Título: « A Lição do Dente-de-Leão », conto de Rosa Maria Santos, julho 2021

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A Lição do Dente-de-Leão

Conto

Rosa Maria Santos 2


Ficha Técnica

Título A Lição do Dente-de-Leão Tema Conto Autora Rosa Maria Santos Capa Arranjo de José Sepúlveda Ilustrações Rosa Maria Santos Revisão de textos e Formatação José Sepúlveda Publicado por Rosa Jasmim Edições

Editado em E-book em Julho 2021 https://issuu.com/rosammrs/docs 3


Rosa Maria Santos Naturalidade – S. Martinho de Dume, Braga. Muito pequena, foi viver para a freguesia de Maximinos. A base do seu equilíbrio emocional está no seio familiar. É na família que encontra a alegria de viver. Viveu na Costa Litoral Alentejana, em Sines, trinta e um anos, tendo regressado em 2017, à cidade que a viu nascer, Braga. Participou em diversas coletâneas de Poesia, portuguesas, italianas e brasileiras. É Colunista no site Divulga Escritor, possuindo também uma rubrica na Revista com o mesmo nome. Foi assistente de produção e recolha na coletânea de postais do grupo Solar de Poetas, Poeta Sou…Viva a Poesia; participou nas coletâneas de poemas e postais de Natal do mesmo grupo: Era uma vez… um Menino; Nasceu, É Natal; Não Havia Lugar para Ele; Vale do Varosa: Uma Tela, um Poema, do Solar de Poetas, para promoção do Evento: Tarouca Vale a Pena; Belém Efrata; Então, Será Natal; Vi Uma Estrela, todas editadas em e-Book; O Presépio de Marco – inspirado nas imagens do presépio de Natal 2019, elaborado por Marco Penna e seus familiares; Quando o Menino Chegar – Coletânea de Poesia de Natal de 2020.

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É Administradora dos grupos: Solar de Poetas, onde coordena também a equipa de Comentadores; Solarte – a Arte no Solar; SoLar-Si-Dó - A Música no Solar; Canal de Divulgação do Solar, Casa do Poeta; SolarTV Online; Poetas Poveiros e Amigos da Póvoa; Hora do Conto e O Melhor do Mundo, todos do grupo Solar de Poetas. A escrita é uma das suas paixões… Não se considera escritora nem poetisa, mas uma alma poética a vaguear pelo mundo... Se um dia deixar de sonhar, diz, deixa de existir. Livros editados: Rosa Jasmim (poesia), Capa do Mestre Adelino Ângelo – Julho 2018.

E-Books - Poesia Cantam os Anjos (poesia de Natal) – Capa de Adias Machado – Natal 2017; - Ucanha terra de encanto Poesia) Capa: Glória Costa – Maio 2018; - Sinos de Natal, Natal de 2018; - Glosa, Arte e Poesia, Pinturas de Glória Costa, poesia da autora, Agosto 2019; - Entre Barros, Arte e Poesia Bordadas à Mão – pinturas de Bárbara Santos, poesia da autora, Outubro 2019; - Maviosa poesia, a arte de rialantero" Pintura de Silvana Violante; poesia da autora; Em Palhas Deitado – Poesia de Natal, Dezembro 2020.

E-Books - Contos Pétalas de Azul (contos) – Fevereiro 2019; - Estórias em Tons de Rosa (contos) Abril 2019; - Pena Rosada, Crónicas do Quotidiano, Julho 2019; - 12 Contos de Natal, capa de Madalena Macedo - imagens com arranjos da autora, Na5


tal 2019; - O Veado Solitário, na Aldeia do Chefe Lyn - Edição bilingue (português/italiano), Janeiro 2020; - Esperança no País do Arco Íris – Edição bilingue (português/italiano), Abril 2020; - O Menino da Lagoa - Edição bilingue (português/inglês), Abril 2020; - A Menina Raposa, capa de Ana Cristina Dias; - Rufo, o Cãozinho desaparecido – Edição bilingue (português/espanhol), Abril 2020; - Ana Rita e o fascínio dos ovos – Maio 2020; - Milú, o Chapeuzinho que gostava de cirandar, Maio 2020; - Contos ao Luar, Maio de 2020; - Patusca, no Reino Misterioso - Edição bilingue (português/italiano), Maio 2020;- O bolo na casa da Avó Doroteia, Junho 2020; - Sonega, o Coelho Mandrião, Julho 2020; - Rosalina e a Sombra Rebelde, Julho 2020; - O Jardim em Festa, Julho 2020; - Ritinha, salva a Sereia Serena, Julho 2020; - Ana Clara, em tempos de pandemia, Novembro 2020; - Josefina, a menina que veio do mar, Novembro 2020; - Luizinho, protetor do ambiente, Novembro 2020; - A Girafa Alongadinha e a Pulga Salomé, Novembro 2020; O Dia de Natal, Dezembro de 2020; O Natal de Afonso; Dezembro de 2020; Um Milagre na Ilha Paraíso, Dezembro de 2020; Ventos de Mudança, Dezembro de 2020; Gisela e a Prenda de Reis, Janeiro de 2021; Dany, o Menino que queria sorrir – Janeiro 2021; Marquito, o menino irrequieto – Janeiro 2021; Joaninha, a menina que vendia balões – Janeiro 2021; Vicentina, uma avó aventureira – Fevereiro 2021; Juliana e os sapatinhos encarnados – Fevereiro 2021; Tomás, o Pinguim Desastrado – Fevereiro 2021; Silas e o Triunfo do Amor – Fevereiro 2021, Bogalha, a macaquinha irreverente – Março 2021; Janota, a guardiã do ervilhal – Março 2021, Zâmbia, a macaquinha que queria casar – Março 2021; Tuly e o cavalinho de baloiço – Março de 2021, Maria, a menina que não 6


conseguia dormir – Abril 2021; A Lenda da Menina Lua – Abril 2021; Estrela Silente, a Princesa cativa – Abril 2021, Marly, a pequenina duende – Abril 2021; Mariana no País do trevo Dourado – Maio 2021; Esperança e o sorriso do Palhaço – Maio 2021; Uma Aventura na Floresta Encantada – Maio 2021; Esmeralda, umas férias diferentes – Junho 2021; Raitira no Planeta Ricoicoi – Junho 2021; A lição do Dente-de-Leão – Julho 2021..

Histórias da Bolachinha Bolachinha em Tarouca (prosa e poesia) - Capa: Glória Costa - Maio 2018; - Bolachinha vai à Hora de Poesia Edição bilingue (português/ francês), Outubro 2018; - Bolachinha vai à Casa Museu Mestre Adelino Ângelo - Novembro 2018; - O Natal de Bolachinha, Natal 2018 Bolachinha e a Hora de Poesia, a visita de Teresa Subtil Edição bilingue (português/Mirandês), Fevereiro 2020; Bolachinha e a Hora de Poesia, a visita de José Sepúlveda - Edição bilingue (português/francês), Julho 2020.

Aventuras de Maria Laura Maria Laura, a Menina da Página dezasseis, Agosto 2020; - Aventura no Castelo sem nome, Agosto 2020.

Diferentes mas iguais Tomás e o infortúnio de não ter mãos – Junho 2021; Lolita, a menina que não tinha pés – Junho 2021; Duda, o Menino que queria mudar o Mundo – Julho 2021.

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Distinções - 2º Prémio de Poeti Internazionali. Poema Rosa de Saron, no Concorso Artemozioni, Cantico dei Cantici In Valle d’Itria, Itália; Maio 2017. - 3º Prémio de Poeti Internazional - Itália. Com o poema “Violino”; 5° Biennale del Festival Internazionale Delle Emozioni, Itália - Maio 2019. - 10° Edizione Del Concorso Di Poesia e Narrativa: Prémio d’Onore Concurso de Premio Letterario Internazionale di Poesia “Gocce di Memoria“, Itália, Junho 2019 con la poesia Sfera di cristallo (Bola de Cristal). - Concorso “Il Meleto di Guido Gozzano” Sezione Autori di lingua straniera - ATTESTATO DI MERITO, 14 settembre 2019 com la poesia Assenza (Ausência). Itália, agosto de 2019. - Jogos Florais Vale do Varosa 2019 – Concurso Literário Tarouca - “O rio, o vale e as gentes”: Menção Honrosa, categoria de Poema. - Concorso di Poesia Internazionale " Gocce di Memoria" VI edizione 2020. - Menzione d'onore con la poesie “Il mio quadro” – (Meu quadro). Itália julho 2020. Segunda Classificada no Prémio Poeti Internazionali - 11ª. Edizione del Concorso Internazionale di Poesia-videopoesia e racconti dal titolo: Poesia Esteri “Ouve” (Ascolta) dezembro 2020.

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- Menzione di Merito de poeti Internazionali 11ª. Edizione del Concorso Internazionale di Poesia-videopoesia e racconti dal titolo: Racconti “Esmeralda” dezembro 2020. Ebook: https://issuu.com/rosammrs/docs

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A Lição do Dente-de -Leão

A Herdade Santa Helena era uma propriedade rural que pertencia ao Dr. Sebastião Similar e esposa, Catarina Pureza. O casal tinha dois filhos gémeos, Daniel e Martim, com sete anos de idade e que frequentavam o colégio interno Miguel Torga, na capital. Estes gostavam imenso de gozar as suas férias na herdade. Ali havia um jardim bem 10


cuidado por um dedicado casal de jardineiros, Miquelina e Tobias. Eram exímios jardineiros que o tratavam com esmero e dedicação. As férias do Verão aproximavam-se e com elas o aniversário dos gémeos. Os trabalhadores da Herdade Santa Helena estavam felizes com o seu regresso e já preparavam uma receção a condizer e a festa de aniversário dos seus meninos. - Oito anos! - dizia a avó Rita feliz para o avô Miguel Ainda ontem andavam por aí a gatinhar e olha, já estão uns homenzinhos.

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- Saudades dos meus meninos Lhe dizia entristecida Esses lindos gaiatinhos São razão da nossa vida. Vê como estão crescidinhos, Até custa a acreditar. Ó meus lindos bebezinhos, Como vos quero abraçar! - Mantém a calma, querida As férias vão chegar E vão ser mesmo à medida Para carinho lhes dar. É bom tê-los na Herdade, Vê-los saltar todo o dia, No Colégio, na cidade, Não sentem esta alegria. Todo o nosso pessoal Já está a esperar E uma festa especial Lhes estavam a preparar.

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O avô Miguel e a avó Rita, professores de Botânica reformados, dedicavam agora o seu tempo ao cuidado das suas estufas de flores: tulipas, orquídeas, violetas e outras espécies, com zelo e prazer cuidam desse espaço! Era ao longo daquele belo espaço que gostavam de fazer as suas caminhadas de manhã cedo e ao fim do dia. Gostavam de respirar as fragrâncias das flores e muitas vezes eram surpreendidos a dialogar com as plantas e as flores. A quem os surpreendiam, diziam: As plantas são como as pessoas, gostam de ser acarinhadas. Assim, fosse no decorrer dos passeios matinais, ou ao fim da tarde, era vê-los num animado diálogo, sorrindo felizes para elas, como se 13


estas os escutassem, quem sabe se os escutavam mesmo! Às vezes, a avó Rita mimava-as com alguma cantilena.

Ó minhas tão lindas flores, Tão mimosas, coloridas, É o vosso mar de cores Encanto das nossas vidas.

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O tempo não volta atrás, Renova-se cada dia, E a natureza nos traz Mananciais de alegria. Surge de novo a emoção Entre as corolas tão belas Onde o nosso coração Vai navegando entre elas Nosso jardim implantado Na Herdade Santa Helena É sempre lindo e cuidado Com esmero, vale a pena! Como é gratificante Ver a natureza em flor A cantar em cada instante A canção do nosso amor.

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O Jardim da Herdade Santa Helena era por isso um espaço diferente, especial. Quando o ocaso tombava, os trabalhadores da quinta recolhiam ao conforto da sua alcova e descansavam, enquanto o jardim, com o frescor da noite, se regenerava. E a vida acontecia. Havia sintonia em cada flor, vivia-se no lugar paz e união. Mas um dia, cresceu entre elas um pé de Dente-de-Leão. Até que Miquelina e Tobias, os jardineiros, engraçaram com a pequena planta. Era algo diferente dos que conheciam. E por isso, começa16


ram a trata-lo com o mesmo esmero que as restantes flores do jardim. Eles sabiam que o Dente-de-Leão tinha propriedades curativas que não eram de desprezar.

Era com ele que preparavam um saboroso chá, quando sentiam necessidade de tratar de algum problema digestivo, do fígado e até mesmo do pâncreas. Tinham descoberto até que, torrando as suas raízes e moendo-as, produziam um pó que por vezes usavam para preparar uma bebida substituta do café, que tinha a vantagem de não possuir cafeína. E rapidamente o Dente-de-Leão se foi 17


transformando numa das mais importantes plantas do jardim. Ao aperceberem-se disso, começou-se a espalhar uma onda de discórdia entre as restantes plantas do Jardim. - Olhem bem esse pobre Dente-de-Leão, já se pensa alguém, pavoneia-se por aí como se fosse muito importante. Na verdade, era vê-lo agora a dirigir-se à mais bela rosa e questionar cheio de arrogância:

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- Onde vai, menina rosa, Pelo fresco da manhã? Perfumada, toda vaidosa, Quer que lhe prepare um chá? Mas a rosa nem responde À ultrajante questão. - O que é que a consome? A chegada do verão? Faça como eu, Menina, Sou simpático e leal, Um amigo que a estima E não lhe quer fazer mal. Já vi que não quer falar, Pensa ser melhor do que eu, Pois se não quer conversar, Regresso ao cantinho meu.

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- Olha quem vem lá, cabisbaixo. O que terá acontecido? – questiona-se o Dente-de-Leão. - Bom dia, Cravo Carmim, onde vai tão cabisbaixo? - Bom dia, Dente-de-Leão, coisas minhas, coisas minhas, meu amigo. - Quer desabafar comigo? Sou um bom ouvinte. Segredo que me é confiado, jamais vai ser partilhado, já me conhece o suficiente para o saber. Conte o que lhe vai na alma, desabafe e eu o ajudarei a encontrar o melhor caminho para ultrapassar o seu problema.

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- Obrigado, mas são coisas minhas que não quero partilhar. - Uuiii! Parece que não confia em mim, Cravo Carmim! - Confio sim, Dente-de-Leão, mas são coisas que só eu posso resolver, obrigado. - Sabe, Cravo Carmim, há minutos passou por mim a bela Rosa. Que feitio o dela! Sempre com ar tão importante, não acha?

- A Rosa sempre foi simpática comigo, nada tenho contra ela. É meiga, simpática, amiga do amigo, sempre à disposição de todos que a ela se chegam. - Não o creio, Cravo Carmim: 21


Essa Rosa pensa ser A princesa do jardim, Assim me quer parecer, Não acha, Cravo Carmim? - Feio é, Dente-de-Leão Falar de quem está ausente, Uma humilde opinião, Fale com ela presente! 22


- Cravo Carmim, melindroso! O que foi que aconteceu? Será do tempo chuvoso E das nuvens lá no céu? Trate a Rosa com respeito Não diga mal para mim, Fico com dores no peito Só de ouvir falar assim.

- Apenas exprimi uma opinião, meu amigo. Não se deixe perturbar por ela. 23


- Pois é mas a minha opinião sobre a Rosa é bem diferente. Cá para mim, o que Rosa pretende é que a tratem com carinho e respeito. - Pensa ser a mais perfumada flor, a mais airosa, a mais bela, mas não passa de uma pobre pateta. Se há um rei neste jardim, sou eu, diferente de todos. O vento sopra e lança os meus esporos pelo ar, para muito longe, aonde a minha espécie pode germinar por todo o lugar, seja aonde for. Por isso, devo ser eu o rei de todo este espaço, não acha, amigo Cravo?

- Sabe, Dente-de-Leão? Ensinou-me a vida de que não me devo meter neste tipo de intrigas. Cá por mim, acho que 24


nenhuma planta, ou flor seja diferente das outras. Cada uma é única na sua fragrância, na cor, na textura. Partilhamos este mesmo espaço cheio de cor. Alguns exalam perfumes suaves, outros mais fortes. Mas neste espaço sagrado, é imperioso que cada um de nós lute pela preservação da paz e da harmonia entre si, que aprendamos cada dia preservar a nossa união.

Se nos mantivermos unidos, melhor será o convívio entre todos. Podemos contar aqui com dois preciosos jardineiros, o Tobias e a Miquelina, que com o seu labor generoso 25


nos proporcionam um convívio sadio, de igual para igual, não fazem distinção entre cada um, entre mim, o Cravo rubro da Revolução ou a Rosa Vermelha, símbolo do amor e da paixão, ou mesmo a misteriosa Violeta, a flor dos apaixonados. - Sabe, compadre Dente-de-Leão, devia ser mais humilde e não andar por aí a pavonear-se e a semear a discórdia.

- Não julgue, Dente-de-Leão, Ninguém é mais que ninguém! Pense com o coração, Ninguém o julgue também!

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Amigo Cravo Carmim, A verdade verdadeira É que a Rosa no jardim É a mais bela, a primeira. Não faça mais julgamento, Pois não é nenhum juiz? Diz o povo num momento: Cada qual colhe o que diz!

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- Até que concordo, amigo Cravo Carmim, não se sinta melindrado com os meus desabafos. Na verdade, tudo o que digo e falo, tem sempre algo escondido de verdade, com o tempo, vai-se aperceber disso. - Pois sim, Dente-de-Leão, mas tome consciência de uma coisa. Na verdade, se não fossem os nossos amigos jardineiros, este jardim nem existia. O seu trabalho incansável em nos proteger das ervas daninhas, para que não nos suguem a seiva que nos dá a vida, o seu cuidado em regarnos, refrescar-nos, tudo são ações que devemos apreciar com um espírito de gratidão.

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- Pois olhe, meu amigo, para mim têm pouca valia. Sei cuidar de mim sem eles. Eles, sim, precisam de mim, cortam as minhas folhas e raízes para fazer chá, para cuidar das suas maleitas. Dotou-me a natureza de poderes curativos. É isso que me diferencia entre todas as plantas do jardim. - Pois se acha que não precisa de ninguém, proveito seu, Dente-de-Leão. E fico-me por aqui nesta conversa sem sentido que nada acrescenta à minha forma de viver. Fique bem, meu amigo, vou-me à vida. Gosto deste lugar tranquilo, aonde encontro a serenidade necessária para conseguir atingir, a plenitude da vida, a minha felicidade. E logo se retirou sem mais delongas, pondo fim a este diálogo sem sentido, desabafando:

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- É mais um cravo pateta Que pensa em revolução A vida dele não presta, Quer ter o mundo na mão. Que preste bem atenção: Pensa ser rei e senhor? Não passa duma ilusão Que alimenta a sua dor.

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Se teve, agora não tem, Gosta de se pavonear E se um dia foi alguém, Pois que viva a recordar! No 25 de Abril, Quando o Povo veio à rua, Alguém com sentir febril O cano da arma fez sua.

Pobre Dente-de-Leão! Quando fixava algo em sua mente, sentia a necessidade de desabafar, de extrapolar os seus 31


sentimentos. E com essa atitude, perturbava a paz e a serenidade de todo o jardim. Como podia uma planta ter um feitio tão rebelde? Na verdade, ninguém entendia como fora nascer precisamente ali, no meio do jardim, entre tanta flor linda. Meditabundo, pensava ainda na conversa que tinha tido com o Cravo Carmim.

- Olha-me este, pensa ser o mais importante de todos. Coitado, nem se dá conta que o tempo dele já passou – desabafava com uma ponta de inveja a percorrer-lhe a mente. Lá no fundo do peito, desejava ter sido ele a viver 32


as emoções daquele dia, um feito que orgulharia qualquer um. Mas não era o momento de elogiar o amigo por todo o seu tempo de glória, nem sequer qualquer dos companheiros que consigo partilhavam o belo Jardim da Herdade Santa Helena. Magoado consigo mesmo, recordava aquela lenga-lenga com o Cravo Carmim. - Cravo da Revolução! Ora, ora. Que grande importância! Um pobre diabo é o que ele é!

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- Quem pensou ele que era Para lições de moral? E ali, por entre a hera, Cismava: - Que fiz de mal? Ali, de trás para a frente, Depois, de frente para trás, Não lhe saía da mente Essa conversa fugaz.

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Olhava de soslaio, sempre à espera do momento para espetar a farpa em quem tivesse a desdita de lhe passar na frente. E pensava: - Nenhum é tão belo e proveitoso como eu! Como ele gostava de sentir as mãos tenras de Daniel e Martim, aproximarem-se e cortarem uma das suas hastes para logo dizerem: - O teu pai é careca? – E ver os seus esporos voarem ao vento para se reproduzirem mais além, no seu novo ciclo de vida. E mergulhado nestes pensamentos, vê num momento a pequena Dália emperiquitada passar ali mesmo à frente: - Onde vais, amiguinha, tão garbosa e elegante? – diz delicadamente. - Oh, oh! Grata pelo elogio, Dente-de-Leão, sempre galanteador! – responde com um sorriso, atrás daquele tom rosa do rosto, desbotado pelo sol de longas caminhadas pela herdade. - Sabes uma coisa, amiguinha? - Sou toda ouvidos, Dente-de-Leão, embora a minha mãe me diga para não lhe dar conversa. Ela pensa que só te metes em alhadas. Ao contrário, eu até te acho uma certa graça! Diz lá o que ias dizer, gosto dessa frontalidade . - Não ligues ao que a mãe diz. Olha, há momentos tive uma conversa com o Cravo Carmim, o tal que se julga o herói da Revolução! - Pois, esse é um Senhor, um cavalheiro, não gosta de falar nem ouvir falar nada de mal de ninguém, de nenhuma planta ou flor. - Senhor, Menina Dália? Eu cá por mim acho que ele pensa ser o reizinho deste jardim. 35


- Vá, não sejas assim, ou terei que dar razão à minha mãe.

O Cravo Carmim tem carisma, sim! Acabou por ser ele o símbolo do 25 de Abril, não acompanhaste isso? - Claro que sim, Menina Dália, mas não é razão para se andar por aí a pavonear constantemente. Além disso, a Revolução está a ficar esquecida. Agora, é o tempo de outra revolução, a das plantas medicinais. Um destes dias, Menina Dália, serei eu o novo herói. Como o Cravo Carmim, terei também o meu dia. Aí, ele vai-se aperceber com quantos paus se constrói uma canoa». 36


- Paus, canoa? Não estou a entender. O que tem a canoa a ver com o jardim? Já não entendo nada do que fala, senhor Dente-de-Leão. O que tem a canoa a ver com o nosso Jardim? Vai haver um novo dilúvio? - Patetinha. – sorriu – É apenas uma metáfora, um ditado popular. Claro que não vai haver nenhuma inundação! Pelo menos que se saiba! – sorriu de novo. - Ufa, até fiquei assustada. - Um dia hei de destronar esse mito do Cravo Carmim ser o Rei da Revolução. E acabar com a sua vanglória. Julgase o senhor deste espaço, Menina Dália! - Senhor do espaço? Como assim? Foi ele quem lhe disse?

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- Dizer não disse, nem precisa, mas as suas atitudes falam por si. - Olha, meu amigo, deixa-me dizer-te uma coisa. Tenho o Cravo Carmim como um bom amigo, nunca fala mal de ninguém. É delicado e atencioso. Penso que não devias falar dele assim. Além disso, não está aqui para se defender! Depois, isso não passam de intrigas! Ainda não entendi o que pretendes, queres espalhar a discórdia no jardim? Se assim é, sabes que mais? Vou-me embora daqui. Esta conversa não me interessa. Coitado do Cravo Carmim que tanto faz em prol da boa harmonia no jardim! - Não seja por isso, Menina Dália, mas um dia vais dar-me razão, talvez já tarde de mais!

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- Mais uma pobre pateta Que não quer acreditar Que aquele Cravo não presta, Só as deseja enganar? - Dente-de-Leão amigo, Não me ofendas, por favor, Ou não falo mais contigo. Isto é assustador! 39


- Não vez que tenho razão? Ou estarei enganado? Sou o Dente-de-Leão Por toda a parte espalhado! - Irei caminhar de novo Para não ser maltratado Antes só - diz nosso povo Do que mal acompanhado! Num jardim acolhedor Aonde há paz e união, Estimemos cada flor Em busca da perfeição. Neste jardim tão perfeito Reina a paz e harmonia Será sempre deste jeito No alvor de cada dia.

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- Bem, daqui me vou na minha caminhada. O sol não tarda e já as minhas verdes folhas se ressentem do calor. - Se ao menos chovesse um pouco. Há uma nuvem lá no alto. Quem sabe, possa refrescar-nos. Olha, amigo, não fosse o Tobias e a Miquelina a refrescar este espaço e já onde estarias. Pensa nisso! E não te esqueças, está próxima a noite das Flores. Temos que nos aprimorar para ver quem ganha este ano o Concurso da Flor mais Bela da Terra. Até mais ver, Dente-de-Leão. E não 41


se esqueça do conselho: não ande por aí a espalhar boatos ou a meter-se em intrigas, cuida de ti, amigo. E lá se foi a Menina Dália, ladeira abaixo, no seu passeio quotidiano, enquanto o amigo ficou para ali a matutar em toda aquela conversa.

- Que diacho, ela disse-me coisas que até parece serem sensatas. Mas não passa ainda de uma criança. Apenas desabafos de menina mimada. 42


E por ali se ficou até que passado algum tempo passou por ali o Malmequer Bem-Falante. - Por aqui, Malmequer Bem-Falante! Aonde vais tão apressado? - Bom dia, Dente-de-Leão. Procuro a Tulipa e a Gipsófila, não as viste por aí? - Não, não as vi por aqui. Devem andar por aí a vaguear.

- É tarde, vai te deitar, O sol não tarda a nascer A Tulipa a descansar, Vai isso mesmo fazer.

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Eu já me vou retirar Pra meu canteiro e dormir O dia vai clarear E logo a manhã surgir. Vai, regressa ao teu lugar E não faças mais alarde, Vai, pois deves regressar Depressa, que se faz tarde.

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- Já é um pouco tarde, Malmequer Bem-Falante. Já devem ter ido descansar. O Galo Pinote, está quase a cantar pela alvorada. Hoje é um dia de muito trabalho. Chegam as crianças e sabes como elas são, gostam de correr pelo jardim. Lá para as dez da manhã já devem andar por aqui a correr. Gosto de os ver a correr para mim, para me cortarem e veem meus esporos a voar para fertilizar os terrenos circundantes. - As pessoas por aí andam a dizer que eles chegariam, muito cedo. - Sim, virão cedo, é isso que corre, ouvi a conversa da Miquelina com o Tobias. Como entraram de férias, a D. Lucrécia, a ama, virá com eles ao jardim para apanharem um pouco de ar puro e de sol, para darem um melhor aspeto às suas pálidas peles. E se eles precisam! Isto de ficarem um ano inteiro confinados a um colégio interno, não é muito bom para a sua saúde.

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- Eu cá disso percebo pouco – ripostou o Malmequer BemFalante – mas uma coisa eu sei, eles gostam de me cortar e embora eu não ache graça nenhuma, quem sou eu para contrariar as crianças? Pensando bem, que graça tem cortarem-me pelo pé e em seguida esfolharem as minhas pétalas, uma a uma e dizerem: Bem-me-quer, mal-me-quer, numa ladainha que só termina quando chegam à última pétala. - Pois! – retorquiu o Dente-de-Leão - Eu até acho piada que me cortem e repitam: O teu pai é careca, ou peludo? Depois, quando me sopram, lá vou eu por aí fora desfeito em pequenas partículas, voando na minha liberdade, à descoberta de novos dentes-de-leão, como eu. Se calhar, 46


contigo será o mesmo, ao arrancarem as tuas pétalas, espalham as sementes que caem na terra e germinam. Um ciclo que termina… e a vida recomeça. …

- Córócócó – já cantava O Galo no seu poleiro, Era o toque da alvorada No seu despertar primeiro. 47


As flores nos canteiros Água fresquinha aguardavam E os zelosos jardineiros Todas as plantas regavam. Começava mais um dia Na Herdade Santa Helena, Quanta paz, quanta alegria Nessa manhã tão serena.

Ao toque do cantar de Malaquias, cada planta se perfilava no seu canteiro, revigorada pelo frescor matutino. 48


À hora esperada, Martim e Daniel chegaram a casa logo partiram numa correria ao longo da propriedade. Chegaram ao jardim e logo avistaram o Dente-de-Leão que, orgulhosamente aprumado, lhes sorria, como que a dizer: Olhem bem para mim, lindo, à vossa espera. As crianças, com as delicadas mãos, cortaram dois deles, lançaram ao ar as palavras mágicas – o teu pai era careca? – e sopraram tão intensamente que cada esporo se lançou no espaço e voou, arrastado pelo vento, pousando num espaço mais além. Seguidamente, correram para as flores de Malmequer que, parecendo desagradado, lhes perguntava:

- Porque me cortam, meninos, ainda nem sequer é a vossa hora de casar! Que desalento terminar assim! 49


Ao aperceberem-se, Martim e Daniel ficaram com as mãos suspensas no ar, olharam um para o outro e disseram: - Ouviste, mano? O malmequer falou! - Estás com vertigens, pá, os malmequeres não falam, deve ser provocado pelo vento. Repetiram o gesto e o protesto de novo ecoou: - Que mal vos fiz eu para fazerem essa maldade comigo? - Miquelina, Tobias, o malmequer falou!

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- Pois, não sabiam? As flores falam, como que por magia – responderam a avó Rita e o avô Miguel, aproximandose e enlaçando-os num apertado abraço. - Magia? Como assim, avozinhos? Neste jardim reina a paz, a união e a força. Todas estas flores aqui são cuidadas e mimadas. Depois, meus queridos, cortar flores como os malmequeres é uma coisa que os faz sofrer. Reparem como são lindos, mimosos. Se os cortarmos, morrem e deixam de nos oferecer o seu perfume, ficam sem vida e o jardim fica mais triste.

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- Mas, avozinha, há pouco cortamos aquela flor amarela que liberta uma espécie de seiva branca, cobertas de algodão que, ao soprar, se desprendem e voam como trapos de neve e são levadas pela brisa do vento. - Pois sim, queridos, essas gostam de serem cortadas, esse gesto ajuda-as no seu ciclo de vida, na sua propagação. Vamos agora continuar o nosso passeio.

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- Como tínhamos saudades! - Sim, mas agora já estamos aqui juntos, havemos de nos divertir muito aqui pela Herdade Santa Helena e ter as nossas lições práticas de botânica, como sempre. Constrangido por todo este bem-estar e pela harmonia que se sentia pelo ar, o Dente-de-Leão foi aprendendo com o tempo a não espalhar a discórdia naquele belo lugar aprazível, aonde todos gostam agora de confraternizar e viver em paz e união.

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