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Saúde e bem-estar| Bovinos de leite

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FOTO 1 Box individual, sem espaço exterior. FOTO 2 Box individual, com espaço exterior. FOTO 3 Alojamento em grupos de 3 ou 4 vitelas com zona de recreio mais ampla.

SAÚDE E BEM-ESTAR | BOVINOS DE LEITE CRIAR VITELAS DE LEITE EM GRUPO OU ISOLADAS?

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1ª PARTE: OS PRÓS - NA PRIMEIRA PARTE DESTE ARTIGO, IREMOS ABORDAR ESSENCIALMENTE AS DESVANTAGENS DA RECRIA DE VITELAS ISOLADAS DE OUTROS ANIMAIS E AS VANTAGENS DA ADOÇÃO DO SISTEMA EM PARES OU EM PEQUENOS GRUPOS.

Por George Stilwell, Médico Veterinário, Faculdade Medicina Veterinária, Universidade de Lisboa, email: stilwell@fmv.ulisboa.pt Fotos FG

Aquestão de criar vitelas de leite em grupo ou isoladamente, continua a despertar intensa discussão. Há vantagens em isolar os animais recém-nascidos ou o contacto social é útil ao seu desenvolvimento? Se for decidido criar em grupo, que cuidados adicionais deveremos ter? Qual a dimensão ideal para os grupos e a partir de que idade deveremos juntar as vitelas?

Como sempre, vou tentar, dentro do possível, suportar as informações e as recomendações em evidências científicas robustas através da consulta daquilo que tem sido publicado ao longo dos últimos anos. Aliás, será dessa evidência científica que nascerão os regulamentos e as diretivas legislativas que se estão a preparar no âmbito da estratégia da UE “do Prado ao Prato” e que afetarão o sector leiteiro nos próximos anos.

Nesta primeira parte da peça iremos abordar essencialmente as desvantagens da recria de vitelas isoladas de outros animais e as vantagens da adoção do sistema em pares ou em pequenos grupos. Num próximo número da revista Ruminantes, iremos falar sobre as potenciais desvantagens da utilização de grupos e ainda tecer algumas considerações acerca da composição do grupo ideal… se é que isso existe.

O QUE ACONTECE NA NATUREZA

Pouco antes do parto, as fêmeas gestantes da maior parte dos ruminantes selvagens e também dos bovinos mantidos em regime extensivo, tendem a isolar-se para que o nascimento se faça numa área longe da interferência dos restantes membros da manada. Durante os primeiros dias após o parto, a mãe mantem o recém-nascido escondido entre arbustos ou vegetação alta enquanto pasta nas proximidades.

A cria praticamente não se movimenta e é totalmente dependente do leite fornecido pela mãe, sendo alimentada aproximadamente 8 a 12 vezes por dia durante a primeira semana de vida, mamando por períodos de aproximadamente 10 minutos.

Terminado este período de adaptação, o vitelo passa a seguir a vaca integrandose definitivamente na manada. Após a segunda semana de vida, começa a aumentar a distância de afastamento da vaca, a interagir com os pares e a formar pequenos grupos com outros vitelos, se existirem. A constatação deste comportamento na Natureza, desencadeou a vontade de se estudar e de se perceber até que ponto a perturbação desta sequência de acontecimentos, influenciava o desenvolvimento e o bemestar dos vitelos criados em condições mais intensivas (especialmente nas manadas produtoras de leite em que a cria é retirada da mãe pouco depois do nascimento). A par da razão zootécnica, uma outra incentivou a investigação científica – a crescente exigência dos consumidores para que sejam proporcionadas condições aos animais de produção para poderem expressar o seu comportamento natural.

A SITUAÇÃO ATUAL NA PRODUÇÃO

Todos sabemos o que tipicamente acontece nas vacarias de leite em regime intensivo: as crias são separadas da vaca logo após o nascimento (quase sempre dentro das primeiras 12 horas), alimentados com colostro pelo produtor e transferidas para compartimentos individuais, com ou sem acesso a uma pequena área de exercício (fotos 1 e 2).

Dependendo da finalidade (fêmeas de substituição ou machos/fêmeas para engorda) e do maneio e instalações disponíveis, o tempo em que se mantem o vitelo nestes compartimentos varia entre aproximadamente 1 semana e as 8 semanas. A partir dos 2 meses a legislação (Decreto-Lei n.º 48/2001, de 10 de Fevereiro) obriga a que os animais passem a estar em grupos, excecionandose animais doentes e aqueles que nascerem em explorações muito pequenas (menos de 6 vitelos). Interessa, por isso, avaliar e discutir apenas o interesse ou não do agrupamento de vitelas entre o nascimento e os dois meses de idade.

O CONTACTO SOCIAL

Há bastante evidência científica que sugere que os vitelos recriados num ambiente rico em termos sociais, são menos medrosos e normalmente assumem posições dominantes quando misturados em grupos, mais tarde na vida (Veissier et al., 1994). Ou seja, têm maior facilidade em se encaixar na complexa organização social que compõe uma manada, evitando estados mentais de ansiedade e frustração que comprometem a sua saúde e bem-estar. No mesmo sentido, Jensen e Larsen (2014) e Paula Vieira et al. (2010), mostraram que as vitelas mantidas em isolamento eram mais reativas e mostravam mais sinais de medo perante situações novas, incluindo serem colocadas na presença de vitelas estranhas, e vocalizavam mais quando eram desmamadas, quando comparadas com animais mantidos em pares desde o nascimento. Estas constatações podem ter uma enorme importância se levarmos em conta que as novilhas e as vacas leiteiras irão enfrentar variadíssimas situações de novidade ao longo da vida – mudanças na dieta, mudanças frequentes de parques, reagrupamento com novas parceiras sociais, contacto com humanos desconhecidos, para além de todos os procedimentos de ordenha. Se conseguimos garantir que estes não são momentos causadores de grande stress, teremos animais mais fáceis de lidar, mais saudáveis, mais férteis e mais produtivos (foto 3).

Também o desenvolvimento cognitivo parece ser afetado pelo isolamento desde idade precoce. Tem sido demonstrado que para estas vitelas será mais difícil aprender novas tarefas, como, por exemplo, dirigirse à ordenha, manter-se quieta durante a ordenha, entrar numa manga ou adotar os cubículos para descansar. Uma experiência conduzida por uma equipa da Universidade de British Columbia mostrou que as vitelas criadas em pares aprendiam muito mais depressa qual o botão a pressionar para obter uma refeição de leite, do que aquelas que tinha sido mantidas em boxes individuais. Ou seja, animais criados isoladamente exibem aptidões cognitivas deficientes e dificuldades de aprendizagem, o que reduz a sua capacidade em se adaptar a ambientes e a maneios que são necessariamente mutáveis e inconstantes.

Igualmente amplamente comprovado por diversos estudos, é a maior e mais precoce ingestão de alimento sólido que ocorre nas vitelas que se encontram em grupo. Comparando animais mantidos em boxes individuais até ao desmame (fotos 1 e 2) com animais criados em pares ou em pequenos grupos (foto 3), comprovouse que as segundas começavam a comer concentrado mais cedo, comiam maior quantidade e chegavam ao desmame com pesos superiores (Paula Vieira, et al. 2010). Esta diferença pode ser explicada pelo “princípio de facilitação social” sugerido por Galef e Laland (2005) como sendo o desencadear de um comportamento particular apenas por ver outros envolvidos nesse mesmo comportamento. Ou seja, as vitelas que observam outras vitelas a procurar e a comer algo, têm maior tendência também a investigar e a experimentar esse alimento. E, sendo uma espécie gregária, em que a sincronização de comportamentos é natural, haverá mais refeições a decorrer durante o dia.

É consensual que a atividade e o movimento são componentes importantíssimos do desenvolvimento corporal dos animais. O exercício muscular em vitelas é essencial a um crescimento harmonioso e deve ocorrer ao longo de todo o dia. Esta atividade deve incluir marcha, interações sociais e mesmo o ato de brincar que é composto por corridas, pinotes, cabriolas, coices etc… (Jensen et al, 2015). A negação desta atividade não tem apenas consequências físicas, já que sendo bastante elevada a motivação para exercer exercício, a impossibilidade causa tédio, frustração e stress.

Um outro benefício da manutenção desde cedo de vitelas em grupo tem a ver com aspetos mais práticos. É consensual que a recria em grupo leva, normalmente, a uma redução da necessidade de mão-de-obra por cabeça. Um estudo recente relatou que a "redução do trabalho" e o "tempo livre" estavam entre as principais razões apontadas por produtores para a adoção do sistema de recria em grupo (Hötzel et al., 2014). O desenvolvimento de sistemas automatizados de alimentação para vitelas ainda acelerou mais a adoção de alojamentos em grupo, principalmente nas explorações leiteiras de maiores dimensões (Kung et al., 1997).

De referir ainda um estudo (Jensen et al., 2014) em que se procurou saber até que ponto a visualização e mesmo o contacto físico limitado entre animais colocados em dois compartimentos contíguos (como a legislação obriga), poderia colmatar as desvantagens do isolamento. A resposta foi que este contacto social limitado não faz grande diferença em termos de desenvolvimento. Ou seja, não compensa ou sequer minimiza os efeitos da separação.

Finalmente, há razões éticas, partilhadas por produtores e consumidores, para a preferência pelo sistema em grupos desde tenra idade (Boogaard et al., 2010; Ventura et al., 2013). Num momento em que se quer promover e certificar boas-práticas na produção de bovinos no geral e de vacas leiteiras em particular, é importante que a recria adote procedimentos que obtenham a maior aprovação possível. A prática de isolamento social dos animais jovens normalmente causa uma enorme apreensão na sociedade em geral e nos consumidores em particular. A imagem da produção de leite em sistemas nos quais os bovinos, como animais gregários, são essencialmente mantidos em grupo, tem muito mais hipóteses de levar a um aumento dos seus clientes.

CONCLUSÕES

Conclui-se, portanto, que fortes e consistentes evidências cientificas demonstram que há prejuízos sociais, cognitivos, comportamentais e mesmo de desenvolvimento físico, associados à instalação isolada de vitelas de leite. Por outras palavras: está suficientemente comprovado que o contacto social nos primeiros 2 meses de vida, melhora a capacidade de aprendizagem, a adaptação a situações de novidade, a habituação mais rápida a alterações de maneio, para além de garantir maiores ganhos de peso até ao desmame.

Haverá algumas desvantagens em agrupar animais tão jovens? Porque razão a tradição tem favorecido a recria em isolamento? Sobre eventuais riscos, falaremos num segundo artigo a publicar brevemente.

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