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Agricultura regenerativa

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MELHORAR A INFILTRAÇÃO E RETENÇÃO DE ÁGUA NOS SOLOS

Por André Antunes, Agricultor e Médico Veterinário

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HÁ UNS ANOS APANHEI UMA FRASE SOLTA DO GABE BROWN*, QUE ME FEZ POR FIM COMPREENDER A IMPORTÂNCIA DE O SOLO ESTAR PREPARADO PARA

“RECEBER” A CHUVA. Dizia ele algo, como: “Quando cai uma tromba de água na minha zona e vejo as minhas barragens e charcas vazias, ao contrário das dos meus vizinhos que estão cheias, fico contente porque sei que a água está no sítio certo”. Verifiquei a taxa de infliltração dos seus solos (200 mm/h!), ao fim de 20 anos de aplicar técnicas de agricultura regenerativa nos seus 700 ha. Diz ele: “O mais importante não é a quantidade de chuva que cai, mas sim a que consegues reter”.

Os solos que Gabe começou a trabalhar há mais de 20 anos têm hoje em dia um teor médio de 6,1% de matéria orgânica. Começaram com 1,6%. Numa zona de clima difícil, onde só chovem 430 mm em média por ano e os invernos têm temperaturas mínimas abaixo de -10ºC.

Um solo sem compactação e com percentagens de matéria orgânica altas é muito resiliente à seca. A descompactação de um solo começa na parte química com a correção dos excessos de principalmente Mg ou K; depois pela parte física, sendo necessário quebrar o calo de lavoura com um subsolador e técnica apropriados; e finalmente pela parte biológica, com a instalação de plantas com raízes profundas e pivotantes que ocupam as brechas criadas.

Porque é que a mobilização cria solos pouco resistentes à seca? Um solo saudável não mobilizado ou pouco mobilizado mantém intactos os agregados que possibilitam que a água percole (se desloque a camadas mais profundas, lentamente), em vez de se perder. Percebemos que um solo é saudável, com os ciclos da água e nutrientes funcionais, quando funciona como uma esponja que absorve e retém a água, recarregando os aquíferos lentamente e reciclando e libertando os nutrientes nas proporções ideais, conforme o coberto vegetal necessita.

O uso frequente, com maneio correto, de culturas de cobertura é essencial. Há espécies de folha larga que protegem o solo, diminuindo a evapotranspiração (e.g. chicória, trigo sarraceno). Outras, de raiz aprumada e profunda que descompactam e reciclam nutrientes (e.g. nabo, rábano), algumas com extensos sistemas radiculares que criam muita biomassa no solo e bombeiam exsudados ativamente (e.g. aveias, erva do sudão) e outras. O importante é incluir uma ou mais espécies de, pelosmenos, 4 grupos (gramíneas, leguminosas, brássicas e herbáceas de folha larga), observar, tirar conclusões e adaptar. A implantação e favorecimento de perenes, quando possível, aumenta ainda mais a resiliência ao stress hídrico. Quando chega a altura de enfardar ou pastorear, aquele resíduo deixado a mais, que parece um desperdício não aproveitar, pode vir a ser um extraordinário investimento no capital solo, valendo, no futuro, muitas vezes, o valor da perda instantânea.

O favorecimento do microbioma do solo, nomeadamente quando falamos de associações micorrízicas, é também essencial porque aumenta a superfície de absorção das plantas e otimiza a obtenção de nutrientes nas formas e proporções corretas, diminuindo as necessidades hídricas.

Como se consegue isto? Fazendo sementeira direta, evitando aplicações de fósforo desnecessárias, eliminando ou reduzindo o uso de herbicidas e fazendo aplicações de inoculantes microbiológicos de espécies nativas como, por exemplo, recorrendo à técnica de compostagem Johnson-Su.

Podem também usar-se metodologias de desenho hídrico da paisagem como o “Keyline Design” inventado em 1954 pelo australiano P.A. Yeomans. Esta é uma técnica que visa otimizar a utilização dos recursos hídricos de uma paisagem. A "linha-chave" denomina uma característica topográfica específica relacionada com o fluxo natural da água.

Por fim, o uso do impacto animal tem uma importância enorme, especialmente em zonas mais secas de pastos naturais. Utilizado em manadas compactas de elevada densidade animal instantânea por parcela, durante períodos curtos seguidos de períodos de repouso longos sem animais, com uma planificação de pastoreio apropriada – permite uma melhoria no ciclo da água no solo, por exemplo, quebrando o encrustamento superficial que naturalmente se forma nestes climas e ajudando a incorporar a matéria orgânica dos resíduos vegetais e bostas no solo.

Com todas estas técnicas na caixa de ferramentas, o segredo é compreender quais as que se adequam melhor ao seu contexto e perceber quando e como aplicá-las, para melhorar a infiltração e retenção de água nos seus solos. Às vezes, só fazendo experiências se consegue chegar a conclusões, por isso não tenha medo de errar, nem que seja em pequena escala. Parafraseando, de novo, o nosso amigo Gabe Brown: "Se eu não falhar em algo todos os anos, não estou a tentar coisas novas suficientes".

* Gabe Brown é um dos pioneiros da agricultura regenerativa. É agricultor e gere a sua exploração diversificada com cerca de 2.000 hectares no estado de Dakota do Norte, EUA.

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