INFORMATIVO SB&A
O USO INDEVIDO DO CARTÃO TRANSPORTE E O PODER DISCIPLINAR DO EMPREGADOR
Não raras as vezes ocorre de a empresa fornecer o Cartão Vale Transporte para o funcionário e, posteriormente, vir a descobrir que o obreiro está fazendo uso inadequado do crédito realizado única e exclusivamente para fins de transporte. A fiscalização de tal situação não é fácil, exigindo uma verdadeira investigação, que irá envolver uma eventual declaração de endereço falso, endereço propositalmente desatualizado, empréstimo do cartão, venda dos créditos, utilização do cartão para aquisição de produtos nos comércios, trajeto de ida e vinda ao trabalho feito de carona ou com veículo próprio, etc.
E muitas vezes o empregador não sabe com proceder diante de um quadro dessa natureza, e preferem fazer “vistas grossas” e fingir que não sabem que boa parte dos vales transporte, cujo preço custeiam em até 94%, está indo pelo ralo na mão de alguns maus empregados que nem se dão conta de que podem ser demitidos por justa causa. Ao fingirem não ver o problema, na prática os empregadores perdoam os faltosos e o ciclo continua.
1 | Março, 2016
O regramento geral do Vale Transporte, imposto em 1985 pela Lei nº 7.418/85 e regulamentado pelo Decreto nº 95.247/87, é bastante simples, claro e eficaz. Ali se encontram perfeitamente delimitados os direitos e deveres de empregador e empregado no que diz respeito ao transporte entre a residência e o trabalho e vice versa, desde a aquisição deste benefício pelo empregador até a forma de participação de ambos em seu custeio, passando pelo compromisso que os empregados têm de assumir para exercer seu direito ao uso: informar corretamente o endereço residencial, os meios mais adequados para ir ao trabalho e voltar para casa, atualizar anualmente estas informações e firmar compromisso de utilizar o vale exclusivamente para o fim determinado em lei. Logo, se o obreiro não necessita do benefício do Vale Transporte para promover o seu deslocamento de casa-trabalho e deste para aquele, então o empregador não estará obrigado por lei a concedê-lo. Tudo quanto desvie destas premissas, inclusive fazer declaração falsa, onerando o empregador na obrigação de fornecê-lo, é “uso indevido do vale transporte” e, nesta condição, é caracterizado como falta grave. Falta grave, como se sabe, é conduta que, a exemplo das alíneas de “a” a “l” do artigo 482 da CLT, podem refundar em rescisão ao contrato por justa causa. O empregador deveria controlar, por exemplo, os créditos de vales transporte que, contrariando o cálculo inicial, sobram para alguns empregados ao final do mês. Eles tanto podem significar fatos prosaicos que não revelam problema algum de conduta, como faltas e afastamentos, o uso de uma carona, o uso de veículo próprio quando se perde o ônibus, como sinalizar mau uso puro e simples, como mudar de endereço e não comunicar que não precisa mais de vale transporte, uso constante e corriqueiro de outro meio que não o transporte público para ir ao trabalho e dele retornar etc. A ausência de créditos no final do mês também pode significar mau uso quando se sabe que o empregado se utiliza de veículo próprio, ou vem sempre de carona, razão porque o empregador deve também estar atento: se o empregado usa veículo próprio mas não tem crédito ao final do período, pode significar que está emprestando o cartão para que terceiros os gastem, ou a conversão dos créditos em dinheiro ou combustível, eventuais compras, etc.
2 | Março, 2016
O fato é que tomar conhecimento dos desvios de finalidade, das informações falsas – uso indevido, enfim – e não tomar providências significa perdoar os abusos. Assim, o que a empresa pode fazer sobre a questão é emitir comunicado geral sobre a correta utilização do Vale Transporte, citando a legislação, bem como alertar que a constatação de irregularidades poderá acarretar a dispensa por justa causa. As condutas devem ser coibidas, senão com rescisão do contrato por justa causa logo na primeira vez – que o empregador pode achar muito severo, mas tem direito de fazêlo – ao menos com advertências verbais e escritas, suspensões, suspensões agravadas e, quando nada der resultado, com rescisão por justa causa, não só por ato de improbidade (alínea “a” do art. 482 as CLT), mas também, e especificamente, por uso indevido de vale transporte (conduta prevista no §3º do art. 7 º do Decreto nº 95.247/87). Com uma coisa o empregador pode contar: basta começar a sinalizar o enrijecimento da administração no trato com a questão que os abusos ou se resolvem ou se reduzem ao mínimo possível. Como decidem os Tribunais: “TRT-PR-20-09-2013 DESVIO DE RECURSOS PARA PROVEITO PRÓPRIO. IMPROBIDADE. JUSTA CAUSA CONFIGURADA. ARTIGO 482, "a", CLT. Comete ato de improbidade a empregada que, dentre outras práticas irregulares, utilizava-se de recursos financeiros originariamente destinados ao vale-transporte, para aquisição de combustível para seu veículo. Ainda que a improbidade, conceitualmente, não exija a ocorrência de prejuízos diretos ao patrimônio do empregador, nem que o beneficiário seja o próprio empregado, o desvio de recursos nessas condições apenas reforça a gravidade da conduta faltosa, que rompe, por completo, a imprescindível confiança que caracteriza as relações laborais, amoldando-se, perfeitamente, à alínea "a" do artigo 482 daCLT. Sentença mantida”. (TRT-PR-03649-2011-658-09-00-0-ACO-37568-2013 6A. TURMA - Relator: SUELI GIL EL RAFIHI - Publicado no DEJT em 20-09-2013) “JUSTA CAUSA. USO INDEVIDO DO VALE-TRANSPORTE. O uso indevido do valetransporte pelo trabalhador configura falta grave, sendo admissível a dispensa por justa causa considerando-se, inclusive, a reincidência da conduta, na forma do artigo 7º, parágrafo 3º do Decreto Decreto 95.247/87 e artigo 482, alínea a, da CLT”. (TRT-1 RO: 12722820105010001 RJ, Relator: Claudia Regina Vianna Marques Barrozo, Data de Julgamento: 17/04/2013, Sexta Turma, Data de Publicação: 03-05-2013)
3 | Março, 2016
“VENDA DE VALE-TRANSPORTE. FALTA GRAVE. DISPENSA POR JUSTA CAUSA. A reclamante assinou dois documentos onde constava a advertência que a venda de vale-transporte é considerada falta grave passível de dispensa por justa causa, nos termos do Decreto 95.247/87 - que regulamentou a Lei.7.418/85 - e art. 482, a da CLT, e ainda assim persistiu na falta, razão pela qual há de se manter sua dispensa por esse motivo. Recurso Negado”. (TRT-18 2083200801318005 GO 02083-2008-013-18-00-5, Relator: SILENE APARECIDA COELHO, Data de Publicação: DJ Eletrônico Ano IV, Nº 01 de 11.01.2010, pág.14/15.) “JUSTA CAUSA. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DO VALE-TRANSPORTE. Evidencia-se o uso indevido do vale-transporte quando o próprio autor, em depoimento, admite que habitualmente percorria a distância entre sua residência e o local de trabalho mediante veículo próprio (motocicleta) e repassava os passes que recebia da empresa para sua mãe, não fazendo uso regular de transporte coletivo. Nessas circunstâncias, a atitude do autor enquadra-se na hipótese prevista no § 3º do art. 7º do Decreto nº 95.247/87, o que, nos termos da lei, constitui falta grave”. (TRT-12 - RO: 01957200800412009 SC 01957-2008-004-12-00-9, Relator: ROBERTO BASILONE LEITE, SECRETARIA DA 3A TURMA, Data de Publicação: 28/10/2009)
Concluir-se, portanto, que constitui direito potestativo da empresa o controle do adequado uso do Vale Transporte, especialmente se o uso indevido está por comprometer o bom e regular desempenho do contrato de trabalho, muitas vezes afetado por atrasos decorrentes do uso indevido do vale transporte. █
4 | Março, 2016