Gracita e as letrinhas que gostavam de voar
ContoFicha Técnica
Título
Gracita
gostavam de voar
Editado
Rosa Maria Santos
Arranjo de José Sepúlveda
Rosa Maria Santos
de textos e Formatação José Sepúlveda Publicado por Rosa Jasmim Edições
Rosa Maria Santos
Naturalidade – S. Martinho de Dume, Braga. Muito pequena, foi viver para a freguesia de Maximinos. A base do seu equilíbrio emocional está no seio familiar. É na família que encontra a alegria de viver. Viveu na Costa Litoral Alentejana, em Sines, trinta e um anos, tendo regressado em 2017, à cidade que a viu nascer, Braga.
Participou em diversas coletâneas de Poesia, portuguesas, italianas e brasileiras. É Colunista no site Divulga Escritor, possuindo também uma rubrica na Revista com o mesmo nome. Foi assistente de produção e recolha na coletânea de postais do grupo Solar de Poetas, Poeta Sou…Viva a Poesia; participou nas coletâneas de poemas e postais de Natal do mesmo grupo: Era uma vez… um Menino; Nasceu, É Natal; Não Havia Lugar para Ele; Vale do Varosa: Uma Tela, um Poema, do Solar de Poetas, para promoção do Evento: Tarouca Vale a Pena; Belém Efrata; Então, Será Natal; Vi Uma Estrela, todas editadas em e-Book; O Presépio de Marco – inspirado nas imagens do presépio de Natal 2019, elaborado por Marco Penna e seus familiares; Quando o Menino Chegar Coletânea de Poesia de Natal de 2020.
É Administradora dos grupos: Solar de Poetas, onde coordena também a equipa de Comentadores; Solarte – a Arte no Solar; SoLar-Si-Dó - A Música no Solar; Canal de Divulgação do Solar, Casa do Poeta; SolarTV Online; Poetas Poveiros e Amigos da Póvoa; Hora do Conto e O Melhor do Mundo, todos do grupo Solar de Poetas.
A escrita é uma das suas paixões… Não se considera escritora nem poetisa, mas uma alma poética a vaguear pelo mundo... Se um dia deixar de sonhar, diz, deixa de existir.
Livros editados: Rosa Jasmim (poesia), Capa do Mestre Adelino Ângelo – Julho 2018; Vidas Suspensas (romance) – Janeiro 2022.
E-Books - Poesia
Cantam os Anjos (poesia de Natal) – Capa de Adias Machado – Natal 2017; - Ucanha terra de encanto Poesia) Capa: Glória Costa Maio 2018; Sinos de Natal, Natal de 2018; Glosa, Arte e Poesia, Pinturas de Glória Costa, poesia da autora, Agosto 2019; Entre Barros, Arte e Poesia Bordadas à Mão pinturas de Bárbara Santos, poesia da autora, Outubro 2019; Maviosa poesia, a arte de rialantero" Pintura de Silvana Violante; poesia da autora; Em Palhas Deitado – Poesia de Natal, Dezembro 2020.
E-Books - Contos
Pétalas de Azul (contos) – Fevereiro 2019; Estórias em Tons de Rosa (contos) Abril 2019; Pena Rosada, Crónicas do Quotidiano, Julho 2019; 12 Contos de Natal, capa de Madalena Macedo imagens com arranjos da autora, Natal 2019; - O Veado Solitário, na Aldeia do Chefe Lyn Edição bilingue (português/italiano), Janeiro 2020; Esperança no País do Arco Íris Edição bilingue (português/italiano), Abril 2020; O Menino da Lagoa Edição bilingue (português/inglês), Abril 2020; A Menina Raposa, capa de Ana Cristina Dias; - Rufo, o Cãozinho desaparecido – Edição bilingue (português/espanhol), Abril 2020; Ana Rita e o fascínio dos ovos Maio 2020; Milú, o Chapeuzinho que gostava de cirandar, Maio 2020; Contos ao Luar, Maio de 2020; Patusca, no Reino Misterioso - Edição bilingue (português/italiano), Maio 2020; O bolo na casa da Avó Doroteia, Junho 2020; Sonega, o Coelho Mandrião, Julho 2020; Rosalina e a Sombra Rebelde, Julho 2020; O Jardim em Festa, Julho 2020; Ritinha, salva a Sereia Serena, Julho 2020; Ana Clara, em tempos de pandemia, Novembro 2020; - Josefina, a menina que veio do mar, Novembro 2020; Luizinho, protetor do ambiente, Novembro 2020; A Girafa Alongadinha e a Pulga Salomé, Novembro 2020; O Dia de Natal, Dezembro de 2020; O Natal de Afonso; Dezembro de 2020; Um Milagre na Ilha Paraíso, Dezembro de 2020; Ventos de Mudança, Dezembro de 2020; Gisela e a Prenda de Reis, Janeiro de 2021; Dany, o Menino que queria sorrir Janeiro 2021; Marquito, o menino irrequieto Janeiro 2021; Joaninha, a menina que vendia balões
Janeiro 2021; Vicentina, uma avó aventureira – Fevereiro 2021; Juliana e os sapatinhos encarnados – Fevereiro 2021; Tomás, o Pinguim Desastrado Fevereiro 2021; Silas e o Triunfo do Amor Fevereiro 2021, Bogalha, a macaquinha irreverente Março 2021; Janota, a guardiã do ervilhal – Março 2021, Zâmbia, a macaquinha que queria casar – Março 2021; Tuly e o cavalinho de baloiço Março de 2021, Maria, a menina que não conseguia dormir Abril 2021; A Lenda da Menina Lua Abril 2021; Estrela Silente, a Princesa cativa Abril 2021, Marly, a pequenina duende – Abril 2021; Mariana no País do trevo Dourado
Maio 2021; Esperança e o sorriso do Palhaço Maio 2021; Uma Aventura na Floresta Encantada Maio 2021; Esmeralda, umas férias diferentes Junho 2021; Raitira no Planeta Ricoicoi Junho 2021; A lição do Dente-de-Leão
Julho 2021; Lino, o menino que sonhava ser astronauta
Julho 2021; Bia, Mitra e o Tufão Esperança Agosto 2021; Sericaya, a Ponte Misteriosa Agosto 2021; Timo, um ratinho irreverente Agosto 2021; Pipinha, um resgate atribulado Agosto 2021; Aline e o Pequeno Ratinho – Setembro 2021; Tia Felisberta regressa à Aldeia – Setembro 2021; Milaidy, a vaquinha bailarina Outubro 2021: Carolina, a pequenina sereia Outubro 2021: O Pássaro de Fogo Outubro 2021; Rosy e a bonequinha de papelão Novembro 2021; Um Milagre de Natal – Dezembro 2021; Selina e o sonho da liberdade
Março 2022; O ABC da Vida –Março 2022; Salicas no Paraíso do Garrafão Agosto 2022; Florbela, a Zebrinha Endiabrada Setembro 2022; Gracita e as letrinhas que gostavam de voar Outubro 2022.
Histórias da Bolachinha
Bolachinha em Tarouca (prosa e poesia) Capa: Glória Costa Maio 2018; Bolachinha vai à Hora de Poesia Edição bilingue (português/ francês), Outubro 2018; Bolachinha vai à Casa Museu Mestre Adelino Ângelo Novembro 2018; - O Natal de Bolachinha, Natal 2018
Bolachinha e a Hora de Poesia, a visita de Teresa Subtil Edição bilingue (português/Mirandês), Fevereiro 2020; Bolachinha e a Hora de Poesia, a visita de José Sepúlveda - Edição bilingue (português/francês), Julho 2020.
Aventuras de Maria Laura
Maria Laura, a Menina da Página dezasseis, Agosto 2020; Aventura no Castelo sem nome, Agosto 2020.
Diferentes mas iguais
Tomás e o infortúnio de não ter mãos Junho 2021; Lolita, a menina que não tinha pés Junho 2021; Duda, o Menino que queria mudar o Mundo Julho 2021.
Aventuras de Samir e os amigos
Samir, o Ratinho Um rasgo de coragem Setembro 2021.
Distinções
2º Prémio de Poeti Internazionali. Poema Rosa de Saron, no Concorso Artemozioni, Cantico dei Cantici In Valle d’Itria, Itália; Maio 2017.
3º Prémio de Poeti Internazional Itália. Com o poema “Violino”; 5° Biennale del Festival Internazionale Delle Emozioni, Itália Maio 2019.
10° Edizione Del Concorso Di Poesia e Narrativa: Prémio d’Onore Concurso de Premio Letterario Internazionale di Poesia “Gocce di Memoria“, Itália, Junho 2019 con la poesia Sfera di cristallo (Bola de Cristal).
Concorso “Il Meleto di Guido Gozzano” Sezione Autori di lingua straniera ATTESTATO DI MERITO, 14 settembre 2019 com la poesia Assenza (Ausência). Itália, agosto de 2019.
Jogos Florais Vale do Varosa 2019 Concurso Literário Tarouca “O rio, o vale e as gentes”: Menção Honrosa, categoria de Poema.
- Concorso di Poesia Internazionale " Gocce di Memoria" VI edizione 2020.
Menzione d'onore con la poesie “Il mio quadro” (Meu quadro). Itália julho 2020.
SegundaClassificadanoPrémioPoetiInternazionali-11ª.EdizionedelConcorsoInternazionalediPoesiavideopoesiaeraccontidaltitolo:PoesiaEsteri“Ouve”(Ascolta)dezembro2020.
-MenzionediMeritodepoetiInternazionali11ª.EdizionedelConcorsoInternazionalediPoesia-videopoesiae raccontidaltitolo:Racconti“Esmeralda”dezembro2020.
Gracita e as letrinhas que gostavam de voar
Fazia algum tempo que não era requisitado e o livro sentia vontade de viajar de novo para algum lar onde alguma criança pudesse folheá-lo com os seus dedos frágeis de ponta a ponta. Nesse dia, era tarde alta, estava com a sensação feliz de que alguém viria e o levaria consigo, quem sabe, uma criança especial como ele mesmo, ávida de conhecer tudo o que tinha para lhe contar. Sim, era isso que ele queria, ser retirado dali e ver-se embarcar numa daquelas velhas aventuras. Parecia sentir já cada letra a fervilhar tonta à volta do sugestivo titulo, como se à descoberta de alguma aventura.
Tenham calminha, amiguinhas,
De hoje não passará, Cada uma das letrinhas A aventura viverá.
Ela está quase a chegar E a aventura irá nascer Alguém nos há de levar Para connosco a viver.
Paciência, por favor, Falta apenas um pouquinho E não importa quem for, Se é menina, ou menino.
Mas ouçam com atenção
O que vos quero dizer Que seja sempre a razão A força a prevalecer.
Uma criança a entrar, Parece uma mulherzinha, Veio aqui p’ra nos buscar, Façamos uma apostinha?
E elas, aprumadinhas, Cada uma na sua linha, Ficaram sossegadinhas À espera da menina.
Era a Gracita, uma menina de dez anos quem acabava de entrar na Biblioteca. Andava em busca de um livro que lhe despertasse a atenção. Gostava de ler e por isso até era capaz de aproveitar a ocasião para levar dois ou três livros que de uma forma ou de outra a pudessem ajudar a desenvolver o trabalho que a professora Maria da Piedade Sampaio a tinha encarregado de fazer, para que fosse apresentado no decorrer da próxima aula, na disciplina de português. Além disso, procuraria também que os livros a requisitar lhe proporcionassem uns bons momentos de leitura.
Quando cruzou a porta da Biblioteca, dirigiu se à funcio nária para se aconselhar e se aperceber melhor da secção onde poderia encontrar o tipo de livros que tinha em mente, não só para lhe proporcionarem esses bons momentos, mas sobretudo que tivessem a informação necessária para o desenvolvimento do trabalho de que foi encarregada e lhe fossem úteis até para o desenvolvimento de outros trabalhos que porventura viessem a surgir no decorrer do ano letivo…
Bom dia, Dona Geninha. Bom dia, Gracita, como tens passado? Como estão os teus pais? Estão bem, muito obrigado. Mandam-lhe saudações. Um dia destes far vos ei uma visita, há algum tempo que não tenho o prazer de conversar com a tua mãe. Geninha era uma senhora afável e conversadora, sexagenária e solteira. Trabalhava na Biblioteca há muitos anos e nutria uma amizade de longa data com os pais de Gracita. Poder se ia dizer até que era amiga da família, sobretudo da avó da menina, desde os tempos da juventude, quase que uma irmã de sua avó Ginaflor, que partira, para tristeza de todos, muito cedo. Gracita não chegou a conhece-la.
Como amiga da avozinha, É bem-vinda ao nosso lar E o seu pai disse à mãezinha Que a trouxesse p’ra jantar.
Logo a mãe lhe prometeu Que a iria convidar.
E assim aconteceu, Devia estar a chegar.
Sua avó sempre dizia Que ela era sempre bem vinda, É sempre grande a alegria Para esta família linda.
Era mais que uma irmã. E sentia a falta dela Mulheres dessas já não há, Brilhava como uma estrela.
Depois destas cogitações Gracita, voltou ao real e respondeu à amiga: Lá por casa está tudo bem. Há dias ouvi a minha mãe dizer ao meu pai que um dia destes
passaria por aqui para a convidar a jantar connosco. Se bem se lembra, a minha avó, se estivesse ainda entre nós, completaria sessenta anos e certamente que Dona Geninha estaria lá presente. Os meus pais gostariam muito que lá fosse neste dia de tão alto significado para nós.
Eu sei que sim, minha querida, se não fossem vocês, sentir me ia mais sozinha. São um pouquinho da minha família. Mas deixemos isso para depois, vamos agora ao que te trouxe aqui. De que livro andas à procura?
Precisava de um ou mais livros onde pudesse aprender a origem do alfabeto.
Está cheia esta manhã, Segue me, vou te levar À estante onde está Esse livro de encantar. Alguns adolescentes Andavam a pesquisar E os adultos presentes Tentavam não perturbar.
E chegaram à estante, Tantos livros p’ra levar, Um, com a capa brilhante, Cativou o seu olhar.
Parecia algo interessante, Tinha um nome singular, Pegou nele e num instante, Começou a folhear.
Quantas letras, tão certinhas Nas folhas amareladas, Ora grandes, pequeninas, Ora pretas e encarnadas.
Nessa dança angelical, Cada qual aprumadinha… Este é muito especial Pensava a nossa menina.
É mesmo este que eu quero!
Tinha um brilho em seu olhar. É neste livro que espero As matérias encontrar.
Vou levá lo comigo. Este livro parece conter nele algo demuito especial. Não foiapenas a capa que mechamou a atenção, mas o título que causa uma expetativa inusitada dizia Gracita a Geninha a sua interlocutora, a funcionária da Biblioteca. - Espero com ele aprender e encontrar o que necessito para fazer o trabalho de que estou incumbida.
E com o seu livro agarrado ao peito Gracita, despede se de Geninha e sai apressada em direção a casa. Tão absorta que ia nos seus pensamentos que nem se apercebeu que Lince, o cãozito, se cruzou com ela acabando por se esbarrar com a menina, que se desequilibrou, fazendo com que o livro, com o impacto, voasse pelas alturas, com as suas folhas esfolheadas pelo vento, acabando por cair no chão aberto. As letras daquela página, como se ganhassem vida, aproveitaram o ensejo e saltaram das páginas, deixando as tristes e vazias.
Gracita, apanhada de surpresa, ainda sem se aperceber bem o que tinha acontecido, caiu em si com os latidos do cachorro ali a poucos passos, ainda meio tonto e tentando levantar-se. De um salto Gracita, levantou se e sacudiu o vestido, apercebendo se dum ardor nos joelhos frágeis que, embora não sangrassem, ficaram doridos. Seguiu em direção a Lince e afagou o. Como que pedindo desculpa pela sua distração, enquanto lhe perguntava como se sentia, ao que o cachorrinho de imediato respondeu:
Au au au au, au au au enquanto se erguia e batia com o rabito, lambendo as mãos de Gracita. Lince, meu pequeno Lince, estás magoado? Valente tombo, meu pequenote! Diz-me, o que fazes por estes lados?
Au au au, au au au , au au au au Vejo que estás contente. Valha nos isso, pelo menos não te magoaste, pois não?
Lince olhava Gracita, com um olhar meigo e latia e Gracita esforçava se por entender o que queria dizer, se era dor ou felicidade. Era um cachorro abandonado que vagueava por ali, perto do recreio da Escola Jacinto Paiva.
- Penso que estás a latir de felicidade. Acabaste de arranjar um lar onde poderás ficar. Só espero que os meus pais te aceitem lá em casa, afinal, mais um cão não vai fazer mal algum. Eu sei que vais gostar de conhecer o Nero, o velho Nero, coitado, mal se mexe. Está tão velhinho! Mas lá em casa todos gostamos muito dele.
Os livros têm magia, Há lições para aprender E o que mais eu queria Era que o pudesse ler
Um trabalho vou fazer Depois de o ler muito bem, Onde está, vou lá saber, Levanta-te e vem também
Lince então se levantou Ainda trôpego, afinal, E Gracita acrescentou: - Tudo passou, menos mal.
Mas quando pró livro olhou, Algo estranho aconteceu, Uma letrinha voou E logo foi se esconder
Essa não! O que está a acontecer? Letras que voam? questionava se Gracita, enquanto segurava o livro com genica, tentando fecha lo, para que não acontecesse que as outras letras quisessem voar também. Olhou atenta às páginas do livro e viu com espanto as letras a saltarem das páginas. Depressa, tentou fechar o livro, mas agora cada letra imprimia mais resistência… e saltavam… e voavam pelas alturas em direção ao céu, escondendo se atrás das nuvens que passavam e se espalhavam com o vento, ocultando o sol, que bocejava e se deixava embalar como se fora uma criança pequena a
tentar adormecer. Lentamente, asnuvens tomavam o céu como um domínio seu. Gracita com o livro entre mãos, assistia àquele ritual das letras a saltar e a voar ao sabor do vento. Com esforço Gracita, segurou a palavra SAUDADE entre os seus dedos.
Saudade, por mim espera, Porque foges apressada?
Este livro é uma quimera, Sem letras, não vale nada!
As letras estão fugindo Nessa louca correria Com o vento sacudindo Com precisão e mestria.
As nuvens no negro céu Veio lhes dar cobertura E ocultadas no breu, Lá se foi nossa cultura.
Ai, se eu perguntasse ao vento Porque faz isso comigo!
Será fútil passatempo Ou apenas um castigo?
Lá vai mais outra a saltar, É a palavra LIBERDADE!
Prouvera eu a agarrar E voar prá eternidade.
Lince, toma minha mão, Não me largues, por favor, Ou perco a ocasião De voar como um condor.
E ao gritar a palavra Liberdade, logo no céu surgiu um condor a voar na sua direção e se prontificou a levá los consigo para onde desejassem ir. Chamaram por mim, e eis me pronto a ajudar vos, e a levar-vos na vossa aventura louca.
Não te chamamos! Apenas gritamos Liberdade! Como sabes que precisamos de ti? perguntou Gracita. Eu sei que sim. Ao ouvir o vosso grito, logo correspondi. O meu nome é Liberdade. Não percamos mais tempo! Subam, juntos vamos procurar cada letra desse livro.
Olhou a capa, agora despojada do título e cada página, carcomida, amarelada, agora sem conteúdo algum. Dava toda a ideia de que teria sido um interessante livro, cheio de magia, mas sem letras… estava vazio e triste, nada valia.
Bem, não percamos mais tempo, vamos iniciar a nossa viagem disse Liberdade, o Condor. Subam, agarrem se bem, e vamos restaurar a vida que existia dentro desse livro mágico. Logo que iniciaram a aventura Gracita e o Lince sentiram algum receio e desconforto. Mas Liberdade, o Condor,
tentava animá los e foi cruzando os ares até ao confim dos céus tentando encontrar cada letra que abandonara o seu lugar, as páginas do livro. Estas pareciam ter desaparecido sem deixar rasto. O empenho de Liberdade era imenso. Também ela adorava ler livros aos seus filhotes, contar lhes cada história, enquanto estes, no conforto dos seus ninhos, ouviam atentos a progenitora.
O livro, segura o bem Havemos de encontrar Essas letras e também Estes altos céus cruzar.
Partamos nesta aventura Com cuidado redobrado Pra ser profícua a procura Lá no céu, por todo o lado.
Tudo isto começou Num dia frio e cinzento Quando o cachorro chegou E tramado foi p’lo vento.
Lá no alto era grande a turbulência entre nuvens, um véu escuro surgia à sua frente, um relâmpago aqui, outro ali e todo o céu se iluminou. Foi então que os três amigos aproveitaram o ensejo e se aproximaram duma densa nuvem que ia a passar, carregada de água que se preparava para lançar sobre a terra.
Nuvem, por favor, não viu por aí umas letrinhas soltas a voar?
Não, não vi letras nenhumas, estou atarefada, não tenho tempo para sopas de letras. Que gente esta – desabafou para consigo – o que os fará pensar que agora andam letras por aí a voar?
Não é disparate algum respondeu Gracita com ar severo O caso é sério.
- Pensando bem, acho que vi algo parecido por aí. Iam deambulando ao vento e foram-se esconder numa nuvem branca que passava.
Acho que o seu nome é Gloteia, a nuvem bebé que adora brincar com tudo o que mexe.
onde podemos encontrar a Nuvem Gloteia?
- Sigam nesta direção, não deve andar longe.
Chegaram ao seu destino E a outra nuvem perguntaram Se era esse o caminho Por onde as letras passaram.
Cá por mim, não as vi, não, Não tenho tempo a perder. Gracita disse então: - Eu vi-as desaparecer.
Viram a nuvem branquinha E logo foram com nela Livro sem qualquer letrinha Não é coisa muito bela.
Vão lá ter com a Gloteia, É ainda pequenina Mas sempre com a alma cheia De mostrar ser tão traquina.
Procurem na por aí Que longe não deve estar Anda a vaguear aqui Com certeza a vigiar.
E a densa nuvem lá foi na sua missão para despejar as grossas gotas de água além da pradaria. Afinal, as campinas precisavam ser refrescadas, os caudais dos rios aumentados e assim, dar um fim a essa seca agreste onde cada planta, cada ser humano, clamava a sua chegada. Logo, um forte trovão ribombou nas alturas e foi então que a densa nuvem descarregou toda a sua carga. À distância Gracita, olhou a nuvem e agradeceu. Foi então que se lembrou de que teriam que se apressar não fossem as letras do seu livro mágico serem molhadas e desaparecer
para sempre. Gracita, Lince e o Condor Liberdade partiram então no encalço da pequena Nuvem Gloteia. Percorreram o espaço mas não havia meio de a encontrar. - Onde estará a Nuvem Gloteia? – pensa Gracita. E decide chamar por ela Nuvem Gloteia, onde estás? Aparece, minha amiga, precisamos de levar connosco as letras do nosso livro! Mas nada de Nuvem Gloteia, nada de letras. Gracita olhava desolada para o livro de capa brilhante.
Vem, aparece, Gloteia. Suplicava a Gracita - Deve estar na brincadeiraDizia o Lince à menina.
Temos de a encontrar Que há trabalhos p’ra fazer, Necessito pesquisar E não sei como há de ser.
Vamos procurar melhor Tem que estar perto daqui Aparece, por favor! - Vamos espreitar ali.
Parece um buraco escuro. Diz o Condor curioso, O caminho é inseguro E pode ser perigoso.
Gracita vai com cuidado! E ela se aproximou. E Lince, desconfiado, Com algum medo, ladrou.
Nuvenzinha estás aí?
Continuou a chamar. Em sussurro ouviu se ali. Ouviram a suspirar?
Naquele lugar remoto,
letrinhas, felizes, saltavam de um lado
o outro despreocupadas e sem qualquer ordem de sequência. Gracita abriu por ordem cada pá-
Ajudaram na a subir, Viu letras a saltitar E disse, quase a sorrir,
São elas, vamos entrar!
gina do livro e pediu lhes que regressassem, que saltassem ordenadamente para os seus lugares para que os textos pudessem ler-se na sua sequência, porque só elas conheciam a sua posição e a direção certa em que deveriam ficar. Atenta Gracita procurava agora ler cada palavra, ordenando as e chamando a atenção daquelas que faltavam. E gradualmente, as letras foram formando palavas, as palavras, frases, parágrafos até que lentamente o trabalho estava concluído. Agora sim, Gracita poderia retomar o caminho em direção a casa. Era já tarde e a mãe, certamente, começava a ficar preocupada com o seu atraso. Liberdade, o Condor, olhou Gracita, com benevolência, enquanto Lince, o cachorro, abanava o rabito bem feliz. E disse-lhes o Condor:
Subam para o meu dorso que num instante estareis de regresso ao lar. E assim se fez. Gracita, agora com o seu livro ainda mais apertado contra o peito, subiu para o dorso do Condor Liberdade, Lince segui lhe o exemplo e num instante, lá se lançaram das alturas sobre aquele céu que de repente se tornara azul. O vento veio dar o seu apoio, empurrando-os em direção a terra. Num instante, ei-los que chegavam à precisa rua onde se situava a Biblioteca Fran-
cisco de Arriaga, bem perto do lar. Gracita, que não deixava de olhar o livro, viu de repente as letras a irromperem de novo do livro e gritou com um sorriso:
- Como é, meninas? Nem pensem que vão fugir de novo. Se tentarem fazê lo, asseguro vos que vou devolver o livro à Biblioteca e escolher outro onde as letrinhas sejam mais ajuizadas do que vós, concordas, Lince?
Auauauaua, au auauauau, ladrou Lince, como que dando o seu acordo.
Então, num emaranhado, as letras responderam: Não, amiguinha, isso não. Foi apenas uma traquinice nossa. Vamos portar nos bem, prometemos. Só quisemos respirar um pouco.
Somos letrinhas traquinas, Soltas, livres, como o vento, E brincamos com meninas Nesta dança em movimento.
O tempo vai ensinar Que não somos como os de antes, Gostamos de provocar E tornar-nos viajantes.
E se o tempo é de conquista, Há para além da cultura Um livro que nos assista Pelo prazer da aventura
Há quem goste de nos ler E nos leva para seu lar Mas também quem por prazer Nos decida conquistar
Em adulto ou em criança
Aprendemos a lição
Há no livro a segurança P’ra cumprimos a missão
Todos vamos entender
O que um só livro oferece, Muitas coisas a aprender, Bem mais do que nos parece.
Sabes Gracita, os livros são viajantes no tempo, eles arrastam consigo memórias de muita gente. Além do mais, quem os escreve, às vezes são pessoas sofridas, mas sobretudo, traduzem em cada página, em cada frase, aquilo que lhes vai na alma, com rigor, com talento. Nós, simples letrinhas, servimos para construir frases de génio, momentos de alegria e de ensino, mas gostamos também de viajar, de conhecer novos mundos, pessoas e lugares, entranhar-nos nas mentes de cada um e fazer com
que as pessoas sonhem, sonhem sem parar. Só assim damos por cumprida a nossa missão. E assim, cada letra simples regressou ao seu lugar, à página onde foi colocada, para poder descrever a sua história, cumprir o seu pepel nessa cena da vida. Gracita estava agora muito comovida. Beijou o livro e agradeceu a cada uma o privilégio de ter sido contemplada com essa leitura maravilhosa e poder também fazer parte dessa aventura. Com o livro enlaçado num abraço, entra em casa a correr, olha para sua mãe e diz:
Cheguei, mãezinha. Não estranhes este pequeno atraso, perdi me no tempo, quando me vi com o livro, imaginei-me a viajar com cada letra até aos confins de um tempo que nem, imaginava existir.
Sempre essa cabecinha em ebulição, Gracita. Só falta mesmo acrescentares que viajaste com elas através do tempo e do espaço. Como te conheço, filha, passas a vida a sonhar. Bem, na verdade já não é muito cedo. Vai te lavar e vamos ao nosso lanche, já estamos atrasadas. Depois, vamos à nossa história, como sempre, sim?
Como é bom poder saber que adivinhas sempre os meus pensamentos e que posso sempre contar contigo. Obrigado, mãezinha.