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Alimentação | Pequenos ruminantes

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ALIMENTAÇÃO | PEQUENOS RUMINANTES O PERI-PARTO NA CABRA LEITEIRA

QUANDO FALAMOS SOBRE CAPRINOS DE LEITE, TEMOS A FASE DE PERI-PARTO COMO, PROVAVELMENTE, O MAIS CRÍTICO MOMENTO DO SEU CICLO PRODUTIVO. A TRANSIÇÃO ENTRE O FIM DE UMA LACTAÇÃO E O INÍCIO DA SEGUINTE É, SEM DÚVIDA, UM MOMENTO DELICADO E É IMPORTANTE CONHECÊ-LO BEM. MUITOS DOS PROBLEMAS ORIGINADOS NESTA FASE PREJUDICAM GRAVEMENTE A RENTABILIDADE DAS EXPLORAÇÕES E PODEM AFETAR, DE ALGUMA FORMA, A SUA SUSTENTABILIDADE. FOTOS Luis Raposo

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LUIS RAPOSO Engenheiro zootécnico Dep.to Ruminantes Reagro l.raposo@reagro.pt

Sabendo à partida que existe em Portugal uma grande heterogeneidade entre os diferentes tipos de explorações dedicadas à produção de leite de cabra, não podemos deixar de constatar que, na produção atual, existem não só problemas comuns entre elas mas também idênticos a alguns dos que se observam nas explorações de leite de vaca. Por exemplo, a cetose em vacas leiteiras representa uma preocupação pelo enorme impacto económico que poderá ter na produtividade da exploração, mas numa exploração de caprinos de leite não deverá haver motivo de despreocupação, antes pelo contrário, é fortemente recomendável a tomada de medidas preventivas. Nas vacas de leite, ainda que esteja bem estabelecido que a génese da cetose começa mais cedo, a sua manifestação clínica ocorre em período pós-parto. Já em pequenos ruminantes, pelo contrário, os efeitos da cetose são normalmente sentidos alguns dias mais cedo, ainda na fase final de gestação. Não deixa de ser interessante notar que a cetose em pequenos ruminantes assume geralmente uma denominação diferente - toxemia de gestação (TG).

A TG ocorre quando há uma insuficiência no metabolismo energético, especialmente na fase final da gestação em que as necessidades aumentam exponencialmente, podendo também ocorrer no início da lactação. A doença manifesta-se no final da gestação e no início da lactação, quando as necessidades energéticas aumentam rapidamente e não são compensadas pela ingestão de alimentos nutricionalmente capazes de responder a essas necessidades. Nesta situação o animal tende a mobilizar e utilizar as suas reservas de gordura corporal por forma transformá-las em glicose, a principal fonte de energia das células (lipomobilização). O fígado é o responsável por esta transformação, mas se este processo natural se intensifica ao ponto de as capacidades hepáticas se saturarem, aparecerão corpos cetónicos que intoxicam o animal e que serão responsáveis pelos sinais clínicos. É por isso que em explorações leiteiras se procura monitorizar a presença destes corpos cetónicos associada a níveis baixos de açúcar no sangue. Vários estudos (Doré et al., 2015) procuram desenvolver ferramentas de controlo do ácido betahidroxibutírico (BHBA) como forma de diagnóstico eficaz e alguns até mostraram que valores relativamente baixos de BHBA, detetados um mês antes do parto, já podem indicar um elevado risco de TG. Porém, enquanto em vacas de leite o controlo sistemático de BHBA’s pós-parto poderia representar uma boa ferramenta de controlo e diagnóstico de cetose, nas cabras infelizmente esse método não é igualmente aplicável porque a cetose começa antes do parto. Além disso, a criação de cabras é geralmente sazonal e baseada em métodos naturais, logo a data da fertilização e a data prevista do nascimento não são conhecidas individualmente, nem com precisão. Não é possível definir o "dia 0" nem o dia do parto, apenas se pode fazer uma estimativa de quando os partos ocorrerão através do tempo de gestação expectável. Por estes motivos é difícil monitorizar o BHBA em caprinos. No entanto, sabendo que a toxemia de gestação (TG) aparece geralmente de forma “silenciosa” e conduz, por esse motivo, a uma reação frequentemente tardia por parte do criador, torna-se imperativo conhecer os fatores que favorecem o seu aparecimento. A mobilização de reservas corporais por parte da cabra, descrita anteriormente, é uma resposta fisiológica à necessidade crescente de energia e, por isso, é esperado que aconteça sempre antes do parto e atinja o seu pico no momento do parto. Deste modo, o que é necessário é implementar estratégias nutricionais para impedir que esta resposta fisiológica, normal e expectável, se torne numa patologia com consequências indesejadas e prejudiciais à saúde dos animais e à rentabilidade da exploração.

Neste sentido, facilmente se percebe que a TG não é uma doença infeciosa, mas sim com uma origem nutricional cuja ocorrência é frequente em explorações. De igual modo, é economicamente prejudicial aos interesses da exploração e, para a evitar, há que garantir o equilíbrio alimentar, com especial atenção nesta fase final da gestação (pré-parto). Vejamos porquê.

Num lote de cabras em pré-parto, uma situação de desequilíbrio nutricional poderá significar que há um défice de ingestão de energia num momento em que as necessidades são especialmente elevadas. Esta situação pode ser motivada pelo fornecimento de alimentos pobres em energia ou por uma ingestão insuficiente, por exemplo, devido a forragens “volumosas”, pouco palatáveis ou pouco nutritivas. Em cabras prenhes é sempre vantajoso fornecer forragem de qualidade. Apesar da data do parto não poder ser determinada com precisão, como foi referido anteriormente, é importante ter presente que esta pode ocorrer antecipadamente caso o programa alimentar seja mal concebido ou mal implementado. Cabras mais velhas são mais sensíveis a estes fatores e gestações múltiplas agravam ainda mais esta sensibilidade. Quando não é evitada, a toxemia de gestação em caprinos tem uma evolução clínica muito rápida, sendo frequentemente fatal. Economicamente a TG penaliza o sucesso da fase reprodutiva não só pela mortalidade verificada em algumas cabras, mas também pelo mau início de lactação de outras, bem como pela fragilidade dos cabritos nascidos destas circunstâncias. Sem auxiliares de diagnóstico perfeitos para antecipar ou lidar com a TG, e sendo o peri-parto um período tão delicado na cabra leiteira, a melhor ferramenta que pode ser usada é mesmo a prevenção. A prevenção é

Rebanho em pré-parto.

essencialmente de cariz nutricional e consiste em manter um equilíbrio preciso e cuidado logo desde a fase de secagem e principalmente até ao final da gestação. É necessário ter presentes as necessidades nutricionais da cabra leiteira, com especial enfoque na componente energética e proteica. Considerando que os problemas no período peri-parto derivam principalmente do desequilíbrio energético, há que focar principalmente esse aspeto. Assim, o requisito energético consiste no somatório das necessidades de manutenção, de gestação, de lactação e de crescimento (este último para cabritas de 1ª barriga). As necessidades energéticas consideradas para a gestação visam essencialmente os dois últimos meses (período seco). A correta interpretação e avaliação das necessidades no período peri parto inclui inevitavelmente algumas variáveis difíceis de determinar, sendo que as necessidades de gestação serão tanto mais elevadas quanto maior o número de fetos, no caso de gestações gemelares. Uma ração equilibrada em termos de energia e proteína já representa por si só um excelente princípio, mas será necessário estabelecer e seguir um plano alimentar de "pré-parto", ajustado de acordo com a condição corporal das cabras em período seco. Vejamos algumas das sugestões relevantes neste período delicado:

- especialmente no final da lactação, evitar uma dieta demasiado “generosa”, que conduza a um depósito excessivo de gordura corporal e promova posteriormente demasiada lipomobilização; - no último mês de gestação há que formular rações não demasiado diferentes daquelas que serão fornecidas no início da lactação; - no final da gestação, a incorporação de precursores de glicose como o propionato, o propilenoglicol ou o sorbitol na dieta, permite prevenir a toxemia, mas este recurso deverá ser bem fundamentado e não mascarar um eventual erro alimentar; - o uso de aditivos como vitaminas e aminoácidos essenciais com ação lipotrófica contribui para melhorar o metabolismo energético e o efeito “hepatoprotetor”; - ativadores da flora ruminal poderão promover o apetite e assim estimular uma maior ingestão; - o fornecimento de forragens de qualidade, facilmente ingeríveis, quer no final da gestação quer no início da lactação, é recomendado; - procurar a homogeneidade dos lotes garantindo a maior proximidade possível relativamente à data prevista de partos; - procurar a maximização da ingestão de matéria seca, que na cabra, e principalmente no período peri-parto, assume um significado muito importante; neste período devemos não apenas tentar maximizar a ingestão de alimentos mas também formular rações com alto conteúdo energético.

Conclusão: Na cabra, a sazonalidade reprodutiva determinará a concentração dos partos. No entanto, uma dieta personalizada para este momento satisfaz, na melhor das hipóteses, apenas uma parte do grupo, porque as cabras não parem todas no mesmo dia. Antes de mais, é necessário otimizar todo o processo de produção e evitar que a formulação de um programa alimentar não seja apenas um exercício teórico. O parto e o período que o circunda (peri-parto) representam um momento extremamente crítico para a cabra leiteira. Ainda que tenhamos animais cada vez mais produtivos e melhoremos continuamente a sua genética, acima de tudo há que trabalhar na otimização das diferentes estratégias de maneio. Nesse sentido, o papel da nutrição certamente terá um peso muito importante. Não é apenas necessário formular uma ração equilibrada, mas sim pensar em alimentos específicos e necessidades reais. A cabra é um animal muito delicado, mas excecionalmente versátil.

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