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Agricultura regenerativa

AGRICULTURA REGENERATIVA PRODUZIR LEITE 100% DE PASTAGEM NO ALENTEJO

POR ANDRÉ ANTUNES Agricultor, Consultor Agrícola e Médico Veterinário chaoricolares@gmail.com Instagram.com/chao.rico.colares

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NA HERDADE DO VALE DE ARNEIRO, CONCELHO DE AVIS, CONSEGUEM-SE RESULTADOS DE EXCELÊNCIA EM GRANDE ESCALA E PREPARA-SE O CAMINHO PARA O JULGADO, ATÉ AQUI , IMPOSSÍVEL - PRODUZIR NO ALENTEJO O MELHOR LEITE DO PAÍS, BIOLÓGICO, 100% DE PASTAGEM E SEM QUALQUER TIPO DE EXTERNALIDADE NO SISTEMA - SÓ COM O QUE PROPORCIONA A NATUREZA. E TUDO ISTO COM RESILIÊNCIA AMBIENTAL E FINANCEIRA, SEQUESTRANDO MUITO CARBONO PELO CAMINHO E CONSTRUINDO UM ECOSSISTEMA BIODIVERSO.

André Antunes: Bom dia João! Obrigado por nos receberes – é um enorme prazer visitar este vosso projeto e além de tudo, poder ver animais e natureza em plena harmonia, colaborando para produzir este bem essencial que é o leite, e com altos padrões de qualidade. Faz-nos, por favor, uma breve contextualização da tua exploração..

João Sanganha: Obrigado pela visita – é um prazer receber pessoas novas e mostrar aquilo que fazemos que acho que é diferente e importante, especialmente para os dias de hoje com a conjuntura atual de pandemia e crise alimentar e nutricional que temos visto. A nossa exploração chama-se Herdade do Vale de Arneiro, fica no concelho de Avis. Nós operamos em modo de produção biológico há cerca de 20 anos. A nossa operação começou quando tivemos um surto de brucelose. Éramos uma vacaria convencional em modo intensivo – as vacas estavam estabuladas. Produzíamos e comprávamos forragens e produzíamos assim o leite. Quando surgiu este problema de sanidade, do qual desconhecemos a fonte, fomos obrigados a parar, com um abate total do efetivo, ficámos cerca de 2 anos sem animais. Este evento deu-nos a oportunidade de repensar a nossa operação e sobretudo possibilitou que começássemos mais devagar. Foi o meu pai que decidiu comprar vacas e pôr os animais em pastagens com pastoreio rotacional banal como é feito na generalidade do nosso país. Verificámos que as vacas, quando vinham à ordenha, produziam leite a um custo muito mais reduzido, o que nos agradou bastante. Eram quantidades reduzidas mas permitiam pagar as contas: tínhamos poucos custos fixos, muito poucos equipamentos, tanto que definimos o nosso objetivo futuro em produzir com zero máquinas, excetuando o equipamento de ordenha, usando apenas o pasto para a alimentação dos animais. A partir daí fomos aumentando o efetivo, instalámos prados permanentes nos pivots todos, e fomos evoluindo assim até aos dias de hoje.

Qual o efetivo atual e área total da exploração?

Neste momento ordenhamos 450 vacas que estão separadas em 2 grupos. Um dos grupos é dos animais em tratamento, quando têm descargas ou outras patologias que requerem tratamento para que assim possamos isolá-las e controlar os intervalos de segurança dos tratamentos. Em modo de produção biológico, estes intervalos são o dobro do convencional. Exploramos 1300 ha, divididos em 3 marcas de exploração, e um total de 1400 animais. De leite, são cerca de 700/800 CN, sobretudo Jerseys. Fazemos monta natural com touros Jersey, a cobrir as novilhas que são a única fonte de reposição, sendo todas pelo menos F1 de Jersey. O objetivo é ter o efetivo com pelo menos 50% de genética Jersey. Na carne, somos criadores da raça Aberdeen/ Angus. Temos também animais cruzados com Limousine. Quando começámos, adquirimos alguns animais cruzados de Limousine, mas desde aí só entra sémen que eventualmente compramos para melhoramento genético (somos uma exploração fechada).

Qual é a estrutura administrativa?

É familiar. Trabalha o meu pai, eu, o meu irmão e o nosso cunhado. Temos 9 colaboradores que ajudam nas operações da ordenha, alimentação dos animais e algumas operações culturais.

Qual é a vossa carga de trabalho horária?

Sobretudo na parte de gestão da nossa família, trabalhamos muito. Eu e o meu irmão só descansamos uma tarde por semana – um no domingo, outro no sábado. Esta é a grande dificuldade de quem é produtor de leite – conseguir ter qualidade de vida e encontrar tempo para si próprio e para a família. A família ajuda nisto, porque apoia-nos muito naquilo que fazemos, compreende quando saímos de noite e chegamos de noite a casa. Fazemos aquilo que gostamos, mas reconhecemos que é uma prioridade atingirmos maior qualidade de vida.

Quais as vantagens e inconvenientes em estarem no modo de produção biológico de pastagem?

A qualidade de vida dos animais é uma vantagem. Trabalhamos com a natureza e não contra ela. Os animais seguem o seu ciclo natural. As novilhas parem quando atingem condição natural para isso. A sua alimentação é natural – são herbívoros – devem comer apenas erva e forragens dela derivadas. Disto tudo resulta um produto de altíssima qualidade nutricional para quem o consuma. As poupanças em fatores de produção são outra vantagem importante. Embora a produção por animal seja reduzida, as despesas por litro de leite produzido são baixíssimas.

Praticas o pastoreio holístico na tua exploração - alta densidade, curta duração, longo descanso e adaptação dinâmica às necessidades. É uma técnica conhecida de Agricultura Regenerativa. Quais as vantagens mais imediatas que notaste desde que fizeste a transição, há 4 anos?

A mudança foi dramática. Na altura tínhamos cerca de 280 vacas em ordenha. Quando começámos a usar mais estas práticas de pastoreio holístico, verificámos que as produções de pastagem aumentaram exponencialmente. É fácil de relacionar com o efetivo de animais. Neste momento temos 450 vacas em pastagem, usamos menos área que usávamos antes e a tendência é para seguir este padrão. Para aproveitar melhor o valor forrageiro temos que acelerar um pouco as rotações. Tem sido fantástico – diminuímos muito os custos. Estamos há cerca de um ano a alimentar as vacas exclusivamente com pastagem ou forragem conservada. Não damos um grama de cereal ou concentrado aos animais. Apenas suplementação mineral para carências nessa área, e luzerna desidratada biológica como ferramenta para gerir a fibra.

Para resumir, quais são os principais desafios de uma grande exploração como a vossa, em modo de produção biológica e de pastoreio holístico?

Melhorar a qualidade de vida como em qualquer exploração de leite é um desafio presente. Não é só importante os animais estarem bem – também nós necessitamos de melhorar a nossa qualidade de vida. Gostamos do que fazemos, mas sentimos que ainda há caminho a percorrer na melhoria da qualidade de vida. Na suplementação energética existem desafios. A proteína é fácil de compensar com a luzerna e com os prados, mas a energia não. A solução mais fácil é usar a silagem de milho, o milho grão, mas nós definimos como premissa fundamental produzir leite de pastagem. Se fazem noutros lugares do mundo, e Avis não é em Marte, também aqui podemos fazer e já fazemos – agora é só melhorar. No

fundo, tem tudo a ver com a otimização do tempo em que os animais permanecem no parque, promovendo um pastoreio algo seletivo para poderem ter acesso a carboidratos suficientes. Em relação às movimentações diárias de animais do pasto para a ordenha é algo que se pode otimizar, mas acaba por constituir um acréscimo de mão-de-obra. O sistema de bebedouros e vedações elétricas é mais complexo, mas mais uma vez é uma questão de hábito e mão-de-obra acrescida. Certamente que compensa, no final, dado os aumentos de rentabilidade.

A nível de solos e operações culturais, o que é que nos podes explicar?

São cerca de 240 ha de regadio. No pastoreio direto são 120 ha efetivos, 20 ha para recria das bezerras, 100 ha de prados regados para as vacas em produção e 100 ha para produção de forragens anuais de outono/inverno e primavera/verão, que são conservados para suplementar os animais. O resto são pastagens naturais. Já semeámos no passado, mas os custos são proibitivos e a experiência diz-nos que através do pastoreio holístico vamos ter pastos muito melhores do que aqueles instalados. Não digo que um dia, quando tivermos quantidades suficientes de matéria orgânica e quisermos introduzir, por exemplo, umas luzernas ou uns trevos não o façamos, mas sempre com sementeira direta por cima da pastagem natural, sem qualquer tipo de mobilização. Mais do que isso é deitar dinheiro fora. Com luzerna, já fizemos uma experiência numa parcela de sequeiro com 3% de matéria orgânica e ficámos estupefactos com o resultado. Se é possível ali, será também noutros sítios.

Fazem mobilização do solo?

Nas parcelas com culturas anuais usamos apenas um chisel com asas de andorinha, só a 10-15 cm de profundidade – muito superficial só para produzir um leve efeito de monda, para dar mais possibilidades aos cultivos que vamos instalar para produção de fenossilagem. Não usamos charrua nem fresa, e a grade de discos é usada muito pontualmente, sobretudo para regularização da superfície do solo. É um engano para o agricultor fazer mobilização – é um depósito a prazo de nutrientes que se perde. Há produções maiores nos primeiros anos, mas as terras ficam paupérrimas passado uns anos e vão erodindo, e o resultado é o abandono da terra ou a constante utilização de fertilização para compensar.

Como fazem o controlo de infestantes sem mobilização e sem uso de herbicidas?

As infestantes cada vez mais as percebemos antes como bioindicadores de um problema ou desequilíbrio que temos no solo. Controlamo-las com o pastoreio holístico – muita carga animal numa área muito reduzida com longos períodos de repouso. O custo é zero – as vacas comem as infestantes – só não o farão com o pastoreio corriqueiro normal que é muito seletivo – se introduzirmos a cerca elétrica e obrigarmos ao efeito manada, como acontece em ambiente natural com a pressão de predadores. Quanto maior for a carga animal, maior é o efeito avassalador na pastagem no ano seguinte.

Utilizam cultivos de cobertura?

Fazemos erva do sudão e sorgo com sementeira direta nos prados permanentes, para corte a dente, para maximizar a produção de pastagem no pico do verão, onde chegamos a ter 40º C. O sorgo reage muito bem a essas temperaturas. O prado resguarda-se assim. A título de exemplo, no ano passado, fizemos sementeira direta, nalguns sítios com fracos resultados e, noutros, com até cerca de 15 ton por ha. Quase um "pasture cropping" mas sem venda do grão à parte. A erva do sudão, por exemplo, tem um efeito descompactador do solo importante e verificámos isso este ano nas zonas onde foi instalado, com maior produção de pastagem. O efeito de sombra permitiu que essa pastagem tivesse um microclima

A presença de escaravelhos é resultado da aplicação reduzida de desparasitantes.

que lhe permitiu desenvolver-se mais. Nas áreas onde semeamos o sorgo de sementeira direta sobre a pastagem, tivemos uma "infestação" de trevo-branco como nunca tínhamos observado.

Problemas desses, venham eles...

Sim. É o resultado de pensar fora da caixa e fazer estas coisas diferentes.

Qual o espaçamento entrelinhas?

É de 15 cm, usamos um Semeato de sementeira direta.

Esperamos que no futuro com a ajuda de, por exemplo o Professor Calegari – entrevistado da última edição da revista Ruminantes, se possa evoluir no nosso país nessa técnica de Agricultura Regenerativa.

Sim. Temos que analisar essa possibilidade e adaptá-la ao nosso clima árido e seco.

Em relação às culturas forrageiras anuais de outono/inverno, o que é que usam?

Usamos misturas muito diversas – quanto maior a mistura que conseguirmos encontrar melhor. Os nossos solos são muito heterogéneos e temos toxicidades de manganês e ferro, zonas mais alagadas e outras mais secas. A nossa forma de combater isso é com uma mistura grande de sementes, não mobilizar ou mobilizar minimamente e fazer sementeira direta aproveitando o pasto natural.

Fazem rotações?

Como usamos muita variedade, não sentimos que seja necessária tanta rotação entre as zonas.

Como fazem a gestão da fertilidade do solo?

Nas zonas de toxicidade de ferro e manganês, usámos aplicações de calcário dolomítico a cerca de 3 ton/ha para melhorar e tentar eliminar esse problema. Nos parques onde fizemos isso – o Rumex, que é um bioindicador desta toxicidade do solo, reduziu imenso a incidência logo no primeiro ano de aplicação. Vemos também mais cultivares e mais espécies a aparecer, nomeadamente em sequeiro. No regadio, o elevado impacto animal, de cerca de 300 cabeças por ha em 3 ou 4 horas, acaba por ajudar muito. Já chegámos a 1200 cabeças por ha em 4 horas. Esta ferramenta – o efeito manada, é potentíssima.

Fazem análises ao solo?

Fazemos análise ao solo com coordenadas nos pontos onde foram feitas essas colheitas para perceber qual o incremento de matéria orgânica (MO) e outros indicadores ao longo do tempo. Neste momento temos uma média ponderada de MO em toda a exploração de 1,87%. Esperamos que vá subir. As produções são maiores, logo deverá vir daí...

E às pastagens?

Fazemos apenas das forragens para conservação – matéria seca, proteína, etc. Geralmente as nossas forragens são de fraca qualidade e as produções em volume acontecem apenas agora no mês de maio. É muito difícil entrar na terra antes disso por problemas de atascamento, porque os solos são muito argilosos. Para sermos autossuficientes em forragem decidimos optar por volume, em vez de qualidade, e colmatamos a falha com a luzerna desidratada.

Fazem análises alternativas, como foliares, seiva, Brix?

Ainda não, mas no futuro pretendemos experimentar, também para perceber que suplementações minerais os animais podem necessitar.

Que profilaxia de doenças parasitárias e infeciosas fazem?

Temos problemas com as fascíolas devido às várias zonas de várzeas e de baixios com regadio. Isto obriga-nos, infelizmente, a desparasitar grande parte dos animais uma vez por ano nos animais jovens. Também vacinamos. Nas vacas de leite só pontualmente e com aqueles desparasitantes permitidos, devido às regulamentações do biológico e aos intervalos de segurança. É uma limitação muito grande. Como curiosidade, não usamos antibióticos de secagem para as nossas vacas – elas seguem o seu ciclo normal. Quando a produção baixa muito, as vacas são retiradas do grupo de produção e secam-se naturalmente.

Usam Ivermectina?

Infelizmente, sim.

Sabemos que tem um efeito devastador na fauna coprófaga. Não sentem esse efeito?

Os escaravelhos estão cá. mas provavelmente poderiam ser mais. Se houvesse uma alternativa. decerto que optaríamos por ela. O solo precisa dos animais e para isso eles têm de estar saudáveis. Acreditamos que com a genética é possível fazer algum tipo de melhoramento, selecionando os animais que melhor se comportam neste tipo de operação, apresentando mais resistência aos parasitas e selecionando-os como reprodutores. Assim, a desparasitação passará a ser uma opção pontual e não um tratamento anual.

Ao nível de bem-estar animal e comportamento notas melhorias desde que estás neste sistema de pastoreio holístico?

Sim, os animais têm maiores taxas de fertilidade. O intervalo entre partos é de 12/13 meses. 95% do efetivo está aí. Os 5% restante são refugados. Temos animais a mais porque os vitelos não morrem – temos muito sucesso na recria – o efetivo cresce muito. É um sinónimo do efeito positivo destas práticas para os animais.

Que programa de fertilidade seguem?

Temos 3 explorações. Uma dedica-se à produção de leite e vacas secas, outra é para a recria de novilhas, produção de forragens e vacada de carne. E a outra é para produção da raça Aberdeen–Angus em linha pura. No leite, usamos touros Angus com monta natural permanentemente disponível. Tudo o que são novilhas a entrar, são beneficiadas com as Jersey numa primeira inseminação com sémen sexado de Jersey, e na segunda oportunidade com os touros Jersey. No efetivo de leite em produção temos touros Angus para impedir o crescimento do efetivo de leite, porque as nossas vacas duram imenso tempo – em média 9 anos. Na semana passada refugámos uma vaca com 13 anos em produção. Isto dá-nos uma fonte de rendimento extra que são os vitelos cruzados de carne, que têm procura.

Como é feito o maneio dos vitelos?

Todas as fêmeas Jersey são criadas aqui, por nós. Os vitelos de carne são todos vendidos, machos e fêmeas, com 15 dias de vida. Quando os animais nascem, as vacas ficam aqui numas boxes com camas de palha sempre seca para os partos, quando não é possível parir no campo onde a assepsia é melhor. Temos colostro congelado que utilizamos com a ajuda de uma sonda, que administramos nas primeiras horas de vida do animal para

assegurar este aporte. Este provém de vacas vacinadas, o que confere imunidade ao vitelo. Depois damos leite quente das mães provindo da exploração – não usamos leite em pó e desconheço se há algum à venda em Portugal certificado para modo de produção biológico. Quanto mais rápido conseguirmos desmamá-los e pô-los na pastagem melhor. Suplementamos também os vitelos com luzerna que está sempre disponível. Damos uma pequena quantidade de farinha biológica – que é um ponto onde queremos melhorar.

Qual é o destino dos vitelos?

Temos uma série de clientes que procuram os vitelos da raça AberdeenAngus pela qualidade que têm associado à vaca Jersey que também tem boa qualidade de carne. Temos desde o cliente que compra um vitelo para ter em casa, como o que carrega 20 ou 30 vitelos. Acabamos por perder um bocado o controlo do que acontece. Creio que seja para engorda e abate.

Fala-nos um pouco da seleção feita para vacas A2/A2.

Todo o sémen de Jersey que compramos é A2/A2 BB. Há umas décadas, todo o leite era A2/A2. A partir do momento em que se começou a introduzir genética, para obter resultados individuais por animal muito altos, houve uma mutação num gene que fez com que passasse a haver leite A2/A2 e leite A1/A2, sendo este último, na atualidade, o mais prevalente nas prateleiras do supermercado. O que acontece é que a maioria das pessoas que pensa ser intolerante ao leite é, na verdade, intolerante à proteína codificada pelo gene A1/A2 – a beta-caseína. O leite A2/ A2 acaba por ser equivalente neste sentido ao leite sem lactose que tem preços proibitivos. A nossa intenção é produzir esse tipo de leite, também para acrescentar valor ao nosso produto e à qualidade nutricional para as pessoas que consomem esse tipo de leite. Ter de imediato esse leite obrigaria a uma análise genética individual dos animais e a refugar os não desejados.

Como é feita a gestão hídrica?

Temos dois tipos: a água dos bebedouros e a água da rega. Nos bebedouros temos várias fontes desde furos, poços e até rede de rega. Como não usamos fertirrega a água acaba por vir pura das barragens. Para o regadio, temos uma barragem a uma cota mais elevada que os nossos pivots, que recebe as águas por bacia hidrográfica e valas em curva de nível que ajudam a aumentar a área da bacia hidrográfica, o que faz com que coloquemos a água armazenada por gravidade nos pivots a custo zero. Apenas necessitamos da energia usada para a locomoção do pivot. As cartas de spray dos pivots estão alteradas para poder regar desta forma, com aspersores de baixo débito. A pressão varia entre 2 e 4 bar. Há poucos sítios onde são necessárias bombas para ajudar.

O tratamento de efluentes é difícil de gerir?

Temos uma lagoa de efluentes impermeável, de betão, onde vão parar todos os estrumes das vacas que vêm à ordenha ou das que estão estabuladas para receber algum suplemento de forragem. Esse é o único fertilizante que aplicamos nas nossas terras, com a ajuda de uma cisterna ou de um espalhador de estrume.

Que tamanho têm os parques, de modo geral?

Varia. Temos parques desde 1 a 5 ha no leite. Na carne ainda não atingimos estes níveis, mas para lá caminhamos. Como temos que conduzir os animais à ordenha, definimos corredores com 7 metros de largura para que uma pessoa sozinha consiga encaminhar um grupo de animais pela exploração toda. Temos um corredor-mestre que passa pela exploração toda, inclusivé para os animais de carne, e que depois segmenta para o resto da exploração. Acompanhado destes está a rede de bebedouros. Neste momento, este é o fator limitante para a evolução da cerca elétrica. Contudo, aconselho toda a gente a experimentar esta estratégia de pastoreio numa zona pequena. No ano a seguir estarão certamente a usá-la no efetivo todo. Connosco foi assim – começámos com um grupo de novilhas e no ano a seguir estavam já as vacas todas. Agora, quando as vacas passam mais de 3 dias no mesmo parque, ficamos nervosos porque sabemos que é tempo de mais e o pastoreio começa a ser seletivo e prejudica.

Quais os tempos mínimos e máximos que os animais ficam no mesmo parque?

Para o gado de leite, o mínimo são 3h e o máximo são 12h. Para a carne ainda não conseguimos estas marcas. Pode ser de 3 dias a 1 semana, dependendo do tamanho das parcelas e do número de animais em pastoreio. Tentamos segmentar o máximo – a margem de progressão está aí. No resto da exploração tentamos fazer isso para aumentar o número de animais que a terra suporta – neste momento estamos no limite única e exclusivamente por falta de vedação elétrica e rede de bebedouros. Com tudo instalado, poderíamos neste momento ter o dobro dos animais que temos. Poderemos eventualmente ver-nos limitados pelos regulamentos de exploração e biológicos que não nos permitem ter mais do que 2 CN por ha. Isto parece-me absurdo – o critério deveria ser aquilo que o solo suporta e não um regulamento sem sentido no papel.

Isso vai ter de mudar, no futuro.

Estás a ler um livro da Temple Grandin – interessam-te os métodos alternativos de maneio dos animais?

Estamos a estudar as suas soluções. São muito interessantes – fogem ao convencional, mas resultam muito bem. Coisas muito simples, como conduzir os animais em pastagem, na manga, tudo de modo a reduzir o stress. São dicas que nos passariam ao lado, mas com uma simples leitura damo-nos conta da importância. Recomendo vivamente!

As vacas de leite podem ver as suas produções muito afetadas pela ansiedade.

Exatamente – o facto de passar uma pessoa a falar mais alto é suficiente para uma retração da vaca, por medo, e para provocar uma interrupção da ordenha.

Qual a produção média animal/ano?

Estamos em cerca de 10 litros/vaca/ dia. São 2500 l–3000 l/vaca/ano. A produção é ininterrupta. As vacas secam naturalmente, sem o uso de antibióticos. São produções muito modestas que, comparadas com as de operações iguais à nossa, noutros sítios do planeta, não são assim tão más, especialmente no clima do nosso Alentejo. Na Nova Zelândia, com o clima favorável, onde chove quase 3 vezes mais, e com o uso de concentrados na ordenha, anda na ordem dos 17 litros. Acho que não estamos nada mal! Claro que, comparado com o convencional, seria motivo para refugar a vaca.

Isso leva-me à próxima pergunta. Qual é a diferença de custo na alimentação dos animais, antes da transição e agora?

Os nossos gastos nessa área agora são, quase exclusivamente, na mão de obra e na prestação de serviços para produção de forragens para conservar. Compramos

também a luzerna desidratada, cereais bio para a alimentação das bezerras, palha para camas e, por vezes, compramos algumas forragens para complementar as que temos em stock (é uma forma de importar nutrientes para a exploração). O efetivo aumentou e compramos cada vez menos comida de fora. Abolimos a ração, à exceção de muito pouca quantidade nos bezerros. Antes comprávamos um camião de farinha por mês, agora compramos 3 de cereal por ano, que depois trituramos para dar aos animais. De luzerna, compramos 1 camião de 2 em 2 meses. Somos muito agressivos na contenção de custos em tudo o que é supérfluo. A nossa maneira de pensar é “se vou gastar 1 euro tenho de ter 3 de volta”. Poucas coisas se qualificam para isto. Os agricultores estão rodeados e são abordados por toda uma variedade de produtos de que não necessitam. Há muita indústria alimentada à custa dos agricultores e o nosso dinheiro desaparece todo aí. Compramos o produto X que acrescenta tantos % na produção, ou o inoculante Y que dá mais 10% da qualidade da fibra. Temos muitas dúvidas desses resultados, especialmente em modo de produção biológico de pastagem onde isso é totalmente marginal e irrelevante.

Achas que o futuro está em caminhar para a abolição de todos os fatores externos e trabalhar cada vez mais seguindo os ciclos naturais, aumentando o lucro e melhorando os solos?

Definitivamente, produtos animais 100% de pastagem. O consumidor vai estar também mais alerta para isto – e perceber as qualidades organoléticas do leite produzido desta forma , que o torna muito rico em ómega 3 e mais baixo em ómega 6. Mais proteína, ácido linoleico conjugado mais elevado. Produtos que ajudam a prevenir doenças cardiovasculares. A título de exemplo o rácio de ómega 3/ómega 6 de um leite normal é 1; o de um leite de pastagem chega a 5,7.

A condução dos animais dos pastos à ordenha é uma dificuldade?

Nem por isso, o caminho passa por investir mais em vedações elétricas. Temos um pequeno problema que são os pivots. A segmentação da pastagem, aqui, representa um problema. Quanto melhor o sistema, menos a mão-de-obra necessária, mas há, obviamente, um aumento na mão-de-obra.

O preço que vos pagam pelo leite é razoável?

Falando de leite convencional, não podemos conceber que 1 litro de leite custe o mesmo que se paga por um café em Lisboa. O biológico tem de ter um valor superior, por todas as dificuldades em produzi-lo. Falta que as pessoas que bebem leite tenham cada vez mais consciência ambiental e procurem leite produzido por animais ao ar livre em pastagens e não comprem leites baratos maioritariamente importados. A produção de cereais não deveria destinar-se ao consumo das vacas. Elas são herbívoras, não granívoras. Tentemos produzir leite a partir de forragens – um leite de grande qualidade e mais remunerado. O consumidor manda, a indústria vai atrás e a cadeia muda.

E em relação aos decisores políticos? Por exemplo, em relação às limitações do número de cabeças normais por ha?

Acho que a decisão da limitação do MPB em 2 CN por ha é um crime. Deve ser de acordo com a capacidade daquela exploração. Nos Açores, por exemplo, é absurdo tendo em conta a produção de forragem que eles têm. Também na questão dos subsídios agroambientais, se se passar a fasquia é-se logo muito penalizado. O agricultor está a ajudar a regenerar o solo e ainda por cima leva um corte nos subsídios.

Parece-me que, em Portugal, nem os decisores políticos nem a academia científica, têm este conhecimento.

Deviam passar mais pelo montado, pelo campo, pelo sistema agrossilvopastoril e perceber que o caminho está aqui. Os fogos foram um alerta que tivemos há uns anos mas, aparentemente, não foi suficiente para mudar a vontade política.

Está quase a chegar ao mercado português um tipo de verificação de regeneração ecológica, que é o Land to Market, apresentado pelo Savory Institute que vai através do protocolo EOV de monitorização ecológica validar a regeneração do solo. Nos EUA, já existem grandes empresas de produção de leite biológico como a Alexander Farms, também A2/A2.

Conheço, o lema deles é Biológico Regenerativo.

Exato! Vocês pensam explorar este caminho.

Sim, estamos empenhados nisso. Já entrámos em contacto com a aleJAB nesse sentido porque a regeneração já cá está – basta medi-la. Porque não ter esse selo que ajuda a comercializar o nosso produto? Mais uma vez é o consumidor a ditar a velocidade e força com que estas coisas irão entrar.

Quais os autores que mais te influenciaram neste caminho?

A primeira influência que tive foi através da TedTalk do Alan Savory que achei muito contagiante e impressionante, o depoimento dele e a abordagem que fez despertou em mim a sensação de que havia um caminho diferente para fazer as coisas. Já estávamos nesse caminho com o biológico, mas ajudou a aprofundar. Depois, li os livros do Savory Institute, de "Holistic Management". Li também o Greg Judy – "Comeback Farms" e livros do Jim Gerrish sobre o pastoreio de gestão intensiva. Estes foram os 3 principais no início, mas a leitura é uma constante e a encomenda de livros dos EUA muito frequente, já que por cá pouco ou nada se encontra. Neste momento, estou a ler um livro da Temple Grandin e ao mesmo tempo um livro sobre cultivos de cobertura. Tenho mais livros sobre pastoreio, pastagens e maneio dos animais.

Que conselhos darias a um produtor de leite convencional, ou mesmo biológico, que esteja interessado em entrar no caminho da regeneração? O que é que correu mal e o que correu bem?

O primeiro erro que cometemos foi pensar que o energizador eléctrico para as vedações tinha potência infinita. Desperdiçámos muita energia a fazer cercas elétricas de pouca qualidade, o que se traduziu em vacas a partir as cercas a toda a hora. Recomendo um bom aparelho logo ao início, uma boa cisterna para abeberamento se não for possível instalar uma rede de bebedouros, começar com um pequeno número de animais e ir adaptando. Posso passar o dia aqui a falar de benefícios, mas não há nada como chegar à nossa exploração e vermos o resultado que isto tem. Uma pessoa que tenha um grupo pequeno de animais e saiba o que gasta por ano com eles, se adotar estas práticas vai ver que o stock de pasto que previu existir vai dobrar. O potencial da pastagem está lá, é só respeitar o crescimento natural das plantas e usar longos tempos de repouso.

Obrigado, João e toda a família Sanganha e colaboradores, excelente trabalho!

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