Me chamo Moara Sacilotti, tenho 27 anos, há 20, corro de moto. Fui a primeira mulher a correr no Rally dos Sertões, com apenas 18 anos de idade. De lá pra cá já foram oito participações nessa prova, das quais completei sete. Não sou nenhuma menina super poderosa, muito pelo contrário, quem me conhece está acostumado a me ver parada ao lado da moto antes das largadas, pois não alcanço os pés no chão! O que me levou a ter sucesso no esporte foi e é ainda, muito treino, dedicação e força de vontade. Sem contar o amor pelo off road.
Esse amor aliás, é herança genética. Meu pai, Gilberto Sacilotti, corria de motocross. E minha mãe, Regina, sempre foi muito apaixonada pelo esporte. Foram eles que ensinaram a mim e ao meu irmão, Ramón, a sermos alucinados por off road. Ganhei minha primeira motinho aos sete anos de idade! E logo o Ramón (que é quatro anos mais novo que eu) já começou a correr também, e hoje é um piloto de grande destaque no motocross nacional.
Comecei no motocross nas 50cc, passei pelas 60cc, 80cc e 125cc. O motocross me deu muita base para competir no rally posteriormente, já que é uma modalidade bastante técnica e completa. Mas eu resolvi me dedicar mais ao rally depois que “o bichinho do sertão me mordeu”. A adrenalina de pilotar em alta velocidade sem saber o que tem depois da próxima curva é muito boa! Sem contar as longas distâncias e os quase 15 dias atravessando o Brasil.
O maior desafio que já enfrentei em toda minha carreira esportiva, foi sem dúvida o meu primeiro Sertões. O desafio começou dentro de casa, pois ao anunciar minha intenção em participar desta prova, meus pais a princípio foram contra, sabendo do grande perigo em que eu estava me metendo. Mesmo assim saí em busca de patrocinadores, que foi o segundo desafio desta jornada. Quando eu conseguia agendar reuniões com empresários, eu ouvia: “Você? No rally? Se fosse um homem eu patrocinaria, mas eu duvido que você consiga. Por isso não vou investir num projeto que não vai dar certo.” Aos poucos consegui conquistar alguns aliados, como a Pirelli, que foi meu primeiro patrocinador. Sabendo que eu iria mesmo ao Sertões, meu pai pegou sua moto e foi junto comigo, sempre me acompanhando de perto.
Durante o rally, os desafios foram muitos, pilotar e navegar ao mesmo tempo, as dificuldades do terreno tambĂŠm foram inĂşmeras, trechos com muitas pedras, outros de areia fofa, alĂŠm das altas velocidades. Fora isso, ainda enfrentei o enorme desafio do preconceito, por ser uma menininha de 18 anos, competindo entre homens mais velhos e muito mais experientes.
Meu primeiro rally foi semm dúvida foi o rally mais difícil que já fiz, embora tenha contado com apoio constante do meu pai que também competiu, sempre ao meu lado. Faltando poucos dias para terminar, levei um tombo que me custou uma fratura no ombro, mas mesmo assim continuei pilotando até a chegada em Natal (RN).
Dois anos depois, já com alguma experiência, mais treinada, com uma moto mais adequada e vontade de acelerar um pouco mais, retornei ao Sertões não só para completar a prova, mas em busca de algum resultado. Foi quando fiquei em terceiro lugar na categoria Marathon. Neste ano também fui Campeã Brasileira de Rally e da Copa Baja Brasil.
Após realizar o grande sonho de vencer um Campeonato Brasileiro, parti em busca do sonho em ser Bicampeã. Agora porém, correndo sem a presença do paizão, que resolveu migrar para a equipe de apoio, junto com minha mãe. No Rally dos Sertões quando eu liderava a categoria Marathon com meia hora de vantagem sobre o segundo colocado, acabei exigindo demais da moto e ela não resistiu. Resultado: décimo lugar. Mesmo assim eu ainda tinha chances no Brasileiro e na Copa Baja, mas um acidente no Rally Bolpebra me tirou da disputa nas etapas seguintes, finalizando o Brasileiro em quarto lugar e a Copa Baja em segundo.
Superado o trauma do acidente, voltei a treinar, disposta a dar o meu melhor em mais um Sert천es. Correndo com uma moto totalmente inadequada e enfrentando alguns problemas na equipe de apoio acabei tendo que dedicar muito mais do que o esperado para conseguir chegar a Fortaleza. O resultado n찾o foi dos melhores mas foi um ano de muito aprendizado.
Neste ano fiz um Rally dos Sertões excelente. Devido a mudanças no regulamento tive que subir de categoria e optei por correr na Super Prodution, a mais concorrida de todas. Eu e a moto estávamos em perfeita sintonia, os erros foram pequenos e a equipe de apoio (que incluía meu pai na assistência, viajando de moto com minha mãe na garupa) trabalhou muito bem.O décimo lugar que conquistei correndo entre os grandes feras foi um resultado incrível!
Pela primeira vez fiz um Sertões sem o apoio dos meus pais, apenas uma amiga - e fisioterapeuta, a Anna, me acompanhou durante a prova. Senti uma imensa falta deles na metade do rally quando minha moto teve alguns problemas e a equipe de apoio não conseguiu solucionar. Fui me arrastando até chegar em Fortaleza na 16ª colocação. No entanto, tive ótimos resultados na Copa Baja, que me garantiram o quinto lugar no Brasileiro
No Sertões 2005 estava indo muito bem, tanto eu quanto o Ramón. Aliás ele vinha surpreendendo por ser um novato com uma moto sem recursos andando entre os grandes feras. No segundo dia logo no começo da especial ele levou um tombo e fraturou o fêmur. Enquanto isso eu largava na especial, e minha moto começou a dar problemas devido a sujeira no carburador pelo excesso de poeira e gasolina ruim. Parei para tentar arrumar próximo a uns fotógrafos que me sugeriram voltar ao início da especial (já que estava no km 4) para tentar ajuda. Chegando lá fiquei sabendo do acidente do Ramón e então abandonei a prova para dar assistência a ele, já que nossos pais estavam muitos km a frente, nos esperando no final da etapa seguinte (esse dia era etapa maratona), e também acredito que eu não teria cabeça para continuar sem ele.
15º Rally dos Sertões Nos dias 06 a 18 de agosto, corri o Sertões pela oitava vez. De longe foi a minha melhor participação. O rally estava fantástico! Foi a mais difícil de todas as 15 edições do evento. As etapas muito duras, técnicas, as distâncias enormes. Alguns dias de muitas pedras, outros de areião pesado, e outros dias mesclando pedras com areia dificultando muito a pilotagem. Cheguei a pilotar durante 11 horas ininterruptas, parando só para abastecer a moto!
A prova judiou também das equipes de apoio. O Ramón foi meu mecânico, motorista do carro de apoio, cozinheiro, fotógrafo, massagista, psicólogo... e junto com nosso amigo Baninho Pegorari, trabalhou até as 4 horas da manhã para garantir que no dia seguinte minha moto e do tio Paulo Langer, estivessem perfeitas novamente. 83 pilotos de motos largaram em Goiânia, eu escorreguei no prólogo (tomada de tempo) e larguei entre os últimos. Mas eu estava tão feliz em retornar ao rally (não pude correr em 2006), que nem me importei muito. Eu só queria largar logo na especial, acelerar pra valer, desbravar o sertão do Brasil.
O primeiro dia de prova foi duro. Era muita pedra nos 334 km de especial. Longos trechos de trial, subidas com pedras enormes, descidas lisas com abismos, o temido rio Bagagem para atravessar, e um belíssimo visual – pra quem conseguiu olhar em volta. Largar entre os últimos, por incrível que pareça me fez bem, pois a cada moto que eu ultrapassava minha motivação e energia aumentavam! Escureceu e eu ainda estava na especial, mas quem se importa? Eu estava chegando em Minaçu e tudo estava perfeito.
O segundo dia também foi muito longo, com quase 700 km no total, sendo 392 km de especial. Eu melhorei 30 posições com relação à largada do primeiro dia e portanto consegui chegar em Palmas antes de escurecer. O rally estava só começando, e o dia seguinte seria etapa maratona, onde não temos manutenção das motos. Foram 358 km de especial nessa terceira etapa, muita areia, alguns trechos de trial e... ai ai, um tombinho e me fura o tanque... no meio da maratona. Para minha sorte, itens de segurança podem ser reparados dentro do parque fechado, desde que o piloto possua as ferramentas necessárias, com o cronômetro aberto e os fiscais da F.I.M. olhando cada movimento. Tomei alguns minutos de penalização por isso, mas “melhor perder 5 minutos na prova do que perder a prova em 5 minutos”.
A quarta etapa foi para mim a mais difícil de todas. Foram 309 km de especial, num terreno misto de pedras por baixo e areia por cima que é extremamente desgastante de pilotar, e vez ou outra a moto simplesmente sai debaixo do piloto pois as pedras ficam escondidas sob a areia muito fina. A quinta etapa foi comemorativa de 15 anos de Sertões, com uma especial de 394 km, de areião pesadíssimo, simplesmente deliciosa. Mas a partir do sexto dia o rally deu uma aliviada (acredito que se continuasse tão duro, pouquíssimos pilotos completariam a prova). As distâncias continuaram longas, mas as especiais ganharam alguns trechos de mais velocidade, destruindo menos as motos, e os acidentes se deram mais devido ao cansaço acumulado dos primeiros dias. Foram quatro dias de muita chuva, e até frio, um fato inédito no Rally dos Sertões, e que não agradou muito.
... e de repente o rally acabou. Cheguei em salvador na 29ª colocação geral, deixando muito marmanjo para trás. Ainda fiquei em 6º na categoria Marathon e em primeiro lugar na categoria Mulheres, que vale pontos para o Campeonato Mundial de Rally. O grande favorito ao título, o francês Cyril Despres, ficou com o segundo lugar, perdendo para o brasileiro José Hélio, que fez uma prova fantástica. Os dois disputaram cada km, desde o primeiro dia. O segundo melhor brasileiro foi Jackson Feuback que ficou em sétimo lugar na geral. A ultima especial do ultimo dia teve apenas 76 km, que pareciam uma eternidade. Mas em um piscar de olhos vi a placa de chegada, e de repente os 4.776 km percorridos, as longas horas pilotando, os 10 dias competindo, pareciam ter acontecido em menos de um segundo. Passaram tão rápido quanto a velocidade do pensamento. O que não deixa de ser verdade, pois agora o rally é só lembrança, só pensamento. A linha de chegada é boa, mas é ruim. É boa porque é mais uma chegada de Sertões, do mais difícil de todos, mais uma grande vitória! E é ruim porque ao cruzá-la o rally acabou. Fim. Agora é curtir a ansiedade de esperar pelo próximo Sertões.
PRINCIPAIS TÍTULOS • Campeã Rally dos Sertões - Mundial FIM - (cat. Mulheres) - 2007 • Vice Campeã Brasileira de Rally (cat. Marathon) - 2005 • Vice Campeã Copa Baja Brasil (cat. Marathon) - 2005 • Quinto lugar Brasileiro de Rally (cat. Super Prodution) - 2004 • Campeã Baja Portalegre 500 (cat. Senhoras) - 2004 Portugal • Décimo lugar Rally dos Sertões (cat. Super Prodution) - 2003 • Campeã Baja Portalegre 500 (cat. Senhoras) - 2003 Portugal • Vice Campeã Baja Portalegre 500 (cat. Senhoras) - 2002 Portugal • Vice Campeã Copa Baja Brasil (cat. Marathon) - 2001 • Campeã Brasileira de Rally (cat. Marathon) - 2000 • Campeã Copa Baja Brasil (cat. Marathon) - 2000 • Primeira mulher a correr o Rally dos Sertões de moto - 1998