Planejamento Urbano
Letícia Wilson
Grandes Nomes da Arquitetura Catarinense Planejamento Urbano
1a edição
Florianópolis/SC Santa Editora 2014
W749g
Wilson, Letícia. Grandes nomes da arquitetura catarinense : planejamento urbano / Letícia Wilson. - Florianópolis : Santa Editora, 2014. 60 p. : il. ; 28 cm. ISBN: 978-85-68658-00-0 1. Arquitetos catarinenses. 2. Planejamento Urbano. 3. Arquitetura e Urbanismo. I. Título. CDU ‒ 72.03
Catalogação na fonte: Bruna Rosa Leal CRB 14/1459
Apresentação ///
G de política. Esse é o principal ensinamento da cartilha a ser seguida por ad-
estão, planejamento, investimento em projeto, mas, acima de tudo, vonta-
ministradores municipais engajados na causa coletiva, interessados em qualificar os espaços públicos e em deixar um legado positivo em suas cidades. A afirmação não é simples retórica. É o pensamento unânime dos arquitetos e urbanistas entrevistados para esta publicação. Os oito Grandes Nomes da Arquitetura Catarinense em Planejamento Urbano aqui apresentados vivenciaram essa experiência na prática. Alguns deles tiveram a felicidade de participar da implementação de seus planos de urbanização por terem tido, ao lado, gestores munidos do espírito coletivo. Outros lamentam o engavetamento de suas propostas inovadoras por prefeitos de pensamentos opostos. E dois deles, ainda, tiveram o privilégio e a responsabilidade de serem os próprios executores de suas proposições, como prefeitos. Ao idealizar essa publicação, eu estava certa sobre a qualidade das informações que iríamos reunir. O departamento catarinense da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura abraçou a ideia também ciente de que produziríamos um documento importante, uma referência para os profissionais, para as novas gerações de arquitetos e urbanistas e para os políticos que desejam fazer a diferença à frente das cidades. O patrocínio do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Santa Catarina chancela a nossa boa intenção, e o da Gail evidencia a importância do tema para o mercado. Antes de iniciar o processo, formamos um comitê editorial com representantes das faculdades de arquitetura de diversas universidades e, também, de entidades de classe. Nosso objetivo foi identificar aqueles arquitetos e urbanistas considerados expoentes na área, que, de uma forma ou de outra, contribuíram para a melhoria dos espaços urbanos em Santa Catarina. Contamos as histórias, apresentamos alguns projetos e direcionamos as perguntas para extrair as críticas, as sugestões e as opiniões deles a respeito do tema, do passado e do futuro das cidades. Nas próximas páginas, o leitor perceberá o quanto o Estado é pioneiro nas questões de participação popular, de planejamento integrado e de soluções urbanas. E notará o tanto que Florianópolis já foi estudada, pensada, planejada. Especialmente a partir da realização da I Oficina de Desenho Urbano, há 20 anos, envolvendo quase uma centena de arquitetos, urbanistas e outros especialistas em cidades. Assim como os profissionais de mercado, da universidade, de entidades do setor que continuam prestando a sua contribuição para a qualificação da Capital, eles foram além do desenho nas propostas: analisaram a complexidade e comprovaram a viabilidade de cada uma das ideias inovadoras. Quando elas sairão do papel? Ainda esperamos contar com a vontade política. Boa leitura. Letícia Wilson
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Grandes nomes
da arquitetura catarinense
Rua Bocaiúva, 1913 – Centro Executivo Ilhéus – sala 09 88015-530 Florianópolis/ SC (48) 3028.3628 www.sc.asbea.org.br Presidente
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Roberto Rodrigues Simon Maria Lúcia Mendes Gobbi
Editorial /// AsBEA SC
Planejamento urbano em evidência Melhorar a qualidade de vida da população utilizando o planejamento urbano como ferramenta de controle, ordenamento e de parâmetros de crescimento para uma cidade ou região é um objetivo a ser perseguido por arquitetos e urbanistas – e isso sem deixar de proporcionar a convivência harmônica entre os cidadãos. É por meio de políticas de desenvolvimento urbano que se consolida o avanço e a preservação de áreas específicas previamente estudadas. Nesse sentido, é com satisfação que a regional Santa Catarina da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura (AsBEA/ SC) preparou a publicação Grandes Nomes da Arquitetura Catarinense – Planejamento Urbano, um periódico idealizado e coordenado pela jornalista Letícia Wilson, que nesta primeira edição destaca profissionais referência e suas ideias para a qualificação do Planejamento Urbano nas cidades. Tudo isso sempre considerando os preceitos do Estatuto das Cidades e suas diretrizes na formulação dos planos diretores. A edição divulga as experiências bem-sucedidas, a diversidade, a teoria e a prática de arquitetos e urbanistas que tiveram relevante importância na realização de trabalhos que refletiram as transformações da sociedade em nosso Estado. A pretensão da entidade é de que essa publicação se torne importante documento sobre o assunto em Santa Catarina, servindo como objeto de pesquisa aos mais diferentes públicos: gestores municipais, arquitetos, urbanistas, universitários, jornalistas e público em geral. Essa é a primeira edição de uma série que a AsBEA/SC pretende desenvolver nos próximos anos abordando outros campos de atuação do segmento. Boa leitura. Ricardo Fonseca Presidente da AsBEA/SC
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Grandes nomes
da arquitetura catarinense
Índice ///
Nelson Saraiva da Silva
Dirceu Carneiro
Manoel Coelho
Décio Góes
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SĂlvia Lenzi
AndrĂŠ Schmitt
Norberto Sganzerla
Rodrigo Althoff Medeiros
34 40 46 52
Entrevista /// Dirceu Carneiro
Com a força, o povo À frente do seu tempo, o arquiteto e urbanista Dirceu Carneiro fez de Lages um laboratório real dos seus ideais vanguardistas. Na contramão do regime opressivo da ditadura militar, nos anos 1970, deu voz à população e desenvolveu um trabalho pioneiro e exemplar de planejamento participativo.
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OCarneiro, presidente do DAFA- Diretório
ano era 1968. O catarinense Dirceu
Acadêmico da Faculdade de Arquitetura, foi um dos protagonistas nos confrontos diários provocados pela ditadura militar nas ruas de Porto Alegre, para onde se mudou atrás da única faculdade de Arquitetura e Urbanismo existente no sul do País na época, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. “Enquanto muitos da minha geração partiram para a luta armada, nós abraçamos a luta da rua, da organização política partidária, da conscientização, da mobilização popular”, enfatiza. Aliás, a luta que também o fascinava, na época, era a do ambientalista José Lutzemberger – um estímulo para as políticas públicas que viria a desenvolver em Lages na década seguinte, como vice-prefeito e como prefeito. Participação popular, mutirões habitacionais, hortas comunitárias orgânicas, orçamento popular, descentralização da saúde, agentes de saúde, foi a base do SUS, tratamento de efluentes por biodigestão foram algumas das práticas pioneiras implementadas. Em Brasília, atuou como deputado federal e chegou ao Senado em 1986, como Constituinte, quando “um novo País começava a nascer”. Lá, presidiu a subcomissão da Questão Urbana e Transportes, a convite de Mário Covas e elaborou o Estatuto das Cidades, considerado um marco na regulamentação do desen volvimento urbano no Brasil.
O Foto: Susana KĂźster
Entrevista /// Dirceu Carneiro
GNAC / O senhor ingressou cedo na política, com apenas 27 anos e recém-formado. Qual era sua expectativa? DC // Conclui a graduação em Arquitetura em 1970 na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e, dois anos depois, já era vice-prefeito de Lages. Voltando da faculdade, iniciei um trabalho de arquitetura popular na região, desenvolvendo, basicamente, projetos de igrejas, centros sociais e ginásios esportivos. Mas a atividade política foi absorvendo grande parte do meu tempo, e tive que reduzir o ritmo de trabalho, até mesmo por questões constitucionais. Quero dizer que arquitetura não é apenas projetar e construir; ela permite desenvolver uma visão de mundo, podendo ser usada também na questão política. Eu usei todo o conhecimento de arquitetura e apliquei na questão política partidária. GNAC / Como aconteceu o processo pioneiro de implantação da participação popular no planejamento urbano?
Lages, encontramos um município totalmente esvaziado do ponto de vista econômico. Mas como a gente tinha compromisso e responsabilidade, não podíamos ficar parados. Então, começamos a trabalhar com as pessoas, isto é, buscamos a força da comunidade, fazendo com que ela conquistasse seus objetivos. Nosso slogan de governo era: Equipe Dirceu Carneiro “a Força do Povo”. Criamos um projeto de habitação popular que teve grande repercussão no Brasil. Em um dos projetos, foram em torno 600 unidades. Muitas outras foram construídas na cidade, beneficiando pessoas que possuíam apenas o terreno, mas não tinham condições financeiras para construir uma moradia. GNAC / Houve alguma referência? DC // Naquela época, não conhecíamos nenhum projeto semelhante. Tudo foi desenvolvido a partir da formação do arquiteto e do relacionamento com a comunidade. Com o saber da equipe, muito debate, mobilização e organização da
DC // Sou de origem rural e me formei numa profissão urbana. Nesse sentido, acabei fazendo uma síntese entre a questão rural e a urbana, desenvolvendo não apenas a cidade como o seu entorno, o campo. Quando assumimos a prefeitura de
Fotos: Acervo Instituto Dirceu Carneiro
O GESTOR PÚBLICO NÃO PRECISA SER ARQUITETO, MAS DEVE TER ASSESSORES NESSA ÁREA. OS ARQUITETOS SÃO ESPECIALISTAS EM CIDADES. comunidade, Associações de moradores, Conselho de pais nas escolas, Núcleos agrícolas, Jogos interbairros e interdistritais, Grupos teatrais, Casa dos artesões, Mostras culturais do campo, Baile das lideranças. Muitas organizações atuam até hoje, mesmo com outros nomes. Fizemos as pessoas compreenderem a força que elas têm e que, mesmo não tendo dinheiro, são capazes de fazer as coisas com a sua força de trabalho. As casas eram construídas através de mutirões. Cada unidade habitacional custava menos do que um televisor colorido.
GNAC / E os resultados práticos? DC // Foram muito interessantes, pois acolhemos todas as pessoas marginalizadas no Habitação (bairro de Lages que nasceu a partir do conjunto habitacional construído na época), e elas acabaram conquistando dignidade. Nunca quisemos oferecer uma casa de mão beijada às pessoas, mas uma oportunidade para elas conquistarem aquilo através do esforço de sua família, de vizinhos e do Poder Público. A consciência da casa foi desenvolvida através do Dia Municipal da Habitação. Toda a cidade se envolvia na arrecadação e em doações de materiais para a construção das casas. Quem é capaz de construir sua própria casa, e capaz de muito mais! Recebíamos visitas quase todos os dias, de estudantes a políticos e cientistas. Marcio Moreiras Alves escreveu o livro- Lages, A Força do Povo, A Embrafilme produziu um longa metragem A Força do Povo, Três Globos Repórteres, e Citações na Literatura Político-Social, nacional e internacional, mais de duzentas palestras em encontro nacionais e internacionais, foram proferidas por mim. Estes foram alguns resultados.
GNAC / A experiência da participação popular contribuiu para o desenvolvimento da cidade?
DC // Tranquilamente. Primeiro, pela elevação da autoestima da população. Lages sempre foi uma cidade deprimida do ponto de vista econômico e de geração de emprego e renda, em comparação a outras regiões do Estado. Nos anos 70, o município estava em crise, com muita gente indo embora. Então, começamos a resgatar a autoestima das pessoas. Tínhamos programas para atender quem morava na área rural e na urbana, como os “Núcleos Agrícolas e “Viva Seu Bairro”. Quando as pessoas se envolvem nos processos participativos ou nas decisões de políticas públicas elas se sentem agentes do processo; não são marginalizadas ou ficam apenas ‘vendo a banda passar’. Foi assim que procuramos trabalhar. GNAC / Esse seu projeto de habitação popular foi inclusive copiado pela Organização das Nações Unidas (ONU). DC // Naquele tempo, existia o BNH (Banco Nacional da Habitação), que expropriou da comunidade o saber sobre a construção habitacional. No entanto, durante toda a história da humanidade, as pessoas sempre foram capazes de construir suas moradias. Portanto, verificamos que todas as pessoas eram capazes de fazer suas casas. Quem tinha força na mão para segurar um tijolo, botar um sobre outro, era capaz de fazer sua casa. O interesse do banco era dinheiro, era faturar e não apenas resolver o problema habitacional. Com isso, viabilizamos construções com custo equivalente a um televisor, e a pessoa não pagava mais que 10% de sua renda para amortizar o que era adquirido. As casas tinham luz, água encanada, esgoto tratado, e com pouco recurso e moravam dentro da ma-
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Entrevista /// Dirceu Carneiro
lha urbana e não em guetos isolados como hoje. Participamos de muitos encontros para apresentar esse projeto, um deles organizado pela ONU, na Bahia. Eles ficaram tão encantados com o trabalho que documentaram, reproduziram e distribuíram os mutirões populares habitacionais em vários países da África e da Ásia.
urbana e rural precisavam estar sob mesmo Estatuto. Ele foi revolucionário quando surgiu, pois veio atender a uma necessidade. Quando foi criado, não havia nada sobre questões institucionais. Não havia qualquer instrumento legal para gerir as cidades e se cometeram muitos erros na época. O processo capitalista é selvagem, mas as ferramentas do Estatuto servem para domesticá-lo, não permitindo que as cidades sejam unicamente reprodutoras de capital. As cidades precisam ter lazer, vivência humana, cultura, trabalho. Então, o Estatuto fez com que as cidades servissem também às pessoas e não apenas para o capital. (O projeto de lei tramitou por onze anos na Câmara dos Deputados, recebeu dezenas de emendas e foi aprovado em 2001, originando a Lei 10.257. Entre seus princípios está a obrigatoriedade, aos municípios, de implementação de planos diretores participativos). Esse foi um cuidado todo especial que tive, primeiro para contribuir com o país e segundo para dar sentido ao conhecimento e expertise dos colegas arquitetos.
Quem sabe o que é melhor e o que É preciso para a comunidade são as pessoas, não os governantes. Esses são meros agentes públicos e, quando não consultam a população, sempre erram. GNAC / E hoje, falta vontade política para desenvolver esse tipo de projeto? DC // As pessoas complicam as coisas simples. Qualquer município, seja ele São Paulo, que é o maior até o mais modesto, tem, em suas comunidades, forças capazes de resolverem os seus problemas. Basta compreender e buscar os modos para mobilizar as pessoas. Jamais o Poder Público pode ‘socar na goela’ do contribuinte ideias sem consultá-lo. Isso é um equívoco. Tem de envolver toda comunidade. GNAC / No Senado, o senhor também foi protagonista de outro projeto pioneiro, o Estatuto das Cidades, como relator da proposta. DC // Na época, o Covas (ex-senador Mário Covas, já falecido) me convidou para presidir a área das cidades (Dirceu Carneiro presidiu a subcomissão da Questão Urbana e Transporte). Aliás, fui o primeiro arquiteto a chegar ao Senado. Na Constituição de 1988, ajudei a elaborar o Estatuto das Cidades. No texto, procurei contemplar o meio rural também. As áreas
GNAC / O que vem dando certo em Santa Catarina? DC // Os planos diretores mostram conflitos, preparam as pessoas para atuarem nesses conflitos e evidenciam tendências regionais. Mas assim como há projetos bem feitos e transparentes, existem os embrulhados e tapeados. Temos aberrações, como a passagem da BR-282 por dentro de Lages. Esse foi um dos maiores erros da história da cidade. GNAC / Como a sua formação em Arquitetura e Urbanismo contribuiu para o seu desempenho como gestor público?
Foto: Susana Küster
DC // A arquitetura tem um compromisso sério com o ser humano. Ela estuda a história da humanidade do ponto de vista da arte, da evolução, da construção, da moradia e do espaço organizado para o homem. Quem estuda arquitetura e urbanismo é um especialista em cidades. Vejo prefeitos cometendo bobagens, complicando a cidade por desconhecimento, sem uma visão apropriada para desenvolver políticas públicas nessa área.
“A questão urbana é um dos desafios, hoje, no Brasil porque são nas cidades que moram 85% da população em 1,5% do território nacional. Em que pese a Constituição de 1988 ter dado um passo gigantesco na legislação da questão urbana, o Brasil tem, em termos de governo federal, uma gestão pífia em relação às cidades. O Ministério das Cidades é uma vergonha. Precisamos ter muito mais debate sobre isso. As pessoas não têm sequer ideia de quanto custa uma cidade mal planejada, mal gerida. Na década de 70, fizemos um estudo para saber quanto custava para deixar a cidade de São Paulo nos trinques. Custava 10 orçamentos da União! Naquele tempo os absurdos já eram gigantes, e hoje continuam da mesma forma.” “Uma cidade deve ser feita para pessoas, para que elas possam ter atividades culturais, trabalho, sem serem ameaçadas pelos automóveis. O veículo não é o rei; o rei é a pessoa humana, o cidadão. Quando você entende isso, começa a organizar as cidades..”
GNAC / O senhor deixou o Senado em 1995. Três anos antes, como primeiro-secretário da Casa, teve a incumbência de comunicar o impeachment ao então presidente Fernando Collor e dar posse a Itamar Franco como Presidente da República. Depois disso, o senhor desinteressou-se da carreira política?
Dirceu Carneiro assumiu a prefeitura de Lages em uma época em que o município estava ávido por novos rumos da política e da administração pública. “Era tudo o que queríamos”.
DC // Concluída essa etapa, considerei minha participação encerrada. O Brasil estava com a melhor Constituição da História, com leis civilizadas. Elaborei o Código do Consumidor, trabalhei na integração regional, presidi o Mercosul, coordenei o Tratado de Não Proliferação das Armas Nucleares e estagiei na ONU. Não disputei mais eleições e voltei para Lages. Em 2007, meus filhos criaram o Instituto Dirceu Carneiro para abrigar o acervo de materiais, elaborar projetos, debater ideias e executar trabalhos de interesse da sociedade que estejam balizados pelos princípios éticos e morais e de justiça social que sempre nortearam nossa trajetória.
>> Atualmente, Dirceu Carneiro dedica-se à agricultura e à pecuária, e a projetos e construções de Pequenas Centrais Hidroelétricas.
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Entrevista /// Manoel Coelho
Otimismo para mudar
Foto: Marcelo Stammer
Vontade política. Essa é a “mágica” transformadora das cidades, na opinião de Manoel Coelho. “Já mostramos que é possível”, defende.
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N arquiteto e urbanista Manoel Coelho ascido em Florianópolis em 1940, o
fez história em Curitiba, onde concluiu sua graduação na primeira turma do curso de Arquitetura da Universidade Federal do Paraná. Récem-formado, em 1967, ingressou no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC), criado dois anos antes. Ao lado do arquiteto Jaime Lerner, que veio a presidir o instituto em 1969, participou ativamente do processo de planejamento urbano da capital paranaense. Quando Lerner assumiu a prefeitura, em 1971, Manoel Coelho continuou ao seu lado, implementando cada uma das ideias inovadoras almejadas. Na terceira gestão do colega, foi alçado ao cargo de secretário municipal de Desenvolvimento Urbano. A fórmula que promoveu significativas transformações na cidade e que se tornou referência nacional e internacional foi aplicada pelo arquiteto catarinense também em Criciúma, no final dos anos 1970. Na época, atendera a um convite do ex-colega de faculdade Altair Guidi, que estava prestes a assumir a prefeitura. “Ele estava a fim de marcar presença com obras muito legais para a cidade. Levamos sorte”, afirma.
Entrevista /// Manoel Coelho
GNAC / Esse trabalho preliminar ajudou a agilizar a implantação dos projetos? GNAC / Com apenas oito anos de prática profissional, o senhor assumiu a coordenação do projeto de Desenvolvimento Urbano em Criciúma. Antes disso, já havia iniciado a implantação de uma proposta urbanística exemplar em Curitiba, no Paraná. Qual era a expectativa? MC // Um dia, eu estava em meu escritório aqui em Curitiba, quando o Altair Guidi (arquiteto, atual deputado estadual) telefonou para me convidar a desenvolver uma campanha para sua candidatura à prefeitura de Criciúma. Durante a faculdade, ele acompanhava o meu trabalho de comunicação visual e perguntou se eu topava. Fui conhecer Criciúma, uma cidade onde a exploração do carvão era bastante presente, as ruas não tinham asfalto e era tudo cinza, com cheiro forte de enxofre. Aí, voltei para Curitiba e bolei a campanha, centrada na frase “vamos dar cor a Criciúma”, e deu certo. Eu também fiz algumas propostas para a cidade para, caso ele ganhasse, logo implementar. Ele venceu e eu fui trabalhar lá.
MC // Desde outubro, quando foi eleito, já iniciei a preparação dos projetos. Então, quando ele tomou posse, em janeiro de 1977, a gente já tinha uma série de propostas em andamento. Poucos dias depois da posse, eu apareci em Criciúma com a minha equipe com vários projetos, fotos e maquetes, e fizemos uma exposição na praça Nereu Ramos, que é a praça central da cidade. O título desse trabalho era “Criciúma de amanhã”. Todo um esquema de marketing, sendo eu um simples arquiteto (risos). Foi legal ter todas as ideias na praça principal, mostrando e querendo consultar a população sobre o que ela achava dessas propostas. GNAC / Essa preocupação com a participação popular era uma inovação. MC // Achei uma maneira muito democrática, o povo na praça o dia inteiro. Havia lá um livro, no qual eles podiam registrar suas opiniões. Sem assembleísmo, sem qualquer preocupação política; simplesmente mostrando as ideias que a gente tinha para a cidade.
O antes e o depois da região central de São Joaquim na proposta de revitalização elaborada por Manoel Coelho em 2010 para a Secretaria de Desenvolvimento Regional do Estado. Na página seguinte, o Monumento às Etnias e um exemplo de mobiliário urbano projetados para Criciúma.
imagens: acervo Manoel Coelho Arquitetura / Divulgação
GNAC / O plano era bastante abrangente. Quais foram os principais pontos? MC // Eu acabava de ter trabalhado em Curitiba em todo o processo de planejamento. Então, tudo o que eu tinha aprendido e participado e que tinha dado certo procurei aplicar em Criciúma, que era uma cidade muito carente de projetos urbanos. Todos os prefeitos, até então, eram essencialmente políticos e o Altair Guidi, um arquiteto, estava a fim de marcar a presença e fazer obras muito legais para a cidade. Levamos sorte. E também porque o presidente (João) Figueiredo (1977-1985) resolveu juntar as eleições e prorrogaram os mandatos dos prefeitos por mais dois anos. Então, o Guidi ficou seis anos e ganhamos mais tempo para propor ainda mais coisas. Tínhamos feito o Parque Centenário, na área antes ocupada pelo aeroporto, o qual foi transferido para onde hoje é o município de Forquilhinha. Na época, também criei a avenida Centenário, ambos em alusão à comemoração dos 100 anos da cidade. Até nome eu dava para as coisas (risos). Assim como em Curitiba tínhamos promovido o fechamento da rua XV de Novembro, no Centro, tivemos a ousadia de fechar as ruas no entorno da praça Nereu Ramos, com a criação de vários calçadões. No início, muitos comerciantes foram contra, mas depois de tudo implantado, com luminárias, mobiliário urbano, a população aceitou e aplaudiu.
o que faz mudar a cidade é a vontade política. O prefeito precisa enfrentar aqueles que reclamam por uma ideia que valha a pena.
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Entrevista /// Manoel Coelho
GNAC / Quais outros ganhos para Criciúma? MC // No entorno do parque Centenário, fizemos um prédio para a prefeitura municipal. Houve um concurso de arquitetura para a criação do monumento do centenário e eu ganhei. Criei outro equipamento que era um centro cultural, com teatro para 800 pessoas, salas para aula de dança, biblioteca para cidade, coisas que a cidade não tinha. Elaboramos projetos de escolas, de postos de saúde. E tudo obras coloridas, sempre usei muita cor. Paralelamente, fizemos um plano urbano, de zoneamento e todo o sistema de transporte urbano, com terminais, terminal central, percorrendo a avenida Centenário.Enfim, atacamos todas as linhas importantes da cidade. Quando o mandato foi prorrogado, criamos um centro esportivo no parque Centenário, com pista de atletismo oficial e um ginásio de cinco mil metros quadrados. GNAC / A cidade foi equipada em apenas seis anos?
e promover uma integração entre a cidade, os espaços urbanos e seus habitantes, visando o conforto da população. A gente não tem o poder de interferir nas construções que se fazem nas cidades, tanto de forma espontânea pelas pessoas como pelas construtoras empreendedoras que semeiam pela cidade edificações que não acrescentam muita qualidade à paisagem existente. Eu acho que essa é a grande responsabilidade do arquiteto. É para se pensar: “o que é melhor para a cidade? uma região com araucárias ou um condomínio cheio de prédios?”
Agora a bicicleta virou quase a salvação. Eu não sou contra, Mas é apenas um modal. Se a cidade não tem topografia, estrutura e nem educação, não adianta investir.
MC // Mostramos que é possível. Até hoje dá para ver isso. Por que conseguimos fazer isso lá e por que Curitiba também fez? É tudo uma questão de vontade política. Não quero dizer que o prefeito tem de ser arquiteto, mas é porque o arquiteto está desprovido das ambições políticas e, quando eleito, ele tem uma gestão voltada para resolver os problemas da cidade e não só pensando nas próximas eleições. GNAC / Quais eram os conceitos gerais desses projetos, em Criciúma e em Curitiba? MC // De modo geral, é o que o arquiteto aprende na sua formação: respeitar a população, respeitar a paisagem urbana
GNAC / Esse é um diferencial do campus da Universidade Positivo, em Curitiba, projetado pelo senhor, certo? MC // Sim. Aumentamos o lago, que era bastante pequeno, e preservamos toda a vegetação, a mata ciliar que ali tinha. E até plantamos mais coisas. Estamos ainda plantando lá. Só lamento que a 500 metros da universidade surgiu uma barreira de prédios, numa área onde antes era um bosque, e ainda bloqueando uma vista linda. E ainda com prédios pintados! Hoje ainda está bonitinho, mas daqui a dois ou três anos, estará tudo escorrendo. É horrível isso. Prédio tem que ter revestimento. Deveria ser lei isso.
“O papel do gestor municipal é justamente captar os anseios da população, que revelam a vocação da cidade. Os administradores políticos, em sua maioria, não conseguem ver que, aqui em Curitiba, o cara que propôs isso está na glória no mundo inteiro. E o cara não vê que isso é possível. É o que o fará ganhar uma próxima eleição pelo bom e sério trabalho que fez para valer. Ganhará as eleições com louvor e não por falta de opção. É duro ter de escolher o menos pior ao invés do melhor. Mas não é para fazer mil assembleias. Em Curitiba, para atender ao Estatuto das Cidades, estão fazendo reuniões há dois anos. Para saber o que a população quer não precisa de tudo isso. Qualquer lugar com um prefeito que entenda isso, sempre dará certo.”
GNAC / O que vem dando certo em Santa Catarina, na sua opinião? MC // Estive em Blumenau recentemente e vi que é uma cidade onde as ciclovias funcionam há tempos. Em Balneário Camboriú, eles tiveram a ousadia de simplesmente tirar a faixa de estacionamento dos carros para implantarem uma ciclovia paralela à praia. Mas não é em todo o lugar que a bicicleta dá certo. É preciso ter uma visão de rede de ciclovias que permita se fazer um roteiro pela cidade. É essa visão do conjunto, não só em relação ao trânsito, à mobilidade, mas também na saúde, na educação, na preservação do meio ambiente. Há de se implantar projetos sólidos. Em Curitiba, há 34 parques. Só o Barigui, outro dia, recebeu 85 mil pessoas! É dez vezes uma Joaquina (uma das praias de Florianópolis). Isso é difícil de destruir. Os administradores conseguem
acabar com o transporte urbano porque não investem no ônibus, no transporte coletivo, e ficam abrindo binários para mais carros, para atender uma coisa individual. A cidade não deve mais investir nisso ou no asfaltamento de ruas para os carros. Deixa assim. Até que o cara deixa o carro e dá outro jeito. GNAC / Em Santa Catarina, o senhor também desenvolveu um plano de revitalização para São Joaquim, contratado pela Secretaria de Desenvolvimento Regional. Por que não deu certo? MC // A cidade é notícia nacional em todos os invernos e não sabe tirar partido disso. Eu fiz um plano legal, com pé no chão, para ser implantado em várias etapas, sem grandes custos. O secretário entregou para a prefeitura, mas, quando ele saiu do cargo, não fizeram mais nada. GNAC / O senhor fez diferença no planejamento dessas cidades. Falta hoje o investimento em uma boa equipe? MC // Os caras não querem. Eu sempre digo que estou à disposição, mas não me chamam (risos). Não só eu, mas toda a equipe do Jaime (Lerner) está aí, trabalhando, mas ninguém os chama. Se o prefeito é medíocre e não tem a humildade de reconhecer suas limitações, ele se cercará de gente também medíocre para não se sentir diminuído. É uma coisa caótica. GNAC / Apesar de identificar um triste panorama na política brasileira, o senhor prefere se manter otimista. Por quê? MC // Por que eu não sou derrotista. Gosto de pensar que o ser humano não é tão bobo a ponto de promover a sua própria extinção. Acho que uma hora o ser humano vai dar um jeito nas coisas, não deixará degringolar. É no que a gente se agarra.
“A melhor forma de qualificar os espaços públicos está nas eleições. Renovar os gestores, elegendo gente com capacidade e vontade de fazer as coisas.” Foto: Marcelo Stammer
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Grandes nomes
da arquitetura catarinense
Foto: Ronald T. Pimentel
Entrevista /// DĂŠcio GĂłes
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Na essência, gestor Como primeiro prefeito da recémemancipada Balneário Rincão, Décio Góes enfrenta o privilégio de planejar uma cidade com qualidade e o desafio de conciliar tantos interesses. “Vivo fazendo mediações”.
Oram o arquiteto e urbanista Décio Góes a s interesses coletivos sempre motiva-
engajar-se nos mais diferentes embates. A participação no movimento estudantil, no final dos anos 1970, o aproximou da política. Inicialmente, a política de classe, em instituições representativas da sua profissão (CREA-SC, IAB-SC, ASCEA), lutando pela redemocratização do Brasil. Mais tarde, a política partidária o atraiu. Em 2000, foi eleito prefeito de Criciúma, sua cidade natal, e empenhou-se em planejar e executar projetos estruturantes para o município, com foco na gestão participativa. Os feitos o levaram à reeleição, mas os meandros da política o afastaram do Executivo. “Eu me abalei muito, mas não desisti”, ressalta. Lançou-se ao Legislativo e, como deputado estadual, permaneceu empunhando a bandeira da valorização da arquitetura e do desenvolvimento urbano – a mesma que o levou a integrar a primeira diretoria do departamento catarinense do Conselho de Arquitetura e Urbanismo – CAU/SC. Agora, à frente de Balneário Rincão, a mais nova cidade do Estado, lamenta a falta de estrutura e de capacidade financeira para atender às demandas, que são imensas, mas se orgulha do que vem conquistando. “Acredito que o meu maior legado como prefeito, por ser arquiteto e urbanista, será deixar o município planejado”.
Entrevista /// Décio Góes
GNAC / Já se pode adiantar o que será possível na cidade?
GNAC / Como arquiteto e urbanista, qual foi a sua sensação ao assumir como primeiro prefeito de uma cidade? DG // Assim como acontece com o CAU, começamos do zero em Balneário Rincão. Por um lado, a sensação é maravilhosa porque estamos implantando os serviços e qualificando a vida das pessoas. Por outro lado, existe uma expectativa muito grande quanto a uma demanda represada há muitos anos, e a população passa a ser exigente demais, querendo muito mais do que a capacidade financeira e a estrutura do município podem oferecer. Eu diria que é mais fácil administrar Criciúma do que Balneário Rincão porque lá havia estrutura, suporte técnico e capacidade de resposta ou retorno para a população, apesar de todas as dificuldades de uma cidade de porte médio. Já em um município que está começando, oficialmente instalado em janeiro de 2013, a partir da emancipação de Içara, temos que nos envolver em tudo, desde a criação de leis, a definição das políticas públicas, até a montagem da estrutura física, alugar salas, comprar móveis, computadores e veículos, selecionar e capacitar o pessoal. Mesmo assim, estamos alcançando avanços importantes. GNAC / Quais são as prioridades? DG // Recentemente, licitamos a empresa que vai elaborar o Plano Diretor Participativo. Estamos no processo de recadastramento geral do município e fizemos todo o mapeamento, com condicionantes e legislações específicas para subsidiar esse e os demais planos setoriais. Buscamos os dados do IBGE para termos todos os índices e parâmetros para planejar a cidade de forma integrada.
DG // O fato é que o Balneário Rincão é uma Área de Preservação Permanente. O município tem 63 quilômetros quadrados apenas e tem sete lagoas, 13 quilômetros de orla e abriga a APA da Baleia Franca (Área de Proteção Ambiental). É um ambiente extremamente delicado. O que tinha de ser urbanizado já foi. Há poucas áreas para expansão urbana. A possibilidade é verticalizar, mas dentro de critérios. Temos baixo estoque de áreas públicas porque deixaram lotear toda a região sem exigir áreas públicas como contrapartida. Então, não se criou infraestrutura para a qualidade de vida desejada a uma estância de turismo, de veraneio. Meu propósito é ter um solo criado, uma outorga onerosa, numa fórmula em que se possa estabelecer um índice padrão e determinar as áreas que podem crescer. O empreendedor compra os índices para verticalizar nas áreas possíveis e esses recursos irão para um fundo de urbanização que nos permita ampliar as áreas públicas, dotar a cidade da infraestrutura necessária. Há todo um estoque de vias para serem pavimentadas, um grande problema de drenagem e a questão do esgoto sanitário para resolver. GNAC / O que já está sendo feito? Foto: Polícia Civil / Divulgação
Balneário Rincão terá um Plano Diretor interligado com os demais planos, como o de saneamento e o da orla.
Foto: Zappelini / Divulgação
DG // Além de implantar as políticas públicas de Saúde, Educação, Assistência Social e fazer a manutenção da cidade, estamos avançando no planejamento. O Plano de Saneamento e de Resíduos Sólidos, com recursos da Funasa (Fundação Nacional da Saúde), está sendo executado pela UNESC, universidade que sempre apoiei. Vamos fazer o plano geral, depois desdobrado em projetos de engenharia específicos: Água, Resíduos Sólidos, Esgotamento Sanitário e Drenagem Pluvial. O Plano Diretor, Projeto Orla, e as demais ações em curso são investimentos do próprio município. GNAC / Como a população está sendo envolvida nesse processo? DG // No Projeto Orla, por exemplo, realizamos inúmeras oficinas com a comunidade desde março deste ano, num processo intensivo que envolve o município, a União, o Estado, a Marinha, a Fundação Estadual do Meio Ambiente, o IBAMA, a APA da Baleia Franca e o Ministério Público, convidado especialmente por nós. Todos ‘sentam à mesa’ para dialogar e encontrar um ponto de equilíbrio entre as leis ambientais, as regulamentações de orla e o interesse público local, que é garantir infraestrutura e conforto para a população usuária. Assim que o projeto for transformado em lei, poderemos captar recursos para a execução desse plano de manejo da orla, que definirá o que poderá ser executado e como será. GNAC / Em Criciúma, a Via Expressa e o Anel Viário são considerados fundamentais para o desenvolvimento econômico da região, certo?
DG// Dentre os projetos que deixamos para a cidade de Criciúma, de Combate às Cheias, Parque das Etnias ou Nações, Saneamento e Mobilidade Urbana, considero esses dois como os de maior importância regional. A Via Expressa proporcionará a todos o acesso direto até o centro de Criciúma já em 2015. A concepção original é da época em que fui prefeito de Criciúma (2001-2004), quando planejamos a via, hoje chamada de Via Rápida, que liga o anel viário à BR 101. Hoje, para ir de Urussanga a Forquilhinha, Siderópolis ou Nova Veneza, é preciso passar pelo centro de Criciúma. Isso gera, no centro do município, um movimento que não é dele, que atrasa a vida das pessoas e provoca um estresse desnecessário na cidade. A partir de uma ideia, em nossa gestão, concluímos o projeto de engenharia e executamos um trecho de cinco quilômetros no intuito de desencadear a ação. O Estado assumiu a obra e, aos poucos, dá prosseguimento a ela. Agora, faltam 13, dos quase 40 quilômetros necessários.
Imagem da área central de Criciúma, com destaque para a avenida Centenário
já temos conhecimento suficiente para as nossas cidades se tornarem ambientes mais sustentáveis.
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Entrevista /// Décio Góes
os órgãos de planejamento não podem ser tão técnicos. É preciso ter visão política também. Se não, ficam desconectados da cidade. GNAC / Qual o limite entre o que a população cobra do poder público e o que os gestores consideram possível? DG // Eu diria que o gestor deve compartilhar dos desejos legítimos da população. O limite para nós todos são as condições existentes para transformar desejos em realidade. É preciso criar uma equipe na área de planejamento e se dispor a ouvir a população. Saber interpretar o que ela diz. Por exemplo, quando a comunidade cobra maior segurança, que é uma atribuição do Imagem: Divulgação Assessoria de Imprensa de B. Rincão
Detalhe do projeto de revitalização da avenida Leoberto Leal, a Via Expressa de Balneário Rincão.
governo estadual, no município isso deve ser traduzido em melhoria da iluminação pública, na eliminação dos becos da cidade, em soluções urbanísticas que garantam segurança nas ruas, em programas sociais e promoção de atividades sadias para as pessoas de todas as idades. Sem dúvida, a cobrança é legítima. O limite está nas condições disponíveis para resolver o problema, mas esse limite pode ser ampliado pelo desejo de realizar, pela criatividade, pela dedicação, pela luta. Esse exemplo vale para todas as demandas que surgem no diálogo da participação!
GNAC / O senhor se refere à transparência?
DG // Também e principalmente. Na área pública, não temos como deixar de prestar contas o tempo todo do que estamos fazendo porque há vários interesses envolvidos, tanto para o bem quanto para o mal. Há interesses políticos de toda ordem, de ajudar, mas também de prejudicar, de interpretar mal, de fazer a população te enxergar de outro jeito. A saída é prestar contas constantemente. Quanto mais diálogo houver, mais aberto e transparente for o processo e quanto mais ele for divulgado melhor. GNAC / O senhor viveu experiências muito duras com a cassação da sua candidatura à reeleição em Criciúma e, mais tarde, à prefeitura de Balneário Rincão, apesar de ter saído vitorioso do pleito nas duas ocasiões. Como esses fatos marcaram sua trajetória? DG // Sou o único no mundo cassado por algo que se considerou propaganda subliminar, apesar de nem haver regulamentação para isso. O slogan da campanha política era ‘Sou feliz, quero bis’. A Associação que organizava a Festa das Etnias contratou uma empresa que criou uma música para o evento. Lá, no meio da letra, diziase ‘aqui todo mundo vive e é feliz’. Esse foi o mote para se alegar que eu tinha encomendado a inserção da palavra ‘feliz’ na música para aludir à campanha eleitoral, além de outras alegações de igual natureza. Já estava reeleito, continuava a trabalhar muito e minha candidatura foi cassada, às vésperas do Natal de 2004. É claro
“A boa relação dos planos diretores com os empreendimentos privados vai depender da responsabilidade que assumimos nesses espaços de decisão. É legítimo a empresa querer apontar suas
“É preciso ter órgão de planejamento, mas visão política também. Precisamos aprimorar a visão política. Não podemos aceitar esses políticos estereotipados que a imprensa fica batendo. Esses precisam ser eliminados da face da Terra.”
necessidades e é legítimo o poder público bater firme naquilo que é de interesse coletivo. Essa conciliação, sem tráfico de influência, sem corrupção, exige alto nível de compromisso. Temos de aperfeiçoar a nossa democracia para que
os princípios da seriedade sejam norteadores desse processo. O que não dá é Achar que existe sempre corrupção em torno de uma mesa de negociação desse tipo. Na generalização, os bons pagam pelos maus.”
que isso provocou um estrago irreparável na minha vida pública, pessoal e familiar. Em Balneário Rincão, ganhamos duas vezes as eleições. A primeira, em 2012, foi anulada porque a oposição conseguiu estender ao final do ano, 31 de dezembro, os oito anos da Lei da Ficha Limpa (completados antes daquele pleito), em que fui enquadrado pelos motivos anteriores. A eleição foi anulada e convocada outra para 3 de março de 2013. Conquistamos a vitória novamente e novamente tentaram anular o resultado! Passamos por julgamentos em todas as instâncias, e finalmente vencemos! GNAC / O senhor ficou desiludido?
Foto: Ronald T. Pimentel
DG // Acredito que a formação do arquiteto e urbanista se caracterize pelo desejo de planejar a cidade com seriedade, de sonhar em qualificar espaços para que as pessoas vivam bem. A meta por espaços melhores é a vida do ser humano. Minha relação com o Balneário Rincão vem desde que nasci. Das lembranças de infância, trago recantos e dunas maravilhosas, um paraíso que, infelizmente, foi sendo destruído. De qualquer forma, ainda existe um patrimônio inestimável, que vale a pena resgatar. Esse sonho me motivou a enfrentar o desafio, mas, na verdade, do ponto de vista da razão, quando se pensa nos elementos negativos da política, o sonho não vale tanto sacrifício. O que se sobrepõe em mim é, no entanto, o ponto de vista
da emoção, do idealismo, do desejo de fazer. Por isso não desisti. Mas trabalho 24 horas por dia e, ainda assim, nunca é suficiente, porque as pessoas, de modo geral, precisam se comprometer de fato com o interesse público, e não com seus egos. Sim, estou desiludido, mas a responsabilidade me mantém na luta. GNAC / Como despertar a consciência da coletividade na população? DG // Viver no coletivo, no urbano, deveria significar maior praticidade e conforto do que viver isolado no campo. Porém, a pessoa fica uma hora trancada no trânsito, mas não quer esperar dez minutos pelo ônibus. Querer criar a consciência da responsabilidade com o coletivo representa educar e promover uma mudança cultural, e, ao mesmo tempo, ouvir a cidade. Isso não quer dizer que se vá executar tudo o que for reivindicado. Seria impossível. É preciso ter sensibilidade para unir tudo, considerar o interesse coletivo e não esperar que agrade a todos. A unanimidade é inatingível. Agora, uma mudança cultural pode e deve ser buscada, para que mais pessoas sejam incluídas nas políticas públicas e a vida de todos seja mais qualificada. Por exemplo, ter um órgão de planejamento. Mas, também, a visão política deve ser aprimorada para não se aceitar a imagem estereotipada, tão divulgada, dos políticos. Políticos, assim como qualquer pessoa que seja mal intencionada, não podem ter vez e voz.
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Foto: Ronald T. Pimentel
Editoria ////// Entrevista Complemento Nelson Saraiva da Silva
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Empenho por um legado Pensador, crítico, planejador, o arquiteto e urbanista Nelson Saraiva da Silva lamenta a falta de apoio do Poder Público, mas não desiste do propósito de qualificar a ocupação dos municípios do litoral catarinense.
D vendo a água das baías vazias de barcos em direesta cabeceira, antigo cemitério de Florianópolis,
ção ao Pacífico, depois da inauguração em 1914 do Canal do Panamá, Hercílio Luz obrigou-se à construção da ponte para revitalizar a cambaleante economia da cidade. O mar não era mais o principal caminho! Passados 100 anos, é possível resgatar sua presença, criando um centro náutico internacional, entre Punta del Este e São Paulo/Rio de Janeiro, na principal fachada marinheira correspondente à baía protegida de Canasvieiras a Pontas das Canas. A afirmação é do arquiteto e urbanista Nelson Saraiva da Silva, que sempre empunhou essa bandeira. Em especial nos últimos dez anos, desde que se tornou Doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo com a tese “Arquitetura da maior à menor escala: vivências, projetos e reflexões sobre os lugares marinheiros catarinenses”. Professor da maioria dos arquitetos graduados pela Universidade Federal de Santa Catarina, Nelson Saraiva foi além dos estudos e indicou os caminhos da prática, com o projeto Vita et Otium. “Ainda não deixei um legado”, diz, esperançoso quanto a sua execução.
Entrevista /// Nelson Saraiva da Silva
GNAC / O senhor formou-se em 1968 na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e já saiu de lá com um importante prêmio, o da IX Bienal de Arte de São Paulo promovido pelo Banco Nacional da Habitação, o BNH. Qual era o projeto? NSS // Era o primeiro concurso nacional de escolas de arquitetura – havia apenas doze na época – e vencemos com o Plano Local de Conjunto Residencial Integrado para o Butantã (SP), idealizado para 8000 pessoas, densidade de 300 habitantes por hectare, Parque Esportivo e Centro Comunitário. Inaugurava-se, assim, a fase dos conjuntos habitacionais do BNH, que marcaram, durante os anos de chumbo, a paisagem urbana brasileira. GNAC / Dois anos mais tarde o senhor já atuava como professor universitário em Brasília, na reestruturação do Instituto das Artes. Como foi essa experiência? NSS // Cheguei lá muito jovem e inseguro, em 1970, com 24 anos e recémcasado. Fui convidado pelo professor e guru Miguel Alves Pereira, nomeado por sugestão do IAB Nacional, para integrar um grupo de arquitetos formado para recuperar o Instituto, que fora fechado pelos militares em 1964. Ir trabalhar em
Brasília, para quem nunca tinha saído do Rio Grande do Sul, era como descobrir o Brasil. Mas o sonho de um desenho dos lugares urbanos para o País morreu na casca. Passamos a tratar a questão urbana em cima de conjuntos habitacionais patrocinados pelo BNH. Nesse momento, saí de Brasília. Os cursos de arquitetura à época eram montados dentro da lógica Modernista, que negava a história. Nunca abdiquei de enxergar a história como fonte maior de compreensão da realidade. GNAC / Após um estágio de um ano no Instituto de Arquitetura de Veneza, na Itália, entre 1972 e 1973, o senhor reaproxima-se da academia. NSS // Voltando para o Brasil, fixamos no Rio de Janeiro e fui convidado pelo Severiano Mario Porto para organizar a Universidade Federal da Amazônia Ocidental, em Manaus. Montei o programa e fizemos o desenho da UFAM. Baita experiência, porque o Severiano, nessa época, era considerado um dos luminares da arquitetura brasileira. Era um prêmio trabalhar no escritório dele. GNAC / E, ainda no Rio de Janeiro, assumiu cargo na Eletrosul.
Imagens: acervo Nelson Saraiva da Silva
NSS // Continuei a morar e trabalhar lá até janeiro de 1977, quando a Eletrosul mudou para Florianópolis. Eu vim estudar os rios da região Sul, os grandes rios que conduzem ao Prata. Os rios são os melhores amigos dos arquitetos para compreender a organização territorial, porque eles montam a paisagem natural. E em cima dela, começamos a pensar na paisagem construída.
O Vita et Otium é um primeiro momento em que buscamos compreender a conversa da paisagem natural com a paisagem construída. GNAC / Na Eletrosul, o senhor começou a projetar estruturas de apoio para construção de barragens na região Sul, culminando na relocação da cidade catarinense de Itá, cujo projeto foi premiado na Bienal de Arquitetura em Buenos Aires em 1989. Qual era o diferencial de projeto? NSS // Itá era uma cidade real, era uma sede municipal. Nós levantamos casa por casa e estávamos maduros, naquela época, que não era para fazer um BNH, era preciso fazer uma leitura cultural. O moderno estava semimorto e precisávamos descobrir novos ideários de projetos. Por exemplo: Pomerode não foi desenhada por arquitetos, foi desenhada por alemães. O que fizemos, então, em Itá? Tínhamos um material rico: o saber fazer dessas culturas, dos alemães, poloneses e italianos que moravam lá. Tínhamos algumas linhas construtivas e adaptamos os costumes. Todas as casas teriam telha
francesa, que já era o padrão. Todas as casas tinham varandas e guarda-corpos muito variados. Fotografamos, escolhemos os mais representativos e fizemos um caderno enorme de pré-detalhamento. Concluímos que o projeto das casas devia ser feito na casa do morador, não no nosso escritório. Eu era professor e montei uma equipe com alunos e começamos a fazer o projeto na sala de jantar de cada casa. Eram 200 casas. Mas antes de fazer as casas, fizemos os equipamentos comunitários. Assim a população veria que era um projeto diferenciado e que daria certo. O vernacular da região dava uma bela forma urbana e sabíamos que, se projetássemos uma cidade que enxergasse o reservatório, ela poderia ter potencial turístico, como hoje é explorado. Foi tudo desenhado na prancheta. Itá foi a última cidade feita à mão. (A nova Itá foi inaugurada em 1996, em virtude da construção da Usina Hidrelétrica de Itá).
No projeto Vita et Otium, os 570 km litorâneos foram divididos em cinco segmentos centrados nas principais cidades costeiras do Estado. Em torno de 40 arquitetos consultores da equipe do Instituto Silva Paes apresentaram propostas para qualificação físico-espacial de cada um deles. Na página anterior, detalhe da cidade de Itá, totalmente planejada.
GNAC / E foi esse seu interesse pelo planejamento das cidades que o motivou a realizar a primeira Oficina de Desenho Urbano de Florianópolis, em 1994?
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Entrevista /// Nelson Saraiva da Silva
NSS // Naquele ano, a Frente Popular assumiu a prefeitura e nós, da universidade, tínhamos bom relacionamento com eles, que nos chamaram para ver o que poderíamos fazer. (Nelson foi professor da UFSC de 1979 a 2009). Eu e o professor Almir Reis, representando a universidade, e a Sílvia Lenzi, representando o Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF), montamos a estrutura dessa oficina. Reunimos mais de 150 arquitetos. Fizemos reuniões sobre o ideário da oficina no salão do IPUF e íamos organizando os temas. Chamamos arquitetos experientes de outros lugares do País para mesclar a visão de fora. Resultado: toda essa turma montou um lugar de trabalho. Aquele prédio de madeira que foi a sede da Faculdade de Arquitetura da UFSC, eu que desenhei junto com a professora Carmen Cassol e outros professores para ser a sede da Oficina. Um prédio feito com sobras da Eletrosul. Dividimos a cidade em quadrantes, organizamos equipes para identificar os problemas de cada quadrante e, disso, tivemos uma série de propostas que resultaram no primeiro livro que o departamento de Arquitetura da UFSC publicou.
NSS // Fizemos isso ainda no calor da Oficina. O problema é que o poder público local da época nem quis saber. Sofremos muita pressão contrária. Achavam que queríamos desaterrar o aterro deles, mas queríamos levar uma praça d’água para as baleeiras chegarem até o Mercado Público. Seria um gol de placa para uma cidade que se pretende turística. Aliás, que necessidade havia de fazer o aterro da Baía Sul? Foi falta de reflexão. Claro, havia de se solucionar a saída viária das pontes novas, mas poderia ser um aterro que permitisse a água do mar chegar à centralidade urbana, na frente do desenho da velha cidade. Desterro era uma joinha de cidade. Na hora que libera o gabarito e aterra sua frente, acabou. O mar foi pra longe.
Plano Diretor é um instrumento de trabalho que pouco ajuda a verdadeira melhoria da configuração das cidades porque trabalha apenas a questão dos índices, das manchas e dos zoneamentos.
GNAC / Desse trabalho também originou o Concurso de Ideias para o Redesenho Urbano da Baía Sul, vencido por sua equipe.
GNAC / De certa maneira, esse projeto originou o Vita et Otium. NSS // Mais do que pensar a ilha, precisávamos pensar todo o litoral catarinense. Isso virou minha tese e, como conclusão, recomendo que se faça um estudo para toda a região. Dei minha tese para o Marcondes ler (empresário Fernando Marcondes, presidente do Costão do
“Todos nós sabemos que a centralidade da Grande Florianópolis já escorregou pelas pontes e acontecerá por cima da BR-101. A velha 101, que o governo duplicou, vai ficar como um patrimônio fantástico para uma associação de municípios montar um projeto urbano articulador da centralidade que solucionará a questão do transporte coletivo com outros modais, não só de ônibus. Quando houver esse canal aberto, se tirarem os caminhões da estrada, será possível fazer um boulevard verde, organizar estações de parada, em um projeto macroestrutural urbano.” “Para criar uma perspectiva urbana, tem que trabalhar a forma urbana. Exemplo: num determinado momento, Burle Marx é chamado para ‘engordar’ Copacabana. Aí ele desenha aquele painel espetacular, que criou uma paisagem urbana fascinante, organizada para o encontro em escala de multidão.”
“Falta cultura, falta visão para fazer planejamento urbano inclusivo no Brasil”.
Santinho Resort). Um ano depois, ele me procurou e me convidou para coordenar um grupo para fazer esse trabalho. Aceitei, claro, e aí começou o Vita et Otium. O projeto veio na linha da seguinte conclusão: o litoral catarinense abriga uma cidade linear conurbada que começa a apresentar sintomas de metrópole. Começamos a compreender uma série de dificuldades. A ilha nunca construiu uma centralidade importante voltada ao mar. GNAC / Qual planejamento urbano deu certo, na sua opinião? NSS // Balneário Camboriú soube criar uma urbanidade potente na beira d`água, hiperaprazível para quem passa, para quem chega. Qual é o segredo? Superposição de atividades. Embaixo, comércio, serviços, restaurantes em frente ao mar. Em cima, adensamentos de torres de habitação. Deu certo porque houve a vontade de fazer. Claro, aliado também ao lucro imobiliário. Mas mantiveram, até aqui, a aura do projeto, que é a centralidade. Aqui na Ilha dorme-se com as galinhas; na Avenida Beira Mar não há vida urbana; não tem atividades nos térreos; e, na frente, só passam carros em alta velocidade. GNAC / Algum outro exemplo?
Foto: Ronald T. Pimentel
NSS // O Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro, desenhado pelo (arquiteto Affonso Eduardo) Reidy. Ele desenhou o aterro, chamou Burle Marx para o paisagismo, furou a avenida, deixou escoar o (bairro) Flamengo por baixo da avenida, chegando na praia, que é frequentada. E o que mais ele faz? Ele constrói o Museu de Arte Moderna. Na frente, ele faz uma rampa. Tu sai dali, atravessa a passarela, anda 100 metros, chega na rua México e na Cinelândia, tomada de mesas com todo mundo tomando chope, o Teatro Municipal iluminado. Isso é saber fazer costura urbana. Ele dava nó em pingo d’água.
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Entrevista /// SĂlvia Lenzi
Foto: Ronald T. Pimentel
Confiante no potencial Grandes nomes
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Considerada sinônimo de planejamento urbano em Florianópolis, Sílvia Lenzi acompanhou importantes mudanças na cidade. E foi protagonista de muitas delas em três décadas de dedicação ao IPUF.
Dnão faz mais parte do Instituto do Planejamento Urbano esde 2010, a arquiteta e urbanista Sílvia Ribeiro Lenzi
de Florianópolis. Ao decidir pela aposentadoria, deixou de atuar no órgão que praticamente ajudou a criar e pelo qual enfrentou os mais diferentes e complexos desafios de sua trajetória profissional. De coodenadora de planejamento urbano à presidente e, mais tarde, como diretora de planejamento, foram 32 anos de carreira no IPUF. Sílvia orgulha-se de iniciativas inovadoras, lamenta percalços, critica o desmantelamento do Instituto e a má gestão do Poder Público na condução do novo Plano Diretor, mas ela não deixa de acreditar em Florianópolis. “A juventude está desiludida e não vê perspectiva. Eu vejo que ainda há muito potencial”, afirma. Com o olhar sempre voltado para a coletividade desde a época da faculdade, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a arquiteta tornou-se referência também para a iniciativa privada, especificamente para empresários que compartilhavam a mesma visão. Prestou consultoria para a implementação de empreendimentos de destaque em municípios vizinhos. “O empreendimento público privado tem que fazer bem a sua parte numa relação amigável com a cidade”, pontua.
Entrevista /// Sílvia Lenzi
Um órgão de planejamento nunca é o único responsável, mas ele pode ser o catalisador do processo.
Imagem: Divulgação Pedra Branca
GNAC / Quando a senhora decidiu cursar arquitetura, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, quais eram seus interesses? SL // Entrei na faculdade em 1972 sem saber muito bem o que iria encontrar. Eu sempre tive um forte interesse pelas questões sociais e da cidade, muito mais do que por projetos de arquitetura e o meu primeiro contato com o planejamento urbano aconteceu na Universidade. Muitos dos melhores professores tinham sido exilados ou deixaram de dar aulas em função da ditadura militar, então minhas escolas também foram a Prefeitura de Lages e o IPUF. GNAC / Essa preferência conduziu sua carreira desde o início da sua trajetória, certo? SL // Logo depois de formada voltei para Lages, minha cidade natal. O arquiteto Dirceu Carneiro era então prefeito e estava desenvolvendo um trabalho de mutirão habitacional. Fui até a Prefeitura me oferecer para participar desse mutirão e trabalhei durante três meses acompanhando as primeiras etapas da construção das casinhas. Ele tratava as políticas públicas de forma integrada e conseguia fazer toda a sua equipe sentir-se corresponsável pelo projeto. Essa visão integrada falta ainda hoje em muitas gestões públicas. Foi uma experiência muito rica. GNAC / E que a levou a Florianópolis...
SL // Nesse meio tempo foi publicada uma matéria no jornal “O Estado” sobre esse projeto de mutirão em Lages e meu nome foi citado nessa reportagem. Esperidião Amin, então prefeito de Florianópolis, queria começar um projeto de habitação popular na cidade. Seu Chefe de Gabinete me conhecia e, através dele, fui chamada para uma entrevista. Era final de 1977. GNAC / Qual foi o primeiro projeto? SL // O meu primeiro trabalho em Florianópolis chamava-se Projeto Sapé, conjunto habitacional realizado em regime de mutirão destinado a famílias que ocupavam uma área atrás do Hospital Nereu Ramos. As famílias participavam, em conjunto com uma equipe de obras capacitada pelo Senai .Nos finais de semana, as mulheres iam ajudar na construção das suas casas e fazer o almoço comunitário. Foram executadas 139 unidades habitacionais através desse mutirão.
Recortes da proposta de reurbanização do aterro da Via Expressa Sul, apresentada em 2002 pelo IPUF. Na página anterior, imagem do novo centro de bairro da Cidade Pedra Branca, em Palhoça.
GNAC / E assim iniciou sua trajetória no Instituto de Planejamento Urbano? SL // No dia que cheguei o IPUF estava fazendo um ano de sua criação. Mesmo sendo contratada para desenvolver projetos de habitação popular, como a equipe de técnicos do IPUF era muito reduzida eu acabei participando de todos os planos elaborados nesse período. Ao longo da minha estada no IPUF, até a minha aposentadoria em 2010, participei de inúmeros trabalhos nos quais a autoria individual se diluiu na troca de conhecimentos e nas proposições conjuntas com outros profissionais arquitetos e de outras áreas do planejamento. GNAC / Quais são as outras inovações? SL // Antes do Estatuto das Cidades, os planos diretores geralmente não ultrapas-
savam os limites do perímetro urbano. Nos primeiros anos do IPUF, fomos desenvolvendo vários planos para o interior da ilha e, com isso, Florianópolis passou a ter todo o seu território planejado. Participei de todos esses trabalhos, como técnica, algumas vezes na coordenação e, mais tarde, como diretora. No início da década de 80, o IPUF gerenciou o Programa Cidades de Porte Médio e com recursos do Banco Mundial. Na ocasião, fizemos um estudo regional e vimos que a maior parte dos equipamentos sociais localizavam-se no centro da cidade. Através desse programa, começamos a descentralizar a localização desses equipamentos Programas com esse, com uma abordagem bastante ampla, incluindo também investimentos em infraestrutura urbana, sistema viário, projetos, criação de cooperativas de pesca, leite e artesanato, e programas habitacionais, nos levavam a novos aprendizados, como a montagem de processos para a captação desses recursos. Parte do retorno dos investimentos compunha um Fundo gerido pelos prefeitos de Florianópolis, São José, Palhoça e Biguaçu. Como presidente do IPUF, eu era a secretaria executiva desse fundo. Algumas reuniões foram feitas para se discutir a aplicação desses recursos. Mesmo não sendo um montante significativo, oportunizou um exercício de gestão conjunta dos quatro prefeitos. Nos últimos anos, acabei me envolvendo, principalmente, com a gestão urbana nos cargos de direção que ocupei e na coordenação de um programa de Desenvolvimento Institucional do Programa Habitar Brasil/BID.
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Entrevista /// Sílvia Lenzi
GNAC / A senhora acompanhou mudanças importantes na cidade. Quais foram elas? SL // Hoje, com toda a demanda por participação popular, fica difícil imaginar que, em 1984, ano de discussão do Plano Diretor dos Balneários, tentávamos identificar associações comunitárias, mas havia muito poucas. Edison Andrino assumiu em 1986, como primeiro prefeito eleito da Capital, depois do Golpe Militar, e isso criou uma expectativa muito grande na cidade. Era um mandato de apenas três anos e todo mundo queria participar. Ele me chamou para presidente do IPUF e enfrentei o desafio. GNAC / Como passou a ser a rotina? SL // Havia dias em que eram realizadas de 10 a 12 reuniões simultâneas no IPUF. Recebíamos desde idosos reclamando da interferência da rede de alta tensão no sinal de TV de suas casas até grupo de surfistas querendo colaborar na fiscalização ambiental das praias. Além dos trabalhos de rotina, participávamos de projetos pioneiros, como a criação do Pólo do Vestuário e do Pólo Tecnológico. Firmamos um convênio com a Prefeitura do Rio de Janeiro para elaboração de projetos de contenção das encostas e efetuamos o primeiro levantamento do perfil das favelas de Florianópolis. GNAC / Quais outras áreas foram trabalhadas pelo IPUF? SL // O IPUF respondeu por várias áreas, como a ambiental, a habitacional, a de captação de recursos, a de mobilidade urbana (ainda sem essa denominação). E, na medida que essas demandas foram aumentando, exigiram a criação de estruturas próprias, como a Floram e a Secretaria de Habitação.
“Florianópolis, como cidade de porte médio, apresenta condições para que sejam obtidos bons resultados com intervenções em seus sistemas urbanos. Para isso, é importante a definição clara de um modelo de cidade, amparado em um amplo pacto social que estabeleça as linhas de convergência das ações públicas e privadas na construção
OS PLANOS SÃO APENAS UMA ETAPA DE UM PROCESSO QUE NÃO PODE PRESCINDIR DE UMA BOA GESTÃO E DE INVESTIMENTOS PÚBLICOS E PRIVADOS. GNAC / Teoricamente, com o IPUF atuante, a gestão seria facilitada para os próximos governantes, não? SL // Talvez o IPUF tenha criado algumas dificuldades para os prefeitos, pois as funções do instituto exigiam de sua equipe uma reflexão permanente sobre as questões urbanas e, muitas vezes, o parecer técnico confrontava com as decisões políticas. Essa postura gerou alguns impasses, mas entendíamos que, como integrantes de um órgão de assessoria, era esse o nosso dever. GNAC / E qual a realidade hoje?
desse modelo. É preciso ultrapassar o estágio dos discursos emocionais para atingir um patamar de formulação de propostas baseadas num entendimento mais profundo da nossa realidade. O conhecimento sobre a cidade que
“É preciso existir regras de trato do comportamento urbano e alguém tem que dizer ‘isso pode’ e ‘isso não pode’. “
vem sendo produzido pelos órgãos técnicos e, principalmente, dentro das universidades, tem que ser colocado a serviço dessas iniciativas. Cabe ao IPUF o papel de grande articulador de todos esses saberes em prol desse projeto coletivo.”
SL // Acho que o IPUF não está numa boa fase. Durante os últimos 10 anos, os funcionários mais antigos foram se aposentando e não houve contratação de novos técnicos. Esse esvaziamento do IPUF e a falta de diálogo com os técnicos que permaneceram e que vinham conduzindo os estudos do plano diretor, podem ter gerado uma ruptura do processo de planejamento. GNAC / E qual o histórico de relação com a iniciativa privada? SL // Na minha época, realizamos, além do tombamento dos conjuntos urbanos, tombamento de dunas, da Costa da Lagoa, da Lagoinha do Leste. Houve reação de alguns empresários e uma campanha foi montada com adesivos nos carros criticando os eco-chatos, mas, hoje em dia, é amplamente reconhecida a importância de preservação desse patrimônio. GNAC / Foi o caso da Habitasul, com a implantação de Jurerê Internacional nos anos 1980?
Foto: Ronald T. Pimentel
SL // O plano de Jurerê Internacional tinha sido aprovado, mas a urbanização
comprometeu as dunas e uma restinga, o que gerou uma protesto bastante grande na cidade. Esse primeiro impacto foi seguido de uma gestão urbana eficiente, da recuperação e da preservação da vegetação da faixa de duna, da implantação de um adequado sistema de esgotos. O grupo Habitasul também executou o primeiro restauro de um prédio histórico privado no centro da cidade e foi o primeiro a usar o boi-de-mamão em suas campanhas publicitárias, valorizando assim a cultural local. Não se falava ainda em medidas mitigadoras e compensatórias, mas se pode dizer que, por iniciativa dos próprios empresários, aconteceu dessa forma. GNAC / Prova de que os tempos são outros está nos empreendimentos para os quais a senhora prestou consultoria: o Palmas do Arvoredo, em Governador Celso Ramos, e a Cidade Pedra Branca, em Palhoça, certo? SL // Influenciada pelas discussões geradas na 1a Oficina de Desenho, nesses dois empreendimentos a minha principal contribuição partiu de uma visão da importância dos espaços públicos de uso comum, entendendo a cidade como projeto coletivo resultante de inúmeras intervenções individuais. Para Palmas do Arvoredo, elaborei uma análise urbanística do empreendimento, de sua inserção no contexto regional, e apresentei um conjunto de recomendações voltadas, basicamente, para tratamentos em escala humana. Todas recomendações reforçadoras da proposta urbanística existente. Na cidade Pedra Branca, participei da equipe que elaborou o plano de urbanização, coordenado pelo arquiteto Hector Vigliecca. Posteriormente, a aplicação dos princípios do Novo Urbanismo no projeto da nova centralidade reforçou e detalhou algumas diretrizes já delineadas nessa proposta geral.
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Grandes nomes
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Entrevista /// André Schmitt
Um olhar sobre as escalas
Foto: Ronald T. Pimentel
Apesar de intitular-se apenas como um “colaborador, um partícipe”, de importantes projetos em Florianópolis, André Schmitt sempre assumiu papéis fundamentais nas discussões sobre o futuro da cidade. “Sou um desenhador urbano”, diz. Envolvido como poucos com as causas que abraça, ele mantém viva a esperança de qualificar a Ilha de Santa Catarina.
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D projeto do Parque Metropolitano
iante da imponente maquete do
Dias Velho - Aterro da Baía Sul, o arquiteto e urbanista André Francisco Câmara Schmitt revela a possibilidade de uma nova Florianópolis. Há quase vinte anos, ele e mais oito colegas debruçaram-se sobre a cartografia do centro da Capital, com a assessoria de nove consultores das mais diferente competências, para estudar uma forma eficiente e viável de reaproximar o mar do cotidiano da população. Vencedora do Concurso Público Nacional de Ideias realizado em 1996 pelo Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF) e pelo departamento catarinense do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB/SC), a proposta foi além: indicou as melhores alternativas para o transporte hidroviário, aproximando os modais para qualificar a mobilidade urbana, previu novas áreas de lazer e apontou espaços nobres para construção de empreendimentos corporativos e turísticos, com bares e restaurantes na borda d´água, dinamizando e qualificando toda a região. “Engavetada” até hoje, essa era uma ideia muito inovadora para a época, talvez, como outras sustentadas por André. Contudo, todas possíveis e no nível de excelência que a cidade merece.
Entrevista /// André Schmitt Foto: Marcus Quint / Acervo Desenho Alternativo
Vista geral do Costão do Santinho Resort, projetado por André Schmitt em 1985. “Como ainda não havia o plano diretor dos balneários, tivemos que desenvolver, antes, um plano de urbanização exclusivo para toda a praia. Isso foi muito sensato”.
GNAC / Sua atuação em Santa Catarina teve início em 1972 a partir de uma demanda da rede Plaza de Hotéis. Como surgiu essa oportunidade?
GNAC / O senhor diz que logo foi “descoberto” pelo empresário Fernando Marcondes de Mattos, que planejava um resort na praia do Santinho.
AS // Eu tinha uma empresa de maquetes em Porto Alegre, onde morava. Ajudava professores e colegas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul que entravam em concursos e fazia maquetes empresariais para o meu sustento. O pessoal do Plaza perguntou se eu queria vir para Itapema para cuidar das obras da segunda etapa do hotel e nem deixei eles terminarem a frase. Eu havia conhecido todo o litoral de Santa Catarina em 1964, no primeiro ano da faculdade, em uma excursão com mais dois colegas da Arquitetura e dois do Direito. Fomos de ônibus até Itajaí e percorremos o litoral até Torres (RS), a pé ou de carona. Levamos um mês e meio e eu fiquei encantado.
AS // Fui agraciado com essa oportunidade de participar de um projeto com tantas escalas. Chegamos a desenhar, por exemplo, até o banco Leme, do rancho do pescador! Começamos a planejar o Costão do Santinho com uma proposta para toda a praia, porque naquela época só existia a lei do plano diretor da área central de Florianópolis, permitindo apenas residências nos balneários. Assim, foi estabelecido que, para começar a pensar em qualquer projeto, seria necessário um plano de urbanização exclusivo para as pequenas praias que estão para o mar aberto, como Santinho, Galheta, Praia Brava, com menos de dois quilômetros.Depois disso,
No Plaza, foi uma grande experiência de canteiro de obras, erguendo marina, centro de eventos, durante dois a três anos. E foi a minha introdução na área do turismo.
Não existe um prédio isolado em um terreno. quem tem olhar treinado, abre mais a escala.
passamos para a escala do conjunto do complexo que ocuparia uma área de 1 milhão de metros quadrados no setor sul da praia. Dali para a escala da arquitetura e do design, voltando para a escala de paisagem, com planos de roteiro para caminhadas, como eu tinha feito na Lagoa da Conceição alguns anos antes. GNAC / Quais foram os ganhos para o bairro a partir dessa intervenção? AS // Primeiro, um espaço de 660 mil metros quadrados totalmente preservado e que, mais tarde, foi transformado na primeira RPPN, Reserva Natural do Patrimônio Natural, da Ilha de Santa Catarina. Uma autolimitação proposta pelo próprio empreendedor. Outro ganho foi o desenho da região, que deu um padrão de qualidade e de boa relação de ocupação para a praia. E isso depois continuou. Outros empreendimentos vão chegando e tentam se estabelecer com esses padrões. GNAC / Pouco depois o senhor assumiu um cargo público nessa área, como secretário de Turismo de Florianópolis em 1986. AS // Edson Andrino foi uma das primeiras pessoas que conheci na cidade, quando ele ainda era vereador (1973-1977 e 1978-1982). Eu o ajudava com projetos, com novas visões sobre a cidade. Quando assumiu a prefeitura, ele me convidou para participar do seu governo na secretaria do Turismo. E eu entrei em outro mundo. Quando descobri esse fenômeno que é a relação do turismo com o espaço, comecei a estudar com afinco. De todas as atividades econômicas que existem, a única que faz com que a pessoa se desloque até o produto para usufruí-lo e consumí-lo é a do turismo. As pessoas são movidas pela atratividade existente no espaço físico, natural e cultural. Por isso, é preciso pla-
nejar a cidade para quem mora nela para que seja atrativa também para quem vem visitar. Você começa a entender que isso faz parte de um planejamento macro, que se reflete no espaço. Nesse período, também, decidimos por pastas próprias para Esporte e Cultura, áreas que integravam a mesma secretaria do Turismo. Criamos a Fundação Cultural Franklin Cascaes e uma das mais importantes ações foi o fechamento do vão central do Mercado Público para o trânsito de veículos. Ali instituímos o espaço cultural Luiz Henrique Rosa, a verdadeira sala de visitas de Florianópolis. GNAC / Qual deve ser o papel do gestor para que a cidade se desenvolva com qualidade, em harmonia e em equilíbrio? . AS // O gestor público deve entender que a questão do espaço físico é fundamental. Planejamento é também saber integrar. É o maestro conduzindo para a orquestra tocar a mesma música. Não adianta cada secretaria planejar suas obras separadamente. Ele deve contar com uma equipe predominantemente técnica e respeitá-la, para que as questões técnicas deem base para as decisões políticas. Quem consegue manter a questão do espaço físico em pauta permanente vê a cidade se transformar. GNAC / Que exemplos o senhor citaria?
Detalhamento da Estação Sapiens Parque, no Norte da Ilha. Essa é uma das três que compõem o projeto do Jardim Botânico de Florianópolis, coordenado por André Schmitt.
Imagem: Studio Methafora / Divulgação
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Entrevista /// André Schmitt
AS // É o caso de Curitiba, com o Jaime Lerner (arquiteto e prefeito da cidade por três vezes, entre os anos de 1971 e 1992). E do Rio de Janeiro, com o Conde (arquiteto Luiz Paulo Conde, secretário de Urbanismo de 1993 a 1996 e prefeito entre 1997 e 2001). Também há experiências vitoriosas em Fortaleza (CE), em Minas Gerais e outras em Porto Alegre (RS). Em Santa Catarina, temos a experiência de Joinville e, mais recente, de Blumenau Não conheço em profundidade, mas vejo o IPPUJ (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Joinville) com um olhar sobre o território que não temos em Florianópolis. GNAC / Medellín é uma grande referência? AS // Eu me encantei pela cidade. O prefeito Fajardo (Sergio Fajardo, prefeito entre os anos de 2004-2007) resolveu problemas sérios, com diversos programas, mas a valorização do espaço público foi fundamental. Através da educação e do planejamento, com foco integrado em várias áreas, levou parques, bibliotecas, teleférico, mobilidade urbana e chances de emprego às regiões deterioradas, antros da criminalidade. Em poucos anos, transformaram Medellín e conseguiram fazer do espaço público um dos melhores da Colômbia e uma das experiências mais bonitas que temos na América Latina. GNAC / Como deve ser a relação com a sociedade sobre as mudanças previstas para a cidade e os grandes projetos em curso? AS // Se não trouxer à tona as propostas técnicas, a arquitetura, o espaço desenhado, maquetado, os leigos não têm como avaliar. Foi-se o tempo em que planejamento era fazer manchas e densidades coloridas sobre um mapa. Hoje eu tenho que entender de tudo, da volumetria à dinâmica – o que vai acontecer na região com aquela interferência. Quando se está sabendo as regras, com transparência, é mais fácil trabalhar. Isso são normas e o Estatuto das Cidades prevê isso. Ainda es-
tamos aprendendo a importância do planejamento ser participativo. No entanto, temos de ter claro que a assembleia popular é alimentadora e até definidora, mas não prescinde da questão de projeto técnico e de desenho do território. Para as pessoas poderem participar de forma mais eficiente, mais qualificada, deve existir um projeto para ser visualizado. Em Paris, por exemplo, os projetos ficam em exposição no Pavilhão do Arsenal por três meses para conhecimento da população. Dos últimos que vi, o Rio Sena era tratado como elemento estruturador da paisagem. E aí vemos como a prefeitura de lá corre na frente, envolvendo-se no macroplanejamento da região e até em ações de desenhos específicos de mais de 20 pontos sobre o rio, que hoje estão em implantação. GNAC / Parecia que algo nesse nível aconteceria em Florianópolis há quase 20 anos quando a prefeitura propôs o Concurso Nacional de Ideias para a revitalização do aterro da baía sul? AS // Ganhamos e o projeto está engavetado até hoje. É uma pena. Considero esse um dos projetos mais significativos do qual participei, feito em parceria entre nove arquitetos, de diversas procedências - da universidade, do mercado, de estatais. Passamos mais de um mês discutindo, trabalhando o conceito, com a consultoria de nove profissionais, entre engenheiros, geólogos e economistas, e outros três meses desenhando. Em resumo: o aterro rodoviarista das décadas de 70,80, estabeleceu o desquite da cidade com o mar. Promover esse reencontro era algo importante para nós. Fizemos isso com dois eixos e dois movimentos. O eixo da antiga linha d´água, junto ao Mercado Público, cruzado pelo eixo da cidade ao mar, que inicia na Praça XV. E os movimentos: do mar entrando para ocupar uma parcela do seu espaço e, do outro lado, a cidade descendo sua trama até a nova linha d´água.
“Convidados pelo poder público, há três anos vínhamos colaborando na elaboração do Plano Diretor de Florianópolis e tudo foi posto para baixo do tapete para se começar algo novo. Coloquei uma carga horária técnica grande para colaborar nesse plano. Agora, estão dando continuidade, mas perdemos um tempo precioso. É importante para os profissionais, para o mercado, que se estabeleçam logo as regras. A cidade está a reboque, sem premissas claras de trabalho. Estamos, no mínimo, há cinco anos sem uma base de trabalho. O plano está defasado dez anos e não está estabelecido. Pior ainda, trabalha com emendas pontuais que vão atender interesses individuais. Isso vai deteriorando e afastando a possibilidade de termos acupuntura boa, irradiadora de coisas.”
Foto: Ronald T. Pimentel
Da sacada do seu escritório, no Centro, André tem o visual do aterro da baía sul, mote do que considera um dos seus mais significativos trabalhos. “O reencontro da cidade com o mar era algo muito importante para nós”, lamenta.
aterro não vai ter vida se não for ocupado, com gente. Com essa proposta, o centro seria revigorado naturalmente e elevaria a autoestima da população. GNAC / Há 45 anos no mercado, o senhor mantém um ritmo de trabalho intenso à frente do escritório Desenho Alternativo e ainda reserva tempo para “pensar” Florianópolis, participando das discussões
o espaço público não pode ser como algo que “sobrou” do privado. ele deve ser estruturador da cidade, qualificado e farto.
O eixo da Praça XV seria uma grande “rambla” (rua larga e com intensa movimentação de pedestres a exemplo de Barcelona, na Espanha) em direção ao mar, com bares e restaurantes abrigados da força do vento Sul e uma marina. As barcas do sistema hidroviário planejado entrariam nessa grande praça d´água criada no coração da cidade, desembarcando os passageiros próximo ao terminal central de ônibus. Integraríamos os sistemas, aproximando os modais. A trama da cidade ao mar era o segredo para viabilizar o investimento de 300 milhões de dólares que provavelmente seriam necessários, pois atrairia a iniciativa privada para a construção de hotéis, de estacionamentos subterrâneos, de edifícios corporativos, pois temos a fibra ótica passando ali. Como isso aconteceria? Numa grande ação consorciada. Um projeto feito pelo governo com capital privado. Quando começamos a falar nisso, não se conhecia essa possibilidade, já bastante comum na Europa. Hoje ainda conseguiríamos fazer algo perto disso, compatibilizando alguns dos outros projetos que vieram depois. O
do novo Plano Diretor e, também, na coordenação do projeto do Jardim Botânico. AS // Nunca fiquei de fora, sempre colaborei. Identificamos regiões para a criação de microcentralidades, com áreas de maior densidade. Elas deverão ser estruturas ao longo da SC 401, tanto para o Sul como para o Norte, até o Sapiens Parque, elemento revolucionário que será dinamizador do crescimento da Ilha. Lá deve sair a primeira das três estações do Jardim Botânico. Cada uma é uma “viagem” linda, planejadas por nós e pelas equipes da Marchetti + Bonetti, do Studio Methafora e da Biosphera, com a consultoria do arquiteto Nelson Saraiva da Silva e do botânico Ademir Reis. Sonhamos alto, do tamanho da nossa cidade. Asseguro que vale a pena batalhar por esse projeto inovador para Florianópolis.
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Grandes nomes
da arquitetura catarinense
Entrevista /// Norberto Sganzerla
Foto: Cleber Gomes
Quando os limites do lote são extrapolados, a arquitetura é transformada em urbanismo. Esse é o lema de Norberto Sganzerla. “Projetos inteligentes conectam-se entre si.”
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o cotomia de viver no presente tendo
s arquitetos e urbanistas vivem a di-
de se preocupar com o futuro. “Esse é um cenário geralmente insuportável para os políticos demagogos de tiro curto”, ressalta o arquiteto e urbanista Norberto Sganzerla. E arremata: “planejamento é algo que irrita os imediatistas”. Ele conhece bem a complexidade de planejar uma cidade diante de tantos interesses. Desde 1988 ocupa cargos públicos nessa área – de diretor de serviços urbanos em Joaçaba, sua cidade natal, a assessor técnico no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC) – “essa experiência eu considero minha pós-graduação”. Em Joinville, soma dez anos de dedicação ao planejamento da cidade: foi presidente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Joinville, secretário-adjunto e diretor geral da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional e diretor executivo da Prefeitura. Em agosto de 2010 assumiu a secretaria de Infraestrutura e Urbanismo em São Francisco do Sul. Para ele, o segredo do sucesso está em transformar a arquitetura em urbanismo. “Se o trabalho de um urbanista for de qualidade, até na segurança pública haverá reflexos.”
A favor da interconexão
Foto: Alexandre Braga/Imprensa SFS / Divulgação
Entrevista /// Norberto Sganzerla
GNAC / Quando o senhor começou a se interessar por arquitetura? NS // Eu sempre gostei muito de desenhar, era algo natural para mim. No colégio, fiz uma disciplina chamada Técnicas Industriais, com aulas de marcenaria e desenho. Mais tarde, no segundo grau, convivendo com minha irmã já estudante de arquitetura, tive contato com a faculdade e acabei decidindo seguir essa carreira. Foi uma trajetória natural. (Norberto formou-se em Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal do Paraná) GNAC / E como ingressou na vida pública? NS // Totalmente por acaso. Eu não tinha pretensão de trabalhar para o município, mas atuei no Departamento de Urbanismo de Joaçaba e comecei a ter mais contato com planejamento urbano, com plano diretor, com gestão urbanística. GNAC / De Joaçaba para Curitiba (PR), como foi essa transição?
NS // Curitiba não criou algo inédito, mas valorizou bastante essa escola de urbanismo que respeita as tradições e a escala local das cidades. Por isso, foram evitados viadutos e nenhuma rodovia passa por dentro da cidade. Quem começou a praticar isso foi o (arquiteto) Jaime Lerner, que, como prefeito, conseguiu implantar os projetos na prática. Por exemplo, eles transformaram o ônibus em metrô de superfície; as praças, em parques; e quando ninguém falava ainda em ciclovias, já se criava uma rede cicloviária interligando os parques. E sempre houve um acompanhamento contínuo do Plano Diretor, ou seja,
AS DESAPROPRIAÇÕES DEVEM SER EVITADAS, E NÃO INDUZIDAS. QUANDO OCORREM, É FALTA DE PLANEJAMENTO OU DE INTELIGÊNCIA DO ADMINISTRADOR.
NS // Recebi um convite para trabalhar lá, também com projetos e acabei fazendo parte da equipe do IPPUC, que eu considero minha pós-graduação. Considero o Instituto de Curitiba a melhor escola do Brasil. Ele foi criado em 1965 e é renomado por sua trajetória, seu currículo. E por seguir uma escola de urbanismo que é muito respeitada no Brasil e na América Latina, que leva em consideração o desenvolvimento das cidades em respeito à escala a aos valores locais. GNAC / Como o IPPUC influenciou o desenvolvimento de Curitiba?
o fato de existir esse Instituto e de ele ser atuante, levou o planejamento urbano a um nível de governo extremamente alto. Quase todos os prefeitos de Curitiba foram oriundos de lá, e foi assim durante muito tempo. Eu consegui, nesse período, fazer parte de uma grande equipe, com grandes profissionais, em que foram feitos grandes projetos. GNAC / Essa sua experiência contribuiu para o trabalho realizado no IPPUJ? O senhor conseguiu implementar em Joinville o que viu e viveu em Curitiba? NS // Eu acredito que sim. O IPPUJ estava surgindo, com apenas cinco anos de
Assim como o Complexo
Foto: acervo pessoal arq. Norberto Sganzerla
existência. Quando o Luiz Henrique (da Silveira) se elegeu como prefeito, foi até o IPPUC buscar um profissional. Pelo perfil que ele passou para o Jaime Lerner – um profissional catarinense, com certa experiência e jovem – eles me recomendaram. Eu tinha 34 anos e muita vontade de trabalhar. Então eu vim e a gente se entendeu. Ele disse: “você é o cara, assume amanhã”, e me deu esse desafio: assumir o Instituto de Planejamento Urbano de Joinville. Fiquei seis anos e meio e foi um período muito legal. Eu nunca tinha imaginado trabalhar aqui, embora seja catarinense, mas essas coisas vão ocorrendo com naturalidade. A vida é um desenho espontâneo que o próprio tempo se encarrega de traçar. GNAC / Quais os principais projetos implementados nessa época? NS // Fizemos o Centreventos (Complexo Centreventos Cau Hansen), desenhamos o projeto da rede de parques interligada por ciclovias, que acabou sendo financiado pelo Fonplata (o Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata). Nossa equipe ficou à frente até 2002, quando iniciamos as negociações em Brasília. Nessa época também fizemos a recuperação da Estação Ferroviária, graças a um programa do BNDES. Outro projeto importante foi a integração do siste-
ma de transporte coletivo, baseados num modelo que já estava sendo desenhado. Foi nesse período que projetamos as Estações da Cidadania e criamos um projeto que resultou na integração total do sistema de transporte coletivo, que era um desejo da cidade e da administração da época. Se fôssemos displicentes e desinteressados, talvez as estações fossem apenas uma cobertura qualquer para os ônibus. Porém, como tínhamos absorvido toda a experiência de planejamento do IPPUC começamos a desenvolver projetos de melhor qualidade em Joinville.
Centreventos Cau Hansen, as Estações da Cidadania tiveram seus projetos selecionados e apresentados na 4a Bienal Internacional de Arquitetura, em 1999, em São Paulo. Ao lado, o Centro Histórico de São Francisco do Sul, revitalizado pelo programa Monumenta.
GNAC / Por que o senhor diz que essa foi uma obra fundamental para Joinville? NS // Por que beneficiou toda a população. O transporte mexe com toda a cidade. Desenvolvemos um novo desenho para os ônibus, uma nova comunicação visual, implementamos a bilhetagem automática, foi criado o desenho das Estações da Cidadania, feita a reforma da Estação Central. Além disso, também desenvolvemos um grande projeto viário, um conjunto enorme de propostas viárias que acabaram sendo financiadas pelo BNDES. Elas resultaram em obras importantes que faziam parte da modernização do sistema do transporte coletivo, como é o caso das avenidas Marques de Olinda e Paulo Schroeder e da ponte Mauro Moura. GNAC / Qual a sua opinião sobre o sistema de transporte coletivo atual de Joinville e as discussões a respeito da mobilidade urbana na cidade? NS // Eu me afastei disso em 2003 e percebo que houve uma descontinuida-
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Entrevista /// Norberto Sganzerla
de administrativa dentro da prefeitura. Entregamos os equipamentos construídos, algumas obras viárias que eram importantes naquela época, mas não se evoluiu mais. Implantamos dois programas de modernização do sistema de transporte pelo BNDES, e preparamos o terceiro que, infelizmente, não conseguiu ser efetivado. Em decorrência dos desdobramentos políticos, esse programa acabou não sendo contratado pelo Estado. Perdeu-se o foco com relação à mobilidade.
“Embora Joinville seja uma cidade litorânea, sempre esteve de costas para a Baía da Babitonga, um dos estuários marinhos mais ricos e belos de nosso Estado. Era necessário ter uma ‘janela’ para o mar, como dizíamos na época (referindo-se ao Parque Porta do Mar). Em pouco tempo, sairá dali a lancha de passageiros para São Francisco do Sul, que será o primeiro sistema público
GNAC / A política atrapalha? A falta de uma equipe técnica contínua atrapalha?? NS // Atrapalha e muito. O que está acontecendo hoje? Não existe mais um Instituto de Planejamento Urbano definindo e propondo obras. A maioria das obras está sendo definida de acordo com a opinião pessoal e particular do prefeito, que não tem conhecimento de causa para isso. Ele tem todo o direito de opinar, de sugerir, mas a equipe de planejamento urbano sempre deve ser consultada e respeitada. Estão deixando de levar adiante obras importantes, que já têm projetos realizados, para partir para ações novas, que não são importantes e são difíceis de serem realizadas. No passado, tivemos a oportunidade de realizar a duplicação da Santos Dumont, mas desistimos porque vimos que era inviável. Como a cidade já está toda ocupada, será muito difícil alargar as ruas, pois seria necessário investir uma fortuna em desapropriação. E esse dinheiro não existe em nenhum lugar. A desapropriação é uma situação emergencial e pontual e não deveria acontecer. GNAC / Qual a origem do problema? NS // O Plano Diretor de Joinville foi feito em 1964, com muita qualidade, pelo arquiteto Jorge Wilheim, que também fez
o Plano Diretor de Curitiba e de Goiânia. Porém, enquanto Curitiba começou a implantar rapidamente as primeiras obras, Joinville guardou o plano e só começou a pensar em obras praticamente dez anos depois, quando quase todos os principais eixos viários já haviam sido ocupados. Na época em que se tinha mais recursos e muita facilidade de executar as obras, deixou-se de desenvolver obras estruturais no sistema viário de Joinville, como a Marques de Olinda duplicada, a continuação da Beira Rio, os principais eixos, Norte-Sul, Leste-Oeste. Tem que ter um sistema viário formado. Falta trabalhar a cidade como um todo. Os projetinhos isolados não vão resolver os problemas de mobilidade. GNAC / E qual é a saída? NS // O transporte no Brasil, hoje, é o único programa urbano que tem muito recurso para ser aplicado, seja pelo próprio Ministério das Cidades ou através do BNDES. Então, para que uma cidade possa ter sua mobilidade resolvida, ela precisa de uma estrutura permanente de desenvolvimento de projetos de transporte. Isso não pode parar nunca, tem
Foto: Cleber Gomes
de transporte hidroviário em Santa Catarina. Esses projetos começaram a ser desenvolvidos em 2001 e, passados 13 anos, as obras dos parques estão em implantação. Na época, poucos acreditaram que poderiam sair do papel. O planejamento é algo que irrita os imediatistas, pois nada acontecerá no curto prazo. Porém, sem ele não haveria futuro nas cidades”.
muitOs prefeitos não tÊm confiança no Instituto de Planejamento Urbano ou não querem que o Instituto seja mais importante do que eles. E ACABAM DEFININDO, DE FORMA PONTUAL E POLÍTICA, AS OBRAS A SEREM FEITAS NA CIDADE.
que ser um atrás do outro. Através desses projetos, é possível melhorar a cidade como um todo, pois vai possibilitar a construção de obras viárias e de obras de urbanização, já que essas também são aceitas nos programas de transporte. GNAC / Em São Francisco do Sul a realidade é outra. Quais foram os desafios?
“A revitalização da estação ferroviária é um projeto emblemático porque marca a evolução dos transportes no início do século XX”, diz Norberto.
NS // Eu confesso que começamos do zero; não tinha absolutamente nada. Juntamente com a equipe que tinha lá conseguimos dar início ao trabalho a fim de que a cidade pudesse fazer a gestão das obras dos projetos do Plano Diretor, que era antigo e nem era conhecido da população. Ao levarmos a sério o Plano Diretor, conseguimos refazer a cartografia do município e disponibilizá-la no site da Prefeitura.Conseguimos também fazer a lei da Outorga e estamos, agora, na fase final do georeferenciamento do cadastro imobiliário. Consolidamos o licenciamen-
to ambiental e desenvolvemos uma família imensa de projetos padronizados. Colocamos em dia praticamente todos os projetos de pavimentação necessários, pois sem eles não se consegue captar recursos. Estamos implantando um programa do Badesc, que já está aportando R$ 5 milhões em investimentos em pavimentação.Em relação ao programa Monumenta, iniciado havia 12 anos, organizamos uma equipe técnica para coordenar os projetos e intercâmbios técnicos entre o Iphan e o Governo Federal e conseguimos finalizar a revitalização do Centro Histórico. São Francisco deu uma respirada e passou a ter o perfil de uma cidade nova e evoluída. Dá orgulho ver tudo isso. GNAC / Quais os novos desafios do urbanista? NS // Trazer as pessoas para as ruas é fundamental. Se esvaziarmos as ruas, nunca teremos segurança nas cidades. Esse é o paradigma que devemos seguir.
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Foto: Patrick Artmann
Entrevista /// Rodrigo Althoff Medeiros
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A cidade de Tubarão sempre esteve no foco do arquiteto e urbanista Rodrigo Althoff Medeiros. A origem, o crescimento e a expansão territorial do município foram objetos de pesquisa acadêmica. E o desenvolvimento ordenado tornou-se uma meta durante a carreira pública.
Reforma urbana, já!
M to de guerra” de um arquiteto e urbanista ais dinheiro para os municípios. Esse é o “gri-
que já viveu as agruras de esperar a boa vontade do Estado e da União para projetos locais importantes quando participou do governo municipal de Tubarão. Entre 1989 e 2000, atuou como secretário adjunto de Desenvolvimento Urbano, secretário de Planejamento, vice-prefeito e prefeito em exercício. “Quando ficamos a mercê de interesses políticos, estamos sujeitos a barganhas; ao interesse partidário em detrimento do interesse do cidadão”, diz Rodrigo Althoff Medeiros, sem meias palavras. Crítico, instigador, inquieto, afastou-se da vida pública há dez anos, quando encerrou seu mandato de vereador. No ano seguinte, fundou a empresa Arco A e assumiu a coordenação do curso de Arquitetura e Urbanismo da Unisul, em Tubarão, da qual é professor titular desde 1999. Porém, faz questão de se manter atuante na defesa da qualificação dos espaços coletivos, participando ativamente do Conselho da Cidade. “É nas áreas públicas que as pessoas gostam de socializar. Temos que trazer à tona a importância desses pulmões verdes da cidade”.
Entrevista /// Rodrigo Althoff Medeiros
GNAC / Em sua trajetória, o senhor contabiliza 700 projetos na área de arquitetura e urbanismo desde da sua graduação, em 1983. Quais foram os mais marcantes?
é preciso dobrar o fundo de participação dos municípios. Só a partir de então a reforma urbana irá ocorrer e eles ficarão mais fortes.
RAM // Sem dúvida, o do Plano Diretor de Tubarão, do qual participei como coordenador técnico, em 1992. Seria o segundo Plano Diretor da cidade, pois o que estava em vigor era de 1969. Foi uma grande experiência em planejamento urbano. Também coloquei em prática alguns projetos de impacto urbano, como a nova rodoviária de Tubarão, o Centro Municipal de Cultura - Museu Willy Zumblick e uma nova avenida de acesso à cidade. Como vereador, elaborei uma série de legislações pertinentes, como a lei do ruído urbano e a da comunicação visual da cidade, para que as ruas ficassem esteticamente mais limpas, com uma paisagem melhor.
GNAC / Como foi a implantação do Plano Diretor de Tubarão e o de Araranguá, que o senhor também coordenou? RAM // Para o de Tubarão, montamos uma equipe com dez profissionais e, durante um ano, fizemos o levantamento topográfico de toda a cidade. Elaboramos o plano diretor e o encaminhamos à Câmara de Vereadores, onde foi aprovado e implantado. O plano ficou 20 anos em vigor. Foi uma experiência riquíssima. Para o de Araranguá, em 2002, também montamos uma equipe de arquitetos e urbanistas e professores. Ele não foi aprovado na íntegra, mas serviu de base para o que foi adotado na legislatura seguinte, com algumas adequações. GNAC / Quais foram as principais questões trabalhadas nesses dois projetos? RAM // Em Tubarão, a prioridade era a ordenação do uso e da ocupação do solo, permitindo que a cidade se verticalizasse onde houvesse estrutura suficiente para que pudesse se expandir, além de ordenar o crescimento homogêneo do município com diversidade de funções em todas as zonas de uso. Em Araranguá foi um pouco diferente porque a necessidade de verticalização era menor. A cidade possuía muitas avenidas largas que permitiam a expansão em todos os bairros; porém, lá, a expansão foi um pouco menor. Tanto em Tubarão como em Araranguá, as legislações que vigoravam, como o códi-
Fotos: Acervo pessoal arq. Rodrigo Althoff Medeiros
GNAC / O Parque Ambiental Jorge Lacerda e o Parque Urbano do Aeroporto são outros projetos de destaque em sua carreira. Como eles foram planejados? RAM // No local onde está o Parque Ambiental Jorge Lacerda havia uma bacia de decantação de cinzas de carvão. É uma área de 400 mil metros quadrados. A Unisul, através da Faepsul e da Tractebel, desenvolveram esse projeto entre 2007 e 2009, com uma equipe multidisciplinar de 18 profissionais. Depois de quatro anos, o espaço foi entregue à população, com ciclovias, área para caminhadas, lago, centro de cultura e sustentabilidade, teatro com forro anti-chamas e local para exposições. O Parque do Aeroporto ocupa uma área de 21 hectares que estava degradada. A Unisul, a Prefeitura de Tubarão e o Exército desenvolveram o projeto, de 2006 a 2008, do qual participei ativamente como coordenador geral. Ele prevê áreas de uso cultural, arena multiuso de cultura e esportes, um grande espelho d’agua, ciclovias, churrasqueiras coletivas, área para piquenique, bosques, área para caminhada, quadra de vôlei, basquete, futebol suíço, posto de polícia civil, e feiras de produtos artesanais e regionais. A previsão de entrega da arena multiuso é de seis meses. Já a conclusão total deve ocorrer até 2017.
go de obras, eram do final da década de 50. Adequamos os códigos, permitindo melhor qualidade de vida para o cidadão a partir do momento em que começamos a definir questões como, por exemplo, a área quadrada mínima de cada unidade residencial ou de cada comércio, a necessidade das vagas de estacionamento e de garagem em todos os edifícios e a quantidade de pontos de luz em cada cômodo.
Parque Ambiental Jorge Lacerda, em Capivari de Baixo, inaugurado em outubro de 2013. Na página anterior, detalhe da rodoviária de Tubarão.
GNAC / O senhor costuma defender a realização de uma reforma urbana. Qual a sua proposta? RAM // Eu levanto a bandeira da Reforma Urbana, Já! com ressalvas. Alguns burocratas de Brasília pintam um quadro bonitinho de uma reforma urbana que nunca vai ocorrer a não ser que aconteça a descentralização dos recursos financeiros. Para mim, a reforma urbana passa pela revisão do pacto federativo e pela reforma política do Brasil. As cidades não têm que ir com o ‘pires na mão’ a Brasília para pedir dinheiro. Laguna, por exemplo, teve que pedir dinheiro para reformar o seu
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Entrevista /// Rodrigo Althoff Medeiros
Mercado Público. Em Tubarão, temos um projeto de drenagem urbana da margem esquerda do rio com dinheiro do PAC 2 ou do PAC 3. Está errado ter que pedir dinheiro em Brasília para a cidade não ficar alagada. Essas são obras municipais e o município deveria ter recursos próprios para alocar, sem depender do ‘Poder Central’. A pirâmide de recursos no Brasil está errada, invertida. A reforma política e revisão do pacto federativo implicam em distribuir o bolo de maneira equânime e mais justa. Dos impostos que pagamos, 65% vão para Brasília, 23% vão para o Estado, e somente 12% ficam no município, que é onde vivem as pessoas. Eu vou ajudar a levantar essa bandeira, e creio que todos os arquitetos e urbanistas do Brasil vão conseguir levantar também. A nossa proposta é dobrar o fundo de participação dos municípios. Só a partir de então a reforma irá ocorrer e os municípios vão ficar realmente mais fortes implantando os projetos que a população tanto exige. Criar parques urbanos, dotar de infraestrutura com mobilidade e acessibilidade vão ao encontro da promoção de melhor qualidade de vida para o cidadão.
RAM // Se já houvesse sido implantada uma reforma urbana, e se os municípios tivessem dinheiro, talvez eles tivessem mais poder do que os empreendedores privados. O vetor de crescimento das cidades, na maioria das vezes, é determinado pelo empreendimento privado. E deveria ser o contrário. Não vejo isso de forma negativa. No entanto, o aspecto negativo é que os interesses da comunidade como um todo podem, às vezes, serem deixados de lado. Cabe ao poder público equilibrar essa balança.
Todos os municípios estão empobrecidos e dependendo do Estado ou da união para resolverem oS seus mínimos problemas. Eles tiram leite de pedra.
GNAC / Nesse sentido, como fica a relação entre o planejamento do município e o dos empreendimentos privados?
GNAC / Qual é o papel do gestor municipal?
RAM // O papel do gestor é pensar que a saúde, a educação e a segurança, que são obrigações do Estado, têm que serem atendidas, mas isso é apenas o essencial e obrigação direta. É preciso pensar nas necessidades das pessoas como um todo, de forma holística. Um gestor inteligente, um gestor do século XXI, deve aproveitar, ao máximo, administrar o recurso disponível para permitir uma expansão planejada da cidade, investindo em planejamento, principalmente em ações de médio e longo prazos. No urbanismo, é muito ruim improvisar e, muitas vezes, a improvisação leva ao desordenamento dos sistemas. O País precisa de uma reforma política. E isso vai melhorar o aspecto do planejamento urbano porque, hoje em dia, o gestor público municipal é pouco cobrado. Os planos não têm continuidade porque, quando um assume o cargo, os planos que o anterior fez deixam de vigorar. Aliado a isso, existe
Rodrigo Althoff é autor do livro “Cidades em Crescimento - a influência da Ferrovia Tereza Cristina nas cidades do Sul”, fruto do seu mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Santa Catarina (2006). “Eu via de maneira muito clara que, de Imbituba, onde iniciou a ferrovia, até Araranguá, entre 30 e 40 municípios tiveram toda a sua história e seu desenvolvimento ligados à ferrovia. A cidade de Tubarão foi fundada em 1870; a ferrovia chegou em 1880. O livro trata de aspectos econômicos, mas, principalmente, da morfologia urbana provocada pela ferrovia nesses núcleos e que acabou por influenciar em todos os outros sistemas de infraestrutura urbana e social que impactam na vida das pessoas. É a partir desses estudos que podemos começar a planejar melhor o futuro das cidades”.
“Quem para no tempo deixa de evoluir e perde tempo. Eu ainda não cheguei aonde queria. Não há fim de linha.”
pouca cobrança por parte do cidadão por desconhecimento dos projetos para sua cidade. Um simples livrinho sobre o Plano Diretor poderia ser disponibilizado para a população, e, a partir daí, os gestores seriam cobrados sobre a continuidade dos projetos. Em Tubarão, conforme prevê o Estatuto das Cidades, existe um Conselho da Cidade, do qual eu faço parte. Cerca de 25 entidades representam os cidadãos neste Conselho. O fortalecimento desses órgãos vai permitir que se tenha uma continuidade de planos e ações e, consequentemente, uma cobrança maior do gestor. GNAC / O que poderia ser melhorado? RAM // Existem algumas deficiências. Na parte de loteamentos, onde ocorre a expansão urbana, o cidadão conhece muito pouco as regras que o norteiam. O cidadão passaria a ser o fiscal da cidade na medida em que a informação fosse mais ampla, com legislação mais simplificada. O poder público é pequeno para fiscalizar e a cidade é de todos, com o arquiteto assumindo seu papel de profissional protagonista nas questões urbanas.
Foto: Patrick Artmann
GNAC / E qual é o papel do arquiteto? RAM // O arquiteto é o profissional mais preparado para enxergar, analisar, diagnosticar e propor, apontar os rumos da cidade. Os nossos arquitetos estão preparados para isso. Para os que reclamam de ter pouco poder de participação, pouca voz ativa na sociedade, eu digo o seguinte: participe da política, do Conselho das Cidades. Um determinado gestor pode tomar uma decisão por pressões políticas e, às vezes, pode estar indo na contramão do que a comunidade precisa. O urbanista não. Ele enxerga a cidade como um todo, tanto nos aspectos físicos como nos sociais. Edifícios bonitos, com áreas públicas qualificadas, formam uma cidade agradável e o cidadão merece uma cidade assim.
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Expediente ///
Produção editorial e ideia original
Letícia Wilson Colaboradores: Entrevistas
Adecir Pereira de Morais, Cilene Macedo, Fabrício Umpierres Rodrigues, Josi Tromm Geisler e Verônica Tomasoni Planejamento Urbano 1ª edição
Fotografias
Cleber Souza Gomes, Marcelo Stammer, Patrick Artmann, Ronald T. Pimentel e Susana Küster Projeto gráfico e diagramação
Andrezza Nascimento Impressão
Gráfica Coan 2.000 exemplares Comitê editorial
Arquitetos e urbanistas Daiane Regina Valentini (Unoesc), Janio Vicente Rech (Univali), Maurício Andriani e Fernanda Menezes (Unisul), Milton Luz da Conceição (UFSC), Ricardo Fonseca (AsBEA/SC) e Vânia Burigo (IAB/SC) Capa
É permitida a reprodução parcial ou total dessa obra para fins educacionais e para a sua divulgação, desde que não sejam alterados os textos e que seja citada a fonte. Os conceitos e opiniões expressas são de responsabilidade de seus autores. Direitos reservados a Santa Editora e Comércio de Livros Ltda.
Realização:
Projeto vencedor do Concurso Público Nacional de Ideias para o Parque Metropolitano Dias Velho - aterro da Baía Sul de Florianópolis, promovido pelo Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF/PMF) e pelo departamento catarinense do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB/SC). Equipe/coautores: André Schmitt (coordenador), Daniel C. Rubio, Lisete Assen de Oliveira, Nelson Saraiva da Silva, Maria Elizabeth Rego, Maria Ines Laurentino, Raul Pargendler, Ricardo Monti e Valdir H. Secco. Imagem: Acervo Desenho Alternativo.
ISBN
978-85-68658-00-0 www.grandesnomes.arq.br
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