Revista Universitária de Psicologia - Novembro 2020

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RUP REVISTA UNIVERSITÁRIA DE PSICOLOGIA

INTEGRAÇÃO DOS CALOIROS EM TEMPO DE PANDEMIA

MÊS DEDICADO À PREVENÇÃO DO SUICÍDIO "SETEMBRO AMARELO"

NOVEMBRO 2020

ENTREVISTA A ALFREDO MAPOSSE


Nota editorial Mais uma edição! Caros colegas estudantes de Psicologia! Cá estamos, de novo, para a mais recente edição da nossa RUP. Nesta, reunimos um conjunto de artigos que nos trazem reflexões e partilhas de experiências sobre um assunto particular: a prevenção do suicídio, com especial enfoque para a campanha Setembro Amarelo. Por ser considerado uma das principais

causas

de

morte,

abrangendo

todas

as

faixas

etárias,

mas

principalmente os adolescentes e jovens adultos, e por não ser só uma tragédia pessoal, mas também um problema de saúde pública, a RUP optou por refletir aprofundadamente sobre a temática nesta edição. Mais especificamente, poderás ler sobre os “Hotspots de Suicídio”, para que conheças o significado da expressão, assim como o que está a ser feito ativamente para prevenir o fenómeno. Nesta edição, contamos também com testemunhos enriquecedores de estudantes de Psicologia sobre a experiência de integração dos caloiros, neste ano tão particular que vivemos, assim como o sentimento estudantil geral face à suspensão da praxe. Assim, e em jeito de despedida, resta sublinhar que a melhor forma de prevenir é falar, lembrando a necessidade de levar o Setembro Amarelo como se setembro fosse todos os dias do ano. Fiquem bem e até à próxima edição! RITA LEITE


Administração

Administrador José Baptista

Dpt. Gestão Dpt. Científico e Revisão Dpt. Editorial Catarina Venda Rita Leite Duarte Tavares

Colaboradores Departamento Gestão Margarida Farinha, PSICUBI

Colaboradores Departamento Editorial Ana Loureiro, AEFPCEUP Ana Mateus, NEPCESS-AAC Carlota Inês, AEFPCEUP Karen Moniz, AEFPCEUP Vítor Luz, AEFPCEUP

Colaboradores Departamento Científico e de Revisão Gonçalo Pereira, NEPCESS-AAC Inês Duarte, NEPCESS-AAC Isabel Moio, NEPCESS-AAC Joana Pereira, AEFPCEUP Paulla Amaral, NEPCESS-AAC Tatiana Matias, NPUÉ


Índice NOTA DO EDITOR Nota editorial

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ENTREVISTAS Entrevista com o Psicólogo Alfredo Maposse

05

ARTIGOS Experiência de Integração dos caloiros

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Sentimento estudantil suspensão da praxe

12

face

à

Portugal celebra setembro amarelo Resumo do Encontro Nacional de Estudantes de psicologia

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Pesquisa de conteúdos associados ao suicídio

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É preciso falar de suicídio

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16 CALENDÁRIO DE EVENTOS Calendário de Eventos

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JOSÉ BAPTISTA

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ENTREVISTA COM ALFREDO MAPOSSE

PSICÓLOGO E PROFESSOR UNIVERSITÁRIO Alfredo Maposse é Psicólogo e Professor na Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo, Moçambique, onde faz também parte do Centro de Estudos e Apoio Psicológico. Em 2019, em conjunto com investigadores brasileiros, publicou um artigo científico retratando uma experiência da qual fez parte sobre um grupo de prevenção de suicídio no contexto universitário moçambicano. Revista Universitária de Psicologia (RUP): Comecemos por falar um pouco do estudo em que o Professor esteve envolvido. Antes de mais, qual foi o motivo para desenvolver esse estudo? Alfredo Maposse (AM): Antes de começar, uma nota. No artigo publicado, aparece como eu vindo da Universidade Estadual de Maringá, mas não sou de Maringá, foi uma falha muito grave essa. Sou da Universidade Eduardo Mondlane, em Moçambique. Então, o próprio artigo aponta que nós temos aqui no país muito pouco trabalho ainda nessa área do suicídio. Há alguma informação disponível, muita dessa informação pelo Ministério da Saúde, mas informação muito bem classificada ainda não temos. Muitas dessas informações existem, mas de forma muito pobre nos registos dos profissionais de saúde, das unidades sanitárias e nem de todas, muitas das vezes, só das de referência no país. Há um vazio de referências neste campo. Em 2018, com uma parceria que já vínhamos tendo com a Universidade de Brasília, quando um grupo de estudantes brasileiros cá estiveram, tivemos a iniciativa de levar a cabo este trabalho. É uma realidade cá no nosso contexto, o suicídio existe, é um problema real e concreto, apesar de não ser muito bem sistematizado, mas é um problema que afeta quase todo o país e todas as gerações. Nos últimos tempos, já temos até casos de suicídios em crianças. Já tivemos episódios desses em crianças que frequentavam algumas escolas primárias, o que é de lamentar. Esta complexidade, este conjunto de

fatores, levaram-nos a pensar em desenvolver um trabalho desta natureza, também muito apoiado pelo financiamento brasileiro, e avançamos com essas mesas redondas, juntando estudantes. Foi um trabalho no contexto universitário, os integrantes eram quase todos estudantes na Universidade Eduardo Mondlane. RUP: Algo que falou agora e que também mencionam no artigo é a falta de dados de fontes oficiais, bem como a falta de dados quanto às tentativas de suicídio. O quão difícil isso torna estudar o suicídio? AM: Se verificar, há alguns relatórios da OMS que identificavam o nosso país como tendo dos índices mais elevados de suicídio, mas, mesmo assim, ainda temos que nos queixar bastante dessa falta de dados, porque, conforme dizia no princípio, os dados que aparecem não estão dentro de uma filosofia de coleta de dados direcionada para esta situação. Dados de tentativas, por exemplo, vão estar muito pouco em relatórios oficiais, são dados que posso arriscar a dizer que não os temos de forma sistematizada. Nós, aliás, temos um consultório na Universidade e temos lá nos registos uma ou outra tentativa de suicídio, mas não é um trabalho do país sistematizado como tal.


PÁGINA 06 Mesmo ao nível do Ministério da Saúde, ao nível do Departamento de Saúde Mental, tenho algumas reservas… O suicídio consumado até chega a ser registado como tal, mas a questão da tentativa, que é muito mais elevada, nos dados do país temos uma fraqueza muito grande. Então, respondendo à sua pergunta, é extremamente difícil fazer um trabalho sobre suicídio, sobre tentativa de suicídio e de prevenção de alguma forma, se os dados que temos ainda são muito deficitários. Mas, é possível fazer alguma coisa com o que temos. RUP: Uma das sessões foi sobre os mitos do suicídio. Quais foram os principais mitos que encontraram? AM: Conforme se escreve também no artigo, essa questão do suicídio tem uma base cultural, principalmente a sua interpretação. Aqui, tem alguns ditos e mitos, que alguns podem ser compartilhados com Portugal, mas outros devem ser extremamente locais. Por exemplo, não é raro aqui isto também ligado a ultimamente termos aqui uma proliferação de igrejas, mesmo camadas muito novas estão abraçando esse componente religioso encontrar pessoas que acreditam que quem comete suicídio é porque está possuído, porque é obra de satanás, uma serie de coisas,… Na maior parte das pessoas, é complicado encontrar uma interpretação com uma base, digamos, mais científica,atribuindo isto a um sofrimento interno da própria pessoa, que chega a um estágio em que não suporta mais e começa a olhar para o terminar a própria vida como uma opção. Então, ainda é comum encontrar essas interpretações de que as pessoas acham que quem comete suicídio é porque está possuído ou porque lhe está sendo feita alguma coisa. Também existem algumas pessoas, alguns estudantes, da área da Psicologia e não só, que já podem ter uma visão um pouco diferente desta, mas mesmo assim é possível encontrar essa crença de que o suicídio não é só algo interno, relacionado com a pessoa e a sua própria dinâmica, mas também de alguma força fora do controlo da própria pessoa que pode estar a forçar que isso aconteça. RUP: Em termos de grupos de prevenção, o Professor pensa que é um método de eficaz de prevenção e que deverá ser mais utilizado, quer

noutros contextos? AM: Eu acho que seria uma boa forma de prevenção e que podem ser replicados esses grupos, até em debates comunitários. Mas, deixe-me também dizer uma coisa muito importante. Apesar de existir o suicídio e ser critico, por ser algo que está a assolar o país de forma algo assustadora, há também uma base cultural que já garante uma componente preventiva muito forte em termos de organização social. Por exemplo, o aspeto coletivista das pessoas, de partilha, o fator gregário das pessoas já funciona como um mecanismo de suporte extremamente forte. É verdade que, às vezes, esses fatores por si não conseguem suportar, quando as razões que levam ao suicídio começam a pesar cada vez mais e acaba, rompendo mesmo com toda essa estrutura, mas há já uma estrutura cultural criada que tem uma função preventiva muito forte, no sentido de o individuo não estar sozinho, mas fazer parte de um conjunto, sempre tem com quem contar, sempre tem com quem partilhar e isto ajuda de alguma forma. Mas, iniciativas desta natureza, de levar estes debates, de criar grupos deste tipo em contextos diversificados, podem ser também uma forma viável de fazer isso e até uma forma pedagógica de falar do stress no contexto comunitário em que as pessoas estão. Porque o suicídio não é só, aqui em Moçambique e em Maputo, um fenómeno de cidade ou do campo, é um fenómeno transversal que ocorre RUP: No os artigo, descrevem ainda que tiveram em todos lugares onde há pessoas. dois casos de auto-revelações sobre tentativas de suicídio. Como se lida com uma situação dessas? AM: No próprio artigo, mostra-se lá que a questão da prevenção do suicídio não é só uma fraqueza do sistema em geral, mas também dos indivíduos, das famílias e que todos nós um pouco precisamos de aprender. Porque, quando se deu esse primeiro caso não nos demos conta - a posteriori sim conseguimos atuar -, mas fizemos muito pouco sobre aquilo que estava sendo dito pela pessoa e procuramos manter o foco naquilo que era o pré-planificado para aquele encontro. Depois percebemos que não devia ser daquela forma, porque o que surgiu naquele momento, naquela pessoa, era tão profundo que devia ser atendido com a devida atenção, porque o


PÁGINA 07 o que surgiu naquele momento, naquela pessoa, era tão profundo que devia ser atendido com a devida atenção, porque o que a pessoa estava a partilhar connosco, motivado por aquele encontro, não devia ficar assim. Foi por isso que, no caso subsequente, a abordagem foi diferente. Nós percebemos isso, essa fraqueza que também tivemos. Então, o que eu quero dizer é que as situações do suicídio, desde a sua preparação até à consumação, têm sempre sinais que muitas vezes são ignorados por nós, até profissionais, que vão ignorando isso até que chega a um ponto em que depois se dão conta de que houve uma séria de evidências que foram mal tratadas. E, na mesa redonda, também tivemos essa situação que, infelizmente, à partida não pudemos dar a devida atenção, mas cedo percebemos que não devia ser essa a postura. As coisas surgem no meio destes encontros e é preciso tratar com o devido respeito, com a devida atenção, porque aquela pessoa está a fazer algo extremamente útil para nós, está a alimentar o debate e não pode sair mais prejudicada ainda, tem que ter pelo menos alguma atenção à história que estava a partilhar naquele momento. RUP: Em termos de ajuda profissional, como é o cenário em Moçambique quanto à saúde mental? AM: Nesse momento, em termos de ajuda profissional, o suicídio está no meio das preocupações da saúde mental. Ao nível da Universidade, por exemplo, a cada dia 10 de outubro, dia da Saúde Mental, temos palestras na comunidade. Mas, falando do sistema como tal, o Ministério da Saúde é muito forte, através do Departamento de Saúde Mental. Ao nível da função pública, é este departamento que tutela tudo ao nível da saúde mental, mas, como falamos no início, há muitas falhas ao nível da notificação e tudo mais. É preciso dizer que dos profissionais que estão a atuar na saúde mental, especialmente no setor público, há muito poucos psicólogos, os poucos que estão lá muitos deles estão focados em projetos sobre a SIDA, projetos de parceiros, por aí fora,… Alguns técnicos de psiquiatria de nível médico estão lá e têm uma função mais de medicação, mais de tratamento, mais de administração de fármacos. Questões como a prevenção, no suicídio em particular e na saúde mental no geral, muito pouco

se fala. Não me recordo de nenhuma publicidade na televisão nacional a fazer prevenção de suicídio, por exemplo. Aliás, já estive uma vez num programa de televisão por causa de um fenómeno que aconteceu de um jovem que assassinou a esposa e depois se suicidou e eu fui convidado por uma televisão privada para fazer um debate, mas não é um assunto que esteja a merecer um debate alargado nacional, apesar de ser um fenómeno que acontece quase todos os dias. Então, a nível de prevenção geral, o suicídio está lá dentro, mas não posso arriscar em dizer que é satisfatório. Não é satisfatório. Colegas que temos na saúde mental falam do mesmo, a sua notoriedade não é muito grande, apesar de termos também outros sistemas de saúde de medicina tradicional, que vão fazendo a sua parte, mas como país temos ainda muitos desafios para andar para tornar este um problema compreendido ao nível da sociedade. Veja que se nós falarmos de suicídio aqui nas comunidades no bairro, eles ainda vão dar um discurso de que esta pessoa se suicidou por isto ou aquilo,… Não haverá a compreensão de que aquela pessoa estava a passa por momentos tão fortes e que pediu socorro várias vezes e não o encontrou. Eu mesmo que falo, já tive o meu irmão vítima de suicídio, se imaginar isso, e estava ainda no meu curso de graduação de Psicologia e isso aconteceu e a pessoa ia dando sinais, mas ninguém notou nesses sinais. O grito de socorro estava lá, mas ninguém dava atenção suficiente. A pessoa chegou a dizer “Eu não tenho medo de morrer”. Quando diz que não tem medo de morrer, o que nós fazemos? Já está a dizer que ele pode estar pronto para se matar, mas ninguém faz nada e ninguém fez nada. Quando todos nós corremos, já não se podia fazer mais nada. Então, como país ainda temos muito que fazer, precisamos de nos organizar e precisamos de dar melhor RUP: Falou dessa questão notoriedade. Tanto resposta a esse fenómeno doda suicídio. em Moçambique, como no resto do mundo, o suicídio acaba por não ter a devida notoriedade, mesmo quando a OMS afirma que morrem 800 mil pessoas por ano. Porque é que não tem essa notoriedade? Porque é que acha que isso acontece? AM: O ano passado estava em Estocolmo e senti também a mesma coisa e depois perguntei a algu-


PÁGINA 08 mas pessoas. E parece que a forma como muita gente se suicida em Estocolmo é atirarem-se nos metros e ficam pisoteados lá, mas essas informações nunca aparecem no media, nunca fazem parte do debate social. Aqui a fotografia é a mesma. Lembrome que uma vez, aqui na Universidade Eduardo Mondlane, o próprio reitor esteve muito preocupado com a situação, quando dois estudantes se suicidaram e fomos mobilizados para ajudar, para ver se fazíamos alguma coisa. Uma das coisas que penso que causa esta notoriedade muito baixa, deve estar aliado com o suicídio significar morte e deve estar ligado com o medo de lidar com esta morte. Porque uma coisa é quando podemos apontar alguém, há pessoas que matam outras e aí podemos procurar pessoas para serem julgadas, processadas, aí podemos falar disso. Mas, quando a situação é de as pessoas se matarem a elas mesmas, isso começa a gerar nas pessoas algum medo. Mesmo quando isto vai ao debate público, é um debate muito localizado num momento e depois desaparece. Provavelmente, haverá aqui uma ideia de que assim que isso aconteceu, eu tenho que me prevenir disso. Aliás, ouvi até alguns dizer que, se nós continuamos a falar disso, estamos a incentivar que as pessoas pensem que é uma via pela qual podem resolver as coisas, então, é preciso tornar isto uma coisa que não se debate, que não seja algo tão publicitado, sob pena de que mais pessoas possam enveredar pelo mesmo caminho. Não concordo muito com essa ideia, porque não seria só um debate por debater, mas sim um debate com causas, apontando também caminhos e soluções, poque é preciso também compreender o que leva muitas pessoas a ir pelo suicídio. Não sei se haveria sequer um caso de alguém que acorda numa manhã e de livre vontade decide ‘hoje vou-me suicidar’ e assim o faz. Há motivos e há razões muito profundas em todos os casos que levam a pessoa a pensar que a sua vida não vale muito e prefere matar-se. Mas, mesmo assim, tentamos evitar. Provavelmente, um dos argumentos pode ser esse, de que as pessoas possam encontrar nisto uma solução e isso se comece a tornar moda. Acho que esta questão da morte, quando nós vemos que até a Bíblia condena a morte pelo suicídio, essas ideias religiosas de pessoas que se matam e são consideradas como possuídas, podem também fazer com que as pessoas não debatam isto, porque é satânico e não pode ser explicado e falado pelas pessoas. Isto pode também

fazer que, em alguns contextos, até se uma morte é por suicídio, para ser notificada evita-se e encontrase uma outra causa para justificar o que aconteceu com aquela pessoa para registar, porque a ideia do suicídio tem um peso de consciência, uma punição religiosa. Todas essas ideias que estão por trás fazem com que as pessoas tendam a evitar isso. Então, é uma mistura de situações, é uma mistura de causas que vão fazer com que este problema do suicídio não saia para fora para debater de forma aberta. Não é possível organizar nas comunidades debates para falar sobre o suicídio e as pessoas provavelmente assumir com muita vibração e olhar apontando para aquilo que são os problemas e as ocorrências que estão acontecendo naquela zona. Pode não haver uma causa única, mas uma mistura de causas para que essa notoriedade seja baixa. Quando acontece naquele momento, a televisão passa, um ou outro profissional vai comentar na televisão, mas depois fica por aí e não há uma continuidade, até com programas de prevenção. Não conheço um programa sequer do Estado de prevenção do suicídio. Talvez haja documentos, mas programas, não. Nos hospitais, e eu trabalhei num Hospital durante uns sete anos, não me recordo de em nenhum momento eu ter feito qualquer campanha de prevenção do suicídio na unidade sanitária onde trabalhava. Estava lá muito focado com o HIV e assim, mas o suicídio acontecia na comunidade todos os dias praticamente.


PÁGINA 09 RUP: E fora do suicídio, como caracteriza o panorama da Psicologia em Moçambique atualmente? AM: A Psicologia em Moçambique está neste momento a lutar pela criação da Ordem dos Psicólogos, porque ainda não temos. Isso por si já quer dizer alguma coisa. Temos uma associação, nesse momento, o pelouro que está a dirigir, eu faço parte, estou no Conselho Fiscal. É preciso dizer que a Psicologia em Moçambique não tem um momento histórico, mas ainda é muito jovem. Na formação, a Universidade Pedagógica foi a primeira que foi formando os psicopedagogos, depois disso foi-se crescendo e na Universidade Eduardo Mondlande, eu faço parte do primeiro grupo de psicólogos formados pela Universidade, no início das anos 2000. Portanto, a Universidade Eduardo Mondlane, que é das maiores do país, só em 2000/2001 começou a formar psicólogos. Temos tantos outros também que foram formados fora, Portugal, Brasil e outros países do mundo que cá estão, mas ainda são muito poucos. Mesmo em termos de atuação dos psicólogos, não é uma atuação que está regrada, temos um Ministério da Saúde que passa algumas carteiras profissionais a um grupo tão restrito de psicólogos, somente a psicólogos clínicos, mas tantos outros que temos que podem fazer um outro tipo de atuação, não são reconhecidos por ninguém, porque também não há um órgão a quem recorrer para obter este reconhecimento. Ao nível da Universidade, fazemos por ter um espaço próprio, mas ainda temos um campo que precisa de ser reorganizado. A atuação do psicólogo precisa de ser muito reconhecida e muito presente porque, até hoje, a atuação do psicólogo, o Estado não reconhece. Aliás, nós não temos na função pública nacional a carreira para psicólogo. Então, estamos ainda em processo de nos encontrar e de começar a ter a Psicologia efetivamente a funcionar no país. Há pessoas que procuram, sim, mas consideramos que, para aquilo que pode ser a demanda do país, ainda é muito pouco. E também são muito poucos ainda, porque não temos profissionais para atender tudo quanto pode ser a demanda que o país tem. Muitos psicólogos, por exemplo, trabalham em ONGs, vão atuando em campos de doenças crónicas, como já falei durante muito tempo trabalhei numa unidade

sanitária atuando na área do HIV/SIDA, são muitos que são distribuídos pelo país atuando nesses campos. É assim, estamos espalhados, estamos diversificados, temos várias especialidades, mas ainda não há uma forma de reunir esses profissionais todos e criar um consenso de atuação no país com uma voz única que organiza. Por exemplo, na Universidade mandamos estudantes para estágios, o que vemos no campo quando os estudantes chegam lá, em muitos campos de estágio não há psicólogos, então, o estudante é que tem de encontrar um profissional de lá que tenha algum tempo de experiência trabalhando na área, mas o Professor da Universidade tem de ser fundamental para ir lá e trabalhar com o estudante e com a pessoa que está lá na instituição para ver se encontram um alinhamento sobre aquilo que precisam daquele estudante ali naquele campo. Aliás, nós temos até um projeto lá com uns colegas na Universidade, de escrever um bocadinho da história da Psicologia em Moçambique, de onde estamos, para onde queremos ir, é um desafio que temos, provavelmente o consigamos fazer e seria muito bom se o conseguissemos, porque talvez tenha uma luz que alerta os profissionais da psicologia sobre como estamos e onde precisamos ir. Há dias, tivemos um encontro de discussão sobre essa questão da Ordem dos Psicólogos, porque isso também ia ajudar bastante a estruturar este campo. Foi nomeada uma comissão para trabalhar neste processo da Ordem. Até já se tinha começado em tempos, mas as pessoas ao mesmo tempo que querem organizar isto, também cada um tem a sua própria vida e não há muita gente a despender tempo para cuidar desta questão da criação da Ordem dos Psicólogos.


KAREN MONIZ

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EXPERIÊNCIA DE INTEGRAÇÃO DOS CALOIROS DE PSICOLOGIA NUM ANO LETIVO DIFERENTE

É certo que a entrada na faculdade é uma meta a que cada vez mais jovens em Portugal se propõem alcançar e uma das fases de transição académica mais marcantes na vida de um estudante. Segundo dados da DGES, o número de alunos que se candidatam ao ensino superior tem vindo a aumentar de ano para ano e, 2020, não só confirmou esta tendência, aumentando 11.384 candidatos face a 2019 só na primeira fase, como ainda se “atreveu” a atingir o número de candidatos mais elevado desde 1996. Não seria curioso observar estes dados se não estivéssemos em plena pandemia. Entrar na Faculdade é um acontecimento que se traduz na sensação de que já somos maiores, de que embarcamos num percurso que tão criteriosamente escolhemos e perante o qual assumiremos um compromisso de tempo, de investimento e de paixão. Quando olhamos para o nosso nome ao lado da palavra “colocado” naquela instituição de ensino, começa a germinar a semente da pertença e o sentimento é mesmo esse. Deixamos de ser um/a aluno/a do secundário e passamos a ser um/a aluno/a “daquele” curso, “daquela” faculdade. É no dia da inscrição que oficializamos essa pertença e que vestimos a camisola da cor que vamos defender, que todas essas fantasias e emoções de uma nova etapa académica se materializam. As borboletas na barriga fazem sentir as suas asas. A entrada na Faculdade alinhada com as contingências da receção dos novos estudantes em pleno contexto de pandemia e à porta de uma segunda vaga anunciada, despertou um misto de sentimentos. Por um lado, a ânsia, a felicidade e o orgulho de ser estudante universitário e, por outro, a consciência de que esta etapa será vivida de forma substancialmente diferente, tendo, os novos estudantes, sido levados a fazer um ajuste das suas expectativas.

Alguns trazem já uma gestão feita e vêm preparados para uma receção tão menos calorosa logisticamente quanto mais as medidas restritivas o impõe: “ as minhas expectativas para o presente ano letivo não eram muito elevadas.”, partilha Zé Pedro, estudante do primeiro ano da FPCEUP. Contudo, realçou também o lado positivo, em que, para tal, “muito contribuiu o dia da apresentação”, que aconteceu sob a forma de uma palestra onde professores, associação de estudantes e alunos de anos mais avançados tiveram uma palavra a dizer. Zé Pedro realça ainda “as excelentes condições oferecidas pela faculdade”, que o fizeram sentir seguro.

" "(...) 2020 ... AINDA SE 'ATREVEU' A ATINGIR O NÚMERO DE CANDIDATOS MAIS ELEVADO DESDE 1996." O tão idealizado espírito académico foi abafado pelas máscaras e pelo distanciamento necessário, na medida em que não se realizou a maioria da atividades de receção ao caloiro. É comum que as Associações de Estudantes, Tunas, Praxe, outros grupos académicos e até Professores se comprometam com várias ações de receção aos novos estudantes, de naturezas tão diversas quanto o seu papel na Academia e, neste contexto tão particular, a falta dessas atividades fez-se sentir. Francisca Correia é um testemunho disso: “a integração dos caloiros de Psicologia ficou um pouco aquém daquilo que eu estava à espera, uma vez que sempre esperei vivenciar aquele espírito académico que todos me falam quando entram na universidade”. Este ano, os estudantes não foram recebidos pelas manchas de capas negras a esvoaçar ou pelo som de guitarras e pandeiretas, nem enca-


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minhados para passeios pela cidade ou festas de receção, eventos associados à socialização e integração, onde é possível estabelecer contacto mais próximo. O calor humano passou a manifestar-se, sobretudo, através das palavras, instrumento essencial de quem fez as honras, na melhor tentativa de apaziguar a falta de atividades mais efusivas e de maior contacto humano, fazendo transparecer nos olhos o calor e o sorriso que a máscara teima em continuar a esconder.

De uma forma geral, e apesar de já estarem preparados, pode dizer-se que os estudantes sentiram a falta de proximidade física, de um acolhimento e acompanhamento mais próximo, dando-se como exemplo o facto de as inscrições terem sido feitas online, o que os fez logo sentir o caráter “solitário” deste arranque. Sentiu-se, sobretudo, a falta das atividades académicas tão esperadas nesta fase, que catalisam a comunicação entre os pares e muito contribuem para a integração. Manifesta-se uma certa mágoa por terem “perdido” estas experiências académicas típicas. No entanto, nem tudo é uma fatalidade e a capacidade de se reinventar e se superar, será uma das conquistas que os estudantes poderão levar desta experiência tão sui generis e, quem sabe, isso não poderá ser um fator de coesão entre os estudantes. Só o tempo o dirá. Alexandre Pinheiro é um testemunho de que a experiência de integração não foi necessariamente negativa: “tinha a ideia que ia conhecer poucas pessoas e iria passar o ano um pouco isolado e só iria reconhecer a verdadeira receção quando tudo isto passasse. No entanto, acabei por conhecer pessoas na mesma (com todos os cuidados) e tem sido uma experiência incrível tendo em conta os inconvenientes”.

Pode dizer-se que esta foi uma experiência agridoce para os alunos, nunca deixando de acreditar que novos tempos virão, que a poeira irá assentar e o ar puro encherá novamente os nossos pulmões. A seu tempo, novas e incríveis experiências virão para reforçar aprendizagens, cumplicidade, companheirismo, gargalhadas e laços de amizade. E as festas à boa moda universitária, essas, não perdem pela demora!

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SALOMÉ MATEUS

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SENTIMENTO ESTUDANTIL FACE À SUSPENSÃO DA PRAXE COMO TE SENTES POR NÃO HAVER PRAXE?

Atendendo ao cenário pandémico atual, foi, em muitas instituições do Ensino Superior portuguesas, anunciada a suspensão da praxe académica durante o presente ano letivo, dado que o cumprimento das normas sanitárias da DGS foi considerado incompatível com a realização de atividades praxísticas. Contudo, os dirigentes das universidades e institutos não deixam de sensibilizar as associações de estudantes para a importância, agora mais vincada, da realização de atividades de acolhimento e de integração, nas quais sejam tomadas as devidas precauções, para que os novos estudantes não deixem de ter uma receção adequada. As descritas contingências são recebidas pelos estudantes de formas muito díspares, tendo também em conta os interesses diferenciais que os mesmos revelam pela prática praxística. Desta forma, aqueles cuja experiência de praxe não foi enriquecedora ou que não demonstram apreço pela tradição académica tendem a não possuir uma opinião ou um sentimento vincado em relação a esta problemática. Contudo, são também muitos os estudantes que ansiavam pelo momento de poder praxar e proporcionar aos caloiros uma experiência memorável e que, por não terem a oportunidade de o fazer este ano, pelo menos nos mesmos termos, demonstram grande desolo. “É um sentimento de ‘morremos na praia’ porque não vivemos a experiência toda. Fico triste por não poder usar o traje, acho que é a parte que mais esperamos e também é triste não podermos transmitir aos caloiros os valores que aprendemos no ano passado.”, afirma estudante do 2º ano de Comunicação e Media do Instituto Politécnico de Leiria. Nas palavras de uma aluna do 2º ano de Fisioterapia da Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra, “a suspensão das atividades praxísticas não nos deve impedir

de passar para a próxima geração as tradições e os valores que a praxe nos transmitiu”. A estudante considera que o órgão responsável pela praxe deveria arranjar alternativas, pois, caso contrário, os caloiros “ficarão sem noção do que é comprometer-se com a praxe, não terão as ferramentas essenciais para quando for a sua vez de praxar, nem terão a mesma sensação de conquista que os mais velhos tiveram ao vestir o traje pela primeira vez”. Muitos estudantes que ingressaram no Ensino Superior em 2019 consideram a praxe como tendo sido uma boa forma de integração, principalmente quando se trata de pessoas que vêm de longe e não têm a quem se dirigir. Além disso, alguns deles desmistificaram os seus preconceitos baseados nos moldes humilhantes de muitas praxes do país dos quais tinham conhecimento, e concordam que “a forma como a praxe é vivida varia muito de instituição para instituição e de curso para curso”. “No meu caso, foi na praxe que conheci as pessoas que me marcaram mais na minha curta estadia. Foi na praxe que conheci a minha madrinha. E são essas pessoas que fazem falta quando se chega a um lugar completamente desconhecido.”, testemunha aluna do 2º ano de Medicina Veterinária da Universidade do Minho. Entre as pessoas cuja experiência de praxe foi positiva, é relativamente consensual que são os novos estudantes quem mais fica a perder. “Esta situação de não podermos trajar nem praxar faz com que não possamos proporcionar aos novos estudantes a experiência que nós tivemos quando entrámos”, afirma estudante do 2º ano de Medicina da Universidade do Porto. “Acho que não havendo praxe as pessoas não vão ter uma experiência académica tão boa, vai faltar sempre alguma coisa. (…) Sinto-me pior pelo facto de os caloiros não terem praxe do que por eu não


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praxar”, palavras de um estudante do 2º ano de Biologia da Universidade de Coimbra. Em Lisboa, em que a praxe presencial foi suspensa, uma aluna do 2º ano de Engenharia Física do Instituto Superior Técnico argumenta que a suspensão era expectável, uma vez que a capital portuguesa é uma das zonas mais afetadas do país pela pandemia. “É claro que me deixa triste que assim seja, mas considero que é para o bem de todos. Na verdade, o que me entristece mais não é o facto de não poder praxar, mas sim os novos caloiros não poderem usufruir da experiência, porque são dias em que conhecemos muitos colegas, do mesmo ano e mais velhos, em que nos divertimos bastante e guardamos imensas boas recordações.”, confessa a estudante, indo de encontro à ideia exposta anteriormente. “Dadas as condições, a solução encontrada por parte da Comissão de Praxe do meu curso foi a de criar uma ‘praxe online’, que consiste em criar atividades que permitam aos caloiros interagir entre si e com os alunos de anos superiores. Esta praxe será inevitavelmente diferente das tradicionais atividades, mas o nosso principal objetivo é fomentar a comunicação e a ligação entre os novos alunos, para evitar ao máximo que se sintam, de certa forma, perdidos ou sozinhos nesta nova jornada.”

Relativamente à possibilidade de existência de praxes seguras, as opiniões variam. O aluno da Universidade de Coimbra afirma que é possível a existência de praxes seguras, sendo que “se fosse feita com as medidas certas para evitar o contágio da covid-19, deveríamos continuar com a praxe porque é o que permite a pessoas de meios diferentes serem integradas e não ficarem tão para si”. Já a estudante do IST alega que qualquer molde de praxe terá os seus prós e contras, pelo que, na sua opinião, não existe um ideal de praxe segura, e a solução de praxe online talvez não tenha sido perfeita mas foi “a melhor que se conseguiu arranjar, mantendo todos os participantes da praxe, seguros, que é a prioridade”. Num registo positivo, termina o seu testemunho dizendo que será uma nova experiência e que poderá abrir novos caminhos para outras atividades praxísticas no futuro. Na perspetiva de uma estudante de Engenharia Mecânica da Universidade de Aveiro, “apesar do caráter acolhedor da praxe para a maioria dos caloiros, devido às circunstâncias atuais, estas não deveriam ser realizadas” dado que “estamos perante uma segunda onda e vários eventos do mesmo caráter foram cancelados” pelo que as praxes não devem ser, na sua opinião, exceção. Embora as opiniões descritas não retratem o sentimento estudantil no seu todo, englobam os aspetos possivelmente mais comuns que lhe são relativos. A suspensão da praxe em 2020 na maioria das instituições do Ensino Superior portuguesas constituirá certamente um marco não só na tradição académica, mas também na memória de muitos estudantes universitários, caso esta se mantenha durante todo o presente ano letivo.


VÍTOR LUZ

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CELEBRA-SE EM PORTUGAL O MÊS DA PREVENÇÃO DO SUICÍDIO SETEMBRO AMARELO

Há um suicídio a cada 40 segundos e a maior parte foi de pessoas com menos de 45 anos. Os dias estão passando tão depressa diante dos últimos acontecimentos que setembro chegou e com ele uma campanha muito significativa e repleta de propósito. Pelo terceiro ano consecutivo Portugal celebra o “Setembro Amarelo”, uma iniciativa que nasceu para conscientizar as pessoas quanto a prevenção ao suicídio. Beja foi cidade portuguesa que saiu na frente na apropriação deste movimento em prol da vida, local esse o qual acolheu o último XVIII Simpósio da Sociedade Portuguesa de Suicidologia. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) a cada 40 segundos uma pessoa pratica suicídio e diante desta realidade os portugueses já criaram diversas medidas para preservar o viver. Foi em 10 de setembro de 2003 que o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio foi criado, iniciativa conduzida pela Associação Internacional para a Prevenção do Suicídio e pela Organização Mundial de Saúde – OMS. A campanha Setembro Amarelo surge no Brasil em 2015, sendo criada pelo Centro de Valorização da Vida (CVV), Conselho Federal de Medicina (CFM) e Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), objetivando conscientizar as pessoas quanto a prevenção ao suicídio. A primeira cidade portuguesa a aderir a campanha Setembro Amarelo foi Beja, que pertencente à região do Alentejo e sub-região do Baixo Alentejo. A iniciativa partiu do Observatório dos Comportamentos Suicidários da ULSBA e da ARIS da Planície - Associação de Reabilitação e Integração Social da Pessoa com Experiência de Doença Mental. Desde 2017 que a data é vivenciada em Portugal e diversas ações são realizada são longo de todo mês.

XVIII Simpósio da SPS No último ano de 2019, a Sociedade Portuguesa de Suicidologia (SPS) contou com a colaboração dos Serviços de Psiquiatria e Saúde Mental locais para realizarem nos dias 12 e 13 de abril, o XVIII Simpósio da SPS, evento o qual contou com uma parceria entre a Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo e o Instituto Politécnico de Beja. A SPS realiza o simpósio todos os anos e em 2020 ele conta com uma parceria entre o Hospital de Magalhães Lemos, a Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, o Centro Hospital Universitário do Porto, a Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, o Centro de Psicologia da Universidade do Porto e a Direção Geral de Saúde. Ele seria realizado no período de 16 a 18 de abril, mas devido ao Covid-19 ele foi adiado e uma nova data será divulgada pela https://www.spsuicidologia.com.

" (...) APROXIMADAMENTE 800 MIL PESSOAS SUICIDAMSE TODOS OS ANOS" " Suicídio no mundo e em Portugal De acordo com a OMS, aproximadamente 800 mil pessoas suicidam-se todos os anos, o que equivale a uma pessoa a cada 40 segundos. O suicídio é considerado como uma das 20 principais causas de morte no mundo e é a segunda causa entre jovens de 15 a 29 anos, gerando mais mortes do que a malária, o cancro da mama ou mesmo as guerras e homicídios. A Rússia sai na frente com altas taxas de suicídio, assim como outros países do leste e centro europeu, somando uma média próxima de 10,5 suicídios por cada 100 mil habitantes.


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Em 2016, suicidaram-se 1.450 pessoas em Portugal e quando refletimos sobre a taxa de suicídios por cada 100 mil habitantes, o país é posicionado em 20.º lugar da região europeia da Organização Mundial de Saúde — que inclui não só os países europeus, mas também a Rússia, a Turquia e países da Ásia central. Quando expandimos a visão para um nível global o suicídio é 1,8 vezes mais frequente nos homens do que nas mulheres. Em Portugal por exemplo, há três vezes mais homens (1.092) a cometer suicídio do que mulheres (358).

Voz de Apoio (entre as 21h e as 24h) Tel.: 22 550 60 70

SOS Adolescente Tel.: 800 237 327

Portanto, neste mês de setembro a causa é justa e bastante especial, que possamos ficar atentos aos sinais de sofrimento interno e daqueles a nossa volta. É sempre possível encontrarmos ajuda e ressignificarmos tudo aquilo que causa algum tipo de desconforto.

Ajuda telefônica Portugal já conta com linhas telefônicas destinadas ao acolhimento e uma escuta terapêutica especializada para lidar com momentos difíceis e sensíveis. O serviço de atendimento telefónico garante o anonimato e possibilita o direito de fala sobre o suicídio, uma experiência livre de pressão e julgamentos. Os profissionais escutantes estão prontos e habilitados para prestar uma assistência imediata e dar indicações acerca dos locais especializados onde poderá dirigir-se para obter a ajuda ou tratamento específico. O número mais conhecido em Portugal é o 112, SOS - Serviço Nacional de Socorro, mas também existem outros:

SUBMETE AQUI O TEU ARTIGO CIÊNTÍFCO

FORMULÁRIO DE SUBMISSÃO EM: HTTPS://BIT.LY/3EBAXKF SOS voz amiga (entre as 16 e as 24h00) Tel.: 21 354 45 45 Tel.: 91 280 26 69 Tel.: 96 352 46 60

Conversa Amiga (entre as 15h e as 22) Tel.: 808 237 327 Tel.: 210 027 159

SOS Estudante (entres 20h e a 01h) Tel.: 239 48 40 20

Linha LUA (entre 21h e a 01h) Tel.: 800 208 448

Telefone da Amizade (entre as 20h e as 23h) Tel.: 22 208 07 07

Telefone da Esperança (entre as 20h e as 23h) Tel.: 22 208 07 07

REGULAMENTO CIENTÍFICO EM: 1HTTPS://BIT.LY/3KF1MHW


SALOMÉ MATEUS

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RESUMO DO ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDANTES DE PSICOLOGIA COMO CORREU O ENEP COM O NOVO FORMATO? Circunstâncias especiais exigem medidas especiais, e, nesse sentido, a 26ª edição do Encontro Nacional de Estudantes de Psicologia, organizado anualmente pela ANEP, deu-se este ano em formato online. O evento decorreu entre os dias 2 e 5 de outubro de 2020 e contou com a presença de 50 oradores, 191 estudantes de Psicologia, colaboradores e equipa da ANEP. A sessão de abertura foi marcada pelo contributo de Miguel Ricou, o representante Português no Board of Ethics da EFPA e Presidente da Comissão de Ética da Ordem dos Psicólogos Portugueses. O orador debruçou-se sobre o presente e o futuro da Psicologia, começando por fazer uma análise ao seu passado, descrever a sua história e as circunstâncias que conduziram ao seu surgimento. Referiu que embora o campo da Psicologia tenha começado a ser alvo de estudo no início do século XIX, a profissão propriamente dita surgiu apenas na década de 1940, num período em que o ser humano passou cada vez mais a ser visto como uma entidade individual, com as suas particularidades, emoções, objetivos e tendências, e, portanto, digna de uma maior liberdade de escolha. Anteriormente, a vida dos indivíduos era regida por entidades externas, tais como a família, a comunidade, e a Igreja, pelo que a Psicologia, como orientadora do percurso de vida humana, não entrava no baralho. Quando todos estes ideais começaram a ser desafiados, com todas as alterações políticas, sociais e tecnológicas resultantes da II Guerra Mundial, o crescente leque de possibilidades de escolha exigiu uma maior necessidade de autoconhecimento por parte dos indivíduos, campo esse onde a ciência psicológica pôde sim intervir. Foi cada vez mais tida em conta a complexidade da psique humana, e a ideia de que em cada mente existe um “mundo à parte” a ser desvendado. Passou também a ser enfatizada a capacidade de cooperação (coping), de resolução de problemas e de atribuição de signi-

ficado aos mesmos por parte do self, processos esses que a Psicologia se prontificou a orientar. Neste sentido, o orador apontou que a valorização da profissão deve ser o principal objetivo, mas que não chega para marcar posição. É também crucial que a Psicologia estabeleça os seus objetivos e utilize o seu próprio código, de forma simples e concreta, para se diferenciar e chegar às pessoas com maior facilidade e eficácia. Surgiu um apelo aos psicólogos que, enquanto comunidade, se unam, sejam humildes entre si e aprendam uns com os outros para tornar esta área profissional uniforme, coesa, e devidamente reconhecida.

" (...) CONTOU COM A PRESENÇA DE 50 ORADORES, 191 ESTUDANTES DE PSICOLOGIA, COLABORADORES E EQUIPA DA ANEP." No segundo dia, juntaram-se quatro profissionais de áreas diferentes dentro das Ciências Sociais: Miguel Gonçalves, de Psicologia, Raquel Varela, de História, Rosalina Pisco Costa, de Sociologia, e Diana Couto, de Filosofia. Realçou-se a importância do diálogo multidisciplinar, dado que cada ciência social apresenta o seu contributo particular na compreensão e interpretação das mudanças na sociedade, e que só conjugando as diferentes perspetivas se consegue obter uma visão completa de tais fenómenos. Miguel Telo de Arriaga surgiu com o tema da Saúde Pública, sublinhando o papel do/a psicólogo/a neste setor.


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Estando o sistema de saúde desenhado de forma a responder às necessidades dos indivíduos, a Psicologia, que se debruça precisamente sobre as mesmas, deve intervir na organização estrutural e na resposta destes serviços. Um dos pontos de incidência, e que, no contexto atual, é de extrema importância realçar, é a vigilância epidemiológica. A partir da recolha de informação privilegiada acerca da perceção de risco da população, os psicólogos têm a possibilidade de adaptar as suas estratégias comunicacionais na resposta à pandemia, e têmno feito desde o princípio. O orador ressalvou a importância da literacia em saúde como instrumento para auxiliar a gestão das vidas pessoais e familiares dos indivíduos, através de uma tomada de decisão consciente e baseada no espírito crítico no que diz respeito a aspetos relacionados com a saúde, em todas as fases da vida, preconizando a ideia de que é necessário conhecer o problema para agir sobre o mesmo. De entre as estratégias propostas para o crescimento da literacia em saúde em Portugal, destacaram-se: a diminuição da complexidade, a diversificação da transmissão de informação, inclusão de iniciativas nos programas escolares, e a criação de um sistema de monitorização neste âmbito a nível nacional. No âmbito da Psicologia das Organizações e do Trabalho, Marta Costa, Senior Business Partner & GDPR Delegate na BorgWarner Emissions Systems Portugal, debateu acerca de espaços de trabalho friendly e estratégias para o seu alcance como psicólogo. De acordo com um estudo realizado pela própria empresa, a BorgWarner destaca-se pelo seu empreendedorismo, foco nos resultados, perseverança, humildade e preocupação com o bem-estar dos seus trabalhadores, defendendo o mote: “uns sonham com um lugar melhor para trabalhar, outros criam-no”. São fornecidos apoios que permitem aos colaboradores ter uma maior flexibilidade horária, realizar workshops e formações, ter acesso à cantina e à biblioteca, participar em eventos anuais e em atividades que incitem com regularidade ao relaxamento, como aulas de pilates. A oradora considera que as empresas, de modo a desenvolverem espaços de trabalho friendly, de-

vem estar equipadas com psicólogos que se comprometam a promover uma série de aspetos considerados essenciais para o funcionamento ótimo dos colaboradores, tais como: o team building, o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, a gestão de conflitos, a harmonia das relações, o espírito de liderança e competição num grau saudável, a organização do espaço de trabalho, entre outros. O desconforto e a insatisfação no local de trabalho são fenómenos que devem ser tidos em conta, de modo a que sejam revertidos ou diminuídos. Para tal, é crucial, por parte da entidade empregadora, oferecer espaço, oportunidades, estar a par das das necessidades dos indivíduos e estimular as suas potencialidades, valorizando sempre a sua integridade pessoal. No dia 4 de outubro, deu-se uma conferência acerca do papel do psicólogo nas emergências sociais, que contou com a presença de Luís Fernandes, que debateu acerca de “drogas no tecido social” nas quais se incluem o “autocuidado” e o “melhoramento cognitivo”, Fátima Bernardo, com o tema “identidade de espaço e grupo” e Sandra Roberto, que refletiu sobre a questão dos refugiados. 40% dos conflitos internos no mundo estão relacionados com a exploração de recursos naturais, constituindo uma luta entre norte e sul, países ricos e pobres, mais e menos poluidores. O papel da Psicologia neste contexto prende-se com a tomada de decisão informada, a gestão de conflitos e a estimulação da cooperação social, uma vez que detém os conhecimentos essenciais para explicar e compreender o comportamento intergrupal, nomeadamente, a formação de estereótipos e os processos de valorização do eu e desvalorização do outro. Em Portugal, a lei do Asilo assegura o direito de acesso aos cuidados de saúde mental para os refugiados, contudo, não existe ainda conhecimento sistematizado da prática deste tipo de intervenção psicológica. Nesta conferência, foram reforçados os aspetos mais importantes para a integração dos menores não acompanhados na sociedade portuguesa, tais como a aprendizagem da língua e a utilização de instrumentos de avaliação psicológica que respeitem as diferenças culturais e competências linguísticas. É necessário que a Psicologia, em


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articulação com outras áreas e com o apoio mediadores culturais, conheça a história sociocultural destas crianças para desenvolver estratégias de intervenção adequadas. Deve haver, portanto, um investimento nesse sentido. No mesmo dia, juntaram-se três convidados que se debruçaram sobre o tema dos grupos de vulnerabilidade social. Eduardo Garrido apresentou um conjunto de técnicas interventivas destinadas a jovens internados em centros educativos pela prática de factos qualificados como crimes. A intervenção consiste numa monitorização individual, centrada no desenvolvimento pessoal e alteração de comportamentos socialmente desviantes, e coletiva, que visa estimular e reabilitar as competências psicossociais, a regulação emocional, o controlo da cólera e a educação para a saúde. Além disso, abrange também o contexto familiar, através do atendimento a famílias no Gabinete de Psicologia. Jorge Gato, um outro convidado da mesma conferência, introduziu o tema da comunidade LGBT, afirmando que as pessoas que a ela pertencem são também caracterizadas como sendo socialmente vulneráveis, dado que ainda hoje são alvo de discriminação, preconceito, rejeição, dissimulação e homofobia internalizada, o que dificulta a afirmação das suas identidades. Os psicólogos devem, portanto, intervir a nível individual, através da Psicologia Clínica e da Saúde, escolar, com a Psicologia da Educação, e laboral, pela Psicologia das Organizações e do Trabalho, de modo não só a fomentar a validação de todas as orientações sexuais e identidades de género e a derrotar o estigma, mas também a diminuir a ansiedade e insegurança dentro da própria comunidade. Numa conferência posterior, Liliana Rodrigues, Investigadora Integrada do Centro de Psicologia da Universidade do Porto, debateu de igual modo acerca do tema da discriminação, porém, acrescentando uma ideia de interrelação entre a orientação sexual, a “raça”, a classe, o género, a religião, e muitos outros aspetos que podem estar associados ao estigma e ao preconceito. Segundo a teoria da interseccionalidade, estas diferentes categorias criam, em conjunto, uma matriz de opressão/privilégio cujos componen-

tes são indissociáveis, o que permite fugir à ideia determinista de que todos os membros de uma dada categoria são iguais e que devem ser perspetivados da mesma forma No último dia, juntaram-se Leandra Rodrigues, David Dias Neto e Tiago Pereira, que, com a moderação de João Teixeira de Sousa, refletiram acerca do futuro da intervenção psicológica e da forma como a conjuntura atual pode interferir com o mesmo. As novas tecnologias, por exemplo, criam um sentimento paradoxal de solidão e de conexão em relação ao mundo, dado que estamos virtualmente mais próximos uns dos outros, mas, na realidade concreta e tangível, mais afastados, física e emocionalmente. No âmbito das desigualdades de acesso a serviços de saúde mental, Teresa Fialho e Alexandra Fonseca realçaram a importância de, além de desenvolver e readaptar processos de intervenção, haja um investimento na área da gestão e da política, uma vez que, para diminuir as discrepâncias entre público e privado e igualar oportunidades, é necessário financiamento, e, para isso, alterações na legislação. É crucial que exista também divulgação de informação, para que a população esteja informada acerca dos recursos que pode ter a nível da saúde psicológica, como e onde os pode encontrar, sendo que a Psicologia da Educação tem um papel fundamental a este nível. O ENEP deste ano incidiu, em grande parte, no papel da Psicologia e dos psicólogos nos mais variados contextos de vida, e em como este pode ser impulsionado de modo a que os serviços de saúde mental e psicológica cheguem a cada vez mais pessoas, com cada vez menos restrições.


CARLOTA INÊS

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SUICÍDIO: MOTORES DE BUSCA E REDES SOCIAIS O QUE TEM SIDO FEITO?

Vários estudos revelam uma ligação entre a pesquisa de conteúdos associados ao suicídio e comportamentos suicidas, sendo que pesquisas nos motores de busca de termos como “como me matar”, “cometer suicídio” e “formas de suicídio indolor” são fortes preditores de suicídios consumados. Esta relação alerta-nos para a necessidade de diretrizes associadas à pesquisa e publicação deste tipo de conteúdos na internet. Mas que medidas existem atualmente? No que concerne aos motores de busca, iremos abordar o motor Google. Ao pesquisar o termo “suicídio”, o primeiro resultado apresenta linhas de apoio como a Linha Jovem, a Linha SOS Bullying, Conversa Amiga, SOS Estudante, bem como o contacto de entidades como a Saúde 24, CPCJ, entre outras. Este primeiro resultado surge também na pesquisa de outros termos, tais como “como me matar” ou “como morrer”. No entanto, após esta primeira hiperligação, as restantes podem já apresentar informação explícita e promotora de comportamentos suicidas na presença de ideação. No entanto, conteúdos associados a este tema não estão apenas presentes nos motores de busca. Frequente ente este tópico é também publicado e/ou pesquisado nas várias redes sociais. Plataformas como o Facebook, o Instagram e o Twitter também apresentam políticas relativas à automutilação e suicídio. Têm em comum a partilha de informação preventiva sobre o tema, onde estão incluídos contatos de linhas de apoio, bem como conselhos para abordar a situação, tanto no caso de ser o próprio a ter pensamentos de suicídio/automutilação (em que é aconselhado, por exemplo, a falar com alguma linha de apoio ou alguém próximo) ou no caso de ser um amigo (onde se podem encontrar informações sobre

potenciais sinais de perigo, incentivos a demonstrar empatia pela pessoa, etc.). Além disso, nas diferentes plataformas, a promoção ou incentivo ao suicídio ou à automutilação é estritamente proibido, sendo os conteúdos relacionados removidos. Esta remoção é feita através de denúncias por parte dos restantes utilizadores, sendo que a partir desta denúncia, a publicação é avaliada por uma equipa específica que irá eliminar a publicação e, caso necessário entrar em contato com o autor do conteúdo em questão. As políticas do Twitter para o suicídio e automutilação referem o estabelecimento de um contacto direto com a pessoa que expressou intenção de se envolver em automutilação ou suicídio, incentivando-a a procurar apoio, e fornecendo ainda informações sobre recursos online e linhas de apoio. Além disso, pode existir também uma colaboração com as autoridades policiais, em caso de perigo iminente. Também o Facebook reporta a existência deste contacto com o sujeito, referindo ainda que, desde 2017 tem existido um investimento numa ferramenta de aprendizagem automática que “utiliza sinais para identificar publicações de pessoas que podem estar em risco, como expressões em publicações e comentários de preocupação de amigos e família”.


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Mas qual será a eficácia destas iniciativas? Substituirão uma intervenção psicológica? Segundo uma opinião pessoal, este modo de prevenção tem as suas vantagens e desvantagens. Por um lado, não poderá funcionar como um substituto de um acompanhamento psicológico e pode nem sempre ser totalmente eficaz na prevenção de comportamentos suicidas ou mesmo suicídios consumados. Tendo em consideração, por exemplo, a ferramenta de aprendizagem automática do Facebook, é previsível que nem todas as publicações com certos conceitos-chave relacionados ao suicídio (e.g. morrer, morte) demonstram uma intenção suicida real. Além disso, alguém que pesquise num motor de busca questões relacionadas com o suicídio, pode simplesmente ignorar as linhas de apoio e ir à informação que responde diretamente à sua questão. No entanto, não se pode analisar este modo de prevenção apenas segundo uma visão negativa. De facto, a presença de informações e propostas de ajuda demonstra uma consciencialização para a seriedade deste tema, e permite que, por exemplo, em situações de emergência, se detete a presença de pensamentos suicidas e direcione a pessoa para profissionais adequados a lidar com a situação. Além disso, deve congratular-se o investimento realizado na procura de informações adequadas sobre o tema junto de profissionais da área da saúde mental.

SUBSCREVE A N E WASNLU EN T TCEI E R P A R A F I C A RA E SQ AU P AIR D A S NOVIDADES VAI A: EEPURL.COM/G87YTH


KAREN MONIZ

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É PRECISO FALAR SOBRE SUICÍDIO COMO PODEMOS AJUDAR? Falar de suicídio não é fácil e a pergunta que paira perante este problema é, muitas vezes, “porquê”? Parece indiscutível que a vida é a maior dádiva que nos ofereceram e que, apesar de todas as suas vicissitudes, viver é bom. Quem é que não quer viver? Porque é que alguém contraria os desígnios da natureza? Os nossos antepassados conseguiram escalar a árvore evolutiva preservando a espécie através da luta pela vida individual. Todos carregamos nos nossos genes um conjunto vasto de mecanismos que permitem manter-nos vivos em condições extremamente adversas e até quando nascemos, trazemos já, connosco, “esquemas” reflexos que nos agarram à vida. Literalmente. Quando um recém nascido agarra o dedo da mãe, esse pequenino ser ainda não sabe, mas já está a travar a sua primeira luta pela sobrevivência, está a agarrar-se à vida pelo vínculo emocional. Parere claro que, a nossa missão primordial é mesmo essa: viver. Contudo, nem sempre viver é uma vontade e, alguns de nós, debatem-se com pensamentos de autolesão e autodestruição e que, muitas vezes, chegam a concretizar. O suicídio é um fenómeno global carregado do estigma, um assunto tabu, que vive num submundo, um lugar onde, tal como na mitologia grega, a luz do sol não chega. Porém, a luz das estatísticas faz-nos perceber que o problema existe e é bem visível aos olhos de quem o quer ver. Tentemos perceber o que estas vidas, que se perdem ou correm o risco de se perder, nos querem dizer a nós, indivíduos, a nós, sociedade. O comportamento suicida tem, necessariamente, uma moldura social. O suicídio alinha-se em vários eixos reveste-se de vários contextos: histórico, social, cultural, antropológico, biológico, psicológico, individual. Émile Durkheim, foi um dos grandes teóricos

do suicídio no século XIX, autor da obra “Suicídio” em 1897, pretendendo demonstrar a dimensão social dos comportamentos individuais, olhando, precisamente, para este fenómeno sob diversos prismas, como a coesão social, a repressão social, o carácter individualista ou altruísta do suicídio, fazendo ainda associações com religião, profissão, estado civil, etc. destacando a preponderância dos laços sociais. Estes são aspetos que devemos ter em consideração quando olhamos para o problema do suicídio, a forma como a atmosfera social nos leva a viver ou, às vezes, a não o querer fazer. Contudo, só olhar não basta. É preciso fazer algo mais. É necessário ter abertura, consciência e sensibilidade para falar de um assunto amargo e sentirmos com o outro o que é o limite, o que é estar no limite e que é tão difícil de admitir. Falar do assunto não é antevê-lo nem atraí-lo, mas antes compreendê-lo e evitar que se concretize, é fazer com que essa palavra que ajuda, orienta e que acolhe, chegue a quem dela precisa. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) estima-se que todos os anos se suicidem 800 mil pessoas , ou seja, uma a cada 40 segundos (dados de 2016). Este é um problema de saúde global que acomete todas as idades e géneros, estando entre as 20 principais causas de morte em todo o mundo, sendo a segunda causa de morte nos jovens entre os 15 e os 29 anos. Fazendo um retrato do nosso país, podemos dizer que é entre os homens que a taxa de suicídio atinge o valor mais alto, sendo três vezes superior à das mulheres. Os mais acometidos são homens residentes em meios rurais isolados, mais concretamente na zona do Alentejo, com idade próxima dos 75 anos. O isolamento intensificado pela desertificação é, em si, um dos principais fatores de risco. Isto poderá levar-nos a pensar que, ao contrário do que Durkhein defendia no século XIX, os vínculos sociais, na


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atualidade, concretamente em Portugal, não estarão, necessariamente mais protegidos em ambiente rural. Fatores como as mudanças no estilo de vida contemporâneo nas últimas décadas, com um caráter mais competitivo e individualista, a desertificação das zonas rurais, questões socioeconómicas e outros, serão, por si só, fatores de risco e catalisadores preponderantes no aumento dos níveis da prevalência de doença mental, principal flagelo associado ao suicídio. Citando o Dr. Ricardo Gusmão, Psiquiatra no Hospital Psiquiátrico Magalhães Lemos no Porto, numa entrevista ao Expresso, “o suicídio, é quase sempre um sinal grosseiro de disfunção(…), é tão somente uma questão de saúde, impactada por fenómenos socioculturais é certo, tal como todas as outras questões de saúde”. Falar sobre os fatores sociais mais impactantes nas perturbações mentais seria um assunto da máxima importância esmiuçar, mas ficará para outras núpcias. Fiquemos com a ideia de que estes e outras variáveis estão bem presentes nesta equação. Habitualmente, quem comete suicídio tem a sua saúde mental já fragilizada, muitas vezes não diagnosticados, sendo a patologia mais comum a depressão. Nove em cada dez suicidas têm doenças psiquiátricas, o que não quer dizer que, quem sofre de depressão vá cometer suicídio, apenas possui um maior risco associado. Há fatores de proteção, como a família e os amigos.

As Palavras e a Proximidade Proximidade e inclusão são palavras-chave na prevenção do suicídio. É necessário que existam vínculos à rede social e familiar, se não existirem, o risco de passarem ao ato é muito maior. Na ausência desta rede de suporte e proximidade, muitas pessoas vivem mergulhadas na solidão e falta de apoio, sendo a oportunidade de cuidar, por exemplo, uma pequena luz ao fundo do túnel. Às vezes, basta terem um cão ou um gato para assumirem o papel de cuidadoras e se sentirem úteis, reforçando a autoestima. E isto também é uma procura de vínculos. O suicídio é uma realidade entre nós, e pensamentos sobre o mesmo assolam a mente de milhares de pessoas com perturbação mental. É possível que hoje já se tenha cruzado com al-

guém que teve um pensamento suicida e que vive uma vida dita normal. Parte-se em vantagem quando se consegue combater um inimigo visível, tangível. O suicídio é um opressor cujo rosto, na maior parte das vezes, só encaramos quando já saiu vencedor. O que correu mal? Porquê? O que podíamos ter feito para salvar aquela vida? As respostas não surgem claras, e a tentativa de compreensão, emudece-nos. O que podemos fazer nós, enquanto indivíduos e enquanto sociedade para combater este inimigo?

Felizmente existe já muita informação sobre o suicídio do ponto de vista estatístico e dos fenómenos sociais subjacentes, embora haja quem considere que os números em Portugal estejam a ser subestimados: “a dimensão do suicídio em Portugal é maior do que os números podem fazer crer. Há ocultação e suicídios mascarados”, diz Ricardo Gusmão, médico psiquiatra no Hospital de Magalhães Lemos, em entrevista ao Jornal Expresso. “Calcula-se que sejam ocultados nos registos até mais 30, 50 ou 60% de suicídios, como mortes violentas indeterminadas, como acidentes e como morte de causa natural não especificada”. É necessário concretizar a informação em ação e, sobretudo, em mudança. E esta começa na mente. Há que chegar às pessoas através da desmistificação do assunto, do combate ao estigma e de medidas concretas como identificar e acompanhar quem está em risco de suicídio, como pessoas isoladas, pessoas com doença mental, adolescentes em risco, grupos desfavorecidos socialmente, etc; Divulgar oficialmente campanhas de prevenção nas escolas, educar para a inclusão e para os valores de solidariedade e empatia; criar programas para os mais jovens aprenderem a lidar com situações de stress, sensibilizar os meios de comunicação social, entre muitas outras.


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Certa vez, uma pessoa conhecida, a propósito de uma crónica em cuja autora defendia, que não devemos ter vergonha de dizer que vamos ao Psicólogo ou ao Psiquiatra, dizia: “ há assuntos que não precisamos de anunciar por aí, devemos mantê-los na intimidade, como quando vamos ao ginecologista ou ao proctologista”. É importante desmistificar a ideia de que quem ir ao psicólogo ou ao psiquiatra se deve manter em segredo, que pode ser olhado como coisa de “loucos”. Quantas vidas estarão em risco por causa deste pudor em falar? Quantas vidas já se terão dissipado porque alguém não partilhou que precisava de ajuda psicológica com a mesma facilidade de quem diz que necessita de ajuda para tratar a dor de um dente? Porque a alma também pode doer e, à semelhança do tratamento para um dente, também existe uma amálgama para tapar esse buraco emocional, que não é feita de materiais compósitos sofisticados desenvolvidos pela da bioengenharia, mas pela capacidade e mestria de profissionais que se munem de outras ferramentas poderosas: a escuta, a empatia, a palavra, suportadas pela Ciência.

Poderá estar na hora de nos voltarmos para trás, observar a forma como os nossos antepassados evoluíram e resgatar o que mais nos empoderou e catapultou para uma vida próspera? Cabe-nos estar atentos, ao colega de trabalho mais apático, ao senhor que já não nos cumprimenta no café com o ânimo habitual, à vizinha do lado que já não vemos há semanas, ao parente que ultimamente anda mais nervoso e com raiva… Cabe-nos estar próximos e cabe-nos ser empáticos para dar-lhes a mão e, se necessário, “levá-los pela mão” até à ajuda profissional.

"É IMPORTANTE DESMISTIFICAR A IDEIA DE QUE QUEM IR AO PSICÓLOGO OU AO PSIQUIATRA DEVE MANTER SEGREDO, QUE PODE SER OLHADO COMO COISA DE “LOUCOS”.." Precisamos de falar de suicídio, incutir o tema na própria comunidade, torná-lo parte dos paradigmas atuais, tornar o tema extensível até à escola, até ao trabalho, até ao café do nosso bairro, até à nossa casa, sem tabus, sem medos e sem preconceitos. O suicídio é uma realidade entre nós e, falar sobre ele, “abrir-lhe a porta e deixá-lo falar”, não vai trazê-lo para as nossas casas como se de um vírus se tratasse. “Trazê-lo” até nós vai permitir-lhe mostrar porque está aqui e, mais do que isso, revelar por detrás de que rostos se esconde.

Dizia em cima que escalamos a árvore evolutiva partindo do princípio da manutenção da vida individual e, por conseguinte, a da espécie. Mas o nosso êxito exponenciou-se a partir do momento que que nos tornamos animais eminentemente “sociais” e começamos a estabelecer laços e vínculos mais fortes e complexos do que aqueles que os instintos primários nos exigiam até então. O altruísmo, os cuidados parentais, a amizade….


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CALENDÁRIO DE EVENTOS O QUE SUGERIMOS NOS PRÓXIMOS 3 MESES PARA TI

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6 e 7 de Novembro AEFPCEUP - Semana de Psicologia e de Ciências da Educação

9 a 13 de Novembro Psicoterapia Psicológico

Corporal:

«Intervenção

Simpósio

em

Trauma

» (online)

13 e 14 de Novembro II Encontro das Secções da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e

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Congresso Conversas de Psicologia -

o futuro!

«Olhar

o presente, pensar

» (online)

21 de Novembro Encontro Nacional de Profissionais de Comportamentos Aditivos e nas Dependências (presencial e online)

25 a 27 de Novembro

Janeiro D

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Encontro

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«Equidade

doença mental

e

igualdade

de

acesso

no

tratamento

da

»

27 de Novembro Conferência SPGPAG Psicoterapia

Analítica

Sociedade Portuguesa de Grupanálise e de

Grupo

Neuropsychoanalysis in Clinical pratice"

28 de Novembro

-

"Implications

of


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