6 minute read

Observatório do leite

Next Article
Produto

Produto

OBSERVATÓRIO DO LEITE RETROSPETIVAS E DESAFIOS

CHEGADOS AO ÚLTIMO TRIMESTRE DO ANO, É TEMPO DE RESPIRAR FUNDO E PENSAR COM ORGULHO NOS DESAFIOS ULTRAPASSADOS ESTE ANO, MAS, ACIMA DE TUDO, OLHAR PARA A LINHA DO HORIZONTE E PARA O QUE 2022 E OS PRÓXIMOS ANOS NOS TRARÃO. A VACINAÇÃO EM LARGA ESCALA TROUXE COM ELA UM GRADUAL REGRESSO À NOVA NORMALIDADE, SENDO A ABERTURA DAS ESCOLAS, RESTAURANTES, TURISMO E EVENTOS PÚBLICOS UMA VERDADEIRA LUFADA DE AR FRESCO PARA OS SETORES ALIMENTARES.

Advertisement

Por Joana Silva, Médica Veterinária | Fontes AHDB, BDayry, Depto. Agricultura, Água e Ambiente da Austrália, Einpresswire, Feed Strategy, Rabobank, USDA

Fazendo a retrospetiva do ano, entre janeiro e julho de 2021 registou-se um aumento de 2,3% na produção leiteira nos Estados Unidos e um decréscimo de 0,1% a nível europeu. O incentivo para muitos produtores europeus é baixo, relatando-se maiores custos de produção. Na primeira metade do ano, foram enviados mais animais europeus para refugo do que no período comparável de 2020. Na Oceânia, onde se prepara o início de uma nova temporada produtiva, o arranque deverá ser com o pé direito, fruto dos pastos verdes e dos preços apetecíveis. Na Austrália, graças à forte procura, os preços médios pagos ao produtor poderão crescer na casa dos 7% na temporada 2021/2022. Na América do Sul, o crescimento do setor deverá ser limitado pelo clima instável e pelo aumento dos custos de produção.

Para o resto do ano, o panorama será modesto em termos de crescimento, e será a procura o principal fator determinante da evolução dos preços do mercado. São apontados três fatores que poderão estrangular o crescimento do setor nos próximos meses: a redução das importações chinesas, a stockagem em massa devido aos constrangimentos logísticos sentidos a nível global e a possibilidade de futuros confinamentos devido à pandemia.

As importações por parte da China, fortemente influenciadoras dos mercados mundiais, poderão começar a registar um abrandamento ainda este ano, fruto da conjugação do aumento da produção leiteira e dos stocks atuais. Beber leite chinês continua a pesar mais na carteira. No primeiro semestre de 2021, a recuperação dos efetivos suínos do surto de Peste Suína Africana levou a uma maior procura de cereais, o que resultou num aumento dos custos alimentares das explorações leiteiras e, consequentemente, do preço interno do leite, na ordem dos 15%.

De acordo com o Rabobank, o fecho do ano registará um aumento global da produção leiteira nas sete regiões-chave — Europa, Estados Unidos, Nova Zelândia, Austrália, Brasil, Argentina e Uruguai — na ordem dos 1,1%, valor inferior aos 1,6% registados em 2020.

Apesar da previsão de ligeiro abrandamento do setor neste último trimestre, a transição para 2022 deverá ser em força comparativamente ao mesmo período do ano passado. Em 2022, a produção global de leite deverá crescer, impulsionada maioritariamente pelos Estados Unidos e Nova Zelândia, com aumentos mais modestos na Austrália e Europa. A nível logístico, as disrupções no comércio internacional, nomeadamente a nível do aumento generalizado dos custos de produção e transporte, ainda não parecem ter afetado significativamente a satisfação da procura, algo que, no entanto, poderá vir a acontecer a médio e longo prazo.

Para o próximo ano, e no futuro próximo, foram já identificadas algumas tendências apontadas para o sucesso do setor, bem como as principais ameaças, as quais detalharemos abaixo.

A sustentabilidade da produção leiteira e a redução da sua pegada de carbono, das quais tanto falamos, encabeçam a lista. De acordo com a FAO, a produção pecuária é atualmente responsável por 14,5% das emissões de gases de efeito de estufa, 30% dos quais diretamente atribuídos à produção leiteira. Grandes companhias internacionais, como a Nestlé, estão a implantar estratégias para anularem a sua pegada de carbono até 2050. Tendo em conta a gravidade das alterações climáticas, será de todo natural que sejam exigidas à produção primária medidas concretas e eficazes para uma produção mais sustentável e viável a longo prazo.

A volatilidade dos preços do leite continuará a ser uma preocupação, com o caos gerado pela pandemia a expor as fragilidades da cadeia de produção. A contribuir para

esta volatilidade estão também as trocas comerciais globais, não só a nível de produtos lácteos, mas também no que diz respeito a matérias-primas como os cereais. Se a China começar a “fechar a torneira” das importações, novos constrangimentos decerto surgirão.

As características dos efetivos leiteiros também deverão mudar nos próximos anos, com uma tendência de aglutinação de efetivos pequenos em explorações maiores. Nos Estados Unidos, por exemplo, explorações acima das 5000 cabeças deverão tornar-se maioritárias e usufruir de condições de economia de escala. Isso trará desafios às indústrias paralelas da nutrição e saúde animal.

No que toca aos custos de produção, especialmente a nível da alimentação, o desafio continuará, e será crescente à medida que os recursos, finitos, terão de satisfazer uma população global crescente. Fenómenos climáticos como secas e inundações são também uma ameaça à produção. Dada a importância destas matériasprimas, uma gestão rigorosa poderá ditar a diferença entre lucro e prejuízo na produção leiteira.

Apesar de não estar isento de desafios, o setor do leite e produtos lácteos é apontado como uma das áreas de maior evolução na próxima década, fruto do aumento da procura por produtos orgânicos e pela adoção de estilos de vida saudáveis. O crescimento de economias em desenvolvimento, com o consequente aumento do poder de compra, deverá também favorecer o setor, mesmo com as ameaças de alternativas vegetais. Ainda assim, a popularidade destas continuará a crescer, tendo sido responsáveis por 15% das vendas de lacticínios a nível do retalho em 2020.

No que toca aos diferentes produtos lácteos, o leite continuará a ser líder na escolha dos consumidores, sendo responsável por mais de 30% das receitas geradas no setor. Prevê-se que, nos próximos anos, o mercado dos iogurtes registe um crescimento significativo, impulsionado por economias como o Brasil, Índia e China.

Relativamente aos principais players do mercado, a Europa deverá manter a sua posição fortificada no setor dos produtos lácteos, com grande margem de crescimento em queijos e sobremesas lácteas. Terá ainda de continuar a responder ao desafio da produção sustentável e de qualidade de excelência, premissas inegociáveis para um número crescente de consumidores. A região ÁsiaPacífico deverá, na próxima década, crescer acima da média de outras regiões, quer pelo aumento do número de consumidores quer pela evolução dos canais de distribuição online. Os Estados Unidos continuarão a deter uma quota de mercado significativa, em grande parte devido aos elevados consumos domésticos de leite e queijo.

Existe ainda uma ameaça de grande peso para o setor, apesar de muitas vezes não ser mencionada: a falta de mão de obra qualificada. Muitos dos produtores que terminam as suas carreiras não são substituídos pela geração seguinte, e muitos apontam como solução a automatização e robotização do setor de forma a colmatar estas lacunas. Desde sistemas de ordenha e alimentação automáticos a sistemas de monitorização por câmara ou GPS, a gestão de muitas explorações está a mudar, em paralelo com as tecnologias que tanto caracterizam o nosso século. Será a “desumanização” do setor o caminho futuro?

Por cá, continuaremos a escrever apenas com recurso à tecnologia indispensável. Até para o ano.

LEITE À PRODUÇÃO | PREÇOS MÉDIOS MENSAIS EM 2020/2021

ANOS MESES EUR/KG TEOR MÉDIO MG1 (%) TEOR PROTEICO (%)

Continente Açores Continente Açores Continente Açores

2020 JULHO 0,306 0,277 3,68 3,68 3,19 3,13

AGOSTO 0,310 0,273 3,73 3,66 3,18 3,08

SETEMBRO 0,313 0,282 3,73 3,75 3,26 3,20

OUTUBRO 0,315 0,282 3,90 3,83 3,36 3,22

NOVEMBRO 0,315 0,288 3,90 3,90 3,36 3,29

DEZEMBRO 0,315 0,284 3,92 3,89 3,38 3,24

2021 JANEIRO 0,315 0,282 3,94 3,83 3,35 3,20

FEVEREIRO 0,311 0,278 3,83 3,77 3,30 3,15

MARÇO 0,312 0,276 3,74 3,72 3,33 3,13

ABRIL 0,312 0,277 3,72 3,67 3,33 3,17

MAIO 0,312 0,275 3,75 3,67 3,33 3,12

JUNHO 0,310 0,276 3,71 3,65 3,30 3,11

JULHO 0,309 0,275 3,71 3,68 3,24 3,09

MG1 - Matéria Gorda

PREÇOS DO LEITE 2014-2021 | PORTUGAL VS. EU-27 (€/100 KG)

This article is from: