade em propostas tanto disciplinares quanto interdisciplinares. A atuação do educador no âmbito dessas três dimensões tem como fio condutor capacitar os alunos a assumirem sua responsabilidade no exercício


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EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO

das atividades profissionais em comprometimento com um ideário coletivo. É no exercício da capacidade de fazer pensar crítica e reflexivamente sobre o coletivo que se revela a eficácia do educador que trata de sustentabilidade. Em cada relato pode-se identificar referências a aspectos teóricos considerados importantes nas discussões propostas por Mezirow (1981, 1991, 1994, 1998), no fomento à reflexão crítica e à aprendizagem transformadora. Isso porque os trabalhos remetem a experiências didáticas que não se limitam a uma aprendizagem técnica. Ao contrário, alcançam níveis de ressignificação da atuação do administrador, o que potencializa a emancipação. Solicita-se aos alunos reverem sua história pessoal, seu envolvimento com questões de sustentabilidade, bem como são provocados a pensar no exercício de seu papel social e na expectativa social que se apresenta a um administrador contemporâneo. A aprendizagem transformadora pode ser observada também na tentativa de partir do conhecimento prévio dos estudantes sobre o papel das organizações, levando-os a um novo patamar de compreensão e de consciência. Foram convidados a pensar sobre a condição sócio-histórica que culminou nos níveis atuais de insustentabilidade e a se comprometerem com uma trajetória de mudança. Tratou-se de fazê-los por em xeque processos e linhas de pensamento previamente construídas a partir de um “dilema desorientador”, a saber: como conduzir negócios e trabalhar no contexto da sustentabilidade. O que pressupõe empoderamento, emancipação, desenvolvimento do pensamento autônomo, tal como propõe Mezirow. Os exercícios e atividades a que foram expostos, de certa forma, os conduziu pelas linhas mestras traçadas abaixo pelo autor: Quadro 2 Síntese dos pressupostos de Reflexão Crítica e Aprendizagem Transformadora. Reflexão crítica Parte de um dilema desorientador Pressupõe autorreflexão, avaliação crítica de crenças Reexamina estruturas, pressupostos e valores Engaja em novos papéis, relações e até mesmo em planos de ação Aquisição de novas habilidades Construção de novas competências

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Aprendizagem transformadora Potencializa ação individual e coletiva contra um sistema opressor Fomenta mudança na cultura, na política por meio de uma ação transformadora Desenvolve competências comunicativas para negociar significados e objetivos


Cap 10 – Experiências docentes em educação para a sustentabilidade em escolas... 225

Procurando sintetizar o que mostram as experiências relatadas, organizou-se a figura abaixo, que indica uma preocupação em fazer com que o aluno de administração seja exposto à reflexão e à ação em prol da sustentabilidade.

E. P. S. em Administração Dimensão de valores Dimensão instrumental Dimensão institucional

Nível de compreensão a ser atingido Examinar os fatores que levam ou levaram à insustentabilidade Dar condições para que os alunos enfrentem os desafios e desenhem planos de ação Desenvolver capacidade de diagnóstico, avaliação, reflexão e ação

Experiências didáticas Desenvolvimento de projetos e relatórios; pesquisa teórica e prática; análise de vídeos e websites; visitas técnicas. Constituição de plano de gestão socioambiental Simular uma cadeia de produção e seus impactos Formação de grupos para aprendizagem da interação e negociação com stakholders Casos de ensino; world café

Figura 2

Elementos essenciais do processo de educação para sustentabilidade.

Tem-se, assim, que, ao longo dos anos, a literatura voltada à educação para a sustentabilidade (E. P. S.), na área de administração, tem se difundido, buscando responder ao desafio de trazer práticas pedagógicas que deem conta de romper com a lógica tradicional na gestão empresarial à luz da sustentabilidade. Os exemplos apresentados indicam caminhos viáveis que,


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EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO

espera-se, inspirem educadores e pensadores do ensino da sustentabilidade em administração. Ao finalizar este capítulo é também relevante pontuar que a apresentação de apenas duas experiências nacionais não significa que as escolas de negócio do Brasil não estejam preocupadas com o tema. Acredita-se que outras inciativas, inclusive como as que compõem a Parte II deste livro, estejam ocorrendo e estão à espera para serem relatadas, analisadas e discutidas, enriquecendo assim a reflexão crítica que leva a uma aprendizagem de natureza transformadora que envolva tanto docentes quanto os discentes dos cursos de administração.

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Capítulo 11

Sustentabilidade & formação de administradores: diálogos cruzados e a contribuição do ensinoaprendizagem de Sociologia Pedro Jaime

Resumo Este capítulo apresenta uma experiência de ensino-aprendizagem de Sociologia na formação em Administração, enfocando questões relacionadas à sustentabilidade, sobretudo em sua dimensão sociocultural. Trata-se de um texto polifônico, cuja estratégia narrativa privilegia dar ao leitor acesso às vozes de diferentes sujeitos implicados nessa experiência: o professor de Sociologia, seus alunos e uma especialista em educação para a sustentabilidade. O propósito maior do capítulo é provocar uma reflexão sobre as possibilidades e os limites da contribuição do ensino de Sociologia para a formação de futuros gestores comprometidos com a construção de uma sociedade mais justa e sustentável. Acho que pensar é uma coisa embaraçosa. (Carl Rogers, 2011, p. 317) A educação é uma forma de intervenção no mundo. (Paulo Freire, 2002, p. 110)

O processo de ensino-aprendizagem e a postura dialógica “Compreendo cada vez melhor que apenas estou interessado nas aprendizagens que tenham uma influência significativa sobre o comportamento”, afirmou certa vez Carl Rogers (2011, p. 318), acrescentando em seguida sua percepção de que “o único aprendizado que influencia significativamente o comportamento é o aprendizado autodescoberto, autoapropriado” (p. 316). Sou imensamente grato às professoras Arilda Godoy e Janette Brunstein, pelo convite para que me lançasse num processo autorreflexivo e pensasse minha prática didática, e especialmente à Janette, por ter aceitado me ajudar nesse processo, participando da feitura deste texto. Devo agradecer também a Eduardo, Deavelan e Luciana, pelo ânimo com que responderam ao meu chamado para que colaborassem com esta empreitada.


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Com essa reflexão sobre a própria experiência, ele sinaliza para o conceito de aprendizagem significativa, que elaborou a partir de sua prática como psicoterapeuta e cujas implicações para o campo da Educação procurou apontar. Aprendizagem significativa é entendida por ele como “aquela que provoca uma modificação, quer seja no comportamento do indivíduo, na orientação da ação futura que escolhe ou nas suas atitudes e na sua personalidade” (ROGERS, 2011, p. 322). “É uma aprendizagem penetrante, que não se limita a um aumento de conhecimentos, mas que penetra profundamente todas as parcelas da sua existência”, acrescenta (p. 322). Essa reflexão e essa conceituação de Carl Rogers parece-me se aproximar bastante da concepção de Paulo Freire sobre a prática educativa. Em Pedagogia da Autonomia, Freire (2002) afirma que “ensinar não é transferir conhecimentos, mas criar as possibilidades para sua produção ou sua construção” (p. 23). Explicitando em que sentido considera que ensinar não é transferir conhecimentos, ele destaca que formar não é uma ação pela qual um sujeito, o educador, dá forma a um corpo indeciso e acomodado, aquele do educando. Isso porque, “embora diferentes entre si, quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado”. Ou seja, como sintetiza Freire: “quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” (p. 25). Desta concepção da prática educativa resulta sua compreensão como uma atividade dialógica, o que, por sua vez, demanda do educador a habilidade de escutar o educando. “Escutar é obviamente algo que vai mais além da possibilidade auditiva de cada um”, adverte Freire (p. 135). O sentido que propõe para esse ato está relacionado com a “abertura à fala do outro, ao gesto do outro, às diferenças do outro”. “Isto não quer dizer, evidentemente, que escutar exija de quem realmente escuta sua redução ao outro que fala”, prossegue (p. 135), apontando assim para a complexidade envolvida neste processo. “Isto não seria escuta, mas autoanulação. A verdadeira escuta não diminui em mim, em nada, a capacidade de exercer o direito de discordar, de me opor, de me posicionar. Pelo contrário, é escutando bem que me preparo para melhor me colocar ou melhor me situar do ponto de vista das ideias”, explica (p. 135). E conclui afirmando que “como sujeito que se dá ao discurso do outro, sem preconceitos, o bom escutador fala e diz de sua posição com desenvoltura” (p. 135). O que se segue é uma tentativa de pensar a contribuição da Sociologia para a formação do administrador, sobretudo no que se refere a questões ligadas à sustentabilidade. Um pensar que se inspira nas contribuições de Carl Rogers e de Paulo Freire aos debates sobre ensino e aprendizagem. E porque se inspira na perspectiva desses autores, este pensar se abre ao diálogo. Diálogo, inicialmente, entre um sociólogo e antropólogo que exerce seu ofício de


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educador numa Escola de Administração e seus alunos, na tentativa de fazer com que sua prática de ensino gere neles uma aprendizagem significativa, transformadora. Em seguida, diálogo entre o mesmo sociólogo e antropólogo com uma profissional com formação em Ciência da Educação e que atualmente também trabalha com o ensino em Administração, dedicando-se ao tema da educação para a sustentabilidade. Esta profissional pode ajudar o professor a entender e avaliar melhor sua própria ação educativa e os aprendizados que dela resultam, tanto para os educandos quanto para si próprio. Trata-se, portanto, de um texto que assume a polifonia ou multivocalidade como estratégia discursiva. Nele você, leitor, encontrará diversas falas, múltiplas vozes. Espero que, estabelecendo novos diálogos com elas, você possa construir sua própria aprendizagem e/ou refletir sobre suas estratégias de ensino.

Cenas, atores e diálogos Comecemos esses diálogos com a descrição de algumas cenas que se passaram em salas de aula de Sociologia, nas quais diferentes grupos de alunos de Administração debatiam comigo temas relativos à sustentabilidade, seja em sua vertente ambiental, seja em sua vertente sociocultural, sem desprezar, evidentemente, sua dimensão econômica. Cena 1 1. Aula de Sociologia Geral, primeiro semestre do curso de Administração. Estávamos assistindo ao filme A corporação. O documentário aborda os efeitos, para a sociedade e para o meio ambiente, de práticas social e/ou ambientalmente desastrosas de diversas empresas transnacionais. Os exemplos vão desde controvérsias históricas como a conivência da IBM com o regime nazista na Alemanha e o uso pelo Exército Estado-Unidense de produtos químicos da Monsanto durante a Guerra do Vietnã a casos contemporâneos que problematizam o caráter ético do uso da indústria do marketing e da publicidade para influenciar o consumo das crianças, passando pela exploração de mão de obra infantil por grandes companhias varejistas como a Wall-Mart, que terceirizam sua produção recorrendo a fábricas situados em países subdesenvolvidos, ou ainda o descaso de algumas indústrias diante das externalidades ambientais causadas por seus processos produtivos. Na semana seguinte à exibição do filme, um aluno me procura ao final da aula para um desabafo. Diz se sentir chocado com as atrocidades apresentadas no documentário e confessa que cogitou a possibilidade de abandonar o curso de Administração. “As corporações deveriam desaparecer! Não quero contribuir com a destruição provocada por elas”, afirma. Cena 2 2. Aula de Sociologia das Organizações, segundo semestre do curso de Administração. Estávamos debatendo questões referentes às relações de gênero. Apresentei os resultados da pesquisa “Perfil Social, Racial e de Gê-


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nero das 500 Maiores Empresas do Brasil e suas Ações Afirmativas”, empreendida pelo Instituto Ethos (2010). A edição de 2010 apontava que apenas 13,7% dos cargos de direção dessas empresas eram ocupados por mulheres. A partir desse dado, iniciei uma discussão sobre as razões da baixa presença feminina nos postos de maior poder, prestígio e remuneração no mundo corporativo. Procurei ressaltar os fatores de caráter sociológico que explicam a maior dificuldade encontrada pelas mulheres para construírem carreiras executivas. Enfoquei, de um lado, os obstáculos que remetem à dinâmica interna da empresa e, neste caso, apontei para o sexismo de certos superiores e mesmo de alguns colegas, que podem se traduzir em assédio moral ou sexual. De outro lado, sinalizei os entraves encontrados na dinâmica familiar. Nesse momento lembrei que atingir posições gerenciais e de direção nas grandes empresas exige entrega ao trabalho, o que pode tornar mais difícil o equilíbrio entre essa dedicação e a realização das tarefas domésticas. Ressaltei que comumente isso gera angústias nas mulheres que desejam desenhar seus percursos profissionais como executivas, isso porque, de acordo com as concepções de gênero dominantes em nossa sociedade, ainda se espera que sejam as mulheres as principais responsáveis pela organização do cotidiano familiar (das compras do supermercado à educação dos filhos, passando pela manutenção dos laços com parentes e amigos). Questionei quem no casal normalmente lembra as datas dos aniversários e se encarrega de comprar os presentes. Os alunos concordaram que na maioria dos casos são as mulheres. Acrescentei que, ao desempenharem essas tarefas, elas são por vezes tachadas de consumistas pelos maridos. Concluí assinalando que a dupla jornada de trabalho dificulta o desenvolvimento profissional da mulher. Enquanto os homens se dedicam ao happy hour sem grandes crises de consciência, elas se culpam por não estarem dando a devida atenção à família. Em síntese, combinadas, a dinâmica interna da empresa e a dinâmica familiar dificultam a aceleração da presença das mulheres no alto escalão das companhias. Ao término da aula uma aluna me procurou um tanto desolada. Disse-me que ao ouvir aquela explicação se indagou: “Afinal, vale a pena se casar?”. Cena 3 3. Aula de Sociologia das Organizações. Segundo semestre do curso de Administração. Estávamos assistindo ao filme O closet. Nessa comédia, um contador, para escapar da demissão face a uma reengenharia posta em prática pela empresa em que trabalha, é aconselhado pelo vizinho, um psicólogo organizacional aposentado, a se passar por homossexual. Isso levaria a companhia a temer seu corte com receio de represálias do movimento LGBT. A dupla cria, então, uma farsa para que vazem, no ambiente de trabalho, fotos do profissional em clubes gays. Quando tem acesso às fotografias, o presidente da companhia fica transtornado e consulta o diretor de comunicação sobre a melhor decisão a tomar. Este recomenda-lhe manter o contador, para


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evitar manifestações prejudiciais à imagem da organização. Agradecido ao perceber que a estratégia dera certo, o contador pergunta ao vizinho por que ele resolvera ajudá-lo, e este lhe diz que no passado havia sido demitido de uma empresa e que agora se sentia vingado. Indagado, então, sobre o motivo da demissão, acrescenta: “Digamos que fui demitido pela mesma razão que você está sendo mantido. As coisas evoluem”. A intenção, ao trazer esse filme, foi discutir as relações entre as práticas de sustentabilidade das empresas, neste caso mais especificamente relacionadas à diversidade, e o contexto sociopolítico mais amplo. No entanto, a reação de um grupo de alunos levou minha atenção para outro foco. O filme ainda estava no início e a questão homossexual ainda não havia despontado como temática central. O contador voltara para casa deprimido ao ouvir, de maneira fortuita, o gerente de pessoal falar com alguém que ele seria desligado. Na varanda de seu apartamento, ensaiva o suicídio. Da sacada ao lado, o vizinho procura dissuadilo. Envergonhado, o protagonista escapa da conversa e volta correndo para sala. O vizinho bate então à sua porta e, após tentativas insistentes, consegue convencê-lo a ir até sua casa para beberem algo e conversarem sobre o motivo de tamanho desespero. Bastou esse convite para que um grupo de alunos, em tom de deboche, acusasse os vizinhos de “boiolas”. O que esses alunos disseram? E qual minha resposta às suas interpelações? Comecemos pela primeira pergunta. São muitas as coisas que falaram. Mas há uma que gostaria de destacar aqui. Trata-se da constatação de que, como apontou Carl Rogres na frase em epígrafe, “pensar é uma coisa embaraçosa”. Eu os havia provocado a pensar e isso causava-lhes certa perplexidade, algum incômodo. Eu precisaria então contribuir para que se desencadeasse o processo que Bauman e May (2000) denominaram de “pensar sociologicamente”. E de que maneira eu poderia facilitar o desencadeamento desse processo? Esse questionamento me leva à segunda interrogação, isto é, a minha resposta à reação dos alunos quando lhes convidei a pensar. Para Eric Fassin (2008), o sociólogo deve reivindicar uma postura interrogativa, assumindo uma função crítica e não normativa. Seguindo essa linha de raciocínio, creio que consigo ajudar melhor os alunos a pensar sociologicamente quando devolvo suas interpelações com novos questionamentos, ou seja, quando os interrogo. Foi isso que fiz nas três ocasiões descritas acima. Isto não foi algo evidente. Suas manifestações me causaram sentimentos distintos: da repulsa ao comportamento homofóbico à admiração por certa perspectiva crítica, passando pela surpresa diante da ingenuidade. Mas eu sabia que devia escutar respeitosamente suas palavras, por mais bizarras que me parecessem, sob pena de bloquear a espontaneidade da participação nas discussões, matéria-prima de um processo educativo transformador. E sabia também que o direito de discordar deles me era não apenas fa-


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cultado, como exigido na condição de educador. O que me cabia fazer era acolher suas colocações e lançar-lhes novas provocações. Ao primeiro aluno ponderei que, se as corporações transnacionais têm de fato um poder desmesurado no mundo atual, não me parece possível, nem mesmo desejável, vislumbrar seu desaparecimento. Afirmei-lhe que, embora respeitasse seu posicionamento e admirasse a perspectiva crítica a ele associada, não podia deixar de notar que havia na crítica, tal como ele a expressava, muito de ingenuidade. Convidei-o a pensar sobre o importante papel que essas corporações desempenham na concretização de negócios que exigem operações extremamente complexas. “Como as viagens transcontinentais seriam possíveis sem corporações responsáveis pela fabricação de aeronaves?”, indaguei. Mas minha crítica a seu posicionamento não visava produzir uma defesa das corporações. Meu intuito era fazê-lo pôr em dúvida seu próprio questionamento. Ressaltei, então, que há formas de contrabalançar o poder das grandes empresas multinacionais. Disse-lhe que um dos grandes debates sociológicos contemporâneos diz respeito às condições de realização de uma governança global mais democrática, em que este poder seja ponderado por uma ação mais forte dos Estados nacionais, agrupados em blocos regionais, bem como pela ação de ONGs internacionais articuladas em redes transnacionais de advocacy e das organizações internacionais do sistema ONU, tais como a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Organização Mundial do Comércio (OMC) e a Organização das Nações Unidas para a Infânca (UNICEF). Acrescentei que a interlocução entre esses atores já se iniciou, o que se evidencia, por exemplo, quando a ONU convida CEOs de corporações transnacionais para o estabelecimento de um Pacto Global (INSTITUTO ETHOS, 2002). Lancei-lhe, então, a seguinte indagação: “Você considera que abrir mão do curso de Administração é realmente o melhor a fazer? A partir deste curso e dentro das empresas, você não poderia dar uma contribuição à construção de uma sociedade mais sustentável?”. À segunda aluna pontuei que a sociedade não apenas se reproduz. Ela também se transforma. Ressaltei que, de fato, as relações de gênero têm sido vividas de maneira assimétrica em muitos contextos sociais, colocando as mulheres numa condição de subalterneidade. Todavia, há sinais visíveis de mudança. Levando em consideração, também neste caso, o enquadramento global da dinâmica empresarial, destaquei que há uma crescente demanda pela equidade de gênero no âmbito das organizações do sistema das Nações Unidas, o que pressiona os Estados-membros da ONU, dentre eles o Brasil, a criarem políticas públicas que possibilitem a redução das desigualdades de gênero e resultem numa paridade entre homens e mulheres no mercado de trabalho. Consequentemente, as empresas precisam responder à nova


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agenda social e política, e por vezes o fazem por meio da criação de programas de diversidade da força de trabalho. Como resultado, o cenário à construção de trajetórias profissionais pelas mulheres é hoje bem mais favorável do que foi há alguns anos. Disse-lhe que essa transformação se referia a uma das dificuldades que se colocam às mulheres que pretendem desenhar seus percursos de trabalho como executivas: aquela referente à dinâmica interna das empresas. Mas havia outra, relativa à dinâmica familiar. Quanto a isso, interroguei-a: “Em vez de abdicar do casamento, não seria possível encontrar um parceiro aberto a negociar os papéis de gênero, a se corresponsabilizar pelas tarefas domésticas e a construir uma relação baseada na cumplicidade e no apoio mútuo?”. A terceira situação me colocou diante de um desafio mais intrigante. Eu repugnava a postura apresentada pelo grupo de alunos. Mas sabia que o grande desafio que se coloca ao educador é não desistir do educando, nunca deixar de acreditar na possibilidade de transformação deste. Então, procurei fazer-lhes um espelho por meio do qual pudessem enxergar suas atitudes e comportamentos. Aguardei a conclusão do filme e ao final da aula, antes que voltassem para casa, recuperei o que havia se passado. Destaquei que tinham feito o gracejo antes mesmo que a questão homossexual estivesse posta na trama e então provoquei: “E se algum dos colegas desta turma for homossexual, como será que se sentirá sendo obrigado a conviver durante quatro anos num grupo como este, atravessado por ‘brincadeiras’ homofóbicas?”. E logo complementei com outro questionamento: “E se o professor for homossexual, como irá encarar o fato de ter de trabalhar com alunos como esses?” Note que optei por não declinar o verbo no imperfeito do subjuntivo (“se o professor fosse”), por acreditar que, sendo a dúvida sempre geradora de aprendizagem, nesta situação o incômodo que ela poderia causar, dada a posição de autoridade do professor, poderia resultar em um potencial de aprendizado ainda maior. Com a sala ainda em silêncio, deixei-os com a seguinte indagação: “Se ao lançar essas perguntas trago uma sensação de desconforto para vocês, imaginem como se sente um profissional homossexual que tem de encarar constantemente situações em que a homofobia se faz presente nas empresas. Homofobia que ainda é um traço marcante da cultura dos países da América Latina”. Acredito que assim procedendo criei situações que contribuíram para que aqueles alunos, sejam os diretamente envolvidos nos diálogos, sejam os colegas, pudessem construir aprendizagens significativas. Mas se contribuí com a aprendizagem deles, também aprendi com eles. E uma das principais coisas que me ensinaram foi que, ao ensinar Sociologia para administradores, em vez de me deter na transmissão de conteúdos, mais valeria oportunizar o exercício da imaginação sociológica. Mas o que é imaginação sociológica?


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O ensino de socioiologia: cultivando a imaginação sociológica Em um livro originalmente publicado em 1959, Wright Mills (1980) formulou pela primeira vez a ideia de imaginação sociológica. Ele inicia o capítulo significativamente intitulado “A promessa” afirmando que a consciência dos homens comuns está limitada por seus mundos cotidianos, ou seja, pela órbita privada em que vivem: o emprego, a família, os vizinhos. Em outros ambientes movimentam-se com estranheza e se comportam como espectadores. E quanto maior a consciência, mesmo vaga, que tiverem das ameaças que ultrapassam seus cenários imediatos, mais se sentem encurralados. Essa sensação se explica por sua incapacidade de entender as transformações na estrutura das sociedades. Mills (1980, p. 10-11) é bastante claro ao afirmar que, embora a vida do indivíduo e a história da sociedade não possam ser compreendidas sem que as conexões entre elas sejam identificadas, normalmente os homens não definem “suas ansiedades” em termos de “transformação histórica e contradição institucional”, não atribuem “o bem-estar que desfrutam” aos “altos e baixos das sociedades em que vivem”, ou seja, raramente têm consciência da “complexa ligação entre suas vidas e o curso da história mundial”. Portanto, habitualmente não sabem “o que essa ligação significa para os tipos de ser em que se estão transformando e para o tipo de evolução histórica de que podem participar”. Em síntese, falta-lhes instrumentos que os habilitem a compreender “o jogo que se processa entre os homens e a sociedade, a biografia e a história, o eu e o mundo”. Fornecer esses instrumentos é justamente a promessa do ensino da Sociologia. Uma promessa que se cumpre na medida em que essa disciplina ajuda o indivíduo a desenvolver a imaginação sociológica. Esta “capacita seu possuidor a compreender o cenário histórico mais amplo, em termos de seu significado para a vida íntima e para a carreira exterior de numerosos indivíduos”. Vista a partir de hoje, a formulação de Wright Mills pode soar estranha, afinal o homem comum, seja lá o que isso signifique, é não apenas capaz, como talvez, haja vista as incertezas que marcam a vida contemporânea, obrigado a empreender uma leitura mais complexa do mundo, estabelecendo conexões entre a dinâmica social e suas escolhas pessoais. Em defesa da formulação inicial de Mills, podemos sugerir que, se de fato isso é verdade, a razão que explica essa habilidade é que, tal como diversos outros campos das Humanidades, como a Antropologia, a Psicologia e a Psicanálise, a Sociologia faz parte do que podemos chamar de cultura do mundo contemporâneo. Esses saberes circulam em entrevistas na mídia televisiva, em revistas de divulgação, em blogs e na formação universitária em nível de gradu-


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ação das mais diversas profissões: da Engenharia ao Direito, da Medicina à Administração. E isto me parece algo positivo, tanto para a Sociologia quanto para os profissionais desses outros campos. Seja como for, a perspectiva sugerida por Mills se tornou clássica. Diversos livros utilizados na atualidade nos cursos de introdução à Sociologia fazem menção à imaginação sociológica. Farei aqui referência a dois deles, cuja leitura recomendo fortemente aos alunos. Logo no primeiro capítulo de Sociology, Anthony Giddens, citando Wright Mills, afirma que estudar Sociologia não é apenas um processo rotineiro de adquirir conhecimentos. Tratase de se libertar do imediatismo das circunstâncias pessoais para colocar as coisas em um contexto maior, enxergando-as dentro de um quadro mais amplo. “A imaginação sociológica”, aponta Giddens (2009: 6), “nos obriga, acima de tudo, a pensar sobre nós mesmos longe das rotinas familiares de nossas vidas diárias a fim de olhar para elas de forma nova”. Inspirando-se igualmente em Mills, em Thinking sociologically, Zygmunt Bauman e Tim May (2002) afirmam que a Sociologia procura observar as ações humanas como elementos de configurações mais vastas, ou seja, como uma montagem não aleatória de atores reunidos em redes de dependência mútua. Sendo assim, pensar sociologicamente é uma forma de compreender o mundo dos homens que também abre a possibilidade de pensá-lo de diferentes maneiras. Isto porque, à medida que aprende a pensar sociologicamente, o indivíduo passa a ver conexões entre suas ações e as condições sociais, assim como a possibilidade de transformação daquelas coisas que, por sua fixidez, se dizem imutáveis, mas estão abertas à transformação (p. 26). Essa é justamente a minha aposta no ensino de Sociologia para alunos de Administração: ajudá-los a desenvolver a imaginação sociológica, convidálos a pensar sociologicamente. Estou convencido de que esse estilo de pensamento pode contribuir não apenas para que consigam compreender suas histórias de vida e desenhar suas trajetórias profissionais, situando-as em contextos sociais mais amplos, mas também para que possam vir a ser gestores ou empresários capazes de atos mais consistentes, porque mais reflexivos. E, quanto a isso, creio que as temáticas relacionadas com a sustentabilidade devem assumir um lugar central na estruturação do ensino da Sociologia. Evidentemente, nem sempre enxerguei as coisas dessa forma. Trata-se de algo que aprendi ao longo da minha caminhada pedagógica, portanto, no diálogo com os alunos. E não apenas aprendi que essa maneira de ensinar a Sociologia pode ser mais estimulante e desafiadora. Aprendi igualmente que ela é imprescindível a uma formação pessoal e profissional mais humana. Por isso, ainda que ensinar a pensar (e a pensar sociologicamente), por representar algo embaraçoso, possa causar resistência, não abro mão desse


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desafio, uma vez que, tal como Carl Rogers, estou cada vez mais interessado nas aprendizagens que tenham influência significativa sobre o comportamento; e, tal como Paulo Freire, estou consciente de que a educação é uma forma de intervenção no mundo, ou, em todo caso, uma das minhas formas de intervenção no mundo. Mas, se entendo cada vez melhor minhas escolhas didáticas, se estou cada vez mais seguro do que considero a forma adequada de ensinar a Sociologia a alunos de Administração, não detenho o monopólio da reflexão de como aprendem essa disciplia. Quanto a isso, talvez o melhor a fazer seja afinar a capacidade de escuta para ouvir o que eles têm a dizer a esse respeito.

A aprendizagem da sociologia: narrativas de alunos Convidei três ex-alunos meus do curso de Administração da Universidade Presbiteriana Mackenzie para escreverem um relato de como o ensino da Sociologia chegou até eles, ou melhor, sobre o que consideram significativo no aprendizado da disciplina. O único critério que presidiu a escolha foi o interesse que apresentaram pela Sociologia e, especialmente, a abertura que demonstraram para pensar sociologicamente. Sei que este é um critério arbitrário e que ouvir alunos resistentes a tal estilo de pensamento também é necessário. Nutro a esperança de que, para muitos desses alunos resistentes, mais adiante em suas trajetórias sociais e em seus percursos profissionais “a ficha cairá”, como se diz na linguagem popular. Esta esperança revela um otimismo? Certamente. Um otimismo exagerado? Não sei. As coisas podem se passar de outra maneira? Claro que sim. Seja como for, sei que nós, educadores, não podemos controlar o modo como o que ensinamos será recebido por nossos educandos, dadas as distintas mediações que fazem dos debates realizados em sala a partir de suas experiências sociais. Uma parte dessas mediações se expressam durante o desenrolar dos cursos. Mas creio que outra parte, muito importante, demanda um tempo de decantação, ou seja, aguarda para, após ser ruminada e confrontada com as vivências, emergir como aprendizagem. Foi um pouco essa a encomenda que fiz a esses alunos. Solicitei que olhassem para trás, consultassem seus apontamentos nos cadernos, relessem passagens das referências bibliográficas, vasculhassem suas memórias e, então, contassem o que consideram que aprenderam de significativo no ensino de Sociologia.

Aprendendo a partir de causos sociológicos Por Eduardo Sousa Barbosa (3° semestre do curso de Administração)

Se hoje, já formado em Administração, eu estivesse sentado em minha mesa de trabalho numa empresa, o que me lembraria das aulas de Sociologia?


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Sempre fui o tipo de aluno que aprende mais os assuntos que são trabalhados por meio de histórias reais. E com o ensino da Sociologia não foi diferente. O que mais me marcou foram acontecimentos que o professor nos contava e sobre os quais nos convidada a pensar. Eu gostava de ficar observando a reação dos colegas. Lembro que certa vez estávamos numa aula sobre sexualidade e gênero. Em meio à explicação dos conceitos, o professor disse ter assistido, numa ocasião, a uma palestra sobre diversidade sexual no trabalho ministrada, num banco transnacional que atua no Brasil. por Beto de Jesus, ativista da causa LGBT e um dos organizadores da Parada Gay na cidade de São Paulo. Ao final da sua exposição, os organizadores abriram o evento para reações da plateia, composta por funcionários da companhia. Um dos presentes lançou então o seguinte questionamento: “Tudo parece muito bonito, mas tenho certeza de que, ao sairmos deste auditório e circularmos pela empresa, ainda vamos ouvir comentários homofóbicos. Eu mesmo ouvi uma piada preconceituosa hoje no elevador”. Ao retomar a palavra, o palestrante assinalou que comportamentos desse tipo estão enraizados na sociedade e que, portanto, a mudança de mentalidade leva tempo. Todavia, destacou que o que considerava mais importante era que um banco estivesse disposto a debater esse assunto abertamente e não transformá-lo em tabu. Uma vez que as organizações são formadas por pessoas e não apenas por máquinas, considero que é este o tipo de lembrança que me auxilia profissionalmente, fazendo com que eu possa alargar a compreensão da realidade ao meu redor. As reações dos colegas eram as mais diversas. Alguns se interessavam por temáticas como essa e se envolviam nas discussões. Ao longo do semestre pude aprender com o respeito que demonstravam pela polêmica que cercava os debates e pela clareza como apresentavam seus posicionamentos, características que considero indispensáveis a qualquer profissional. Mas havia outros que riam, faziam chacota... Eles atribuiam àquela discussão pouca importância. Ouvi de um deles o comentário de que o professor era muito tranquilo e que as aulas se resumiam a assistir a filmes, uma diversão. Passado certo tempo, hoje tenho claro que estes últimos, por atribuírem às disciplinas de Humanas um caráter supostamente abstrato e nada prático, por estarem sempre buscando, a meu ver excessivamente, enfatizar conteúdos técnicos e imediatistas, perderam uma valiosa oportunidade de aprendizagem. Afirmo isso porque penso que o papel da Universidade não é exatamente nos transmitir conhecimentos, mas nos ensinar que, mesmo depois de formados, é preciso aprender a adquiri-los. Nesta tarefa, a Sociologia certamente pode contribuir bastante, e ao não perceberem isso aqueles colegas permitiram que emergisse uma lacuna que põe em risco suas atividades como futuros administradores.


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A dramaturgia e a imaginação sociológica Por Deavelan Vieira Santos (2° semestre do curso de Administração)

Durante a minha vida tenho sido um dramaturgo no campo da imaginação. Percebo que em alguns aspectos isso não é algo tão favorável. A imaginação pode levar a esperar muito de alguma dimensão da vida, mas logo se descobre que as desilisões fazem parte do viver. Seja como for, vejo que imaginando como um dramaturgo pude construir, mesmo sem perceber, os alicerces necessários para o ambiente universitário. Nesse ambiente, você se depara com pessoas de diversas idades, religiões, regiões... E, se os alunos podem ser, e normalmente são, diferentes em vários aspectos, o corpo docente não fica muito atrás. Dentre os distintos tipos, há os sérios, os simpáticos, os tranquilos... Aqueles que reproduzem os métodos pedagógicos tradicionais e os que preferem arriscar novas maneiras de ensinar... Para mim, as primeiras aulas nesse novo universo foram bem marcantes, principalmente quando começaram a aparecer os professores que sobressaíam. Cada um, com seu estilo, conquistava um espaço no novo roteiro que se iniciava na minha vida. Lembro-me, particularmente, das primeiras aulas de Sociologia. Nelas, o professor (totalmente diferente da figura que já tinha predefinido no meu filme mental) me impressionava. Sua busca por mudar o modelo de ensino enraizado, “da produção em massa de bens homogêneos”, foi algo que me chamou a atenção. “Colocar a sala em círculo? Ouvir nossas opiniões? Pra quê?”. Estas eram interrogações que rondavam a minha mente imatura. Mas isso não era o bastante. Cada aluno tinha ainda que se apresentar e falar algo sobre seu projeto de vida para os próximos anos. Ele não nos perguntava sobre objetivos utópicos, mas sobre desejos que os jovens precisam alimentar para não terem suas vidas traçadas pelas expectativas da sociedade. “Quem tem um sonho não dança!”, nos dizia citando Cazuza. E assim fui percebendo que podemos, a cada momento, incluir uma cena no nosso filme vital. Ouvir as experiências contadas pelos colegas e o que cada um pretendia para seu futuro me abria novos horizontes na imaginação. Até então, não enxergava o quanto aquela dinâmica era importante. Mas agora percebo que é fundamental para todos os profissionais, inclusive para os administradores, ter uma sensibilidade de escuta e assim crescer a partir das experiências dos outros. Hoje, continuo com meus inúmeros filmes mentais, mas ganhei com a Sociologia algo que considero extraordinário: o entendimento de que não vivemos numa bolha e que estamos cercados o tempo todo por indivíduos que podem fazer, e farão, a diferença no nosso dia a dia. Mas para isso é preciso deixarmos que eles sejam protagonistas desse filme sociológico que escrevemos, dirigimos e atuamos.


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A perspectiva sociológica sobre a sustentabilidade Por Luciana P. Melo (5° semestre do curso de Administração/Comércio Internacional)

Aqui estou em meu local de trabalho, uma grande empresa brasileira com participação no mercado mundial. Frequentemente ouço pessoas falarem de sustentabilidade, responsabilidade social e ética. Mas a que de fato elas estão se referindo? Sustentabilidade, responsabilidade e ética em relação a que, de quem e para com o que e quem? Foi então que me lembrei das aulas de Sociologia. Nelas discutíamos o papel desempenhado pelos mais diferentes atores que compõem a sociedade. Gostava muito da forma como o professor nos apresentava a perspectiva sociológica. Ele permitia que debatêssemos assuntos trazidos por nós mesmos e sobre os quais julgávamos haver uma dimensão sociológica. Recordo-me especialmente de uma aula em que abordávamos o crescimento da periferia no Brasil, especialmente nas grandes metrópoles. Falávamos não apenas dos aspectos populacionais, mas também da falta de infraestrutura, do desemprego, da pobreza, da miséria, da criminalidade. Isto em comparação com os espaços economicamente mais desenvolvidos dos centros urbanos. O tema havia sido trazido por uma colega. O que me chamava a atenção nessas aulas era a preocupação do professor em nos ensinar a pensar sociologicamente. Ele nos convidava a alargar a nossa visão, nos alertava para os riscos de um olhar limitado aos conceitos que construímos a partir de nossos aprendizados cotidianos, da zona de conforto formada por aquilo que nos é familiar. Enfim, destacava que a Sociologia podia, inclusive, nos ajudar a ter uma compreensão mais ampla da nossa própria existência. Embora alguns de nós ainda não conseguíssemos ver o mundo a partir de outros pontos de vista, por estarmos fechados naquilo que conhecíamos e resistirmos às provocações, em cada aula tíinhamos a chance de exercitar a imaginação sociológica, observando com outros olhos até mesmo o nosso cotidiano. Na discussão citada acima, dado que a periferia não faz parte da realidade imediata da maioria dos alunos, este processo foi especialmente interesante. Éramos desafiados a ampliar nosso campo de visão na busca de uma solução sustentável para todos os implicados nesse contexto; e a fazer isso de forma socialmente responsável e ética. A partir do ensino de Sociologia pude perceber que para ser sustentável é necessário muito mais que ações politicamente corretas com o meio ambiente, que agir de forma socialmente responsável não é apenas fazer a nossa parte e que ética não pode ser confundida com lei. O que podemos ler nas narrativas desses alunos? Certamente muitas coisas. Tendo em vista os objetivos deste texto, gostaria de explorar uma trilha. Confirmo ao me debruçar sobre seus relatos que a escolha que venho


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fazendo no ensino de Sociologia para administradores é acertada. Em vez privilegiar conteúdos, os convido a desenvolverem uma forma de pensar. A julgar pelo que contam, meu convite para que pensem sociologicamente, exercitando a imaginação sociológica, tem sido aceito. Mas essa é uma visão excessivamente otimista. Eduardo e Luciana falam de alunos reticentes, que não aderiam ao convite. Como responder a essa recusa? Talvez a resposta seja a que assinalei anteriormente: aguardar que alguns anos se passem e esperar (torcer?) que com o recuo do tempo e maior maturidade eles possam entender a importância da Sociologia, e sobretudo de pensar sociologicamente, para a formação humana e profissional dos administradores. Mas esta seria uma postura passiva e como tal não me parece adequada. O que fazer então? Que outra resposta encontrar? A pista me vem de Paulo Freire, quando este diz que quem ensina aprende ao ensinar. E se aprendemos ao ensinar, nossos professores não são apenas os ditos “bons alunos” nos quais nos reconhecemos (narcisismo?). É preciso que estejamos abertos a receber também as lições dos chamados “maus alunos”. Eles certamente têm coisas a nos dizer. Mas entender o que falam não é tarefa fácil, se não contarmos com a ajuda de tradutores. E quem são esses tradutores? Em se tratando da experiência aqui descrita, os tradutores mais adequados talvez sejam profissionais do campo da Educação que têm trabalhado com o aprendizado de competências para a sustentabilidade na formação do administrador. Este é o caso de Janette Brunstein. Ela tem algo a me dizer a esse respeito. E, por vezes, faz isso num encontro de corredor ou numa pausa para o café, quando falamos de nossas alegrias e angústias docentes. Mas nunca tive a chance de receber sua apreciação mais sistemática de minha prática pedagógica. Fiz desta ocasião uma oportunidade e convidei-a para este diálogo cruzado. Ao ler este relato fragmentado e incompleto, que novas avenidas pode me sugerir para que eu também realize aprendizagens significativas e, assim, aperfeiçoe minha forma de exercer o ofício de educador, trabalhando temas relacionados à sustentabilidade em aulas de Sociologia para futuros administradores? Deixo com ela a palavra e coloco-me mais uma vez numa postura de escuta.

Sociologia, sustentabilidade e formação de administradores: apreciação da professora Janette Brunstein Ao relatar suas experências docentes, o professor Pedro Jaime traz à tona as angústias de um educador que busca romper a racionalidade instrumental, tão arraigada no ensino de Administração, optando por valorizar o debate sobre a relação entre humanos no ambiente de trabalho. Não há em sua narrativa uma preocupação com os aspectos mais formais e de conteúdo do


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ensino de Sociologia e suas conexões com pressupostos de sustentabilidade socioambiental. Embora relevantes, estes não sobrepujam o que de fato interessa em um processo formativo que perpassa temas como direitos humanos nas organizações, diversidade, justiça no trabalho, equidade, responsabilidade social e ambiental: o estabelecimento de vínculos dialógicos na sala de aula e a implicação dos alunos na discussão. Em relação ao estabelecimento de vínculos diálogicos, é importante considerar, em primeiro lugar, que, sempre que se prioriza a relação entre humanos na sala de aula, quando o professor deixa claro para os alunos que é essa relação que está em jogo, isto é, que as pessoas estão sendo priorizadas, o processo de ensino-aprendizagem é favorecido. Mas nem sempre as coisas se passam desta forma no cotidiano das salas de aula, tantas vezes superlotadas. O aluno neste ambiente, frequentemente, se reduz a um número, e o docente sequer sabe o seu nome. Nesse contexto, como aprenderão a importância de reconhecer o outro e valorizar a diversidade, se ele mesmo não é reconhecido e valorizado em sua singularidade? A natureza da relação docente/discente na sala de aula é também, por vezes, de injustiça, de preconceito, de violação de direitos. Como o professor trata o aluno que fracassa? Quem pede uma revisão de nota? Sendo mais incisiva: os docentes realmente ouvem seus alunos? Abrem espaços para a escuta, o debate, no cotidiano das aulas? Não se pode negar que há questões de cunho estrutural, tal como a já citada superlotação das salas, somada à exigência do cumprimento do programa, que acabam se tornando empecilhos para o estabelecimento de uma relação mais dialógica e reflexiva. Mas, a despeito desses constrangimentos estruturais, há que se questionar como agimos e interagimos nesse ambiente de formação. Nesta linha de raciocínio, vale destacar o diálogo que se estabelece entre o professor Pedro e os alunos, especialmente quando o docente os provoca a respeito das suas reações homofóbicas a um suposto comportamento gay que sequer tinha ainda se desenrolado no filme a que assistiram: “E se algum dos colegas dessa turma for homossexual, como será que se sentirá sendo obrigado a conviver durante quatro anos num grupo como este, atravessado por ‘brincadeiras’ homofóbicas?”. E complementa: “E se o professor for homossexual, como irá encarar o fato de ter que trabalhar com alunos como esses?”. Tudo se passa para os alunos como se temas como preconceito, diversidade, equidade, justiça social fossem discussões importantes para serem formalizadas nas provas, ou para serem de fato pensadas quando estiverem já inseridos no ambiente de trabalho das empresas, isto é, quando o “jogo for para valer”. O ato do professor de nomear o comportamento dos alunos, de explicitar o que está acontecendo naquele ambiente, é o que tornou o aprendizado potencialmente significativo.


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O propósito de preparar os alunos para lidar com questões desta ordem no cotidiano de suas atividades profissionais perpassa, de um lado, valorizar a promoção da sustentabilidade, dos direitos, das diferenças, e, de outro lado, inibir a sua violação. Neste último caso, trata-se de debatermos a forma como agimos quando nos defrontamos com episódios de violação ambiental, social, cultural. A questão que se coloca aos docentes aqui é como organizar o conhecimento de modo a que os alunos tenham condições de agir, seja no plano discursivo, seja no campo das práticas propriamente ditas, em contextos em que é necessário tanto promover os valores de uma sociedade sustentável como frear as ações que inibem seus avanços. É esta equação que está em jogo, e é este o debate que está por trás dos episódios relatados pelo professor Pedro Jaime. Em relação à implicação dos alunos na discussão, há um ponto que gostaria de considerar das experiências do professor Jaime; trata-se da sua capacidade de fazer com que os alunos, ou parte deles, se envolvam no debate. Duas vivências são relatadas, dois extremos. De um lado, há o aluno que chega ao ponto de, ingenuamente, manifestar o desejo de largar o curso de Administração por não ver saída aos desmandos empresariais, bem como a estudante que quer desistir de casar, por conta da pressão desproporcional das relações de gênero sobre as mulheres. De outro lado, o contraponto, há os estudantes que sequer manifestam qualquer reação de consideração pelos temas tratados em aula. Cumprem o que lhes é exigido, sem que o debate lhes mobilize verdadeiramente, quer positiva ou negativamente. Simplesmente não é nesta natureza de discussão que estão interessados. Historicamente, os indivíduos que pertencem ao mundo dos negócios, do trabalho, não foram “alfabetizados” para se preocuparem com questões que vão além da busca pela maximização dos lucros. Se há hoje uma preocupação em curso a este respeito, ela ainda é um tema marginal, menor. Por vezes, os que por convicção abraçam ideários sociais, ambientais, são estigmatizados. Trata-se dos “ecochatos” ou daquelas pautas empresariais que cabem às mulheres da organização se ocupar, uma agenda considerada até mesmo piegas ou de “perfumaria”. O tema do lucro acima de tudo, da competividade desenfreada, toma conta das aulas sem que nisto se veja um grande problema. Ao contrário, tópicos como sustentabilidade, diversidade, direitos humanos e correlatos são considerados cansativos. “Lá vem o professor de novo”, reclamam os alunos. Há razões de natureza sócio-histórica que nos ajudam a compreender este comportamento. A forma como foram conduzidos temas dessa ordem no nosso sistema de ensino ao longo dos anos, seja na disciplina “Educação Moral e Cívica” no ensino médio, seja na cadeira de “Estudos de Problemas Brasileiros (EPB)” nas universidades, contribuiu, em boa parte, para a formação


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de um discurso isolado, moralizante, que se reduziu, sobretudo, a postulados genéricos sobre o que a sociedade “deve ser” ou “deve fazer”. Esse cenário não favoreceu em nada a abertura para um amplo debate nas univesidades sobre a possibilidade de construirmos outra forma de nos relacionarmos, de trabalharmos, de produzirmos, de consumirmos; nem mesmo favoreceu a compreensão das questões de cunho social e ambiental enquanto campo legítimo de objetivação na área de Administração. A tarefa que se coloca agora é a de sairmos de um discurso abstrato e moralizador para construirmos algo diferente, que faça sentido para as pessoas. Algo no qual os indivíduos se reconheçam e, assim, se vejam implicados na produção de novos modelos de empresas, novas formas de relacionamento entre os sujeitos da organização: menos desiguais, menos insustentáveis. É esse desafio que o professor Jaime e tantos outros como ele, como os próprios docentes que deram seus relatos nesta coletânea, estão enfrentando. Há que se encontrar caminhos para sairmos de um discurso que valoriza a sustentabilidade, para pensarmos em sua operacionalização, em sua concretude, como fazemos com o debate sobre finanças, marketing, operações, gestão de pessoas... Mas esta tarefa não é simples, a ideia-força da sustentabilidade trata da construção de um projeto de sociedade, de educação, que esteja fundamentada em princípios, e que levará tempo para ser sedimentada. E aqui finalizo meus comentários respondendo a uma pergunta endereçada pelo professor: o que fazer com os alunos que não se mobilizam para as discussões relacionadas com a sustentabilidade? A minha percepção é a seguinte: algumas vezes temos de ter paciência pedagógica, há tarefas que são coletivas, não podem ser enfrentadas por um único educador. Acima de tudo, não podemos subestimar a relevância da discussão proposta em sala de aula, nem a importância da construção de uma relação sustentável entre professores e alunos, como a que nos exemplificou o professor Jaime, enquanto caminhos válidos para fomentar outra mentalidade empresarial.

(In)conclusões O que posso dizer após esses diálogos cruzados? O que posso concluir dessas reflexões sobre o papel da Sociologia na formação em Administração, mais especificamente no que se refere a questões de sustentabilidade. Teria muito coisa a dizer, mas prefiro ser sintético e opto por seguir a trilha da imaginação sociológica e assim fazer novas provocações a fim de deixar o diálogo em aberto, proporcionando mais espaço para que o leitor possa dele participar. A primeira questão que gostaria de pontuar é que, embora as produções teóricas em sustentabilidade articulem as dimensões ambiental, econô-


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mica e social, é a face ambiental que mais sobressai no debate político, e isso tende a se reproduzir no ensino universitário. Acaso a cobertura jornalística não privilegia questões como consumo de água, tratamento do lixo e poluição atmosférica? Temas como distribuição de renda, desigualdades de gênero, racismo e homofobia costumam estar presentes na agenda de discussões sobre sustentabilidade? Parece-me que em grande medida a resposta para essa questão é negativa. E quanto a essa ausência, pensando especificamente no Brasil, gostaria de deixar algumas indagações. É sustentável uma sociedade que ainda possui um abismo tão gritante entre as camadas sociais mais abastadas e aquelas mais subalternas? É sustentável uma sociedade com tamanhos níveis de desigualdades entre negros e brancos e também entre homens e mulheres? É sustentável uma sociedade que ainda espanca e assassina homossexuais, ou que exclui certos indivíduos dos direitos garantidos a outros unicamente em razão de suas práticas sexuais? De que maneira tais desigualdades se refletem no mundo empresarial? As empresas possuem alguma responsabilidade na sua produção, reprodução ou transformação? Como elas podem contribuir para que a sociedade brasileira seja menos desigual no que se refere à questão racial e às questões de gênero e sexualidade? Daqui de onde vejo as coisas, essas provocações sinalizam para o lugar que o ensino da Sociologia pode ocupar na formação em Administração. Um lugar que contribua para gerar aprendizagens significativas nos alunos, que resultem em mudanças nos seus comportamentos e, por consequência, na construção de uma sociedade mais sustentável. O desafio não é fácil, muito ao contrário. Certamente, uma nova mentalidade empresarial, como pede a professora Janette Brunstein, não virá apenas das provocações lançadas pelos professores de Sociologia aos futuros administradores. Mas os primeiros não podem se furtar de sua responsabilidade na edificação dessa mentalidade nem devem abdicar de sua capacidade de provocar os últimos. Isso não reduz as dificuldades do desafio. Não são todos os alunos que encaram as provocações que lhes são dirigidas, ao menos não de forma imediata. As narrativas dos alunos que contribuíram com a elaboração deste texto não deixam dúvidas sobre isso. Com relação a esse ponto, talvez só nos reste exercitar a paciência pedagógica sugerida igualmente pela professora Janette. Ela nos lembra também dos obstáculos estruturais que se colocam ao bom desempenho do ofício docente, dentre os quais as classes supernumerosas são certamente um dos mais duros de serem superados. Sim, as barreiras são muitas e variadas. Ademais, aqueles que se lançam nessa difícil tarefa não possuem garantias, estão em uma estrada sem destino final, posto que, como advertiu ao “caminante” o escritor António Machado, “no hay camino, se hace camino al andar”. No entanto, encerro este texto com palavras de estímulo aos professores e alunos para que não desis-


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tam da empreitada. Uma empreitada que, de um lado, pode contribuir para a edificação de um Brasil mais sustentável, ao ajudar a formar administradores mais conscientes dos problemas que precisamos encarar. Uma empreitada que, de outro lado, certamente participa de nossa própria construção como sujeitos: professores, alunos, seres humanos. Quanto a isso, deixo para você, leitor, uma frase que me veio à mente ao cruzar leituras sociológicas e antropológicas com um diálogo imaginário com o poeta sevilhano. Uma frase com a qual tenho brincado ultimamente: tampouco hay caminante, el caminante se hace en el camino.

Referências BAUMAN, Z.; MAY, T. Thinking sociologically. Oxford: Blackwell Publishing, 2002. FASSIN, E. L’inversion de la question homossexuelle. Paris: Editions Amsterdan, 2008. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 2002. GIDDENS, A. Sociology. Cambridge: Polity Press, 2009. INSTITUTO ETHOS. Diálogo empresarial sobre os princípios do Global Compact. São Paulo: Instituto Ethos, 2002. ___________. Perfil social, racial e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas. São Paulo: Instituto Ethos, 2010. MILLS, W. A imaginação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1980. ROGERS, C. Tornar-se pessoa. São Paulo: Martins Fontes, 2011.



Capítulo 12

A gestão das diferenças humanas nas organizações sob as perspectivas de alunos do curso de Administração Jamille Barbosa Cavalcanti Pereira

Resumo Este trabalho tem por objetivo apresentar um relato sobre as vivências adquiridas por dez alunos do último ano do curso de Administração que participaram de pesquisas de campo para construir percepções, concepções, sentimentos e significados sobre a gestão das diferenças humanas nas organizações entre os anos de 2009 e 2011.

Introdução Até o final da década de 1990 e início deste novo século, a gestão da diversidade humana não era assunto muito discutido nos cursos de Administração no Brasil, haja vista a ausência desta temática nos conteúdos das grades curriculares das universidades. No mundo empresarial, ela também não era um tema que atraísse a atenção ou gerasse preocupação nos gestores. No entanto, a virada do século trouxe para a história humana novas configurações econômicas e políticas que fizeram nascer o interesse do mundo corporativo pela gestão das diferenças existentes entre as pessoas. Sob a perspectiva econômica é possível dizer que as diferenças humanas se tornaram alvo de atenção das empresas no mundo corporativo no final do século XX, à medida que estas se expandiram globalmente a fim de ganharem novos mercados. Mediante esse cenário, gestores das organizações precisaram aprender mais sobre como são e como agem as pessoas pertencentes a outras culturas. Conceitos como valores, crenças e pressupostos ganharam relevância para poder tornar viável a sustentabilidade de muitos negócios (CASTELLS, 1999), além disso, a competitividade entre as empresas transformou em questão de sobrevivência a existência da inovação como fonte de vantagem competitiva, algo obtido mediante o reconhecimento e a valorização das diferenças humanas (COX, 1991). Sob a perspectiva política, não há dúvidas de que os sistemas totalitários no mundo estão perdendo a vez para os sistemas mais democráticos, em que as


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pessoas de diferentes grupos sociais reivindicam cada vez mais o direito de voz, desbravam caminhos em busca de diálogo e de representatividade nos mais diferentes setores da sociedade, principalmente no setor produtivo de trabalho, no qual não só buscam o direito de inclusão como são capazes de interferir na imagem e na reputação dos negócios de uma empresa (SAVITZ e WEBER, 2007). Mediante o cenário anteriormente exposto, tornam-se evidentes algumas das razões pelas quais surge o atual interesse do mundo corporativo pela gestão das diferenças existentes entre as pessoas, no entanto, não se pode negar que tal interesse permanece difuso e problemático, pois ainda não se sabe ao certo o que significa gerenciar tais diferenças. Historicamente, a gestão para lidar com as pessoas foi desenvolvida nas organizações a partir de atividades que encorajaram e reforçaram os comportamentos de uma força de trabalho relativamente homogênea, isto é, a dos homens brancos (WILLIAMS e BAUER, 1994). Como ressaltam Bond e Pyle (1998, p. 253), durante quase mais da metade do século XX predominaram modelos de gestão de pessoas em que as diferenças humanas eram ignoradas. Tais modelos pregavam padrões, uniformidade nos métodos e controle sobre o jeito de ser e de pensar. Mas, tais modelos se tornaram contraditórios e obsoletos em meio às atuais necessidades de inovação das empresas, bem como de expansão global de negócios. Há na literatura quem defenda a existência da gestão das diferenças humanas sob o pressuposto de que ela seja positiva para criar nas empresas uma vantagem competitiva, uma vez que pode vir a gerar criatividade, rapidez na solução de problemas e flexibilidade na tratativa dos negócios (COX e BLAKE, 1991; MOR BARAK, 2005). Ainda sob essa tratativa, tal gestão pode ser louvável sob o ponto de vista do mercado consumidor como o resultado de uma prática de Responsabilidade Social Corporativa (SEN e BHATTACHARYA, 2001). No entanto, há quem discorde de tudo isso. Há quem afirme que as diferenças humanas nas empresas podem ser mais um empecilho do que uma vantagem, porque dificultam a comunicação e a coesão no trabalho (LAU e MURNIGHAN, 2001). Os autores contrários ao desenvolvimento da gestão das diferenças humanas defendem a ideia de que os poucos estudos sobre esse tipo de gestão são inconclusivos ou metodologicamente suspeitos, pois não conseguem oferecer resultados concretos e quantificáveis (HOLZER e NEUMARK, 2000; KOCHAN et al., 2003). Por outro lado, O’Leary e Weathington (2006, p. 290) sugerem que os benefícios obtidos de tal gestão não são quantificáveis, embora tenham consequências concretas. Eles afirmam que atualmente fica difícil uma empresa sustentar seu negócio quando não lida com as ideias de justiça e de equidade entre as diferentes pessoas.


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As contradições existentes entre autores que falam sobre a gestão das diferenças humanas nas empresas refletem, na verdade, a grande complexidade que há em torno do assunto, uma vez que o desenvolvimento dessa gestão é passível de diferentes concepções, significados e perspectivas. E isso implica dizer que não há uma resposta pronta para falar sobre o tema. Em função disto, fica difícil desenvolver essa temática no contexto educacional, porque não há na academia unanimidade sobre a importância de sua existência nem sobre sua funcionalidade. Uma alternativa para lidar com os antagonismos inerentes à gestão das diferenças humanas em um curso de Administração foi a de enxergá-los como um fenômeno atual que necessita ser compreendido por meio de uma construção social, em que os sujeitos envolvidos, alunos, pessoas do mundo corporativo e comunidade, precisam ser concebidos como seres ativos e capazes de construir os significados sobre ele no mundo onde vivem (BERGER e LUCKMANN, 1972). Adotar essa alternativa se tornou viável a partir do desenvolvimento de uma educação que contemplasse discussões sobre os diferentes modelos de gestão da diversidade localizados na literatura e da aplicabilidade dos mesmos em pesquisas de campo exploratórias, em que os alunos visitaram empresas, conversaram com gestores e pessoas diversas para trocarem experiências sobre o assunto. Este capítulo é, pois, um relato sobre as vivências adquiridas por dez alunos do último ano do curso de Administração que participaram de pesquisas de campo com o objetivo de construir percepções, concepções, sentimentos e significados sobre a gestão das diferenças humanas nas organizações entre os anos de 2009 e 2011. Esta experiência permitiu alcançar alguns objetivos secundários, tais como: a) verificar mudanças de concepções dos indivíduos sobre a gestão das diferenças humanas nas organizações; b) verificar se a experiência de desenvolver um trabalho de conclusão de curso abordando o tema gestão das diferenças humanas nas organizações significou alguma coisa para a formação pessoal e profissional dos indivíduos; e c) verificar a importância que os indivíduos atribuíram ao tema gestão das diferenças humanas na grade curricular do curso de Administração. Espera-se que os resultados apresentados possam contribuir para os estudos dos que têm interesse sobre o tema.

As diferenças humanas nas organizações: o que ensinar, o que aprender... Estruturar planos de ensino para disciplinas no curso de Administração que contemplem as diferenças humanas nas organizações tende a ser uma ação desafiadora, na medida em que este é um assunto ainda pouco explora-


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do na literatura e pouco praticado nas empresas do país. A falta de uma tradição em trabalhar o tema torna-se um problema na hora de estabelecer parâmetros sobre o que deve ser ensinado e o que deve ser aprendido na esfera educacional. Afinal, quais conteúdos trabalhar sobre tais diferenças com alunos de uma escola que se propõe a falar de negócios? O primeiro passo foi contemplar a definição do termo diversidade e, depois disto, apresentar um breve histórico sobre a construção social e histórica do mesmo em meio às relações humanas. Etimologicamente, diversidade vem do latim diversïtas–atis e se refere àquilo que não é semelhante, que possui divergência e até oposição ou contradição (CUNHA, 1982). O estudo analógico do termo diversidade remete à ideia de que ele está contido em uma classe de ideias que expressam relações abstratas existentes entre os seres no que diz respeito à quantidade e ao grau de propriedades que os faz diferentes entre si (SPITZER, 1956). Deste modo: (...) ao se falar em diversidade estaremos comparando no mínimo dois seres em relação à quantidade do que os faz ter mais ou menos alguma coisa, ou, ainda, tomando-se por referência o grau, ou seja, a posição, o lugar, a situação, a ordem ou a classe que os seres ocupam na natureza. Desigualdade, disparidade, superioridade ou inferioridade ou, ainda, privilégio ou prejuízo são palavras que lhes são análogas.

A partir dos estudos apresentados anteriormente é possível inferir que o termo diversidade somente existe se houver uma comparação entre dois ou mais seres. Ou seja, é uma palavra que por si só não faz sentido, sendo, pois, relativa e dependente da existência de uma relação. Além disso, é possível inferir que o que define a diversidade são os atributos ou as características pertencentes a um ser que o fazem ser diferente de outro. Portanto, conhecer tais atributos é fundamental para desenvolver este estudo. Quando se aplica o termo diversidade para comparar pessoas umas com as outras, ele se torna extremamente complexo, pois quais são os atributos que as diferenciam? Sexo? Idade? Religião? Nacionalidade? É claro que sexo, idade, religião e outras tantas características e atributos diferenciam as pessoas entre si. Mas, no que somos diferentes quando se pensa na questão da espécie? Afinal, em nome de tais diferenças muitas pessoas já foram mortas, sacrificadas, subjugadas e exploradas em todas as esferas das sociedades, incluindo diferentes tipos de ambientes de trabalho ou organizacionais. A genética contemporânea, entre todas as ciências, é a que melhor define quais características diferem os seres humanos entre si enquanto espécie e no que tais diferenças se fundamentam. Nesse sentido, Barbujani (2007) ressal-


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ta que é imprescindível compreender que há diferenças entre os seres humanos, isto porque cada um é diferente, é singular e insubstituível, uma vez que não é possível ninguém ser cem por cento reproduzido por outro alguém. Aliás, essa condição de singularidade expressa a importância de cada pessoa no mundo, mas em momento nenhum essa diferença é significativa para sustentar o argumento de que as pessoas diferem entre si por uma questão de espécie ou raça. A biologia moderna destaca que todas as variedades humanas são membros de uma única espécie, e embora essas variedades pareçam grandes, na realidade, repousam apenas em características secundárias (BARBUJANI, 2007). Langaney et al. (2002) enfatizam que as diferenças existentes entre os seres humanos são irrisórias, pois não afetam os alelos que compõem o DNA. Informam ainda que as diferenças entre os seres vivos, se significativas, impedem a reprodução, ou seja, quando espécies diferentes cruzam podem até gerar filhos híbridos, mas serão inférteis. É o caso do burro, o descendente direto da égua com o jumento. Ao que se sabe, segundo os pesquisadores, todos os seres humanos contemporâneos, sejam eles tutsis ou esquimós, apesar de suas inúmeras diferenças, são interfecundantes. Vemos, assim, que a ciência ensina que as populações atuais se assemelham geneticamente umas com as outras, embora apresentem grande diversidade. Desta forma a diversidade somente se justifica pelos acessórios humanos, ou seja, pelo aspecto físico ou por questões sociais e culturais. Como conteúdo a ser transmitido para alunos do curso de Administração, entendese que esta é uma lição muito importante que precisa ser ensinada e aprendida.

A construção social do significado atribuído às diferenças humanas: um breve histórico Conforme destaca Ralph Linton (1976), antes do século XVI não havia no mundo a consciência sobre as diferenças humanas, pelo menos as relacionadas à aparência física, nem havia incentivo algum para que essa consciência surgisse. O mundo antigo era pequeno, e tais diferenças entre os povos clássicos e bárbaros não eram muito acentuadas; mesmo quando reconhecidas, elas não tinham conotações sociais imediatas. Na antiguidade, os escravos (os gauleses) e os senhores (os romanos) não se diferenciavam pelo tipo físico, pois ambos eram muito semelhantes. Só pelo vestuário, pela língua e pelos costumes era possível saber quem era quem na formação social daquela época. As diferenças físicas entre as pessoas somente ganharam evidência com o descobrimento do Novo Mundo e dos caminhos marítimos para a Ásia. A partir do século XVI, os europeus estavam em toda a parte conquistando povos


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nativos e estabelecendo-se como aristocracias dominantes. Embora os membros dos grupos dominados pudessem prontamente adotar a língua e costumes de seus dominadores, não podiam mudar o tipo físico e, pela primeira vez na história, o biótipo físico se tornou critério infalível para determinação de status social. Desde que todo branco era membro do grupo dominante e todo pardo ou preto, membro do grupo dominado, ambos os lados se tornavam cada vez mais conscientes de suas diferenças físicas (LINTON, 1976). Maggie (1996) ressalta que a expansão colonial europeia foi um fato marcante para exaltar as diferenças humanas em várias partes do mundo. Características como a cor da pele e outros traços físicos dos povos encontrados por exploradores passaram a ser aspectos privilegiados no imaginário europeu, como marcadores das diferenças entre os povos, entre os que mandavam e os que obedeciam. As terras novas descobertas, ou o novo hemisfério, perturbaram a mente de poetas e gente comum, que falaram não só sobre o céu onde brilha o Cruzeiro do Sul como sobre as características dos povos aí encontrados. De lá para cá, passando por séculos de escravização daqueles a quem foi negada a cor do dia, a característica física das pessoas passou a ser objeto de classificação, gerou novas formas de representação da diferença e serviu a novos mecanismos de produção da desigualdade e hierarquização (MAGGIE, 1996, p.225).

Além dos processos de colonização, outros fatos acontecidos no decorrer da história contribuíram significativamente para realçar as diferenças físicas entre os seres humanos. Vale ressaltar que muitos deles se originaram para tentar definir uma tipologia ideal e superior de pessoa, talvez para justificar por que uns mandam e outros obedecem. Entre esses fatos destacam-se: t

A classificação das pessoas em cinco raças por meio da medição do crânio realizada pelo médico alemão Johann Friedrich Blumenbach: a caucasoide (branca), mongoloide (amarela), malaia (marrom), etiópica (negra) e americana (vermelha).

t

A classificação da espécie humana em branca, amarela e negra, realizada pelo aristocrata e diplomata francês Arthur de Gobineau. Este defendeu a ideia de que todas as grandes civilizações teriam origem, direta ou indiretamente, na raça branca e, em particular, na “família ariana”. Para esse pesquisador, a miscigenação entre raças resultaria na degeneração humana, com impactos desastrosos sobre as civilizações e impérios (MAGNOLI, 2009).

Em 1859, Charles Darwin fez imperar na ciência moderna o conceito da unidade da espécie. A partir dele, prevaleceu a ideia de que o ambiente seleci-


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ona os seres vivos mais fortes e aqueles que conseguem sobreviver às adversidades e dificuldades que enfrentam são os que dão continuidade a sua espécie. Com isso, ele defende a ideia de que há diferenças entre os seres humanos, sendo que uns possuem mais condições de sobreviver do que outros. Falar brevemente sobre a construção social dos significados atribuídos às diferenças humanas faz toda a diferença na grade curricular do curso de Administração, pois se entende que muitas das razões que, na história humana, diferenciaram as pessoas umas das outras acabaram se refletindo nos espaços organizacionais de trabalho, por meio do sistema de dominação e exploração de uns sobre outros.

As diferenças humanas nos espaços organizacionais de trabalho Relembrando o que já foi dito no início deste capítulo, durante quase mais da metade do século XX as organizações foram regidas prioritariamente por modelos clássicos da Administração, em que imperava uma forma mecanicista e taylorista de conceber o ser humano. Este era visto como um ser naturalmente irresponsável, preguiçoso, que precisava ser dirigido e controlado para que pudesse produzir. Por meio de tais modelos, os trabalhadores eram vistos como similares e eram controlados a partir de métodos e padrões bem definidos (MOTTA e VASCONCELOS, 2002). Vale ressaltar que atividades de gestão de pessoas encorajaram e reforçaram durante grande parte desse período os comportamentos de uma força de trabalho relativamente homogênea, isto é, a dos homens brancos (WILLIAMS e BAUER, 1994). As diferenças humanas somente começaram a ser vislumbradas no ambiente de trabalho a partir da década de 1960, nos Estados Unidos, em decorrência de protestos de pessoas pertencentes aos grupos sociais sub-representados, como o das mulheres brancas e das pessoas negras. Esses protestos refletiam a luta desses grupos pela igualdade de oportunidades de trabalho (MOEHLECKE, 2002). Nessa época, mulheres e negros não tinham acesso aos melhores postos de trabalho e não recebiam oportunidades similares às dos homens no desenvolvimento da carreira (IVANCEVICH e GILBERT, 2000). Um dos fatores decisivos que propiciou o aparecimento de modelos de gestão em torno das diferenças humanas foi o contexto econômico. A “gestão de diversidade” tem origem nos Estados Unidos no final da década de 1980, durante o segundo mandato do presidente Reagan. Esse governo procurou reduzir significativamente o papel do Estado na economia e aumentar o papel do mercado. Um posicionamento típico da política econômica neoliberal, cujo objetivo era reduzir custos com gastos sociais. Isso se refletiu na redução do envolvimento do governo na regulação dos programas legais de diver-


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sidade, assim como nos programas de bem-estar social e seguridade de saúde (BOND e PYLE, 1998), o que deu margem para o surgimento da gestão da diversidade de iniciativas privadas. A implantação de modelos de gestão em torno das diferenças humanas foi acontecendo inicialmente nas organizações estadunidenses. Depois, o movimento se alastrou pelo mundo, porém, não de forma simples nem natural. Como ressalta Bond e Pyle (1998), esse fenômeno foi surgindo em meio a muitos dilemas que têm impedido seu pleno desenvolvimento, tais como: (a) contradições sobre o quanto essa gestão é ou não justa; (b) reações opostas às suas propostas, tais como as de discriminação reversa; e (c) limitadas mudanças na cultura e nos valores das organizações que poderiam reforçar sua sustentabilidade. As controvérsias em torno do termo gestão da diversidade existem por não haver concordância entre diferentes estudiosos sobre seu significado e finalidade. A gestão da diversidade, como um conceito, significa diferentes coisas para diferentes pessoas. Ela tanto pode se referir ao desenvolvimento de atividades baseadas em um modelo de gestão que possibilite igual oportunidade ou a um modelo que permita uma orientação estratégica em relação às pessoas. A literatura tem utilizado mais enfaticamente o conceito de gestão da diversidade a partir da experiência americana, que a concebe como uma visão estratégica (MAVIN e GIRLING, 2000). Diferentes perspectivas e conceitos são atribuídos à gestão das diferenças. Para alguns, tal gestão deve ser realizada priorizando os atributos e características particulares que diferenciam as pessoas, tais como a competência. Mas, para outros, essas diferenças precisam ser consideradas pelos atributos e características dos grupos sociais aos quais os indivíduos pertencem, tais como raça, gênero, etc. (LIFF, 1997). As seções a seguir apresentarão mais detalhes sobre tais perspectivas.

A gestão das diferenças individuais nos espaços organizacionais de trabalho A gestão das diferenças humanas individuais defende a ideia de que o importante para as organizações ao lidarem com as pessoas é considerar o mérito e a competência de cada uma delas, independente de quem sejam (KANDOLA e FULERTON, 1994). Na literatura. essa abordagem recebe o nome de gestão da diversidade com foco na dissolução das diferenças sociais. A gestão da diversidade com base na dissolução das diferenças sociais é aquela que desenvolve práticas e políticas organizacionais ignorando as diferenças entre os indivíduos associadas à identidade social, como raça, gênero, idade, etc., e é chamada de identity-blind (KONRAD e LINNEHAN, 1995) ou color-blind (ELLIS e SONNENFERLD, 1994). Os autores que defendem


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essa visão têm por pressuposto básico a crença de que todos têm a mesma igualdade de oportunidade nas organizações. A abordagem da gestão de diversidade que busca a “dissolução das diferenças” entende que as diferenças entre as pessoas são peças singulares que juntas criam uma espécie de mosaico que forma a organização. Cada pedaço é conhecido, aceito e tem seu lugar na estrutura (KANDOLA e FULERTON, 1994). Segundo Kandola e Fullerton (1994, p. 49), “para que uma organização desenvolva uma gestão de diversidade de forma efetiva, ela deverá ser resumida em uma palavra: MOSAIC (Mission and values; Objective and fair processes; Skilled workforce, sware and fair; Active flexibility; Individual focus; Culture that empowers)”. Na prática, a organização sob essa abordagem deverá refletir: a) Missão e valores que procurem valorizar as necessidades de todos os empregados e não somente as dos considerados diversos. b) Objetividade e processos justos, em que o recrutamento e seleção, promoções e avaliações sejam auditados para assegurar que não há protecionismo e sejam justos para todos. c) Reconhecimento das habilidades e do desenvolvimento das mesmas em toda a força de trabalho como necessárias ao crescimento da organização. d) Flexibilidade de modelos de trabalho, de locais de trabalho, de benefícios para todos e não somente para alguns grupos específicos. e) Foco no indivíduo. f) Ter um modelo de cultura que possibilite aos indivíduos tomar decisões, participar e ser encorajados a ouvir e a agir entre eles. Konrad e Linnehan (1995) apontam que as práticas decorrentes de tomadas de decisão sob esse modelo de gestão asseguram a realização de processos iguais para todos os indivíduos, indistintamente, imparcialmente e sem preferência alguma. As principais justificativas para a realização de uma gestão de diversidade baseada na identity-blind são fundamentadas na crença de que, ao dar preferência a categorias de grupos sociais na realização de determinados processos, a organização estará atribuindo mais poder a uns grupos em detrimentos de outros (LINNEHAN e KONRAD, 1999). Para Linnehan e Konrad (1999), o tratamento especial dado às pessoas pertencentes às diferentes categorias de grupos sociais alimenta o estigma, o preconceito e a discriminação nos grupos que não assimilam as normas correspondentes aos atos preferenciais, além de vir a gerar, para a organização, redução de comprometimento, de produtividade e de aumento da rotatividade dos indivíduos não favorecidos.


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Uma observação a ser feita em torno do modelo de gestão das diferenças humanas sob a perspectiva individual é que ele acaba favorecendo o modelo capitalista de gerenciar pessoas. Uma vez que prioriza o mérito, acaba sendo utilitarista por priorizar resultados, lucros e eficácia organizacional (BILING e SANDING, 2006).

A gestão das diferenças sociais nos espaços organizacionais de trabalho Enquanto para alguns autores a gestão das diferenças humanas no contexto organizacional deve considerar apenas as diferenças que há de indivíduo para indivíduo, outros autores defendem que as diferenças de identidade social são muito relevantes e devem ser consideradas a partir das características dos grupos sociais aos quais os indivíduos pertencem, tais como: raça, gênero, etc. (LIFF, 1997). Autores que defendem a abordagem da valorização das diferenças sociais acreditam que nem todos os indivíduos têm ou recebem a mesma oportunidade nas organizações e que, portanto, estas devam ser criadas. Políticas organizacionais de diversidade que se baseiam em tal abordagem procuram justamente adotar o princípio de que as necessidades dos indivíduos pertencentes a um grupo social são diferentes e precisam ser respeitadas, como, por exemplo, oferecer feriados especiais de acordo com a religião dos indivíduos ou oferecer treinamento a grupos minoritários menos qualificados, concedendo-lhes a oportunidade de obter sucesso e ascensão profissional (GREENSLADE, 1991). Nkomo e Cox (1998) sugerem que trabalhar as diferenças humanas nas organizações empresariais implica verificar como os tipos de identidades de grupos humanos são tratados, como são estabelecidas as relações sociais e como ocorre a inserção dos mais diversos grupos sociais na estrutura hierárquica multidimensional das mesmas. Nesse sentido, vale apresentar uma reflexão sobre a realidade brasileira em torno das oportunidades de trabalho oferecidas para diferentes grupos sociais. O Perfil Social, Racial e de Gênero realizado pelo Instituto Ethos (2010) junto às 500 maiores empresas do Brasil revela que os espaços organizacionais que designam maior poder e maior rendimento aos ocupantes não são significativamente representados por mulheres em geral, cuja participação em espaços de direção e gerencial é de 13,7% e 22,1%, respectivamente, nem tão pouco por pessoas negras (homens e mulheres pretos e pardos, conforme designação do IBGE), cuja participação é de, respectivamente, 5,3% e 13,2%. Tais dados descrevem uma realidade que contrasta com a composição demográfica do país, uma vez que o Censo do IBGE (2010) re-


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vela que a população brasileira é composta por 51% de mulheres e por 50,7% de pessoas que se declaram pretas ou pardas. Vale enfatizar, ainda, que na sociedade brasileira as mulheres trabalham em média menos horas semanais (36,5 contra 43,9 dos homens), mas em compensação, mesmo ocupadas fora de casa, ainda são as principais responsáveis pelos afazeres domésticos, dedicando em média 22 horas por semana a essas atividades contra 9,5 horas dos homens (SIS, 2010). Para Cox (1991), desenvolver uma gestão das diferenças humanas nas organizações não significa simplesmente implantar políticas de inclusão de minorias. Para que isso ocorra, faz-se necessário desenvolver programas de orientação para novos membros; treinamento de diferentes línguas; tratamento explícito da diversidade na missão e estratégia; aconselhamento de grupos por mentores; programas de educação; programas de ação afirmativa; desenvolvimento de programas de carreira; mudanças na administração de avaliação de performance e recompensas; políticas de RH e mudanças nos benefícios; programas de Mentoring; desenvolvimento de seminários sobre igualdade de oportunidades e administração de conflitos. Ampliando a visão de Cox (1991), os autores Thomas e Ely (1996) enfatizam que a gestão da diversidade precisa ir além da questão de aumentar o número de empregados com afiliações de identidades sociais diferentes em toda a organização ou de propiciar uma qualificação para eles. Eles acreditam que esse pressuposto é limitado e limitante, isso porque entendem que os chamados diversos não trazem para a organização somente informações, quando admitidos, mas também importantes e competitivos conhecimentos e perspectivas sobre como fazer trabalho, como desenhar processos, como atingir objetivos, estruturar tarefas, criar times efetivos, comunicar ideias e conduzi-las. Para esses autores é preciso que a organização não só realize uma integração estrutural formal, mas tenha a predisposição de ouvir os membros de grupos diversos, isso porque eles podem ajudar a companhia a crescer, a enfrentar desafios básicos sobre as funções, as estratégias, as operações, as práticas e os procedimentos. Mas, para conseguir gerenciar efetivamente as diferenças, os gestores precisam conceber o processo de aprendizagem como ferramenta principal no gerenciamento da diversidade em suas organizações.

A gestão social das diferenças humanas nos espaços organizacionais de trabalho A partir dos modelos de gestão das diferenças humanas no ambiente de trabalho apresentados anteriormente, cabe aqui uma colocação feita por Syed e Kramar (2009). Esses autores defendem que os resultados que as empre-


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sas podem obter a partir da gestão das diferenças humanas devem ir além de seus próprios interesses, precisam gerar também resultados para a sociedade. Para isso têm de desenvolver uma gestão social da diversidade, o que implica considerar a discussão sobre esse assunto em vários níveis (macronacional, meso-organizacional e microindividual). Syed e Kramar (2009) argumentam que as políticas e processos destinados a alavancar os benefícios de uma força de trabalho diversificada para os resultados de negócios e social exigem não só o desenvolvimento de iniciativas de diferentes níveis, mas também o reconhecimento de que essas iniciativas são interdependentes. Nesse sentido, não adianta trabalhar a diversidade somente no âmbito da própria empresa (nível meso); esta dever ser trabalhada tanto no nível individual quanto no nível macro (político, governamental) e, por que não dizer, educacional.

Procedimentos metodológicos Sujeitos da pesquisa O objetivo geral da pesquisa foi verificar e analisar conteúdos expressos por alunos do curso de Administração sobre as percepções, concepções, sentimentos e significados atribuídos à gestão das diferenças humanas nas organizações. Foram convidados a participar do trabalho quinze alunos, dos quais dez aceitaram. Todos os alunos sujeitos desta pesquisa desenvolveram trabalhos de conclusão do curso de Administração entre os anos de 2009 e 2011, com temas voltados para a gestão da diversidade humana. Tais alunos nunca haviam tido nenhuma experiência em trabalhar com uma pesquisa voltada para esse tema. A maioria era de mulheres, com idade entre 20 e 25 anos e a função de analista/assistente (ver Tabela 1). Tabela 1

Perfil predominante dos sujeitos da pesquisa.

Características dos sujeitos da pesquisa Sexo 70% mulheres Idade 80% com idade entre 20 e 25 anos Função 80% com função de assistente/analista

Tipo de pesquisa e coleta de dados Para atender ao objetivo de pesquisa proposto, foi utilizada uma pesquisa qualitativa do tipo exploratória. Essa opção mostrou-se a mais coerente, pois o método permitiu conhecer as justificativas em estudo a partir dos significados emitidos pelos sujeitos da pesquisa. Foi utilizado um roteiro que continha


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quatro questões que buscaram alcançar objetivos secundários, tais como: a) verificar mudanças de concepções dos indivíduos sobre o desenvolvimento da gestão das diferenças humanas nas organizações; b) verificar se a experiência de desenvolver um trabalho de conclusão de curso abordando o tema gestão das diferenças humanas nas organizações possibilitou a construção de um significado para a formação pessoal e profissional dos indivíduos; e c) verificar a importância que os indivíduos atribuíram ao tema gestão das diferenças humanas na grade curricular do curso de Administração (Quadro 1). O roteiro foi direcionado aos sujeitos da pesquisa que relataram suas experiências. A entrevista buscou captar percepções, impressões e significados atribuídos à temática em estudo. Em média, os sujeitos precisaram de 40 minutos para responder às questões. Quadro1

Roteiro de perguntas.

No pergunta

1a pergunta

2a pergunta

3a pergunta 4a pergunta

Descrição geral O seu trabalho de conclusão de curso (TGI) abordou um tema voltado para a diversidade humana no ambiente de trabalho. Antes de desenvolvê-lo, qual a visão que você tinha sobre este assunto? Depois de concluí-lo, essa visão mudou? Ter estudado um tema voltado para a diversidade humana no ambiente de trabalho significou alguma coisa para a sua formação profissional? Ter desenvolvido um trabalho de conclusão de curso com foco na diversidade humana no ambiente de trabalho mudou algo na sua vida? Se tivesse de deixar alguma mensagem sobre a educação para a diversidade no curso de Administração, o que diria?

Fonte: Elaborado pela autora.

Procedimentos para a análise dos dados Para a interpretação dos dados obtidos com as entrevistas adotou-se a análise de conteúdo, uma técnica de pesquisa que permite uma descrição objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto da comunicação (BARDIN, 1977). O tema foi a unidade de registro utilizada para realizar a análise dos conteúdos expressos pelos sujeitos da pesquisa. Três grandes temas foram contemplados: a) as concepções sobre o desenvolvimento da gestão das diferenças humanas nas organizações; b) a construção de significados sobre a gestão das diferenças humanas nas organizações após a realização do trabalho de conclusão de curso; e c) a importância da gestão das diferenças humanas na grade curricular do curso de Administração.


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Do tema voltado para as concepções sobre o desenvolvimento da gestão das diferenças humanas nas organizações emergiram dois indicadores para analisar as especificidades dos conteúdos expressos pelos sujeitos da pesquisa: a) as concepções sobre a gestão das diferenças humanas nas organizações antes de realizar o trabalho de conclusão e b) as concepções apresentadas depois de realizar tal trabalho (Quadro 2). Tais indicadores fizeram emergir categorias que expressaram diferentes critérios que as empresas podem utilizar para desenvolver a gestão das diferenças humanas. Quadro 2

Codificação dos conteúdos que tratam das concepções sobre o desenvolvimento da gestão das diferenças humanas nas organizações.

Unidade de registro Tema

Concepções sobre o desenvolvimento da gestão das diferenças humanas nas organizações

Indicadores

Concepções antes do trabalho de conclusão de curso

Concepções depois do trabalho de conclusão de curso

Codificação Categorias que emergiram para o desenvolvimento da gestão das diferenças humanas nas organizações Meritocracia para a distribuição de recursos aos indivíduos (oportunidades, benefícios, etc.) Imparcialidade nos processos Tratamento igual para todos Criação de oportunidades com base na realidade social Sensibilização para as diferenças sociais Análise crítica da realidade social do país Tratamento diferenciado para as pessoas

Do tema que trata da construção de significados sobre a gestão das diferenças humanas nas organizações após a realização do trabalho de conclusão de curso emergiram três grandes indicadores para expressar os conteúdos dos sujeitos da pesquisa sobre o assunto: a) um voltado para o desenvolvimento de processos de trabalho, b) outro para o desenvolvimento pessoal e c) outro para o desenvolvimento da sociedade (Quadro 3). Tais indicadores fizeram emergir categorias que expressaram sentimentos sociais, ampliação da visão de mundo e respeito às diferenças. Do tema voltado para a importância da gestão das diferenças humanas na grade curricular do curso de Administração emergiram três grandes indicadores para expressar os conteúdos dos sujeitos da pesquisa sobre esse assunto: a) desempenho das empresas, b) desenvolvimento de um estilo de liderança e c) impacto das ações organizacionais voltadas às diferenças humanas na sociedade. Tais indicadores fizeram emergir categorias que expressaram a importância dada ao assunto no desempenho das empresas, no cumprimento da função como líder, bem como no combate à discriminação e à desigualdade social (Quadro 4).


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Quadro3

Codificação dos conteúdos sobre os significados atribuídos à gestão das diferenças humanas nas organizações.

Unidade de registro Tema

Indicadores

Significados para os processos de trabalho

Significados atribuídos à gestão das diferenças humanas nas organizações

Significados pessoais

Significados para o desenvolvimento da sociedade

Quadro 4

Codificação Pressupostos da gestão das diferenças humanas nas organizações Valorização dos processos de trabalho que enxergam as diferenças sociais dos indivíduos Sensibilidade às diferenças humanas Ampliação do conhecimento sobre as diferenças humanas Respeito ás diferenças Adotar a importância da gestão das diferenças humanas como fator fundamental para o desenvolvimento da sociedade

Codificação dos conteúdos sobre a importância da gestão das diferenças humanas na grade curricular do curso de Administração.

Unidade de registro Tema

A importância da gestão das diferenças humanas na grade curricular do curso de Administração

Indicadores

Desempenho da empresa Liderança Impacto na sociedade

Codificação Pressupostos da gestão das diferenças humanas nas organizações Aumento da criatividade e da capacidade de as empresas resolverem problemas Desenvolver um estilo de liderança mais sustentável Combate às desigualdades sociais Combate às discriminações

Análise dos dados Análise 1: Sobre as concepções em torno da gestão das diferenças humanas nas organizações Quando os dez alunos sujeitos da pesquisa foram questionados sobre suas concepções a respeito da gestão das diferenças humanas nas organizações, todos enfatizaram que essas concepções foram modificadas depois que fizeram parte do grupo que realizou o trabalho de pesquisa para a conclusão de curso. Sete deles afirmaram que antes do trabalho não tinham uma visão


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clara sobre o assunto e que não tinham noção de que havia desigualdades de oportunidades para as pessoas nas empresas. Três deles disseram que não sabiam que as pessoas de diferentes grupos sociais, como as mulheres, tinham dificuldades nas empresas e dois afirmaram que eram totalmente a favor da meritocracia, mas sem refletir muito sobre a razão disso. Eu não tinha uma visão clara sobre o assunto, pois não é um tema que muitas empresas e até mesmo as pessoas colocam em discussão, por gerar pontos de vista contraditórios e muitas vezes preconceituosos e segregadores. Durante o desenvolvimento da pesquisa tive diversas oportunidades de discutir com pessoas leigas, bem como com outras que tinham maior conhecimento sobre o assunto. Isso me fez enxergar que realmente existem diferenças (de oportunidade) consideráveis entre os grupos de pessoas e que esforços precisam ser feitos para valorizar essas diferenças no sentido de conceder oportunidades para os grupos que são prejudicados por serem “minorias”, ao mesmo tempo que diminuem as desigualdades de oportunidades. No fim do trabalho, cheguei à conclusão de que ainda não tenho uma visão clara de como valorizar as diferenças entre as pessoas e diminuir as desigualdades de oportunidades, mas com certeza passei a enxergar que essas desigualdades são muito maiores do que eu pensava (Aluna, 23 anos, assistente administrativo).

Grande parte dos conteúdos expressos pelos sujeitos da pesquisa revelou que as concepções sobre a gestão das diferenças humanas mudaram depois da realização da pesquisa para o trabalho de conclusão de curso. A possibilidade de constatar pessoalmente a existência da desigualdade de oportunidade e da discriminação por meio do que ouviram dos entrevistados foi colocado como algo decisivo para se sensibilizarem e mudarem a visão sobre o assunto. Na realização das entrevistas e mesmo na elaboração do trabalho, pude participar, através dos relatos, do dia a dia de algumas pessoas e sentir, mesmo que superficialmente, um pouco de suas dificuldades cotidianas, o que sem dúvida mudou o que eu pensava sobre a diversidade em si e também sobre a grande probabilidade de obter bons resultados gerenciando essa diversidade de forma eficiente (Aluno, 26 anos, Assistente Administrativo)

Em meio aos relatos dos alunos pesquisados chama atenção o nível de percepção que alguns deles desenvolveram sobre a realidade social e cultural em que vivem. Houve a reflexão de que o desenvolvimento profissional de um indivíduo nem sempre depende só dos esforços e do empenho pessoal, que há mais fatores que precisam ser observados, como a oferta de oportunidades, ou melhor, a falta de oportunidades para que as pessoas tenham con-


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dições de competitividade similares e, dessa forma, ocupem posições de poder nas organizações: A minha visão sobre a diversidade humana era que as conquistas estavam quase que na sua totalidade baseadas no mérito do indivíduo, que as conquistas e o sucesso dependiam única e exclusivamente do esforço de cada um, independentemente da minoria à qual a pessoa faça parte. Porém, o que este trabalho me mostrou foi que, na verdade, as conquistas aparecem em função das oportunidades que se apresentam. Por exemplo, se tivéssemos oportunidades iguais para os brancos e negros, com certeza, teríamos mais negros em posições de destaque. Acontece que, para que esses negros atinjam posições de destaque, na sua grande maioria, eles necessitam fazer mais do que os brancos, ou seja, não há igualdade de condições entre ambos para o alcance de determinada posição (Aluno, 26 anos, Gestor de Contas).

Outro dado relevante a respeito das concepções sobre a gestão das diferenças humanas nas organizações está relacionado ao fato de alguns dos alunos terem percebido que o desconhecimento sobre o assunto não era exclusivo deles e era maior do que imaginavam. Um relato deu conta de que há uma espécie de “alienação” por parte de alguns indivíduos pertencentes a grupos sociais sub-representados nas empresas, ou seja, um desconhecimento sobre a situação de desigualdade em que se encontram e uma passividade para nada mudar. Um conteúdo expresso por uma aluna revelou um incômodo diante de uma constatação que teve. Para essa aluna ficou claro que, para as pessoas que entrevistou (pessoas que receberam menos oportunidades na vida), receber uma ajuda, uma oportunidade e um apoio das organizações para que possam modificar suas situações sociais em nome da diversidade pode ser visto como algo discriminatório: Antes de desenvolver o trabalho, eu não tinha a ideia de quão desigual são as oportunidades no ambiente de trabalho. O trabalho me ajudou a ver que até mesmo as minorias, muitas vezes, não se enxergam como tal, e ao longo do tempo isso gera ainda mais desigualdade. A minha visão hoje é de que todos os grupos minoritários precisam, sim, de políticas que criem oportunidades no ambiente de trabalho, no intuito de que possam competir de igual para igual com os demais (Aluna, 22 anos, Assistente de Marketing).

De maneira geral, o que se pôde perceber foi uma mudança de concepção dos alunos sobre a gestão das diferenças humanas nas empresas. Os relatos obtidos tornaram evidente que o trabalho de pesquisa de campo fez toda a diferença na construção de suas ideias acerca do assunto. O fato de poderem vivenciar e checar a realidade sobre como as empresas lidam com as di-


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ferenças permitiu-lhes o desenvolvimento de um senso crítico e eles passaram a enxergar a importância do posicionamento das organizações perante tais diferenças e a relação disto com as desigualdades sociais existentes no país, dando a entender que as empresas são responsáveis pela criação de oportunidades para as pessoas que não as teve e que isso faz toda a diferença no desenvolvimento do país. Sempre sustentei a ideia de que o tema era importante, mas o conhecimento era superficial; mesmo embasado em estudo teórico, minha visão era de que o tema era muito mais acadêmico que funcional. O olhar muda quando somos convidados a observar como a diversidade é aplicada na prática dentro das organizações, analisando a opinião dos próprios colaboradores da empresa sobre o tema, tendo contato com as obrigações com o Ministério, as necessidades e também as dificuldades da inclusão social nas empresas. Então, você cria inclusive uma visão crítica, muitas vezes até um posicionamento, e percebe que esse tema é trabalhado geralmente em empresas de grande porte, geralmente já bem estruturadas no mercado e que cultivam programas de responsabilidade social e sustentabilidade (Aluna, 25 anos, Analista de Recursos Humanos).

Análise 2: Sobre os significados atribuídos à gestão das diferenças humanas nas organizações Quando os dez alunos foram questionados se o trabalho de conclusão de curso gerou algum significado para a vida deles, todos disseram que sim, porém metade deles apontaram significados de ordem pessoal, uma vez que perceberam que se tornaram mais sensíveis ao assunto em estudo em meio às relações que estabelecem na vida. Muitos deles disseram que passaram a compartilhar o que haviam aprendido com outras pessoas da família, do trabalho e das relações pessoais (como namorados e namoradas) para que esse assunto fosse cada vez mais falado e divulgado. Com certeza significou, de certa forma, passei a enxergar o tema com um pouco mais de intimidade após a realização do trabalho, o que me tornou um profissional com uma sensibilidade diferenciada para lidar com a diversidade no ambiente de trabalho, e isso invariavelmente impacta nos resultados (Aluno, 26 anos, Assistente Administrativo). O modo de visualizar e lidar com a diversidade humana no ambiente de trabalho melhorou, saiu da teoria para a prática após fazer pesquisas (Aluna, 23 anos, Assistente de Projetos).

Alguns alunos apontaram a importância de ter feito um trabalho sobre um tema voltado para a diversidade porque passaram a atribuir um significado maior para questões voltadas não só ao desenvolvimento das empre-


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sas, como também da sociedade. Uma aluna comentou que isso está fazendo toda a diferença em sua vida, pois atualmente mora na Europa e lá as pessoas já estão mais conscientes a respeito do assunto. Então, para ela ajudou muito para que não sofresse um choque cultural: Sempre me interessei muito pelo tema, mas foi com o desenvolvimento do TGI que realmente entendi a importância e os benefícios da diversidade humana no ambiente de trabalho. (...) Reconhecer a diversidade significa entender como as semelhanças e diferenças entre as pessoas podem ser mobilizadas para o beneficio dos próprios indivíduos, da empresa e da sociedade. Hoje, tenho certeza de que as diferenças podem ser vistas como diferencial competitivo quando bem gerenciadas e associadas à cultura, valores e missão da organização (Aluna, 25 anos, Gestora de Eventos).

Para os outros alunos, ter realizado o trabalho afetou diretamente na construção de um perfil profissional no que tange à gestão das diferenças humanas nas organizações. Todos enfatizaram que suas concepções foram modificadas, sendo que sete deles afirmaram que antes do trabalho não tinham uma visão clara sobre o assunto nem noção de que havia desigualdade de oportunidades Passei a ver que as políticas de valorização da diversidade precisam existir, pelo menos enquanto nossa sociedade ainda segregar pessoas por possuírem determinadas características. Se algum dia me tornar uma gestora de pessoas, com certeza serei uma gestora melhor, mais justa e menos preconceituosa na escolha dos profissionais que trabalharão comigo, buscando respeitar e valorizar as diferentes culturas e características desses profissionais, e creio que isso tende a melhorar o clima e a produtividade de uma empresa (Aluna, 23 anos, Assistente Administrativo). Levarei este aprendizado para sempre comigo e, como gestora, um dia, tenho certeza de que tudo que estudei será fundamental para que eu possa melhorar meu ambiente de trabalho, através de uma gestão correta dos grupos. Além disso, proliferar essas ideias é um benefício à sociedade, pois esta ainda continua extremamente paternalista e machista (Aluna, 22 anos, Assistente de Marketing).

E, finalmente, não se pode desconsiderar que para alguns alunos a experiência agregou conhecimento, mas não gerou mudanças em suas vidas. Houve quem confirmasse suas opiniões de que a meritocracia é o melhor referencial para lidar com as diferenças humanas nas empresas: Fiz o trabalho, achei bacana, mas ainda continuo crendo que tudo depende mesmo é da pessoa (Aluno, 23 anos).


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Análise 3: Sobre a importância da gestão das diferenças humanas na grade curricular do curso de Administração Quando os dez alunos foram questionados sobre a importância da gestão das diferenças humanas na grade curricular do curso de Administração, mais da metade deles apontaram que é fundamental criar nos alunos a consciência de que é preciso administrar as diferenças para que as empresas deem às pessoas oportunidades que não conseguiram ter de outra forma, para que estas consigam ter condições similares às das outras e, desse modo, cheguese a um desenvolvimento social sustentável. É preciso explicar para os alunos da Administração que não há como aplicar um tratamento homogêneo a uma população completamente heterogênea em termos de garantia de direitos, condições e acesso ao mercado de trabalho. É preciso assumir as deficiências sociais do país em que vivemos, identificar as diferenças sociais que tendem a barrar o desenvolvimento do país e tratá-las pontualmente, mas também tirar proveito das diferenças que podem trazer um resultado positivo para a sociedade e para o próprio mercado de trabalho (Aluna, 25 anos, Analista de Recursos Humanos).

Ainda em relação à ideia de se preocupar com a questão do desenvolvimento econômico e social simultaneamente, outros alunos também destacaram a importância de o assunto fazer parte da grade curricular para ajudar a desenvolver um estilo de liderança a que eles chamaram de liderança sustentável: Posso dizer que o estudo da diversidade no curso de Administração é fundamental para o desenvolvimento da liderança sustentável. Conhecer o tema auxilia os alunos, e futuros gestores, a compreender as diferenças entre os indivíduos e a estimular um ambiente de trabalho saudável, no qual todos tenham as mesmas oportunidades e conheçam o real significado das práticas de diversidade (Aluna, 22 anos, Assistente de Marketing). Estudos como esse são extremamente importantes para alertar nossa sociedade, nossos profissionais e, principalmente, os futuros gestores que são os responsáveis por apoiar (ou não) práticas que valorizam a diversidade. Esse tema talvez seja um dos mais importantes sobre a gestão de pessoas e deve ser encarado com seriedade (Aluna, 23 anos, Assistente Administrativo).

Considerações finais A realização deste trabalho fez emergir algumas iniciativas que poderão ajudar a desenvolver uma prática de ensino no curso de Administração que valorize cada vez mais a gestão das diferenças humanas nas organizações.


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O referencial teórico apresentado é pretensioso quando propõe temas e conteúdos sobre o que ensinar e o que aprender a respeito das diferenças humanas, mas é ao mesmo tempo dotado de boas intenções quando carrega consigo a ideia de que não há uma razão genética que determine a diferença, mas razões que a história revela. Nesse sentido, deixa subtendido que não há um modelo de gestão sobre as diferenças humanas a ser ensinado, mas um conhecimento que deve ser construído a partir de uma análise crítica sobre a realidade econômica, social e política em que os indivíduos estão inseridos. Esse referencial ainda lembra que não dá pra falar sobre as diferenças humanas sem recorrer a comparações, nem tão pouco sem considerar a sede de domínio e de poder de um ser humano sobre outro. Entende-se que a apresentação da pesquisa realizada com dez alunos do último ano do curso de Administração também pode contribuir significativamente para uma reflexão sobre o ensino da gestão das diferenças humanas, na medida em que revela a importância de expandir o conhecimento sobre o assunto para além dos muros das universidades. A experiência dos alunos com a temática revelou que é preciso vivenciá-la, que é preciso desenvolver percepções, discutir concepções, desenvolver sentimentos e atribuir significados sobre a gestão no ambiente das empresas, por meio das conversas estabelecidas com as pessoas e pela troca de experiências com elas. Não se trata, portanto, de um assunto a ser decorado ou visto simplesmente em sala de aula. Finalmente, o desenvolvimento deste trabalho permitiu também verificar que mudanças nas concepções dos sujeitos de pesquisa (alunos) sobre a gestão das diferenças humanas nas organizações foram consideradas muito importantes para eles, não só para o desenvolvimento profissional, mas também para o pessoal. No que diz respeito ao aspecto pessoal, é gratificante compreender que um conteúdo trabalhado no ambiente educacional propiciou reflexões no âmbito das relações sociais, em que as diferenças entre as pessoas ganha uma conotação de importância, de respeito e de incentivo ao desenvolvimento social. Nesse sentido, pode-se dizer que o resultado obtido reflete uma pequena contribuição para o desenvolvimento de uma gestão social. Pequena porque ainda há muito o que fazer... Espera-se, então, que este trabalho possa estimular o surgimento de outros que possam avançar na discussão sobre as alternativas para trabalhar a diversidade humana não só no âmbito individual e educacional, mas também no nível macro (político, governamental), a fim de tornar o desenvolvimento social do país mais sustentável.


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Capítulo 13

O ensino da sustentabilidade e o diálogo interdisciplinar com as humanidades Rodrigo Augusto Prando

Resumo Este capítulo constitui-se em uma reflexão sobre o ensino da sustentabilidade num curso de Administração e o diálogo interdisciplinar com as demais disciplinas da área de Humanidades. Para tanto, objetivou-se uma divisão do texto em seções a fim de apresentar a estrutura curricular de um curso de graduação em Administração, as disciplinas e suas possíveis relações, como se dá o ensino de sustentabilidade e, ainda, como a temática se insere em nossa sociedade contemporânea, com sua dinâmica global. Por fim, o tema em voga merece uma reflexão mais atenta, radical mesmo, pois, assim, a Sociologia pode oferecer um ferramental analítico capaz de fornecer subsídios que permitam uma melhor compreensão do ensino e da prática de gestão da nova geração de jovens administradores, sem desprezar a dimensão social e política do fenômeno.

Introdução Neste capítulo se buscará tratar da disciplina Sustentabilidade e Responsabilidade Social na estrutura curricular de um curso de Administração, bem como o diálogo interdisciplinar entre as disciplinas que compõem o rol de formação humanística do curso em voga. Na condução dos objetivos desta empreitada optou-se por dividir o texto em seções. Na primeira seção, “A estrutura curricular do curso de Administração”, intenta-se abordar o panorama de formação de um bacharel em Administração, de uma renomada Instituição de Ensino Superior (IES). Há, ainda, a atenção voltada às disciplinas que compõem o conjunto de formação humanística dos jovens discentes. Em seguida, na seção “As disciplinas e suas possíveis relações”, traz-se à tona a dinâmica interna de um curso de graduação em Administração, bem como a relação entre os cursos de graduação e os órgãos governamentais que introduzem as diretrizes curriculares e avaliam se as IES cumprem seus papéis na formação dos gestores recém-graduados. A terceira seção, por sua vez, intitulada “O ensino de sustentabilidade”, trata,


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essencialmente, de apresentar a importância da disciplina de sustentabilidade e, ainda, de seu ensino nos cursos superiores. Ademais, um dos jornais de maior circulação e importância no país aponta, em pesquisa realizada com executivos e gestores, que a área da gestão ligada à sustentabilidade é central na formação das novas gerações de administradores. Já na quarta seção, nomeada de “Complexidade e dialética”, a reflexão se deu por intermédio de teóricos da Sociologia, numa abordagem contemporânea da configuração social hodierna. Na seção quinta, “Conteúdo e efetividade no ensino da disciplina”, apontam-se os objetivos, o conteúdo programático a ser desenvolvido em sala de aula e as dificuldades de construir uma aula mais dinâmica, participativa e não centrada na oratória do docente como expositor de um conteúdo. Nas considerações finais, retoma-se a discussão de que a sustentabilidade, seja em sua dimensão de ensino, seja em sua dimensão prática, na gestão das organizações, carece de uma reflexão radical, ou seja, visualizar a raiz do problema. Em sua estrutura social, a sociedade contemporânea, ao trazer à tona o conceito e práticas de sustentabilidade, não pode abdicar de uma análise que leve em conta as disparidades entre os países desenvolvidos e os países pobres e em desenvolvimento. Nesta seara, a Sociologia, num profícuo diálogo com as disciplinas de Humanidades, pode, sem dúvida, fornecer um ferramental teórico-analítico capaz de desvendar o quanto de ingenuidade ou retórica está embutido na ideia de um desenvolvimento alicerçado sobre o equilíbrio dos eixos econômico, social e ambiental.

A estrutura curricular do curso de Administração O texto que ora é apresentado é fruto de reflexões do autor a partir de sua inserção no grupo do Pró-Administração.1 Há, contudo, um contato anterior em relação à temática do ensino de sustentabilidade, pois, desde 2006, é Professor Responsável pela Linha de Formação Humana e Social (PRL), do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas (CCSA), da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Explica-se. No CCSA, há os cursos de Administração e de Administração com Linha de Formação Específica em Comércio Internacional, Economia e Contabilidade e, por isso, um grande número de docentes. Esses docentes são agregados em Linhas de Formação que reúnem disciplinas que se relacionam mais diretamente. Vejamos, a seguir, as disciplinas que compõem a formação básica do curso de Administração e que são comuns às Linhas de Formação Específicas de Finanças, Marketing, Pessoas, Operações e Planejamento Estratégico. 1. O Pró-Administração (Pro-Adm) é um projeto financiado pela CAPES e desenvolvido em parceria com outras IES de São Paulo e do Brasil. Trata-se de um grupo dedicado ao estudo e pesquisa no que tange à formação do administrador com foco na sustentabilidade.


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Na 1ª Etapa, as disciplinas são: Comunicação e Expressão, Ética e Cidadania I, Filosofia, Matemática I, Metodologia Científica I, Microeconomia, Sociologia Geral, Teoria Básica da Administração e Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS. Na 2ª Etapa: Fundamentos da Demonstração Financeira, Direito Empresarial, Lógica Matemática, Macroeconomia, Matemática II, Sociologia das Organizações, Sustentabilidade e Responsabilidade Social, Teoria das Organizações e Ética e Cidadania II. A 3ª Etapa congrega as seguintes disciplinas: Análise das Demonstrações Financeiras para Decisão, Direito Trabalhista, Economia Global, Marketing I, Matemática Financeira, Matemática III, Psicologia Aplicada às Organizações e Teoria da Administração Contemporânea. Na 4ª Etapa: Gestão de Operações I, Comportamento Organizacional, Economia Brasileira Contemporânea, Estatística Descritiva, Gestão e Contabilidade de Custos, Marketing II, Planejamento Tributário e Processos Organizacionais. A 5ª Etapa está assim estruturada: Gestão de Operações II, Estatística Inferencial, Estratégias Organizacionais, Gestão Ambiental, Gestão de Pessoas I, Marketing de Serviços, Gestão Financeira I e Sistemas de Informação. E, por fim, na 6ª Etapa: Empreendedorismo, Estatística Multivariada, Gestão da Inovação, Gestão da Qualidade, Gestão de Pessoas II, Inteligência de Negócios, Logística Empresarial, Metodologia Científica II e Inteligência de Marketing. No que tange à Linha de Formação Humana e Social, temos as seguintes disciplinas: 1) Comunicação e Expressão; 2) Ética e Cidadania I e II; 3) Filosofia; 4) Sociologia Geral; 5) Direito Empresarial; 7) Sociologia das Organizações; 8) Sustentabilidade e Responsabilidade Social; e 9) Direito Trabalhista. Essas disciplinas vão da primeira à terceira etapa de todas as turmas de Administração. Compõem, ainda, o conjunto de disciplinas do curso de Administração com Linha de Formação Específica em Comércio Internacional (neste, variando algumas etapas em que as disciplinas são oferecidas). Como se pode depreender dos quadros acima, as disciplinas mais afeitas às Ciências Sociais e Humanidades podem, ainda, ser reunidas em alguns eixos temáticos: t Comunicação e Expressão t Ética e Cidadania: Ética e Cidadania I e Ética e Cidadania II t Filosofia t Sociologia: Sociologia Geral e Sociologia das Organizações


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t

Direito: Direito Empresarial e Direito Trabalhista

t

Sustentabilidade e Responsabilidade Social

Compreende-se que, na formação de um aluno de Administração, mais especificamente na formação de um gestor contemporâneo, a dimensão humana e social de sua atividade não pode ser relegada a um plano secundário. Por conta disso, esse jovem, que, geralmente, ao iniciar o nosso curso tem 17 ou 18 anos e é recém-saído do Ensino Médio ou dos cursinhos propedêuticos, não pode, apenas, travar contato, nas primeiras etapas, com disciplinas já voltadas à ciência ou à prática da gestão. É mister que esse jovem discente entenda que seu ingresso na universidade e num curso de Administração significa mais do que buscar uma carreira, mas, sim, buscar uma carreira assentado numa visão humanística, com base ética, compreensão de direitos e deveres, das relações sociais e da presença da preocupação com a sustentabilidade e a responsabilidade social nos negócios.

As disciplinas e suas possíveis relações Os cursos superiores possuem uma grade curricular, ou seja, um conjunto de disciplinas que os discentes devem cursar e obter aprovação para que, após a realização do trabalho de conclusão de curso e das atividades complementares, possam se formar. As disciplinas que constituem um curso superior devem, obrigatoriamente, ser públicas e apresentadas aos alunos e à sociedade em geral. Assim, essas disciplinas têm por base seu Plano de Ensino.2 Em um Plano de Ensino contempla-se o objetivo, a metodologia, a ementa, o conteúdo programático, a forma de avaliação, bem como a bibliografia a ser utilizada durante as aulas e atividades acadêmicas. Com isso, o MEC (Ministério da Educação e Cultura), por meio do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Texeira), promove avaliações periódicas das IES (Instituição de Ensino Superior). O ENADE (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes) faz parte do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (Sinaes). O ENADE, portanto, “tem o objetivo de aferir o rendimento dos alunos dos cursos de graduação em relação aos conteúdos programáticos, suas habilidades e competências”.3 Assim, é um importante instrumento de avaliação que é aplicado sob os auspícios do MEC.

2. É exigido, pelo MEC, que as IES tornem públicos os Planos de Ensino de seus cursos de Graduação. No site do CCSA, podem ser encontrados os Planos de Ensino, acessando o link “Estrutura Curricular”: http://www.mackenzie.br/administracao_sp.html. 3. Informações mais detalhadas podem ser obtidas no site do Inep: http://portal.inep.gov.br/enade, acessado em 5 de maio de 2012, às 16h.


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A universidade recebe um jovem e dá continuidade à sua formação intelectual, só que, agora, em nível superior. Dessa forma, haverá um conjunto de atividades alicerçadas sobre o tripé: ensino – pesquisa – extensão, que visarão à constituição de um profissional com um perfil esperado. Esse perfil não é apenas um conjunto de habilidades do egresso que será avaliado pelos órgãos governamentais, é um perfil esperado pela sociedade. Vejamos. Segundo documentos explicativos do ENADE, no perfil do egresso do Curso de Administração é “considerada a formação de um profissional: ético, competente e comprometido com a sociedade em que vive”. E, ainda: serão verificadas as capacidades de: ler e interpretar textos; analisar e criticar informações; extrair conclusões por indução ou dedução; estabelecer relações, comparações e contrastes em diferentes situações; detectar contradições; fazer escolhas avaliando consequências, questionar a realidade e argumentar coerentemente.

Na prova – dividida em Formação Geral e Específica – o aluno deverá, nas questões discursivas, ser capaz de responder com: “clareza, coerência, estratégias argumentativas, utilização de vocabulário adequado e correção gramatical do texto”. O administrador que atuará em uma organização – seja do primeiro, segundo ou terceiro setor – deverá, segundo os critérios do ENADE, apresentar consciência e ações éticas, ser competente no uso de seu instrumental profissional e, ainda, comprometido com a sociedade em que vive. Essa visão busca relacionar a competência técnica e intelectual a uma perspectiva que leve em conta o resultado das ações do administrador, ou seja, que as ações sejam embasadas em ações éticas e que os impactos de tais ações ultrapassem os domínios da organização e sejam benéficos para toda a sociedade. Nessa assertiva, coloca-se no mesmo grau de importância a competência e o comportamento ético e socialmente comprometido. Há muito está superada a visão de que a organização – especialmente as empresas – tem apenas a função de buscar o lucro, gerar empregos e cumprir as leis. O profissional da gestão deverá ter amplo domínio de seu arcabouço teórico e coadunar esse arcabouço a uma prática ética. A relação teoria versus prática é mediada pela ética e pela responsabilidade social. No que tange às capacidades do aluno avaliadas, destaca-se, em primeiro lugar, “ler e interpretar textos”. A sociedade hodierna traz uma quantidade incomensurável de informações, mas a informação, para se tornar efetivo conhecimento, demanda atenção, interpretação, ou seja, uma leitura atenta, pausada, profunda, de um texto. Assim, não é à toa que, em segundo lugar, espera-se que o aluno seja capaz de “analisar e criticar informações”. Etimo-


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logicamente, analisar significa “ação de decompor um todo em suas partes componentes” e criticar, a “arte ou faculdade de julgar produções de caráter literário, artístico, etc.” e “apreciação, julgamento”.4 Dessa forma, é imperioso que, após ler e interpretar um texto, o aluno (administrador) seja capaz de decompor a informação, de compreender as partes que compõem o todo e, por fim, possua elementos que lhe permitam a crítica da informação, do texto, que ele possa exercer um julgamento crítico daquilo que leu e compreendeu. No campo da lógica, o aluno deve ser capaz de extrair conclusões por indução ou dedução. Na indução, o raciocínio parte de fatos particulares a fim de se alcançar uma conclusão genérica. Já na dedução, há uma inferência que parte do universal para o particular. A lógica, contudo, esperada não é apenas uma lógica formal e sim uma lógica dialética, já que o aluno deve ser capaz de: “estabelecer relações, comparações e contrastes em diferentes situações; detectar contradições”. Ser capaz de apreender a realidade como permeada por contradições é, essencialmente, ser capaz de analisar criticamente, de se levar em conta os atores sociais que interagem nas organizações e que, muitas vezes, ações e visões são alicerçadas sobre contradições que não são aparentes, mas são fundamentais. Com isso, o aluno atenderia a outro quesito, que é “questionar a realidade”. E, por fim, entender que as escolhas humanas são permeadas pela moralidade, isto é, somos responsáveis por nossas escolhas e pelos resultados dessa escolhas, já que a condição humana nos coloca diante da capacidade de projetar nossas ações antes de levá-las a cabo. Uma análise de nossas atuais disciplinas, mormente as que compõem a Linha de Formação Humana e Social, permite afirmar que o Curso de Administração do CCSA alinha-se ao perfil do egresso esperado pelos órgãos governamentais. A disciplina de Comunicação e Expressão trabalha com a formação da capacidade de leitura e interpretação crítica dos textos, já a Filosofia busca apresentar aos alunos textos filosóficos que, para além da própria leitura (que é importante em si), traga questões sobre a ética, lógica e pensamento social. A disciplina de Filosofia, somada à de Sociologia Geral e Sociologia das Organizações, contribui, peremptoriamente, para a formação do senso crítico do aluno. Ao trabalhar com autores clássicos e contemporâneos, essas disciplinas apresentam ao aluno um manancial de teorias e conceitos que lhe permite enriquecer e sofisticar sua visão de mundo. Ademais, casos e dilemas organizacionais são apresentados e discutidos e interpretados à luz das teorias sociológicas ou do pensamento filosófico. 4. Cf. em verbete “analisar” e “crítico” em Antônio Geraldo da Cunha, no dicionário etimológico da Língua Portuguesa.


Cap 13 – O ensino da sustentabilidade e o diálogo interdisciplinar... 279

Há, sempre, que focar as melhores estratégias de ensino para o alunado de Administração, isto é, Filosofia e Sociologia estão sendo ensinadas para estudantes de Administração e, por isso, devem, na maioria das vezes, ser relacionadas à vida organizacional, aos cenários sociais, políticos, culturais e econômicos que as organizações atravessam hodiernamente. As disciplinas de Sustentabilidade e Responsabilidade Social e as de Direito (Empresarial e Trabalhista) se inserem nessa perspectiva de apresentar ao estudante que a vida em sociedade é contratual e que no âmbito das organizações deve ter conhecimento das leis que regem as ações empresariais e as relações entre os grupos sociais (patrões, empregados, acionistas, etc.). As organizações contemporâneas compreendem que suas ações são, hoje, acompanhadas por toda a sociedade e que temas como sustentabilidade e responsabilidade social não são modismos e sim essenciais à manutenção de negócios que visem ao lucro, mas que não abram mão de refletir criticamente sobre os impactos sobre o meio ambiente e as responsabilidades com os stakeholders. Infelizmente, temos, ainda, um conjunto de disciplinas que, na maioria das vezes, não estabelecem diálogos entre si. Há, constantemente, um esforço de se quebrarem barreiras disciplinares e oferecer aos nossos discentes um diálogo mais profícuo em relação às disciplinas que compõem o rol da Linha de Formação Humana e Social. Se há uma dificuldade de dialogar entre disciplinas de uma mesma Linha de Formação, imagine-se quão árdua é a interlocução com as disciplinas de outras Linhas (Finanças, Marketing, Pessoas, Operações, Planejamento Estratégico, Teorias da Administração, Métodos Quantitativos, Comércio Internacional, Economia e Metodologia Científica). Não há como fugir da premissa de que nossa formação acadêmica – intelectual em sentido lato – é assentada na divisão de áreas de conhecimento (Humanas, Exatas e Biológicas) e, dentro dessas, de uma infinidade de especializações. Quando se trazem à tona prefixos como inter, multi ou trans para se unirem à palavra disciplina, espera-se, no mínimo, produzir um debate acerca do próprio conhecimento, de sua geração, aplicação e disseminação. O ponto fulcral é que, em pleno século XXI, nossa forma de ministrar aulas, de ensinar os conteúdos, de entender o processo ensino-aprendizagem, ainda padece dos elementos constitutivos das universidades da Idade Média. O ensino, quer queiramos ou não, ainda se concentra na figura do professor, e este é entendido como detentor do conhecimento, que deve ser transmitido aos alunos, que o recebem passivamente. Não é simples romper com essa lógica, lógica cartesiana, departamental, de conhecimentos divididos em áreas, especializações, etc. E não é simples porque essa forma de desenvolvimento do conhecimento e da ciência e, também, o do ensino, é característica


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de nossa formação ocidental, de nossa racionalidade e de nossa burocracia (entendida, ressalta-se, no sentido weberiano5 do termo). Nos dias que se seguem, as tecnologias são parte fundamental de nossas vidas, as redes sociais colocam – em tempo real – indivíduos e grupos que estão, muitas vezes, a milhares de quilômetros de distância. O mundo virtual está, sem dúvida, invadindo o mundo real, no limite, já há dificuldades de se distinguir, às vezes, o real do virtual e o virtual do real. É óbvio que essa dimensão tecnológica e virtual está presente em nossas salas de aula, em nossos alunos e em nossos professores. Cada ator social se relaciona de uma forma diferente com as novas demandas da sociedade em rede.6 Embora reconheçamos nossas limitações em romper de uma hora para outra com as bases de nossa formação intelectual (burocratizada e especializada), não se pode deixar de destacar que os esforços não devem ser abandonados. Ao se promover o diálogo entre professores de diferentes disciplinas, pensando o ensino mais aberto e com sentido para a vida de nossos alunos, estamos, ainda que timidamente, contribuindo para a constituição de um novo tipo de inteligência.

O ensino de sustentabilidade Ouso, aqui, afirmar que, de todas as disciplinas que compõem a grade curricular do curso de Administração, a disciplina nomeada Sustentabilidade e Responsabilidade Social é a que mais exige um diálogo entre as várias esferas do conhecimento. A própria definição (GOLDSTEIN, 2007) consagrada de sustentabilidade, que relaciona um desenvolvimento em equilíbrio entre o econômico (financeiro), o ambiental e o social e, ainda, que se usem os recursos do presente sem esgotá-los para as gerações futuras, é uma definição que ultrapassa fronteiras disciplinares. Nas palavras de Guevara e Dib: A educação para o desenvolvimento sustentável, em um consenso geral entre os educadores modernos, não deve apenas instruir, mas desenvolver a capacidade crítica, o espírito de iniciativa e o senso de responsabilidade do educando perante o mundo em que vive. A missão do educador nesse contexto é utilizar recursos para a construção de pontes entre os problemas da sociedade e o panorama de geração de riquezas, e mostrar que a sustentabilidade do planeta está em nossas mãos (GUEVARA e DIB, 2011, p. 27, destaques meu). 5. Cf. em: Ensaios de Sociologia, de Max Weber, especialmente, na seção VIII – Burocracia. Vale, ainda, citar outro escrito de Weber: A ética protestante e o espírito do capitalismo. 6. A discussão das novas configurações sociais, da sociedade em rede, podem ser encontradas em Manuel Castells: A sociedade em rede, Fim de milênio e A galáxia da Internet.


Cap 13 – O ensino da sustentabilidade e o diálogo interdisciplinar... 281

Vê-se, claramente, que os especialistas tratam a temática num âmbito que não comporta apenas um tipo de conhecimento e apenas a ação de instruir. Voltemos, por um momento, à avaliação a que nossos alunos são submetidos pelo ENADE. Abaixo, os temas que são cobrados na prova que engloba a Formação Geral: t

ecologia e biodiversidade;

t

arte, cultura e filosofia;

t

mapas geopolíticos e socioeconômicos;

t

globalização;

t

políticas públicas (em educação, saneamento, saúde, desenvolvimento sustentável, segurança e defesa);

t

redes sociais e responsabilidade (setor público, privado e terceiro setor);

t

relações de trabalho;

t

tecnociência;

t

relações interpessoais (respeitar, cuidar, considerar, conviver);

t

sociodiversidade (multiculturalismo, tolerância e inclusão);

t

exclusão e minorias;

t

relações de gênero;

t

vida urbana e vida rural;

t

democracia e cidadania;

t

violência e terrorismo;

t

inclusão e exclusão digital;

t

propriedade intelectual;

t

diferentes mídias e tratamento da informação.

Desses temas – passíveis de avaliação – muitos estão, evidentemente, ligados à disciplina Sustentabilidade e Responsabilidade Social, como, por exemplo: a) ecologia e biodiversidade; b) mapas geopolíticos e socioeconômicos; c) globalização; d) políticas públicas; e) redes sociais e responsabilidade; f) relações de trabalho; g) sociodiversidade; h) exclusão e minorias; i) relações de gênero; e j) vida urbana e vida rural. Guevara e Dib (2011, p. 27-28) trazem à tona a obra Os sete saberes necessários à educação do futuro, de Edgar Morin, a fim de se discutir nossas práticas de ensino e destacam alguns pontos que merecem atenção: t a educação está cega quanto ao conhecimento humano e não se preocupa em fazer conhecer o que é conhecer;


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t

a educação é incapaz de aprender problemas globais e neles inserir os conhecimentos parciais e locais;

t

a educação não consegue integrar o ser humano, a um só tempo, como um ser físico, biológico, psíquico, cultural, social e histórico;

t

a educação precisa urgentemente ser alertada para a problemática individual e social provocada pelo fato de ela ignorar o destino planetário do gênero humano;

t

a educação deveria ensinar princípios de estratégias que permitiriam enfrentar os imprevistos, o inesperado e a incerteza, e modificar o curso do desenvolvimento individual e coletivo, em virtude das informações adquiridas ao longo do tempo;

t

a educação está ausente no ensino da compreensão, o planeta precisa em todos os sentidos da compreensão mútua para o estabelecimento da paz;

t

a educação deveria conduzir a uma ética que considere o caráter ternário da condição humana, que é ser ao mesmo tempo indivíduo/ sociedade/espécie.

A educação pensada, proposta, por Morin está, desafortunadamente, longe de nossa realidade, mormente, uma realidade que prima pela formação de administradores com amplos recursos técnicos, mas, muitas vezes, desconsiderando que o ato de gerir os negócios deve levar em conta essa condição humana ternária: indivíduo/sociedade/espécie. Mesmo que distante dessa realidade apregoada por Morin, os esforços cotidianos são mais do que válidos, visto que as mudanças dependem, muitas vezes, de microrrupturas, da mudança de valores, de se criar uma nova cultura. José Armando Valente, em seu Educação para a aprendizagem sustentável, inicia apresentando a preocupação da ONU com a educação sustentável e o estabelecimento da década de 2005-2014 como a década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável (EDS). Nesse sentido, a EDS teria “como objetivo global integrar os valores inerentes ao desenvolvimento sustentável em todos os aspectos da aprendizagem, com o intuito de fomentar mudanças de comportamento que permitam criar uma sociedade sustentável e mais justa para todos” (UNESCO, 2005, p. 17 apud VALENTE, 2011, p. 37). O documento que trata das diretrizes para a EDS versa, segundo Valente (2001, p. 38), sobre os seguintes pontos: t

Uma nova visão de educação: educação para o desenvolvimento sustentável é um conceito emergente, mas dinâmico, que engloba uma nova visão de educação, a qual procura empoderar pessoas de todas as idades a assumir a responsabilidade por criar um futuro sustentável.


Cap 13 – O ensino da sustentabilidade e o diálogo interdisciplinar... 283

t

Educação básica: educação provê os fundamentos de toda a educação futura e é uma contribuição para o desenvolvimento sustentável por si só.

t

Reorientação da educação: há necessidade de reorientar políticas, programas e práticas educacionais existentes, de modo que possam construir conceitos, habilidades e compromisso necessários ao desenvolvimento sustentável.

t

Educação para a transformação rural: educação é a chave para a transformação rural e é essencial para a economia, cultura e vitalidade ecológica de comunidades e áreas rurais.

t

Aprendizagem ao longo da vida: aprendizagem ao longo da vida, incluindo educação de adultos e comunidade, educação vocacional e tecnológica, educação superior e formação de professores, é ingrediente vital da construção de capacidades para um futuro sustentável.

É, portanto, claro que, ao se pensar em sustentabilidade, pensa-se, efetivamente, no componente educacional. Para se romper com uma visão “tradicional” que encara a organização empresarial apenas como busca desenfreada do lucro, da utilização dos recursos naturais sem se pensar no futuro, é necessária uma nova forma de ensino, de educação, uma educação que não seja, tão somente, a transmissão de conteúdos para os alunos. Há que se pensar e praticar uma educação que coloque o aluno e, também, o professor como atores importantes e com responsabilidades compartilhadas no processo de mudança cultural, de se mudar o ponto de visada. Cabe, aqui, indicar que vislumbrar, projetar, um futuro sustentável exige, individual e socialmente, uma nova postura, postura que tenha cabedal teórico e crítico para entender os problemas contemporâneos e que se possa, criativamente, propor soluções. O jovem estudante de administração deve, junto a seus professores, encarar a realidade e entender – não só no âmbito acadêmico –, mas em sua vida na organização, na sua família, que suas ações trazem consequências e que o conceito de responsabilidade tem em seu bojo a necessidade de se compreender que a racionalidade, ao tratar de melhor adequar os meios para se atingirem os fins, implica que seja sustentável em nossos meios (na gestão de nossos negócios e de nossa vidas) para que atinjamos um fim (um futuro sustentável). Conectada a essa discussão foi publicada uma matéria, em 17 de julho de 2011, no jornal Folha de S. Paulo. No texto, o jornalista Edson Valente aborda os novos caminhos das profissões mais procuradas para cursos de graduação no país. O curso de Administração vem em primeiro lugar, com cerca de 1.102.579 matrículas, seguido de Direito (651.730) e Pedagogia (573.898), segundo censo do MEC de 2009. O curso de Administração, por-


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tanto, tem quase o dobro do curso segundo colocado. Entrevistando especialistas do Brasil e do exterior, o jornalista afirma que: O administrador do futuro deverá lidar com o conceito de lucro sustentável. Ética e transparência no trato com os funcionários, acionistas, sociedade e o ambiente nortearão a atuação profissional. Os cursos que focam novos modelos de gestão estratégica são indicados para a sua especialização. Os MBAs de Harvard, nos EUA, e do Insead, na França, figuram entre os mais recomendados. No Brasil, pós-graduações da FIA (Fundação Instituto de Administração) e especialização na FGV (Fundação Getúlio Vargas) se destacam.

Tratando de áreas emergentes, o jornalista indica que: “Nesse contexto, pós-graduações lato sensu nas áreas ambiental, de relação de consumo, de propriedade intelectual [...] são as mais sugeridas”. Já em seu intitulado Sustentabilidade é foco de novo gestor, Lara Silbiger aduz que: “Além de conhecimentos específicos, cada vez mais se exigirá do administrador competência para inovar e relacionar-se com pessoas”. A seguir destaca: “Ética, responsabilidade socioambiental e princípios de governança corporativa são pré-requisitos para os futuros gestores. [...] Nesse contexto, deverá se destacar a administração ‘focada em evitar prejuízos ambientais com uma gestão de sustentabilidade’”. Busquei, nesta seção, tratar – ainda que panoramicamente – do ensino de sustentabilidade tal qual praticamos no CCSA, no curso de Administração. Apresentei a dimensão conceitual do tema para autores já consagrados, a preocupação de órgãos governamentais que avaliarão o egresso do curso de Administração, a preocupação do Ensino para o Desenvolvimento Sustentável para a ONU e, por fim, a importância do tema para uma matéria jornalística. Depreende-se, com isso, que a sustentabilidade está em voga, mas não seria, em meu entender, apenas uma moda passageira, mais um modismo que viria a se coadunar às teorias da Administração. Não. Penso, sobretudo, que sustentabilidade e o ensino para a sustentabilidade é, antes de tudo, uma necessidade premente, real, de se entender criticamente os desdobramentos do capitalismo contemporâneo e de se projetar o futuro com ações concretas que devem ser levadas a cabo no presente. E essas ações devem ser tratadas, sem dúvida, no âmbito da academia, no processo de ensino, pesquisa e de extensão universitária. Para se problematizar o presente e se projetar o futuro, devemos buscar um novo tipo de inteligência, uma inteligência que permita entender o mundo em sua totalidade e não fragmentado e a-histórico. É disso que trataremos na próxima seção.


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Complexidade e dialética A discussão do ensino da sustentabilidade não pode ficar descolada de nossa realidade social. A famigerada globalização é, por assim dizer, a radicalização do modo de produção capitalista. A tecnociência como força produtiva, os meios de comunicação e a possibilidade de contato imediato, em tempo real, dá uma dimensão global ao modo de capitalismo coetâneo. Ou seja: a reprodução do capital em escala global traz vantagens e, ainda, suas contradições, como, por exemplo: a exploração do trabalho pelo capital, manutenção de condições de pobreza e miséria em alguns países e regiões do globo, desmatamentos e esgotamento de alguns recursos naturais, etc. (NOGUEIRA, 2008, 2001; CHESNAIS, 1996; IANNI, 1996, 1995). Nas palavras de Nogueira: Para entender aquilo que singulariza a globalização atual, precisamos superar os determinismos rígidos, de tipo monocausal. Não estamos diante de um processo em que o “econômico” (o mercado, o capital) e o “tecnológico” (a inovação acelerada, as tecnologias da informação) joguem o único ou mesmo o principal papel. A globalização é seguramente multidimensional e suas “causas” devem ser buscadas na articulação dos planos e das determinações que a compõem. Tão importante quanto a constituição de um poderoso mercado mundial e o predomínio avassalador de um capitalismo global é a formação de espaços transnacionais que ultrapassam as fronteiras e o raio de ação dos Estados nacionais. Operam com igual força a globalização cultural, a da comunicação e a da informação, assim como os primeiros ruídos de uma “sociedade civil mundial” e a globalização do crime (NOGUEIRA, 2008, p. 27-8).

No atual estágio de desenvolvimento das sociedades, as relações sociais, a sociabilidade, parecem eliminar a solidariedade entres os grupos e as classes sociais, apresentando, fortemente, uma sociedade constituída, apenas, de indivíduos, de consumidores, que, de uma forma ou de outra, buscam sua satisfação. Discutir a sustentabilidade, seja na formação do administrador de empresas ou mesmo em nossas condutas cotidianas, é remar contra essa maré de hipervalorização do individualismo, de uma sociedade hedonista e que vive no presenteísmo, isto é, preocupa-se com a satisfação instantânea, se esquece do passado e não se coloca como capaz de projetar um futuro mais generoso. Na busca de explicar a modernidade – modernidade líquida, em seu entender – Bauman assevera que: A desintegração da rede social, a derrocada das agências efetivas de ação coletiva, é recebida muitas vezes com grande ansiedade e lamentada como “efeito colateral” não previsto da nova leveza e fluidez do poder cada vez


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mais móvel, escorregadio, evasivo e fugitivo. Mas a desintegração social é tanto uma condição quanto um resultado da nova técnica do poder, que tem como ferramentas principais o desengajamento e a arte da fuga. Para que o poder tenha liberdade de fluir, o mundo deve estar livre de cercas, barreiras, fronteiras fortificadas e barricadas. Qualquer rede densa de laços sociais, e em particular uma que esteja territorialmente enraizada, é um obstáculo a ser eliminado. Os poderes globais se inclinam a desmantelar tais redes em proveito de sua contínua e crescente fluidez, principal fonte de sua força e garantia de sua invencibilidade. E são esse derrocar, a fragilidade, o quebradiço, o imediato dos laços e redes humanos que permitem que esses poderes operem (BAUMAN, 2001, p. 22).

À guisa de comparação entre a fase “pesada” e a fase “liquida”, atual, do capitalismo, vale, ainda, acompanhar o raciocínio de Bauman: O fordismo era a autoconsciência da sociedade moderna em sua fase “pesada”, “volumosa”, ou “imóvel” e “enraizada”, “sólida”. Nesse estágio de sua história conjunta, capital, administração e trabalho estavam, para o bem e para o mal, condenados a ficar juntos por muito tempo, talvez para sempre – amarrados pela combinação de fábricas enormes, maquinaria pesada e força de trabalho maciça [...]. O capitalismo pesado era obcecado por volume e tamanho, e, por isso, também por fronteiras, fazendo-as firmes e impenetráveis (BAUMAN, 2001, p. 69).

Em contrapartida, no mundo coevo [...] o capital viaja leve – apenas com a bagagem de mão, que inclui nada mais que pasta, telefone celular e computador portátil. Pode saltar em quase qualquer ponto do caminho, e não precisa demorar-se em nenhum lugar além do tempo que durar sua satisfação. O trabalho, porém, permanece tão imobilizado quanto no passado – mas o lugar em que ele imaginava estar fixado de uma vez por todas perdeu sua solidez de outrora; buscando rochas, as âncoras encontram areias movediças. Alguns dos habitantes do mundo estão em movimento; para os demais, é o mundo que se recusa a ficar parado (BAUMAN, 2001, p.70).

Qual a contribuição que essas citações podem trazer à temática da sustentabilidade? Qual o motivo de se apresentar um cientista político (Nogueira) e um sociólogo (Bauman)? Creio que a contribuição resida no fato de que, ao nos explicar a sociedade em seu estágio atual, esses teóricos nos permitem a construção de um ponto de visada mais crítico, que se preocupe em contextualizar o sentido e os usos da sustentabilidade. Cavalcanti (2012, p. 35-6) preocupa-se, essencialmente, com o uso que se faz do conceito de sustentabilidade, do discurso da sustentabilidade: “[...]


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a noção de sustentabilidade dá a impressão de se ter convertido numa espécie de mantra da atualidade. É repetida quase à exaustão em todo tipo de discurso relacionado com o desenvolvimento (e crescimento) econômico”. Em suas conclusões, aduz que: Cabe aqui indagar o que é que se deseja sustentar. Padrões de vida (bemestar) ou os meios que asseguram a realização humana? Fonte única de tudo, a natureza (por meio do fluxo metabólico entrópico que proporciona o transumo) tem que ser considerada em primeiro lugar. O desafio é saber qual a escala ótima da economia que garante sua sustentabilidade pelo ecossistema. Essa escala ótima é a escala sustentável (CAVALCANTI, 2012, p. 47).

O autor aponta, enfim, que a ideia de sustentabilidade não pode ser um mantra, um discurso em uníssono, que traria a resolução dos problemas. Ao aplicar o conceito – de sustentabilidade – às práticas econômicas, haverá que se fazer uma escolha moral: que tipo de sociedade e que tipo de pessoa vale a pena prezar? Essa discussão é pertinente, pois, como educadores, pesquisadores, cidadãos, nos defrontamos com escolhas, e estas trazem, como não poderia deixar de ser, consequências. No limite, a sustentabilidade não deve se limitar a um curso, ou a uma disciplina. Não se deve restringir a discussão ao campo do discurso, do “canto da sereia”, isto é, das organizações que se colocam, na mídia e em suas propagandas, como sustentáveis, ecologicamente corretas, praticantes de responsabilidade social empresarial, etc. Os atores sociais envolvidos no processo de ensino e aprendizagem – alunos, professores, pesquisadores e gestores das IES – devem ultrapassar os aspectos mais imediatos dos discursos corporativos e lidar, criticamente, com a forma (o conceito) e o conteúdo (as práticas reais e as relações sociais concretas). É, por isso, que, novamente, recorro a Nogueira (2001), que, ao defender a política, a Política com P maiúsculo, indica que devemos desenvolver uma inteligência especial, um tipo de inteligência capaz de assegurar o avanço do pensamento crítico. Em seu entender, o quadro atual combina muito conhecimento e pouca reflexão, ou, melhor dizendo, temos muita informação e pouca capacidade de transformá-la em efetivo conhecimento. Muitas vezes, a formação dos administradores peca pela ausência de estudos no campo da Política. Hoje, a política e os políticos estão desacreditados pela maioria das pessoas. Há, inclusive, os defensores da eliminação dos políticos, como se isso fosse simples e possível. Não haveria vida social sem poder político. A morte da política significaria o renascimento da força em estado bruto, do “estado de natureza” hobbesiano. E, ainda, a política seria


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concebida como elemento de discussão em fóruns governamentais, nos Poderes Executivo ou Legislativo, seja no município, no estado ou na União. Esquecem-se de que a política é a própria vida. Não há como se desligar dela. Os que afirmam odiar a política ou serem apolíticos, que não têm preferência partidária, já estão optando por uma postura, ainda que de apatia e colaborativa com o estado em que se encontra nossa representação política. A política não é feita no ambiente dos políticos, é feita na empresa, nas reuniões, nos encontros, nos cafezinhos. E mais: discutir ou não a sustentabilidade é uma escolha política, repercutirá no espaço social e não apenas no ambiente corporativo. Não à toa que, pela primeira vez, tivemos como candidata à Presidência da República uma política que, assumidamente, é pró-sustentabilidade e tem um histórico de lutas ambientais.7 Para Nogueira: Se o mundo tornou-se global – isto é, mundializou-se categoricamente e viu suas áreas específicas integrarem-se sempre mais – não temos como apreendê-lo sem tratá-lo como um complexo, um todo que é tecido junto. Isso requer uma inteligência especial: histórica, dialética, totalizante (NOGUEIRA, 2001, p. 35).

Ademais, “pensar em termos complexos significa, portanto, apostar decisivamente no pensamento crítico e em suas inesgotáveis possibilidades” (NOGUEIRA, 2001, p. 36). Na próxima página, um quadro que sintetiza as profícuas ideias do autor. Nesta seção, intitulada Complexidade e dialética – que tomei de empréstimo de Nogueira (2001) –, procurei apresentar alguns autores e seus respectivos cabedais teóricos, objetivando caracterizar a sociedade contemporânea. Claro que muitos outros autores poderiam ser adicionados a esta reflexão, todavia, por questões de brevidade, tratei daqueles que, de uma forma ou de outra, poderiam contribuir com a discussão dos usos e, por que não dizer, “abusos” do conceito de sustentabilidade. O mundo que, à primeira vista, se apresenta como caótico, fragmentado, como o império do mercado global, desprezando os grupos e as classes sociais, constituído por meros indivíduos consumidores, não é tão indecifrável assim. Estabelecer conexões de sentido entre os conceitos de sustentabilidade, desenvolvimento sustentável e educação para a sustentabilidade e as efetivas práticas no campo da formação de gestores é buscar ultrapassar o pensamento cartesiano, de lógica linear, de especializações estanques. 7. Refiro-me à candidata Marina Silva (PV), que foi a terceira colocada no primeiro turno das eleições presidenciais de 2010, e foram para o segundo turno José Serra (PSDB) e Dilma Roussef (PT), tendo esta sido eleita presidente.


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Pressuposto do pensamento 1. Ir além dos determinismos sedutores 2. Pensar a realidade como processo, movimento, contradição, unidade da identidade e da nãoidentidade 3. Pensar como movimento, sendo, portanto, sempre incompleto 4. Regra para saber o que fazer com informações e conhecimentos 5. Aceitar que o real é fenômeno e essência 6. Reconhecer a natureza caótica dos sistemas em que vivemos e atuamos 7. Pensar estratégica e organizacionalmente 8. O homem é um ser que responde ao seu ambiente 9. Todo o projeto opera com a ideia de futuro 10. Pensar nesta dialética histórica para valorizar a história e entender seu ritmo 11.O homem surpreende sempre e não se cansa de dar respostas, não é algo fixo 12. A história é feita pelos homens e, por isso, não está rigidamente predeterminada

Consequência do pensamento na ação o movimento econômico tem inegável poder de determinação, mas sofre repercussões do movimento político e ideológico. entender que o real é a “síntese de múltiplas determinações” – pensamento totalizante tudo, no fundo, está ligado a tudo o tempo todo o pensamento não está vazio de verdade, mas não detém toda a verdade, a ciência não pode tudo “mais vale uma cabeça bem feita do que uma cabeça cheia” o real é aparente e deve-se buscar a essência do fenômeno ciência busca explicar a essência o “caos” eminentemente ordenado, os polos dialéticos se atraem e se repelem o tempo todo “estratégia como modo de lidar ou cooperar com o outro em um jogo social, para vencer sua resistência ou obter sua colaboração” o homem é um ser que trabalha a dimensão teleológica do trabalho apostar no valor do que é novo e buscar o que se julga merecedor de desejo de ser alcançado não desprezar o passado como história história e os interesses dos vitoriosos no mundo da história, não há vida, espaços ou estruturas sem sujeitos ao fazer história exploramos o legado material e de ideias deixadas para nós

13. Reconhecimento do sujeito

grupos e indivíduos fazem-se uns aos outros

14. Reconhecer a liberdade, o desejo, vontades e interesses do sujeito

não se pode renunciar à liberdade mas não se pode querer toda a liberdade

Fonte: Adaptado de Nogueira (2001, p. 36-44).


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Compartilhamos a crença de que antes, e acima de tudo, de se tratar da formação de jovens administradores para a condução de negócios sustentáveis, deve-se refletir acerca da formação de um grupo de docentes aptos, preparados, para lidar com o tema de forma crítica e criativa. Um grupo de professores que esteja aberto ao diálogo e, sobretudo, um diálogo com as disciplinas ligadas às Humanidades. Necessitamos, assim, de uma inteligência especial, uma inteligência dialética, que seja histórica, totalizante e supere os determinismos, mormente, o economicismo tão abundante em correntes autodeclaradas críticas da realidade social. Numa universidade é mister que se conjuguem o ensino, a pesquisa e a extensão, e, creio eu, a área da sustentabilidade é um dos campos mais profícuos para essa conjugação.

Conteúdo e efetividade no ensino da disciplina O plano de ensino da disciplina Sustentabilidade e Responsabilidade Social possui – como os demais planos de ensino da grade curricular do curso – as seguintes seções: a) Objetivo, b) Ementa, c) Metodologia de Ensino, d) Conteúdo Programático, e) Bibliografia Básica e, por fim, f) Bibliografia Complementar. No que tange à Metodologia de Ensino, temos aulas expositivas com o auxílio de multimeios, leitura e debate com base nos textos selecionados na bibliografia, trabalhos em grupos e seminários, pesquisas em bibliotecas e elaboração de trabalhos individuais ou coletivos acerca de questões propostas no Plano de Ensino. Desta maneira, em seu aspecto mais operacional, a disciplina está, ainda e infelizmente, presa aos conceitos mais tradicionais de ensino e aprendizagem. A carga horária da disciplina é de 2 horas semanais, o que implica um encontro semanal de 2 horas/aula.8 O fato de todo o conteúdo ter de ser desenvolvido em apenas 2 horas semanais implica que, ainda, a maioria dos docentes lance mão de aulas expositivas, nas quais são solicitadas leituras anteriores e, por fim, os alunos podem, no decorrer ou ao final da exposição do professor, questionar ou debater os temas. É urgente, portanto, que professores e alunos se encontrem como parceiros no processo de aprendizagem, que o professor não seja monopolizador de conhecimentos e transmissor de conceitos. Mais ainda: uma disciplina de caráter tão multidisciplinar como é essa área do conhecimento exige que se possa trabalhar com casos reais que envolvam organizações e suas preocupações com a sustentabilidade e a responsabilidade social. Seria, obviamente, de grande valia se alunos e professores pudessem se defrontar com pro8. O período, matinal ou noturno, comporta 6 horas/aula, ou seja, são, geralmente, 2 h/a para cada disciplina, num total de, no máximo, três disciplinas por período.


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blemas reais do mundo da gestão e, também, realizar visitas periódicas às organizações e, com isso, travar contato com os gestores, estes compartilhando suas agruras e soluções no que tange à tentativa de equilibrar as demandas econômicas, sociais e ambientais das organizações que gerem. Por sua vez, o Objetivo da disciplina, expresso no Plano de Ensino, estaria correto? Vejamos: Capacitar o aluno a fim de que compreenda que a gestão nas organizações contemporâneas assenta-se sobre a necessidade de ações sustentáveis, bem como uma relação ética e socialmente responsável junto aos seus stakeholders

A Ementa traz os seguintes elementos: Contexto histórico do surgimento da Responsabilidade Social Empresarial (RSE). A RSE como diferencial competitivo no mundo contemporâneo. As ações de responsabilidade social de empresas no Brasil e seus impactos nas comunidades. O surgimento da questão ética nos negócios. A empresa socialmente responsável e a relação com seus stakeholders. A sustentabilidade da empresa e ações de sustentabilidade na sociedade..

E, por fim, o Conteúdo Programático: I – Contexto histórico: panorama internacional (Guerra Fria, Estado de bem-estar social, neoliberalismo, globalização, etc.). II – Surgimento da responsabilidade empresarial: panorama mundial e no Brasil. III – O terceiro setor e as parcerias com empresas socialmente responsáveis: exemplos de ações de responsabilidade social de empresas. IV – Sustentabilidade e responsabilidade social: diálogo necessário. V – A dimensão ética nas organizações.

Ao tratar do Objetivo, da Ementa e do Conteúdo Programático, cabem alguns questionamentos para futuras discussões – com o grupo de professores que ministram a disciplina: a) Conseguimos atingir o Objetivo proposto? b) A Ementa e o Conteúdo Programático estão conectados logicamente e, mais ainda, são capazes de expressar o que se espera que um jovem administrador domine para o exercício de seu ofício? c) Como aproveitar melhor as disciplinas da etapa anterior (Filosofia e Sociologia Geral) no diálogo com a disciplina de Sustentabilidade e Responsabilidade Social? É possível sugerir temas e/ou discussões que poderiam ser tratados um semestre depois?


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d) Na mesma etapa estão as disciplinas de Sociologia das Organizações e Sustentabilidade e Responsabilidade Social. Como propiciar atividades em conjunto entre os professores e seus alunos? e) Como ultrapassar as limitações que a transmissão de conceitos traz em seu bojo? Como fazer com que o aluno participe ativamente de seu processo de aprendizado? f) Como organizar visitas às organizações que trabalham de forma sustentável e com ética nos negócios? As perguntas, como se pode depreender, poderiam se multiplicar ou se desdobrar em inúmeras outras. O cenário não parece nada fácil. E não é. Há, no entanto, que enveredar nossos esforços mais comezinhos no entendimento dessa sociedade globalizada e na conscientização da sustentabilidade, não como mero discurso, mas como prática consciente, crítica e inovadora. Conforme exposto acima, a vida é social, é política Não se pode desprezar a política. O ofício docente é deveras gratificante e ingrato. Gratifica ao se perceber a diferença que se pode fazer na vida de um aluno, e é ingrato porque, às vezes, não veremos se a aula ou o exemplo de um docente vai ou não frutificar. Weber – tratando do homem de ação – afirma ser necessária a vocação para o exercício da política. Pode-se, sem prejuízo, no trecho citado, onde se lê política ler-se docência: A política [leia-se docência] é como a perfuração lenta de tábuas duras. Exige tanto paixão como perspectiva. Certamente, toda a experiência histórica confirma a verdade – que o homem não teria alcançado o possível se repetidas vezes não tivesse tentado o impossível. Mas, para isso, o homem deve ser um líder, e não apenas um líder, mas também um herói, num sentido muito sóbrio da palavra. E mesmo os que não são líderes nem heróis devem armar-se com a fortaleza de coração que pode enfrentar até mesmo o desmoronar de todas as esperanças. Isso é necessário neste momento mesmo, ou os homens não poderão alcançar nem mesmo aquilo que é possível hoje. Somente quem tem a vocação da política [docência] terá certeza de não desmoronar quando o mundo, do seu ponto de vista, for demasiado estúpido ou demasiado mesquinho para o que ele lhe deseja oferecer. Somente quem, frente a tudo isso, pode dizer: “Apesar de tudo!” tem a vocação para a política [docência] (WEBER, 2002, p. 89).

Max Weber (2002) foi, sem dúvida, um dos grandes teóricos das Ciências Sociais, mormente, da Sociologia Clássica. Em sua obra, o sociólogo alemão constitui como importante cenário a oposição entre julgamento de valor e a relação com os valores. Nessa seara, define-se uma ética da responsabilidade e uma ética da convicção. Esta última apresenta-se assentada na convicção do ator social, na ação alicerçada sobre os seus valores, sendo este ator fiel, ape-


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nas e tão somente, à sua consciência, não invocando qualquer juiz que não seja sua própria consciência no desenrolar de suas ações. Diferentemente, a ética da responsabilidade obriga o homem de ação a se situar numa situação, a levar em consideração que suas escolhas acarretam determinadas consequências. Neste caso, há uma coordenação dos meios para atingir os fins almejados, o conceito de eficiência e eficácia estão presentes nessa conduta moral. Professores e gestores são, indubitavelmente, homens de ação. Os primeiros têm a responsabilidade de conduzir seus discentes a travar contato com o conhecimento, não cabendo ao professor o papel de profeta, fazendo proselitismo de qualquer espécie. O gestor, por sua vez, está no mundo da organização e deve, por isso, ser detentor do conhecimento especializado, burocrático no sentido weberiano. Suas decisões não podem ser tomadas sem clara noção das consequências. Neste sentido, a dupla indagação pode ser feita: em seus papéis, professores e gestores são guiados pela ética da responsabilidade? A formação de novos gestores leva em conta a importância da sustentabilidade nos negócios?

À guisa de conclusão Ocioso afirmar que um tema de tamanha amplitude e com renomados especialistas não teria neste escrito conclusões categóricas ou pretensões de verdades científicas. O campo de discussão está aberto e, por isso mesmo, este capítulo constitui-se num primeiro esforço de reflexão e de abordagem do ensino da sustentabilidade e do diálogo interdisciplinar com as disciplinas que compõem o rol das Humanidades. Sociologicamente, a estrutura social global pode ser considerada uma “sociedade em rede” (CASTELLS, 1999) e, também, uma sociedade de “modernidade líquida” (BAUMAN, 2001) na qual os valores ou referências universais tendem a perder importância para um mundo em constante mutação e com valores mais afeitos ao domínio do capital. Como conhecimento oriundo da Modernidade, a Sociologia vem, há anos, se debruçando sobre a dinâmica social. Desde os estudos comparativos entre as comunidades e a sociedade, a passagem do mundo rural para o mundo urbano, a divisão do trabalho e a coesão social, a racionalização do mundo, bem como as contradições entre as classes e os grupos sociais. A reflexão sociológica, portanto, pode – e deve – auxiliar na discussão da sustentabilidade, seja no ensino de uma disciplina ou mesmo na retórica das organizações. Nesta seara, as organizações, as empresas, os grandes conglomerados econômicos e financeiros, não estariam, apenas, inserindo termos como “sustentabilidade”, “sustentável”, “economia verde” e “responsabilidade social” como uma semântica interessante, mas desprovida de conteúdo efetivo?


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No ano de 2012, o Brasil (Rio de Janeiro) foi palco da Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, denominada Rio+20 (referência à Eco 92, também realizada no Brasil). Há, no caso desta conferência, como, também, em outras do mesmo teor, dois grandes grupos: países ricos e países pobres e emergentes. O meio ambiente – a sustentabilidade – tem sua retórica e sua semântica empresarial colocadas no campo da disputa política, da disputa dos gigantes globais (indústrias e bancos) e entre os países. Além disso, a eleição para presidente em 2010, no Brasil, trouxe, pela primeira vez, uma candidata (Marina Silva) portadora da bandeira da sustentabilidade. Uma política com carreira sólida e com trajetória em partidos como o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Verde (PV). Embora a disputa tenha sido polarizada entre o PT (Dilma Roussef) e o PSDB (José Serra), com a vitória de Dilma Roussef não se pode desprezar o capital político de Marina Silva, que teve cerca de 20 milhões de votos. Em 2013, Silva propõe à sociedade brasileira a formação de um novo partido, cuja denominação “Rede Sustentabilidade” aguarda registro do Tribunal Superior Eleitoral. Seja nas empresas, nas Conferências da ONU ou na política nacional, o tema sustentabilidade não só está em voga como é elemento primordial de um discurso que alie crescimento econômico com respeito ao meio ambiente e melhoria das condições sociais. Analisando o documento zero-draft – documento inicial para a Rio+20 –, Abramovay (2012) assevera que predomina a superficialidade ao se tratar dos temas relacionados à Conferência. Não poderia ser diferente, pois “a superficialidade, neste caso, é resultado inevitável de um monumental esforço de síntese inerente a este tipo de manifestação política” (ABRAMOVAY, 2012, p. 21). Numa reflexão rica de dados e crítica a respeito do crescimento econômico e da conservação ambiental e desigualdade social, o autor aduz que: Elevar os níveis de vida dos que se encontram na base da pirâmide social é decisivo: mas num mundo que caminha para 10 bilhões de habitantes, não há como atingir essa meta e manter o poder dos que hoje controlam parte tão importante dos recursos energético, materiais e bióticos (ABRAMOVAY, 2012, p. 29).

À guisa de exemplo, no tocante às mudanças climáticas, um dado é indicativo da desigual produção e distribuição de riqueza no mundo. Em 2000, um cidadão de Bangladesh tinha uma emissão de 0,27 tonelada e um norteamericano, no mesmo ano, tinha uma emissão de 20,01 toneladas (74 vezes mais). E mais: os países desenvolvidos consomem 15 vezes mais energia que os países em desenvolvimento.


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O zero-draft, ao reconhecer assimetrias enormes entre os países no mundo, seja na produção ou no consumo, utiliza o conceito de “responsabilidades comuns, mas diferenciadas” (ABRAMOVAY, 2012, p.29). Tal reconhecimento de responsabilidades comuns (conservar o meio ambiente e diminuir a desigualdade com crescimento econômico), mas diferenciadas (sem ser radical – de se ir à raiz do problema), parece, no mínimo, ingênuo. Conforme afirmado, alhures, a vida é social, a vida é política. A sustentabilidade, à luz de uma reflexão sociológica, seja em seu ensino ou em sua prática corporativa, deve trazer à baila as dimensões sociais e políticas do fenômeno. Urge conciliar o desenvolvimento com conservação ambiental e diminuição da desigualdade, no entanto, na urgência que o tema traz em seu bojo, não se pode desprezar que, no mundo capitalista, os interesses se assentam em desigualdades de classes sociais e, ainda, em desigualdades entre os países desenvolvidos e os países à margem do desenvolvimento econômico, político e social. A sustentabilidade é premente, mas os custos dessas políticas não podem ser repartidas igualmente, sendo que os cidadãos de países ricos não querem perder sua condição de consumidores das melhores mercadorias e seu nível elevado de vida e satisfação social. E, num cenário pouco animador, os países em desenvolvimento e pobres buscarão crescer e almejam níveis de consumo que, na maioria das vezes, são, apenas, promessas. Numa abordagem histórico-estutural, provavelmente, o ferramental analítico da dialética marxista ainda tenha elementos poderosos para subsidiar uma análise da formação das novas gerações de administradores e sua efetiva ação no mundo das empresas e demais organizações.

Referências bibliográficas ABRAMOVAY, R. Desigualdades e limites deveriam estar no centro da Rio+20. Revista Estudos Avançados, Dossiê Sustentabilidade, São Paulo, v. 26, n. 74, 2012. ALMEIDA, L. T. de. Economia verde: a reiteração de ideias à espera de ações. Revista Estudos Avançados, Dossiê Sustentabilidade, São Paulo, v. 26, n. 74, 2012. ASHELEY, P. A. (Coord.). Ética e responsabilidade social nos negócios. São Paulo: Saraiva, 2005. BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. CASTELLS, M. A galáxia da Internet. Reflexões sobre a Internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. ______ . A sociedade em rede – a era da informação: economia, sociedade e cultura. v. 1. São Paulo: Paz e Terra, 1999. ______ . Fim de milênio – a era da informação: economia, sociedade e cultura. v. 3. São Paulo: Paz e Terra, 1999. CECHIN, A.; PACINI, H. Economia verde: por que o otimismo deve ser aliado ao ceticismo da razão. Revista Estudos Avançados, Dossiê Sustentabilidade, São Paulo, v. 26, n. 74, 2012.


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Capítulo 14

Marketing e sustentabilidade: novos desafios para a formação dos administradores Helio Cesar Silva

Resumo Este capítulo desenvolve um ensaio teórico do debate sobre “marketing sustentável” e acena para os desafios de inserir esses novos conceitos na formação dos administradores. Conforme será demonstrado, embora do ponto de vista teórico observem-se avanços importantes no desenvolvimento de novos conceitos para uma administração mercadológica sustentável, na prática das organizações os resultados são periféricos e insuficientes para responder à problemática socioambiental. Do ponto de vista da formação dos administradores, o desafio é ainda maior, isto é, a questão socioambiental é tratada pelos docentes da disciplina de marketing de forma fragmentada e linear, sem a devida compreensão da necessidade de mudança da lógica de pensamento dos conceitos tradicionais do marketing. Finalmente, este texto apresenta uma experiência de docência em marketing que relata a dificuldade dos alunos(as) em internalizar novos conceitos que rompem com o pensamento clássico da administração, de que as organizações existem para gerar lucro para seus proprietários e acionistas.

Introdução O debate sobre marketing e sustentabilidade torna-se cada vez mais presente no universo das organizações. Nota-se, cada vez mais, um esforço para compreender as oportunidades e ameaças que a problemática da sustentabilidade socioambiental traz para o campo organizacional. Neste sentido, a inserção da sustentabilidade socioambiental na formação de administradores representa um grande desafio. O presente capítulo traz como principal contribuição a sistematização da literatura e das práticas do “marketing sustentável”, analisando e refletindo sobre os principais desafios para a construção do conhecimento sobre o tema e a formação de profissionais da administração capazes de responder aos desafios da problemática socioambiental. Como será demonstrado, embora tenham ocorrido avanços teóricos e práticos para o desenvolvimento de um marketing sustentável, são abordagens e práticas fragmentadas e insuficientes para responder à problemática socioambiental.


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Do ponto de vista teórico, especialistas e pesquisadores do marketing iniciam o debate e a construção de novos conceitos incorporando parte dos desafios socioambientais. O principal desafio, como será demonstrado aqui, é o de termos ainda duas propostas teóricas: uma com os conceitos tradicionais do marketing com foco nas metas organizacionais e uma com um conjunto de novos conceitos, tais como marketing verde, marketing ambiental, marketing sustentável, etc., com foco nas metas organizacionais e nos desafios socioambientais que se traduzem em uma formação dos administradores centrada, em primeiro plano, na promoção de resultados econômicos para as organizações e uma preocupação com as questões socioambientais de forma periférica. O capítulo apresenta também casos de sucesso de corporações que incluíram em suas estratégias de negócios questões relativas à problemática socioambiental, tais como reciclagem, redução do uso da água e energia e desenvolvimento de produtos sustentáveis. Porém, são iniciativas periféricas que não se configuram como uma mudança de comportamento das organizações. Da mesma maneira, iniciativas da sociedade civil organizada, como o GRI (Global Reporting Initiative), a Plataforma por uma Economia Inclusiva, Verde e Responsável (PEIVR), a ISO 26000 e o ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial), colaboram com as questões socioambientais ao estimularem as organizações a incorporarem esses desafios, porém, atingem um conjunto restrito de organizações e trabalham apenas parte da problemática. Finalmente, em relação ao processo de formação dos profissionais da administração, nota-se ainda que os professores de marketing, quando incluem o debate sobre a problemática socioambiental, fazem-no de forma marginal, pois trata-se de uma área do conhecimento da administração com uma visão normativa e com baixo senso crítico de seus impactos socioambientais na sociedade. Isto é, a abordagem teórica ocorre, na maioria das vezes, por meio de instrumentos e técnicas de gestão com o objetivo de atingir as metas organizacionais mercadológicas e não para formar um administrador consciente dos desafios econômicos e socioambientais contemporâneos.

Marketing e sustentabilidade: conceitos e práticas das organizações O marketing, mais especificamente, instituiu-se como ferramenta facilitadora para a circulação da produção excedente no início do século XX. Com as novas técnicas, a produção aumentou significativamente, exigindo mecanismos mais eficientes para seu escoamento. A partir da década de 1950, os conceitos de marketing se modificaram para suportar esse aumento da produtividade de bens e serviços. É dentro desse contexto que se compreende o surgimento das ferramentas de administração mercadológica utilizadas


Cap 14 – Marketing e sustentabilidade: novos desafios para a formação... 299

até hoje, a saber, o mix de marketing disseminado por Kotler (2007). Os chamados 4Ps incluem o desenvolvimento do produto, a formação de preço, a distribuição e a comunicação. Com a pauta da sustentabilidade socioambiental como fator a ser considerado nas práticas sociais e econômicas a partir da década de 1990, especialistas e teóricos da gestão das organizações passam a incorporar esse debate ao arcabouço teórico. Na área de marketing, observa-se o início dos debates que trazem elementos da sustentabilidade socioambiental. Autores já consagrados nessa área, bem como novos especialistas e teóricos do marketing, têm introduzido a discussão e apresentado novas propostas para marketing, requalificado como “ambiental”, “verde” “ecológico” ou “sustentável”. Os principais disseminadores dos conceitos do marketing, Keller e Kotler, na mais recente edição do livro Administração de marketing (2007), fazem diversas atualizações, incorporando novas estratégias ao marketing, como, por exemplo, o comércio eletrônico e a criação de Brand Equity. A temática socioambiental vem acoplada à responsabilidade social no último capítulo, denominado “Gerenciamento de uma organização de marketing holístico”, mas não chega ainda a ser abordada de forma transversal nos conceitos trabalhados pelos autores. De forma similar, no livro Marketing: criando valor para os clientes, Churchill e Peter (2000) ressaltam a importância da responsabilidade com o meio ambiente, mas apenas em uma seção do Capítulo 2, intitulado “Análise ambiental”. Em seu recente Marketing 3.0: as forças que estão definindo o novo marketing centrado no ser humano, Kotler, em conjunto com Hermanwan Kartajaya e Iwan Setiawan (2011), incluiu um capítulo intitulado “Em busca da sustentabilidade ambiental”, em que o autores aprofundam o debate sobre a importância da sustentabilidade socioambiental como oportunidade de negócio para as organizações e um desafio para a humanidade. Em 2007, a Harvard Business Review publicou uma coletânea sobre a estratégia de negócios verdes. Os diversos artigos, tais como “Building the green way”, de Charles Lockwood, “Beyond greening: strategies for a sustainable world”, de Stuart L. Hart, entre outros, discutem as estratégias de negócio focadas na sustentabilidade socioambiental como oportunidades para as organizações, relatando casos bem e malsucedidos de organizações globais. Os autores compartilham a posição segundo a qual as organizações podem e devem encontrar oportunidades de negócios na temática socioambiental. Em função da pressão social, exigência dos consumidores e/ ou da regulação do Estado, as organizações terão de, inevitavelmente, se ajustar a um comportamento menos impactante do ponto de vista socioambiental.


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No artigo de Forest Reinhardt (2007), pode-se encontrar a tradução do argumento para as estratégias de marketing. O autor afirma que os negócios sustentáveis exigem três táticas. Primeiro, a organização precisa identificar clientes que pagam mais por produtos amigáveis ao meio ambiente. Segundo, a organização tem de comunicar os benefícios dos produtos sustentáveis. E, em terceiro lugar, o produto sustentável tem de ser de difícil imitação para garantir o retorno do investimento. Na literatura voltada especificamente para o marketing sustentável, notam-se tentativas de fornecer respostas mais efetivas para a transformação dos conceitos tradicionais do marketing em direção ao marketing sustentável. Especialistas da área incorporam conhecimentos da problemática ambiental e iniciam uma produção teórica, na qual se propõe a inclusão do conceito da “sustentabilidade socioambiental” de forma transversal. Em 1994 surgiu uma primeira publicação com visibilidade internacional para tratar do marketing, inter-relacionando-o com a problemática da sustentabilidade socioambiental. Jacqueline Ottman, no livro Marketing verde: desafios e oportunidades para nova era do marketing, afirma que o marketing verde é aquele que projeta uma imagem de alta qualidade, incluindo a sensibilidade ambiental quanto aos atributos de um produto e quanto ao registro de trajetória de seu fabricante. O ponto central do argumento da autora é que a mudança de comportamento do consumidor americano exigiu uma política de produção dos bens e serviços mais preocupada com o meio ambiente, fato ilustrado por alguns exemplos empíricos, como o da Sears, que solicitou aos seus 2300 vendedores que se tornassem sócios ambientais na redução de 25% do excesso de embalagem até o ano de 1995, e Wal-Mart, que lançou um programa de comercialização em que produtos e embalagens ambientalmente preferíveis eram recompensados com mostruários tipo shelftalkers especiais (OTTMAN, 1994). Recentemente, Ottman (2011) publicou o livro The New Rules of Green Marketing: strategies, tools, and inspiration for sustainable branding, em que a autora atualiza os avanços das práticas de marketing sustentável das corporações e a mudança do comportamento do consumidor. Segundo a autora, em 2008 foram investidos 290 bilhões de dólares em produtos e serviços de setores como agricultura orgânica, energia limpa, carros híbridos, ecoturismo, etc., contra 219 bilhões de dólares em 2005. A autora afirma ainda que as pesquisas de mudança de comportamento do consumidor apontam que 84% dos consumidores, de tempo em tempo, consomem produtos verdes. Sistematizando suas análises sobre marketing verde, Ottman apresenta um quadro do novo paradigma para a dinâmica do marketing (Quadro 1).


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Quadro 1

Novo paradigma do marketing verde. Marketing Marketing convencional

Marketing verde

Consumidores

Consumindo estilos de vida

Consumindo o que precisa

Produtos

"Do berço ao túmulo"

"Do berço ao berço"

Produtos

Serviços

Fontes globais

Fontes locais

Um tamanho para todos

Padrão regional

Benefícios dos produtos

Valores

Vendas

Educação e empoderamento

Comunicação de uma mão só

Criação de comunidades

Publicidade paga

Boca a boca

Secreto

Transparente

Reativo

Proativo

Competitivo

Cooperativo

Departamentalizado

Holístico

Orientado pelo curto prazo

Orientado pelo longo prazo

Maximizando lucros

Triple bottom line

Marketing e comunicação

Corporação

Fonte: Ottman (2011, p. 46).

O quadro ilustrado por Ottman apresenta uma proposta de mudança radical dos conceitos tradicionais do marketing. O desafio principal se concentra em desenvolver mecanismos no ambiente dos negócios que permitam a implementação de tais propostas. Seguindo o mesmo objetivo de Ottman, José Calomarde, especialista em marketing da universidade de Alcalá Henares, na Espanha, em seu livro Marketing ecológico define marketing ecológico “como um modo de conceber e executar a relação de troca de modo a torná-la satisfatória a todas as partes que dela participam, a sociedade e o entorno natural, mediante desenvolvimento, formação de preços, distribuição e promoção (...), contribuindo para a conservação do meio ambiente e desenvolvimento sustentável da economia e sociedade” (CALOMARDE, 2000, p. 22). O autor avança ao elaborar uma proposta de inclusão de um conjunto de pressupostos na construção do mix do marketing, os 4 Ps. No desenvolvimento do produto, salienta a importância de se planejar o desenvolvimento do produto do berço até a morte. Na formação de preço, o destaque vai para a importância da inclusão das externalidades ambientais nos custos dos produtos. A promoção deve ocorrer no sentido de informar e persuadir os indiví-


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duos para o consumo de produtos ecológicos. Por fim, a distribuição deve ocorrer de forma que impacte o menos possível o meio ambiente. No Brasil, a discussão teórica que põe em diálogo o marketing e a sustentabilidade socioambiental é ainda mais recente, e nas suas principais expressões limita-se à introdução de novas definições do marketing. O ambientalista Ricardo Voltolini, um dos primeiros especialistas em marketing verde do país, define-o como “todas as atividades desenvolvidas para gerar e facilitar quaisquer trocas com a intenção de satisfazer os desejos e necessidades dos consumidores, desde que a satisfação de tais desejos e necessidades ocorra com um mínimo de impacto negativo sobre o meio ambiente” (VOLTOLINI, 2006, p. 367). O termo “marketing ecológico” foi cunhado por Gino Giacomini Filho (2004) no livro Ecopropaganda. Nele, o autor realiza uma discussão teórica sobre os desafios da comunicação e, em especial, sobre a publicidade e o marketing na sua relação com a problemática socioambiental. Giacomini elabora sua definição do marketing ecológico, invertendo o princípio do marketing tradicional – de que os produtos devem se adaptar às necessidades do consumidor. É o consumidor que deve alterar seus hábitos e atitudes para manter os sistemas ambientais existentes de forma sustentada. . Reinaldo Dias (2007), na tentativa de organizar um novo modelo de marketing com foco na problemática da sustentabilidade socioambiental, traz avanços analíticos, na medida em que propõe o “esverdeamento” do mix de marketing, os 4 Ps. Em sua definição de marketing ambiental, o autor afirma que o objetivo é a busca de soluções racionais para tornar competitivos produtos que, de uma forma ou de outra, terão de incorporar no preço os custos ecológicos. Detalhando sua proposta, Dias sugere o desenvolvimento do produto ecológico, como, por exemplo, produtos feitos de bens reciclados, produtos que podem ser reciclados ou reutilizados, produtos ecoeficientes, que economizam água, energia, etc., produtos com embalagens ambientalmente responsáveis, produtos orgânicos ou serviços que alugam ou emprestam produtos. Outra dimensão do marketing na qual foi incorporada a problemática socioambiental é a construção das marcas. Ottman sublinha que, “ao desenvolverem imagens relevantes de marca na era do consumerismo ambiental, os administradores de marca comunicam valores específicos que ultrapassam meros benefícios do produto” (OTTMAN, 1994, p. 68). Nesse mesmo sentido, Dias ressalta que “uma marca consolidada, principalmente quando associada a determinados valores (como qualidade, amiga do meio ambiente, de responsabilidade social, etc.), é um elemento importante na tomada de decisão de compra do consumidor e pode tornar-se ativo mais valorizado que o próprio produto da organização” (DIAS, 2007, p.172).


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Hélio Silva (2007), em seu livro Marketing: uma visão crítica, ao tratar da construção de marcas recorrendo à temática socioambiental como valor adicional, aponta para os limites dessa estratégia de marketing na colaboração com a problemática socioambiental. O autor acena que o marketing da arquitetura das marcas cada vez mais se desloca da produção fabril para a dos sentidos afetivos, sociais e culturais. Os impactos dessa mudança atingem todas as esferas – da produção de um televisor à mercantilização de um projeto de conscientização de problemas socioambientais. As mesmas técnicas de marketing são aplicadas em todos os setores da sociedade: alimentação, bens industriais, saúde, lazer, educação, finanças, etc. Do ponto de vista das práticas das organizações, observa-se também na literatura a intensificação de estudos que sistematizam casos de experiências bem-sucedidas das grandes empresas com suas estratégicas cujo foco é a sustentabilidade socioambiental. Grandes organizações fazem esforço para divulgar sua imagem e ações vinculadas à sustentabilidade socioambiental. A edição da revista ESPM de julho/agosto 2009 traz o artigo “A propaganda sob a ótica de um novo consumidor & a sustentabilidade como atributo de valor”, no qual a ex-gestora da Vale Bernadete Almeida (2009) aponta para as mudanças no comportamento das organizações e cita o caso do Wal-Mart, Carrefour e Pão de Açúcar, que decidiram suspender as compras de fazendas envolvidas no desmatamento da Amazônia em resposta a denúncias trazidas pelo Greenpeace. A autora destaca ainda que, na Natura, a liderança sobre o processo de sustentabilidade está sob responsabilidade dos principais acionistas, Luiz Seabra, Pedro Passos e Guilherme Leal. Joel Makower (2009), consultor para grandes empresas em negócios sustentáveis, publicou o livro A economia verde: descubra as oportunidades e os desafios de uma nova era dos negócios, no qual, de maneira otimista, fala sobre o rumo das organizações no caminho da sustentabilidade socioambiental, trazendo um conjunto de casos bem-sucedidos que envolvem empresas como Walmart, Nike, General Motors, Intel, Starbucks e McDonald’s. De acordo com Makower, em 2008, o Walmart e a Nike foram as maiores compradoras de algodão orgânico no mundo. A Starbucks foi uma das maiores compradoras mundiais do mercado de café pelo sistema de comércio justo. Já o McDonald’s foi um dos maiores compradores de produtos recicláveis (2009). O livro de Fernando Almeida (2009), presidente-executivo do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, intitulado Experiências empresariais em sustentabilidade: avanços, dificuldades e motivações de gestores empresariais, traz casos de sucessos nacionais na área de gestão sustentável, tais como 3M do Brasil, Alcoa Alumínio, Amanco Brasil, Anhanguera Educacional, entre outras.


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Embora essas práticas de “marketing sustentável” das organizações devam ser comemoradas, é importante destacar que são ações periféricas com pouca representatividade no ambiente dos negócios e, muitas vezes, são estratégias de marketing com baixo impacto na problemática socioambiental. Um exemplo interessante que expressa esse contexto pode ser observado em uma pesquisa sobre como o setor bancário brasileiro desenvolve seu marketing para os produtos “sustentáveis” em relação aos produtos tradicionais. Helio Silva, Lis Bellagamba e Paulo Bessa Neto (2010) investigaram no portfólio de quatro instituições financeiras – Bradesco, Itaú, Banco Santander e Banco do Brasil – e três produtos: Cartões de Crédito, Linhas de Crédito e Fundos de Investimentos. Os resultados da pesquisa apontaram que os produtos com apelos na problemática socioambiental têm piores condições comerciais ao ser comparados aos produtos tradicionais. A taxa de administração do Fundo de Investimento Sustentável socioambientalmente (FIS) do Banco do Brasil, por exemplo, é de 2,5% contra 1,5% do Fundo de Investimento Tradicional (FIT), isto é, a taxa de administração do FIS é 66% maior do que a do FIT. A taxa de anuidade do cartão de crédito do Bradesco, que apoia uma causa ambiental, é mais que o dobro do cartão tradicional. O único caso de vantagem para o produto sustentável é a linha de financiamento para microcrédito do Banco Real, Banco do Brasil e do Bradesco, com uma taxa de juros menor do que a de outras linhas de financiamento. Quatro iniciativas do mundo corporativo que também procuram estimular as práticas do marketing sob a perspectiva da sustentabilidade socioambiental são: GRI, Plataforma por uma Economia Verde e Responsável, ISO 26000 e o ISE.

GRI – Global Reporting Initiative O GRI é uma importante iniciativa que colabora oficialmente com o programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e, atualmente, mais de 1000 grandes organizações recorrem a ele como forma de prestação de contas das práticas sustentáveis com a sociedade. O relatório fornece às organizações diretrizes de como medir, divulgar e prestar contas para stakeholders internos e externos sobre o desempenho organizacional visando ao desenvolvimento sustentável. As diretrizes de estimulo a práticas sustentáveis são tratadas em dois grandes eixos: a governança corporativa e o modelo de gestão das organizações. Os indicadores do GRI que tratam do marketing não abordam qual deve ser o objetivo do setor; estes se concentram principalmente no desenvolvimento do produto, comunicação e satisfação do cliente. No desenvolvimento do produto, por exemplo, é investigado o ciclo de vida do produto com o objetivo


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de aferir questões relativas à saúde e à segurança dos clientes no uso do produto ou serviço. No processo de comunicação, os indicadores tratam do tipo de informação fornecida para os consumidores e se as organizações cumprem com a legislação de rotulagem, publicidade e promoção. Finalmente, os indicadores apontam as práticas relacionadas à satisfação do cliente, isto é, quais procedimentos de medição de satisfação dos clientes as organizações desenvolvem.

A Plataforma Por uma Economia Inclusiva, Verde e Responsável (PEIVR) Fruto dos debates realizados durante a reunião anual do Conselho Internacional do Instituto Ethos e na 10ª Conferência Internacional Ethos, em São Paulo, em maio de 2010, a Plataforma por uma Economia Inclusiva, Verde e Responsável tem por objetivo propor diretrizes básicas para a atuação das empresas que estimulem a transição do modelo de produção e consumo contemporâneo rumo à sustentabilidade O eixo central desta iniciativa é o desenvolvimento de uma cultura de sustentabilidade na sociedade. O pressuposto é de que com o desenvolvimento da cultura de sustentabilidade aumentará o nível de exigência dos cidadãos e organizações em relação aos bens e serviços públicos e privados e, em consequência, se ampliará o espaço para diferenciação dos produtos e comportamentos das empresas. Analisando as diretrizes da plataforma por uma economia inclusiva, verde e responsável, à luz dos conceitos de marketing sustentável, nota-se que o elemento central é a ideia de que a mudança do modelo de produção e consumo para patamares mais sustentáveis depende, principalmente, de maior conscientização do consumidor acerca das problemáticas socioambientais e das necessidades de transformações. Neste sentido, a comunicação entre produtores e consumidores torna-se a principal aposta da iniciativa; questões relativas ao desenvolvimento dos produtos, formação de preços e sistema de distribuição não são tratadas de forma direta. A proposta desta plataforma, aparentemente, aposta suas fichas na capacidade do consumidor em induzir as organizações para práticas mais sustentáveis.

ISO 26000 Segundo a ISO 26000, a responsabilidade social se expressa pelo desejo e pelo propósito das organizações em incorporarem considerações socioambientais em seus processos decisórios e em responsabilizar-se pelos impactos de suas decisões e atividades na sociedade e no meio ambiente. Isso implica um comportamento ético e transparente que contribua para o desenvolvimento sustentável, que esteja em conformidade com as leis aplicáveis e


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seja consistente com as normas internacionais de comportamento. Também implica que a responsabilidade social esteja integrada em toda a organização, seja praticada em suas relações e leve em conta os interesses das partes interessadas. No âmbito do marketing, a ISO 26000 aborda questões relativas ao ciclo de vida do produto, concorrência, formação de preço, comunicação e consumo sustentável. No desenvolvimento do produto, a norma estimula a redução dos impactos ambientais dos produtos e serviços, o aumento do desempenho socioeconômico ao longo de seu ciclo de vida, a preocupação com a segurança dos produtos e o design universal dos produtos. Um aspectos que merece destaque na norma é a preocupação de que os produtos satisfaçam as necessidades básicas dos consumidores e que sejam benéficos socioambientalmente. Isto é, a ISO 26000 chama a atenção das organizações para a função social dos produtos em atender a interesses coletivos. Sobre a concorrência, a preocupação é garantir que ela seja leal, isto é, as organizações devem respeitar a lei de concorrência vigente no país. Já em relação às diretrizes de formação de preço, a norma, ao tratar do tema marketing justo, aborda a importância de divulgar abertamente o total de preços e impostos dos produtos, porém, questões como, por exemplo, internalização dos custos socioambientais nos produtos, pagamento justo da cadeia de fornecimento de matérias-primas e prestação de serviços não são tratadas. A comunicação é, provavelmente, a principal ferramenta do marketing a que a ISO 26000 recorre como forma de induzir as organizações a um comportamento mais responsável socioambientalmente. A norma destaca a importância de fornecer informações sobre as características do produto; informações completas e transparentes sobre a qualidade, impactos ambientais e sobre a forma de acesso aos produtos; nas publicidades não recorrer a textos e imagens que perpetuem os estereótipos de sexo, raça, gênero, etc. Nota-se que o esforço da norma na área de comunicação é o de estimular as organizações a desenvolverem suas estratégias de comunicação com o objetivo de atender aos interesses dos consumidores e da sociedade e não apenas aos interesses econômicos.

ISE – Índice de Sustentabilidade Empresarial Em 2005, a antiga Bolsa de Valores de São Paulo iniciou o processo de construção da carteira ISE. O Índice de Sustentabilidade (ISE) mede o retorno médio de uma carteira teórica de ações, semelhante ao Ibovespa. Enquanto o Ibovespa seleciona empresas baseado apenas no critério de liquidez, o ISE seleciona as empresas com base nos critérios de sustentabilidade.


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No desenvolvimento do produto na Dimensão Ambiental, o ISE investiga o planejamento das organizações, como as questões ambientais são incorporadas aos produtos e serviços. Ainda na Dimensão Ambiental, o índice levanta o consumo e a preocupação com os recursos naturais pelas organizações. Já na Dimensão Natureza, o ISE aborda os impactos do uso do produto para o consumidor, neste caso, o objetivo é verificar a função social do produto. Este ponto merece destaque, pois, ao tratar da função social do produto, o ISE provoca para a discussão sobre o objetivo do marketing. Embora a iniciativa não aprofunde esta questão, trata-se de uma importante provocação ao ambiente dos negócios sobre a finalidade principal de um produto ou serviço, o que confronta com os pressupostos tradicionais do marketing que tem seu foco em atender a desejos e necessidades dos consumidores e aos interesses das organizações independentemente das necessidades coletivas. Na formação de preços, o ISE, na Dimensão Econômico Financeiro, trata apenas da defesa da concorrência. O índice investiga se as organizações desenvolvem ações que abordem a importância da concorrência para seu público interno. Questões relativas a preços justos e à incorporação das externalidades socioambientais nos produtos e serviços, por exemplo, não são tratadas pelo índice. A comunicação, como no caso da ISO 26000, é a principal ferramenta de marketing de que o ISE trata. Na Dimensão Natureza do Produto, o índice investiga o cumprimento legal das organizações na informação da composição dos produtos e modo de produção. Na Dimensão Social, a questão da privacidade dos consumidores com o uso da informação pelo marketing é tratada em profundidade. Um conjunto de questões, como, por exemplo, se “A companhia tem política corporativa visando impedir que sejam utilizadas de forma não previamente autorizada as informações sobre clientes/consumidores ou outras partes com as quais se relaciona no curso de suas atividades usuais ou em seus esforços comerciais, visando preservar a privacidade do cliente/consumidor e do cidadão em geral”, é abordado. Finalmente, o ISE aborda um conjunto de questões que trata do consumo. Temas como saúde alimentar, educação ambiental, estilo de vida saudável, etc. são investigados. Questões, como, por exemplo, “se a companhia promove atividades para educação nutricional do consumidor e promoção de estilos de vida saudáveis como forma de prevenir ou minimizar os possíveis impactos negativos do consumo de alimentos industrializados que produz ou comercializa sobre a saúde”, investigam se as organizações desenvolvem ações para um consumo sustentável. Em resumo, as propostas teórico-analíticas apresentadas acima avançam na inclusão da temática socioambiental no sentido de amenizar o im-


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pacto da produção de bens e serviços no meio ambiente. Autores de renome como Kotler (2007), Churchill (2000), Senge (2008) e Kramer e Porter (2008) incorporaram em suas reflexões e proposições a temática socioambiental, mas ainda de forma marginal. Os especialistas em marketing e em negócios sustentáveis, tais como Ottman (1994), Calomarde (2000), Voltolini (2006) e Dias (2008), abrem um campo de reflexão e propostas de conceitos para um marketing sustentável, abordando a temática socioambiental de forma mais transversal e reformulando os 4Ps. No entanto, as especificações analíticas são ainda incipientes, o que abre espaço para novas pesquisas empíricas capazes de contribuir para a construção teórica. Os estudos de caso, como os apresentados por Almeida (2009) e Makower (2009), por sua vez, trazem o universo de experiências inovadoras na gestão sustentável das organizações, mas apoiam-se num conjunto restrito de organizações e tendem a repetir os casos bem-sucedidos. Finalmente, as iniciativas corporativas analisadas demonstram avanços importantes, porém, são insuficientes para responder aos desafios da sustentabilidade socioambiental.

Marketing e sustentabilidade na formação dos administradores A principal barreira a ser ultrapassada para se inserir o debate da sustentabilidade socioambiental no campo do marketing no processo de formação dos administradores concentra-se em reconhecer a insuficiência dos conceitos tradicionais do marketing para responder aos desafios da sustentabilidade. Conforme abordado, até mesmos teóricos e especialistas em marketing, como, por exemplo, Kotler, passaram a incorporar a questão da sustentabilidade em seus conceitos. O desafio está em inserir essa nova abordagem teórica na formação dos administradores de modo estrutural e não como um capítulo dos conceitos do marketing. A resistência a esse processo passa principalmente pela dificuldade em se romper com conceitos estabelecidos a décadas que partem do pressuposto de que o objetivo do marketing está em atingir as metas organizacionais e não os interesses coletivos da sociedade. E mais, essa mudança de paradigma, muitas vezes, é vista como uma ameaça aos interesses do mundo corporativo. Nesse contexto, Springett (2005) cita que a integração das variáveis ambientais e sociais em propostas pedagógicas dos cursos de administração tem se mostrado um enorme desafio. E quando educadores tentaram preencher essa lacuna por meio de conteúdos alternativos e práticas interdisciplinares, eles tiveram pouco sucesso, pois enfrentaram forte resistência a essa inovação, uma vez que os cursos foram concebidos de forma a valorizar os critérios de negócios, cujo pensamento dominante entende a incorporação da dimensão socioambiental como uma ameaça à competitividade das empresas.


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Desta forma, integrar a dimensão socioambiental se apresenta como uma ameaça ao paradigma tradicional dos negócios e da teoria administrativa. É importante destacar que, objetivamente, o marketing – técnica típica do período da Revolução Industrial – instituiu-se como ferramenta facilitadora para a circulação da produção excedente no início do século XX. Com o advento da Revolução Industrial e com as novas técnicas, a produção aumentou de forma significativa, exigindo mecanismos mais eficientes para seu escoamento (SILVA, 2005). Na Tabela 1, Nallo apresenta uma síntese do percurso dos instrumentos de marketing que ilumina a trajetória histórica dos conceitos elaborados pelos especialistas. Tabela 1

Orientações do marketing a partir de uma perspectiva histórica. Produção 1920--1930 1920

Dado de início

Produto

Produto

Mercado desde 1950 Necessidades do consumidor Produto

Instrumento

Tecnologia produtiva

Comunicação e venda

Mix de marketing

Condições

Demanda superior à oferta O alto custo do produto impede a expansão do mercado

Oferta superior à demanda Demanda fraca e indecisa de bens e serviços

Disponibilidade de renda discricionária Mercados complexos e segmentados

Orientação Focalização

Produto a preço baixo

Venda 1930--1950 1930 Pressão de venda

Fonte: Collesei (1989, p. 5).

Conforme tabela, entre 1920 e 1930, o marketing orientava-se ao produto, ou seja, o enfoque das ações e estratégias de mercado era sobre a criação de produtos com competências técnicas, custos determinados e qualidade definida, para que fosse comunicada posteriormente aos possíveis compradores. Entre 1930 e 1950, o marketing passou a ter seu foco na venda, isto é, privilegiou a persuasão dos indivíduos por meio de ações publicitárias e promocionais em vez do consumo dos produtos que, a essa altura, compunham oferta maior que a demanda. Por fim, há o período que se iniciou em 1950 e, segundo especialistas, perdura até os dias atuais, em que o marketing se orienta ao mercado: constitui-se como proposta de identificação de desejos e necessidades dos consumidores, com base na qual se definirá o produto ou o serviço; não se trata mais de convencer o consumidor a adquirir dado produto, mas de identificar ou mesmo criar uma necessidade e, então, produzir o bem que a atenda. O marketing assume-se como campo de conhecimento capaz de dirigir a produção de bens e serviços, com a certeira investida no suprimento de demandas delineadas. Nesse sentido, insere-se no funcionamento social, com o in-


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tuito de estabelecer relações entre os produtores e o mercado. Ao indivíduo, reserva-se, nesse contexto, a condição de consumidor. Esta síntese do desenvolvimento histórico do marketing evidencia que trata-se de um campo do conhecimento da administração que tem, desde a sua origem, o objetivo de instrumentalizar as organizações para atingirem suas metas, colocando os indivíduos e o meio ambiente em um plano secundário. Neste sentido, a formação dos administradores no campo do marketing ainda é fortemente carregada dos pressupostos tradicionais do marketing, sendo a principal inovação pedagógica a inserção da sustentabilidade socioambiental como um tema relevante de sua disciplina. Muito distante ainda do desafio de uma formação de administradores com pressupostos orientados pela sustentabilidade que, como citam Demajorovic e Silva (2012), exigem novas propostas pedagógicas interdisciplinares em que a visão integrada, sistêmica e holística substitua os projetos pedagógicos disciplinares que privilegiam o processo de compreensão do aluno sobre sua realidade de forma fragmentada.

Considerações finais Os debates teóricos sobre o marketing na perspectiva da sustentabilidade e as práticas das organizações acenam para mudanças importantes na lógica de pensamento tradicional do marketing. Do ponto de vista teórico é importante destacar que o livro de Ottmam (1994), Marketing verde: desafios e oportunidades para nova era do marketing, embora tenha contribuído com o debate e os desafios do marketing na perspectiva da sustentabilidade, trata-se de uma literatura que denuncia a problemática ambiental e a necessidade de mudanças, porém, pouco avança em propostas de novos conceitos para o marketing. Mais recentemente é possível observar avanços no desenvolvimento de novos conceitos. Kotler (2010) e Ottman (2011), por exemplo, trazem novos conceitos de marketing com técnicas e ferramentas de como desenvolver uma administração mercadológica sustentável. Neste campo, o principal desafio é aprofundar os debates teóricos sobre a importância de uma administração mercadológica sustentável para que se amplie a compreensão de especialistas da área de marketing sobre a necessidade da mudança de paradigma, isto é, um marketing que atenda a necessidades econômicas e socioambientais, individuais e coletivas. Quanto às práticas das organizações de estratégias de marketing na perspectiva da sustentabilidade, é possível observar avanços. Porém, tratase de ações pontuais e isoladas de um grupo de organizações, o que não se configura como uma mudança de paradigma. Na maioria dos casos são estratégias que buscam diminuição dos custos de produção, como, por exemplo, a reciclagem de insumos, e estratégias que visam melhorar a reputação das organizações, como financiamentos de projetos socioambientais. Como


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aponta Laville (2009), o estágio atual de responsabilidade socioambiental no ambiente dos negócios é motivado principalmente pela prevenção de riscos e a preocupação com a reputação, fazendo com que as organizações desenvolvam uma postura mais ativa de ecoeficiência. Isto é, a mudança de paradigma rumo a um marketing sustentável, ainda em processo, exige que as organizações incorporem, verdadeiramente, a sustentabilidade à estratégia da empresa e ao seu modelo econômico, ou seja, uma abordagem orientada para as oportunidades de mercado. Do ponto de vista pedagógico na formação de administradores, o avanço é, provavelmente, o mais limitado. Conforme já mencionado, a sustentabilidade é abordada como um tema da disciplina e não como um pressuposto para o desenvolvimento de um plano de marketing. Minha experiência na docência ministrando disciplinas de marketing com pressupostos da sustentabilidade socioambiental em cursos de Administração tem apresentado resultados interessantes. No curso de Administração com Linha de Formação Específica em Gestão Ambiental do Centro Universitário SENAC, por exemplo, quando ministro a disciplina Marketing Estratégico o desafio é duplo. Trata-se de um curso de Administração inovador que tem por objetivo formar profissionais com competências para atuar na gestão de organizações públicas, privadas e do terceiro setor de forma responsável econômica e socioambientalmente. Embora os alunos desse curso procurem uma formação distinta de um curso tradicional de administração de empresas, isto é, trazem inquietações acerca dos problemas ambientais ao se depararem com os conceitos tradicionais do marketing abordados na disciplina, demonstram desconforto ao perceberem que se trata de técnicas de gestão que respondem aos interesses econômicos das organizações sem a preocupação com os impactos negativos na sociedade que esse modelo de gestão provoca. Por outro lado, ao tratarmos dos conceitos de marketing verde, ambiental, social, sustentável, etc., fica evidente que os desafios de transformar a cultura organizacional e o pensamento da administração, orientado para resultados econômicos, em um modelo que de fato atenda aos interesses de todas as partes interessadas (acionistas, proprietários, funcionários, clientes, fornecedores, comunidades locais, etc.) são imensos. Neste sentido, é frequente observar nos alunos análises e questionamentos sobre o alcance desses novos conceitos diante do modelo de produção e consumo do capitalismo contemporâneo. Inquietações do tipo “As empresas só pensam em lucro”, “As pessoas querem consumir tudo”, permeiam os debates e reflexões das aulas na busca de respostas e soluções para esses desafios. A principal riqueza de se introduzir esse debate sobre a insuficiência dos conceitos tradicionais do marketing em responder aos desafios socioam-


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bientais está em provocar essas inquietações e construir novos caminhos para um modelo de gestão sustentável. Embora os casos de sucesso de gestão sustentável, conforme já mencionado neste capítulo, não representem uma transformação no ambiente dos negócios, eles são emblemáticos, pois acenam para uma possível e necessária mudança de comportamento das organizações. Uma atividade desenvolvida pelos alunos que acena para o longo percurso ainda a ser percorrido para a formação de um pensamento de gestão sustentável é quando estes são provocados a construírem uma proposta de um plano de marketing sustentável para uma organização. Neste momento, nota-se a tendência em se reproduzir o modelo tradicional dos conceitos do marketing criticados por eles. Ou seja, o pensamento linear e fragmentado construído ao longo da formação nos bancos escolares torna-se uma barreira a ser superada na produção de novos conceitos e práticas sustentáveis. Embora em termos teóricos a discussão em sala de aula sobre a importância de um modelo de gestão sistêmico e integrado faça todo o sentido, o modelo mental ainda é fortemente marcado pela linearidade e pela fragmentação. Esse exercício pedagógico traz grande contribuição, pois ilumina o grande desafio que temos pela frente e relativiza a crítica e a demonização, presentes no discurso desses alunos, sobre o comportamento não responsável socioambientalmente dos profissionais de marketing que trabalham nas organizações. Isto não retira a crítica à prática dos profissionais de marketing que, quando incorporam em seu plano de trabalho as questões socioambientais, desenvolvem um produto ou serviço para um nicho específico de mercado, como, por exemplo, um produto de higiene que utilize menos embalagem e agrida menos o meio ambiente. Isto é, o desafio de se pensar todo o negócio da organização de forma sustentável exige mudanças de comportamento e práticas dos profissionais da área de marketing. Concluindo, as análises teóricas e práticas do marketing na perspectiva da sustentabilidade indicam uma nova plataforma de administração mercadológica interessante do ponto de vista da sustentabilidade. O principal desafio é o de como dinamizar esses novos conceitos e práticas no ambiente dos negócios. O marketing se insere em um contexto político, econômico, social e cultural que coloca limites para seu desenvolvimento. Dentro desse cenário, a continuidade dessas iniciativas, bem como a inserção dos debates e novos conceitos de marketing sustentável na academia, podem colaborar para o avanço de uma administração mercadológica sustentável. O capítulo não exclui a importância de novas pesquisas sobre o tema, ao contrário, defende a necessidade de se investigarem novos mecanismos para se avançar na inserção da sustentabilidade socioambiental no campo do marketing na formação de administradores. Isto é, compreender como ocorre


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a participação dos especialistas em marketing sustentável nas iniciativas apresentadas, investigar como acontece a inserção dos conceitos de marketing sustentável na formação dos profissionais, investigar as dificuldades das organizações em internalizar os conceitos de marketing sustentável, podem colaborar para se avançar rumo a uma administração mercadológica sustentável.

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Capítulo 15

O debate sobre a sustentabilidade no ensino de finanças Herbert Kimura Leonardo Fernando Cruz Basso

Resumo A teoria moderna de finanças estabelece que empresas devem empreender projetos que maximizem a riqueza do acionista. A preocupação com a sustentabilidade, principalmente associada às dimensões sociais e ambientais, é pouco explorada no ensino de finanças, por não representar o objetivo principal da empresa. No entanto, o campo teórico de finanças é abrangente, contemplando diversas abordagens que levam em consideração a relevância da sustentabilidade. Nesse contexto, este capítulo apresenta elementos de teoria de agência, teoria de jogos, teoria de opções reais e teoria de prospecto que permitem um confronto entre racionalidade econômica e sustentabilidade, sob uma perspectiva financeira. São sugeridas dinâmicas de sala de aula para disciplinas de finanças, nas quais os alunos são instigados a analisar situações de conflitos de interesse, armadilhas de tomada de decisão e opções estratégicas embutidas em projetos, com impacto relevante na decisão por investimentos em sustentabilidade.

Introdução Sob o ponto de vista da teoria moderna de finanças, investimentos de uma empresa em sustentabilidade somente devem ser empreendidos se criarem valor ao acionista. Neste contexto, a teoria de finanças tradicionalmente ensinada em cursos de graduação sugere de forma sutil que projetos voltados à sustentabilidade não devem ser realizados caso não gerem riqueza aos proprietários da empresa. Ou seja, a teoria de finanças tende a privilegiar a dimensão econômica, ignorando quase totalmente as outras dimensões da sustentabilidade: as preocupações social e ambiental. Livros didáticos de finanças dificilmente abordam o tema de sustentabilidade. As decisões de investimento relevantes analisadas nos cursos de graduação são pautadas pela análise de fluxos de caixa descontados a uma taxa de juros compatível com o nível de risco do empreendimento. Considera-se que um projeto é viável se o valor presente líquido dos fluxos de caixa for positivo. Nesse contexto, um investimento em projeto de


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sustentabilidade social ou ambiental só deve ser realizado se o valor presente líquido, para o acionista, for positivo. Gerar benefícios à sociedade, às custas da riqueza do acionista, não é racional, sob o ponto de vista da teoria moderna de finanças. O distanciamento teórico de finanças com relação à sustentabilidade é ainda mais drástico, pois o objetivo da empresa, segundo os livros-texto de finanças, é não somente criar valor ao acionista: o objetivo da empresa é maximizar a riqueza do acionista (BRIGHAM et al., 1999; COPELAND et al., 2004; BREALEY et al., 2007; VAN HORNE e WACHOWICZ JR., 2008; BREALEY et al., 2011). Dessa forma, mesmo que algum projeto voltado à sustentabilidade proporcione ganhos ao acionista, não deve ser conduzido se existir alguma outra alternativa viável com rentabilidade ajustada pelo risco maior. Apesar de severas críticas poderem ser lançadas em relação à visão limitada de finanças, focada exclusivamente na riqueza do acionista ou, segundo outras abordagens, na maximização do valor da firma (DAMODARAN, 2001; BREALEY et al., 2007), diversos argumentos fortalecem a perspectiva econômica. Em primeiro lugar, do ponto de vista teórico, conforme Jensen (2010) sugere, a inexistência de um objetivo único para a empresa tiraria o foco da administração e permitiria que executivos tivessem desculpas para um fraco desempenho financeiro. Por exemplo, a administração de uma empresa poderia justificar um resultado financeiro medíocre em função de priorização de investimentos socioambientais. O argumento dos executivos seria o de que, a despeito de esses investimentos destruírem riqueza do acionista, beneficiariam a sociedade ou a comunidade em geral. Nesse ponto, a perspectiva de benefícios ao acionista, que serve como base da teoria de finanças tratada na graduação, se contrapõe à perspectiva dos stakeholders (FREEMAN, 1984), na qual a empresa deve satisfazer não somente os acionistas como também funcionários, clientes, fornecedores, comunidade, etc. Mesmo seguindo a teoria dos stakeholders, a existência de múltiplos objetivos causa conflitos: recursos escassos não possibilitam atender simultaneamente a todas as necessidades ou demandas dos vários stakeholders. Tendo em vista ser logicamente impossível maximizar em mais de uma dimensão, um comportamento intencional adequado em uma empresa requer uma função-objetivo com um único valor (JENSEN, 2010) Exemplificando, suponha que a empresa se envolva em iniciativas socioambientais que, embora positivas para a comunidade ao redor, destruam a riqueza do acionista. Ao longo do tempo, a perda de valor do acionista pode inviabilizar a empresa, fazendo com que haja demissões. O funcioná-


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rio, que representa um importante stakeholder, estaria satisfeito com essas iniciativas, ou preferiria que a administração focasse na criação de valor ao acionista que, por sua vez, implicaria maiores chances de sobrevivência da empresa e manutenção de empregos? De forma semelhante, o leitor, colocando-se na posição de um funcionário, ficaria contente com uma substancial redução de seu salário para que a empresa pudesse investir em uma obra social ou em um empreendimento ambiental? Assim, em situações de recursos limitados, a satisfação simultânea de todos os diversos stakeholders é difícil de ser alcançada e, portanto, o objetivo de maximização da riqueza do acionista torna-se mais razoável e menos sujeito a conflitos de interesse. Em segundo lugar, do ponto de vista prático, um caso real ajuda a exemplificar a racionalidade da ênfase da empresa na riqueza do acionista em detrimento de outros stakeholders. Mesmo que os acionistas tivessem uma preocupação com a sociedade ou com o meio ambiente, poderiam expressar essa consciência por meio de atitudes e comportamentos como pessoa física em vez de pessoa jurídica. Pode-se exemplificar esse argumento citando o caso de Bill Gates, da Microsoft. Como empreendedor, talvez ele tenha tomado decisões extremamente agressivas, com estratégias típicas de um ‘capitalista selvagem’, buscando inclusive monopolizar alguns setores da informática, como, por exemplo, o de sistemas operacionais por meio do Windows (FISHER e RUBINFELD, 2000; WERDEN, 2001). Certamente, a busca por monopólio não é compatível com o interesse da sociedade em geral (REED, 1916), embora, sob a perspectiva financeira, seja racional, pois gera maior riqueza ao monopolista. Talvez a estratégia egoísta da empresa tenha sido fator crítico para tornar a Microsoft uma das companhias de maior valor de mercado e Bill Gates, um bilionário. Como gestor de uma pessoa jurídica, seu objetivo é criar riqueza ao acionista. Porém, como pessoa física, atualmente, Bill Gates pode se dedicar à sua fundação, que tem financiado diversas iniciativas sociais. De fato, a fundação Bill e Melinda Gates investe em programas para desenvolvimento da agricultura, para saneamento básico, para imunização usando vacinas, etc. Ou seja, como pessoa física, o acionista pode patrocinar diversas iniciativas voltadas à sociedade, não sendo necessário a empresa ter preocupação com aspectos ambientais ou sociais. Assim, um argumento a favor do objetivo de maximização da riqueza dos acionistas baseia-se na separação entre os objetivos e interesses da pessoa jurídica e da pessoa física. A empresa, como pessoa jurídica, deve beneficiar o acionista. O acionista, por sua vez, com os ganhos provenientes da empresa, pode seguir seus próprios interesses e fazer investimentos ou doa-


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ções para empreendimentos de caráter socioambiental. Esse argumento é análogo ao de Modigliani e Miller (1958) para justificar a irrelevância da estrutura de capital, isto é, da forma pela qual a empresa se financia. Essa introdução traz justificatvas contundentes a favor da teoria moderna de finanças, que estabelece a empresa como entidade que deve visar à maximização da riqueza do acionista. Argumentos semelhantes são levantados por professores de finanças que, dentro do contexto dos cursos de graduação, possuem um número limitado de aulas para ensinar não somente a teoria como também as principais técnicas financeiras. Dessa forma, em diversas situações, a reduzida carga horária e a delimitação de temas e assuntos das ementas impedem que discussões mais aprofundadas sobre finanças e sustentabilidade possam ser conduzidas nas aulas. Em outras situações, a falta de preparo dos professores implica uma despreocupação ou até mesmo desprezo por sustentabilidade em disciplinas de finanças. Com relação a esse último fato, ao mesmo tempo em que a teoria de finanças tradicional, por se basear em um objetivo simplista, possibilita a derivação de uma série de modelos, torna-se também conveniente ao educador. Toda a complexidade das decisões financeiras passa a ser resumida em uma simples análise de maximização unidimensional, na qual a riqueza do acionista é a única variável de interesse. Assim, o professor pode trazer o argumento matemático de otimização da riqueza do acionista para justificar a irrelevância da sustentabilidade nas decisões empresariais, principalmente quando se analisa a preocupação com as dimensões sociais e ambientais. Um argumento ingênuo para justificar financeiramente projetos em sustentabilidade está associado a uma simples análise de valor presente líquido. De forma análoga à avaliação de viabilidade de qualquer projeto de uma empresa, se os fluxos de entrada a valor presente forem maiores do que os fluxos de saída, também a valor presente, então é razoável a empresa realizar o investimento. Independentemente de o projeto ser ou não voltado à sustentabilidade socioambiental, caso seja uma alternativa de investimento que gere maior valor presente líquido, então deve ser empreendido. No caso da sustentabilidade, para serem viáveis, os investimentos em sustentabilidade devem gerar benefícios, usualmente intangíveis, que se reflitam em entradas de caixa superiores aos desembolsos. Uma empresa pode ser socialmente responsável e adotar projetos que, em um primeiro instante, represente saída de caixa, mas que tenha repercussão positiva que implique, por exemplo, aumento de


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vendas. Nesse caso, um investimento em projeto voltado à sustentabilidade seria racional, sob uma perspectiva financeira simplista. No entanto, a teoria de finanças é extremamente rica, trazendo outras alternativas de modelagem que buscam contemplar a complexidade das decisões financeiras. Partindo de violações a premissas simplificadoras dos modelos tradicionais, a teoria de finanças tem avançado consideravelmente, trazendo argumentos prós e contras em relação à sustentabilidade. Deve-se evidenciar que a preocupação real com elementos socioambientais no âmbito das estratégias empresariais representa, por si só, motivação suficiente para a necessidade de novos modelos financeiros que levem em consideração dimensões não-econômicas. Eventos como Rio+20 e iniciativas como Princípios do Equador constituem evidências práticas de que a sustentabilidade é de fato relevante. Neste capítulo, a relevância da sustentabilidade será analisada dentro de um contexto de teoria de finanças, apresentando-se modelos que, corroborando ou confrontando a visão simplista de maximização de riqueza do acionista, justifiquem investimentos de caráter socioambiental. Essa análise pode subsidiar discussões sobre sustentabilidade e sua ligação com finanças tanto em cursos de graduação quanto nos de pós-graduação. Ao final de cada argumento, são apresentadas situações que podem ser discutidas em sala de aula para incentivar alunos a pensarem além das fronteiras da teoria tradicional de finanças.

Investimentos em sustentabilidade e racionalidade financeira Conforme evidenciado na introdução, o ensino de sustentabilidade na área de finanças envolve vários desafios. Um dos pontos fundamentais da teoria moderna de finanças é o objetivo da maximização de riqueza dos acionistas. Essa simplificação da empresa possibilita que uma meta única seja definida. No entanto, a complexidade das relações em uma empresa torna as premissas dos modelos financeiros demasiadamente restritivas. A teoria necessita de uma fundamentação sólida, para que possa ser desenvolvida por meio da derivação e demonstração de teoremas. Apesar de o capítulo discutir uma ‘teoria de finanças’, é importante enfatizar que, segundo Derman (2012), finanças têm por base modelos e não propriamente teorias. Para o autor, modelos financeiros baseiam-se em modelos de comparação de valor relativo, constituindo metáforas e não necessariamente uma descrição de essência ou fato que, em sua visão, constituiria uma teoria. Independentemente do debate filosófico sobre teoria ou modelagem financeira, a discussão neste texto envolve associar justificativas e argumen-


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tos que aproximem finanças e sustentabilidade. Uma das possíveis razões do distanciamento pode ser atribuída às próprias origens da teoria de finanças. O trabalho de Markowitz (1952) sobre teoria de carteiras de ativos, os estudos de Modigliani e Miller (1958, 1963) sobre estrutura de capital e o modelo de Sharpe (1964), Lintner (1965) e Mossin (1966) para precificação de ativos estabeleciam premissas que, embora irrealistas, possibilitavam a derivação formal de importantes teoremas de finanças. Por exemplo, algumas premissas dos modelos financeiros envolvem a aversão a risco de investidores e a escolha de carteiras baseados unicamente em média e dispersão de retornos (MARKOWITZ, 1952), a homogeneidade de todos os investidores com relação à distribuição conjunta de retornos, o acesso simétrico ao mercado de capitais, ou seja, a possibilidade de captação e aplicação à mesma taxa de juros livre de risco (SHARPE, 1964; LINTNER, 1965), a inexistência de custos de transação e de custos de falência (MODIGLIANI e MILLER, 1958). A despeito das diversas premissas simplificadoras, a compatibilidade de resultados previstos com as evidências empíricas fortaleceu a teoria e, de certa forma, deu conforto a professores e pesquisadores. Afinal, a existência de uma teoria bem fundamentada com rigor matemático torna a explicação de fenômenos financeiros mais fácil, sendo desnecessária uma discussão mais complexa a partir de comportamentos ou características de indivíduos, típica da maioria das outras áreas das ciências sócias aplicadas. Considerando diversas premissas, investimentos em sustentabilidade não seriam racionais. O argumento já foi apresentado na introdução deste capítulo: em um mundo idealizado, a empresa deveria buscar a maximização da riqueza do acionista e este, caso tenha preocupação socioambiental, poderia como pessoa física realizar suas contribuições para a sustentabilidade. Esse argumento, embora lógico, depende de premissas como acesso simétrico a mercado de capitais ou inexistência de custos de transação. Na prática, porém, investidores como pessoas físicas podem ter custos de transação maiores para realizarem investimentos em sustentabilidade. Pelo fato de um acionista individualmente não ter escala suficiente para financiar investimentos socioambientais mais abrangentes, sua contribuição pode ser mais modesta. Tendo em vista que projetos com impacto social relevante envolvem uma quantia vultosa de recursos, o argumento de que o acionista na pessoa física poderia empreender projetos de sustentabilidade fica enfraquecido. Assim, mesmo do ponto de vista financeiro, relaxando algumas premissas, investimentos em sustentabilidade podem ser justificados. Adicionalmente, a seguir, são apresentadas quatro abordagens teóricas que podem ser usadas como pontos de ligação entre finanças e sustentabilidade. Essas perspec-


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tivas possibilitam que professores consigam explorar conceitos da teoria de finanças sem tornar a discussão muito distante da prática vivenciada pelo aluno, na qual a sustentabilidade ganha cada vez mais espaço nas corporações.

Teoria de agência A. Argumento teórico A teoria de finanças estabelece, conforme já comentado, que o objetivo de uma empresa é maximizar o valor ao acionista. Nesse contexto, a preocupação com a sustentabilidade pode ser pouco relevante. Investimentos em iniciativas com foco socioambiental seriam irracionais, a não ser que maximizassem a riqueza do acionista. A obtenção de algum ganho, diferente de um valor máximo, não seria interessante ao acionista, uma vez que não representaria uma situação de eficiência. Esse objetivo financeiro voltado à criação de valor ao acionista, aparentemente razoável do ponto de vista teórico, parece extremamente ingênuo sob uma perspectiva prática. Em uma empresa pequena, a propriedade e o controle são muitas vezes empreendidos por um mesmo indivíduo. Muitas vezes, o proprietário é o próprio gestor e, dessa forma, a justificativa de criação de valor ao acionista é imediata e o conflito de interesse pode não ser evidente. Todavia, pelo tamanho e pela escala de operações, proprietários de empresas grandes têm de recorrer a executivos e gestores que tomam decisões e gerenciam a firma. Considerando um mundo ideal, os executivos empreenderiam esforços para criar valor ao acionista. O salário do executivo seria a remuneração por administrar apropriadamente a empresa em prol do acionista. No entanto, na prática, conflitos de interesse surgem e o executivo pode não ser altruísta ou honesto o suficiente para tomar decisões que beneficiem os acionistas. Independentemente de questões sobre altruísmo ou honestidade, racionalmente, o executivo tem também um objetivo de maximizar sua própria riqueza. Algumas decisões que aumentam sua satisfação pessoal, refletida em uma função utilidade, podem ser incompatíveis com a maximização de riqueza do acionista. Considerando conceitos de economia, o executivo, ao tomar decisões racionais que maximizem sua própria utilidade esperada, pode agir de forma contrária aos interesses do acionista. Jensen e Meckling (1976) apresentam as bases para a teoria da estrutura de propriedade da empresa que, em termos resumidos, sugere a existência de relações conflituosas¸ e, consequentemente, a necessidade de contratos bem elaborados entre os diversos indivíduos dentro da empresa para evitar expropriação de riqueza.


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O conflito de interesse entre acionistas e administradores, estudado pela teoria de agência, ajuda a explicar por que uma empresa com uma estrutura de capital mista, isto é, que contemple dívida e patrimônio líquido, escolhe um conjunto de atividades de forma que o valor total da empresa seja menor do que seria se houvesse um único proprietário (JENSEN e MECKLING, 1976). Essa configuração de atividades confronta o critério de maximização da riqueza do acionista Nesse contexto, exemplificando, suponha uma atividade que poderia diminuir o valor da empresa e que fosse baseada em um investimento em um projeto voltado à sustentabilidade. Caso os mecanismos de monitoramento do acionista sejam inapropriados, os executivos podem empreender projetos em sustentabilidade que tragam benefícios pessoais, embora corroam a riqueza do acionista. Em algumas situações, executivos podem convencer a empresa a realizar alguns empreendimentos socioambientais que lhe proporcionem inserção na comunidade, não trazendo necessariamente uma relação custo-benefício adequada ao acionista. Não é incomum executivos utilizarem recursos da empresa para patrocinarem iniciativas pouco alinhadas com os objetivos da firma, mas que gerem ganhos pessoais. Alguns executivos podem incentivar investimentos da empresa em determinadas comunidades que, embora impliquem destruição de valor ao acionista, possibilitem a criação de uma base de apoio que pode vir a ajudá-los, por exemplo, em uma eventual candidatura a algum cargo público. Portanto, interesses pessoais dos gestores podem se contrapor aos interesses dos acionistas. Em situações em que haja conflito de interesse e em que os mecanismos de monitoramento e de enforcement sejam pouco eficazes, investimentos em sustentabilidade podem ser empreendidos, uma vez que criam valor ao executivo, às custas de uma expropriação de riqueza do acionista. Sob essa perspectiva, empresas que consistentemente investem em sustentabilidade socioambiental podem refletir conflitos de interesses relevantes entre executivos e acionistas.

B. Dinâmica em sala de aula Para ilustrar o conflito de agência, suponha que você seja executivo de uma empresa. Você não é proprietário da empresa e seu salário fixo é sua única fonte de renda. No último período, a empresa apresentou um desempenho extraordinário e tem fluxo de caixa livre. Você, como executivo, pode distribuir essa sobra de caixa para os acionistas da empresa na forma de dividendos ou pode reter na empresa e sugerir o investimento em um projeto social que ajudasse crianças carentes da comunidade ao redor da empresa.


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Quais seriam seus argumentos para justificar esse investimento em sustentabilidade? Considerando que você é racional e maximizador de sua própria utilidade, quais seriam seus reais motivos para defender o projeto em sustentabilidade? Quais premissas vocês estão levando em consideração nessa discussão? Como essa situação confronta ou corrobora a questão de criação de valor ao acionista?

Teoria dos jogos A. Argumento teórico Ainda na linha de racionalidade dos agentes, a preocupação de uma empresa com sustentabilidade pode também ser relevante considerando-se a perspectiva da teoria dos jogos. De acordo com Myerson (1991), a teoria dos jogos representa o estudo de modelos de confronto e cooperação entre tomadores de decisão racionais e inteligentes. Em termos históricos, a teoria dos jogos tem origem em estudos de von Newmann e Morgenstern (1944, 1947), ao estabeleceram axiomas de racionalidade que induzem indivíduos a buscar a maximização de sua utilidade esperada. Em situações nas quais decisões de agentes envolvem uma interligação, como, por exemplo, cooperar ou não-cooperar, a teoria de jogos pode ser especialmente aplicável. Supondo jogos de soma-zero, em que o ganho de uma parte representa a perda da contraparte (RAGHAVAN, 1994), investimentos em sustentabilidade podem não ser razoáveis. Nessa configuração de jogo de soma-zero, ao investir em um projeto de sustentabilidade, o acionista teria uma perda equivalente ao ganho que, por exemplo, a sociedade obteria. A inexistência de sinergia no contexto de jogos de soma zero implica uma compatibilidade com o comportamento egoísta da teoria moderna de finanças, na qual o objetivo da empresa está ligado à maximização da riqueza do acionista. Porém, em diversas outras configurações, principalmente nas quais o jogo não é de soma-zero, pode-se justificar a racionalidade de investimentos em sustentabilidade. Por exemplo, no famoso dilema do prisioneiro (FLOOD, 1952; DRESHER, 1961), as duas partes podem ajudar-se mutuamente ou cada parte pode escolher não cooperar com sua contraparte. Dada a configuração de possíveis resultados, é racional cada parte tomar atitudes individualistas, traindo sua contraparte e não-cooperando. No entanto, quando ambas as partes não-cooperam, obtêm resultados piores do que os resultados obtidos caso colaborassem entre si. Jogos como o do dilema do prisioneiro podem ser vislumbrados em investimentos em sustentabilidade. Por exemplo, parcerias entre empresas e governo para capacitar profissionais de nível técnico, apesar de representa-


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rem desembolsos de fluxo de caixa e alocação de esforços para ambas as partes, podem se reverter em benefícios mútuos de longo prazo. Nessa configuração, do ponto de vista racional, a estratégia dominante para cada parte é deixar a responsabilidade de todo investimento para a contraparte. Todavia, mais do que simplesmente não cooperarem e deixarem a responsabilidade da educação para o governo, empresas socialmente engajadas podem assumir uma posição de liderança e promover investimentos que tornem indivíduos da comunidade mais capacitados. O impacto do desembolso de caixa de curto prazo tanto da empresa quanto do governo pode ser diminuído com um maior valor obtido futuramente pela melhor capacitação da mão de obra e pelo aumento do nível de instrução da comunidade. A empresa pode obter um ganho proveniente de funcionários mais qualificados, e o governo pode obter maior receita de impostos de renda decorrente de maior nível de emprego. Sem a colaboração mútua, os resultados poderiam ser inferiores ao da colaboração. Obviamente, conforme já destacado, para cada uma das partes, a estratégia dominante seria economizar no investimento e deixar todo o ônus financeiro da capacitação de pessoal para a contraparte. Porém, considerando resultados em um cenário de jogo de soma diferente de zero, investimentos em sustentabilidade promovidos pelas empresas podem ser viáveis, uma vez que a cooperação com o governo ou com a comunidade pode levar a ganhos maiores comparativamente aos do caso em que ambas as partes agem de forma egoísta, sem realizarem os investimentos. É importante enfatizar que relações de confiança devem ser estabelecidas para que a colaboração entre as partes possa ser duradoura e benéfica e que investimentos socioambientais sejam fomentados em diversas rodadas desse jogo.

B. Dinâmica em sala de aula Considere a seguinte configuração de resultados, descrita por meio da matriz canônica da teoria de jogos. A matriz indica os resultados (em milhões de reais) decorrentes de estratégias de cooperação ou não-cooperação entre empresa (A) e prefeitura (B) em um projeto social voltado à capacitação de pessoal de nível técnico. Jogador B Jogador Jogador A

Estratégia Coopera Não-coopera

Coopera A: 2, B: 2 A: 10, B: -10

Não-coopera A: -10, B: 10 A: -2, B: -2

Sob o ponto de vista de racionalidade individual, identifique qual seria a decisão a ser tomada pela empresa? E pela prefeitura? Explique por que


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seria razoável a empresa investir no projeto. Analise esse problema, levantando argumentos referentes à cooperação, não-cooperação e relações de confiança entre as partes envolvidas. Como essa situação confronta ou corrobora a questão de criação de valor ao acionista?

Teoria de opções reais A. Argumento teórico Em finanças, todo direito pode ser analisado sob uma abordagem baseada em teoria de opções. Mais especialmente, a teoria de opções reais (MYERS, 1977) propicia uma análise complementar à da criação de valor fundamentada em valor presente líquido, ao incorporar aspectos de direitos ou alternativas que a empresa possui caso implemente alguma estratégia. Enquanto a análise do valor presente líquido possibilita um estudo estático de projetos, a teoria de opções permite que um empreendimento seja avaliado dinamicamente, uma vez que a qualquer momento, dependendo das condições de mercado, a empresa pode alterar sua estratégia. Destaca-se que o estudo tradicional de viabilidade de projetos a partir do valor presente líquido implica uma avaliação, em determinado instante, dos valores esperados dos fluxos de caixa ao longo do tempo trazidos a valor presente por uma taxa de desconto apropriada (BREALEY et al., 2011). Uma vez que se decida pela implementação do investimento, a regra do VPL supõe que a empresa deverá executar todos os passos até o término do projeto, independentemente de alterações nas condições de mercado ou em seu direcionamento estratégico. Já a teoria de opções reais estabelece que, ao longo do tempo, a empresa pode redefinir sua estratégia e eventualmente modificar as características do projeto. De acordo com Copeland e Antikarov (2001) e Luehrman (1998a, 1998b), alguns exemplos de opções reais ou estratégicas de uma empresa são: a opção de expandir a escala de operações, a opção de contrair a escala, a opção de abandonar um projeto, a opção de deferir um projeto e a opção de sequenciamento de projetos. Exemplificando, caso as condições de mercado melhorem após o início do projeto e a demanda pelo produto aumente, a empresa pode ter a opção, isto é, o direito de aumentar sua escala de produção. Obviamente, esse direito só pode ser exercido se a empresa possuir capacidade ociosa. Assim, a decisão de a empresa operar a uma capacidade inferior à plena constitui uma opção que, embora em termos de valor presente líquido, dada a ineficiência operacional, possa extrair riqueza do acionista, constitui importante vantagem competitiva no caso de melhoria das condições do mercado.


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De modo oposto, a empresa também sempre possui o direito de diminuir sua escala de operações caso o mercado se deteriore. Assim, a empresa pode adaptar-se a uma demanda reduzida. Na prática, empresas podem se desfazer de máquinas e equipamentos, reduzir sua mão de obra, sem necessariamente esperar para tomar uma decisão somente após o projeto ter terminado. É importante salientar que, no estudo de criação de valor fundamentado na análise do valor presente líquido, esses ajustes no nível de operações não são contemplados de forma mais rigorosa, pois a análise é estática. Ao se utilizar a teoria de opções reais, diversas alternativas decorrentes de projetos em sustentabilidade tornam-se razoáveis. Flexibilidade gerencial possui um valor (TRIGEORGIS, 1996) que pode ser explorado em investimentos de sustentabilidade. Por exemplo, ao investir em projetos que promovam a conservação ambiental, uma empresa pode obter maior aceitação da comunidade. Essa maior proximidade ou simpatia com a comunidade pode auxiliar a empresa a conseguir aprovação popular para empreender um eventual projeto futuro que tenha impacto ambiental negativo. O preço pago por uma atitude inicial ambientalmente responsável pode conferir uma opção real na qual a empresa pode se beneficiar de uma opinião pública favorável em oportunidades futuras. Assim, há uma opção real, estratégica, que dificilmente pode ser avaliada por meio do método tradicional de valor presente líquido. Nesse contexto, mais do que um serviço de relações públicas, investimentos em projetos de sustentabilidade representam opções sequenciais, que permitem a novos empreendimentos se tornarem viáveis em função de comportamento social e ambiental responsável adotado em projetos anteriores.

B. Dinâmica em sala de aula Suponha o caso de uma empresa que explora minério e que, pela natureza de sua atividade, provoca impacto ambiental significativo. Como executivo da empresa, justifique com, base na teoria de opções, um investimento de caráter social que tenha valor presente líquido negativo. Como essa situação confronta ou corrobora a questão de criação de valor ao acionista?

Teoria de prospecto A. Argumento teórico A moderna teoria de finanças parte da premissa de que os indivíduos são racionais no sentido de buscarem a maximização de sua própria riqueza. As implicações dessa teoria são inúmeras e, como já discutido, colocam em cheque a racionalidade de as empresas se preocuparem com sustentabilidade.


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Porém, mais recentemente, a teoria de prospecto desenvolvida por Kahneman e Tversky (1979) lançou bases para um modelo alternativo à teoria moderna de finanças, estabelecendo que os indivíduos não são racionais em seus processos de tomada de decisão. A teoria de prospecto deu origem a uma vertente em finanças, denominada de finanças comportamentais, que sugere a existência de vieses cognitivos ou heurísticas de decisão tão severos que eventualmente podem afetar o equilíbrio do mercado. De acordo com Giorgi e Hens (2009), pesquisas recentes têm encontrado evidências avassaladoras de que a teoria de prospecto proporciona melhor descrição das escolhas de investidores do que o modelo de esperança e variância de Markowitz (1952). A partir de diversos experimentos, nos quais indivíduos deveriam escolher entre alternativas de investimento ou prospectos, Kahneman e Tversky (1979) identificaram que as decisões estão sujeitas a diversos vieses e heurísticas que fazem com que escolhas não sejam consistentes e se afastem das decisões que seriam consideradas racionais. Em particular, a teoria do prospecto estabelece uma escala de valor que associa a determinado resultado um número que reflete um valor subjetivo. Diferentemente de um valor definido por uma função utilidade tradicional da economia, comumente atrelada à variável riqueza, o valor subjetivo depende da percepção do indivíduo diante de ganhos ou perdas. A função de valor na teoria do prospecto é normalmente côncava para ganhos e frequentemente convexa para perdas (KAHNEMAN e TVERSKY, 1979). Considerando aspectos de subjetividade dentro da teoria de prospecto, um elemento com impacto no comportamento de tomada de decisão envolve o conceito de estruturação (TVERSKY e KAHNEMAN, 1981). A forma com que uma situação é colocada a um indivíduo influencia seu processo de tomada de decisão, uma vez que a função de valor subjetivo possui características diferentes em situações de ganhos e de perdas. Problemas que geram os mesmos resultados, mas que são estruturados de maneira diferenciada, podem conduzir a decisões distintas. Esse fato é inconsistente com a suposição de racionalidade dos indivíduos. Um exemplo apresentado por Tversky e Kahneman (1981) envolve a análise de um programa de combate a uma doença, estruturado de forma diferente, mas com resultados finais idênticos. Quando o problema é colocado na forma de probabilidade e quantidade de pessoas a serem salvas, a maioria dos tomadores de decisão prefere a alternativa ou prospecto em que um número certo, fixo, de pessoas são salvas. Todavia, quando o problema é colocado na forma de probabilidade e quantidade de pessoas que morrerão, a maioria dos tomadores de decisão prefere a alternativa em que um número incerto de pessoas morrem.


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Esse experimento sugere que, em escolhas associadas a ganhos, como no caso de salvação de pessoas, tomadores de decisão são avessos ao risco. Em contrapartida, em escolhas associadas à perda, como no caso de morte de pessoas, os tomadores de decisão tornam-se propensos a riscos (TVERSKY e KAHNEMAN, 1981). Esse resultado de finanças comportamentais pode ter especial aplicabilidade em sustentabilidade. Nesse contexto, projetos de sustentabilidade podem apresentar uma estrutura que convença executivos e acionistas de sua escolha ou viabilidade. Em particular, ao confrontar projetos potenciais, investimentos em causas sociais devem ser formulados com baixo risco para torná-los mais atraentes, dado o comportamento de aversão a risco no domínio dos ganhos. No caso de projetos ambientais em que geralmente procurase diminuir as perdas, talvez a melhor forma de apresentar resultados seja uma estruturação que valorize projetos de sustentabilidade de alto grau de risco, uma vez que, no domínio das perdas, os tomadores de decisão tendem a ser propensos a risco.

B. Dinâmica em sala de aula Considere que a empresa avalie dois projetos de sustentabilidade, A e B, voltados a uma comunidade de 600 pessoas. Os custos de implementação são semelhantes, mas os resultados potenciais são distintos. Se o projeto A for adotado, 200 pessoas serão beneficiadas. Se o projeto B for adotado, existe 1/ 3 de chances de as 600 pessoas serem beneficiadas e 2/3 de chances de nenhuma pessoa ser beneficiada. Qual projeto você escolhe? Considere agora que uma empresa avalie dois projetos de sustentabilidade, C e D, voltados a uma comunidade de 600 pessoas. Os custos de implementação são semelhantes, mas os resultados potenciais são distintos. Se o projeto C for adotado, 400 pessoas serão prejudicadas. Se o projeto D for adotado, há 1/3 de chances de nenhuma pessoa ser prejudicada e 2/3 de chances de 600 pessoas serem prejudicadas. Qual projeto você escolhe? Quando esses conjuntos de alternativas de investimentos são propostos, comumente os indivíduos escolhem A e D. Pede-se que você avalie por que essas escolhas são inconsistentes. Por que a forma de estruturar o problema conduz a escolhas inconsistentes entre si?

Considerações finais A incorporação de conceitos de sustentabilidade no ensino de finanças apresenta diversos desafios. A teoria de finanças formal e rigorosamente derivada de premissas simplificadoras induz, em uma primeira análise, a um afastamento da sustentabilidade. Afinal, investimentos em causas sociais ou


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ambientais, por exemplo, não estariam diretamente ligadas à maximização de riqueza do acionista. No entanto, quando algumas premissas são relaxadas e maior complexidade é adicionada aos modelos financeiros, é possível vislumbrar alternativas teóricas que permitem fundamentar investimentos em sustentabilidade. Neste capítulo, foram apresentados argumentos financeiros que justificam investimentos em sustentabilidade utilizando conceitos de teoria de agência, teoria dos jogos, teoria de opções reais e teoria de prospecto. Ao final da descrição de cada argumento, foi lançada uma sugestão de caso para discussão. Assim, o professor em sala de aula pode não somente descrever ou explicar a abordagem, mas também promover um debate com os alunos, aproximando teorias e prática. A diversidade de perspectivas ilustra a riqueza da teoria de finanças e, mais ainda, o processo de desenvolvimento teórico que busca maior poder de explicação de fenômenos reais. Assim, as abordagens discutidas representam evoluções no conhecimento de finanças que visam conciliar teoria e prática. Sob a perspectiva da teoria moderna de finanças comumente ensinada em cursos de graduação e de pós-graduação, investimentos em sustentabilidade podem ser pouco razoáveis, porém, há diversas outras perspectivas teóricas, estudadas no âmbito de modelos financeiros mais avançados, que justificam esses investimentos. Cabe salientar que podem existir situações nas quais, independentemente da perspectiva de análise, seja difícil justificar um investimento em sustentabilidade, uma vez que os benefícios podem ser suplantados de maneira contundente pelos custos financeiros ou que alternativas de expropriação de riqueza por parte de executivos sejam coibidas. Nesse ponto, o papel do governo ou da sociedade pode ser fundamental para que ainda assim as empresas empreendam projetos de sustentabilidade. Regulação imposta pelo governo e pressão popular representam mecanismos que, embora não alterem o objetivo financeiro final de maximização da riqueza do acionista, impõem restrições à gestão, forçando o direcionamento de recursos da empresa para projetos social e ambientalmente responsáveis. Ou seja, sob o ponto de vista de modelo de otimização, o objetivo de maximização da riqueza do acionista torna-se um problema com restrições e condições de contorno, diferenciando-se de uma análise incondicional. Nesse contexto, o ‘egoísmo’ do acionista teria limites impostos pela sociedade ou pela regulação. É importante destacar que o governo pode agir de diversas formas. Não somente pode regular no sentido de punição, impondo regras a serem cumpridas pelas empresas, como também pode estabelecer motivações positivas


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para projetos de sustentabilidade. Incentivos fiscais constituem formas de o governo motivar empresas a se engajarem em iniciativas que beneficiem a comunidade. Finalmente, independentemente do papel direto do governo, cabe também à sociedade, por meio de uma atitude mais ativa e participativa, exigir e incentivar maior compromisso das empresas com a causa da sustentabilidade. Afinal, mais do que discussões teóricas sobre criação de valor, na prática, o que está em jogo para a sociedade como um todo é o atendimento de suas necessidades atuais sem o comprometimento da habilidade de as futuras gerações terem suas necessidades satisfeitas. Como importantes agentes de mudanças, tanto empresas quanto indivíduos são responsáveis pela sustentabilidade.

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Capítulo 16

Ensino-aprendizagem de estratégia para sustentabilidade Marta Fabiano Sambiase

Resumo Diante da constatação, por mim e pelos alunos, de contradições nos conteúdos e discursos de disciplinas da graduação em Administração de Empresas, principalmente no campo das teorias de Estratégia, em função dos princípios de Desenvolvimento Sustentável, passei a buscar alternativas para melhor enfrentar essa situação e oferecer suporte teórico para tais discussões. É neste contexto que este relato de experiência se desenvolve e compartilha como o enfrentamento de situações, a princípio controversas, pode trazer resultados satisfatórios e evolutivos, tanto para o processo de ensino-aprendizagem como para a pesquisa no campo da Administração de Empresas. Os objetivos estratégicos estiveram, até meados dos anos 1990, orientados ao desempenho econômico-financeiro, principalmente; no entanto, a partir da ultima década do século XX, percebe-se uma mudança no que vem a ser o valor gerado pelas empresas, abrindo espaço para reflexões nesse campo de estudos: a Estratégia voltada para a Sustentabilidade. A Estratégia para a Sustentabilidade busca estabelecer planos, objetivos, formas e mecanismos para implantação, monitoramento e controle de condutas empresariais que contribuam para o alcance de Desenvolvimento Sustentável. Isto quer dizer que a estratégia empresarial é responsável pelas condições de alcance e manutenção das necessidades e externalidades empresariais do presente, sem comprometer as gerações futuras em desenvolver suas atividades de negócios.

Introdução Como professora e pesquisadora na área de Administração de Empresas, mais especificamente sob a linha Estratégia Empresarial com enfoque comportamental, percebi que as teorias mais tradicionais em estratégia não conseguiam atender aos meus anseios sobre o que eu gostaria de passar aos alunos a respeito dos objetivos estratégicos perseguidos pela Administração e seus gestores. Além disso, os alunos começavam a perceber contradições nos conteúdos e discursos de algumas disciplinas da estrutura curricular da graduação em Administração de Empresas; um exemplo desta contradição pode ser cita-


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do entre matérias mais voltadas para humanidades – como Sustentabilidade e Gestão Ambiental, por exemplo – e outras mais voltadas às exatas – como Finanças. Enquanto a disciplina Sustentabilidade e Gestão Ambiental pregava uma gestão equilibrada de recursos orientada à integração homem, economia e natureza, outras pregavam a maximização da produção e recursos em busca da lucratividade máxima, tratando a natureza e seres humanos como recursos para alcance de objetivos de uma classe de humanos, mais dominante e fundamentalmente de natureza econômica. Desta situação, eu refletia se os alunos, realmente, percebiam o discurso confuso e o momento transitório na ciência da Administração, ou se eu é que deixava transparecer certa insatisfação e, dessa forma, não passava consistência teórica e convicção pessoal. Foi assim que, entre os anos de 2007 e 2009, comecei a reconhecer publicamente, em sala de aula, o desconforto sentido por mim e o momento transitório pelo qual as teorias administrativas, mais especificamente as estratégicas, passavam. Assumi que não havia uma abordagem teórica, conhecida por mim e adotada na graduação em Administração de Empresas da Universidade Mackenzie – campus Higienópolis – capaz de tratar paradoxos de maneira séria e coesa. No entanto, simplesmente assumir a confusão não me trazia conforto, apenas me colocava mais em paz com minha integridade. Então, comecei a pesquisar sobre o tema estratégia e sustentabilidade no contexto da Administração de Empresas. Em 2009, foi aprovado o projeto de pesquisa “Formação do Administrador para Sustentabilidade”, também conhecido como Pró-ADM,1 liderado pela Universidade P. Mackenzie sob a coordenação da Profa. Janette Brunstein, cujo intuito foi estimular os princípios de Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social Corporativa de maneira transversal, inter e multidisciplinar, na grade de formação dos administradores. Como pesquisadora participante desse projeto, houve incentivo em buscar técnicas e práticas de ensino-aprendizagem da sustentabilidade no escopo da graduação em Administração, em que fiquei responsável pelo tema Estratégia para Sustentabilidade. É nesse contexto que descrevo este relato, sob meu ponto de vista e experiência, de como integrei a problemática da sustentabilidade e estratégia empresarial em ações para a graduação em Administração de Empresas. Este relato se inicia com uma breve discussão entre as teorias estratégicas tradicionais e o que temos chamado de estratégia para sustentabilidade. 1. Para mais informações sobre o Pró-ADM, consulte o Portal Educação Administração Sustentável, disponível em http://www.educacaoadmsustentavel.org/, acessado em 10/02/2013.


Cap 16 – Ensino-aprendizagem de estratégia para sustentabilidade 335

Em seguida será apresentado como o tema passou a ser abordado em sala de aula e discutido com os alunos. Até, por fim, encontrar um meio de ser inserido na grade formal obrigatória da graduação em Administração.

Entendendo a estratégia A função da estratégia, desde sua origem, é buscar a preservação, longevidade e bom desempenho dos recursos vitais. Em batalhas das forças militares, soldados e combatentes buscam estabelecer planos e traçar objetivos para que seus passos não sejam fatais (GHEMAWAT, 2006). Da mesma maneira, a aplicação da estratégia no escopo das Ciências Sociais Aplicadas, mais especificamente na Administração de Empresas, também visa orientar as organizações no trajeto gerencial para sobrevivência e desempenho satisfatório em seus mercados ao longo do tempo, cuja medida de resultado mais conhecida é dada pela posição competitiva, preferencialmente com alcance de vantagem competitiva – sustentável ou temporária. Não há um consenso, na literatura, sobre a definição de Estratégia; esta é uma palavra usualmente empregada no meio empresarial e seu significado é compreendido intuitivamente. Uma das definições mais usadas em nível de graduação é apresentada por Wright et al. (2000, p. 3), em que “estratégia é o conjunto de planos da alta administração para alcançar resultados consistentes com a missão e os objetivos gerais da organização”. O conhecido autor de estratégia, Porter (1996, p. 68), afirma que “estratégia é a criação de uma posição única e valiosa, envolvendo um conjunto diferente de atividades’’. Antes de entrarmos em objetivos da estratégia, é interessante descrever breve histórico do processo estratégico. Este pode ser dividido em quatro fases principais: (1) a primeira fase, nos anos 1900, focava o desenvolvimento do planejamento financeiro, que tinha por premissa principal a ideia de que o passado se repetia e, portanto, a estratégia visava à melhoria do desempenho financeiro, principalmente; (2) a segunda fase consistiu no planejamento de longo prazo e ocorreu nos anos 1950. Igor Ansoff foi um de seus precursores, com o pressuposto de que as tendências do passado iriam se repetir no futuro e, portanto, as empresas precisariam apenas adequar os recursos para que conseguissem crescer, crescimento que tinha implícito aumentar o desempenho econômico; (3) já a terceira fase, planejamento estratégico, ocorreu entre 1960 e 1970 e teve por premissa que as inferências feitas a partir do passado poderiam ser inadequadas em virtude de novas tendências e, portanto, ajustes estratégicos seriam necessários. Neste momento toma-se consciência das forças dinâmicas do ambiente externo à organização, principalmente; (4) por fim, na quarta fase, chamada de administração estratégica de mercado, o


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ambiente externo passou a ser considerado na formulação de estratégias e constantemente monitorado, com o intuito de acompanhar as mudanças que passaram a ser cada vez mais frequentes. Esse ambiente exigia maior rapidez e flexibilidade por parte das empresas para que os ajustes necessários pudessem ser feitos e elas não perdessem sua competitividade (AAKER, 2003; HERNANDES e SAMBIASE, 2011). Ao percorrermos o conceito de estratégia e o processo estratégico, percebemos que esta está voltada à competitividade empresarial, cujas definições no âmbito microeconômico estão focadas sobre a firma e sua capacidade de se sobressair a seus concorrentes pelo êxito de seus projetos, produção e venda de produtos (CHUDNOVSKY e PORTA, 1990). O comum é tratar competitividade como um fenômeno relacionado às características de desempenho ou de eficiência técnica. Como desempenho, a competitividade é expressa na participação de mercado, em que a demanda é que define a posição competitiva das empresas ao escolher quais produtos serão adquiridos; já como eficiência técnica, competitividade é vista como potencial competitivo, traduzida em termos da relação insumo-produto ou sua capacidade de converter insumos em produtos com o máximo rendimento (HAGUENAUER, 1989; KUPFER, 1992; FERRAZ et al., 1996). Dessa forma, o êxito da estratégia e do processo estratégico é medido pelo alcance ou não de vantagem competitiva, variável de resultados dos objetivos estratégicos. Vasconcelos e Brito (2004, p. 52) esclarecem que “a vantagem competitiva pode ser vista como o objetivo das ações da empresa, pode ser usada para explicar a diversidade entre as empresas, pode ser vista como o objetivo final da função corporativa e, finalmente, pode explicar o sucesso ou fracasso na competição internacional”.

Os objetivos estratégicos estiveram, até meados dos anos 1990, orientados ao desempenho econômico financeiro, principalmente, retratados pelos relatórios financeiros, valor de ação e outros indicadores quantitativos. No entanto, a partir da ultima década do século XX, percebe-se uma mudança no que vem a ser o valor gerado pelas empresas, em que pudemos perceber a influência das crescentes discussões a respeito de desenvolvimento sustentável, em nível macroambiental, e sustentabilidade, em nível microambiental. Abre-se, assim, espaço para a inserção do que se chama de Estratégia voltada para a Sustentabilidade.

Entendendo a estratégia para a sustentabilidade A Estratégia voltada para a Sustentabilidade, ou Estratégia para a Sustentabilidade, busca estabelecer planos, objetivos, formas e mecanismos para implantação, monitoramento e controle de condutas empresariais


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que contribuam para o alcance de Desenvolvimento Sustentável2 em nível micro e macroambiental. Isto quer dizer que a estratégia empresarial é responsável pelas condições de alcance e manutenção das necessidades e externalidades empresariais do presente, sem comprometer as gerações futuras em desenvolver suas atividades de negócios. Para que isto ocorra na velocidade em que as cadeias de valor operam, atualmente, sem entrar na discussão de ritmo e volume dos negócios, a princípio, é preciso que a forma de pensar e executar negócios seja reavaliada, desde os incentivos da segunda fase da Revolução Industrial, principalmente, no século XIX, aos desafios do Desenvolvimento Sustentável, nos séculos XX e XXI. Senge et al. (2001) dizem que a indústria está diante de uma encruzilhada em função dos impactos de novas práticas de produção e a disponibilidade de recursos, acarretando uma nova revolução industrial. Em se reconhecendo as restrições impostas pela natureza e a sociedade, pode surgir extraordinária criatividade, pois restrições e criatividade andam juntas. Com isto, Senge et al. (2001) chamam de “próxima revolução industrial” ao processo de inovação das organizações para garantir sobrevivência nos próximos tempos. Um levantamento de artigos em periódicos científicos mostra que autores como Stuart L. Hart – The Natural-Resource-Based View of the Firm (1995), Jed Emerson – The Blended Value Proposition: Integrating Social and Financial Returns (2003), Renato J. Orsato – Sustainability Strategies (2009), Adam Werbach – Strategy for Sustainability: a Business Manifesto (2010), Michael E. Porter e Mark R. Kramer – Creating Shared Value (2011) e outros reconhecem a necessidade de tratar a estratégia empresarial e seus resultados sob um enfoque mais amplo, além do desempenho econômico-financeiro e alcance de posição competitiva. Ao se buscar “strategy for sustainability”, entre aspas, na Amazon.com, encontram-se 121 obras; no Google, resultam em aproximadamente 171.000 citações; e no Google Acadêmico, 1.420 referências. Já uma pesquisa com o termo em português, “estratégia para sustentabilidade”, no Google, resultam em 7.710 citações; no Google Acadêmico, 14 referências; e na LivrariaCultura.com e Saraiva.com, apenas 1 obra em cada. Isto nos mostra, de certa forma, a perspectiva de avanço sobre o assunto que temos no Brasil, fundamentalmente

2. Desenvolvimento Sustentável aqui segue o conceito do relatório Report of the World Commission on Environment and Development: Our Common Future (Brundtland Report) (WCED, 1987), que é tido como um processo de mudanças em que a exploração de recursos, direção dos investimentos, orientação do desenvolvimento tecnológico e alterações institucionais são realizadas de maneira consistente com as necessidades atuais e futuras.


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no que diz respeito à Estratégia para Sustentabilidade na Formação do Administrador em nível de graduação.3 Usarei alguns desses autores para melhor demonstrar as discussões acerca do capitalismo do século XX. Layrargues (1998), por exemplo, discute as noções de racionalidade econômica e ecológica em sua tese de doutorado, apontando para a necessidade de os gestores e as empresas aprenderem a pensar sob a racionalidade ecológica. O autor argumenta que, sob a racionalidade econômica, o Homo economicus completa-se em plenitude por seu pensamento estar voltado para a produtividade econômica, as inovações tecnológicas e o desenvolvimento humano com a superioridade econômica sobre ecológica. A crítica à sociedade industrial situa-se mais na irracionalidade da razão do que na própria razão; esta proporcionou padronização planetária de estilos de produção e consumo. Já a racionalidade ecológica, por sua vez, é oposta à tendência predominante da racionalidade econômica; a “racionalidade ecológica vai além da simples consideração do meio ambiente como uma variável de mercado, traduzido por uma estratégia de desenvolvimento dita sustentável”. Com base em Shiva (1991), Layrargues identifica na racionalidade ecológica a aceitação da natureza representando o princípio organizativo básico da sociedade, enquanto para a racionalidade econômica esse princípio organizativo seria representado pelo mercado e pelo capital. A racionalidade ecológica propõe o justo equilíbrio das forças sociais em que a prudência ecológica possa impedir que a racionalidade econômica invada o espaço dos limites ecossistêmicos de resistência dos sistemas naturais, operando eternamente sob o consentimento da irracionalidade da Razão. Werbach (2010) argumenta que os desafios globais que enfrentamos hoje estão relacionados a quatro dimensões: social, econômica, ambiental e cultural. Isto porque, no início do século XXI, mais da metade das maiores economias do mundo pertence a corporações. As vendas do WalMart em 2007, por exemplo, foram maiores do que a economia de 144 países; além disso, “dois terços do comércio global foi realizado por apenas 500 corporações” (WERBACK, 2010, p. 4). Com esse poder, o autor defende que a evolução da sociedade passa pelos negócios globais, por serem as únicas instituições capazes de responder à escala dos desafios globais que enfrentamos. Quando o autor fala em Estratégia para Sustentabilidade, isso significa que um negócio sustentável deve pensar na perpetuação; vai além de saber se relacionar com stakeholders ou ter produtos “verdes”. Neste sentido, Layrargues (1998, p. 10) constatou em sua pesquisa que: 3. Trecho extraído do blog Ensino-Aprendizagem de Estratégia para Sustentabilidade, por Marta Fabiano Sambiase. Disponível no portal Educação Adm. Sustentável, link http://www.educacao admsustentavel.org/?p=742; acessado em 05/02/2013.


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não foi devido à consciência ecológica, mas sim à consciência econômica, que o setor empresarial adjetivou-se de “verde” e conquistou um espaço no ambientalismo, com o direito de requisitar a legitimidade discursiva quanto aos caminhos a serem percorridos para a humanidade atingir uma sociedade sustentável.

A dificuldade das empresas em adotarem estratégias para sustentabilidade de fato pode não passar pela falta de desejo ou descaso com a problemática do desenvolvimento sustentável. Esta dificuldade pode estar relacionada à adequação das necessidades da empresa em se manter viva, ou aos padrões de concorrência do setor em que atua, e/ou até ao desconhecimento do consumidor. Por isso, é importante que a gestão estratégica seja reconhecida e administrada em um contexto de paradoxos. Diante deste cenário, Nicolescu (2011) propõe novos modelos de pensamento que possam resgatar à cultura e à sociedade um ser humano mais completo, capaz de enfrentar os desafios da complexidade – intrincada teia de relações entre conhecimentos, disciplinas e sistemas (naturais, culturais e econômicos) que caracteriza o mundo contemporâneo. Para isto, torna-se necessário lidar com a pluridisciplinaridade – estudo de um objeto de uma mesma e única disciplina por várias disciplinas ao mesmo tempo; a interdisciplinaridade – diz respeito à transferência de métodos de uma disciplina para outra; e a transdisciplinaridade – diz respeito àquilo que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina. O autor também questiona o conceito de realidade e argumenta “se há verdadeiramente uma realidade, então, ela deve consistir em que o mundo vive, se move e tem nele mesmo uma lógica dos acontecimentos que corresponde à nossa razão” (NICOLESCU, 2011), o que não é “real”. Uma alternativa, então, baseia-se na obra de Stéphane Lupasco (19001988), cuja filosofia do terceiro incluído é muito importante no caminho rumo a um novo conceito de realidade. Esta adquire sentido ao entrar em diálogo com a abordagem transdisciplinar, fundada sobre a noção de níveis de realidade. Baseado na lógica do antagonismo, o terceiro incluído “não significa que se possa afirmar uma coisa e seu contrário, o que, por anulação recíproca, destruiria toda possibilidade de predição e, portanto, toda possibilidade de abordagem científica do mundo” (NICOLESCU, 2011). A existência de um terceiro tipo de dinâmica gera um novo mecanismo dinâmico que demanda a existência de um estado de equilíbrio. Surge, então, a potencialização, que é uma espécie de memorização do ainda não manifestado. O terceiro incluído lógico lupasciano é útil no plano de ampliação da classe dos fenômenos passíveis de serem compreendidos racionalmente, ou seja, a lógica do terceiro incluído é uma lógica da complexidade porque ela permite atravessar, de


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maneira coerente, os diferentes campos do conhecimento. O conceito-chave da transdisciplinaridade é o de nível de Realidade, o que significa dizer que dois níveis de Realidade são diferentes quando, passando de um para o outro, há uma ruptura das leis e ruptura dos conceitos fundamentais. Nicolescu (2011) declara, por sua vez, que um porvir sustentável é aquele da descoberta das múltiplas faces da Realidade. No campo das teorias estratégicas e seus objetivos, já surgem propostas que buscam lidar com a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade, demonstrando outras noções de realidades para esse campo de estudos. Hart (1995) reconhece as contribuições da Teoria de Recursos (ou RBV – Resource Based View), mas salienta omissões dessa teoria quando ignora as restrições impostas pelo ambiente natural. Hart (1995), Emerson (2003), Hart e Dowell (2011) e Porter e Kramer (2011) reconhecem que o gerenciamento das empresas, direção dos investimentos e objetivos estratégicos têm tido uma visão estreita do capitalismo quando buscam interesses econômico-financeiros exclusivos. Hart (1995) levanta um debate a respeito da relação entre capacidades internas à firma versus fatores ambientais para sustentar vantagem competitiva, reconhecendo que tanto fatores internos quanto externos são importantes, como demonstrado na RBV (BARNEY, 1991; BARNEY e HESTERLY, 2005). No entanto, a omissão nas teorias estratégicas em lidar com a magnitude dos problemas ecológicos e sociais torna-as inadequadas para identificação de recursos fontes de vantagem competitiva. Com esse argumento, Hart (1995, p. 991) propõe a Natural RBV (NRBV), pois “parece inevitável que negócios e mercados serão limitados por e dependentes de ecossistemas”. Assim, a estratégia e a vantagem competitiva estarão enraizadas em capacidades que facilitam atividades econômicas ambientalmente sustentáveis, uma vez que recursos-chave e capacidades afetam a habilidade da empresa em manter vantagem competitiva. Hart (1995) desenvolve um modelo conceitual composto por três estratégias interconectadas, a saber: 1) prevenção da poluição; 2) gestão de produtos; e 3) desenvolvimento sustentável. Hart e Dowell (2011) continuam a desenvolver a NRBV, reconhecendo que estudos mais recentes sobre capacidades dinâmicas e pesquisas na área de tecnologia limpa e negócios na base da pirâmide podem conciliar pesquisas mais adequadas sobre recursos e capacidades no domínio da sustentabilidade. Verbeke et al. (2006) complementam o modelo da natural RBV defendendo que este deve ser expandido para incorporar o contexto organizacional e ambiental para as decisões de investimento, mostrando que investimento em domínios específicos de recursos em vez de estratégias ambientais, por si só, é o que determinam desempenho.


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Neste sentido, Emerson (2003) foca seu argumento no plano de investimentos empresariais, esclarecendo que, de um lado, os investimentos perseguem retornos inteiramente de valor social, sem considerar o desempenho financeiro, são as chamadas ONG – Organizações Não Governamentais ou Organizações sem Fins Lucrativos; de outro, estão os investimentos que não levam em conta o valor social e consideram, exclusivamente, o desempenho econômico e financeiro – é a lógica da racionalidade econômica, vigente na Administração Estratégica até então. A proposta do autor considera definições históricas de investimento e retorno alocadas entre as duas opções descritas. Chamando de Social Capital Market, a busca dos investimentos deve ser, simultaneamente, o Blended ROI e SROI (Return On Investment e Social Return On Investment Harmonizado/Equilibrado – tradução nossa). Emerson (2003) defende, portanto, o alcance de “blended value” (valor harmonizado, ou valor equilibrado). A natureza central do investimento e retorno não é um trade off entre interesse social e financeiro, em vez disso, a busca pela proposta de valor harmonizado compreende ambos (EMERSON, 2003, p. 37).

Hart e Milstein (2003, 2004) também defendem a ideia de valor compartilhado; assim como o clássico professor de Estratégia de Harvard, Michael Porter (PORTER e KRAMER, 2011), no artigo com Kramer, chama de “a big idea” a constatação de que o “capitalismo está sob cerco” e os negócios devem aprender a criar o que chama de “shared value” (valor compartilhado). Porter e Kramer (2011, p. 6) conceituam valor compartilhado como “políticas e práticas operacionais que aumentam a competitividade de uma empresa ao mesmo tempo em que avançam nas condições econômicas e sociais nas comunidades em que atuam”. Os autores esclarecem que, no escopo do “velho” capitalismo, a teoria estratégica defende que, para ter sucesso, uma empresa deve criar uma proposta distinta de valor de acordo com as necessidades de um conjunto de consumidores. Assim, a empresa alcança vantagem competitiva. O modelo conceitual que vai do desenvolvimento insustentável ao desenvolvimento sustentável, proposto por Gandhi et al. (2006), também faz sua sugestão de integração de dimensões diversas ao modelo dos negócios. Por fim, um artigo recente de Sharma e Lee (2012) analisa o papel das empresas multinacionais no desenvolvimento sustentável sob a perspectiva de quatro pesquisadores que defendem a sustentabilidade e a responsabilidade social corporativa no âmbito das organizações, que são: Stuart Hart,, Ans Kolk,, Sanjay Sharma e Sandra Waddock. Com esse estudo a respeito do tema estratégia e sua contribuição ao desenvolvimento sustentável, os autores mostram um enorme campo de oportunidade para novas pesquisas.


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Uma oportunidade surge: conhecendo o jogo “Negócio Sustentável” No final de 2009, em um evento de sustentabilidade na EAESP – FGV, conheci um professor da Contabilidade da FEA-USP que me falou da consultora Gloria Pereira, dona da Consultoria Sinergia e mentora do jogo Negócio Sustentável. Em breve conversa, tomei conhecimento da proposta do jogo em incentivar a racionalidade ecológica e a busca por objetivos empresariais compartilhados em cinco dimensões, e não a visão estreita dos fins econômicofinanceiros dos negócios. Na época, em fase final de minha tese, em que trabalhei intensamente com as variáveis de cooperação interorganizacional e incerteza subjetiva do gestor, percebi que havia uma ligação entre meus interesses pela geração de negócios para a sustentabilidade e a cooperação e incerteza. Todas as minhas inquietações faziam sentido, pois, diante da incerteza dos gestores perante os objetivos de seus negócios para seguir os princípios do Desenvolvimento Sustentável, a cooperação seria uma variável fundamental, pois não seria possível redirecionar as estratégias empresariais se não fosse por objetivos comuns dos participantes da cadeia de valor do negócio. Em março de 2010, organizei, junto com Gloria Pereira, uma Oficina para apresentação do jogo Negócio Sustentável aos professores da graduação em Administração de Empresas da Universidade Mackenzie. Além do desejo de conhecer a ferramenta, eu queria saber a percepção de outros professores e alunos para me certificar de que minha visão não estava sendo influenciada por minha intuição, mais do que pela possibilidade de validade científica. O retorno dessa oficina foi incentivador e parte do relatório descrito na época, compartilho a seguir:

Oficina Negócio Sustentável – São Paulo, 6 de março de 2010 A adesão por parte dos professores e alunos foi de 50% dos convidados e a capacidade preparada. Foram compostas três mesas do jogo, sendo uma com cinco participantes e as outras duas com quatro participantes cada. A oficina teve duração de 4 horas, e o clima percebido foi de animação e inquietação. Na semana seguinte, foi enviado um e-mail aos participantes pedindo que dessem seu parecer; no entanto, recebi cinco pareceres apenas, os quais relatam aspectos positivos e negativos segundo suas opiniões. Minha avaliação final é que o jogo é útil enquanto uma estratégia de ensino-aprendizagem lúdica para o exercício da racionalidade gerencial, focando, principalmente, relações empresariais, negociação,


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pensamento em rede e visão global. Esta avaliação é compartilhada por vários professores em seus pareceres. Um grande diferencial é que o jogo possui um objetivo individual (do jogador ou sua empresa), outro objetivo compartilhado (global) e um desafio de longo prazo. O jogador só sai vencedor se cumprir, com êxito, diversos objetivos individuais, o objetivo global, que é comum a todos os jogadores, e seu desafio próprio, que por ser mais difícil de ser alcançado, requer diversas interações. Usando uma analogia com a estratégia empresarial, pode-se compreender como objetivos estratégicos em curto prazo e meta determinada na visão, em um contexto ambiental que requer o equilíbrio de cinco tipos de recursos variados, e não somente o econômico. Esses recursos são: talento (capital), tecnologia, conhecimento, pessoas e ecológicos. Para a indicação inicial de utilização do jogo na disciplina de Tópicos Avançados em Administração, é possível exercitar conceitos teóricos relacionados à teoria dos jogos, coopetição, racionalidade limitada, incerteza e abordagens estratégicas da gestão baseada em recursos (RBV) e evolucionária. No entanto, será preciso elaborar uma dinâmica de participação e avaliação estruturada para que os movimentos dos alunos sejam passíveis de avaliação. Assim, o objetivo não é só ganhar a pontuação do jogo, mas demonstrar conhecimentos dos movimentos das negociações e decisões. Outro benefício interessante é a vivencia em rede, em que a ação de um jogador interfere nos demais e assim sucessivamente. São necessárias mais de duas aulas para montar, compreender e exercitar o jogo em tempo hábil. Por fim, o jogo permite que o professor interfira com regras novas, conforme seu objetivo de ensino-aprendizagem. Por exemplo, o aspecto empreendedor pode ser verificado de acordo com os tipos de negócios que o jogador/aluno buscar, avaliando seus respectivos resultados (...). Dentre os pareceres dos professores, os itens a favor e contra estão resumidos no Quadro 1. Ainda muito curiosa sobre a possibilidade de inserir o tema “Estratégia para Sustentabilidade” em minhas disciplinas e sabendo que qualquer investimento por parte da IES exigiria tempo de aprovação com boa argumentação, comprei, com meus recursos, uma caixa do jogo Negócio Sustentável. Com isso, eu poderia jogar com parentes e amigos e observar a reação das pessoas e administradores sobre as possibilidades de conciliação do Desenvolvimento Sustentável e a gestão empresarial.


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Quadro 1 Relato dos professores sobre a Oficina Negócio Sustentável.

O que você achou do jogo enquanto atividade lúdica para exercitar conteúdos? Prós para cada tema apresentado 1) Negociação – MUITO BOM! 3) Estratégia – BOM exercício, principalmente no olhar do empreendedor capitalista. 4) Mercado global – A idéia é interessante, mas precisa de conhecimento prévio do que cada região pode proporcionar. 5) Sustentabilidade – O Triple Botton Line está presente, mas creio que o exercício ficaria mais complicado se o papel do empresário estivesse mais presente – não apenas o empreendedor. 6) Empreendedorismo – Um bom incentivo à mudança de modelo mental que prevalece. Contras para um tema 2) Relacionamentos empresariais – Um pouco fora da realidade, mas um exercício fundamental.

Fonte: Levantamento da autora (2010).

Foi aí que eu, como professora da graduação em Administração, já pesquisadora na área de Sustentabilidade e Responsabilidade Social Corporativa, tomei conhecimento da proposta do jogo Negócio Sustentável e sua importância para o estímulo ao empreendedorismo e gerenciamento sustentável. Os professores participantes, de maneira geral, saíram desconfiados e com dificuldades em viabilizar tal pensamento no contexto da administração de empresas. Já os alunos participantes da oficina acharam a dinâmica interessante, fácil de ser absorvida e útil para a sua formação.

Introduzindo a estratégia para sustentabilidade na graduação em Administração da Universidade Mackenzie – Campus Higienópolis Os estudantes da graduação em Administração de Empresas têm entre 20 e 30 anos em sua maioria, são dos gêneros masculino e feminino na proporção de 50%, em média, cada um. Os alunos do período matutino, no qual ministro aulas na graduação, são mais jovens e começam a trabalhar mais tarde do que os alunos do período noturno. Estes têm níveis sociais variados, uma vez que a Universidade Mackenzie conta com forte política de bolsas de estudos parciais ou integrais. Há também boa participação de alunos vindos do interior do estado de São Paulo e outros estados brasileiros, uma vez que a reputação do Mackenzie abrange a imagem de uma escola tradicional, disciplinadora e orientada sob a doutrina humanista de João Calvino.


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Dentre os estudantes do curso de Administração de Empresas há um interesse comum por gerenciar e empreender, pois quem busca esta formação pretende ser um gestor com postura empreendedora para atuação nos diversos tipos de organização: privada ou pública; com ou sem fins lucrativos; nacional ou multinacional; de portes variados – pequeno, médio ou grande; enquanto funcionário, proprietário, conselheiro ou prestador de serviço. A diretoria do CCSA (Centro de Ciências Sociais e Aplicadas do Mackenzie), Campus Higienópolis, e a coordenação da Graduação em Administração sempre se mostraram dispostas a revisar e atualizar a grade curricular do curso de Administração de Empresas do Mackenzie, visando se adaptar às necessidades de mercado, orientações das Diretrizes Curriculares do MEC (Ministério da Educação) e oferta de melhorias quanto ao conteúdo e estratégia de ensino-aprendizagem aos alunos. Com isto, em 2008, passei a ministrar a disciplina recém-lançada “Tópicos Avançados em Administração” (TAA), elaborada por mim e pela Profa. Eliane P. Zamith Brito, principalmente. Enquanto coordenadora do PPGA (Programa de Pós-Graduação em Administração), na época, a Profa. Eliane gostaria de deixar aos alunos da graduação formandos uma mensagem dos estudos de vanguarda da área e, com isto, fomentar o desejo de continuidade de estudo e pesquisa nos futuros Administradores de Empresas. Assim, o conteúdo programático dessa disciplina era ambicioso por trabalhar com abordagens estratégicas variadas (GUEMAWAT, 2007); conteúdo de economia sobre competitividade e padrão de concorrência (FERRAZ et al., 2001); grupos estratégicos (BESANKO et al., 2005); estudos científicos recentes, como heterogeneidade de desempenho e recursos-fonte de vantagem competitiva (BRITO e VASCONCELOS, 2004; VASCONCELOS e CYRINO, 2000); teorias em fase de sedimentação, como a RBV – Resource Based View (BARNEY, 1991; BARNEY. 2001a; PETERAF, 1993; BINDER, 2003); e capacidades dinâmicas (TEECE et al., 1994, 1997; HELFAT e PETERAF, 2003). Também integrou o conteúdo a teoria dos jogos, a coopetição e rede de valor (NALEBUFF e BRADENBURG, 1996), a teoria dos custos de transação (WILLIAMSON, 1991) e modelos de governança sob a ótica da Nova Economia Institucional (WILLIAMSON, 1991) e sob a ótica da Estratégia (PRAHALAD e HAMEL, 1990). Com uma oportunidade dessa dimensão, meu incômodo em não continuar tratando das diversas dimensões dos objetivos estratégicos, além da econômica-financeira, aumentou, apesar de me sentir privilegiada em poder compartilhar dessas visões com os administradores egressos. Mesmo com um conteúdo denso, fazia sentido aos alunos e eles gostavam da disciplina. A disciplina TAA ainda envolvia um trabalho em grupo de análise de uma empre-


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sa, seu desempenho e identificação de recursos e capacidades geradores de resultados e posição competitiva. A disciplina “Tópicos Avançados em Administração” era oferecida aos alunos do 8º semestre, a princípio, e depois aos alunos do 7º semestre também. É sabido que os alunos formandos, do 4º ano da graduação em Administração, geralmente estagiam ou trabalham em empresas e sua preocupação primária é conseguir uma posição no mercado de trabalho com efetivação como funcionário da empresa. A conclusão da graduação é tida como certa! Neste sentido, há um mito, por parte dos alunos, de que não se reprova no ultimo ano, e os alunos se acham no direito de pedir dispensa das aulas, sem apontamento de faltas, porque estão trabalhando. Há uma inversão de valores nessa fase do curso, para a maioria dos futuros administradores. Neste contexto, a disciplina TAA foi ganhando fama de “difícil” e, no 1º sem./2011, eu tinha uma única classe com 8 alunos, no período matutino. Senti que a disciplina optativa TAA tinha sua vida útil comprometida e que uma classe pequena seria uma oportunidade para a realização de novos testes e abordagens de conteúdo e estratégia de ensino-aprendizagem. Foi neste momento que introduzi, em TAA, questionamento teórico sobre a racionalidade econômica e ecológica e o uso do jogo Negócio Sustentável. Com isto, proporcionaria uma experiência lúdica e criaria ambiente para avançar nas discussões sobre os objetivos estratégicos e gestão de recursos, num contexto de coopetição e limitação de recursos, segundo os princípios do Desenvolvimento Sustentável. Eu gostaria de perceber nos alunos, já quase administradores de empresas, suas visões da forma de fazer negócios e perseguir objetivos mais amplos e equilibrados do que os tradicionais resultados econômico-financeiros. O processo foi satisfatório e os resultados foram apreciados pelos alunos; os relatos são apresentados a seguir. Parecer Fernando – aluno Tópicos Avançados em Adm. 1º sem/2011 O jogo Negócio Sustentável é um ótimo método de ensino porque eu notei que todos sempre se empenhavam em fechar os negócios e os objetivos com estratégias e reagindo a eventualidades como desastres naturais e crises econômicas... O único ponto fraco notado foi que é um pouco complicado no começo... O jogo faz o empreendedor utilizar o processo de decisão estratégica para identificar as possíveis possibilidades de negócios com os outros empreendedores...


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Para ter um bom resultado no jogo é necessário cooperar e ter um bom relacionamento com os empreendedores concorrentes, assim conseguindo bons negócios e ajuda quando necessário, como na teoria da coopetição coopetição. O jogo foi bastante divertido e deixou as aulas muito mais interessantes e interativas interativas. O ponto forte é que foi possível aplicar no jogo vários conceitos que haviam sido estudados anteriormente. O ponto fraco foi a dificuldade de entender todas as regras regras, mesmo assistindo ao tutorial de como jogar o jogo. A Teoria dos Jogos e de Coopetição são as mais fáceis de serem observadas no jogo. A maneira mais usada para completar negócios era a negociação de recursos com outros jogadores, em trocas que eram sempre vantajosas para os dois, ou seja, isso é Coopetição. Parecer José Eduardo – aluno Tópicos Avançados em Adm. 1º sem/2011 O modelo de decisão estratégica usado no jogo é não-estruturado não-estruturado, pois não existem soluções prontas para as situações que se apresentam e a estratégia criada pelo jogador depende muito das decisões dos outros e de fatores como os insights, por exemplo. Por último, a sustentabilidade é observada no jogo pelo objetivo global, que todos jogadores têm de buscar, que é o de deixar cada território do planeta com pelo menos 4 recursos de cada tipo. Sendo assim, cada decisão para completar negócios ou desafios tinha de considerar seu impacto no território. Parecer Bruno – aluno Tópicos Avançados em Adm. 1º sem/2011 A partir da análise do jogo pode-se perceber que os pontos fortes encontrados são que facilita a percepção de que fechar um negócio depende tanto de fatores internos quanto de fatores externos, que muitas vezes uma negociação entre outras empresas pode afetar seu negócio diretamente. Outro ponto forte é o que mostra que o conteúdo aprendido em sala pode ser aplicado no jogo e na vida real. E um ponto fraco foi que mesmo após o término do jogo ainda existiam dúvidas sobre algumas regras. Parecer Ana – aluna Tópicos Avançados em Adm. 1º sem/2011 O tempo de duração dado para o jogo deveria ser maior, a integração do jogo à disciplina foi de fundamental importância para um acompanhamento mais prático da matéria. As participações eram de grande importância, pois podemos colocar em prática a necessidade de negociar e ganhar e de perder lucros, para ações futuras. Para conseguir fechar um negócio eram necessárias estratégias, saber analisar as melhores parcerias.


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Parecer Camila – aluna Tópicos Avançados em Adm. 1º sem/2011 Ponto fraco: o tempo, que impossibilita mais rodadas. Pontos fortes: a interação entre os participantes, os desafios que lhe obrigam a cooperar com os outros participantes. Fatores como mercado, cooperação, competição, transações e decisões baseados nos nossos negócios, nos nossos recursos e, principalmente, nos nossos desafios nos levam a pensar de modo estratégico e sustentável. Parecer Letícia – aluna Tópicos Avançados em Adm. 1º sem/2011 Com o jogo Negócio Sustentável, entendi melhor como funciona o mundo das negociações, dando importância e sabendo manipular com cautela e prudência todos os recursos que o mercado oferece. Os pontos fortes estão citados acima, já os pontos fracos não consegui identificar, pois achei um jogo bem realista e completo pelo conhecimento que possuo hoje sobre o mundo dos negócios e por se tratar de um jogo. Parecer Natalia – aluna Tópicos Avançados em Adm. 1º sem/2011 Com o jogo Negocio Sustentável podemos unir com clareza a dinâmica do jogo com a teoria explicada em sala: coopetição, que reflete uma relação de ganha x ganha entre as empresas e não mais de ganha x perde. Em que os competidores estabelecem relações de cooperação para alcançar seus objetivos e obter lucro. O jogo reflete também uma questão bem atual, sobre a importância de termos um negócio ecologicamente correto para que assim tenhamos um negócio sustentável a longo prazo. Parecer Thiago – aluno Tópicos Avançados em Adm. 1º sem/2011 A proposta é interessante, pois desenvolve o espírito gerencial e mostra que o objetivo do jogo é que todos devem ganhar, deixando bem claro o fato de que não ajudar o seu “adversário”, ou seja, outros empreendedores, não traria o sucesso. Outro item percebido é a que, para se conseguir concluir uma negociação das cartas de negociação, quase sempre, eram necessários recursos pessoais e conhecimentos. Tal fato percebido mostra o quanto o jogo tenta se aproximar da realidade. Contudo, o tempo empreendido não foi suficiente para aproveitá-lo completamente, mas o que mais dificultou foi a ausência de conhecimento das regras do jogo pelos participantes.


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De maneira geral os estudantes aprovaram a técnica tanto nos aspectos teóricos quanto práticos. Em seus relatos percebe-se que, com o uso da ferramenta lúdica (jogo Negócio Sustentável) e as demais estratégias de ensinoaprendizagem, eles puderam perceber, com mais clareza, a aplicação da teoria na prática; valor compartilhado – individual e coletivo; e os princípios da sustentabilidade no âmbito dos negócios. Por um período dessa disciplina, também tive o acompanhamento de um aluno do Programa de Pós-Graduação Strictu Senso – Mestrado, que cursou seu Estágio Docência em TAA no 1º sem./ 2011. Para ter outra visão da percepção dos alunos e da disciplina, disponibilizo o Relatório desse aluno no Anexo A. Nesse momento, eu já estava convencida de que o curso de Administração de Empresas não poderia deixar de discutir essa problemática com os futuros administradores. Seria um erro continuar ignorando as mudanças que o ambiente econômico e o ambiente empresarial vivenciavam e não trazer a discussão do momento de transição que o capitalismo e a lógica de raciocínio baseada na maximização do consumo e produção passam, acarretando na necessidade da revisão de teorias da Administração e Econômica. Mesmo não tendo uma receita pronta de técnica de gestão para passar aos futuros administradores, ou tendo teorias que substituíssem as anteriores, deveríamos ser honestos e reconhecer o momento pelo qual passamos. Deveríamos, pelo menos, dar elementos de questionamento e reflexão aos futuros administradores sobre o que se acreditava ser o melhor para a estratégia empresarial e seu ambiente e o que se tem fomentado nos últimos tempos. Seria fundamental mostrar aos alunos em Administração a posição de um autor clássico de estratégia, que eles já conheciam (PORTER e KRAMER, 2011) e como seu discurso tem mudado. Seria uma chance valiosa mostrar como as teorias são questionadas (HART, 1995; HART e DOWELL, 2011), revisadas e adaptadas no escopo das Ciências Sociais e Aplicadas, que não é uma ciência exata. E, ainda assim, muni-los de recursos para lidar com as contradições do mundo dos negócios (LAYRARGUES, 1998; NICOLESCU, 2011). Nessa mesma época, desde 2009, a Profa. Janette Brustein,4 da Universidade Mackenzie, liderava um projeto de pesquisa intitulado “Gestão social, comunidades de aprendizagem e educação para a sustentabilidade: contribuições para a formação da nova geração de administradores”, cujo intuito é dar contribuições para a geração de uma rede de intervenção pedagógica e de pesquisa em educação para a sustentabilidade. Como pesquisadora desse projeto, fui estimulada a seguir adiante com as propostas de inserção da 4. Para mais informações sobre o projeto Pró-ADM, veja Lattes da Profa. Janette Brunstein (link http://lattes.cnpq.br/8568710701792092).


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EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO

temática sustentabilidade nas organizações. Em dezembro de 2011, apresentei a técnica usada com o jogo Negócio Sustentável na disciplina TAA no “II Encontro de Educação para a Sustentabilidade e IV Fórum de Lideranças para a Sustentabilidade: desafios para a formação da nova geração de administradores” (ver portal de “Educação para a Sustentabilidade”5 para obter a íntegra do conteúdo e gravação do relato de experiência). Além disso, a diretoria do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas e a coordenação do curso de Administração do Mackenzie estavam engajadas em tratar a questão com seriedade, e foi solicitado a todos os professores responsáveis por linhas de disciplinas que estudassem formas de inserir a temática da sustentabilidade. Como parte do grupo da linha de Estratégia, eu e outros professores elaboramos o conteúdo para inclusão da disciplina obrigatória Gestão Estratégica para a Sustentabilidade (GES) com o uso do jogo Negócio Sustentável.6

Formalizando a estratégia para a sustentabilidade na Graduação em Administração da Universidade Mackenzie – Campus Higienópolis A disciplina obrigatória “Gestão Estratégica para Sustentabilidade” (GES)7 foi oferecida no 7º semestre da graduação em Administração de Empresas e passou a ser disponibilizada no 1º semestre de 2012, com o seguinte objetivo, sob a ótica do aluno: Conhecer as tendências atuais e futuras da Administração de Empresas e Economia no cenário de Desenvolvimento Sustentável, proporcionando reflexão crítica sobre as teorias organizacionais e estratégicas e sua influência para a gestão de organizações com foco na sustentabilidade (MACKENZIE_CCSA, 2013).

A ementa sugerida aborda as discussões acerca de Estratégia para Sustentabilidade e foi assim definida:

5. Veja Portal Educação Adm. Sustentável, link http://www.educacaoadmsustentavel.org; acessado em 05/02/2013. 6. Agradeço à Profa. Conceição Barbosa a crença e apoio na implantação da discussão de estratégia para Sustentabilidade de maneira séria e abrangente com a disciplina obrigatória GES na graduação em Administração de Empresas da Universidade Mackenzie – unidade Higienópolis. 7. Além da Profa. Conceição Barbosa, responsável pela linha de disciplinas de Estratégia na graduação dos cursos de Administração, também recebemos apoio da coordenação da graduação em Administração, Profa. Maria Lage, e do Prof. Sergio Lex, diretor do CCSA (Centro de Ciências Sociais e Aplicadas). Também fizeram parte dessa experiência, os professores Claudia Klement, Evelize Welzel, Elvio Correa Porto e Sidnei Mascarenhas, principalmente; além do apoio da Sinergia Consultores com o jogo de tabuleiro Negócio Sustentável e orientação de sua mentora, Gloria Pereira.


Cap 16 – Ensino-aprendizagem de estratégia para sustentabilidade 351

Desde o conhecimento de que os recursos ambientais ecológicos e sociais são finitos, as áreas de Administração e Economia se viram obrigadas a rever a lógica de suas teorias embasadas na racionalidade maximizadora da Revolução Industrial (produzir – comprar – descartar). Ainda sem ter diretrizes teóricas que ditam a nova ordem de gestão estratégica, sabe-se que a longevidade e a sustentabilidade das organizações não dependem apenas de fatores financeiros e geração de vantagem competitiva econômica; faz-se necessária a inclusão de novas dimensões e mudanças na forma de gerenciamento empresarial, devolvendo ao ambiente uma sustentabilidade organizacional mais completa e complexa, que envolva, no mínimo, fatores ambientais ecológicos e sociais, proporcionando ao administrador de empresas uma visão sistêmica, de gestão para o hoje e o amanhã. Adicionalmente, é importante que os alunos exercitem habilidades na tomada de decisão, tendo uma visão sistêmica do ambiente competitivo, compreendendo a disponibilidade de recursos, dentro do princípio de mercado de fatores e da otimização do aproveitamento desses recursos a partir da visão relacional entre os agentes responsáveis pela produção de bens e serviços (MACKENZIE_CCSA, 2013).

A disciplina GES visa resgatar os conceitos tradicionais de Estratégia Empresarial e o mercado competitivo. Em seguida proporciona uma discussão dos objetivos estratégicos segundo a racionalidade econômica tradicional e a racionalidade ecológica, mais integradora aos ambientes social, ecológico e econômico. A partir daí, os alunos são levados a tomar conhecimento e refletir sobre as contradições, paradoxos e a lógica do terceiro incluído nos aspectos teóricos e práticos da gestão estratégica, seguido das abordagens sobre Desenvolvimento Sustentável, competitividade e sustentabilidade organizacional, com objetivos de equilíbrio (Triple Botton Line) em longo prazo, Teoria dos Jogos, coopetição e cooperação interorganizacional, como meio para alcance de objetivos comuns e compartilhados. Diante de uma “nova” realidade, é preciso direcionar a estratégia empresarial segundo a Teoria dos Stakeholders em complemento à Teoria dos Shareholders, estudando o papel dos Stakeholders na Sustentabilidade Organizacional, Responsabilidade Social Corporativa, Dignidade Organizacional e Riqueza na Base da Pirâmide. Por fim, os alunos são levados a refletir sobre a mudança que os autores e teorias estratégicas percebem na problemática e conhecer uma relação possível, que é a Sustentabilidade e Vantagem Competitiva, pelas óticas da Resource Based View (RBV) x Natural Based View, e Shared Value de Michael Porter. O conteúdo programático da disciplina está apresentado no Quadro 2.


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EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO

Quadro 2 Conteúdo programático da disciplina GES. 1. A dinâmica competitiva 2. A dependência de recursos externos à firma e o mercado de fatores 3. Sociedade industrial, racionalidade econômica e racionalidade ecológica 4. Desenvolvimento como liberdade 5. Complexidade e transdisciplinaridade 6. Contradições, paradoxos e a lógica do terceiro incluído 7. Competitividade e sustentabilidade organizacional 8. Teoria dos Stakeholders e Teoria dos Shareholders 9. O papel dos stakeholders na sustentabilidade organizacional 10. Dignidade organizacional 11. Estratégias para organizações sustentáveis 12. Sustentabilidade e vantagem competitiva 13. Natural Resource Based View 14. Modelo de negócio e Sustainable Balanced Scorecard 15. Metodologia para realização do futuro emergente: Teoria U; The Natural Step

Fonte: Mackenzie CCSA (2013).

A metodologia de ensino abordou estratégias de ensino-aprendizagem diversas, buscando alcançar significado para os futuros administradores. Assim ficou definida: Nesta disciplina, o aluno será estimulado a desenvolver habilidades negociais considerando os interesses de diversos públicos relacionados aos negócios, bem como partindo da premissa de que o esgotamento de recursos requer uma nova postura empresarial. São utilizadas diversas técnicas de ensino-aprendizagem que se alternam em função do assunto estudado. O professor é tido como um orientador dos alunos e estimulador de discussões, podendo trazer convidados especializados para debate dos temas. Assim, é solicitado trabalho de pesquisa e leitura prévia dos conteúdos, podendo envolver pesquisa fora da sala de aula, discussões em grupos e dinâmica vivencial com o uso de jogo de tabuleiro sobre negócio sustentável. Técnicas didáticas adicionais poderão ser utilizadas, como filmes, análises de casos e outras. Os trabalhos solicitados, exemplos e casos eventualmente estudados estarão adequados à Linha de Formação Específica em Finanças (MACKENZIE_CCSA, 2013).

Por fim, como justificativa para desenvolvimento e implantação da técnica, é apresentada parte de um texto de Almeida e Kruglianskas (2012): O pensamento estratégico empresarial sob a ótica da sustentabilidade demanda das organizações uma expertise de visão de futuro e ao mesmo tempo


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requer competências essenciais para a busca de novos mercados. (...) Por isso, estratégia empresarial e sustentabilidade tornam-se elementos importantes nas definições dos rumos dos negócios. (...) Desta forma, o empreendedorismo sustentável – o binômio estratégia empresarial e sustentabilidade – representa a resposta pragmática das empresas. (...) Experiências demonstram a viabilidade de resultados operacionais positivos atendendo às expectativas dos acionistas e dos stakeholders com responsabilidade social. Enfim, as empresas, ao adotarem como estratégia o empreendedorismo sustentável, se preparam de forma proativa para os novos cenários do século XXI.

O principal recurso que proporcionou adotar essa técnica com vivência teórica e prática foi o jogo Negócio Sustentável, que estimula o empreendedorismo sustentável na gestão das organizações. Também foram utilizados: capítulos de livros, artigos acadêmicos, vídeos, estudo e análise de casos, dinâmicas de discussão e exercícios em testes. Todos os recursos são empregados para proporcionar conhecimento e experiências vivenciais, passíveis de avaliação formal e informal, para transferência de nota da disciplina, aspecto obrigatório de um curso de graduação. As principais dificuldades encontradas ocorreram no momento de expansão da técnica para implantação da disciplina obrigatória GES, pois foi preciso alterar a estrutura curricular para proporcionar um período de aula maior, com 4 horas/aula seguidas, a fim de propiciar exposições teóricas e dinâmicas, incluindo o uso do jogo Negócio Sustentável. Para utilização do jogo, foi necessário, também, fazer investimentos financeiros e de tempo para a aquisição de 30 tabuleiros, treinar professores e dispor de um espaço com mesas redondas com seis cadeiras em cada mesa, totalizando em torno de 48 alunos jogando simultaneamente. A experiência prévia foi fundamental para construir uma boa proposta e argumentação para liberação da verba, alteração de horário e ocupação do espaço. Os benefícios esperados e, acreditamos, alcançados, segundo pareceres e relatos dos alunos, são: em primeiro lugar, tomar conhecimento da racionalidade ecológica na concepção e condução dos negócios e saber que os objetivos empresariais não são mais direcionados ao foco estreito dos ganhos econômico-financeiros, em que o papel do empreendedor gestor é perseguir objetivos individuais e coletivos, considerando a abordagem dos stakeholders. Como segundo benefício foi apontado que a vivência do jogo os fez atentar para a teoria dos jogos e o potencial de comportamentos cooperativos, além da postura competitiva dos negócios e mercados. Por fim, a técnica os fez perceber que é possível conduzir negócios de forma a contribuir com um desenvolvimento sustentável no macroambiente.


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EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO

Os resultados esperados no curto prazo estão relacionados ao estímulo e vivência para a compreensão da mudança de paradigma que os negócios, o perfil empreendedor e a prática gerencial têm sofrido nos últimos tempos em função de resultados empresariais mais equilibrados e compartilhados. No médio prazo espera-se, enquanto administradores formados, que desenvolvam a capacidade de criar e inovar em projetos de produtos e serviços que tenham os princípios da sustentabilidade como foco estratégico, sendo capazes de tomar decisão e influenciar a prática gerencial. Por fim, no longo prazo: perceber que é possível realizar negócios e administrar empresas de modo que contribuam para a melhoria da sociedade com um desenvolvimento que se sustenta ao longo do tempo, e que indicadores de qualidade são necessários e válidos para a realização do individuo, organizações e mercados.

Considerações finais Este relato de experiência diz respeito ao desenvolvimento de uma técnica de ensino-aprendizagem baseada na aprendizagem significativa, em Estratégia para Sustentabilidade, tema da grade curricular da graduação em Administração de Empresas, aplicada na Universidade Presbiteriana Mackenzie, unidade Higienópolis – São Paulo. A contribuição que este capítulo pretende deixar é a constatação de que o sistema capitalista precisa ser revisto sob a ótica da Administração de Empresas, principalmente das teorias estratégicas, e, assim, os jovens administradores, estudantes da graduação, são parte do processo de mudança e evolução das teorias da Administração e devem ser considerados para os questionamentos e debates. Só desse modo conseguiremos ver acontecer a Estratégia para a Sustentabilidade de maneira mais rápida como realidade nos meios empresariais. Com essa experiência percebeu-se que a estratégia de ensino-aprendizagem lúdica, com o uso de um jogo de tabuleiro, proporciona uma vivência cognitiva produtiva para a absorção do conteúdo teórico.

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EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO

ANEXO A Resumo do Relatório Estágio Docente de Mestrado em Administração de Empresas – PPGA Mackenzie pelo aluno Rafael Luliano Sambiase na disciplina Tópicos Avançados em Administração no 1º semestre de 2011

Por Rafael Iuliano Sambiase (7110111-1) São Paulo, 23 de maio de 2011 Disciplina: Tópicos Avançados de Administração Turma: 7º semestre graduação em Administração de Empresas Campus Higienópolis Resumo dos relatos de aulas de 02/05/201 1 a 23/05/201 1 02/05/2011 23/05/2011 A turma é composta por apenas 10 alunos, pois se trata de uma disciplina optativa. O fato de ser uma turma pequena ajuda a professora a conduzir a aula de forma muito amigável com os alunos. A dinâmica da aula ocorre com a aplicação de uma prática bem diferenciada e inovadora. A proposta da professora foi a de aplicar um jogo chamado Negócio Sustentável, simulando o mundo dos negócios, em que os alunos devem atentar para os conceitos teóricos aprendidos nas aulas anteriores a fim de obter melhor resultado no jogo. Inicialmente, a professora esclareceu que os resultados obtidos no jogo contariam para a nota, representado 15% da nota final da primeira avaliação. Além disso, foram explicadas as regras do jogo, o planejamento das aulas que seriam dedicadas àquela atividade e como a dinâmica do jogo deveria funcionar. Além disso, a atividade não foi realizada na sala de aula convencional e, sim, em uma sala selecionada especificamente para a realização desta atividade. Os alunos foram inicialmente divididos em cinco duplas. Cada dupla deveria interagir e realizar negociações com as outras a fim de cumprir seus objetivos de obtenção de tecnologia, mão de obra, conhecimento, ambiente ou capital. Além disso, cada dupla tinha metas globais que deveriam ser realizadas para que todo o grupo fosse beneficiado. A professora fez o papel de mediadora do jogo e ao mesmo tempo avaliou a estratégia e a participação de cada aluno, buscando verificar se os conceitos teóricos foram fixados e fazendo correlações entre as situações ocorridas no jogo e a matéria ensinada. Os alunos demonstram interesse pelo jogo e ficam atentos a cada rodada, mesmo que não seja a sua vez de jogar, pois podem aparecer opor-


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tunidades que devem ser aproveitadas. A cada aula os alunos já estavam preparados para realizar a mesma dinâmica do jogo e já se organizaram sem precisar de orientações. É importante observar que, tanto na aula 1 quanto na aula 2, houve apenas 1 falta, de um aluno que possivelmente desistiu da matéria (pois ele não foi mais em nenhuma aula). Este fato pode ser interpretado de duas maneiras. A primeira é que houve boa aceitação e envolvimento dos alunos com a prática aplicada. A segunda é que os alunos estão sendo avaliados e não querem desperdiçar a oportunidade, uma vez que a menor participação no jogo, ou seja, a ausência do aluno influenciaria diretamente nos resultados obtidos por ele e, consequentemente, reduziria sua nota. Após a conclusão do jogo, a professora tomou nota de todos os resultados obtidos pelos alunos a fim de realizar posterior análise e avaliação. Como fechamento da atividade, a professora pediu que os alunos preparassem, para a próxima aula, uma síntese do jogo ligada às teorias estudadas nesta disciplina, além de uma autoavaliação de sua participação no jogo e uma avaliação do jogo como estratégia de ensino. Como retorno dos resultados do jogo para os alunos, foi feita exposição dos dados, os quais foram tabelados para projeção em sala de aula a fim de ilustrar o cenário final. Os alunos ficam interessados pelos resultados e comparam a sua performance com a dos outros alunos. A professora interagiu falando dos pontos fortes e fracos e características de cada um no jogo. Após a análise dos dados, a professora faz algumas correlações das situações do jogo com a matéria estudada e utiliza o quadro para realizar algumas anotações, acompanhadas pelo raciocínio dos alunos. A professora faz questão de que os alunos participem da aula e a conduz realizando várias perguntas direcionadas à turma. Desta maneira, os alunos estão constantemente acompanhando a linha de raciocínio.



Capítulo 17

Entender a Rio+20: balanços e compromissos para a nova geração de administradores Ladislau Dowbor

Resumo Os balanços e compromissos da Rio+20 são nortes importantes para a educação de administradores. As pautas e agendas políticas que esse evento impõe têm de ser incorporadas, traduzidas e apresentadas como desafios para as escolas de negócios, isto é, para as lideranças educacionais – a direção e seus coordenadores – e para os professores e alunos. É neste sentido que este texto vem apresentar um guia de leituras e debates macroeconômicos/macroestruturais que convida seus leitores a seguir navegando na reflexão do papel da educação em negócios.

Pontos de referência Primeiro, se você se sente desiludido com a Rio+20, você está em boa companhia. Mas prefiro a indignação ativa. A realidade é que os desafios são imensos. Por um lado, agravam-se os dramas do aquecimento global, da liquidação das florestas originais, da destruição da vida nos mares, da perda de solo agrícola, da redução da biodiversidade, do esgotamento de recursos naturais críticos, da contaminação da água. Por outro, temos um bilhão de pessoas que passam fome, destas 180 milhões são crianças, e, destas, entre 10 e 11 milhões morrem de inanição ou de não acesso a uma coisa tão prosaica como água limpa, ou seja, 30 mil por dia, dez torres gêmeas em termos de mortes por dia. Morrem no silêncio da pobreza, não rendem o mesmo espetáculo para a mídia. Não estamos matando, deixamos morrer. Um terço da humanidade ainda cozinha com lenha. Em pleno século XXI, com módulos fotografando Marte, 1,4 bilhão de pessoas ainda não têm sequer acesso à eletricidade. Já morreram 25 milhões de Aids, enquanto discutimos o valor das patentes e ameaçamos com retaliações os países que queiram produzir localmente o coquetel. A propriedade está acima da vida. Isto num planeta que, graças a tantas tecnologias, é simplesmente farto. Produzimos, no mundo, 2 bilhões de toneladas só de grãos, o que equivale a 800 gramas por pessoa/dia, sem falar de outros alimentos. Se dividirmos os


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63 trilhões de dólares do PIB mundial pelos 7 bilhões de habitantes, são 6 mil reais por mês por família de quatro pessoas. Com o que produzimos poderíamos todos viver em paz e com dignidade. E temos 737 grupos corporativos mundiais, 75% deles de intermediação financeira, que controlam 80% do sistema corporativo mundial, o que explica o número de bilionários. O divórcio entre os objetivos corporativos e as necessidades do planeta e da humanidade é cada vez maior. No conjunto, busca-se maximizar os lucros, ainda que o planeta entre em crise financeira e produtiva generalizada. A simplicidade do desafio é que estamos acabando com o planeta para o benefício de uma minoria. Houston, we have a problem. Em outros termos, há uma convergência de processos críticos: o ambiental, o social e o econômico. E o denominador comum dos três processos é o problema da governança, de gestão da sociedade no sentido amplo. Sabemos administrar unidades, uma empresa, uma repartição pública, uma organização da sociedade civil. Estamos apenas aprendendo a articular o conjunto para o bem comum, e isto, gostemos ou não, é política. Enfrentamos problemas globais quando as estruturas políticas realmente existentes estão fragmentadas em 194 Estados-nação. Ao tripé que aparentemente recolhe um razoável consenso – uma sociedade economicamente viável, socialmente justa e ambientalmente sustentável – precisamos, portanto, hoje acrescentar o pilar da governança, os desagradáveis assuntos políticos, saber quem tomará as decisões, de onde virá o financiamento, como serão realizados o seguimento e o controle. A Rio-92 desenhou os desafios do tripé de maneira competente, com a Agenda 21 e as grandes convenções do clima e da biodiversidade. Sabemos, sim, para onde ir. A Rio+20 teve o espinhoso desafio de enfrentar o dilema da governança, da criação de estruturas político-institucionais que façam acontecer. Do ponto de vista do planeta, não é uma opção, é uma necessidade. Do ponto de vista dos resultados, vimos o profundo descompasso entre as necessidades e o progresso político. Para nós que estamos comprometidos com a mudança, no entanto, não muda tanto assim. Contabilizamos as fragilidades, buscamos os pontos positivos, os estribos onde dá para se agarrar, e fazemos limonada com o limão que há. Não só por teimosia, mas porque sabemos que os processos críticos estão se agravando, e a questão não está no “se” serão tomadas as medidas, e sim no “quando”. Com a água pela barriga, ou quando estiver chegando às nossas gargantas. A tempo, de forma organizada e planejada, ou no caos da última hora. Com o agravamento dos processos planetários, estamos, como diz Ignacy Sachs, condenados a inovar.


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Um ponto talvez insuficientemente levado em conta, em particular para os que tinham esperanças muito elevadas na Conferência, é o contexto. Os Estados Unidos se debatem no “stalemate” de impotência política, com forte erosão dos processos democráticos, impotência agravada pela crise financeira. A Europa também se debate em profunda crise financeira e de identidade. As Nações Unidas sofreram, nos últimos anos, uma redução do seu espaço real de intervenção. De certa maneira, a Conferência se deu num contexto de desagregação muito ampla da capacidade de governança, em particular por parte do mundo rico que dirigia nossos rumos. Os sistemas de intermediação financeira, essenciais à canalização de recursos para as prioridades do planeta, debatem-se no pantanal de fraudes, alavancagens irresponsáveis, desvios ilegais por meio dos paraísos fiscais, manipulação dos dados e outros comportamentos entre irresponsáveis e criminosos. O mundo, particularmente o mundo dos ricos, não está realmente preocupado com os dramas ambientais e sociais, com o longo prazo e a visão sistêmica. A presente nota tem apenas a pretensão de fazer o ponto da situação, apresentar algumas oportunidades e, antes de tudo, de sistematizar algumas das tomadas de posição, textos oficiais ou não, uma forma prática de facilitar a vida de quem está buscando se situar e definir leituras.

Sistematização dos desafios No geral mesmo, a leitura básica me parece ser o curiosamente chamado Plano B 4.0, de Lester Brown, disponível online e gratuitamente, em português: http://dowbor.org/2010/02/plano-b-4-0-mobilizing-to-save-civilization2.html/. Trata-se essencialmente de um roteiro que apresenta de maneira simples cada um dos principais desafios, as medidas necessárias, seus custos e factibilidade. O subtítulo do livro diz a que vem: Mobilização para salvar a civilização. Como Lester Brown atualiza constantemente seus textos, estamos na crista da onda. Para quem maneja o inglês, aliás, vale a pena ler seu pequeno estudo chamado World on the Edge: how to prevent environmental and economic colapse, leitura curta e genial que caracteriza a nossa crise civilizatória. Na linha ainda das visões gerais, uma belíssima consulta online é o Keeping Track of Our Changing Enviroment: from Rio to Rio+20 (1992-2012), também chamado Geo-5, publicado pelo PNUMA, que apresenta em gráficos muito didáticos, com curtos comentários, tudo o que há de novo desde 1992: população, urbanização, alimentos, gênero, PIB, extração de recursos naturais, emissões, mudança climática, florestas, água, governança, agricultura, pesca, energia, indústria, tecnologia. Um instrumento de trabalho realmente de primeira linha em termos de dados básicos de como tem evoluído a situação do planeta nos últimos 20 anos: www.unep.org/geo/pdfs/keeping_track.pdf.


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No plano da análise em profundidade dos mecanismos, uma excelente leitura me parece ser o relatório encomendado pelas Nações Unidas – Building a Sustainable and Desirable Economy-in-society-in-nature –, estudo que reuniu vários dos melhores especialistas do mundo, como Gar Alperovitz, Herman Daly, Juliet Schor, Tim Jackson e outros. O estudo encara efetivamente os principais mecanismos econômicos que temos de transformar: “Vamos precisar de uma ciência econômica que respeite os limites do planeta, que reconheça a dependência do bem-estar do ser humano das relações e correção sociais, e que reconheça que o objetivo final é um bem-estar humano real e sustentável, não apenas o crescimento do consumo material. Esta nova ciência econômica reconhece que a economia está situada numa sociedade e cultura que estão elas mesmas situadas no sistema ecológico de suporte da vida, e que a economia não pode crescer para sempre neste planeta limitado” (iv) (http://bit.ly/ICWAf9).

O futuro que queremos Há, naturalmente, também os documentos oficiais. Podem deixar-nos irritados pelas insuficiências ou timidez, mas de toda forma são leituras necessárias. No plano geral, está o documento base aprovado na Rio+20, o chamado The Future We Want, (O Futuro Que Queremos), disponível em várias línguas (em espanhol em particular) no site: http://www.uncsd2012.org/ thefuturewewant.html. Com 39 páginas e 283 artigos, apesar da fragilidade geral, assegura orientações importantes, abre espaços para batalhar transformações. Acho que foi o “mínimo denominador comum” possível de ser alcançado entre os 188 países signatários. Está centrado, como se sabe, “na busca da economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e erradicação da pobreza”. Afirma também “a nossa decisão de fortalecer o marco institucional do desenvolvimento sustentável” e apresenta 26 grandes desafios (segurança alimentar, água, energia, cidades, etc.). É um importante instrumento de construção de consensos. Como há fortes debates sobre o que significa “economia verde”, é útil lembrar a definição do PNUMA: trata-se de um desenvolvimento que resulta em “improved human well-being and social equity, while significantly reducing environmental risks and ecological scarcities”, portanto, bem-estar humano, equidade social, redução dos riscos ambientais e da escassez ecológica. Como a definição é abrangente, aqui também me parece que o problema não está no ‘verde’ e, sim, no ‘como’ se atingem os objetivos, na linha da cosmética corporativa ou das mudanças substantivas. As questões relevantes não são semânticas. Passada a frustração, buscamos as oportunidades. O documento aprovado, fraco nas obrigações e na implementação, é, no entanto, forte na visão. “A erradicação da pobreza é o maior desafio global que o mundo hoje enfren-


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ta, e um requisito indispensável do desenvolvimento sustentável. Neste sentido, estamos comprometidos em liberar a humanidade da pobreza e da fome como uma questão de urgência” (art. 2). “Tomamos a resolução de assegurar medidas concretas para acelerar a implementação dos compromissos de desenvolvimento sustentável” (art. 18). Encorajar as empresas a “incluírem a informação sobre a sua sustentabilidade nos seus ciclos de relatórios” (art. 47), recomendação importante que abre a possibilidade de estender as exigências de transparência ao mundo corporativo. A economia verde ganha uma definição ampla, em 17 pontos, incluindo transferência de tecnologia, empoderamento das comunidades, promoção das populações indígenas, soluções diversificadas segundo os países e assim por diante (art. 58). “Reconhecemos o poder das tecnologias da comunicação, inclusive tecnologias da conectividade e aplicações inovadoras, para promover o intercâmbio de conhecimento”, ponto-chave na promoção do acesso universal ao conhecimento (art. 65). O sistema das Nações Unidas deverá assegurar um papel de articulador de políticas (art. 66). Realça-se “o papel das cooperativas e das microempresas na contribuição para a inclusão social e redução da pobreza, em particular nos países em desenvolvimento” (art. 70). Para o acesso ao conhecimento, vital para as mudanças, recomenda-se “promover, facilitar e financiar, de forma apropriada, o acesso e o desenvolvimento, transferência e difusão de tecnologias ambientalmente corretas, bem como o know-how correspondente, em particular para os países em desenvolvimento, em condições favoráveis, inclusive em termos de concessão e preferenciais” (art. 73). No plano essencial das instituições, os artigos 76 e 79 sistematizam as propostas de governança da sustentabilidade, em particular a articulação dos diversos níveis territoriais, assegurando um processo participativo e confirmando a importância dos poderes locais. O artigo 84 comunica a decisão de formar um “fórum político universal intergovernamental de alto nível”, que deverá assegurar o seguimento da implementação do desenvolvimento sustentável. As 12 funções do fórum estão detalhadas no artigo 85. No artigo 88 é decidido o fortalecimento do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, com detalhamento das mudanças. O papel do Global Environmental Outlook (GEO) é referenciado como instrumento de seguimento. O artigo 92 “reafirma a importância de ampliar e fortalecer a participação dos países em desenvolvimento no processo internacional de tomada de decisão e definição de normas”, envolvendo “a estrutura de governança, cotas e direitos de voto nas instituições de Bretton Woods”. No plano da gestão, o artigo 101 “sublinha a necessidade de um processo decisório de planejamento integrado e coerente nos níveis nacional, subnacional e local”, organizando a participação dos atores interessados (multistakeholder bodies and processes). O artigo 104 se refere à fixação e objeti-


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vos, metas e indicadores correspondentes. O artigo 109 destaca a necessidade de assegurar o acesso aos sistemas adequados de financiamento, terra, e o artigo 116 realça “a necessidade de atacar as raízes da volatilidade excessiva dos preços dos alimentos”, enquanto o artigo 117 reforça o papel do Agricultural Market Information system. O restante do documento apresenta metas setoriais, como água, energia, erradicação da pobreza, transporte sustentável e semelhantes. O essencial, para nós, é que o documento não cria obrigações explícitas para ninguém, mas abre espaços de pressão, brechas nas quais poderemos estar batalhando políticas. Porque, ao fim e ao cabo, sabemos todos perfeitamente que os avanços dependerão da nossa capacidade de conscientizar mais pessoas e organizar mais pressão para que as coisas mudem. E, neste plano, um dos impactos mais importantes da Rio+20 é que a discussão planetária gerada elevou fortemente o nível de compreensão geral dos desafios. É muito útil ver, além do documento final da Conferência, o documento brasileiro, “minuta para consultas”, que apresenta os desafios do desenvolvimento sustentável, em 24 pontos, que envolvem tanto a erradicação da pobreza extrema e segurança alimentar quanto a equidade, papel do Estado, produção e consumo sustentáveis, até os temas tradicionais ambientais como água, energia, cidades e semelhantes. O conceito de economia verde é incluído como “economia verde inclusiva”. Segundo os autores, “com este importante ajuste conceitual, seria dado foco a um ciclo de desenvolvimento sustentável com a incorporação de bilhões de pessoas à economia com consumo de bens e serviços em padrões sustentáveis e viáveis” (p. 26). O capítulo III apresenta propostas importantes no plano institucional, e o IV resume as “propostas do Brasil para a Rio+20”. No total são 37 páginas, ainda um elenco tentativo de propostas, mas que dá uma boa ideia do que está na mesa de discussões. O link é www.rio20.gov.br/documentos/contribuicao-brasileira-aconferencia-rio-20/at_download/file. Os dois documentos acima se apoiaram bastante no texto elaborado pelo painel convocado pelo secretário-geral das Nações Unidas, o GSP (Global Sustainability Panel), chamado na versão em espanhol Gente resiliente em um planeta resiliente: un futuro que vale la pena eligir. Em 14 páginas, esse documento dá conta do recado no sentido de valorizar os pontos-chave dos nossos desafios. Envolve a criação de um conselho global de desenvolvimento sustentável como marco institucional internacional e dá particular importância à dimensão político-institucional: O certo é que o desenvolvimento sustentável consiste fundamentalmente em que as pessoas tenham oportunidades para influir no seu futuro, exigir os seus direitos e expressar as suas preocupações. A governança demo-


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crática e o pleno respeito dos direitos humanos são requisitos indispensáveis para empoderar as pessoas e conseguir que façam opções sustentáveis. Os povos do mundo já não tolerarão que se continue a devastar o meio ambiente nem que persistam as desigualdades que ofendam o profundamente ‘arraigado principio universal da justiça social [...]. Ao mesmo tempo, há que alentar as comunidades locais para que participem ativamente e de forma coerente na conceituação, planejamento e aplicação de políticas de sustentabilidade. Para isto é fundamental incluir os jovens na sociedade, na política e na economia.

O resumo executivo em espanhol está em http://www.un.org/gsp/sites/ default/files/attachments/Overview%20-%20Spanish.pdf.

Os compromissos dos agentes envolvidos Se a declaração do documento central da Rio+20, O Futuro Que Queremos, é abrangente nos tópicos, mas frágil em termos de compromissos, o mesmo não acontece com as numerosas tomadas de posição dos mais variados atores envolvidos. Na realidade, enquanto as nações encontram grandes dificuldades em traçar prioridades e comprometer o conjunto de seus agentes econômicos e sociais – e com maior razão o sistema internacional –, no plano concreto de cada cidade, empresa ou organização da sociedade civil os compromissos podem ser assumidos e cumpridos com mais facilidade. De certa forma, é bastante compreensível que os agentes concretos da sociedade sejam mais objetivos em suas propostas. As cidades, e os poderes locais em geral, desempenham papel particularmente importante. Podem simplesmente fazer a lição de casa, sem esperar as grandes resoluções planetárias. Os documentos que surgiram com o grupo C40, que reuniu 58 das principais cidades do mundo, são, nesse sentido, uma inspiração. Com a rápida urbanização generalizada do planeta, em particular com a situação brasileira, em que a população urbana já representa 84% da população total, o espaço das políticas locais torna-se cada vez mais significativo (http://www.c40cities.org/media/press_releases/mayors-of-the-world’slargest-cities-demonstrate-progress-in-greenhouse-gas-reductions-andlaunch-two-new-initiatives). Grandes corporações de intermediação financeira decidiram também assumir compromissos, no quadro do The Natural Capital Declaration. “Até o presente”, reconhece candidamente a declaração, “muitas instituições financeiras não entendem, contabilizam nem valorizam suficientemente os riscos e oportunidades relativas ao capital natural nos seus produtos e serviços financeiros (empréstimos, investimentos e produtos de seguro) e nas suas cadeias de oferta”. O setor pretende “normalizar a medida e informação sobre


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(disclosure) o uso do capital natural pelo setor privado” (http://www.unepfi. org/fileadmin/documents/Natural_Capital_Declaration.pdf ). As iniciativas são numerosas. A revista Página 22 traz um elenco dos documentos e declarações assinados “além do Riocentro”: a Iniciativa de Contratação Pública Sustentável Internacional se compromete com critérios de compras públicas, forma importante de dinamizar o consumo sustentável; o Índice de Riqueza Inclusiva amplia o sistema de contas para além do PIB; o Princípio de Seguro Sustentável é o compromisso de 27 empresas seguradoras com a sustentabilidade (esta área, pouco presente nas nossas análises, maneja imensos recursos). Vejam em http://pagina22.com.br/index.php/2012/ 07/alem-do-riocentro/. De certa maneira, com a ampla maré de discussões que se generalizou no planeta, houve forte avanço da consciência ambiental e social, levando a que cada empresa, administração pública, sindicato, universidade, escola, ONG, grupo cultural, passem a ver suas atividades de modo diferente. Esse impacto difuso é fundamental, pois acreditamos que só, quando se fortalecer bastante o movimento na base da sociedade, é que haverá suficiente força política nas esferas superiores, governos, organizações multilaterais e corporações mundiais.

Os manifestos Em outro plano de documentos, há o que poderíamos chamar de manifestos éticos. Particularmente interessante é o manifesto de março 2012, assinado por 2800 cientistas reunidos em Londres, no quadro da conferência Planet Under Pressure: new knowledge towards solutions. O documento de quatro páginas apenas, State of the Planet Declaration, é duro e direto: “As pesquisas agora demonstram que o funcionamento contínuo do sistema Terra, tal como tem dado suporte ao bem-estar da civilização humana nos séculos recentes, está em risco. Na ausência de ação urgente, poderemos fazer face a ameaças à água, alimento, biodiversidade e outros recursos críticos. Essas ameaças colocam o risco de crises econômicas, ecológicas e sociais cada vez mais intensas, criando o potencial para uma emergência humanitária em escala global”. Segundo os autores, “o desafio que define a nossa era é a salvaguarda dos processos naturais da Terra para assegurar o bem-estar da civilização com erradicação da pobreza, redução de conflitos por recursos e suporte à saúde humana e do ecossistema. Com o consumo se acelerando por toda parte e o aumento da população mundial, já não é suficiente trabalhar com um ideal distante de desenvolvimento sustentável. A sustentabilidade global tem de tonar-se o fundamento da sociedade”. Trata-se aqui de um grito de urgência,


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que aponta para o que é talvez nosso maior drama: o hiato entre a compreensão científica dos desafios que vivemos e o pouco que é apreendido pelas populações em geral, submetidas a informações banais e a um martelar publicitário sem sentido. “Porque a vida é agora”, repete a propaganda de um grupo financeiro, como se não houvesse amanhã (http://dowbor.org/2012/04/ declaracao-de-2800-cientistas-sobre-a-situacao-do-planeta.html/). Neste campo das tomadas de posição ética, é preciso mencionar também um folheto publicado por Stéphane Hessel, francês de 93 anos, intitulado Indignez-vous (“indignai-vos)¨, publicado em inglês como A Time for Outrage. Um herói da resistência ao nazismo, traz com força a denúncia dos absurdos das corporações financeiras, dos sistemas fiscais que privilegiam os ricos, e apoia todas as manifestações atuais de indignação, seja nos países árabes ou na Europa e nos Estados Unidos. Texto simples e eloquente, uma denúncia dos absurdos e um apelo ao bom senso e à revolta. O folheto vendeu, em poucos meses, mais de 4 milhões de exemplares e, apesar da visão parcialmente centrada na França, tem apelo universal. A notar também um livrinho de 60 páginas de Stéphane Hessel e de Edgar Morin, Le Chemin de l’Espérance, (“o caminho da esperança”), clamando por uma “consciência do momento dramático que vivemos para a espécie humana, dos seus riscos e perigos, mas também das suas chances”. As propostas são “por uma política de civilização”. Os dois textos mencionados são de 2011, e poderíamos ainda acrescentar o recente livro La Voie (“o caminho”), de Edgar Morin. Como apelo universal à ética da sustentabilidade, podemos também incluir o “Chamado aos governos”, uma convocação para se elaborar uma Carta de Responsabilidades Universais na Rio+20, como complemento à Declaração Universal dos Direitos Humanos. É apresentado no Fórum Internacional da Ética e Responsabilidade (www.ethica-respons.net); vejam em particular a proposta em português em www.ethica-respons.net/IMG/doc/proposta-para-uma-carta-das-responsabilidades-universais.doc . O chamado, de cinco páginas, é assinado por inúmeras instituições e personalidades. O contato para apoio é edith.sizoo@lc-ingeniris.com. E incluiria também neste grupo o excelente ensaio de Leonardo Boff, Sustentabilidade: o que é – o que não é, publicado em fins de 2011 pela editora Vozes. É uma visão fortemente centrada em valores humanos, a busca do que Paulo Freire chamava de uma “sociedade menos malvada”: O pior que podemos fazer é não fazer nada e deixar que as coisas prolonguem seu curso perigoso. As transformações necessárias devem apontar para outro paradigma de relação para com a Terra e a natureza e para a invenção de modos de produção e consumo mais benignos. Isso implica inaugurar um novo patamar de civilização, mais amante da vida, mais ecoamigável


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e mais respeitoso, dos ritmos, das capacidades e dos limites da natureza. Não dispomos de muito tempo para agir. Nem muita sabedoria e vontade de articulação entre todos para enfrentar o risco comum (www.leonardoboff.com ou http://vozes.com.br).

A questão-chave do poder financeiro Aparentemente sem conexão com a Rio+20, mas que para mim tem muito a ver, é a pesquisa do Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica (ETH na sigla em alemão) sobre o poder global de controle das corporações. No essencial, como mencionamos acima, a pesquisa do ETH mostrou que 737 corporações controlam 80% do sistema corporativo mundial, e nestas um núcleo duro de 147 controla 40% do total, 75% delas corporações financeiras. Em sua quase totalidade são americanas e europeias. Temos, portanto, uma visão radicalmente nova do poder corporativo mundial. Note-se que o PIB mundial é da ordem de 63 trilhões de dólares, enquanto os derivativos emitidos (outstanding derivatives), papéis que dão direito a outros papéis, juros sobre juros – na prática especulação financeira –, atingem 600 trilhões de dólares segundo o BIS de Basileia. São papéis com pouco lastro, à procura de liquidez, o que gerou as imensas transferências de governos para bancos privados, o que por sua vez gera grande parte dos cortes em políticas sociais e ambientais do mundo rico. Para facilitar a vida de não-economistas, fizemos uma resenha com as principais conclusões; veja em http://dowbor.org/ 2012/02/a-rede-do-poder-corporativo-mundial-7.html/, são dez páginas. A pesquisa do ETH foi publicada em outubro de 2011. É importante entender em que contexto econômico e financeiro mundial se dá a Rio+20. Um planeta sustentável com paraísos fiscais e com sistemas especulativos descontrolados sobre commodities, além dos financiamentos irresponsáveis que inundam o mundo de armas sem controle, francamente... Neste plano, e entrando em defensiva, um conjunto de corporações financeiras lançou a The Natural Capital Declaration, na linha de “finanças inovadoras para a sustentabilidade”. O documento, de três páginas, constitui uma importante declaração de princípios, “demonstrando nosso compromisso na Rio+20 de trabalharmos para integrar considerações sobre o capital natural nos nossos produtos e serviços financeiros para o século 21”. Comove, sem dúvida, e naturalmente esqueceram a dimensão social, e o fato de estarem servindo mais à especulação e apropriação de recursos públicos do que ao fomento produtivo, mas é uma tendência interessante. Está disponível online em http://bit.ly/Ju2j2j. No mesmo plano, e já com iniciativas realmente sérias, Hazel Henderson conduz há tempos um exercício importante de seguimento e avaliação do com-


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portamento ‘verde’ das instituições financeiras, em particular de investidores institucionais como os fundos de pensão. Trata-se de imensos recursos. O sistema de seguimento do Green Transition Scoreboard 2012 mostra que nos últimos cinco anos esses fundos investiram 3,3 trilhões de dólares em energia renovável, tecnologias sustentáveis e semelhantes, com forte aumento de recursos a cada ano. Uma coisa são as motivações: claramente, esses fundos não estão sentindo pânico pela situação do planeta e dos pobres, mas sim pela fragilidade dos papéis podres (junk) em que tradicionalmente realizavam aplicações. Financiar atividades ligadas à sustentabilidade aparece como uma alternativa cada vez mais viável em termos estritamente econômicos. Moralismos à parte, a reorientação de fundos especulativos para financiar sustentabilidade é, sim, absolutamente indispensável para fechar a conta das transformações necessárias. De certa forma, o capitalismo controlado pelo mundo financeiro é extremamente poderoso, mas, na medida em que se transformou em cassino instável e improdutivo, de grande visibilidade e rejeição planetária, pode ter nessa dimensão financeira seu lado mais vulnerável. A realidade é que esses imensos recursos são necessários para uso adequado nas reconversões sociais, ambientais e econômicas que temos pela frente. O Green Transition Scoreboard, que faz o seguimento dessas mudanças, é, neste sentido, muito útil, e o trabalho de Hazel Henderson sempre inspira confiança. O documento está disponível em http://bit.ly/IGJMGU ou colocando o nome no Google. Coincidindo com a Conferência, foi publicado, pela UNEP e outros, o Financial Stability and Systemic Risk, excelente documento que apresenta as condições básicas para que o sistema financeiro se torne sustentável. Sustentável não no sentido de que se sustente (seus acionistas e receptores de bônus vão bem, obrigado), mas que cumpra seu papel de financiamento de um desenvolvimento sustentável. Cumpre lembrar que essas instituições, que trabalham com dinheiro nosso e não delas, recebem autorizações (carta patente) dos respectivos bancos centrais para funcionar. http://www.unepfi.org/ fileadmin/documents/Lenses__Clocks_web.pdf .

Textos propositivos No plano mais diretamente propositivo para a Rio+20, temos de dar destaque aos trabalhos de Ignacy Sachs, em particular ao artigo “Os desafios da segunda Cúpula da Terra do Rio de Janeiro”, publicado no encarte de janeiro 2012 do Le Monde Diplomatique Brasil: http://dowbor.org/2012/04/sustentabilidade-e-desenvolvimento-o-que-esperar-da-rio20.html/. Sachs, veterano de Estocolmo 1972 e da Rio92, tem os pés bem firmes no chão. Considerando a fragilidade do sistema multilateral de decisões, dá importância central a que


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se aproveite a Rio+20 para traçar um roteiro concreto de planos nacionais de desenvolvimento sustentável, de fontes de financiamento (em particular a taxa Tobin), de sistemas de cooperação técnica por biomas (os semiáridos planetários, por exemplo, que enfrentam desafios muito semelhantes). Ou seja, a Conferência seria um ponto de partida para a construção de políticas nacionais, com sistemas diferenciados de cooperação e articulação com uma nova função das Nações Unidas. O texto de Sachs é o primeiro desse encarte, que apresenta oito artigos de excelente qualidade, e dá uma visão geral dos desafios. O título geral do encarte é Sustentabilidade e Desenvolvimento: o que esperar da Rio+20. Na mesma linha, um texto mais antigo nosso, de 2010, continua plenamente atual. Crises e Oportunidades em Tempos de Mudança, de 21 páginas, é fortemente centrado na convergência das crises, no resgate da dimensão pública do Estado e na capacidade de gestão pública. A parte propositiva, em 12 pontos, envolve o que nos pareceu um programa mínimo para o resgate da racionalidade e o equilíbrio do nosso desenvolvimento. É assinado conjuntamente por Ignacy Sachs, Carlos Lopes e Ladislau Dowbor. Uma versão bem-humorada da parte propositiva pode ser encontrada no artigo “Os Dez Mandamentos – Edição Revista e Atualizada”, que traz mandamentos como “Não reduzirás o teu próximo à miséria e semelhantes”. O artigo principal está em http://dowbor.org/2010/01/crises-e-oportunidades-em-tempos-demudanca-jan-2.html/ e os dez mandamentos em http://dowbor.org/2010/04/ os-dez-mandamentos-edicao-revista-e-atualizada-abr.html/. Textos publicados também pelo Instituto Paulo Freire e no Le Monde Diplomatique Brasil. Para o caso específico do Brasil, um excelente pequeno documento é o “Acordo para o Desenvolvimento Sustentável”, elaborado no quadro do CDES (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social), como contribuição para a Rio+20. Esse pequeno documento sistematiza uma série de propostas de membros do Conselho, de numerosas organizações da sociedade civil, de acadêmicos, de especialistas como Ignacy Sachs, bem como de vários ministérios. É um documento particularmente equilibrado, centrado em grande parte na governança do processo. Acesse em: http://www.cdes.gov.br/documento/ 3169562/acordo-para-o-desenvolvimento-sustentavel-rio-20-102011.html. Cumpre também mencionar o importante documento Indicadores de Desenvolvimento Sustentável 2010, elaborado pelo IBGE. Esse balanço estatístico e analítico apresenta uma visão geral dos desafios, em quatro grandes capítulos, que focam a dimensão econômica, social, ambiental e institucional. Este último ponto é importante, pois sem a parte institucional, que envolve as políticas destinadas a tomar as decisões na direção do desenvolvimento sustentável, pouca coisa pode acontecer. De certa forma, trata-se de traba-


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lhar com os quatro pilares, e não mais apenas com o tripé, o que envolve mudanças no processo decisório concreto. No conjunto são 55 grupos de indicadores, com breve análise. Na Rio+20 será apresentado o IDS-2012, com 62 grupos de indicadores e um avanço significativo na parte ainda relativamente mais fraca que é a institucional. Queria aqui reforçar a importância de se recorrer a esse documento, que nos traz os dados primários concretos quando a discussão frequentemente tende a se referir a dados afetados por visões ideológicas (http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/recursosnaturais/ids/ default_2010.shtm). Evidentemente, não é o lugar aqui de entrar no conjunto das propostas setoriais, referentes ao clima, água, florestas, saúde, educação e assim por diante. Mas cabe mencionar o livro de Ricardo Abramovay, Muito Além da Economia Verde, cuja edição coincidiu com a Rio+20 e traz uma excelente discussão sobre a sustentabilidade. Os textos que apresentamos acima ajudam, sim, na formação de uma visão de conjunto dos desafios suscitados pela Rio+20 nas suas dimensões essenciais. Um complemento apenas relativamente ao que me parecem ainda ser as áreas mais fracas: neste mundo urbanizado, independentemente das grandes políticas planetárias e nacionais, há um imenso espaço para que cidades, individualmente ou em rede, façam a lição de casa. Apesar do significativo papel do grupo C40, ainda estamos longe de um sistema mais amplo de apoio às iniciativas locais. Esta é uma dinâmica em curso, envolvendo milhares de cidades pelo mundo afora, capaz de criar uma construção sustentável pela base. Em particular, nas cidades concretas pode-se demonstrar de forma prática que outro desenvolvimento é possível e funciona, gerar parcerias, construir indicadores, dinamizar a participação. Igualmente frágil é a área de contas que façam sentido. O PIB não só é tecnicamente frágil, como induz a uma visão deformada do progresso. Temos de contabilizar o que realmente conta. Lembro-me de ter visto em Johannesburgo, na África do Sul, painéis em lugares públicos que, em vez de veicularem mensagens publicitárias, informavam a população local sobre a evolução de indicadores essenciais como a mortalidade infantil, conexões de esgotos, acesso à água e assim por diante. Precisamos passar a medir o que realmente importa. As declarações da Rio+20 oferecem um gancho, mas as aplicações continuam lentas. Outro eixo a ser fortemente expandido, o da participação política, está bem resumido na nota de Laura Rival, da Universidade de Oxford, para o UNRISD: “Para que as pessoas possam exercer as suas capacidades políticas, precisam antes reconhecer-se como cidadãos, mais do que como beneficiários ou clientes. Adquirir os meios de participar demanda também processos de educação popular e de mobilização que possa reforçar as habilidades e


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EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE NAS ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO

a confiança de grupos marginalizados e excluídos, dando-lhes meios para se engajarem em arenas participativas” (http://bit.ly/K6sAtw). Não há “bala de prata” para assegurar a cidadania: envolve educação, inclusão produtiva, mídias democratizadas, acesso às tecnologias, segurança pessoal e assim por diante. É o desafio maior. Em síntese, no que a educação em administração pode contribuir neste cenário? Instigar a indignação ativa que se tratou na primeira parte deste texto; potencializar o casamento entre os objetivos corporativos e as necessidades do planeta; contribuir para o aprimoramento das práticas de governança e gestão da sociedade; se comprometer com uma educação política que vise ao bem comum; estimular a ação dos futuros profissionais e empresários a atingirem objetivos que impactem nas questões do desenvolvimento, indo além da “cosmética corporativa”; colocar em pauta o poder corporativo, sobretudo financeiro, a serviço da reconvergência social, ambiental e econômica; fomentar a cidadania, o engajamento e a participação da empresas e seus profissionais na condução dos temas emergentes retratados na Rio+20.




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