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AGRICULTURA REGENERATIVA "O TRUQUE DO MANEIO ESTÁ NO EQUILÍBRIO"

NA HERDADE DE SÃO LUÍS, NA SERRA DE MONFURADO (ÉVORA), OPERA UM PRODUTOR PORTUGUÊS DE REFERÊNCIA DE PORCO ALENTEJANO. FRANCISCO ALVES, GESTOR DA EXPLORAÇÃO QUE A RUMINANTES VISITOU EM MARÇO PASSADO, MOSTROU-NOS COMO TEM IMPLEMENTADO O SISTEMA EXTENSIVO DE MANEIO REGENERATIVO PARA GARANTIR A CONTINUIDADE DA SAÚDE DOS SOLOS DA HERDADE. Fotos FG

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Francisco Alves, gerente da empresa Porcus Natura.

POR ANDRÉ ANTUNES

Agricultor, Consultor Agrícola e Médico Veterinário chaoricolares@gmail.com Instagram.com/chao.rico.colares Éna Ermida de São Luís da Mogueira, Serra de Monfurado, no concelho de Évora, que fica a Herdade de São Luís. Na paisagem circundante predomina o montado de sobreiros e azinheiras, embora a herdade compreenda também "cerca de 50 ha de áreas mais limpas, das quais 25 ha são de regadio", como nos explicou Francisco Alves: "É uma herdade agrossilvopastoril, com muita biodiversidade e algumas linhas de água. Temos também atividade cinegética. A herdade está na nossa família há 5 gerações e eu trabalho lá desde os 20 anos. Quando comecei, o meu pai tinha 300 vacas e 200 porcas reprodutoras. Ao longo do tempo temos vindo a equilibrar as espécies, reduzindo algumas e aumentando outras."

A empresa Porcus Natura, dedicada à criação e comercialização de porcos alentejanos, representa a atividade principal da exploração. Para além do porco alentejano, coexistem aqui outras espécies: gado bovino cruzado de Angus, ovinos Merina Preta e cabras Serpentina. Esta diversidade, diz Francisco, é indispensável para se conseguir implementar o sistema extensivo de maneio regenerativo, que acredita ser essencial para que o solo se mantenha produtivo.

Para definir os parques de pastoreio, utilizam redes elétricas móveis.

Qual é o efetivo animal?

Temos 250 vacas, 80 porcas reprodutoras da raça Alentejana, 100 cabras Serpentina e 50 ovinos Merino Preto. Os porcos, cabras e ovelhas estão todos inscritos no livro genealógico. Nas vacas temos cruzamentos de Mertolenga, Angus e BBB.

Quantos empregados têm?

Atualmente, temos apenas um, para além da colaboração de estagiários.

Qual a atividade que lhe dá mais prazer na exploração?

Depois de ter aprendido a trabalhar com as diferentes espécies, o que gosto mais é de observar e aprender a forma mais eficiente de obter resultados no contexto agrossilvopastoril do montado.

Como é um dia típico na herdade?

Começa por uma volta às 4 espécies de animais que temos aqui, para ver se está tudo bem: os brincos de nascimentos, as parições, etc. Depois, começamos a fazer os parques para o dia seguinte. Rodamos todas as espécies, no máximo, de 2 em 2 dias.

Qual é o tipo de maneio geral entre todas as espécies?

A vaca, que é o maior herbívoro e o mais eficiente, vai para as áreas mais abertas e produtivas. Ajuda-nos a andar mais rápido e a ter maior impacto em terreno aberto. Utilizamos sempre a vaca à frente. Os porcos têm um maneio muito específico, na altura da montanheira andam em áreas mais abertas para aproveitar melhor a bolota, e utilizamo-los como ferramenta específica de pré-sementeira ou distúrbio no solo. As cabras andam atrás das vacas, em zonas com infestações de silvas ou outras arbustivas, para limpar e ajudar à sucessão para pastagem nova e a prevenir os fogos; nas linhas de água controlam algumas espécies de árvores e arbustos, sem as eliminar, ajudando a segurar as margens.

Como surgiu o interesse pelas cabras?

Quando tomei conhecimento da Agricultura Regenerativa, apercebi-me de que os animais têm um papel muito importante no ecossistema. Tendo em conta as características da nossa herdade, pareceu-me fazer muito sentido introduzir as cabras. São uma ferramenta essencial, especialmente nas zonas muito fechadas e com elevada densidade de árvores e plantas arbustivas, dado que nós escolhemos não utilizar mobilização profunda dos solos, nem herbicidas. Sempre tivemos aqui um bom renovo de sobreiros e azinheiras, mas a qualidade da pastagem estava a diminuir. Com as cabras, percebi que podemos contrariar convenientemente essa sucessão menos desejada e, ao mesmo tempo, produzir mais quilos de carne e originar uma nova fonte de rendimento na exploração. Temos cabras há muitos anos, mas só recentemente começámos com este tipo de pastoreio dirigido. A paixão foi crescendo à medida que tudo se tornou mais fácil e os resultados foram óbvios e muito rápidos.

Que vantagens têm as cabras em relação às ovelhas?

A cabra tem uma forma diferente de impacto de outra espécie qualquer. O ovelha é como uma vaca de menor dimensão, come principalmente erva, enquanto que a cabra procura ramos e

folhagens para roer, plantas mais fibrosas e espinhosas. A cabra procura estas plantas 80% do tempo e só no restante come erva. Além disso, é mais ágil, pode saltar, trepar, subir. A ovelha tem o obstáculo da lã, logo, procura sítios mais abertos com o receio de ficar presa.

Encontra dificuldade em fazer este tipo de planeamento de pastoreio adaptativo de parques múltiplos com as cabras?

Temos que olhar para todas as espécies da mesma maneira. Normalmente o problema não está no animal, mas no tipo de maneio que fazemos. Nós trabalhamos com redes elétricas de 1 metro de altura que qualquer cabra salta facilmente; o truque é estabelecer o equilíbrio entre a área dos parques, o número de animais e o tempo que passam em cada parcela. Deste modo, os animais mantêm-se calmos dentro do espaço em que pretendemos produzir o impacto. Se respeitarmos os períodos naturais dos animais - pastoreio, amamentação, ruminação — e os movermos para um novo parque com alimento abundante, na altura certa, eles vão entrar com voracidade e vão querer comer outra vez. É a rotina, e o equilíbrio entre descanso e atividade, que é necessário atingir, para que tudo corra bem.

Como é o maneio reprodutivo das cabras?

A raça Serpentina tem aptidão mista, mas como neste caso é só para produção de carne, o maneio é muito simples, especialmente para o impacto incisivo e dirigido como pretendemos. Temos o rebanho todo junto e evitamos vender animais muito jovens, para que eles permaneçam o maior tempo possível na exploração, para termos mais carga de impacto. Pela mesma razão, melhoramos a sua qualidade de vida, para além de obtermos uma carne mais saudável e de maior qualidade. Os machos estão todos juntos. Não fazemos desmame, os cabritos mamam na mãe até quererem, o que evita problemas de mamites, já que as mães secam naturalmente.

No dia de 1 de março, através de um projeto comunitário em conjunto com as organizações Climate Farmers e Volterra, foram plantadas na Herdade de S. Luís mais de 1000 árvores ao longo das cercas dos parques. As espécies selecionadas foram: amendoeiras, azinheiras, figueiras, laranjeiras medronheiros, macieiras, nogueiras, oliveiras, romanzeiras e sobreiros.

Com que idade vende os cabritos?

Entre os 6 e os 8 meses.

Quantos cabritos saem, em média, por parição?

À volta de 1,3. Não porque tenhamos muita mortalidade, mas porque ainda estamos numa curva ascendente de seleção das cabras que tenham 2 cabritos. Os partos são naturais, por exemplo agora, em meados de março, temos os últimos da parição que começou há cerca de dois meses.

Conseguem vender bem os cabritos pelo facto de terem mais idade? Para onde vendem?

Até agora não temos tido problemas, conseguimos escoar tudo o que produzimos. Temos aumentado o efetivo a pouco e pouco, de acordo com a procura que temos deste tipo de cabrito com mais peso que o habitual. Trabalhamos com um talho que é nosso parceiro, para restaurantes e para o cliente final. Enquanto conseguirmos, não vendemos estes animais do modo tradicional.

Quais são, na sua opinião, os maiores obstáculos do produtor pecuário em Portugal, nomeadamente no domínio da Agricultura Regenerativa?

Diria que se devem separar os mundos da produção e da comercialização. Há um caminho a percorrer, num e noutro, para se ganhar experiência e conseguir obter o valor acrescentado neste tipo de produto.

Ao nível da produção, é muito mais fácil, eficiente e barato produzir com o maneio regenerativo, não existem tantos custos associados e conseguem-se obter melhores margens. Porém, apesar de nos últimos 50 anos ter havido uma evolução tecnológica na agricultura, esta não foi acompanhada pela evolução da gestão do pastoreio. Por exemplo, existem cercas e redes eléctricas excelentes, mas temos falta de conhecimento em como dirigir os animais da forma mais correta para servir o contexto. Aconselho os produtores a fazerem experiências, verão que de um dia para o outro as coisas mudam para melhor e não quererão voltar atrás. O pastoreio extensivo tradicional é mais ineficiente a vários níveis.

O obstáculo inicial para produzir com o maneio regenerativo é a ideia de que há que fazer parques todos os dias e mover os animais. No nosso caso, com a mão de obra que temos disponível, damos a volta às espécies todas e ficamos com o resto do dia livre para outras atividades. Como temos as diferentes espécies em grupos

únicos, movemo-las mais rapidamente, e se percebemos que existe algum problema, intervimos de imediato. Além disso, este maneio é favorável ao crescimento da erva e à saúde dos animais. Os animais nascem todos no campo, nunca estão debaixo de telha.

Havendo abertura regulamentar e legislativa, vê os matadouros móveis como uma vantagem?

Sim, claro. Uma das coisas difíceis de gerir com este maneio é o abate e o processamento de lotes pequenos. Com um matadouro móvel passando perto das explorações com regularidade, teríamos animais prontos para abater a cada 2 meses. Isto aumentaria a nossa rentabilidade, o bem-estar animal e a qualidade da carne. Se os resíduos ficassem na exploração, ainda seria melhor.

Teve dificuldades no desenho e implementação da rede de abeberamento para os animais?

É necessário ter cuidado com essa parte. Já tínhamos água em todas as cercas convencionais com 50-70 ha. Usamos um bebedouro móvel para conseguir levar água a todas as partes da parcela. Como podemos fazer as formas que quisermos com as redes elétricas móveis, conseguimos chegar aos pontos de água, usando a imaginação. Outra técnica é ir avançando a linha da frente do fio elétrico, não fechando atrás e deixando o bebedouro no início. Desde que não haja recrescimento forte para trás — falamos de 3 ou 4 dias —, os animais continuam a comer para a frente, não fazem sobrepastoreio e voltam sempre para beber água. Passados esses dias, passam-se para um novo parque para dar descanso ao último.

Ao nível dos cuidados veterinários, imagino que tenha havido uma diminuição drástica das despesas...

O maneio é o mais importante, um solo cada vez mais saudável leva a animais mais saudáveis e a menos problemas e necessidade de intervenção.

Com o maneio tradicional, sem rotação ou com rotações muito lentas como faziam antes, tinham mais problemas?

Sim, no porco notámos muita diferença. Desde o momento que os animais fazem rotações e não ficam na mesma cerca muito tempo, deixou de haver problemas. Tinhamos um plano profilático muito pesado. Hoje em dia não aplicamos ou damos nada.

Fazem algumas desparasitações?

Também não. Não usamos ivermectina há muito tempo. Podemos sempre fazer colheitas coprológicas e, se houver algum caso esporádico, tratamos isoladamente ou refugamos. Não temos qualquer feedback negativo dos matadouros. Nos ovinos e caprinos vamos também fazendo uma seleção para animais cada vez mais adaptados a esta alimentação sem suplementos, o que tem levado a animais mais resilientes, de porte mais pequeno mas muito robusto.

As rotações rápidas em que os parques têm períodos de repouso prolongados sem animais, juntamente com o pastoreio multiespécies, ajudam a quebrar os ciclos dos parasitas.

Sim, por exemplo, no caso da Fasciola, conseguimos planear as rotações para evitar colocar animais nas zonas mais alagadas onde existe o caracol que transporta o parasita.

Como estão os pastos depois deste inverno tão seco?

Temos planeados tempos de recuperação longos. Estamos em março e já há mais de um mês que não damos comida à mão a qualquer tipo de animal. O mês de dezembro foi duro, tivemos que dar comida à mão mais cedo, embora isso tenha sido estratégico para poder dar mais descanso aos parques e agora ter crescimento. Num ano normal, com este longo período de descanso, a erva estaria agora com o dobro da altura.

Que culturas anuais forrageiras costuma fazer?

De inverno, fazemos misturas de trevos, vicias e azevéns. De verão, misturas com erva do sudão, grão, etc. E outras, como por exemplo abóbora, para alimentar os porcos. O objetivo é criar misturas para ajudar a melhorar o solo e desbloquear alguns nutrientes.

Faz sementeira direta?

Sim, e em zonas e situações específicas usamos os porcos para uma passagem de pré-sementeira.

Teve consultorias com o Ademir Calegari e com o Ben Taylor-Davies. Como foi este contacto com “pesospesados” da Agricultura Regenerativa mundial?

Foi muito positivo. São duas pessoas com muita experiência, muitos anos de trabalho em contextos distintos. Chegamos à conclusão que queremos todos chegar ao mesmo destino, com ferramentas diferentes. O que me ajudou muito foi perceber que temos um potencial produtivo muito maior do que pensamos. Só temos é que promover as boas práticas e eliminar as más. Mesmo com solos muito pobres e degradados, é possível melhorar, utilizando as ferramentas certas para obter maior eficiência e produção.

Já faz pastoreio dirigido, mas disse-me que vai começar a usar uma tabela de pastoreio. De que tipo?

Vou usar o modelo do Allan Savory, o Pastoreio Holístico Planeado. É uma ferramenta muito útil para perceber o trabalho que queremos fazer com as 4 espécies, como está a responder o pasto ao pastoreio que estamos a fazer e a previsão do pastoreio que queremos fazer no futuro. Assim, podemos olhar para o passado e planear melhor o futuro com essa informação.

O que acha do EOV (Ecological Outcome Verification) do Savory Institute?

O EOV é essencial para termos uma base mais científica dos resultados deste tipo de pastoreio. Se queremos caminhar numa certa direção, a base do EOV ajuda-nos a perceber e tratar melhor os dados. É muito importante poder descrever o que tínhamos antes, onde estamos e a estimativa de para onde vamos. Além disso, dá-nos informação da biodiversidade que vamos ganhando com esta gestão do pastoreio.

Como vê o futuro da Herdade de São Luís?

O futuro é caminhar para um equilíbrio entre as 4 espécies que temos. Queremos continuar a aumentar os efetivos de cabras e ovelhas, mantendo o número de vacas e porcos. Ou seja, tornarmo-nos mais eficientes com o mesmo número de hectares, utilizando ferramentas diferentes. Outro objetivo que temos é chegar cada vez mais com os nossos produtos ao cliente final e colocá-los na restauração conseguindo um valor acrescentado.

Mais informações em: https://www.instagram.com/ herdadesluis_porcusnatura/ https://pt-pt.facebook.com/porcusnatura/

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