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Pena Rosada crรณnicas do quotidiano
Textos publicados na Revista Divulga Escritor
Rosa Maria Santos
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Ficha Técnica
Título
Pena Rosada Autora
Rosa Maria Santos Capa
José Sepúlveda Revisão
Rosa Maria Santos Formatação
José Sepúlveda Imagens encontradas no Google
Textos publicados na sua coluna na Revista Divulga Escritor
Editado em E-book https://issuu.com/rosamriasantos
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Biografia Naturalidade – S. Martinho de Dume, Braga. Muito pequena, foi viver para a freguesia de Maximinos. A base do seu equilíbrio emocional está no seio familiar. É na família que encontra a alegria de viver. Viveu na Costa Litoral Alentejana, em Sines, trinta e um anos, tendo regressado em 2017, à cidade que a viu nascer, Braga. Participou em diversas coletâneas de Poesia, portuguesas e italianas. É Colunista no site Divulga Escritor, possuindo também uma rubrica na Revista com o mesmo nome. Foi assistente de produção e recolha na coletânea de postais do grupo Solar de Poetas Poeta Sou…Viva a Poesia; participou nas coletâneas de postais de Natal do mesmo grupo: Era uma vez… um Menino; Nasceu, É Natal; Não Havia Lugar; VALE DO VAROSA: Uma Tela, um Poema, do Solar de Poetas, para promoção do Evento: Tarouca Vale a Pena; Belém Efrata; Então, Será Natal, todas editadas em e-Book. É Administradora dos grupos: Solar de Poetas, onde coordena também a equipa de Comentadores; Solarte – a Arte no Solar; SoLar-SiDó - a música no Solar; Canal de Divulgação do Solar, Casa do Poeta; SolarTV Online; Poetas Poveiros e Amigos da Póvoa; Hora do Conto e O Melhor do Mundo, todos do grupo Solar de Poetas. A escrita é uma das suas paixões… Não se considera escritora nem poetisa, mas uma alma poética a vaguear pelo mundo... Se um dia deixar de sonhar, diz, deixa de existir. Livros editados: Rosa Jasmim (poesia), Capa do Mestre Adelino Ângelo – julho 2018. E-Books: Cantam os Anjos (poesia de Natal) – Capa de Adias Machado - Dezº 2017; Ucanha terra de encanto Poesia) - Capa: Glória Costa – Maio de 2018; Bolachinha em Tarouca (prosa e poesia) – Capa: Glória Costa – Maio 2018; Bolachinha vai à Hora de Poesia – Outubro 2018; Bolachinha
5 vai à Casa Museu Mestre Adelino Ângelo – Novembro 2018; Sinos de Natal, Natal de 2018; O Natal de Bolachinha, Natal de 2018; Pétalas de Azul (contos) – Fevereiro 2019; Estórias em Tons de Rosa (contos) Abril de 2019. A editar: Histórias da Bolachinha – Capa e ilustrações de Glória Costa – Em breve. Distinções: Maio de 2017 - 2º Prémio de Poeti Internazionali. Poema Rosa de Saron, no Concorso Artemozioni, Cantico dei Cantici In Valle d’Itria; Maio 2019 “Violino”;
- 3º Prémio de Poeti Internazionali. Com o poema
5° Biennale del Festival Internazionale Delle Emozioni - 10° Edizione Del Concorso Di Poesia e Narrativa: Prémio d’Onore Concurso de Premio Letterario Internazionale di Poesia “Gocce di Memoria“ Junho 2019 con la poesia Sfera di cristallo (Bola de Cristal).
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Primeira Entrevista Rosa Maria Santos nascida a 08 de maio de 1957, na freguesia de S. Martinho de Dume, em Braga, situada no norte de Portugal. Ainda muito pequena, foi viver para a freguesia de Maximinos em Braga… Casada, tem três filhos, que são o seu orgulho. Vive há 31 anos na cidade de Sines, Sul de Portugal. Recentemente, coautora na Coletânea A Lagoa e a Poesia”, Coletânea; no Livro solidário Ser Mulher, sentir e acontecer, palavras no feminino, desenhos no Masculino; Poetas d’hoje, Um grito contra a pobreza, Antologia; Ventos do Norte, coletânea; Conta-me uma história, coletânea de contos infantis, a publicar brevemente. Administradora e coordenadora do grupo de comentadores do Solar de Poetas, da Casa do Poeta e SolarTv on-line… Assistente de produção e recolha na Antologia de Postais de Poesia. (E-book) Poeta Sou… Viva a Poesia, do Solar de Poetas… Gosta de viver e sonhar… “Se um dia deixar de sonhar – diz - deixaria de existir… A escrita é uma das minhas paixões. Procuro a felicidade em cada observar das estrelas… Em cada raio de sol a aquecer o meu rosto… Em cada sonho de mim, em cada sorriso, são vividos em mim como raios de sol a iluminar a vida.” Boa Leitura!
7 Divulga Escritor - Escritora Rosa Maria Santos é um prazer contarmos com a sua participação no projeto Divulga Escritor, conte-nos o que a motivou a ter gosto pela escrita? Rosa Maria - Agradeço a oportunidade que me dão por participar neste projeto fantástico da nossa Língua Portuguesa além-fronteiras, como é o grupo Divulga Escritor. DE - O que me motivou a ter gosto pela escrita? RM - há uns anos a minha filha tinha um trabalho escolar da disciplina de português sobre poesia para fazer, como todas as mães tive de a ajudar no trabalho… Imaginação nunca me faltou… e ganhei gosto pela escrita… Durante uns anos os escritos ficaram na gaveta, há dois anos recomecei a escrever. DE - Que tipo de textos gostas de escrever? RM - Textos poéticos… Neste momento aventurei-me a escrever uma pequena estória para uma Coletânea de Contos Infantis: “Contas-me uma história?” Talvez me aventure a escrever mais alguns contos infantis… DE - Que temas costumas abordar em seus escritos? RM - Temas variados. A escrita é uma das minhas paixões… Na minha escrita tem pedacinhos de mim, vividos ou não… Amor, tristeza, saudade, apelos à liberdade… Os meus amigos questionamme o porquê dos poemas tristes… O que respondo prontamente: na escrita sou duas em uma. DE - O que mais a encanta na leitura de textos que abordam estes temas? RM - As palavras ganham vida. É apaixonante apanhar uma palavra e transformá-la num poema. No momento da escrita, o que escrevo na minha imaginação é vivido. DE - Quais os seus principais objetivos como escritora, pensas em escrever um livro solo? RM - Não me considero uma poetisa, mas sim uma alma poética a vaguear pelo universo. Muitos amigos me perguntam para quando a publicação de um livro… Um dia penso nisso seriamente… aí, sim, publicarei o meu primeiro livro. DE - Quais os principais hobbies da escritora Rosa Maria Santos?
8 RM - Adoro executar trabalhos manuais, gosto de ler, passear na beira-mar… Ou no campo… adoro ouvir o canto das aves... essencialmente, adoro escrever e viver. As minhas horas são passadas na Casa do Poeta e no Solar de Poetas. Quando entro num projeto, doume por inteiro. Assim é a minha maneira de ser… procuro a felicidade em cada observar das estrelas… Em cada raio de sol a aquecer o meu rosto… Em cada sonho de mim, em cada sorriso, são vividos em mim como raios de sol a iluminar a vida. DE - Quais escritores são as suas referências literárias? RM - Fernando Pessoa, Luís de Camões, Miguel Torga, Florbela Espanca, entre outros. DE - Por que estes autores se tornaram uma referência literária para você? RM - Talvez porque em alguns pontos me identifique com eles. Na escola estudei-os, gosto de os ler. DE - Como você vê o mercado literário em Portugal? RM - Com a crise em que vivemos, está péssimo… Vontade de ler pode haver, mas infelizmente o poder económico está muito mau em Portugal. DE - Pois bem, estamos chegando ao fim da entrevista. Muito bom conhecer melhor a escritora Rosa Maria Santos. Agradecemos sua participação no projeto Divulga Escritor. Que mensagem você deixa para nossos leitores? RM - Corram atrás dos vossos sonhos. Vivam o vosso dia como se fosse o primeiro e único dia… agarrem a felicidade, esteja ela aonde estiver. A vida é fugaz. Aproveitem a criança que há em vós e vivamna… Não tenham pressa, a pressa é inimiga da nossa vida. A vida por vezes é funesta, aproveitem as horas do dia para sorrir… Um rosto sorridente torna a vida diferente.
Ano III… Revista 17…dezembro 2015… página 85
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Meu grito
Pelo mar naveguei nessa saudade E mergulhei em plena liberdade Qual água cristalina, sais salgados Num corpo de silêncios salitrados E quando mais calor surgia em mim Vivi uma alegria sem ter fim Com teus afagos me deliciei Quando nas águas toda me entreguei Tardes brilhantes com calor a mais Com o suor jorrando entre os teus sais Agora choro por amor a ti Lembrando os tempos lindos que vivi E a angústia vive dentro do meu peito No meu caminho incerto e imperfeito E choro quando lembro o grande amor Que já vivi gozando o teu calor E se no leito com saudade grito De madrugada em pesadelo aflito Acordo e então banhada em meu suor Estendo os braços para ti, amor!
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Sua excelência, a Poesia! Parece fácil falar de poesia. Ela flutua em tudo o que mexe, em tudo o que não mexe, voa em liberdade além do tempo e do espaço em qualquer idade. Um sorriso transmite energia positiva, o mesmo sorriso transforma-se de repente no mote para que viva a poesia… e ela surge calma, ternamente. É poesia. Cada poeta, cada fantasia porque o mundo quando visto pelos olhos do poeta é poesia. A palavra inspira-se, expira-se, transpira-se em palavras, em versos, em poesia. No horizonte o poeta vislumbra o infinito, percorre-o com imaginação, sem atropelos, com a magia que o transporta a lugares desconhecidos… é poesia. As musas não proliferam na alma do poeta, o amor vive no seu subconsciente, em paz, em harmonia plena, onde cada momento se faz poema. O poeta é inconstante. Conquista após conquista, cada palavra usada, cada frase que vive, cada pensamento, a alegria da descoberta, o malabarismo das palavras está na sua imaginação, palavras adestradas, domesticadas, que provoca o seu delírio em cada verso, em cada estrofe, em cada renascer. Nas suas mãos as palavras vibram. E ei-lo lunático, enigmático, a ser desventrado nas mãos do leitor. Paradigma da mudança do universo, de tudo o que o gira, num rodopio de palavras que alucinam e espantam.
11 Poema, amálgama de pequenas partículas em busca de sonhos, revolta, sentimento, tédio, refúgio… o sentimento de sentir o que nunca sentiu. Poesia, palavras soltas, que soltas nada valem, mas que quando juntas transmitem alegria a quem as lê. Assim é poesia: um mundo, diferente, um mundo de quimera, fantasia, cheio de sonhos, ideais frustrados, quiçá, alcançados. Por mais que queiram amordaçar a poesia, ela está viva e forte no coração de quem ama, na alma do poeta, o construtor de sonhos. Há na poesia a essência das flores, a doçura do mel, a aspereza do absinto, a ternura que brota de corações famintos de amor e por mais que seja triste, nostalgia, saudosista, transmite sempre sensações e sentimentos que inspiram nossas almas e criam em nós essa vontade firme de lutar e vencer. É o criar e o recriar do nosso ser, um mundo de sensações e paixões onde flutua a nossa alma, a raiz de todo o pensamento. Esta é a poesia, delírio de corações apaixonados, almas nobres e sensíveis que nos inspiram cada dia. Sente a poesia no folgo do poeta e vibra com as emoções que ousa transmitir-te momento após momento.
Ano III… Revista 16…outubro/ novembro 2015… página 101
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O Meu Silêncio É no entardecer que gosto de
caminhar à beira-mar, em silêncio, como se o resmungar da água do mar me traga a paz de espírito que tanto almejo alcançar.
Respiro o ar, a maresia, absorvendo a energia que preciso para viver. No meu silêncio escuto o canto dos pássaros, observo a natureza, e tudo o que ela contém. Cada pedacinho de mim vibra ao som da magia das ondas galgando o areal que suavemente molham meus pés. De olhos abertos sonho, passeio na margem do mar, imagino as tuas mãos a acariciar meu rosto, ouço o chamar do mar, aquele gemido que nos transporta além do horizonte onde a alma num tempo sem tempo se acalenta apaixonada no teu amor infindo. Talvez num outro tempo, numa outra dimensão, almas gémeas à procura deste encontro. Silente, oiço a tua voz suave no apelo das águas desse mar que vive em mim, como se fosse um grito, um grito de esperança que o tempo me outorga, trazido na serenidade do vento como um lamento, uma esperança no seu alvorecer. Sinto a carícia do vento que refresca a minha pele e arrepia meu corpo como se sentisse o toque suave das tuas mãos. Um mágico frescor no entardecer, quando o sol, numa caricia de amor se debruça sobre o mar que, teimoso, o impede de o abraçar, acabando por num enleio de amor repousar sobre aquela imensidão de um azul carmesim que canta e encanta até ao luar…Beleza infinda. Termina assim um romance de amor. Ao findar do dia a cor e a magia sobrepõe-se ao inimaginável. De olhos arregalados presencio o precioso momento tão cheio de alegria e de beleza. Meu corpo estremece… Suspiro por ti… olho ao redor na esperança do milagre acontecer. O areal dourado está mais belo. Recordações me vêm à mente. Momento registado no subconsciente… Recordações, momentos de vida… De vida não vivida senão em sonhos e quimera… à tua espera… eterna romântica
13 e sonhadora que vê ou imagina ver através da alma, do sorriso, do tom de voz, do ondular deste que tanto amo. Observo o céu. Escurece. Uma pequena nuvem que chega. Gaivota sobrevoando o azul das águas… das águas do meu mar… Grasna aflitiva, pressentindo a noite a chegar… E deixa o seu viver por longas horas. Ei-la a planar, esvoaçando à beira-mar que nesse marulhar se espraia na areia, se enrola e enleia nas ondas sem fim… tão longe… tão perto de mim… búzios e beijinhos enrolados na areia… as pulgas do mar, saltando na praia, dançando no rodopio das águas. Gaivotas que voam… Liberdade! Quem me dera ser livre! Mas dessa liberdade, a nostalgia, a saudade… Saudade que fere o coração do qual brota um olhar apagado banhado em lágrimas de sal que nem chuva ou vento ousam limpar… Hoje, sinto o meu lacrimejar de felicidade… A tua voz que zumbe em meu ouvido, num búzio do mar e invade o meu pensamento. Que belo este momento! Entranha-se na mente e de repente sorve meus lábios sorrindo com carinho e uma ternura sem fim… deixa-me ficar silente, sorvendo a tua mente… Assim! Fecho os olhos… sorrio feliz porque a luz do sol ainda brilha, trazendo o sopro dos teus lábios para mim… A cor e a magia no entardecer do dia…, as gaivotas regressando ao lar… Um novo ciclo…. O renascer da vida, o vibrar do sonho em cada instante… A noite chega… Hora de voltar… No meu olhar a tua imagem brilha triunfante… E volto ao lar!...
Ano III… Revista 17…Dezembro 2015… página 87
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Saudades de ti, amor! O
peso da solidão chegou ao recanto do meu jardim. Neste entardecer em que o sol despudoradamente se estende no mar sereno, acutilado de pequenos carneiros que o vento faz ondular, engulo em seco o salivar das glândulas.
Sorrio triste, não é o meu sorriso de sempre, alegre, descontraído. Não tenho motivo para sorrir. Tu não estás, amor. Esta dor dilacera meu corpo e fá-lo tremer, não de frio, mas por sentir tua ausência. O sol penetra na minha frágil pele. Causa-me sono esta apatia, aqui, sentada ao longo da calçada da praia. O vento sopra e oculta-me o sorriso. Suave brisa sobre o meu cabelo que esvoaça livre, como livre desejava estar meu coração. Só e triste uma vez mais. Vais dizer: - Atrasei-me, amor - como sempre. Como sempre, aceito com resignação. O peso da solidão chegou no recanto deste jardim à beira mar. Engulo em seco neste entardecer. O sol permanece no seu mergulho de fim de tarde, bola colorida, bela. E eu, triste. No mar, os carneirinhos de bruma a passear. Sorrio. Não sou eu. Onde está o meu sorriso alegre, descontraído? Hoje não tenho motivo para sorrir. Tu não estás amor. Esta dor dilacerante, faz-me tremer, ao sentir a tua ausência. O vento envia uma suave brisa, fazendo esvoaçar o meu cabelo em pequenas fitas de seda. Abandonada. Tristeza e solidão! O relógio da igreja bate as dezoito horas. Levanto-me e caminho, só, triste…. Meus olhos percorrem o areal, pouca gente lançada sobre as toalhas apanha o sol que é meu, neste entardecer à beira mar. Crianças saltitam no rebentar das ondas, divertem-se, jogam à bola, constroem castelos de areia, mundo de ilusões. A bola saltita, rebola até aquela gaivota solitária, ali, ao pé do mar. Dezoito horas... O vento sopra, o sol
15 declina, lançando-se sobre esse lençol imenso. O meu olhar prendese na gaivota, ali, a grasnar, a esvoaçar... Uma criança corre, livre, querendo voar, voar, qual gaivota alada, livre como o vento, num momento, numa viagem inacabada... E eu, triste e só... Hora de regressar. Caminho lentamente junto ao mar, ânsias de espera. O vento segue-me neste entardecer. Sorrio, triste. Onde estás? Amo-te. Espero-te. Eu sei que vais voltar!
Ano IV… Revista 21… agosto/ setembro 2016… página 85
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Tempos de mim… Dói-me
o peito, a saudade voltou de um jeito que faz doer demasiado, que se faz presente a todo o instante. Esta noite o sono espraiou-se por aí, virei-me, revirei-me até o corpo gemer de condoído. O cérebro fervilhava feito louco, como um apelo a um pouco de repouso, o sono perdia-se na longa noite e não me deixava no meu leito de
repouso, não dormia. Abriste a janela para que conseguisse respirar. Na realidade, nada adiantou. O espesso nevoeiro cobria a noite até lá longe, no horizonte. O céu, escuro breu, transformou-se num longo manto: Uma gaivota grasnava aflita, sobrevoando esse espaço sem fim. Ao longe, o canto da coruja fazia-se ouvir, soturno, assustador. O dia não tardava, enquanto ela, aterradora, cantava. De olho bem aberto, presenciava o silêncio da noite, qual uma condenada, ouvindo a sentença de morte. O que podia fazer? Queria adormecer, mas o sono não chegava. Queria sonhar, sonhar com as estrelas, a lua... A maravilhosa do espectro celeste, o fascínio das estrelas... Num voo aparvalhado, as gaivotas grasnavam num tom sinistro, presságio de algo para acontecer. No areal, uma a uma levantou voo em reviravoltas contínuas, em atropelo, planam, planam, como se pressentissem algo que nos queriam transmitir. No fulgor da noite, o grito do silêncio. Latem os cães, nervosos com todo este mistério, sopra o vento… e no silêncio do espaço, ruas desertas. Noite sem estrelas, noite de breu! Lentamente, a aurora no seu alvorecer. Segundo a segundo. O dia vai surgindo devagar…. Amaina o vento… as gaivotas voltam ao areal infindo daquela praia silente e calma…. Sereno o mar… Dia cinzento,
17 adoentado… E eu, triste e só…O sol surge tímido por entre aquele manto cinzento que insiste em o ocultar! A neblina envolveu toda a cidade, ruas desertas, na praia, apenas as gaivotas… grasnando, grasnando…, sem crianças, sem castelos de areia, sem ondas…ondas sem mar…triste, cinzento. Fui ver o mar. Silêncio entre o silêncio. Recordação do sol, do verão, das gentes espraiadas, seminuas, mergulhando naquele manto de azul. Dias coloridos, agitados, frenéticos… Agora, céu sem azul, sem o anil do sol-pôr, esquecido, perdido no tempo. Olhei o horizonte e percebi. Chegou o Outono, a nostalgia de nossa alma instala-se em mim. Um ciclo que termina, um ciclo que começa…. Tudo corre, corre…, sem pressa. O ciclo da vida…. Volto a casa. Olho o espelho do tempo e uma lágrima transparece em meu olhar… Fecho os olhos num momento… e sinto o teu perfume no ar…. És tu amor, de regresso ao lar! O renovar da vida… A esperança anda no ar!
Ano IV… Revista 22… outubro/ novembro 2016… página 100
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Saudade!… Hoje não oiço o ranger de portas nem as gargalhadas de crianças que percorriam os corredores de casa, desde o amanhecer até o término do dia. Que tempo! Sempre ansiosa pelo chegar das vespertinas horas para voltar ao meu silêncio, um tempo para mim. Sorrateira, pé ante pé, entrava no quarto para vos ver adormecer. E então pensava o que me levava a procurar a noite para me encontrar com o meu silêncio. Olhava-vos um após outro, uma lágrima peregrina escorria-me pela face. Quanta ternura, quanto carinho, quando sobre vós estendia as minhas asas de galinha. Como era bom o contemplar o vosso olhar sereno, olhos fechados, silentes, no sono dos anjos! Fecho os olhos, algo na minha mente me perturba. Este silêncio sepulcral me inquieta. Aonde estão os vossos gritos lancinantes e rebeldes de crianças que amam a vida e a querem viver no calor do seu esplendor? Saudades das vossas inquietudes. Às vezes, irritada, barafustava. Tiravam-me do sério, mas, com um sorriso nos lábios, acabava por ceder e deixava-vos nas vossas tropelias, sem nada fazer. Ao longe, vão os tempos loucos da escola, das tropelias, arrelias pela manhã, ao romper do dia, quando o sino da igreja nos dizia estar na hora de correr sacola aos ombros para a escola! - Mamy! - Gritava um de um lado... - Papy - gritava o outro! E corríamos desenfreados de um quarto para o outro, tentando obviar aos pequenos preciosos que sempre aconteciam. Como voa o tempo, como queria voltar atrás e abrir essa caixinha de saudade onde guardas esses pedacinhos de mim, que saudades dessas vozinhas lindas de criança, dessas vossas tropelias em cada amanhecer!
19 Santo Deus, como o tempo passa! Deixa-me voltar, volver no tempo! Saudades! Olho o vazio dos quartos, dos sorrisos, das primaveras à chuva e ao vento, dos deveres não feitos, das traquinices, das gargalhadas francas... Tudo tão perto... tão distante! ... O tempo no tempo que não mais voltar! Olho através da vidraça, a rua sem graça, sem jovens traquinas a brincar. - Olha o berlinde! – O meu abafador? Aonde estão as meninas de trancinhas encurta saia a correr ao esconde-esconde? Saudade! Como o tempo passa! - Alexandre! - gritava aquela mãe pela janela - Vem para casa, o pai está a chegar! Paulinho, onde estás, meu filho, está a escurecer! Saudade. Espreito pela janela e um vazio invade a minha alma. Nem homem dos gelados e da língua da sogra, nem os gritos das crianças, nem os cães que ladravam e brincavam ao redor. Silêncio! Quanta pressa para que o tempo passasse para sentirmos um pouco de descanso. E ele passou. E o descanso levou, apenas deixou saudade. Como era bom volver no tempo para num momento levar este sentimento de saudade! Chegou, sim, arrastou consigo um sentimento de frustração e medo que magoa o peito. Hoje penso como era bom volver no tempo. O preço da vida. A vida tem o seu tempo. Por vezes não damos valor a certos momentos e quando abrimos o baú de memórias fica a saudade. E a nostalgia é o nosso pão de cada dia... Hoje desejei voltar no tempo. Folheei o velho álbum de fotos. Ei-lo na mão, amarelecido pelo tempo, vivendo cada momento, cada emoção, cada sentimento.... Chora a minha alma tão cheia de saudade. Uma lágrima peregrina escorre pelo rosto… Fecho meus olhos, e recordo… que saudade!
Ano IV… Revista 23… outubro 2016… página 22
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Recordações Hoje,
o que tenho a oferecer! Nada, somente as minhas recordações.... Fecho os olhos, a saudade toma conta do meu pensamento. Soltou-se a caixinha de pandora e uma a uma as recordações teimam em sair e percorrer a minha mente, deslizar da minha alma e no coração explodir, e brotarem do meu ser. Fim de ano. Tristeza. Uma lágrima peregrina salta-me da alma, saudosa, acenando para longe, tentando alcançar a minha terra distante.
Recosto-me no sofá, gasto pelo tempo.... Murmuro... Meu Deus, saudades, que saudades dos tempos que já lá vão. Tempos áureos, tempos de infância!…. Aí, a vida despreocupada! A família que hoje não tenho, que no passar dos anos fui perdendo, um a um… triste…. É a lei da vida - diz a gente - cruel essa lei. Ontem, a alegria; hoje, recordações… de os bons e maus momentos. Saudade! Entranhados em mim, os sorrisos desenfreados de um ou de outro familiar, o sorriso dos primos pequenos como eu, as anedotas picantes – às vezes incompreendidas - dos mais velhos, as batatas a murro da minha avó materna, as gaitas de foles do Sr. João e dos amigos a querer anunciar o Novo Ano que chegava, os copos e pratos velhos jogados pela janela, o tilintar de vidros o barulho das loiças a estilhaçarem-se em mil bocadinhos, o miar dum gato assustado, a chinfrineira desenfreada da pequenada… bons e velhos tempos. Olho o velho relógio que marca no seu ritmo incessante o tempo. Tictac, tic-tac, tic-tac… A solidão, a saudade, a nostalgia, recordações sem fim nestes momentos efémeros que nos distanciam do Novo Ano. As horas arrastam-se no silêncio do tempo, o velho ano a dissipar-se,
21 um Novo que chega ávido de esperança e de paz… Na rua o vento fustiga as árvores, levando no ar as folhas que, já sem vida, se soltam das árvores e esvoaçam num rumo incerto para formar uma manta multicolor que pisamos além das praças e jardins neste mergulho a um passado distante que nos enche de saudade… Da minha janela olho à minha volta… Solidão, nostalgia. A natureza rendendo-se aos ditames do tempo… A rua está deserta, um cão vagueia sem destino, outro corre assustado, fugindo ao vento que o persegue por todo o lado. Por toda a parte, o corrupio das folhas gastas pelo tempo. Suspiro fundo. Mais um ano passado nesta minha peregrinação, um ano cheio de esperanças forjadas e incertezas. A dúvida se algo vai mudar. Todos os anos é assim… Algazarra, frenesim, pessoas correndo de um lado para o outro e no fim, este vazio que me desfaz a alma… Só, demasiado só… Penso em ti. Vem, vem depressa… preciso de ti… Volta! Ansiosa, fecho os olhos. Nem dou pelo tempo que passa…. Ouço lá longe a voz da minha avó, sorridente, contando histórias, sempre… Rosto sorridente, tateando ao longo da parede. Nem sei porque sorri…. Aprendeu a ser feliz assim…sempre, sempre a cantarolar. – Madrinha – sussurrei - para que não se assuste… A minha avó! Adorava-a. Era invisual. Tantas vezes questionei sobre o porquê da sua cegueira. Ela via… De repente, deixou de ver o mundo, a cor…, a cor que ela tanto repetia nas suas histórias... Sempre a conheci assim... Cega, sem me conhecer. Sinto frio, muito frio, um arrepio trespassa-me todo o corpo. Oh, a minha prima. Como a adorava! Um dia partiu, sorridente… Onde estão os outros meus ente-queridos? Onde estão as noites de convívio nas passagens de ano? Revolta? Dor? Saudade! Todos os dias a sinto, desde o amanhecer até que ao fim da tarde o sol se lança sobre o mar…, esse mar que espreito, aqui da minha janela, cheia de luz, de cor, de silêncio. Fecho os olhos e aconchego-me no meu silêncio, percorrendo a minha mente cheia de saudade. Ouço passos. Chegaste, amor? Olha que lindo… o sol está a declinar…vai deitar-se sobre o mar…. Beija-me, envolve-me em teus braços… Preciso de ti!... Ano IV… revista 24… dezembro/ janeiro 2016/ 2017… página 22
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Respirei fundo Atravessei a rua, sombria e fria, nessa noite intempestiva. O vento, impiedoso, fustigava as árvores despindo-as da bela folhagem que as revestiam de beleza que, rapidamente, transformava em tapetes multicolor que num ápice eram espalhados de forma desajustada pelo chão e se perdiam num amontoado de lixo junto dum bueiro ou no recanto do lancil do passeio. Parei e observei triste, inconformada, a rua deserta coberta de folhas de tão belo matiz por todo o lado, num bailado compassado pelo rugir do vento. Ei-las que, desprendidas dos ramos, jazem agora, vazias, ocas, sem vigor, sem graça. Metia dó ver os troncos nus, despidos, sombrios. Vento matreiro, este, que lhes roubara toda a vida, toda a beleza. Perdido entre os troncos nus, o que resta dum ninho, onde permanece uma avezinha a tiritar de frio. A mãe ave, aflita, contorna o ninho com voos desajustados, impotente e só. O pai ave, aflito, bica as folhas secas que seguram o que resta do seu ninho, tentando preservar a vida da pequena ave. O vento ruge, irado com o mundo, com a gente. - Pára, vento, parecia sussurrar a ave mãe - por favor, não o mates, deixa-o viver. O vento amaina, como respondendo ao apelo aflito da avezinha. E parecia dizer: - Venceste. Embora forte e destemido, sou sensível, também. Mas era tarde. A pobre ave não registe à intempérie. E ei-la prostrava sobre o colchão multipolar, no sopé da árvore. Um rumor rouco ecoou naquele céu sombrio. Tarde demais. Pai e mãe sobrevoam loucos, cruzando os ares. Uma nuvem chorosa se desprende desse céu sombrio. O sol, tímido, surge, rasgando o cinzento imenso ao sei redor. Caem do céu gotas cristalinas, quais lágrimas sedentas de justiça, que choram o sucumbir da natureza, as árvores, as aves. Relâmpagos
23 furtivos cruzam o ar. Energia em constante renovação, anunciando que a vida há de cruzar de novo os céus, que a natureza vai renascer. Que a natureza se renova. Duas gotas caíram do céu, a seguir outras duas até que rompeu uma tremenda chuvada, seguida de uns tenebrosos relâmpagos de seguida o barulho infernal dos trovões que fazia tremer o mais corajoso mortal. E agora? E agora? Uma lágrima rolou, triste, do meu rosto gelado. Olhei. À minha volta, um casal de aves voa, cruzando os ares cheio de esperança. Tudo na vida tem uma razão de ser. Lembrei Lavoisier: - “Na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma.” A vida continua!
Ano V… Revista 25… fevereiro / março 2017… página 26
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Vem Amor… - Que frio! Lucrécia olhou uma vez mais para o seu leito vazio. – Desperdício pensava ela, desiludida e apaixonada. Esta cinzenta quarta feira estava a terminar. O dia começara bem, tinha o António a seu lado… Este esboçou um largo sorriso e foi embora. Até quando? Olha agora a cama ainda por fazer, os lençóis amarrotados e, triste, cantarolava: - António, António, no silêncio sepulcral daquele quarto vazio. As horas passavam lentas. O dia correu de feição embora chovesse torrencialmente. Nesse cantarolar, meio tolo, olhava o sol que, sorrateiro, entrava pela janela e espreitava afetuosamente, beijandolhe o rosto. Nada nem ninguém lhe podia roubar o bom humor. Sim o efeito António fazia as horas do dia correr sem percalços. Sem se aperceber, largou um suspiro longo como se quisesse respirar profundamente aquele suave perfume que ficara ali no ar. Todo o seu ser gritava por António, o olhar percorria o quarto de lés a lés, em busca de algo que pudesse lembrar-lhe o seu amado, algo que os ligasse fortemente, nessa solidão imensa. As horas passaram. Eram já 18 horas. Regressou a casa, deixando para trás o raiado de um por de sol lindo que ficara junto ao mar. Escurecera. Em casa, sozinha, queria desligar-se do mundo exterior e entrar no seu mundo mágico, um mundo dos sonhos, quiçá, o sonho doce do olhar de António. Queria ouvir a sua voz suave, sentir os seus ardentes beijos, entrar no seu paraíso e, quem sabe, cometer loucuras, momentos de amor. Despiu-se à pressa e deitou-se. Tentava ainda absorver o fulgor do seu corpo nos lençóis frios e amarrotados daquela cama agora ainda
25 cheia de solidão. No seu silêncio, sentia ainda a sua presença. Imaginava as suas mãos calejadas percorrendo-lhe o corpo suavemente, com doçura. Arrepiou-se. Ufff, suspirou. Entrou nos recantos proibidos da sua memória, sentiu o seu desejo erótico, amor proibido. Ai, António, vem, amor. Estou aqui. Absorvida com os pensamentos da noite anterior, fechou os olhos e acabou adormecida. Acordou estremunhada, de repente, passado um tempo que nem soube medir. Deixara o mundo louco dos sonhos. Tudo na memória se dissipou. Na sua lembrança, apenas a imagem de António. Ouviu passos. Saltou da cama e correu para a sala. Não, não pode ser! O mesmo perfume. Era ele. - Antóniooooo – chama. A porta abre-se. E ele abraça-a com carinho. Que saudades, amor! Chegaste? Vem, amo-te!
Ano V… Revista 26… abril / maio de 2017… página 28
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Momento… Estava desolada. Fui até à praia, sentei-me na areia, e olhei o mar, o meu mar, límpido, com peixes cor de prata a boiar naquelas águas calmas e infinitas, como que acenando a uma sereia ou musa inspiradora, prisioneira num mágico castelo de tempos lá longe, quiçá, acenando e indicando o caminho de volta. Ao meu redor, a água, a areia, as gaivotas e um imenso céu vestido de azul, cujos raios de sol envolviam meu olhar com os seus laivos de cor de fogo ardente. A tranquilidade era só o que precisava, uns bons momentos de paz e harmonia. Uma quimera almejada e que não vinha. Olhei as ondas que, confiantes, se estendiam nas areias sem fim ao som daquela suave melopeia, no ribombar de cada grito logo depois se esvaíam, adormecendo e deixando-se arrastar nas profundezas do mar. Num vaivém cego e caloroso, reclamavam o seu leito e desapareciam. O vaivém das ondas no seu permanente bailado, acompanhado por olhares, sós, carentes, em busca de paz e de harmonia. E a frescura suave arrastada pelo vento, perenemente. O meu cabelo esvoaçava num ondular mágico e afagava suavemente o meu rosto, sussurrando segredos de amores antigos e melodias suaves cheias de ternura. E eu ali, encantada, adormecida nesse sonho lindo, de repente interrompido pelo grasnar frenético das gaivotas que esvoaçavam ao redor, ora voando, ora sentadas na areia, olhando, questionando, de ouvido em riste para se lançarem num planar imenso por esse céu imenso. Espetáculo sublime. Raios de fogo descendo sobre nós, divas do amor, pérolas preciosas, aguardando o amante ausente e almejado por um coração faminto de desejo. Olhando o mar. No silêncio de mim, escuto, observo, desejo. Eu, o mar, a areia, as gaivotas. Um só
27 cenário naquele espetro de azul, qual tela na inspiração do pincel do artista. E acordei, contigo, a meu lado, a sorrir, dizendo com carinho: - Bom dia, amor!
Ano V… Revista 27… junho/ julho de 2017… página 38
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Reencontro Rony
tinha chegado à conclusão não valia a pena insistir numa relação na qual só um gostava de estar. Cada dia sentia-o mais distante. Depois de muito pensar tomou a decisão possível. Melhor ir embora. Mudar de rumo, de cidade. Custoulhe muito, mas era a única solução. De manhã bem cedo falou com ele e comunicou-se a sua decisão. Aquela relação já não fazia sentido, deixara de a fazer feliz. Ele ficou estupefacto. Olhou para ela e ali ficou atónito sem saber o que dizer ou fazer. Esta notícia apanhara-o completamente se surpresa. Santo Deus o que fazer?
Rony, encaminhou-se para a porta. Olhou para ele com ternura e saiu em direção ao cais. Já não conseguia enxergar onde colocava os pequeninos pés. Balanceava, qual boneco articulado, como se estivesse embriagada. Fora uma decisão difícil, muito difícil, mas que se tornara premente tomar. Tinha que ser. Ansiosa, olhava o relógio. Nunca mais chegada o malfadado comboio. Ufff, lá vem. Afinal, mesmo na hora certa, sem atrasos. Deu dois passos. Olhou de soslaio em direção a casa, como que a despedir-se. Tinha passado ali momentos felizes, cheios de alegria. Muito ingrato. A chuva caía devagarinho na sua cabeleira longa e dourada. Os seus olhos de avelã, húmidos e tristes, olhavam como que à procura de algo que a fizesse voltar. Mas não, a decisão estava tomada. Subiu o degrau e entrou na carruagem. Cheia. Sentou-se na cabine. Não conseguia esconder as lágrimas que teimosamente lhe corriam pelo delgado rosto. Caramba! Porquê? Ó, melhor assim! Uma viagem longa pela frente. Quem sabe se uma oportunidade para refletir. A
29 sua vida estava em alvoroço, em conflito consigo mesma. Bem, o melhor é descansar um pouco. Fechou os olhos e permaneceu em silêncio. Precisava encontrar uns momentos de paz e de serenidade. Olhou pela janela e exclamou de si para si: - Que maravilha. A beleza da paisagem que lhe entrava pela janela acalmava-a e servia um pouco para a afastar dos seus pensamentos. O paraíso, só podia ser. Lembrou a sua avó, a floresta encantada, os animais que falavam. Que bom! Recordava: No centro da mesa, um enorme arranjo de flores, cada qual com seu matiz, qual arco iris, enorme! Seus olhos brilhavam de contentes. Os animais, imaginava, olhavam. Linda, qual princesa. De repente, ouve uma voz. Reconheceu-a. Fora sua nos mais belos momentos da vida. Olhou temerosa e procurou o som. – Onde estás? – gritou. A sua mente escaldava. Afinal, tinha-o abandonado. Caiu, desolada, num banho de lágrimas. Saudade! Que fazer? O que vou eu fazer? Não posso recuar! De repente, saltou sobressaltada. … E despertou. Alguém ao lado acordou aflita. - Oh! desculpe adormeci! - Não precisa desculpar-se. Vai de viagem? Para longe? Depois, soltou o mais belo sorriso e respondeu: - Para o fim do mundo, para além da eternidade...
Ano V… Revista 28… agosto/ setembro de 2017…página 34
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A Arte, a Música, a Cor, a Poesia Num lindo dia de Verão a poesia saiu à rua pintada de várias cores: O azul celeste enfeitou-se com plumas de ganços e sorria feliz, contente para o seu amigo vento que, cheio de energia dançava num esvoaçar alegre. O sol, cheio de graça, sorria por entre a vidraça de uma nuvem que passava e se aconchegava no calor. Uma gaivota tresmalhada grasnava bem-humorada e não fosse precisar de energia, ficava ali todo o santo dia. No ar, os acordes suaves duma harpa. Eram anjos e querubins entoando hinos de louvor enquanto observavam o mundo cheio de cor à minha frente. Até mesmo a flor soltava odores suaves naquela tarde de arte e amor. Cada tela multicolor, verde, encarnada, azul, amarela. O anfitrião esperava com simpatia, enquanto decorava cada lugar com as belas telas que acabavam de chegar. E cada pintor, fotógrafo, músico, poeta iam chegando gradualmente a esse lindo lugar. Cada parede de xisto acastanhado esperava aquele amontoado de cor e poesia e mesmo silente, quase sorria. Passo a passo, poetas, pintores, fotógrafos, escultores e músicos foram engalanando o espaço. Falavam, gesticulavam, sorriam felizes. A poesia – que poesia! - brilhava em sintonia. Os artistas expunham as suas obras, orgulhosos de seus trabalhos, que os poetas interpretavam com lindas poesias engalanadas em folhas de cortiça ante a parede que era nua, agora revestida de beleza e de cultura. Passo aqui, passo ali, declamava-se poesia, a música suave se ouvia, olhar sorridente dos presentes surgia… o mais público, pouco a pouco, a sala enchia. A magia da música transformava os momentos em alegria interior e no olhar de cada um dos presentes, sorrisos de amor. Um mundo de fantasia, o renascer de reis e de rainhas dum imaginário bem escondido no nosso coração. O Almoço dos Príncipes. Os poemas gravados, em folhas de cortiça, a dar brilho ao espaço e às palavras. Cada trabalho de arte, orgulhoso
31 por as ter tão perto. E projetavam-se no espaço, envoltas no verdeesperança do lugar esperança. Momentos edílicos, sorrisos felizes, registados para a posteridade num álbum de família transformado em e-book. O Sol caía lento, o vento soprava ameno, os artistas - que se iam dispersando trocavam abraços num dia que passara tão depressa. Um último olhar ao redor… E a saudade que já percorria as nossas mentes. Equipa magnífica! Um registo final. Alegria, felicidade. A Arte é tudo – disse Eça de Queirós. O mundo sem arte, sem cultura, não é mundo. Despedimo-nos olhando nostalgicamente as paredes e tanta verdura ao redor daquele belo espaço.
Ano V… Revista 29… setembro 2017… página 40
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O Desconhecido Ansiosa, espreitava a janela. Estava na hora, tinham acabado de bater as 18 horas no relógio da igreja. Olhava atentamente para um lado, a seguir para o outro, na esperança de ver aparecer o desconhecido que nos últimos dias misteriosamente ali surgira. O coração batia apressadamente, parecendo querer saltar-lhe do peito a qualquer momento. Suspirava. Nada nem ninguém demovia a sair daquela janela. Eram momentos seus, íntimos, que ninguém ousaria usurpar-lhe. O Janota, aquele gatinho persa, cinzento, peludo, coçava-lhe as pernas, querendo chamar a sua atenção. Mas não, momentos eram apenas dela quiçá, dessa figura misteriosa que desde há algum tempo tomara muitas das suas horas do seu descanso. Sorria para consigo. Parecia uma adolescente a olhar para ele, elegante, despreocupado a caminhar naquela rua, a sua rua. Coitado! Nem lhe passava pela cabeça que desde há dias estava sendo observado a cada instante! Desde há um mês para cá, era a sua rotina diária… e ela, atentamente, desde o primeiro dia, seguindo os seus passos. E cogitava para consigo: Quem será? Curiosidade! Coisas de mulheres, quem sabe, apaixonadas. Impaciente, olha de novo o relógio. Uma hora. Arre! Não vem. Que terá acontecido? Hummmm, não estou a gostar, ufa! Os minutos pareciam horas, a angústia aumentava e ela ali, desesperada, sem poder fazer nada. Nem o conhecia, como entrar em contacto com ele? A noite vai chegando. Há que retomar os afazeres domésticos. Mas o seu pensamento estava cativo, o ilustre misterioso não lhe saía da mente, sentia-se estranhamente só, a melancolia cercava-a. Hoje não veio. Sensação estranha de perda. Ele começava a fazer par te de si, sentia-se sua prisioneira, agora. Dezoito horas… Que ansiedade! O que está a acontecer comigo, perguntava.
33 O tempo passava. Hora de descanso. Deitou-se, aconchegou-se, agarrada aos lençóis, como se num abraço. Tentou dormir. Não, não conseguia, o sono não chegava. Levantou-se e foi ler o livro que tinha sobre a mesa de cabeceira. Poesia. O seu preferido. Ao longo da leitura, sua mente viajava até ao desconhecido, sentiu-se numa rua estreita procurando, procurando. Soltou um suspiro e logo um calafrio. Sentiu-se arrepiada. Porque penso nisto, perguntava. Cansada, colocou o livro sobre a mesinha e voltou-se a deitar até adormecer e ver-se em sonhos vagueando rua após rua, à procura do homem que a possuíra e agora era um ser a viajar no âmago do seu subconsciente.
Ano V… Revista 30… outubro 2017… página 33
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Um Natal diferente Descalço, percorria as ruas da cidade. Ninguém dava importância aquela criança trigueira, de olhar sereno, meigo e triste. No alvor do dia, o sol rasgava os céus, o vento fustigava as árvores que quase nuas pareciam esvair-se num grito de revolta. O chão era agora um manto multicolor. Era inverno. Havia pelo ar um espírito mágico que anunciava a chegar do Natal. As lojas enchiamse de objetos, tantas vezes inúteis, num apelo louco à compra desenfreada. As ruas estavam agora engalanadas, as lâmpadas que luziam, a música espalhada pelo ar. Cânticos e cânticos de louvor ao Deus Menino misturavam-se com os anúncios patéticos de apelo à compra. Perdido entre a multidão de gente que se aglomerava em cada rua, o menino olhava, fascinado, para esse mundo colorido de magia. A cor, o som, a fantasia que nesta quadra era para si tão incisivos, marcantes. O sol tentava desviar-se de uma ou outra nuvem que teimava em ocultá-lo, deambulando por esse céu azul, infindo. A chuva, caprichosamente, não vinha. Um Natal diferente, cheio de sol e de alegria. Lentamente, com seus pezitos arroxeados, deambulava, sem meta, sem rumo. Olhou fascinado para o mar, lá longe. Imensidão e paz. Um manancial de água à sua frente. Um sorriso invadiu o seu olhar: - O mar! Que belo o mar! Olhou o horizonte. Dois barquinhos que lutavam com as ondas. Gaivotas num rodopio louco, planando nas alturas. Uma lágrima peregrina escorre pela face: - Mãe, onde estás? Vem aqui! Quero ver-te, abraçar-te! Circunspeto, olha de novo o mar, imagina-se a flutuar por entre as ondas. – Hei, montinhos de algodão, vinde cá!
35 Recorda o colo da mãe, o embalar sereno pela noitinha, antes de adormecer. Senta-se na fria areia, ainda molhada pelas ondas no seu vaivém perene que alcançam os seus pezitos, frios, doridos. O seu vivo olhar tentava não perder nada do que se passava à sua volta. – Olha, um beijinho de amor! – Obrigado, mar! Apanha-o e fica a olhá-lo na sua mãozita. Acaricia-o e diz em silêncio: - É para ti, mãe… Olha os rochedos. Gaivotas mil esvoaçando, pousam sobre eles. Tanta cor! Pretas, brancas, castanhas… O seu grasnar é uma sinfonia de sons que se espalha no ar. O sol declina. O vento sopra. No céu já se veem as estrelas, ténues. Aquela gigantesca bola dourada adormece no seu leito infindo, o mar. Aconchega-se, cobre as orelhitas com o casaquito pouco cuidado. - Brrrrrr, está frio! Mãe, tenho fome… As lágrimas escorrem agora pela sua face amarelada, queimada pelo sol. A noite chega. Sentado, a olhar o horizonte, tremendo de frio. Fecha os olhos… e adormece ao relento, morto de cansaço. Amanheceu. Os barcos chegam da faina. Olham espantados. Tão pequeno, tão frágil, abandonado na praia. Correm e pegam-no ao colo. Nem deu por isso. Gelado: - Pobre criança – exclamam – dormiu aqui na praia. Dá-me esse casaco, precisa aquecer-se. Vamos levá-lo. Como é possível abandonar assim um inocente? Desperta, lança para os seus protetores o mais belo sorriso e… adormece: - Mãe! Voltaste! Vieste-me buscar? Sabes hoje dormi na companhia do mar. É lindo! - É lindo, sim. Vem, meu filho. Nunca mais vais ficar sozinho, prometo, sim? -Que bom! Vamos, mãe!
Ano V… Revista 31… dezembro 2017… página 38
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Fazes-me falta, amor! Dezoito horas. Noite cerrada, Jomy regressava a casa depois de uma longa caminhada. À sua espera, apenas o seu Tareco, o seu gatito, que aguardava ansioso a sua chegada. O vento fustigava o seu blusão encharcado pela chuva que escorria copiosa sobre os longos cabelos louros, encharcados agora pelas agruras do tempo. Caminhava apressada, a escuridão era quase total. Finalmente, o regresso ao lar. O céu, um tenebroso manto negro, triste e apagado, sem estrelas. Raras as pessoas na rua. O trepidar dos carros que passavam e jorravam água, encharcando impiedosamente o seu corpo frágil. A noite assustava-a. Aqui e ali parecia ouvir passos de alguém a persegui-la. Apesar da hora de ponta, do apinhado de pessoas que se acercavam da paragem do autocarro para regresso ao lar, jovens, adultos, velhos, aquele ambiente assustava-a… e sentia-se só. Fim de tarde interminável. A velha torre contava pausadamente o tempo. Dezoito horas e quinze minutos. Jomy aconchegou-se com a gola do blusão. Tremia de frio. Ei-la, a Igreja, bela, altiva, como sempre. Pensou: Antes estava sempre aberta. Os crentes entravam, rezavam e gozavam o silêncio e a paz que ela lhe oferecia. Agora…, fechada a sete chaves…, sempre! Não vá o diabo tecê-las… Virou a esquina… Ao longe, a sua casa, lar, doce lar… cruzou-se com um desconhecido. Viu-o olhando de soslaio. Olhar escuro e penetrante, um arrepio percorreu todo o seu corpo, dos pés à ponta do mais longo cabelo. – Ufff… - murmurou. Olhou-o mais a frio!... e sem querer soltou um sorriso interior que lhe confortou a alma. Apressou-se… Logo chegou e num ápice, abriu a carteira… - Que alívio!
37 Enfim, salva da chuva, do vento, desse temporal sombrio que a acometera. Subiu as escadas, por fim, no seu terceiro andar, rodou a chave. Tareco lá estava à sua espera: - Miaaauuuuuu… - Tareco, meu pequeno lindo, vem cá à mãe! Um a um abriu os compartimentos do pequeno apartamento. Silêncio absoluto. Chegou ao quarto ei-lo, o seu amado, sobre a cama à sua espera… - Surpresa boa! Pensava que voltavas apenas daqui a alguns dias. Que bom que chegaste! Hoje senti um medo tremendo…. Sabes como receio caminhar sozinha quando se faz noite. Hoje, o olhar daquele homem... irra, que medo! Vou-te contar… - Pronto… já passou… - Abraça-me, amor, deixa-me flutuar nos teus braços. Diz-me com carinho: - Amo-te!
Ano VI… Revista 32--- fevereiro 2018… página 34
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Mulher Ser mulher, ser poesia, Mãe, esposa, companheira, Mar liberto em maré cheia Em estrofes é magia. Livre no tempo, flutua Como uma égua num prado, No firmamento é lua, Coração apaixonado. Rosa, lírio, malmequer, Liberdade no sentir, Corpo lindo de mulher Coração de ouro a sorrir!
Ano VI… Revista 33… abril 2018 --- página 50
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Está frio, meu Amor Está frio meu amor! vem-me abraçar... por favor O dia está a findar... o sol a desaparecer! Tenho saudades de te ver! Quantas saudades amor Porque daqui tu te foste? A saudade que ficou No meu rosto se declarou! E a alma esta a sofrer... Não devias ir embora O meu coração por ti chora O sol se deitou... e agora? Como posso adormecer! Dizes para descansar… Como o posso fazer? Sem a tua companhia! Sinto-me numa triste agonia Sem vontade de viver...
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O tempo Assimilei
que o tempo não é nosso. Por mais que o queiramos esconder, não conseguimos, não é como uma lágrima que cai e nos escorrega pela mão... As lágrimas não são apenas pequenas partículas de cloreto de sódio, os sais salgados, são antes de uma composição química, uma amálgama de sentimentos tão dispersos como o próprio vento, sentimentos que expressam alegria ou tristeza. Quando de tristeza, servem como um unguento para nos libertar do sofrimento, quiçá, como um grito para libertar a nossa alma. Quando de alegria, fazem resplandecer o nosso rosto, quantas vezes, deixando atrás de si uma efusiva vontade de sonhar. Hoje escrevo de alma lavada, lancei os meus sentimentos num pequeno bloco de papel amarrotado pelo tempo. É assim a nossa vida: amarrotada, delimitada pelo tempo, muitas vezes fazendo-nos perder a noção do ser, do pensar, do viver. São também um alibi para nos curar das feridas, quais marcas tatuadas pelas pegadas do tempo, o nosso tempo. O tempo que desejávamos para nós e tantas vezes nos escapa das mãos sem que nos apercebamos. Com elas lavamos as angústias, os pesadelos e os medos guardados no curso da nossa peregrinação. Acordei com o peso da nostalgia sobre os ombros. Vaticínio das condições do clima, certamente. Chove, é triste. Talvez porque o vento arrasta consigo a folhagem espalhada pelo chão, resquícios de um inverno tão diferente de si. Para trás, o tempo de lazer, as visitas ao campo, os passeios à beira mar, o cheiro a maresia, o vaivém perene das ondas. Lembranças retidas no olhar, tons frios, tons quentes, tons que nos penetram na mente e nos fazem sonhar, lembrar tempos idos que a memória regista onde tudo era belo e quente, tempo de promessas, de textos escondidos entre as folhas dos livros, tantas delas agora
41 amarelecidas pelo tempo, promessas de amor que não chegaram ao destino mas que se conservam dentro de nós e nos fazem derramar uma lágrima de saudade, quem sabe, de sonhos ainda por sonhar. Hoje fui ver o mar, o mesmo mar, o mesmo passeio que tantas vezes percorri, sozinha, pensando em ti. Saudade, saudade do teu abraço, das palavras sem sentido que me sussurravas ao ouvido, promessas não cumpridas e que hoje percorrem os recantos da minha consciência. A saudade apoderou-se da minha consciência, entranhou-se no meu coração e tomou conta de mim. Na minha memória, lembranças de um grande amor, uma lágrima que cai, registos de alma que não mais vou esquecer. São elas que mantém vivo o meu pensamento, é por elas que choro. De alegria? De tristeza? Não, apenas de saudade!
Ano VI… Revista 33… Abril 2018--- página 79
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Silence! Mais uma vez, Ruanita engoliu em seco, parecia-lhe mentira o que estava prestes a acontecer naquele belo entardecer. O sol ia declinando e preparava- se para se esconder por detrás da frondosa árvore do pequeno jardim. Uma lágrima peregrina descia-lhe no olhar, entristecida pela notícia que acabara de chegar. Não entendia tudo aquilo. Com voz trémula, perguntava: - Que aconteceu? O que se passou? Manuelito fixou seus olhos castanhos e, baixinho, lançou algumas palavras quase impercetíveis, não conseguindo evitar a tristeza que ia no olhar da sua tão querida companheira. A vida prega-nos destas. Chegara o momento de partir, de procurar algo que lhe pudesse proporcionar maior estabilidade no seu quotidiano. Há muito que procurava mais do que esta lhe proporcionava. Depois, havia tantas outras coisas que falavam maios alto do que aquela relação entre os dois. Ruanita deu dois passos em direção à porta, rodou a chave na fechadura e entrou. O mundo desmoronou-se à sua volta, parecia um enorme baralho de cartas, uma a uma deslizando por entre os dedos, caindo no chão, provocando aquele estranho ruído. A última ficou balanceando na palma da sua mão. Olhou-a limpando as lágrimas que teimosamente deslizavam pelo seu rosto. Como estava distante o brilho de felicidade de outros dias. Agora, só mesmo tristeza e desolação. Manuelito não sabia o que dizer, estava triste, mas a decisão estava tomada, tinha que encontrar o seu rumo. Sabia que a sorte não passa duas vezes. Aquela separação ia ser um tormento, se não desse esse passo, nunca se perdoaria. Ao ver aquele velho piano, Ruanita deu dois passos na sua direção, levantou a tampa e sentou-se, esboçando algumas notas. Mozart,
43 “Requiem For a Dream”. Sim, um sonho que desvanecia naquele estranho entardecer. Meu Deus, como iria ela sobreviver àqueles momentos tão cheios de tristeza e de solidão? A sua respiração era lenta e compassada. Parecia esvair-se lentamente, não iria aguentar. Ao ouvir o som do piano, Manuelito entrou na pequena sala. Em seguida, deu dois passos adiante e partiu, sem se despedir. Ouviu o som seco e rudo do bater da porta quando esta fechou bruscamente. E os seus olhos se rasgaram num sufocado e ininterrupto choro que lhe dilacerava todo o ser e penetrava fundo no âmago da alma. Cansada e sem forças, Juanita lançou-se sobre a cama e chorou horas sem fim. Exausta, apagou a luz e adormeceu. Como gostaria de não voltar a despertar! A vida perdera o sentido. No correr da noite, acordou estremunhada. Perdera a noção do tempo. Tudo era breu ao seu redor. Cambaleante, levantou-se, acendeu a luz. Tentava reordenar tudo o que se tinha passado. Estonteada, parecia-lhe ouvir o som surdo do piano, muito distante. Apoiada à parece, foi seguindo o estranho som e abriu a porta do quarto. Ó, sim, parecia agora mais limpo e real. Parecia vir dos lados da saleta. Com custo, continuou. Era agora mais claro e vivo. “Noturno”, de Chopin, reconheceu. Pareceu reviver. Correu para aquele lugar mágico e deparou com alguém sentado no seu piano, tocando a sua música, pelo homem da sua vida. - Amor, que pesadelo, ó Deus! Num instante, lançou-se nos braços de Manuelito e ali ficaram tempo sem fim, silentes, com o coração transbordando de felicidade. Manuelito olhou aqueles olhos castanhos, mergulhados em lágrimas de alegria, e disse: - Voltei, amor, o meu lugar é aqui, tu és tudo o que almejo para mim. Juntos vamos ser felizes. Vem, vamos tocar. Sentados ao piano, entoaram a quatro mãos aqueles sons mágicos de Beethoven que tantas vezes tinham tocado em tempos idos. “Silence!”. Um olhar apaixonado o envolveu enquanto aqueles sons mágicos se elevavam no ar, envolvendo toda a sala. Uma vez mais, era o triunfo do amor nas suas vidas.
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Mulher Guerreira Mulher Guerreira, Em cada novo amanhecer Tens a força do querer Com crer e confiança, Carregas no ventre a criança Que será o futuro Deste mundo impuro Retrato da falsidade, Da crueldade Que invade a humanidade. Olhas à volta E um grito de revolta Por tanta injustiça Libertas com emoção, Sentindo o coração De nova geração A pulsar dentro de ti, Que trará amanhã, Quiçá, Uma nova realidade Onde reine a liberdade. Olhas o mundo presente Faça sol, ou chuva, ou vento, O trabalho te espera, Afagas o ventre com carinho, Com cautela, E num instante Sorris confiante, Cheia de alegria,
45 Com força, com coragem, e ousadia Enfrentas cada dia Com o coração na mão Em busca de pão! A vida é um fardo pesado Mas o filho por ti gerado Ajuda-te a enfrentar As vicissitudes da vida Tornando-a mais colorida Sendo a razão do teu viver
Ano VI… Revista 36… agosto 2018… página 25
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Hoje sonhei… Sonhei, acordei estremunhada a chorar. Que saudades, o meu peito salta ao respirar. É como se na rua alguém grite por meu nome. O vento chama-me, assobia baixinho. Ao longe, aquele ruído rouco dum barco cruzando o mar. Levanto-me, olhei. Não estás. O vazio. Aquele vazio que sinto sempre quando estás ausente. Sorrateira, esgueiro-me até à janela, abro o estore. Caramba! Que nevoeiro. Sempre este maldito e denso nevoeiro que me sufoca, me retira o ar, me deixa aniquilada. Olho a rua e nada vejo. Imagens esbatidas, somente. Não entendo porque fico assim quando o nevoeiro surge do nada e nada o faz prever. Volto para a cama. Deus meu, que sufoco neste peito estrangulado. Porque dói tanto? Aconchego-me na almofada que abraço, as lágrimas caem profusamente. Fecho os olhos, saudades de minha avó, da sua voz meiga e delicada, das histórias inventadas ou não, que tanto gostava de ouvir, da sua gargalhada franca e farta, do seu silêncio quando entardecia, quando o sol se escondia por detrás das árvores. O seu silêncio é agora o meu silêncio, o silêncio do entardecer que traz as saudades e me faz sentir tão só. Sonhei, estavas lá, certamente. Saudades desse abraço terno e profundo que com carinho me davas quando entardecia. Eras tu, então, quem tinha saudades, da tua vida, da tua infância, do teu peregrinar neste mundo que não é nosso. Tempo esvaído no relógio do tempo. Lembro a tua cegueira, aquele mundo oculto que um dia me levou a descobrir as cores do mundo. Na verdade, nunca entendi porque eras cega se conseguias ver coisas que tantas vezes não conseguíamos vislumbrar. Foi-se a visão, e desde aí aprendeste a ver com mais realidade, com mais brilho, com mais cor. Firme como uma rocha, sem que nunca te
47 deixasses vencer. Ah, mulher rija do Norte. Assim aprendi-te, a ver, um pilar na nossa casa, na minha infância, na minha adolescência. O tempo aviva as memórias, me faz recordar. Que rosto lindo o teu! Retenho no pensamento cada palavra, cada história, cuja memória, já vencida pelas vicissitudes da vida, muitas vezes tenda ocultar o pormenor. Esse, o tempo levou, mas o essencial, permanecerá gravado dentro de mim, na arca das minhas recordações. Acordo a chorar. Sem querer, vieste visitar-me no meu estranho sonho, invadir o meu pensamento que se esfumava no denso nevoeiro da vida que me vai escapando da palma da mão, da minha, da tua, esvaído em angústias, incertezas, saudade. Lembro o teu último sopro de vida, derradeiro suspiro naquela longa e fria noite. Ouvia-se o melancólico cantar dos galos numa despedida triste, o vento assobiava e provocava um assobio longo e intenso no agitar dos ramos de cada árvore, debaixo das quais tantas vezes te sentaste naquela rija cadeira de madeira, a tua cadeira, apenas tua. Tudo foi desaparecendo lentamente, no curso do tempo que passa, mas vivo nas memórias que retenho de ti, essas não vão morrer jamais, palavras de vida que me vão perseguir ao longo da minha peregrinação. Sabes, avó? Acordei encharcada em lágrimas, porque senti a tua falta, mas essa saudade é também a alegria de te sentir viva em mim. Saudades? Muitas, mas quem sabe, um dia, num tempo que não é tempo, te volto a abraçar, com o mesmo carinho, com o mesmo entusiasmo, com a mesma alegria… - Chegaste, amor? - Porque choras? - O nevoeiro assusta-me, fico sempre assim quando te sinto longe de mim. Sabes? Sinto saudades da minha avó!
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O outono No chão um manto de cor Dá bom dia aos passarinhos Que um canto de louvor Vão cuidando dos seus ninhos Há caruma p’ró magusto Que chega ao entardecer Que a juventude sem custo Foi no bosque recolher Crianças correm na rua Com muita, muita alegria E esta festa minha e tua Se enche de fantasia O fogareiro a aquecer O homem que grita e clama Quem quer castanhas, quem quer Alimentar esta chama Ouve-se um cão tão contente A ladrar com alegria Sente o dono ali presente Que quer sua companhia As folhas caem depressa Tão cheias de cor e graça Novo outono que começa E mais um verão que passa Ano VI… Revista 37… novembro de 2018… página 60
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Hoje... Respiro o azul do mar Que lá do céu transparece E soletro o verbo amar Que no meu peito floresce Vives no meu coração Abraço-te com amor No fragor desta paixão O cinzento tem mais cor Vivo com intensidade Este novo amanhecer Amo a minha liberdade Minha ânsia de viver Acordo pela manhã Com muita, muita saudade E o aroma da hortelã Me liberta da ansiedade Com o meu sorriso aberto Eis-me p'la rua a sorrir E nem mesmo o tempo incerto Me convida a desistir No sereno entardecer Deste dia bem vivido Eu só quero adormecer E então sonhar contigo!
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Dia de Natal Era um dia muito especial, o dia de Natal. Flor, menina astuta e brincalhona, estava com ar triste. Lili, a sua gatinha, tinha desaparecido há semanas. Este Natal não poderia gozar da sua doce companhia. De manhãzinha bem cedo a Avozinha entrou no seu quarto e chamou-a como era seu hábito desde que a netinha fora viver lá para casa. Flor sorriu-lhe e a avó reparou que os seus olhos estavam vermelhos de tanto chorar. E perguntou: - Minha querida, não te quero ver assim. Sabemos bem que a Lili desapareceu, mas tenhamos confiança. Ela vai voltar para casa. Os gatos têm um bom sentido de orientação. Além disso, hoje é Natal, Flor vamos lá ver se arrebitas. Levanta-te, há muito que fazer hoje e preciso da tua ajuda. Temos que ir ao musgo para o nosso presépio. - Eu sei, minha Avozinha, o Natal é já amanhã. Não estou esquecida, apenas triste. A Lili fazia parte da minha vida, bem sabes. Sinto a sua falta. - Tenta esquecer isso por algum tempo, vais ver como de repente nos entra pela porta dentro. Hoje é dia de alegria, não de tristeza. Reanimada pelas palavras da avó, Flor levantou-se, vestiu uns agasalhos quentes e lá foram as duas à arrecadação buscar os apetrechos para o seu presépio. - Vamos, avó, olha ali Musgo bom, com bela cor Traz a cesta para aqui, Mas que bonita esta flor A cabana vai ficar Bem linda, cheia de Luz, E por certo irradiar O rostinho de Jesus
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Logo que apanharam o musgo, o azevinho e alguns ramos de pinheiro, voltaram a toda a pressa para casa, montaram o presépio e depressa escureceu. Finalmente, tudo pronto à espera do Natal. A mesa, cheia de iguarias, as batatas, o bacalhau, tudo pronto para uma noite de todo essencial. Apesar de estarem apenas elas, era sempre um dia de grande festa, cheio de paz e amor. O resto da família encontrava-se emigrada por esse mundo fora e agora apenas podiam contar com a companhia uma da outra. Depois da ceia, sentada num banquinho de madeira na velha cozinha, lareira acesa, ali passavam o resto da consoada com a avó a contar velhas memórias doutros tempos, enquanto lançava para o borralho batatinhas novas e maçãs da porta da loja, que ficavam uma delícia quando assadas à lareira. - Truz, truz, truz – ouviu-se bater. - Avó, estão a bater à porta, quem será? - Não imagino, querida. Levantou-se, espreitou pelo postigo e viu do lado de fora um menino tinindo de frio. Abriu, saudou-se e convidou-o a entrar. Estava descalço, tremendo, quase desfalecendo. Amparou-o e trouxe-o para dentro. - Flor, vai ao quarto e traz depressa umas meias bem quentinhas e uma camisola forte. Traz também umas calças aconchegantes. Flor correu ao quarto e procurou entre as suas roupas favoritas. Correu e num ápice as entregou nas mãos do menino que apenas sorriu. - Veste-as e vem sentar-te aqui connosco à lareira, estamos mais quentinhos e vais deliciar-te com as histórias da minha avó. Podes comer o que mais te apetecer, sim? Queres que te ajude a vestir as roupas? Veste-as, são quentinhas. Toma também estas pantufas. E ali passaram o resto do serão, ouvindo as belas memórias que a avozinha não se cansava de contar. E por ali se estenderam noite fora. - Bem, meninos, são horas de descansar. Horas da caminha. Vamos dormir na graça do Menino Jesus. Tu dormes na caminha da Flor e ela vem dormir comigo esta noite. De resto, amanhã logo se verá.
52 E lá foram dormir. Foi a sua mais linda noite de Natal. De manhã bem cedo, lá estava a Avozinha a calcorrear por ali, para preparar o pequeno-almoço, desta vez para si, para a Flor e essa companhia inesperada e tão feliz do menino, o seu Menino Jesus. Momentos depois lá estava a chamar a netinha e lá foram juntas ao quarto para despertar o seu amiguinho. Mas não, o quarto estava vazio. O que teria acontecido? Uma sombra de tristeza descia no olhar de avó e neta. Porque teria ido embora? Nem sequer um adeus! Vasculharam os recantos da casa e nada. Voltaram à sala e cheias de espanto viram as roupas apinhadas sobre a cadeira, dobradinhas e limpas. Mas para sua surpresa, a mesa estava agora repleta de doces e iguarias como elas nunca tinham visto. De repente, a porta abriu-se e, surpresa, entrou o menino carregando um belíssimo cesto de verga devidamente aconchegado que prontamente entregou a Flor. De olhos esbugalhados, descobriu o cesto e… - A Lili! Avó, a Lili voltou! E não vem só! Olha-me estes três gatilhos, tão lindos! Obrigado! Ó, nem sei sequer o teu nome para te agradecer! De novo, a felicidade tinha entrado naquele lar humilde onde cada canto estava rodeado de afetos. Com a alegria, nem tinham reparado que o menino tinha desaparecido de novo. Correram em direção ao presépio e sussurraram: - Foi Ele? Ó, obrigada, Menino Jesus – disse Flor emocionada – obrigado por teres descido hoje à nossa humilde casinha e por nos teres devolvido não só Lili, mas também os seus filhinhos. Este vai ser sempre o Natal mais feliz das nossas vidas. Feliz Natal!
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Murmúrios em Belém Um murmúrio se ouviu Nesse novo alvorecer E o povoado sentiu O Messias renascer De boca em boca correu Por Efrata de Belém Que o Deus Menino nasceu Numa choupana em Jerusalém O povo ouvia baixinho Pois de Herodes tinha medo E falavam do Menino Muito atentos, em segredo Enquanto Herodes seguia Esse povo a labutar Muito estranho se sentia Ao ouvi-los cochichar Mandou soldados sondar Razões de tanta euforia Não demorou a encontrar O segredo que existia Procuraram o Messias Em todo o seu povoado Em pensões, albergarias Em grutas, em todo o lado Jesus nas palhas deitado O seu soninho dormia Atentos e com cuidado Zelavam José, Maria Ano VI… Revista 37… dezembro 2018… página 41 e 42
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Romaniga Romaniga, mais conhecida por Vitória, ainda jovem, veio trabalhar para Portugal. Prometeram-lhe uma oferta de emprego num dito lar de um casal de meia idade, sem filhos. A realidade foi bem mais cruel. Romaniga não tinha dinheiro para a viagem, era oriunda de uma família muito carenciada. Era jovem, viva, cabelo ruivo e olhos verdes que pareciam cintilar ao sol. Era muito alegre, apesar da sua condição tão humilde. A sua figura atraente acabaria por chamar a atenção de alguém. Logo, a convidou para ir para o seu país, tendo-lhe prometido uma vida bem melhor, que lhe proporcionaria até economizar algum dinheiro que podia enviar aos seus carenciados pais. Romaniga tinha cinco irmãos, todos mais novos. - Pensa nisso – convidava o pretenso amigo. A jovem pensou e resolveu aceitar a oferta. Afinal, os pais precisavam mesmo de apoio. Tinha dezasseis anos, via dificuldade no seu país para encontrar condições que lhe permitissem concretizar os seus sonhos. Talvez fosse a oportunidade esperada. Falou com os pais que logo, numa primeira reação, se mostraram contentes por ela. Mas, nos seus corações logo lhes veio à superfície o amor paternal. E a tristeza, a preocupação logo se acercaram deles. Eram muitas as histórias de jovens que partiam e logo se viam a braços com situações muito difíceis de gerir: desaparecimentos, trabalho escravo, prostituição e coisas assim. Ficaram perplexos. As reservas eram muitas, mas não podiam contrariar a filha, quem sabe, não permitir que ela alcançasse a oportunidade da sua vida. - Deus é grande – pensavam – Há-de proteger a nossa filha. Depois de muito pensar, Romaniga voltou a falar com o seu interlocutor e disse-lhe que havia um óbice que não conseguia ultrapassar. Não tinha dinheiro para a viagem.
55 - Não te preocupes, Romaniga – disseram – nós apoiamos-te na viagem. Depois, pagas como puderes. Na sua inocência, Romaniga aceitou. Era grande a ansiedade, seria o concretizar do seu sonho. Quando voltou para casa, estava feliz, contou aos pais a benevolência do seu amigo e disse: - Assunto resolvido. Vou à aventura.: - Tem cuidado filha, vê se está tudo correto. Somos pobres, mas temos honra e orgulho! - Não te preocupes, Mãe, tudo vai correr bem, afinal, já sou uma mulherzinha. Sei tomar conta de mim. E não vou sozinha, há mais jovens como eu que vão comigo nesse dia. O tempo parecia não passar. Finalmente, o dia chegou. Romaniga despediu-se dos pais com um até breve e recebeu um rol de recomendações dos pais. - Vai correr bem. Logo que tenha possibilidade, enviarei algum dinheiro para vós. É o início duma nova etapa, vamos a isso. Respirou fundo, abraçou-os, ocultando as lágrimas e partiu, cheia de esperança, rumo ao desconhecido. A realidade foi bem mais cruel. Logo que chegou ao seu destino, Romaniga deparou-se com um mundo estranho. Afinal, todo o seu sonho se frustrava. Delinquência, droga, prostituição. Quanto mais trabalhava, mais dinheiro devia aos seus sequazes que cada dia mais exigiam da pequena. Acabou por se tornar toxicodependente também. As poucas horas livres serviam para se lavar num banho de lágrimas, carregadas de desgosto. Perdera o respeito por si mesma. Era agora um trapo humano. Quando já não servia para nada, colocaram-na na rua. Afinal, os clientes já não mais a procuravam. Na verdade, era ainda muito jovem, mas ficara gasta com o tempo, nada valia. E ei-la a vaguear pelas ruas. Na sua solidão, olhava o céu e as estrelas e chorava. - Tenho que encontrar uma saída – pensava. Procurou ajuda. Providencialmente, foi encontra-la, num lar que a acolheu. Recuperou-se, ergueu de novo a cabeça, procurou emprego.
56 Mas o tempo era mau, a crise era enorme e os dias passavam sem que uma ocupação aparecesse. Mudou de cidade, finalmente, ei-la a arrumar viaturas num parque de estacionamento. Simpática, afável com as pessoas, prestava-se para ajudar, a carregar compras. Um dia acercou-se de mim e disse: - Senhora, desejo-lhe um ótimo Natal e um Fim de Ano cheias de saúde e Amor. Sabe, senhora? Segunda feira vou regressar ao meu país. Estou tão feliz! Vou abraçar a minha família! Santo Deus, que saudades! Há quase trinta anos que não os vejo. Uma lágrima peregrina rolou-lhe pela face. Olhei os seus lindos olhos verdes, antes apagados de tristeza, agora verdes de esperança e disselhe: - Fazes bem, Romaniga, se puder ajudar, podes contar comigo! Ela sorriu e disse: - Obrigada senhora, só quero que o tempo passe a correr, para voltar ao lar. E partiu rua fora cheia de alegria. Nunca mais a vi.
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A teia Marosca, em teia, tecida Em tela amarelecida; Gritam os anjos do céu O que aconteceu, Deus meu? São quais frutas deste tempo Em tempo desajustado, Gritos, lágrimas ao vento, Coração apaixonado Sorriso amargo de mim Que circulam, no jardim, Som de coruja que aflito Mira em coração contrito Esquiva, a lua aparece Com magnitude solene, Angústia de um tempo ido No seu dilema perdido Neste tempo de ansiedade Calcorreio esta cidade, Persigo o sonho de alguém Que anda perdido também
Ano VII… Revista 39… maio 2019… página 44
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O Beijo Serena olhou fixamente na
direção do caminho. Era ali que Litos habitualmente aparecia. Hoje estava atrasado. Eram já seis da tarde ele, nada de aparecer.
Um surto de ansiedade invadiu o seu corpo. - O que se passará? – pensava. Havia poucos dias que tiveram um pequeno desentendimento, nada de importante, pensava que o pequeno desaguisado estivesse sanado. Agora, no entanto, o relembrar desse pequeno incidente, causava-lhe alguma apreensão. Habitualmente, encontravam-se uma vez por mês. Fora aí que se conheceram e era, assim, um lugar de boas recordações. O lugar situava-se junto a um pequeno parque, nos arredores da cidade. Serena era apaixonada por pássaros e ali no parque havia aves de muitas espécies para satisfazer a sua curiosidade. Foi aí que um dia, ao final da tarde, conheceu Litos. Uma feliz coincidência. Como ela, Litos gostava de apreciar as aves. Trocaram um olhar, um cumprimento, e por ali ficaram durante duas horas a conversar. Quando deram por isso, já tinham passado duas horas. - Como o tempo voa – pensava. Como era já tarde, decidiram jantar juntos. Como foi bom partilhar da companhia um do outro! Foi assim que, ao se despedir, resolveram combinar um novo encontro. A empatia gerada criou neles a necessidade de se voltarem a encontrar. Embora morassem algo distantes, trocaram contactos e foram falando uma vez ou outra, ainda com cautelas. Na data combinada, encontraram-se de novo. Sem se aperceberem (ou talvez não) uma certa afeição foi crescendo entre ambos. Agora, volvido um ano, ei-la de novo aguardando Litos. Sentia-se de novo como uma adolescente nos seus tempos de estudante. Este
59 tempo de espera levava-a a pensar com apreensão. O que terá acontecido? Passavam já uns longos dez minutos e novas de Litos, nada. Uma chorosa nuvem sobrevoara sobre o seu pensamento. Afinal, Litos era sempre o primeiro a chegar. – Talvez o trânsito – tentava convencerse a si mesma – hoje está caótico, muita gente na rua. Era uma ensolarada tarde de outono, a estação de que mais gostava. -Tapetes multicolores se espalhavam pelo chão ao longo do parque. No momento, ouviu os passos de alguém que se aproximava. Não pareciam os passos de Litos. Olhou discretamente e viu o guarda do parque: - Menina, desculpe-me, daqui a cinco minutos fechamos o parque. - Já? Desculpe, não me apercebi do correr do tempo. - Fechamos às dezanove horas – sorriu cortezmente. - Obrigada. Naquela ansiedade, não conseguiu evitar uma lágrima peregrina que lhe caía pelo rosto. - Não apareceu. – pensou, triste – O que terá acontecido? Um turbilhão de sentimentos a invadiu de repente o seu pálido rosto: - Será que ele está bem? Será que não vai aparecer mais? Cabisbaixa, dirigiu-se para o portão de saída do parque, cheia de tristeza. Já não conseguia dispensar aqueles encontros. O Litos fazia já parte da sua vida. - Como vai ser a minha vida daqui em diante? – pensava - Sem ele, a vida voltará a não ter sentido. Saiu e ficou ali, no exterior, à espera de não se sabe o quê. - Acho que não vou voltar a este lugar. – pensava – Este lugar deixou de fazer sentido para mim. Lentamente, foi caminhando em direção à sua viatura, estacionada ali próximo. Chegada ao carro, abriu a porta e entrou. Num gesto automático, pegou na chave e ligou a viatura. - Serena, Serena! – ouviu chamar.
60 - De um salto, saiu do carro e correu em direção à voz e num instante abraçou o amigo. - Litos, que bom que vieste! - Serena, minha amada, desculpa, este trânsito… Serena olhou levou o seu dedo indicador à boca de Litos, olhou-o com ternura, e, segredou: - Chiuuuu… E logo o enlaçou num apaixonado e longo beijo. De repente, interrompeu o beijo e disse: - Tenho uma surpresa para ti. – Segredou Litos. – Abre… - Ó! Que lindo! – respondeu radiante, ao ver um lindo anel revestido com dois lindos rubis. Cheia de alegria, com o mais lindo brilho que seus olhos já teriam vivido, disse: - Queres casar comigo? - Sim, meu amor! - Pedido aceite. – sorriu, cheia de alegria. E, minutos sem fim, ali ficaram, alimentando assim o insaciável beijo que instantes antes tinham interrompido…
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Mulher Coragem Com as mãos acarinhaste Os filhos que Deus te deu, Os sonhos teus tu guardaste Com a graça lá do céu. Escusaste ser mulher Zelando em favor dos outros, Foram anos sem viver E o tempo se foi aos poucos. Um dia, quando acordaste, Olhaste o espelho da vida E nesse dia notaste A mocidade perdida. O tempo trouxe incerteza, Foram sonhos e quimeras; Nos teus traços de beleza Ficaram marcas severas. Mas como mulher coragem Inventaste a esperança Numa nova aprendizagem Tão cheia de confiança!
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Naquele dia, o mar… Mais uma vez, Maria Laura olhava o mar revolto, aquele mar que um dia lhe levou pai, irmão e seu cunhado, todos num só dia. Maria Laura ali estava, à espera de ver o irmão voltar, quiçá, arrastado por uma daquelas ondas de quando era criança e os dois brincavam, ao entardecer, naquele vaivém, no quebrar do mar. Saudades do irmão. Era ele que a protegia a cada instante, de tudo e de todos. - Maria Laura! – ouviu chamar. Absorta nos seus pensamentos, quase nem deu por isso. Era o Quinito, o seu primo adorado. - Então, prima, de novo aqui? O mar não vai trazer de volta o João António, bem sabes. Em casa, andam preocupados contigo. Não gostam de te ver aqui magoada, a alimentar um sonho que não se pode mais realizar. Maria Laura quase não o ouvia. Estava absorta nos seus pensamentos, recordava o tempo que já lá vai, num tempo bem mais fácil de suportar, em que a vida então lhes sorria. O marulhar das águas trazia até ela tão boas recordações, ouvia ainda o riso das pessoas pela praia, as gaivotas a grasnar naquele esvoaçar tão louco, quanta saudade! - Minha mãe… – deixou escapar, como se ela ali estivesse presente Olá, pai, dá-me um abraço… Aqueles apelos surdos e sem sentido faziam-na chorar. - Quanta saudade que sinto, pai… O nosso João António, não veio contigo… As lágrimas escorriam-lhe agora em desvario pelo seu rosto. Nos lábios, sentia já o sabor salgado de cada uma. Perdida ainda nos seus pensamentos, parecia ouvir a mãe que lhe dizia:
63 - Filha, o João António anda por aí. - O João António e o pai saíram de casa sem me avisar. – lamentouse. E continuou naquele diálogo surdo: - Filha, sabes que dia é amanhã? - Como posso esquecer? É o dia do meu aniversário. - Então, o que pensas que o João António e o pai foram fazer? - Não sei. Não queres dizer-me? - Pois é, certamente foram comprar-te uma prendinha de aniversário. O pai arranjou um trabalhinho extra lá nas docas e sentiu vontade de comprar um presente para ti. - Ele sempre me deu presentes lindos. - Se ele pudesse, dar-te-ia os melhores presentes do mundo. Mas este é para ele um presente especial. Lá foi juntando algum dinheirinho como pode e pronto, foi com o João António à procura. - Não era preciso, mãe, uma prendinha simples dada com carinho, como sempre o fez, era suficiente. Gosto muito de todas as prendinhas que me deu. Guardo-as com muito carinho, quase com devoção, mãe. Lembras-te? O ano passado deu-me este colar de beijinhos, beijinhos que apanhou na praia e na faina e foi juntando. É tão lindo! Trago-o sempre ao pescoço. - Eu sei, Maria Laura. Sei também quanta dedicação tens por ele e o João António. Mas agora, precisas esquecer, sair com os teus outros irmãos e amigos. - Tu bem sabes o quanto gosto de todos os meus outros irmãos. Mas o João António… - Sim, Maria Laura, entendo. De repente, olha à volta e grita, recordando aquele dia da partida: - Pai, não vás embora, fica comigo. Preciso tanto de ti! Na sua angústia, sente uma mão tocar-lhe no ombro. Era Quinito. Estendeu-lhe os braços e disse: - Vem para casa, Maria Laura, estão preocupados contigo. - Como era bom ver o João António aparecer no meio das ondas!
64 - Eu sei, prima, mas está a ficar frio aqui. No estado em que te encontras, não podes correr o risco duma gripe, agora. - Como gostava que o João António soubesse que o meu primeiro filho vai ter o seu nome! - Iria ficar feliz, bem sei. Mas vem comigo, vou levar-te para casa. E confia. Um dia vais voltar a vê-lo, correndo para ti, para te enlaçar no mais forte abraço, confia!
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Haja Alegria Em cada alvorecer, um despertar, Um novo dia pode acontecer, De novo o sol que brilha sobre o mar Na natureza tudo a renascer. No horizonte, promessas de paz, No céu, de novo as harpas a tocar, Será que o mundo há de ser capaz O nosso sonho vai concretizar? Em cada olhar há réstias de esperança Em cada rosto nota-se um sorriso O amanhã será de confiança Trazendo para nós o que é preciso. Dançam as ninfas lá no rio Tejo Como que a agradecer ao Deus do mundo Como isto é bom, meu Deus, que privilégio, A paz, a união, o amor profundo! Em toda a parte, estende a tua mão E vive este sabor a liberdade Assim, vai até Deus em oração Por permitir viver em liberdade.
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Segunda Entrevista Rosa Maria Santos é natural de S. Martinho do Dume, Braga. Viveu em Sines trinta e um anos, tendo regressado em 2017, à cidade que a viu nascer, onde atualmente reside. Participou em diversas coletâneas portuguesas e italianas, tendo-se obtido o segundo lugar no Concorso Artemozioni, Cantico dei Cantici In Valle d’Itria. Tem três livros editados: “Cantam os Anjos” (poesia de Natal), capa de Adias Machado; “Ucanha, Terra de Encanto” (poesia), capa de Glória Costa; “Bolachinha à descoberta de Tarouca” (prosa e poesia), capa de Glória Costa. É colunista na Revista Divulga Escritor. Foi Assistente de produção e recolha em coletâneas de postais promovidas pelo Solar de Poetas, todas editadas em e-book. Administra todos os espaços do Grupo Solar de Poetas. Divulga Escritor - Escritora Rosa Maria Santos, é um prazer contarmos com a sua participação na revista Divulga Escritor. Conte-nos, o que a motivou a escrever textos poéticos? Rosa Maria Santos - Desde muito nova sinto um gosto insaciável de escrever, de exprimir sentimentos. Um dia, a minha filha pediu-me ajuda para um trabalho que tinha a ver com seus estudos. E descobri que era bom escrever. A grande oportunidade surgiu em Sines, quando na minha solidão olhava o mar e o pôr do sol da janela de minha casa. O convívio com os amigos nos grupos de poesia que fui frequentando alimentou esse desejo e a escrita rapidamente se tornou uma necessidade. DE -Como foi a seleção dos textos para compor o seu livro “Rosa
67 Jasmim”? RS - Ao longo dos anos que passei em Sines, escrevi centenas de poemas, a princípio muito verdes ainda. Fui contactando com muitos e bons poetas que me inspiraram e me têm ajudado a amadurecer. O fruto desse trabalho foi depois triado e compilado neste livro, segundo critérios que eu mesma acabei por escolher. E surgiu “Rosa Jasmim”. DE - Quais critérios foram utilizados para seleção do título? RS – Rosa, porque sou Rosa; Jasmim, porque sigo os ventos da paixão, paixão pela família e amigos, muitas vezes da tristeza e do lamento, mas sempre com o perfume das flores. DE - Quais temáticas estão sendo abordadas nesta obra literária. RS - O amor, a paixão, a natureza, o mar, a família, os amigos, o mundo que nos rodeia que, fazendo-me muitas vezes triste, me traz também o alento que me inspira a viver. DE -Apresente-nos um dos textos que compõem “Rosa Jasmim”.
Silêncio, amor!
Silêncio! Na tua ausência Eu dou comigo a pensar Nesta tua impaciência De tanto quereres amar Silêncio ao entardecer Em cada passo na areia… No mar vou espairecer Em tardes de maré cheia Silêncio no meu espaço Onde fico a escutar Teu silêncio em cada passo Pairando em todo o lugar
68 Uma gaivota, uma estrela, Um grasnar, raio de luz, Olho a estrela, vejo nela A minha pesada cruz E num instante de amor Fico comigo a pensar Qual gaivota sem ter cor Vivo contigo a voar DE - Sabemos que cada texto tem um pedacinho do autor. Conte-nos, em que momento este texto foi escrito? RS - Cada texto tem o seu momento próprio, uma razão para que seja escrito. Muitas vezes um desafio, um momento especial, um gesto, enfim, momentos que nos impelem a pegar na pena e transmitir para o papel aquilo que sentimos. DE - Quando será o lançamento de “Rosa Jasmim”? RS - O livro será lançado no dia 7 de julho, às 15:00, na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, em Braga. DE - Quem não puder ir ao lançamento, onde poderá comprar o seu livro? RS - Pode entrar em contacto comigo por mensagem no facebook ou pelo meu e-mail. rosammrs@hotmail.com ou contactar diretamente com a Mosaico de Palavras Editora. Posteriormente, será colocado à venda em algumas distribuidoras a anunciar. rosammrs@ hotmail.com DE - Além de “Rosa Jasmim”, você tem três e-books publicados, apresente- -nos seus e-books. RS - O primeiro, “Cantam os Anjos”, foi editado em dezembro de 2017 e é composto por poemas de Natal. A capa é do conhecido artista plástico Adias Machado. O segundo, “Bolachinha à Descoberta de Tarouca”; E o terceiro, “Ucanha, terra de Encanto”, foram escritos no decorrer da divulgação do Evento Tarouca Vale a Pena, que ocorreu em 25 e 26 de maio, sendo as capas da artista plástica Glória Costa, uma amiga querida, que está a ilustrar um novo projeto sobre a “Bolachinha”. DE - Como fazer para ter acesso aos e-books?
69 RS - Os e-books estão alojados numa biblioteca com o meu nome, criada na plataforma de e-books ISSUU: https://issuu.com/rosammrs. DE - Quais os seus principais objetivos como escritora? RS - Continuar a escrever e divulgar poesia e texto. Como referi atrás, tenho um novo projeto para o próximo ano, que são pequenas histórias da “Bolachinha”, que a Glória Costa, com muita amizade e carinho está a ilustrar. O formato (compilação em livro ou histórias individuais) ainda não está definido. A seu tempo, o divulgarei. DE - Pois bem, estamos chegando ao fim da entrevista. Muito bom conhecer melhor a escritora Rosa Maria Santos. Agradecemos sua participação na Revista Divulga Escritor. Que mensagem você deixa para nossos leitores? RS - Quero deixar uma mensagem de incentivo a todos que sintam vontade de exprimir seus sentimentos em papel ou e-book, que o façam sem receios, será o modo de levar a todos a mensagem que têm para deixar para os vindouros. Só assim poderão gravar a pegada da sua peregrinação nesta vida, a oportunidade de deixar marcado o seu registo nos anais da sua história.
Ano VI… Revista 35… junho/ julho 2018… página
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Desejo A lava incandescente de fulgor Em chamas, jorra dentro do meu peito, Momentos de paixão, de grande amor No seio deste meu amor perfeito. Desejos já maduros deste Outono Que causam no meu peito um arrepio Entrego-me em teus braços, sem retorno, E vivo o nosso amor em desvario. O estio se reveste em fantasia E faz em mim viver todo o meu sonho Mas logo se dissipa a euforia E sinto o novo dia mais tristonho. Na Primavera vivo o renascer Que faz vibrar o amor dentro de mim E em êxtase procuro o alvorecer Do nosso novo encontro, flor jasmim. Quer seja no inverno, ou primavera, Bem sei que tudo pode acontecer, A vida não é mais que uma quimera Que quero cada dia ver nascer.
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72 Índice Pena Rosada.................................................................................................................... 2 Ficha Técnica .................................................................................................................. 3 Biografia .......................................................................................................................... 4 Primeira Entrevista ........................................................................................................ 6 Meu grito......................................................................................................................... 9 Sua excelência, a Poesia! ............................................................................................. 10 O Meu Silêncio ............................................................................................................. 12 Saudades de ti, amor! .................................................................................................. 14 Tempos de mim… ....................................................................................................... 16 Saudade!… .................................................................................................................... 18 Recordações .................................................................................................................. 20 Respirei fundo .............................................................................................................. 22 Vem Amor… ................................................................................................................ 24 Momento… ................................................................................................................... 26 Reencontro .................................................................................................................... 28 A Arte, a Música, a Cor, a Poesia .............................................................................. 30 O Desconhecido ........................................................................................................... 32 Um Natal diferente ...................................................................................................... 34 Fazes-me falta, amor! .................................................................................................. 36 Mulher ........................................................................................................................... 38 Está frio, meu Amor .................................................................................................... 39 O tempo ......................................................................................................................... 40 Silence! ........................................................................................................................... 42 Mulher Guerreira ......................................................................................................... 44 Hoje sonhei… ............................................................................................................... 46 O outono ....................................................................................................................... 48 Hoje... ............................................................................................................................. 49 Dia de Natal .................................................................................................................. 50 Murmúrios em Belém ................................................................................................. 53 Romaniga ...................................................................................................................... 54 A teia .............................................................................................................................. 57 O Beijo ........................................................................................................................... 58 Mulher Coragem .......................................................................................................... 61 Naquele dia, o mar… .................................................................................................. 62 Haja Alegria .................................................................................................................. 65 Segunda Entrevista ...................................................................................................... 66 Desejo ............................................................................................................................ 70
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