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Leite | Bovinos de leite

Figura 1 A produção de β caseína A1 ou A2 é determinada pela presença de formas diferentes do gene que codifica para a sua produção (Semex). Figura 2 Exemplos de leite A2 disponíveis no mercado de outros países.

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LEITE | BOVINOS DE LEITE O QUE É O LEITE A2?

O LEITE A2 É UMA ALTERNATIVA AO LEITE CONVENCIONAL CUJO MERCADO TEM CRESCIDO DE FORMA RÁPIDA, EM VÁRIOS PAÍSES ESPALHADOS PELOS VÁRIOS CONTINENTES. A SUA PRODUÇÃO DEPENDE DA GENÉTICA DAS VACAS, NÃO PODENDO SER SINTETIZADO COM A ADIÇÃO DE COMPONENTES PELA INDÚSTRIA. APESAR DE AINDA NÃO SER COMERCIALIZADO EM PORTUGAL, EXISTEM PRODUTORES QUE HÁ VÁRIOS ANOS TOMARAM A DECISÃO DE FAZER SELEÇÃO GENÉTICA INCLUINDO ESTA CARACTERÍSTICA.

Por Ricardo Bexiga1, Bruno Palaio2 1 Faculdade de Medicina Veterinária; Serbuvet, Lda. 2 Sociedade Agro-Pecuária Palaio, Lda | Autor correspondente: ricardobexiga@fmv.ulisboa.pt

Oleite é um dos alimentos mais nutritivos que existem sendo constituído por cerca de 87% de água e 13% de sólidos. Entre estes sólidos encontram-se entre 3,5 e 4,0% de proteína, dos quais quase 80% são caseína, sendo os restantes 20% as proteínas do soro de leite, predominantemente α e β-lactalbumina.

As caseínas por sua vez podem ser de 4 tipos - αS1, αS2, β e κ – tendo a β caseína, 12 variantes genéticas (A1, A2, A3, B, C, D, E, F, G, H, I, J). O tipo de β caseína presente no leite é por isso determinado pela composição genética da vaca que produz o leite, correspondendo a β caseína a 25 a 30% da proteína do leite.

A diferença estrutural entre a β caseína A1 e A2 reside num único aminoácido, mas é suficiente para toda a conformação tridimensional desta proteína ser diferente, o que por sua vez afeta os padrões de clivagem enzimática durante a digestão. De facto, a clivagem enzimática da β caseína A1 é mais fácil, resultando num número mais elevado de péptidos do que os que resultam da ação enzimática sobre a β caseína A2.

A produção de β caseína A1 ou A2 é determinada pela presença de formas diferentes do gene que codifica para a sua produção. As vacas podem receber um alelo A1 ou A2 de cada progenitor, podendo por isso cada animal ser portador do gene nas variantes A1A1, A1A2 ou A2A2 (figura 1).

QUAL O INTERESSE NO LEITE COM β CASEÍNA DA VARIANTE A2?

A lactose, o único açúcar presente no leite, é clivada a nível do intestino delgado pela enzima lactase, em glucose e galactose. A ausência da enzima lactase numa porção significativa da população humana adulta, impede essa clivagem, levando à passagem de lactose para o intestino grosso onde é metabolizada por bactérias, com consequentes sinais clínicos como dor abdominal, flatulência e diarreia. Esta incapacidade de digerir a lactose e o quadro clínico associado constituem a chamada intolerância à lactose, responsável por muitas pessoas abandonarem o consumo de leite ou procurarem variantes de leite sem lactose.

No entanto, raras vezes será confirmado que a responsabilidade pelos sinais clínicos consequentes ao consumo de leite serão de facto atribuíveis à intolerância à lactose. Existe ampla evidência na literatura científica de que os sinais clínicos atribuídos à intolerância à lactose poderão também ser atribuídos à digestão da β caseína A1. Vários estudos realizados em humanos mostraram diferenças significativas na ocorrência de inchaço abdominal, dor abdominal, frequência de defecação e consistência das fezes, entre pessoas, após consumo de leite proveniente de vacas com genótipo A1A1, A1A2 e A2A2. Parece, portanto, que pelo menos uma parte das pessoas que se dizem intolerantes à lactose poderão, de facto, estar a sentir os efeitos do consumo da β caseína A1.

Vários estudos têm incidido sobre outros potenciais efeitos sobre a saúde, relativamente ao consumo de leite dito de tipo A1 ou A2. Parece não haver evidência de que o consumo de leite A2, comparativamente com o leite A1, tenha efeitos protetores contra as doenças cardiovasculares ou contra a diabetes mellitus. Parece, no entanto, haver indícios que apontam para uma menor tendência para inflamação do tipo alérgico. De facto, a ingestão de leite A2 será menos pro-

inflamatória do que a ingestão de leite A1, podendo por isso ser protetora contra a asma e outro tipo de condições alérgicas.

Existem evidências de que o consumo dos leites com diferentes tipos de β caseína leva também a diferenças em termos cognitivos. Testes realizados para avaliar a velocidade e eficiência do processamento de informação, revelaram que participantes que consumiam leite A2 demonstravam velocidades de processamento ligeiramente mais rápidas, assim como níveis de erro inferiores.

O MERCADO DO LEITE A2

Apesar de ainda não ser vendido leite A2 em Portugal, internacionalmente existem mercados em que este leite já está presente há alguns anos, incluindo a Nova Zelândia, Austrália, Estados Unidos da América, Canadá e China. O mercado global de leite A2 foi avaliado em 8.5 biliões USD em 2020, com uma previsão de que atinja 25.5 biliões USD em 2027. Esta subida esperada no consumo deste tipo de leite terá a ver com uma procura dos consumidores pelos chamados alimentos funcionais, alimentos cujo consumo se considera trazer benefícios, seja em termos de saúde, seja noutras áreas como a área cognitiva. Esta tendência manifesta-se não apenas no leite na forma líquida, mas também no leite em pó para bebés, tendo sido lançadas no mercado internacional várias formulações com leite A2 (figura 2).

COMO PRODUZIR LEITE A2

Ao contrário de outros leites com determinadas características do ponto de vista da sua composição, como o leite enriquecido em cálcio ou em ácidos gordos Omega 3, o leite com β caseína A2 não pode ser sintetizado em fábrica pela adição de um suplemento ao leite. A produção de leite A2 depende do genótipo das vacas presentes numa determinada vacaria, relativamente ao gene que codifica para a síntese de β caseína. Tal como escrito anteriormente, esse genótipo pode ser A1A1, não levando a qualquer síntese de β caseína A2; A1A2, que leva à produção de β caseína A1 e A2; ou A2A2, situação em que apenas é sintetizada β caseína A2.

Para termos um genótipo A2A2 numa vaca, este animal teve de receber um alelo A2 da mãe e outro alelo A2 do pai, algo que só acontecerá com a seleção de touros A2A2 no efetivo de uma vacaria ao longo de gerações. A generalidade das empresas fornecedoras de sémen, hoje em dia, possuem touros nos seus catálogos com o genótipo A2A2 (figura 3). Isso acontece para várias raças de vacas leiteiras, sem que tenha qualquer influência noutro tipo de características.

A determinação do genótipo de cada animal pode ser realizada de forma individual, através do envio de uma amostra de sangue para um laboratório que esteja apto a realizar essa análise, podendo ser feita em Portugal. A determinação da presença da proporção de β caseína A1 e A2 pode ser realizada a partir do leite de tanque, sendo no entanto uma análise disponível em poucos laboratórios (tanto quanto os autores sabem, não disponível na Europa), e bastante dispendiosa.

A produção de leite A2 carece também, geralmente, de certificação por uma entidade externa. Esta situação poderá ser uma barreira à massificação da produção e venda de leite A2, mas sem dúvida que a maior barreira reside no facto de o processo de produção deste tipo de leite depender de uma decisão estratégica tomada vários anos antes de poder ser utilizada como um fator de diferenciação para a vacaria leiteira, pois implica um trabalho de seleção genética que levará anos até ter o efeito pretendido.

FIGURA 3 EXEMPLO DE UM TOURO COM GENÓTIPO A2A2, QUE OBRIGATORIAMENTE PASSARÁ UM ALELO A2 À DESCENDÊNCIA (FONTE: SEMEX)

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