Título: " Juliana e os sapatinhos encarnados" conto de Rosa Maria Santos. Editado em Fevereiro 2021

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Juliana e os sapatinhos encarnados

Conto

Rosa Maria Santos 2


Ficha Técnica

Título Juliana e os sapatinhos encarnados Tema Conto Autora Rosa Maria Santos. Capa Arranjo de José Sepúlveda Ilustrações Rosa Maria Santos Revisão de textos e Formatação José Sepúlveda Publicado por Rosa Jasmim Edições

Editado em E-book em Fevereiro 2021 https://issuu.com/rosammrs/docs 3


Rosa Maria Santos Naturalidade – S. Martinho de Dume, Braga. Muito pequena, foi viver para a freguesia de Maximinos. A base do seu equilíbrio emocional está no seio familiar. É na família que encontra a alegria de viver. Viveu na Costa Litoral Alentejana, em Sines, trinta e um anos, tendo regressado em 2017, à cidade que a viu nascer, Braga. Participou em diversas coletâneas de Poesia, portuguesas, italianas e brasileiras. É Colunista no site Divulga Escritor, possuindo também uma rubrica na Revista com o mesmo nome. Foi assistente de produção e recolha na coletânea de postais do grupo Solar de Poetas, Poeta Sou…Viva a Poesia; participou nas coletâneas de poemas e postais de Natal do mesmo grupo: Era uma vez… um Menino; Nasceu, É Natal; Não Havia Lugar para Ele; Vale do Varosa: Uma Tela, um Poema, do Solar de Poetas, para promoção do Evento: Tarouca Vale a Pena; Belém Efrata; Então, Será Natal; Vi Uma Estrela, todas editadas em e-Book; O Presépio de Marco – inspirado nas imagens do presépio de Natal 2019, elaborado por Marco Penna e seus familiares; Quando o Menino Chegar – Coletânea de Poesia de Natal de 2020. 4


É Administradora dos grupos: Solar de Poetas, onde coordena também a equipa de Comentadores; Solarte – a Arte no Solar; SoLar-Si-Dó - A Música no Solar; Canal de Divulgação do Solar, Casa do Poeta; SolarTV Online; Poetas Poveiros e Amigos da Póvoa; Hora do Conto e O Melhor do Mundo, todos do grupo Solar de Poetas. A escrita é uma das suas paixões… Não se considera escritora nem poetisa, mas uma alma poética a vaguear pelo mundo... Se um dia deixar de sonhar, diz, deixa de existir. Livros editados: Rosa Jasmim (poesia), Capa do Mestre Adelino Ângelo – Julho 2018.

E-Books - Poesia Cantam os Anjos (poesia de Natal) – Capa de Adias Machado – Natal 2017; - Ucanha terra de encanto Poesia) - Capa: Glória Costa – Maio 2018; - Sinos de Natal, Natal de 2018; - Glosa, Arte e Poesia, Pinturas de Glória Costa, poesia da autora, Agosto 2019; - Entre Barros, Arte e Poesia Bordadas à Mão – pinturas de Bárbara Santos, poesia da autora, Outubro 2019; - Maviosa poesia, a arte de rialantero" Pintura de Silvana Violante; poesia da autora; Em Palhas Deitado – Poesia de Natal, Dezembro 2020.

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E-Books - Contos Pétalas de Azul (contos) – Fevereiro 2019; - Estórias em Tons de Rosa (contos) Abril 2019; - Pena Rosada, Crónicas do Quotidiano, Julho 2019; - 12 Contos de Natal, capa de Madalena Macedo - imagens com arranjos da autora, Natal 2019; - O Veado Solitário, na Aldeia do Chefe Lyn - Edição bilingue (português/italiano), Janeiro 2020; - Esperança no País do Arco Íris – Edição bilingue (português/italiano), Abril 2020; - O Menino da Lagoa - Edição bilingue (português/inglês), Abril 2020; - A Menina Raposa, capa de Ana Cristina Dias; - Rufo, o Cãozinho desaparecido – Edição bilingue (português/espanhol), Abril 2020; - Ana Rita e o fascínio dos ovos – Maio 2020; - Milú, o Chapeuzinho que gostava de cirandar, Maio 2020; - Contos ao Luar, Maio de 2020; - Patusca, no Reino Misterioso - Edição bilingue (português/italiano), Maio 2020;- O bolo na casa da Avó Doroteia, Junho 2020; - Sonega, o Coelho Mandrião, Julho 2020; - Rosalina e a Sombra Rebelde, Julho 2020; - O Jardim em Festa, Julho 2020; - Ritinha, salva a Sereia Serena, Julho 2020; - Ana Clara, em tempos de pandemia, Novembro 2020; - Josefina, a menina que veio do mar, Novembro 2020; - Luizinho, protetor do ambiente, Novembro 2020; - A Girafa Alongadinha e a Pulga Salomé, Novembro 2020; O Dia de Natal, Dezembro de 2020; O Natal de Afonso; Dezembro de 2020; Um Milagre na Ilha Paraíso, Dezembro de 2020; Ventos de Mudança, Dezembro de 2020; Gisela e a Prenda de Reis, Janeiro de 2021; Dany, o 6


Menino que queria sorrir – Janeiro 2021; Marquito, o menino irrequieto – Janeiro 2021; Joaninha, a menina que vendia balões – Janeiro 2021; Vicentina, uma avó aventureira – Fevereiro 2021; Juliana e os sapatinhos encarnados – Fevereiro 2021

Histórias da Bolachinha Bolachinha em Tarouca (prosa e poesia) - Capa: Glória Costa - Maio 2018; - Bolachinha vai à Hora de Poesia - Edição bilingue (português/ francês), Outubro 2018; - Bolachinha vai à Casa Museu Mestre Adelino Ângelo - Novembro 2018; - O Natal de Bolachinha, Natal 2018 Bolachinha e a Hora de Poesia, a visita de Teresa Subtil - Edição bilingue (português/Mirandês), Fevereiro 2020; - Bolachinha e a Hora de Poesia, a visita de José Sepúlveda - Edição bilingue (português/francês), Julho 2020.

Aventuras de Maria Laura Maria Laura, a Menina da Página dezasseis, Agosto 2020; - Aventura no Castelo sem nome, Agosto 2020.

Distinções 2º Prémio de Poeti Internazionali. Poema Rosa de Saron, no Concorso Artemozioni, Cantico dei Cantici In Valle d’Itria, Itália; Maio 2017. 3º Prémio de Poeti Internazional - Itália. Com o poema “Violino”; 5° Biennale del Festival Internazionale Delle Emozioni, Itália - Maio 2019. 7


10° Edizione Del Concorso Di Poesia e Narrativa: Prémio d’Onore Concurso de Premio Letterario Internazionale di Poesia “Gocce di Memoria“, Itália, Junho 2019 con la poesia Sfera di cristallo (Bola de Cristal). Concorso “Il Meleto di Guido Gozzano” Sezione Autori di lingua straniera - ATTESTATO DI MERITO, 14 settembre 2019 com la poesia Assenza (Ausência). Itália, agosto de 2019. Jogos Florais Vale do Varosa 2019 – Concurso Literário Tarouca - “O rio, o vale e as gentes”: Menção Honrosa, categoria de Poema. Concorso di Poesia Internazionale " Gocce di Memoria" VI edizione 2020. Menzione d'onore con la poesie “Il mio quadro” – (Meu quadro). Itália julho 2020. Segunda Classificada no Prémio Poeti Internazionali 11ª. Edizione del Concorso Internazionale di Poesiavideopoesia e racconti dal titolo: Poesia Esteri “Ouve” (Ascolta) dezembro 2020. Menzione di Merito de poeti Internazionali 11ª. Edizione del Concorso Internazionale di Poesia-videopoesia e racconti dal titolo: Racconti “Esmeralda” dezembro 2020. Ebook: https://issuu.com/rosammrs/docs

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Juliana e os sapatinhos encarnados

Juliana, era uma menina, simpática, muito linda mas, tinha um defeito, tinha tanto de beleza como de egoísmo. Talvez isso fosse ocasionado por ambicionar ter sempre tudo o que as suas colegas de escola mostravam para ela. Afinal, pensava, que culpa tinha ela da mãe não ter recursos para lhe dar as mesmas coisas. Coitada, era operária na indústria do Senhor Júlio, um homem cheio de recursos que era o pai da Maria João, uma das suas amigas da escola. Se a mãe tivesse tido 10


a possibilidade de estudar, quem sabe, poderia ter sido médica, como a Dra. Rita lá do hospital, a mãe da Sofia e do Tomás.

Mas que culpa tenho eu Que mamã não estudasse, Nem sequer lá no liceu E na vida se lançasse? Ela devia lhe dar Os presentes que queria - Tu gostas? Pois vou comprar! Mas nada disso seria. 11


O pai tinha mais vontade, Não olhava a custo ou meio. Uma falsa realidade, Sempre com dívidas cheio. Pedia-lhe e logo tinha O que queria, afinal. - Quero igual ao da Ritinha, Igualzinho, tal e qual! O pai bem se condoía Ao ver da mãe a tristeza, Com tudo o que ela queria, Algo ia mal, com certeza.

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Para Juliana tudo era mais fácil quando o pai estava em casa, bastava Juliana querer, e no dia seguinte o pai lá lhe trazia, colocando-o em cima da cómoda do seu quarto, para que quando ali entrasse, tivesse uma surpresa. Um dia, Tomé (o pai) chegou a casa e deu-lhes a notícia que ia emigrar, trabalhar lá fora, a ver se conseguia melhorar as condições económicas da família. E foi claro com Alice, não valia a pena discutirem sobre isso, ele já o tinha decidido. Falara há pouco com o seu amigo Rui, que o aconselhou a ir pois já tinha garantido trabalho para ele na empresa Oficine Snnyfer, aonde ele mesmo trabalhava. O patrão necessitava de mais um trabalhador e o lugar seria dele, se assim o desejasse. E foi assim que tratou logo de se mexer. Tratou da viagem e preparou tudo para partir e depressa se apresentar no seu novo trabalho. - Quando lá chegar, logo que esteja alojado, dou notícias, vai correr bem, tenho a certeza. Se há alguma coisa que não me mete medo, é o trabalho.

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Mas logo tudo mudou O pai foi p’ro estrangeiro E a filha acrescentou: - O pai vai ganhar dinheiro. Despediu-se e foi embora… Um dia, p’la madrugada, A filha dorme, a mãe chora Muito triste e angustiada. 14


Tinha passado algum tempo E ele não as contactava E era grande o sofrimento Quando a filha a confrontava. - Mãe, quero um novo vestido Como tem a Joaninha! E a mãe, com ar condoído Dizia para a filhinha: - Tomara o poder comprar, Desculpa, filha querida. - Mas eu quero, vais-me dar! Dizia com voz altiva.

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Era grande o sofrimento da pobre mãe, agora, sozinha, a ter que suportar com sacrifício as despesas do lar e a criação da menina. Aquelas birras faziam-na sentir-se triste. Não bastava já o labor do dia e o ter que tratar do lar nas poucas horas que lhe sobravam. Para tentar aliviar as dificuldades, Alice procurou um trabalho suplementar, pós-laboral. E assim, logo que terminava o horário lá na fábrica, lá ia a correr para esta ou aquela casa, aonde exercia agora duros trabalhos de limpeza ou outros que as suas novas patroas necessitassem. Quando chegava a casa, estava exausta. Havia ainda as coisas do lar para tratar. E o tempo de descanso era cada vez mais escasso.

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Um ano passou e Tomé finalmente deu notícias. No aniversário de Juliana, enviou à filha um par de jeans. Depois, quando chegou o Natal, enviou-lhe uma nova prenda, um vestido. A menina não se continha de contentamento. Para ela, o pai era ainda o melhor pai do mundo. Agora, podia ir para a escola exibindo o novo vestido para as amiguinhas, cheia de vaidade. Nenhuma mais tinha um vestido como o seu. Já assim tinha sido quando vieram aquelas Jeans de marca, havia algum tempo. Agora, sim, podia mostrar-se.

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- O meu pai é o melhor E ninguém tem outro assim. E lembrava-o com amor, Pois tinha saudades, sim. Um dia, regressaria… Pensava ela consigo E algo mais lhe traria, Era seu pai, seu amigo. - Volta depressa, paizinho, Volta p’ra mim, por favor, É tão lindo o vestidinho, Vermelho, que linda cor! Uns sapatos vou pedir À mãezinha p’ra comprar E ela há de me ouvir Pois não vou descalça andar.

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Na verdade, pensava, o vestido era lindo. Para completar a toilete à medida, só mesmo uns sapatos encarnados, como os que vira ao passar na montra da sapataria Sacha, do senhor Zacarias. - Tenho que os comprar, hão de ser meus! – pensava. Desde que os vira no dia anterior, ficou a namorá-los e no trajeto da escola para casa, parava sempre junto à montra para os admirar. Agora, que já tinha o vestido a condizer, só faltavam mesmo eles. E foi ter com a mãe: 19


- Ó mãezinha, por favor, Faz-me lá esse carinho, Olha bem a sua cor, Dizem com meu vestidinho Domingo quero estrear Junto da Rita Maria Que faz anos. Vai ficar Cheia de inveja! – dizia. 20


Meu pai deu-me o vestidinho, Os sapatos me vais dar E esse tom encarnadinho Vai-me assentar a matar.

- Não temos dinheiro para isso, filha, bem que gostaria de tos dar mas, entende, não dá mesmo, o nosso orçamento não comporta essa despesa de momento. - Oh! Se o paizinho estivesse aqui, ele ia-me dar os sapatos, mãe. Ele, sim, era meu amigo, satisfazia sempre os meus pedidos. 21


- Dava, sim, filha, mas não pagava as despesas e essas, agora, sou eu quem tem de as pagar para manter a nossa casa, para poderes ter luz, água e comida na mesa. O dinheiro é escasso e não sobra para exuberâncias, tens mais sapatos, levas os pretos que combinam muito bem com o teu vestido. - Não quero levar sapatos pretos, nem castanhos, nem azuis, quero os encarnados que o senhor Zacarias colocou na montra a semana passada. - Bem. Preciso trabalhar. Mais logo, falamos sobre isso. Agora, estou atrasada e tenho que me despachar, o trabalho chama-me.

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Pela tardinha, quando terminou as aulas, Juliana correu para casa. Entrou e chamou a mãe. Não respondeu. Procurou-a e por fim descobriu sobre a mesa da cozinha um papel com um recado para ela. - “Querida filhinha, estou a trabalhar na casa da Doutora Rita. Logo que chegue a casa, faço o jantar. Tens o teu lanche preparado no frigorífico. Um beijinho da mãe que te ama. Se precisares de alguma coisa, liga comigo”. Juliana ficou fula. Vinha com a ideia de ainda poder ir a correr com a mãe à sapataria comprar os sapatos, se é que eles ainda lá estavam na montra e não tivesse lá chegado alguma menina inconveniente que os tivesse levado consigo. E logo, sem mais demoras, procurou aquele envelope aonde a mãe guardava o dinheiro para pagar as contas, retirou a quantia que precisava e foi a correr à Sapataria Sacha. Quando chegou, cumprimentou:

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- Olá, Senhor Zacarias - Olá, vê os sapatinhos? Que eu coloquei há dias. São lindos, encarnadinhos? Vem cá, vem experimentar. Onde está tua mãezinha? - Ainda está a trabalhar Na casa duma vizinha.

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Não pode vir cá comigo Para os sapatos comprar, Ela sabe que eu consigo Deu dinheiro p’ra os pagar. - Teu número, deve haver. São lindos os sapatinhos! Outras cores, queres ver? - Não, eu quero os vermelhinhos!

Pacientemente, o Senhor Zacarias baixou-se, ajudoua a calçá-los e Juliana, toda feliz, experimentou-os. 25


- Como me assentam bem! - Pareces uma princesa. A menina ergueu-se, rodopiou sobre eles e já imaginava o momento em que ia chegar à escola com o seu vestido e sapatinhos vermelhos. - Vão ficar fulas de inveja – pensou para consigo. No meio de tanto entusiasmo, nem sequer se lembrou mais da mãe e do modo como ia reagir quando procurasse o dinheiro para pagar as contas e não o encontrasse. Como lhe faria falta! Obcecada com as coisas materiais que pretendia conseguir, Juliana nem se tinha ainda apercebido como a mãe, dia após dia, se ia sentindo mais cansada e combalida. As lidas da vida, o esforço crescente que tinha que desenvolver para manter a casa em harmonia, estavam gradualmente a destruir a sua saúde. Juliana era cada dia mais fútil e egoísta e não pensava sequer nas consequências a que podiam levar as suas atitudes. E agora, lá teria que enfrentar a mãe e justificar os motivos porque lhe extorquiu aquele dinheiro do envelope, que tanta falta lhes iria fazer.

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- Vou levar os sapatinhos, Mas que lindos que eles são Meta-os num desses saquinhos. Depois, dava a explicação: O pai deu-lhe um vestidinho De uns sapatos precisava. Quanto ao mais, o seu paizinho Esse mal remediava. - Mas que pode a mãe fazer? Já são meus, já os comprei. Só assim vai aprender As coisas que eu já sei. 27


Quando chegou a casa, correu para o quarto e escondeu os sapatos no armário. A Rita Maria ia morder-se de inveja no dia de anos, no domingo. Novo vestido, sapatinhos a estrear, tudo perfeito. Havia de ser a menina mais linda na festa. Só então, a mãe se havia de aperceber que ela os comprara, precisamente com o dinheiro que ela tão zelosamente tinha guardado para as despesas do lar. Afinal – pensava - ainda tinha sobrado algum dinheiro, ela até que não se podia queixar, tirou apenas o necessário para pagar os seus sapatinhos. Quanto ao mais, nem precisaria de o ter tirado se a mãe lhe tivesse satisfeito o seu desejo. Agora, só tinha mesmo que aceitar. 28


Mas nesse fim de dia, a mãe demorava em chegar. Esperou, esperou até que acabou por adormecer. E sonhou com os sapatinhos encarnados. Sorria e cantava cheia de alegria. Que bem que lhe assentavam! Na verdade, tinham sido feitos mesmo à sua imagem. E nesse dia, acabou por nada dizer à mãe.

No dia seguinte, havia umas contas para pagar e a mãe foi buscar o envelope. Quando o abriu, ficou estupefacta. E gritou:

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- Juliana? Aonde está o dinheiro? Como vou eu pagar agora o que tenho em dívida? Valha-me meu Santo Deus! Aonde vou agora arranjar dinheiro? E chorava compulsivamente, lamentando a sua má sorte. Como foi o dinheiro desaparecer do envelope. - Tens alguma coisa para me dizer, filha? – gritava – O que vou fazer agora? Pela primeira vez na vida, Juliana pode sentir o desespero da mãe. Mas logo pensou: - “Deve estar a encenar. Afinal, o dinheiro não era tanto assim. Não me vou preocupar com isso. Até porque foi por uma boa causa, os meus sapatos”. Sem se dirigir à mãe, voltou-se e regressou ao quarto, sem mais pensar no desespero da mãe.

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E eis que chegou o domingo. Os pais da Rita Maria tinham-lhe dito para convidar os seus amigos para passarem o dia lá em casa. Seria o dia da sua festinha e ela tinha preparado muitas surpresas para todos. A mãe, que ia acompanhar Juliana, ao vê-la com os sapatinhos encarnados nos pés, ficou sem palavras. E com espanto, perguntou: - Filha, diz-me, foste tu quem tirou o dinheiro do envelope? - Sim, mãe, como tu não os querias comprar, fui ao envelope retirei o dinheiro, apenas o necessário, e fui à sapataria comprar. - Sabes o que fizeste Juliana? Por esse motivo, a mãe ficou sem dinheiro para pagar a conta da luz, e ficou sem dinheiro para a compras dos alimentos para a semana. - Mãe, eu precisava dos sapatos. Quanto às contas, é mais uma semana e logo arranjas mais dinheiro. Um véu de tristeza cobriu o rosto da mãe. Virou as costas e retirou-se cabisbaixa para o quarto aonde, desiludida, chorou amargamente. Sentia-se cansada e revoltada com a vida.

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- Triste sorte, que destino! Lamentava-se baixinho - Tanta pedra, tanto espinho, Ao longo do meu caminho. Saber que minha filhinha Já me perdeu o respeito! Grande o desgosto que tinha, Com um sufoco no peito. Seu coração condoído Nem queria acreditar. - Aplicar-lhe algum castigo? Ela não vai respeitar. 32


E ali permaneceu deitada durante horas, sem que conseguisse ter alguma reação. Era grande o sentimento de culpa que sentia. - Falhei, a culpa é minha! E pensava como fora possível ter permitido ao pai o satisfazer de todos os caprichos da menina, sem olhar aos meios que usava para o conseguir. A partir desse dia, Alice deixou de sorrir, de comer, perdeu toda a vontade de viver. Apesar disso, todos os dias se levantava cedo e chegava pela noite dentro para conseguir dinheiro que lhe permitisse satisfazer 33


as despesas mais prementes num dia a dia que se torvava cada vez mais difícil de suportar. Passaram alguns meses. Juliana apercebia-se agora que o rosto da mãe estava cada dia mais pálido, estava a envelhecer rapidamente ao enfrentar as agruras que a vida lhe oferecia. Nesse entardecer, Juliana acordou sobressaltada, o quarto estava às escuras. Acendeu a luz, levantou-se, olhou as horas. Era já tarde. Chamou a mãe: - Mãe, mãe! Como não obteve resposta, saiu do quarto e reparou que a casa estava escura, janelas fechadas. Passou na cozinha e reparou que a refeição não estava ainda preparada. Procurou a mãe e não a encontrou. Estranhou. - Onde estará? Nem sequer deixou o jantar! Deve ter regressado tarde – pensou - Mas é já tão tarde!

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- Aonde estás? Tenho fome! Dizia a choramingar Ainda toda a gente dorme, Não estás a trabalhar! - Temo esta escuridão, As luzes quero acender Bate forte o coração: - Minha mãe eu vou perder! A primeira vez na vida Pensava em sua mãezinha E sentia-se perdida Ao sentir-se ali sozinha. 35


O seu vestido encarnado LĂĄ estava arrumadinho, Sentia-o como um fardo Que lhe dera o seu paizinho. A mĂŁezinha nĂŁo estava, O que ele podia fazer? Estava triste e acreditava Que haveria de aparecer.

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Dirigiu-se de novo para o quarto e esperou a chegada da mãe. Pouco tempo depois, sentiu a porta a abrir. Era a mãe que chegava a casa, cansada. Mesmo assim, lamentando ter chegado tão tarde para cuidar de si. Arranjara mais um trabalho como empregada de limpeza no café do senhor Fernando, precisava ganhar mais algum dinheiro. A vida estava a ser madrasta e havia que fazer frente às despesas cada dia maiores. - Se ao menos o teu paizinho ajudasse nas despesas, seria bem diferente, mas ele não quer saber de nós. Pela primeira vez, Juliana olhou a mãe com carinho e abraçou-a, pedindo-lhe desculpa pelo comportamento que vinha tendo ao longo de todo este tempo. Agora, percebia o quanto a mãe se esforçava por si, o quanto a amava e tentava que nada lhe faltasse lá em casa. E prometeu-lhe que a partir desse dia ia mudar o seu comportamento e que seria para ela uma filha dedicada. Percebeu que a felicidade não se encontra nos bens materiais que possuímos ou gostaríamos de possuir, mas no modo como usamos os recursos que temos. E agradeceu-lhe toda a sua demonstração de amor para com ela.

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- Minha mãezinha querida, Como tu não há ninguém, És tão boa, tão amiga, Descansa um pouquinho, vem! Vou ajudar-te a cuidar Do nosso lar pobrezinho E contigo desfrutar Tanto amor, tanto carinho

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Estarei a cada instante Ao teu lado, a ajudar E viverei doravante Contigo, a fada do lar. Vivamos com alegria, Minha mĂŁezinha querida, Partilhemos cada dia O melhor da nossa vida.

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