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VIOLÃO DE RUA PAG
VIOLÃODE RUA
Foi um movimento estético e social que reuniu intelectuais e artistas da classe média urbana identificada com o desejo de transformar a arte em uma forma de conscientização política. Essa poesia, engajada e participante, atinge seu apogeu com os Cadernos do Povo Brasileiro, projeto do CPC da UNE que lançou, em 1962, uma coleção extra com publicações de poesias. Essa coleção foi intitulada Violão de Rua - poemas para a liberdade. e foi realizada sob a supervisão do poeta Moacyr Felix. Foi publicada ao longo dos anos de 1962 e 1963 e materializa muito das agitações político-ideológicas e estéticas que marcaram a literatura do período.
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Poeta, dramaturgo, jornalista, diplomata, cantor e compositor carioca.. Cursou a Faculdade de Direito e a Universidade de Oxford, onde estudou língua e literatura inglesas. Em 1941 entrou para o Itamaraty, assumindo em 1946 seu primeiro posto diplomático, de vice-cônsul em Los Angeles. Em 1953 conheceu Tom Jobim e iniciou um apaixonado envolvimento com a música brasileira, tornando-se um de seus maiores letristas Notabilizou-se por seus sonetos e por vários clássicos da MPB..Esse poema foi publicado em 1959 e em 1962 entrou em Violão de Rua, volume I.
OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO Era ele que erguia casas Onde antes só havia chão. Como um pássaro sem asas Ele subia com as asas Que lhe brotavam da mão. Mas tudo desconhecia De sua grande missão: Não sabia por exemplo Que a casa de um homem é um templo Um templo sem religião Como tampouco sabia Que a casa que ele fazia Sendo a sua liberdade Era a sua escravidão.
De fato como podia Um operário em construção Compreender porque um tijolo Valia mais do que um pão? Tijolos ele empilhava Com pá, cimento e esquadria Quanto ao pão, ele o comia Mas fosse comer tijolo! E assim o operário ia Com suor e com cimento Erguendo uma casa aqui Adiante um apartamento Além uma igreja, à frente Um quartel e uma prisão: Prisão de que sofreria Não fosse eventualmente Um operário em construcão. Mas ele desconhecia Esse fato extraordinário: Que o operário faz a coisa E a coisa faz o operário. De forma que, certo dia À mesa, ao cortar o pão O operário foi tomado De uma subita emoção Ao constatar assombrado Que tudo naquela mesa – Garrafa, prato, facão Era ele quem fazia Ele, um humilde operário Um operário em construção. Olhou em torno: a gamela Banco, enxerga, caldeirão Vidro, parede, janela Casa, cidade, nação! Tudo, tudo o que existia Era ele quem os fazia Ele, um humilde operário Um operário que sabia Exercer a profissão. Ah, homens de pensamento Nao sabereis nunca o quanto Aquele humilde operário Soube naquele momento Naquela casa vazia Que ele mesmo levantara Um mundo novo nascia De que sequer suspeitava. O operário emocionado Olhou sua propria mão Sua rude mão de operário De operário em construção E olhando bem para ela Teve um segundo a impressão De que não havia no mundo Coisa que fosse mais bela. Foi dentro dessa compreensão Desse instante solitário Que, tal sua construção Cresceu também o operário Cresceu em alto e profundo Em largo e no coração E como tudo que cresce Ele nao cresceu em vão Pois além do que sabia – Excercer a profissão –O operário adquiriu Uma nova dimensão: A dimensão da poesia.
E um fato novo se viu Que a todos admirava: O que o operário dizia Outro operário escutava. E foi assim que o operário Do edificio em construção Que sempre dizia “sim” Começou a dizer “não” E aprendeu a notar coisas A que nao dava atenção: Notou que sua marmita Era o prato do patrão Que sua cerveja preta Era o uisque do patrão Que seu macacão de zuarte Era o terno do patrão Que o casebre onde morava Era a mansão do patrão Que seus dois pés andarilhos Eram as rodas do patrão Que a dureza do seu dia Era a noite do patrão Que sua imensa fadiga Era amiga do patrão. E o operário disse: Não! E o operário fez-se forte Na sua resolução Como era de se esperar As bocas da delação Comecaram a dizer coisas Aos ouvidos do patrão Mas o patrão não queria Nenhuma preocupação. –“Convençam-no”do contrário Disse ele sobre o operário E ao dizer isto sorria.
Dia seguinte o operário Ao sair da construção Viu-se súbito cercado Dos homens da delação E sofreu por destinado Sua primeira agressão Teve seu rosto cuspido Teve seu braço quebrado Mas quando foi perguntado O operário disse: Não! Em vão sofrera o operário Sua primeira agressão Muitas outras seguiram Muitas outras seguirão Porém, por imprescindível Ao edificio em construção Seu trabalho prosseguia E todo o seu sofrimento Misturava-se ao cimento Da construção que crescia. Sentindo que a violência Não dobraria o operário Um dia tentou o patrão Dobrá-lo de modo contrário De sorte que o foi levando Ao alto da construção E num momento de tempo Mostrou-lhe toda a região E apontando-a ao operário Fez-lhe esta declaração: – Dar-te-ei todo esse poder E a sua satisfação Porque a mim me foi entregue E dou-o a quem quiser. Dou-te tempo de lazer Dou-te tempo de mulher Portanto, tudo o que ver Será teu se me adorares E, ainda mais, se abandonares O que te faz dizer não. Disse e fitou o operário Que olhava e refletia Mas o que via o operário O patrão nunca veria O operário via casas E dentro das estruturas Via coisas, objetos Produtos, manufaturas. Via tudo o que fazia O lucro do seu patrão E em cada coisa que via Misteriosamente havia A marca de sua mão. E o operário disse: Não! – Loucura! – gritou o patrão Nao vês o que te dou eu? – Mentira! – disse o operário Não podes dar-me o que é meu. E um grande silêncio fez-se Dentro do seu coração Um silêncio de martirios Um silêncio de prisão. Um silêncio povoado De pedidos de perdão Um silêncio apavorado Com o medo em solidão Um silêncio de torturas E gritos de maldição Um silêncio de fraturas A se arrastarem no chão E o operário ouviu a voz De todos os seus irmãos Os seus irmãos que morreram Por outros que viverão Uma esperança sincera Cresceu no seu coração E dentro da tarde mansa Agigantou-se a razão De um homem pobre e esquecido Razão porém que fizera Em operário construido O operário em construção
Poeta, ensaísta e jornalista, esteve associado aos grupos Verde-Amarelo e Anta. Aproximou-se de Menotti Del Picchia e Plínio Salgado, à época da Semana de 1922. Repudiou depois essas ideias. Em 1928 publicou Martim Cererê. Mais adiante aproximou-se do grupo concreto e foi editor das revistas Noigrandes e Invenção. Envolveu-se depois com a poesia praxis e realizou o livro Jeremias Sem Chorar(1965), um verdadeiro clássico. Os poemas Alienação e Cortiço foram publicados em Violão de Rua, Vol. III.(1962)
ALIENAÇÃO Não achei um relógio (já-sem-corda que fosse.) Nem um chepéu sem forro. Nem um guarda-chuva preto como a mais preta noite da África. (No áspero beco, onde moro, só nascendo carrapicho.) Pés comidos pelo asfalto. Achei este par de sapatos, no lixo de um arranha-céu de vidro. Dentro dele sorrirão (como em apertado nicho) os meus dedos ingratos e, ao mesmo tempo, gratos a Deus e ao Anjo do Lixo. Que pés os terão calçado? Onde andarão esses pés? Em Paris, em Calcutá? E o dono desses pés, quem será? Algum príncipe deposto? E eu é que ando, hoje,na rua, com os “seus” sapatos? Ou ele que --indebitamente-andou no planeta azul com os “meus” sapatos? E daqui, até onde vim, neste rude trocar de pés, com os pés dos que caminharam antes de mim, os que virão, por um cruel capricho, não caminharão com os “meus”, depois de mim? Sinto-me um homem-bicho. Na calçada, os pés calçados. No mínimo, um transeunte (perdido) entre objetos achados. Graças ao Anjo do Lixo. Noite sideral, só luz, só estrelas, sóis orbitais. Luas que são uma fortuna, jogada no ar. E eu no chão, eu no pó. Triste como um noitibó.
Que me faltará, agora? Um pouco de graxa, apenas, nos “meus “ sapatos. E alguém que me pergunte: “Quem és, que tns as cintilações das lâmpadas de todas as ruas nos pés? CORTIÇO Não são sementes dentro de um fruto. Não são abelhas, em cacho, para a migração. Não são pétalas de uma flor numerosa. Não são tripulantes do submarino, sob a espessa esmeralda, que o fecha em seus orifícios, rodeando-o por todos os precipícios. Não são homens que o medo juntou no segredo de um mesmo esconderijo; ou que a necessidade reuniu num abrigo noturno, ou no mesmo castigo. Ou no mesmo pacto diante do inimigo.
Ou em torno de um cacto. Não são as feras dentro de um covil. Não são as borboletas no mês de abril. Nem peixes, enlatados de frente ou de perfil. Não são os loucos da cidade cruel, misturando as línguas num repentino hebraico, sob a noite que é um arco voltaico.
São seres como nós... Homens e meninos, anjos e mulheres em brutal mistura de sexos, de dores, de palavras, de flores. Flores de sordidez, dores da gravidez, sexos do ajuntamento forçado, do pecado. Irmãos, não por o serem, porém pelo jejum, pela vida em comum, pelos pés, pelo corpo, pela verminose, pelas necessidades físicas; irmãos porque estão juntos, dentro do mesmo barro, da mesma flor, do mesmo escarro.
Dentro da mesma fome que diariamente os come. Ou num só mijadouro, onde os meninos deitam seu orvalho de ouro.
Pobres flores tísicas, pobres flores físicas. São os que aí moram por não terem, na carta do Atlântico, uma ilha em que possam morar. Todos num só retrato, numa fotografia que é a mesma, noite e dia. Como agrestes sementes dentro de um fruto. Como pétalas rudes de uma flor numerosa. Como palavras mortas num dicionário vivo. Absurdo dicionário. Em que a palavra fome quer dizer o contrário do que significa a hora do pão diário. (Pois todos tem fome mas a fome é que os come. Não é só a escalada do universal azul que muda o significado das palavras, é a fome.) Em que a palavra fruto não é um fruto verde – e que o fosse – agridoce, mas o triste sinônimo de morte, que esta é o fruto de quem nada come. Fruto da diferença que há, entre uma flauta de osso e uma mesa lauta.
Em que a palavra irmão não é a flor livre de cada coração mas o amargo abraço por falta de espaço mas o abraço enfermiço dentro do cortiço. Ah, os que aí moram sobre um chão dissoluto.
Como agrestes sementes dentro de um fruto. Como palavras mortas num dicionário vivo. Como feras reunidas dentro do covil.
Não como as borboletas no mês de abril.
POÉTICA* 1 Que é a Poesia? uma ilha cercada de palavras por todos os lados. 2 Que é o Poeta? um homem que trabalha o poema com o suor do seu rosto. Um homem que tem fome como qualquer outro homem.
* poema publicado no livro
Jeremias sem chorar
Poeta maranhense, crítico de arte, tradutor, cronista, dramaturgo e ensaísta, Ferreira Gullar despertou a atenção de Osvald de Andrade e dos irmãos Campos.É que seu livro, A Luta Corporal (1954) apresentava experimentos estéticos radicais. Gullar participou da poesia concreta, do neoconcretismo, mas abandonou essas experiências e mergulhou de cabeça na poesia engajada e participante do Violão de Rua. Bem mais adiante, em 1976, publicou Poema Sujo, um dos mais belos poemas da nossa literatura.
mar azul mar azul marco azul mar azul marco azul barco azul mar azul marco azul barco azul arco azul mar azul marco azul barco azul arco azul ar azul
............................................................................................... o cão vê a flor a flor é vermelha anda para a flor a flor é vermelha passa pela flor a flor é vermelha A BOMBA SUJA Introduzo na poesia a palavra diarreia. Não pela palavra fria mas pelo que ela semeia. Quem fala em flor não diz tudo. Quem me fala em dor diz demais. O poeta se torna mudo sem as palavras reais. No dicionário a palavra é mera ideia abstrata. Mais que palavra, diarreia é arma que fere e mata. Que mata mais do que faca, mais que bala de fuzil, homem, mulher e criança no interior do Brasil. Por exemplo, a diarreia, no Rio Grande do Norte, de cem crianças que nascem, setenta e seis leva à morte. É como uma bomba H que explode dentro do homem quando se dispara, lenta, a espoleta da fome. É uma bomba-relógio (o relógio é o coração) que enquanto o homem trabalha vai preparando a explosão. Bomba colocada nele muito antes dele nascer; que quando a vida desperta nele, começa a bater. Bomba colocada nele pelos séculos de fome e que explode em diarreia no corpo de quem não come. Não é uma bomba limpa: é uma bomba suja e mansa que elimina sem barulho vários milhões de crianças. Sobretudo no Nordeste mas não apenas ali, que a fome do Piauí se espalha de leste a oeste. Cabe agora perguntar quem é que faz essa fome, quem foi que ligou a bomba ao coração desse homem. Quem é que rouba a esse homem o cereal que ele planta, quem come o arroz que ele colhe se ele o colhe e não janta. Quem faz café virar dólar e faz arroz virar fome é o mesmo que põe a bomba suja no corpo do homem
Mas precisamos agora desarmar com nossas mãos a espoleta da fome que mata nossos irmãos. Mas precisamos agora deter o sabotador que instala a bomba da fome dentro do trabalhador.
E sobretudo é preciso trabalhar com segurança pra dentro de cada homem trocar a arma da fome pela arma da esperança FIGURAS Figuras de gente obre retirantes do Nordeste que mal se livram da noiteque a mão do artista gravou Figuras de gente viva retirantes do Nordeste que mal se livram da noite que o latifúndio criou Figuras de nordestinos que se retiram da noite para mergulhar noutra noite (iluminada de anúncios) destas cidades do Sul
Mas já dentro dessa nooite trabalha o sol de manhã já por debaixo da noite escutamos o rumor do dia que explodirá numa esplendente manhã NÃO HÁ VAGAS O preço do feijão não cabe no poema. O preço do arroz não cabe no poema. Não cabem no poema o gás a luz o telefone a sonegação do leite da carne do açúcar do pão O funcionário público não cabe no poema com seu salário de fome sua vida fechada em arquivos. Como não cabe no poema o operário que esmerila seu dia de aço e carvão nas oficinas escuras – porque o poema, senhores, está fechado: “não há vagas”
NO CORPO De que vale tentar reconstruir com palavras o que o verão levou entre nuvens e risos junto com o jornal velho pelos ares? O sonho na boca, o incêndio na cama, o apelo na noite agora são apenas esta contração (este clarão) de maxilar dentro do rosto.
A poesia é o presente.
Poeta, crítico , professor de literatura e jornalista. Em 1954, viaja por diversas cidades mineiras pregando o Evangelho em favelas, hospitais e presídios. Forma-se em Letras Neolatinas pela UFMG, em 1962. Em 1969, também pela UFMG, torna-se doutor em Literatura Brasileira. com uma tese sobre Drummond . Nos anos 60 participou de diversos movimentos de renovação da nossa poesia. De 1973 a 1976 realiza a Exposia, na PUC do Rio.Em 1990 preside a Biblioteca Nacional e cria a revista Poesia Sempre. Ao todo publicou mais de 15 livros entre poesia, ensaios, crônicas.
POEMA PARA PEDRO TEIXEIRA ASSASSINADO 1 Ontem, senzala. Hoje, cortiço. Ontem, chibata. Hoje, fuzil. Ontem, quilombos. Hoje, sapé. O latifúndio, companheiro, rói seu osso de Caim.
Coronel fuzil e olho
polícia pau e ferrolho
O latifúndio, companheiro, mói as fezes de seu fim. 2 Do home é a terra a terra e seus desertos e sobre o campo se estende o corpo do homem ---é a fome
Cavei colhi perdi Marido campos e filhos pés de estrume mãos de esterco somos todos, companheiros, humus e homens, amém 3 Cantou o galo uma vez e Pedro foi de emboscada. noite adentro sobre seu corpo jorrando sangue. Cantou o galo outra vez e o filho sangroiu-se à bala. Meninoovelha adubo verde, sangue fresco em plantação. Ronda o galo a casa aberta de Pedro Teixeira morto.
Uma viúva e seus filhos se espreitam na madrugada que amanhece em sangue e brasa. 4 Vai a noite alte é
uma viúva em seu leito arde desejos de sangue. --Mulher, porque morreu teu marido com o corpo ferido? --Moço, morreu ferido pelo inimigo porque sabia do seu caminho. --Mulher, poque feriram seu filho na estrada de teu marido?
--Moço, feriram o menin porque seguia o caminho que vamos todos sdeguindo. Desce o dia longo é. Uma viúva ouvindo a voz do marido: “Vai mulher que a luta é” desperta seus companheiros e sai com a alba pelos campos.
5 Tu és pedra Pedro Teixeira e sobre ti levanto esta bandeira.
Tu és brasa Pedro Teixeira e sobre ti já queima esta fogueira Tu és guerra Pedro Teixeira e sobre ti cavamos a trincheira. O EPISÓDIO DO RIOCENTRO Mentiram-me. Mentiram-me ontem e hoje mentem novamente. Mentem de corpo e alma, completamente. E mentem de maneira tão pungente que acho que mentem sinceramente. Mentem, sobretudo, impune/mente. Não mentem tristes. Alegremente mentem. Mentem tão nacional/mente que acham que mentindo história afora vão enganar a morte eterna/mente. Mentem. Mentem e calam. Mas suas frases falam. E desfilam de tal modo nuas que mesmo um cego pode ver a verdade em trapos pelas ruas. Sei que a verdade é difícil e para alguns é cara e escura. Mas não se chega à verdade pela mentira, nem à democracia pela ditadura. QUE PAÍS É ESTE? 1 Uma coisa é um país, outra um ajuntamento. Uma coisa é um país, outra um regimento. Uma coisa é um país, outra o confinamento. Mas já soube datas, guerras, estátuas usei caderno “Avante” — e desfilei de tênis para o ditador. Vinha de um “berço esplêndido” para um “futuro radioso” e éramos maiores em tudo — discursando rios e pretensão. Uma coisa é um país, outra um fingimento. Uma coisa é um país, outra um monumento.
Uma coisa é um país, outra o aviltamento.
(...) 2 Há 500 anos caçamos índios e operários, há 500 anos queimamos árvores e hereges, há 500 anos estupramos livros e mulheres, há 500 anos sugamos negras e aluguéis. Há 500 anos dizemos: que o futuro a Deus pertence, que Deus nasceu na Bahia, que São Jorge é que é guerreiro, que do amanhã ninguém sabe, que conosco ninguém pode, que quem não pode sacode. Há 500 anos somos pretos de alma branca, não somos nada violentos, quem espera sempre alcança e quem não chora não mama ou quem tem padrinho vivo não morre nunca pagão. Há 500 anos propalamos: este é o país do futuro, antes tarde do que nunca, mais vale quem Deus ajuda e a Europa ainda se curva. (...)
Formou-se em arquitetura na Escola Nacional de Belas Artes, do Rio de Janeiro. Estagiou no escritório Lucio Costa onde aprendeu os fundamentos da arquitetura moderna. É considerado um dos nomes mais influentes na arquitetura moderna internacional. Um dos seus primeiros projetos, o Conjunto Arquitetônico da Pampulha, em Belo Horizonte, chamou a atenção de especialistas do mundo inteiro. Mais adiante projeta o Parque do Ibirapuera, Brasília, Memorial da América Latina,sede do Partido Comunista Frances,Universidade de Constantine e muitas outras.E ainda escreveu alguns poemas.
Estou longe de tudo de tudo que gosto, dessa terra tão linda que me viu nascer . Um dia eu me queimo, meto o pé na estrada, é aí, no Brasil, que eu quero viver. Cada um no seu canto, cada um no seu teto, a brincar com os amigos, vendo o tempo correr. Quero olhar as estrelas, quero sentir a vida, é aí, no Brasil, que eu quero viver. Estou puto da vida, esta gripe não passa, de ouvir tanta besteira não me posso conter. Um dia me queimo, e largo isto tudo, é aí, no Brasil, que eu quero viver. Isto aqui não me serve, não me serve de nada, a decisão está tomada, ninguém me vai deter Que se foda o trabalho, e este mundo de merda, é aí, no Brasil, que eu quero viver. ............................................................................. Não é o ângulo reto que me atrai nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual, a curva que encontro nas montanhas do meu país, no curso sinuoso dos seus rios, nas ondas do mar, no corpo da mulher preferida. De curvas é feito todo o universo, o universo curvo de Einstein.
O QUE FEZ VOCÊ ARQUITETO? O que fez você, arquiteto desde que está diplomado? O que é que você fez pra se ver realizado? Trabalha, ganha dinheiro, anda bem alimentado. Nada disso, meu amigo, é grande pra ser louvado. Você só fez atender a homem que tem dinheiro, que vê o pobre sofrer e descansa o ano inteiro na bela casa grã-fina que fez você projetar, esquecido que essa mina um dia vai acabar.
Você só fez atender a governo capitalista que faz obra pra se ver que deixa o pobre morrer, que tira o pobre da lista, a lista dos seus amigos, amigo capitalista São escolas, hospitais, teatros, apartamentos, construções industriais, verdadeiros monumentos. Tudo isso o pobre vê, vê e não pode tocar, perdido por essas terras, sem ter casa para morar sem ter remédio que tome, sem ter livro pra estudar sem ter um olhar amigo, um ombro pra se encostar. Mas se você é honrado, não pode se conformar. Ponha a prancheta de lado e venha colaborar. O pobre cansou da fome que o dólar vem aumentar, e vai sair para a luta que Cuba soube ensinar.
Poeta e tradutor de poesia, é diplomado em direito. Transferiu-se para Brasília logo após a inauguração da cidade, em 1961. Trabalhou no Senado e também colaborou em jornais e periódicos. Estreou em 1958, com o livro Marinheiro no Tempo e a Construção do Caos. Publicou, em seguida, A Chave e a Pedra (1960); Proclamação do Barro (1964); O Silfo-Hipogrifo (1972); Embarcado em Seco (1978); Marinheiro no Tempo – Antologia (1986); Ah, o Último Paraíso (1998); Antologia Pessoal (2001); e A Rosa Anfractuosa (2004).
PROFECIA O monarca vindouro não será o ouro e seu cetro --chicote, punho de morte. A arca do futuro não será um muro alto e duro para a moeda parca. A marca do homem não será o nome inscrito a ferro no medo do servo.
O monarca, a arca, a marca do porvir será o berro de quem, hoje, não pode rir. O MIGRANTE Emigrante e imigrante de mim mesmo, sem passaporte sigo nos mares e ares. Não me atrapalha o mundo e seus lindes, e cruzo qualquer pátria clandestino. Limites impressos em códigos e mapas não são fronteiras, não, para um poeta. Inferno é o mundo máximo. O resto, pegadas vãs – pó e pó, barro no barro. Vou e volto dentro do eu-planeta, ao sopro do poema – vento no velame do barco da carne. O corpo voa!
Não me detém o mundo: suas alfândegas, feitas de mofo, o vento as leva - enquanto chego e parto a qualquer hora.