CORPO MOVIMENTO ESPAÇO: Corpos fractais permeando o espaço - Micaelly Lacerda

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CORPO movI MENTO ESPACO CORPOS FRACTAIS PERMEANDO O ESPACO

MICA LACERDA 1


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MICAELLY LACERDA PINHEIRO CORPO MOVIMENTO ESPAÇO

Corpos fractais permeando o espaço

Trabalho de conclusão de curso, apresentado ao Centro Universitário Senac – Santo Amaro, como parte das exigências para a obtenção do título de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo.

Orientador: Prof. Dr. Nelson Urssi SÃO PAULO 2019

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Elaborada pelo sistema de geração automática de ficha catalográfica do Centro Universitário Senac São Paulo com dados fornecidos pelo autor(a). Pinheiro, Micaelly Lacerda

Corpo Espaço: corpos fractaisde permeando o esCorpo Moovimento movimento espaço: a materialização uma linguagem através da expressão corpos- fractais permeando o espaço / Micaelly paço / Micaelly Lacerdados Pinheiro São Paulo (SP), 2019. Lacerda Pinheiro - São Paulo (SP), 2019. 136 f.: il. color. 63 f.: il. color. Orientador(a): Nelson Urssi Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Arquitetura e Urbanismo) - Centro Universitário Senac, São Paulo, 2019. 1.Movimento 3.Performanceespaço. 4.Teatro I.5.Linguagem Movimento, 2.Corpo corpo, comunicação, Urssi, Nelson 6.Materialização 7.Espaço, 8.Cenário-ambulante 9.Percepções I. Urssi, (Orient.) II. Corpo Movimento Espaço Nelson (Orient.) II. Título

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RESUMO Este trabalho de conclusão de curso se desenvolve como pesquisa na área experimental do espaço, e investiga por meio de autores referenciais, o corpo e seus movimentos como habitantes do espaço. Do começo ao fim, o poder da comunicação através do corpo no espaço tem sido a força motriz por trás desse projeto, buscando entender a importância e o significado por trás dos diferentes estágios da comunicação com os sujeitos. Nossos movimentos são a relação causa / efeito entre corpo e mente - mais especificamente, eles estão relacionados à área em que residimos. Ao abordar esse relacionamento de dentro para fora, podemos nos engajar em um novo exercício de pensamento: a materialização no espaço criando indumentárias que oferecem experiências individuais e coletivas propondo uma reflexão sobre as relações humanas. Memória, sensação e percepções únicas de cada ser humano / 5


personalidade podem ser uma oportunidade para construir um espaço que reflete nossos relacionamentos conosco e com os outros. Este projeto é uma chance de experimentar a voz do corpo, à medida que ele conversa com o espaço. Abrir uma nova porta para a maneira como nos relacionamos com nós mesmos, com os outros e objetos. Palavras-chave: movimento, corpo, comunicação, espaço

ABSTRACT

This undergraduate final project is developed as research in the experimental area of space, and investigates through referential authors, the body and movements as inhabitants of space. From beginning to end, the power of communication via the body in space has been the driving force behind this project, seeking to understand the importance and meaning behind the different stages 6


of communication with the subjects. Our movements are the cause/effect relationship between body and brain – More specifically, they are related to the area wherein we reside. Approaching this relationship from the inside out, we can engage in a new thought exercise: the materialization in the space, that creates “experimental clothes” that are used for individuals and collected proposing a reflection on human relationships. Memory, sensation, and unique perceptions of each human/personality can be an opportunity to build a space that reflects our relationships with ourselves and with others. This project is a chance to experiment with the voice of the body as it converses with the space. To open a new door into how we relate to one another, to objects, and to ourselves. Keywords: movement, body, communication, space

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO ..............................................................................10 1. FUNDAMENTAÇÃO 1.1 Compreendendo o corpo ..........................................................17 1.2 As traduções de linguagem materializadas no espaço ................................................................... 32 1.3 Corporalizando nos espaços de performance ......................................................................................... 46 2. ESTUDOS DE CASO .............................................................. 64 2.1 Pina Bausch ........................................................................................... 66 2.2 Yannick D’Orio .................................................................................... 68 2.3 Helio Oiticica ........................................................................................ 70 8


2.4 Lygia Clark ............................................................................................... 72 2.5 Lygia Pape ............................................................................................... 74 2.6 Oskar Schelemmer ........................................................................... 76 2.7 Gareth Pugh .......................................................................................... 78 3. DESCRIÇÃO DO PROJETO .................................................. 80 3.1 Indumentárias ...................................................................................... 84 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................. 127 LISTA DE FIGURAS .............................................................. 131 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .....................................134

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INTRODUÇÃO É pelo corpo que manifestamos a nossa comunicação com o mundo, com as outras pessoas e com a sociedade. Quando se muda o espaço, muda também a forma como agimos nele. Entender antes o corpo que irá habitar o espaço é entender o próprio espaço, só assim podemos materializar algo no mesmo. Aproximando-se de uma relação entre interno e externo, podemos nos engajar em um novo exercício de pensamento, exteriorizando algo interno a ponto de materializá-lo. Mais do que isso, materializar no espaço a partir de diferentes formas e movimentos, seja pela memória afetiva ou pelas sensações e percepções únicas de cada ser, permitindo viabilizar um projeto que agrega exercício de reflexão sobre nossas relações individuais e coletivas; sobre como podemos dividir espaços 10


com os outros, experimentando (vestindo) objetos e colocando-os em movimento. Dividido em três capítulos e planos, no primeiro capítulo é abordado o estudo do corpo que visa entender como os movimentos surgem dele, também como as expressões partem de dentro para fora, à medida que há um equilíbrio entre corpo e mente. Um dos estudos citados neste projeto para a compreensão do corpo é o estudo do BMC de Cohen (2015), que por mais de trinta anos vem desenvolvendo essa abordagem corporal do movimento, toque e repadronização, anatomia experimental, princípios de movimento e processos de percepção psicológica. Estes e outros estudos visam compreender os movimentos da mente, e a partir de uma maior análise corporal entender como e a partir de que o corpo se coloca no espaço. 11


No segundo capítulo, após compreender como os movimentos surgem do corpo, se inicia um entendimento maior sobre como são idealizadas as traduções de diferentes linguagens para a materialização de uma expressão. Quando dizemos que este projeto é dividido em planos, não o falamos à toa, neste segundo capítulo, a expressão se torna um plano central, o principal embrião desta pesquisa, expressão que gera experiência e que conecta os outros dois planos: o superior que se dá pelo equilíbrio de corpo e mente mencionado anteriormente, e o inferior, que trata do espaço cênico e da matéria habitando o espaço. O plano central se atém à comunicação em cena, aborda as traduções de linguagem, e as possibilidades de tradução de sistemas de signos. Outro tema abordado neste plano é a caracterização de personagens em cena, e para isso, alguns autores como Ramos (2013) e Dascal (2008) são 12


citados a fim de fazer um “gancho” com o que se busca ao estudar a expressão e a experiência que se dá através do corpo nesta pesquisa. Nesse plano, partimos do pensamento para a expressão, é como se disséssemos que quando se chega aqui, o corpo e a mente mantêm-se em equilíbrio e a comunicação através da expressão começa a ser trabalhada para que no próximo capítulo possamos aplicar este mesmo corpo em atuação interna, agora em atuação no espaço de forma externa. No capítulo três, a espacialidade abriga (carrega) o corpo e os movimentos, onde é estudado as possíveis formas de ocupar o espaço com o corpo. Aborda o espaço citando alguns estudiosos como Lecoq (2010) e Amaral (2002) para um maior entendimento da matéria no espaço de performances. Aqui, o espaço cênico não exclusivamente se 13


limita ao palco, o que é importante ao estudar estes planos é compreender como se dá a construção da comunicação visual que proporciona uma caracterização tanto para o espaço quanto para os personagens, uma vez que alguns estudiosos citados mencionam a cidade, e os espaços coletivos são abordados. Alguns cenógrafos, artistas e coreógrafos, junto aos estudos de corpo, movimento e espacialidade impulsionam e abrem portas às experimentações projetuais que levam à etapa seguinte deste projeto. A materialização, criação e tradução de signos através de expressões corporais experimentadas de diversas formas a partir da criação de indumentárias que possibilitam uma experiência para cada corpo que o habita.

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É importante nesta pesquisa entender o corpo no espaço, a que pertence e reinterpretá-lo, para que seja possível a compreensão dos movimentos e para que o “olhar do corpo” seja mais consciente do espaço que habita, e dessa forma pôr em movimento a partir de dinâmicas internas materializando no espaço e criando indumentárias capazes de traduzir uma linguagem, propondo movimento e ocupação do espaço através da expressão corporal oferecendo possibilidades de criação e liberdade no espaço, estas dadas primeiramente através das experiências que partem de sensações individuais e seguem para ações coletivas. Quatro agentes experimentais guiam uma reflexão sobre como as relações humanas e como as ações dos seres são influenciadas umas pelas outras, estes são: o agente individual, o coletivo, a relação entre os dois e o agentes externo (espectador). As indumentárias 15


apresentadas no decorrer do projeto se atêm em propor experiências, sendo elas individuais, coletivas ou apenas visuais externas, usando sempre o corpo como o principal veículo percursor das experiências.

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1. Espaço e matéria vibram em conjunto / Fonte: autoral


I. FUNDAMENTAÇÃO I.I Compreendendo o corpo

2. O Corpo / Fonte: autoral

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A conscientização do corpo-mente como algo que trabalha em conjunto é o primeiro passo para o entendimento do corpo. É preciso que haja um equilíbrio entre eles para que o corpo-físico possa atuar e se expressar de forma adequada e consciente. Quanto mais o corpo estiver em equilíbrio com a mente, mais controle é possível ter dos movimentos. Tudo parte de dentro para fora, e para entender expressões externas e movimentos é preciso primeiramente entender de onde partem os comandos. Uma série de sistemas internos estão envolvidos na viabilização de um único movimento. Segundo o estudo aplicado no BMC1 (COHEN, 2015), quando no útero, a primeira reação de um bebê é a partir de um movimento.

1. O Body Mind Centering (BMC) é um estudo experimental baseado na corporalização e aplicação de princípios de anatomia, fisiologia e desenvolvimento utilizando o movimento, o toque, a voz e a mente.

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O princípio do BMC se aplica neste projeto à medida que torna mais claro entender as expressões humanas que partem do corpo. Um exemplo disso, é o tônus postural que é uma resposta à gravidade, como nos relacionamos fisicamente, percentualmente e emocionalmente com a mesma. Há muitas variações de expressão na expressão tonal. “O tônus reflete a interação entre o nosso ambiente interno e externo” (COHEN, 2015, p. 229). O primeiro local onde nos tornarmos presentes é um espaço vazio, como na etapa do desenvolvimento embrionário, após isso iniciamos uma transição por uma sequência de espaços onde nos tornamos presentes e ocupamos este espaço. Espaço que não apenas é habitado, mas também criado. "Ao adquirir consciência de uma área ou tecido em nós mesmos, podemos compartilhar esse processo com os outros elementos do mesmo lugar em nós mesmos”. (COHEN, 2015, p. 280)

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Segundo Cohen (2015, p. 289), quando há o encontro do óvulo com o esperma, temos duas células em uma membrana, não apenas uma, mas duas idênticas que se dividem em quatro, oito e assim sucessivamente, todas em um mesmo espaço fazendo uma comunicação de célula para célula, sem comandos externos. Então as células internas e externas se diferenciam e são chamadas de blastocisto2. A localização das células no espaço irá determinar o que elas se tornarão, por isso o espaço é importante. “A massa interna de célula dentro da esfera torna-se o Embrioblasto3, que se tornará a pessoa, e a massa externa dentro da esfera torna-se o trofoblasto4, que se tornará as estruturas de 2. Blastocisto: nome do embrião com 5 a 7 dias de vida. 3. Embrioblasto: Massa interna de células do blastocisto, que formará um embrião 4. Trofoblasto: Células periféricas do blastocisto, que ligam o óvulo fertilizado à parede uterina e se tornam as placentas e as membranas que nutrem e protegem o organismo em desenvolvimento.

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suporte circulatório da mãe. Nós criamos o nosso próprio sistema de suporte desde o início”. (COHEN, 2015, p. 12)

Em Os Olhos da Pele, Pallasmaa (2011, p. 11) aponta que todos que trabalham com a criatividade, tanto um artista como um artesão estarão sempre envolvidos com o corpo em experiências existenciais. Toda a constituição corporal e mental de quem cria se torna o terreno da obra porque irá sempre trabalhar principalmente em si mesmo, na própria interpretação, e em suas próprias perspectivas. “O trabalho físico criativo exige uma identificação corporal e mental, empatia e compaixão” (COHEN, 2015. p. 12). O nosso corpo é a nossa relação com o mundo, a nossa fonte de comunicação para com o outro e para com a sociedade. Tudo o que fazemos, nossas atitudes, nosso caminhar, e o nosso fluxo se modifica de acordo com o 21


espaço, e quando se muda o espaço, muda também a forma de agir nele. Portanto, antes mesmo de se criar um espaço, é importante entender o que irá habitá-lo e viver estes espaços de forma imaginária antes mesmo de transformá-los em algo material. Dessa forma, há o exercício de entender mais claramente de maneira sensibilizada algo que está interiorizado a ponto de ser exteriorizado e concreto, mais do que isso, materializar algo no espaço a partir de diferentes formas, seja pela memória afetiva, pelas sensações ou percepções únicas de cada ser. No livro Eutonia, de Dascal (2008), há um afastamento da ideia de Descartes que divide o corpo da mente e torna o corpo apenas um mecanismo incapaz de descobrir e criar saberes. Neste livro denomina-se “o saber” todas as infinitas conexões de diferentes partes do corpo, onde a 22


mente e o corpo físico estão inseridas, trata-se de conexões com o mundo e a vida. Segundo as teorias do filósofo Merleau-Ponty, (apud DASCAL, 2008) as relações entre corpo e mente acontecem por meio de nossa percepção criada durante o movimento. Não há possibilidade de compreender o corpo sem sua capacidade de se pôr em movimento. O mesmo aponta que o espaço corporal de cada pessoa é fruto do envolvimento que cada um tem com o mundo exterior; seus relacionamentos com tarefas e projetos. É o que ele chama de “corpo próprio”. Quando se trata de tempo neste corpo, é interessante compreender que o passado do corpo sempre se representa: é um presente continuo, o comportamento humano é visto como resultante de um movimento único, e basicamente os padrões e 23


comportamentos vão acontecendo naturalmente. “O nosso corpo existe conosco, é a nossa fonte de comunicação e relação com o mundo e a vida”. (DASCAL, 2008, p. 45) Para levarmos a sério o fenômeno do movimento, Merleau-Ponty fala sobre precisamos conceber um mundo que não seja apenas de coisas, mas de transições, pois as coisas se definem primeiramente por seu ‘comportamento’ e não pelas propriedades estáticas. “O algo em trânsito que reconhecemos necessário à constituição de uma mudança só se define por sua maneira particular de ‘passar’. O pássaro que atravessa meu jardim, por exemplo, no momento mesmo do movimento é apenas uma potência acinzentada de voar (...) Não sou eu quem reconheço, em cada um dos pontos e dos instantes atravessados, o mesmo pássaro definido por caracteres explícitos, é o pássaro, voando, que faz a unidade de seu movimento, é ele que se desloca, é este tumulto plumoso ainda aqui que já está ali em uma espécie de ubiquidade, como o cometa com sua cauda”. (MERLEAU-PONTY, 2011, p.371)

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O que define o ritmo de movimento e estilo de cada pessoa desde a primeira-infância e são responsáveis pela “postura-corporal” e gestos de cada ser, segundo Merleau-Ponty, são as diferentes formas de transferência de peso, a maneira como cada pessoa organiza a sua postura para se manter em pé é variável. A cada instante de movimento, o instante de que precede está encaixado no presente e esta percepção presente consiste em reaprender. Cada momento do movimento abarca toda sua extensão. Em O Corpo Poético de Lecoq (2010), o autor propõe uma análise das leis de movimento, onde se pode perceber na prática que não há ação sem reação; que o movimento é contínuo e avança sem parar; o movimento sempre provém, ele avança de um desequilíbrio em busca de equilíbrio e o próprio equilíbrio está em movimento; não 25


há movimento sem ponto fixo; o movimento evidencia o ponto fixo; Até mesmo o ponto fixo está em movimento. Equilíbrio, desequilíbrio, oposição, alternância, compensação, ação e reação. Em uma apresentação ou performance, tanto o performer quanto quem está a assistir consegue saber se a cena está em desequilíbrio. Quem está a assistir está tão dentro daquele espaço, através de elementos sensoriais (ouvindo, vendo e sentindo os cheiros e emoções), quanto os atores que estão inseridos pelo físico. (LECOQ, 2010) Merleau-Ponty (apud DASCAL, 2008) contrapõe a visão cartesiana de corpo máquina ou corpo objeto, ele defende o corpo como algo não inferior, sendo tão essencial quanto a consciência. Enfatiza uma relação entre corpo

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e consciência, onde o conhecimento humano acontece a partir de experiências vividas. Para ele, o corpo não deve ser visto como objeto mecânico, seja o nosso corpo ou o corpo do outro. Para viver a experiência de empatia ao corpo do outro, é preciso antes que percebamos e vivamos o próprio corpo, assim compreendido ele revelará o que percebe. “Corpo e consciência não são causalidades distintas, mas formam uma unidade resultante da dinâmica de experiência do corpo em movimento (…). O corpo assim compreendido revelará o sujeito que percebe, assim como o mundo percebido”. (DASCAL, 2008, p. 47)

Em Eutonia: O Saber do Corpo (DASCAL, 2008), essa prática é aplicada, na busca da compreensão dessa unidade entre mente e corpo, onde a vivência como situação original significativa é enfatizada.

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“O que constitui o saber do corpo? É uma mistura que jamais fica pronta. Seus componentes são todos os objetos do mundo e todas as experiências, sentimentos, ideias, emoções que atravessam o corpo”. (DASCAL, 2008, p. 47)

Uma reflexão da tradução de elementos de uma linguagem para a outra engloba o processo de criação de uma expressão de várias áreas artísticas e também da criação estética. As obras artísticas têm o poder de cativar o observador atingindo sua percepção e provocar movimentos internos ou externos que criam emoções. Roman Jakobson (apud DASCAL, 2008), explica: “Só é possível a transposição intralingual5 de uma forma poética à outra, transposição interlíngual6, ou finalmente transposição intersemiótica7 de um sistema de signos para outro, por exemplo,

5. Intralingual: tradução que ocorre dentro da mesma língua. Consiste na interpretação dos signos verbais por outros da mesma língua. 6. Interlingual: tradução entre diferentes idiomas, códigos ou culturas. 7. Intersemiótica: transposição de um sistema de signos para outro (ex: uma poesia que se transforma em pintura).

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da arte verbal para a música, a dança, o cinema ou a pintura”. (DASCAL, 2008)

As obras artísticas têm a sua própria forma de expressão que se dão pela materialização da linguagem. Atualmente, no século XXI, nota-se que o teatro e a dança começaram a buscar criações mais gestuais que fossem capazes de expressar sensações e sentimentos, nisso é muito importante o uso, controle e domínio do corpo. Essas práticas abordam diversas outras áreas além da dança e teatro, como por exemplo, a agilidade de um lutador, a versatilidade e malabarismo que são abordados no circo e muitas outras áreas. Dessa forma, também o arquiteto-designer-cenógrafo está inserido de forma física nas áreas que atua. Para criar é preciso ter a vivência de espaço e até mesmo procurar 29


entender a visão do artista e o que ele está expressando. Também o arquiteto que cria é capaz de transformar a partir de uma linguagem, algo que está interiorizado, exteriorizando e transformando em signos, pois as atitudes internas se expressam na materialidade de uma criação. Isadora Duncan (apud SILVA, 2001, p. 30), foi grande percursora do Expressionismo na dança. Criou sua metodologia de movimentos a partir da observação de elementos de forma, conteúdo de obras da Antiguidade clássica grega (vasos ornamentais, arquitetura, pinturas, esculturas) e de elementos da natureza. Ela resgata esta relação entre corpo e arte, de forma contrária, aplicando a arte em suas coreografias. O que fica explícito nestas reflexões é o quanto a conexão entre corpo e arte anda esquecida e o quanto tudo se torna mais fácil e até mesmo mais 30


real e consciente quando temos a consciência corpórea equilibrada com a mental. “Desde as dinastias do Egito Antigo, as dimensões do corpo humano eram usadas na arquitetura. A tradição antropocêntrica tem sido praticamente esquecida nos tempos modernos”. (PALLASMAA, 2011, p. 35) Pallasmaa deixa claro em a Arquitetura e os Sentidos (PALLASMAA, 2011), que nossos corpos são o umbigo do mundo, como um local de referência, memória, imaginação e integração. Ele aborda interessantes pontos de vista sobre a arquitetura estar profundamente envolvida com as questões de individualidade e do mundo, questões de inferioridade e exterioridade, tempo e duração, e até mesmo a vida e a morte (PALLASMAA, 2011, p. 16).

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I.2 As traduções de materializadas no Do desejo de expressão surge a caracterização visual através de signos que se utilizam de cores, formas, volumes e linhas criando diferentes formas que materializam vestimentas, maquiagens e adereços. Essa caracterização é entendida como uma composição de signos gravados em uma determinada aparência. “A essência visual de um ser fictício é um signo representado pelas escolhas feitas entre as diversas possibilidades de organização dos componentes de sua aparência”. (RAMOS, 2013, p. 27)

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linguagem espaรงo.

3. Faces / Fonte: autoral

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O conceito de signo por Charles S. Peirce (apud RAMOS), esclarece: Um signo é aquilo que, sob certo aspecto ou modo, representa algo para alguém. Dirige-se a alguém, isto é, cria na mente dessa pessoa, um signo equivalente, ou talvez, um signo mais desenvolvido. O signo representa seu objeto, não em todos os seus aspectos, mas com referência a um tipo de ideia que ele, por vezes, denominou fundamento do signo. O mesmo autor enfatiza que estar em lugar de, é estar numa relação com o outro. Adauto Novaes aponta: “o olhar consiste, pois, mais na faculdade de estabelecer relações do que na de recolher imagens”. (apud RAMOS, 2013, p. 31) De modo geral, compreende-se espetáculo como tudo aquilo que se oferece ao olhar, entende-se que o pensamento é a principal fonte de criação e que só a partir dele 34


a representação é materializada por meio da expressão de alguma forma de linguagem. Essa linguagem geralmente possui regras de funcionamento denominadas códigos, que permitem a formação e a emissão de uma mensagem. A aparência dos atores ou bailarinos é construída através de uma manipulação da linguagem, caracterização visual dada por meio de recursos oferecidos pelos códigos de suas linguagens como roupas, adereços, maquiagem, penteadas, que se colocam em relação ao corpo do ator. “Organizar recursos expressivos de uma linguagem é codificar”, que significa estabelecer os elementos físicos correspondentes aos sentidos a serem transmitidos e adaptar estes a um determinado meio” (RAMOS, 2013, p. 32). Sempre que nos comunicamos, estamos criando signos, estes também servem para criar uma aparência

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que representa as qualidades do personagem fictício, sempre que nos comunicamos, estamos criando signos. De acordo com os conceitos peirceanos, e também com a noção de imagem desenvolvida por Gilles Deleuze e Bergson (apud RAMOS, 2013, p. 36), a imagem é um conjunto do que se mostra, e a caracterização é uma somatória de índices que resulta na aparência do performer, que ao atuar em uma manifestação artística, dialoga com os demais componentes da imagem cênica como um todo. Yuri Lotman (apud RAMOS, 2013) explica sobre o “dualismo semiótico de partida” que é responsável pelo surgimento de línguas naturais verbais que comunicam-se por meio da palavra e sistemas não verbais de comunicação que têm como natureza a divisão estrutural do

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espaço encontrado nas lendas que assinalavam as sombras, reflexos e ecos, reconhecidos como fontes míticas dos sistemas não verbais, que é mais próximo do que se aborda no projeto que segue ao se comunicar algo. Segundo Régis Debray (apud RAMOS, 2013), materializar significa traçar signos e abrir vias por onde eles possam passar. Partindo desse pensamento sobre signos, RAMOS deixa claro que quando se fala de figurino entende-se como a ação criativa produtora de um desenho referencial como por exemplo quando se cria um figurino para caracterizar personagens de uma determinada região. Neste projeto o que se pretende é: não apenas criar uma roupa ou uma informação figurada sobre o corpo para criar aparências inusitadas, mas sim criar uma forma de

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habitar uma expressão e viver uma experiência a partir do objeto que se veste, experimentando os movimentos corporais no espaço e compreendendo diferentes traduções de linguagem na paisagem. Este espaço sendo um espaço de passagem. “Entretanto, a lentidão (…) se refere a uma temporalidade que não é absoluta e objetiva, mas sim relativa e subjetiva, que significa outras formas de apreensão do espaço urbano, que vão bem além da representação meramente visual” (JACQUES, 2014, p.295)

A junção de arte e técnica englobada pelos cenógrafos visa desenvolver criações com materiais e objetos artísticos funcionais para o uso cotidiano e não apenas para a contemplação visual. São objetos capazes de estabelecer relações com o corpo e o seu espaço, tal como idealizou a escola Bauhaus que tinha o objetivo de elaborar objetos

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de valor artístico, criados para o uso das classes menos favorecidas. No final do século XIX e início do século XX surgem o Realismo e Naturalismo, esses movimentos expressam o desejo de transpor para o palco algo mais próximo da realidade nas criações cênicas. Antes disso, na Europa, não havia preocupação com a aparência de um ator em cena e ocupavam seus espaços apenas a partir de cenários que causavam a ilusão de realidade escondendo os mecanismos cênicos. Após os artistas Realistas e Naturalistas que buscavam a representação de suas obras a partir da realidade, começa no teatro europeu uma preocupação sob a imagem cênica na qual a aparência e caracterização dos atores é considerada um elemento importante. A partir disso, já não é permitido que um ator use suas próprias 39


roupas em cena, sua aparência deve estar em sintonia com a imagem e toda a composição cênica. Para entender a espacialidade cênica, a autora D’Alessio Ferrara (apud RAMOS, 2013) explica que para que o espaço seja analisado como experiência do mundo, é necessário conhecer as outras coisas que o representa, sua natureza cognitiva, e entender a interação da linguagem presente em determinado espaço. Dessa forma ela trabalha três categorias de observação: espacialidade, visualidade e comunicabilidade. A espacialidade representa a manifestação do espaço abstrato como interação de linguagens. Essa espacialidade possui elementos concretos que conferem significados ao espaço, e não pode ser dissociada às outras

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duas categorias. A visualidade abrange o espaço também, mas ao modo pelo qual ele se apresenta ao olhar. A observação e discriminação dos signos que evidenciam a construção de um cenário material que forma determinada espacialidade. Já a comunicabilidade diz respeito aos vínculos que o espaço gera em diferentes culturas e vivências. Essa categoria pode apresentar diferentes interpretações e alterações culturais na sociedade. (RAMOS, 2013, p. 54) Se resgatarmos aqui, a linha de pensamento de Pallasmaa (2011), pode-se analisar também o outro lado da conexão entre espaço e corpo, notando o exemplo da arquitetura construída e das cidades. No caso da arquitetura, tudo é feito em função humana e em função do nosso corpo, a maçaneta que a nossa mão agarra para 41


que possamos abrir a porta, a porta que divide os espaços nos oferecendo a privacidade, e até mesmo as janelas que dão a opção de permitir ou não a entrada da luz. Já na cidade, o nosso corpo anda pelas calçadas, que nos protegem do espaço predeterminado aos veículos, assim como as faixas de pedestres proporcionam atravessar este mesmo espaço com segurança. O nosso tamanho nos proporciona uma noção de altura e podemos nos indignar com quão alto são os edifícios, e nos experimentar nesse espaço, que assim como nos abriga, nós o abrigamos. A partir da nossa própria experiência corporal, o espaço e o nosso corpo se complementam. A função da arte e arquitetura é criar uma relação de identificação, na qual não apenas somos expectadores, e não funciona apenas como uma paisagem ou algo 42


contemplativo, mas como algo ao qual pertencemos e nos abrigamos, seja pelo corpo físico ou pela relação interior que criamos com uma obra. “A arquitetura envolve diversas esferas da experiência sensorial que integram e fundem entre si” (PALLASMAA, 2011, p. 39). Ao experimentar a arte, ocorre uma troca única entre corpo e arte. “Eu empresto minhas emoções e associações ao espaço, e o espaço me empresta sua aura, a qual incita e emancipa minhas percepções e pensamentos”. (PALLASMAA, 2011, p. 11) Em todos estes estudos de espaço cênico percebe-se a relevância do espaço como elemento essencial para a construção de um personagem. Este espaço pode ser um espaço de ação e não apenas um espaço de contemplação que acontece junto com o evento, que dialoga com 43


atores e público. Essa concepção de espaço se atém ao espaço coletivo, a rua que é o lugar que oferece a possibilidade de encontro do “eu” com o “outro”. O edifício não é o principal invólucro, o invólucro aqui é individual, que corre de encontro ao coletivo, num espaço coletivo. Nesse projeto não estamos falando de um lugar predeterminado para o que será criado, pretende-se criar algo capaz de promover experiências nos receptores. Não abordamos exclusivamente o palco em si, mas a performance capaz de ser manifestada em diversos lugares, tanto no palco como na rua. Ainda assim, se faz necessário entender qual a função dos espaços para as apresentações. Dessa forma, este projeto pretende abordar uma arquitetura superdimensionada vivida pelo corpo, onde o mesmo possa habitá-lo inteiramente, uma combinação de 44


movimentos, onde o movimento do corpo determina onde a arquitetura se encontra no espaço e onde o corpo é grande determinador da arquitetura. Uma arquitetura que se vive e se sente em pele, que se veste e que se anda com ela. “A experiência da arquitetura traz o mundo para um contato extremamente íntimo com o corpo”. (PALLASMAA, 2011, p. 57)

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I.3 Corporalizando nos espaรงos de performance

4. O corpo no espaรงo / Fonte: autoral

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A experiência das Máscaras Neutras nas performances As máscaras neutras (LECOQ, 2010) se apresentam em estado de equilíbrio e de economia de movimentos, gestos e ações. Movimenta-se apenas de forma justa e equilibrada. Sob uma máscara neutra, o rosto desaparece e o corpo se torna elemento principal, é possível percebê-lo mais intensamente. As máscaras apresentam expressões faciais que podem representar emoções por si só, mas que quando combinadas com expressões corporais se tornam mais evidentes e os movimentos se tornam mais plenos e vivos, por consequência, a performance se torna mais viva e os personagens também ganham mais vida e personalidades, pois todos os personagens nascem de uma forma e de uma emoção. Um objeto quando imóvel em cena, é apenas um objeto inerte, mas quando este 47


objeto recebe um movimento humano ou este movimento humano está a serviço do objeto, ele ganha vida. As máscaras costumam separar corpo e expressão, segundo Lecoq (2010), eram mais utilizadas antigamente e hoje nem tanto, por conta do surgimento da maquiagem que proporciona ao ator trabalhar sua própria expressão ou até mesmo cria máscaras mais realistas ligadas ao corpo. Nada impede a utilização dos dois juntos para a plena expressão de algo. Ainda sob o pensamento de Lecoq (2010), o corpo reage de forma automática a uma sensibilização dos espaços a que pertence. Muita coisa é afetada e muda dependendo do lugar onde estamos, nossas atitudes, nosso movimento, nosso fluxo de velocidade, tudo isso pode

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ser afetado se andamos numa catedral gótica ou numa catedral romana, por exemplo. Portanto, mesmo antes de construirmos um lugar habitável ou algo habitável que representará algo vivido, é importante reconhecer o que previamente irá habitá-lo. “Eu me lembro de um dos meus alunos de arquitetura que me fez visitar, na montanha, o chalé que ele ainda não havia construído. Ele me fez viver os espaços como se estivéssemos dentro deles: ele recebia a luz vinda de uma janela, depois passava pelas portas, subia ao sótão, abaixava-se para não bater a cabeça no teto... depois de alguns anos, pude ver o chalé, pronto, mas eu já o conhecia”. (LECOQ, 2010, p. 228)

Lecoq (2010, p. 228) trata de estudar o corpo, seus espaços e as leis do movimento a partir do caminhar humano,

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em seguida, suas sensações e percepções; por fim as cores e seus impactos, sua força e seu poder de representação, explorando a construção e objetos experimentais como estruturas, formas e desenvolvê-los para objetos palpáveis e colocar no espaço cenográfico algum tema ou uma linguagem que tenha uma relação direta com a vida ou até mesmo seja a partir de alguma obra musical, poética ou literária e refletindo como a pesquisa das dinâmicas internas podem-se mostrar no espaço, tendo em mente que o cenógrafo é o grande responsável pela densidade da emoção do que está sendo passado e que vive com os atores e criadores todo o processo de criação de uma obra. “Para dar início ao movimento precisamos primeiro construir o invisível, dar corpo ao que não temos ainda. Colocar o corpo diante

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de si mesmo, numa experiência prática. O equilíbrio é visto em movimento” (LECOQ, 2010, p. 230).

O que explica isso é encontrado no livro O Ator e Seus Duplos, de Amaral (2002): a intenção e a ação andam em conjunto de forma equilibrada, para a autora, enquanto o movimento é uma ação mecânica, o gesto é uma ação mais consciente ou emocional. (AMARAL, 2002, p. 27) Ao falar de objetos é importante entender suas relações com o mundo, as relações que o objeto mantém como por exemplo as relações físico-espaciais que podem ser feitas por serem justapostos ou estarem em contato, que ocorre quando há uma relação espacial entre recipientes e conteúdos por exemplo, bola e raquete. As relações de características formais que determinam outro tipo de relação, por exemplo quando os objetos são dependentes 51


entre si, duplicados ou complementares. As relações mecânicas como peças de motor de um carro, rodas e direção. As relações de ligação, como pontes, escadas, fios telefônicos, e as relações de exclusão que acontecem entre um objeto e uma barreira se impede a locomoção. Alguns objetos proporcionam reflexos e outros transposições como passagens: as portas, janelas, pontes, portais. Todos os objetos apresentam significado. Quando se fala de movimento em relação aos objetos, entende-se que o movimento dá vida, é vida e implica no deslocamento relativo ao tempo e ao ritmo que é a disposição do tempo e não a rapidez, entre duas imobilidades. Estes movimentos podem ser efêmeros, permanentes contínuos, descontínuos, mecânicos ou aleatórios. (AMARAL, 2002, p. 219) 52


“Os objetos naturais dependem e se movem segundo as leis da natureza; já os objetos não naturais dependem do homem” (AMARAL, 2002, p. 120). Mesmo que alguns objetos criados pareçam se mover sozinhos, muitas vezes é apenas a mecânica do objeto que o move, pois todos são movidos, direta ou indiretamente pelo homem. Os internos ocorrem quando o movimento é intencional e os estímulos externos são as condições da forma do objeto. O movimento depende da forma do objeto e isso faz com que a animação que possa ser dada a ele faça com que sua figura se modifique e sofra transformações. Antes de animar um objeto e dar movimento a ele é preciso antes entender e pesquisar os próprios movimentos do objeto. Estes têm a capacidade de ser simbólico e representar situações de maneira direta, aprendam por si 53


só conteúdos e o que sua fiscalidade já representa pode se tornar mais evidente no desenrolar de ações, quando animado. Como por exemplo, um martelo que pode representar a força, a opressão ou o trabalho. O objeto pode também ser usado como objeto-imagem usado por sua forma estética, e aqui o que mais importa são as emoções que o mesmo pode despertar e está ligado à representação de uma ideia. Um processo de materialização de ideais que é responsável pela criação de símbolos. Aqui a imagem está em primeiro plano e o ator, em segundo, ela é mais forte do que a palavra. “O teatro objeto-imagem é diferente do teatro de objetos, pois neste o objeto é o protagonista de uma história e naquele não existe nenhuma história”. (AMARAL, 2002, p. 123)

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O corpo sempre vai se fazer necessário na manipulação dos objetos, mas é importante que o corpo que manipula o objeto entenda qual a sua relação com este objeto e o que este objeto representa para ele. Por exemplo ele pode ser simples manipulador, auxiliar, ou um personagem que contracena com o objeto. Neste projeto, o último se faz mais em evidência e o corpo do performer será sempre somado ao objeto. O objeto se torna extensão do corpo e vice-versa. Leszek Madzik (apud AMARAL, 2002) coloca em cena visões construídas com luz, som, cores, objetos, e incidentalmente, atores - elementos esses tratados, todos, num mesmo nível. Em seu teatro o ator é um símbolo, é um objeto em movimento, não atua individualmente, pois pertence a uma composição na qual cada elemento colabora 55


em pequenas e precisas doses. Fala através de símbolos, sendo os mais constantes a penumbra, luz, a água, e a terra. Uma característica sua é o enquadramento de imagens - figuras inesperadas que surgem através de janelas, buracos, portas semiabertas. (AMARAL, 2002, p. 148) “As coisas materiais congregam associações emocionais, por isso guardamos ou destruímos as que despertam em nossas memórias”. (apud AMARAL, 2002, p. 149) Em Wrota (1980) de Scena Plastyczna (AMARAL, 2002), não é contado nenhuma história, mas o público recebe uma carga emocional. O espetáculo é apresentado em três planos: começa no teto, passa em seguida para o plano do palco e termina no chão. Os espectadores, ao se levantarem de seus lugares, percebem que sob os seus pés, por baixo de um espesso vidro, figuras se 56


movem - e não são bonecos nem objetos, mas pessoas, ou parte delas. O público é assim de tal forma circundado, que chega a perder as suas referências espaciais. A estranheza da perspectiva criada em cena provoca uma sensação de perda de equilíbrio, como se o espaço, de repente deixasse de ser físico. As imagens são suaves e tem efeito calmante, levam as pessoas ao seu interior e inconsciente. Existe nelas um drama cheio de espiritualidade. Este espetáculo envolve o público desde o início e existe uma atmosfera emocional muito grande. É uma manifestação cênica mais próxima da performance, no sentido de ser a expressão do indivíduo.

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Espaรงos de performance

5. Habitando o movimento / Fonte: autoral

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6. DenĂşncia / Fonte: autoral

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2 ESTUDOS DE

CASO

Todos os estudos de caso apresentados nessa pesquisa são essenciais para a maior compreensão da fundamentação e para a criação do projeto que surge. Se relacionam sempre de alguma forma, pela expressão através de uma linguagem, o corpo como parte do cenário, cores e formas, cenário em função de um corpo em movimento, dança como forma de expressão no espaço e interferência no espaço público. São projetos que abrangem coreografias, shows, roupas ou fotografia, todos têm preocupação especial com a expressão corporal no espaço e a imagem

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apresentada. Em alguns casos, irão se mostrar de forma mais direta e outras mais indiretas, mas todos carregam princípios em comum, como por exemplo, a preocupação com o corpo, quase sempre encontrada nos projetos, se não a principal peça cênica das performances. Os artistas carregamuma linha de pensamento muitopróxima à dessa pesquisa.

7. Uma mão carrega a outra / Fonte: autoral

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EXPRESSÃO EMOCIONAL E ENGAJAMENTO ERAM A ESSÊNCIA DO TRABALHO DE PINA BAUSCH.

ay si, si si” / Fonte: flippoventuri 9, 11 e12. Pina por Hanway Films / Fonte: filippoventuri 10. Tanztheater Wuppertal - Pina Bausch em Café Müller / Fonte: snpcultura

PINA BAUSCH

8. Cena de “Como el musguito en la piedra,

SOBRE

Bausch foi coreógrafa, dançarina, pedagoga de dança e diretora de balé alemã. Nasceu em Solingen, em 27 de julho de 1940 e faleceu em Wuppertal, em 30 de junho de 2009. 66

9.

10.


DANÇA-TEATRO

A sensibilidade expressada através do corpo.

A dança-teatro de Bausch se constituiu como uma forma de expressar a vida na sua mais ampla diversidade. A criação das coreografias tinha participação direta dos bailarinos. A coreografia não se apresentava como um arranjo estético do movimento, 11. mas a exploração desse movimento como uma revelação da experiência subjetiva.

O CORPO COMO PRINCIPAL PEÇA DO CENÁRIO 12.

A declaração mais citada por Bausch sobre seu processo de trabalho com seus dançarinos foi: “Não estou tão interessada em saber como eles se movem quanto no que os move” (Climenhaga, p 2.), sendo exatamente isso o que nos leva a usar Bina Bausch como referência nesta pesquisa, uma vez que nos atemos à experiência que os movimentos juntamente com a música e expressão corporal podem causar no espaço e influenciar positivamente na pessoa individual ou coletiva. 67


SOBRE

O impacto dos movimentos corporais na paisagem: A.1 68

Yannick D’orio é artista visual e fotógrafo da paisagem e arquitetura. Cria com o objetivo de utilizar a paisagem e os espaços usando contraste, forma e movimento. Envolve diversas formas de expresão em seus projetos.

YANNICK D’ORIO

13, 14 e 15. A.01 de Yannick D’orio / 13. Fonte: cargocollective

14.


Os movimentos no espaço são executados por bailarinas de forma consciente e criam formas que causam o contraste e interferência na paisagem. O cenário escolhido é um lugar externo e público onde as linhas da parede de concreto representam o tempo tanto na realidade quanto na narrativa.

15.

O tema do Projeto A.01 é a relação de amizade e suas diferentes emoções experienciadas durante a relação.

MOVIMENTO OBJETO ESPAÇO

Quando falamos sobre esse projeto notamos o quanto a união de movimento, objeto e espaço é essencial para a perfeita tradução da linguagem que se pretende passar.

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“Qual é o parangolé?”

16. O parangolé de Helio Oiticica / Fonte: projetoandarilha 17. O parangolé de Helio Oiticica / Fonte: comunicaçãoeartes 18. O parangolé de Helio Oiticica / Fonte: artsy

SOBRE

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Helio Oiticica Nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 1937, foi inicialmente educado em casa, se mudou com a família para os Estados Unidos onde começou a se interessar pela arte.

HELIO OITICÍCA


O PARANGOLÉ Em 1959, fundou o grupo neoconcreto ao lado de Lygia Clark, Lygia Pape, Franz Weissmann e Amilcar de Castro. No grupo, Oiticica abandonou os trabalhos bidimensionais e começou a criar mais gosto pelas instalações tridimensionais e multissensoriais.

Um de seus trabalhos mais famosos foi desenvolvido nos anos 60: o parangolé. O nome era um termo utilizado para se informar sobre novidades, em uma expressão comum, “Qual é o parangolé?”. 17.

Sempre defendeu a arte interativa, que se trata da relação entre arte e espectador.

18.

Trata-se de uma indumentária, ou espécie de capa na qual a manifestação artística estava inserida no seu movimento, que revelava textos, formas, grafismos e cores, além de carregar uma forte conexão com os morros cariocas.

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LYGIA CLARK - Nasceu

em Belo Horizonte no ano de 1920. Viveu em Paris e voltou para o Brasil integrando o Grupo frente, liderado por Ivan Serpa (1923-1973). Assim como Hélio Oiticica, Lygia Clark pegou gosto pelos objetos tridimensionais.

19. Lygia Clark vestindo Máscara abismo com tapa 1968, feito de tecido, elástico, nylon e pedras / Fonte: istoé

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Nos anos 70 sua atividade foca nas experiências corporais em que materiais estabelecem relação entre os participantes. Lygia desenvolveu em “nostalgia do corpo” sua fase sensorial, onde afirma que o próprio homem passa a ser seu próprio objeto da sensação.


NOSTALGIA DO CORPO Nesta obra ela oferece lençóis de plástico com sacos costurados nas extremidades. Cada pessoa o experimenta como bem entender e convidando outros a participar. A relação de toque acontece no próprio corpo e no corpo do outro. Ela chama de arquitetura viva, onde o homem através de sua expressão gestual constrói como sistema biológico vivo. Pode ser expressa em qualquer lugar e seu sentido foi atribuído coletivamente. A expressão corporal tem uma importância essencial nessa obra, pois é através dela, pelos movimentos corporais que se constroem os túneis ou células, como ela menciona. (Performancelatinamerica, 2017)

20.

Clark tinha uma preocupação especial em explorar as possibilidade que compunham o plano e espaço pictórico, tentando encontrar um novo espaço capaz de romper com a representação bidimensional do plano e integra-se aos sentidos do espectador. Há uma linha de pensamento que aborda a interação humana e as dinâmicas em grupo que passa pelo trabalho de Lygia Clark e chega até aqui influenciando na comunicação humana.

Nostalgia do corpo de Lygia Clark / Fonte: performancelatinamericana

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Ao tocar e manipular as obras, o observador torna-se parte delas.

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21. O Divisor por Lygia Pape / Fonte: galleria419

SOBRE Lygia Pape foi escultora gravadora e cineasta. Suas obras são pautadas pela liberdade com que experimenta e manipula as diversas linguagens e formatos e por incorporar o espectador como agente. Suas experimentações seguem paralelas às de Hélio Oiticica (1937 - 1980) e Lygia Clark (1920 - 1988).

LYGIA PAPE


DIVISOR Em Divisor (1968), uma multidão preenche um pano de 30 por 30 metros, colocando suas cabeças nas aberturas e andando pela cidade. Procurou explorar relações de uma arte/ação coletiva onde as pessoas pudessem experimentar estruturas e manifestações performáticas. A estrutura é muito simples, dando possibilidade de qualquer pessoa a reproduzir. Para movimentar-se a estrutura precisa de ação coletiva.

22. Lygia Pape / Fonte: efemeridesdoefemello 23. “O Ovo”, performance de Lygia Pape / Fonte: arteversa

Costumava produzir objetos e instalações marcados pela ironia, humor negro e críticas à situ23. ação política.

Para o crítico inglês Guy Brett (apud Acervo Lygia Pape - Escritório de Arte) a criatividade de Lygia desabrocha em seus trabalhos com sensibilidade e humor. Eles não foram criados para serem consumidos apressadamente, o modo como são vivenciados pelo espectador é que constitui a obra. Como artista neoconcreta, criava criava a possibilidade de participação real de caráter lúdico entre o espectador e obra, não só na contemplação, mas também na alteração do projeto artístico. 75


O Ballet Triádico da Bauhaus

24. Ballet Triádico original / Fonte: thefutureperfect 25. Oskar Schlemmer / Fonte: thefutureperfect

OSKAR SCHLEMMER

Foi pintor e escultor alemão. Nasceu em Stuttgart, em 4 de setembro de 1888, e faleceu em Baden-Baden, 13 de abril de 1943. Explorou a relação entre o corpo e o espaço. 76

25.

18.


26. Desenhos do Ballet Triádico / Fonte: Arquivo Prof. Fábia do Centro Universitário Senac São Paulo

O ballet triádico têm como significado uma triáde de dança, traje e música. Dividido exclusivamente entre três partes: forma, cor e espaço; três diferentes dimensões do espaço: altura, profundidade e largura. Há quase sempre uma bailarina como peça central e dois bailarinos: são doze danças e dezoito trajes. Algumas formas são fundamentais: a esfera, o cubo e a pirâmide. Assim também três são as cores: vermelho, azul e amarelo. (tirado do diário, 5 de julho de 1926 e do site)

O primeiro é uma paródia alegre com cortina amarelo-limão; O segundo, cerimonioso e solene, é num palco cor-de-rosa; E o terceiro é uma fantasia mística num palco preto. Uma linguagem única de expressão é aplicada para cada grupo que se divide por cor e estilo de forma. São doze danças diferentes em 18 figurinos distintos que são dançadas alternadamente por três pessoas, dois homens e uma mulher. Os figurinos são em partes de roupas acolchoadas e em partes de formas rígidas de papel maché, cobertos com pinturas metálicas ou coloridas. 77


GARETH PUGH

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27.The Telegraph por Gareth Pugh / Fonte: thecut 28 e 29. Gareth Pugh coleção de primavera 2017 / Fonte: vogue

SOBRE

27.

Começou a trabalhar aos 14 anos como figurinista para o English National Youth Theatre. Em 2003, formou-se na Central Saint Martins em Londres. Em 2006, ele apresentou sua coleção solo em primeiro lugar. Em 2010, Gareth abriu sua primeira loja em Hong Kong.


Gareth Pugh é um designer figurinista que cria peças de roupas caricatas e representativas que, segundo ele, quase sempre vêm de uma linguagem expressiva de suas interpretações e inquietações sobre eventos que acontecem mundialmente e em seu país.

29.

“Você sabe, a moda pode ser cheia de fantasia, mas agora, não é realmente a hora da fantasia. É hora de fazer algo mais profundo. As vezes é importante sentir que é um pouco assustador.” Gareth Pugh para The talks.

30. Performance Matteo Prandoni por Tim Blanks e Gareth Pugh / Fonte: vogue

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3 DESCRIÇÃO DO Corpo Movimento Espaço cria peças vestíveis e manipuláveis que surgem em movimento junto ao corpo humano. A partir do entendimento de diferentes formas de tradução de linguagens materializadas em criações, o percurso é dividido em etapas, que são de suma importância na pesquisa, pois só após este processo foi possível viabilizar o projeto de objetos vestíveis que segue. Esses objetos são experimentais, qualquer pessoa pode experimentá-los. São capazes de interagir com o performer e com o receptor, a fim de proporcionar diferentes sensações e perspectivas aos dois.

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PROJETO

31. Refletindo sobre o outro / Fonte: autoral

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Indumentária é o nome comum dado aos objetos vestíveis, capazes de traduzir uma linguagem que tem como princípio a expressão corporal que parte de dentro para fora para habitar o espaço. Corpo movimento e objeto habitam o espaço neste projeto. Não há aqui uma função para cada um, mas sim um equilíbrio onde um complementa o outro, e assim se torna possível agregar entendimento sobre manusear algo artístico com as mãos. Uma sugestão coletiva, que abrange uma massa e oferece oportunidade criativa libertando e experimentando movimentos. Essa oportunidade se dá primeiramente através de individualidades, pois é dada ao indivíduo a oportunidade de inventar e ser criativo na coletividade a partir de sua individualidade.

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Chamamos de Corpos Fractais e Massa Humana estes que permeiam o espaço formando uma performance passível, onde o receptor/espectador que automaticamente faz parte da união performática, é convidado a participar experimentando. A teoria dos fractais nos faz ver os corpos com um olhar qualitativo, para que assim possamos partir para o coletivo. A palavra fractal vem do latim fractus, que significa fragmentado. A teoria foi criada pelo matemático Mandelbrot em 1975. Os objetos fractais denotam formas geométricas elementares que, ao se replicarem indefinidamente, formam figuras, preservando, em cada uma de suas partes, as características do todo, ressaltando-se a rugosidade e a não linearidade.

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3.I Indumentárias Vivemos em sociedade lidando muito mais em coletividade do que individualmente, mas carregando uma consciência individual, esta que, sempre estará conectada com o externo, pois é influenciada por ele. As criações carregam como meta vivenciar os movimentos no espaço em coletividade e refletir sobre as atitudes coletivas e as responsabilidades que temos com o outro ou com o espaço do outro após os laços que criamos nesses espaços, usando os corpos que são o nosso principal veículo em contato com o mundo a todo instante.

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Os trĂŞs agentes experimentais

32. Agentes conectados / Fonte: autoral

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Propondo refletir sobre como as ações são influenciadas umas pelas outras, o primeiro agente a ser observado é o individual/interno que se trata das questões únicas de cada ser, como memórias, sensações e o próprio fluxo interno. Ele é constantemente influenciado pelo externo, e pelo coletivo, que têm a ver com o que está fora do corpo. O agente externo, do ponto de vista interno, se trata de quem recebe as nossas ações. Esse mesmo agente também carrega um agente individual/interno e vice-versa, ou seja, o que absorvemos do externo carrega resquícios de um outro agente individual/interno, assim como o que eventualmente exteriorizamos parte do nosso próprio agente individual/interno que já sofreu influências de outros agentes. Isso tudo acontece porque quando exteriorizamos as nossas ações a partir do individual/interno, 86


um outro agente externo irá absorver, relacionar com o próprio agente individual/interno, exteriorizar, e assim sucessivamente. O espectador é um agente externo, ele recebe as ações. Aqui, ele tem a oportunidade de vivenciar não apenas sendo o espectador, mas agindo através do agente coletivo. O terceiro agente é o coletivo e se trata da relação entre interno e externo interagindo no mesmo espaço. Aqui essas relações se conectam e se mostram ainda mais explícitas e desafiadoras. O agente coletivo se trata de todos os outros agentes habitando o mesmo espaço, e precisa necessariamente de uma boa comunicação para estabelecer relações positivas. Agir de forma coletiva, muito mais do que dividir, é abrigar o mesmo espaço. Sendo assim, as indumentárias se atém em causar 87


experiências individuais, coletivas e externas conectando todos estes agentes e propondo um exercício de reflexão sobre as relações humanas, usando o corpo como veículo e o movimento como o que move estes corpos, seguindo uma linha de pensamento que permeia argumentos de diversos autores sobre o corpo ser o principal meio de comunicação humano com o mundo. A partir disso, surgem então, vestimentas que propõem experiências diversas no espaço para cada um desses agentes. As roupas são sempre dependentes do corpo e do que o move, e são exatamente as diversas possibilidades de movimento desses corpos que por vezes são limitadas, ou outras vezes, o movimento que se torna dependente do outro indivíduo para ser concretizado, assim exigindo uma boa comunicação entre eles 88


sem necessariamente ter que invadir o espaço do outro, mas entendendo que todos estão habitando um mesmo espaço. A performance experimental é bem livre, os corpos podem vestir as vestimentas que estarão soltas pelo chão e experimentar o espaço e movimentos em comunhão com outros corpos. Aqui, unimos o público a um ou dois performers, quem recebe as ações se sente instigado a participar e se torna um monumento central e de grande importância da performance. Os corpos exploram o espaço de forma coletiva. As indumentárias envolvem os corpos oferecendo experiências particulares e coletivas de conexão com a outra pessoa que também está vestindo a outra parte da roupa.

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Há uma liberdade quanto a forma que se explora o espaço quando se está experimentando, mas uma liberdade coletiva, pois é preciso estar em comunicação com o outro para caminhar, dançar ou simplesmente explorar o espaço, sendo essa a intenção em experimentá-las.

33. O individual coletivo / Fonte: autoral

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Assim como a experiência do performer (aqui o performer pode ser qualquer pessoa) individual e coletiva caminhando juntas, há também a experiência do espectador, pois as vestimentas causam uma experiência visual única. Agem como um corpo que permeia o espaço junto aos outros corpos usuais, sendo a intenção, tornar este corpo, naturalmente estranho, em algo que habita o espaço da mesma forma que os corpos usuais, o tornando natural do espaço, com a tentativa de quebrar barreira entre performers e público. Criando assim uma performance menos assistida e muito mais participativa como algo que pertence ao espaço. A primeira roupa é chamada de Corpos Fractais, incorpora totalmente os corpos, sendo dois corpos conectados por longas mangas de 6m em cada braço. É feita de costura 91


simples, uma longa vestimenta que envolve todo o corpo. Se desintegra a fim de propor diferentes sensações em quem a veste. Uma variação dela é um corpo completamente vestido conectando outro corpo vestido somente pelas mesmas longas mangas; um corpo é totalmente incorporado pela roupa enquanto outro, apenas pelas mangas. Outra variação de experimentação dessa mesma roupa é o uso somente de um gorro que dificulta a visão. Quem o veste é incorporado na performance e precisa de confiança para ser acolhido pelas outras indumentarias de longas mangas, essas precisam acolhem este corpo de visão limitada e habitar o mesmo espaço sendo responsáveis por ele. O tecido dos Corpos Fractais estica a ponto de poder ser usado por diversos tamanhos de corpos. É praticamente uma segunda pele, podendo ser usada por cima das roupas ou sem roupa alguma. As 92


cores são: vermelho e preto, que desde o início agregaram identidade visual ao projeto. Essa roupa simboliza a conexão que se pode ter com o outro nos lugares, a partir de uma exploração conjunta do espaço usando o corpo e os movimentos. O projeto se atém em experimentar formas menos previstas e determinadas de habitar o espaço. O uso do corpo e de performances não pretende interromper a vida cotidiana como um espetáculo, ele na verdade é uma experiência a todos que participam. As roupas são criadas para possibilitarem experiências corporais à pessoas que não estão acostumadas a perceber o espaço e a ter contato com o corpo do outro.

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34. Corpos Fractais - Roupa original modelo 1


35. Condutores / Fonte: autoral

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Variação das experiências possibilitando a diferença de limitação ou liberdade de movimentos.

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36. Corpos Fractais - Variação da experiência - Modelos 2, 3 e 4.


Nessa variação da experiência de Corpos Fractais, a vestimenta trata-se de um gorro que limita a visão do indivíduo. Ele se põe de forma mais vulnerável em relação aos outros, mas ainda faz parte do mesmo grupo. Os outros Corpos Fractais são responsáveis por eles, ajudando na locomoção e movimentação desses indivíduos no espaço.

37. Corpos Fractais modelo 5 - Variação da experiência com gorros escuros

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6m de ombro a ombro

38. Desenho tĂŠcnico modelo 1

39. Modelo 1 em 3D - Marvelous Designer

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3m de ombro a ombro

40. Desenho técnico modelo 2

41. Corpos Fractais - Variação da experiência na cor preta; mangas de 3m.Modelo em 3D - Marvelous Designer

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3m de ombro a ombro

42. Desenho técnico modelo 3

43. Variação da experiência com mangas de 3m na cor vermelha. Modelo em 3D - Marvelous Designer

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3m de ombro a ombro

44. Desenho técnico modelo 4

45. Variação da experiência com mangas de 3m sem capuz- Modelo em 3D - Marvelous Designer

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46. Relação individual com a indumentária - modelo 1/ Foto por Claudia Adorno

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47. Interação conectada - modelo 1/ Foto por Claudia Adorno

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48. ConexĂŁo - modelo 2 / Foto por Claudia Adorno

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49. O desenho no espaรงo - modelo 2 / Foto por Claudia Adorno

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50. ConexĂŁo entre modelos 1 e 5 / Foto por Claudia Adorno

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51. Rel(ação) entre modelos 2 e 5 / Foto por Claudia Adorno

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No espaço coletivo, a experiência passa a ter ainda mais força, pois é preciso dividir este espaço com as outras pessoas que por ali passam. O movimento se dá de forma ainda mais dinâmica, os corpos conectados pelas longas mangas permeiam a cidade no meio de outros corpos que estão por ali apenas de passagem e causam uma interferência tanto na paisagem, quanto no cotidiano das outras pessoas, mas essa interferência não pretende atrapalhar o cotidiano da cidade, mas sim agregar com normalidade.

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52. Ilustração Copos Fractais - Possibilidades de movimentos; efeito cardume.

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53. Rel(ação) entre os Corpos Fractais / Foto por Claudia Adorno

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54. Corpos Fractais agindo no espaço público/ Foto por Claudia Adorno

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55.Ilustração: experimentação das indumentárias no espaço coletivo, na Av. Paulista / Fonte: Esquina (2018)

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56. Ação dos Corpos Fractais no cotidiano / Foto por Claudia Adorno

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57. ConexĂŁo entre Corpos Fractais/ Foto por Claudia Adorno

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58. Corpos Fractas desenhando o espaรงo / Foto por Claudia Adorno

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A segunda, denominada de “Massa Humana”, atua como um veículo guiado por corpos em movimento, sendo a exploração do espaço feita através do tato e da conexão com os outros corpos que também a vestem. Nessa, apenas braços e pernas mantêm contato direto com o espaço externo através de “buracos”, que são basicamente cortes no tecido, pensados para envolver três pessoas dentro da roupa, oferecem saída para pernas e braços e há apenas um para a cabeça, pois apenas uma pessoa tem acesso ao externo e consegue ver claramente o lado de fora, podendo assim guiar os outros integrantes que não enxergam claramente o externo, mas o tocam. É feito do mesmo tecido elástico que estica, sua cor é neutra e transparente, a costura é simples. Essa roupa funciona como um abrigo que se entra dentro e se movimenta em conjunto.

116


O projeto das duas indumentárias surgiu primeiramente da junção dos corpos, logo, a interação se mostra mais importante do que a indumentária em si. A multiplicação de corpos vestindo as indumentárias mostram as diversas possibilidades de movimentos livres e até mesmo limitados por conta das diferenças de altura ou posição dos corpos.

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1,5m 59. Ilustração Massa Humana

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60. Croqui Massa Humana

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61. Relação do corpo com a Massa Humana em conjunto. Experiência ainda sem buracos/ Foto por Claudia Adorno 50. Ilustração Massa Humana

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62. Relação em conjunto da Massa Humana no espaço público. Experiência ainda sem buracos / Foto por Claudia Adorno

51. Croqui Massa Humana

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63. Relação individual do corpo com o tecido da Massa Humana / Foto por Claudia Adorno

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64. Relação individual do corpo com o tecido de Corpos Fractais / Foto por Claudia Adorno

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65. Corpos Fractais relação e desenho no espaço / Foto por Claudia Adorno

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66. Relação dos Corpos Fractais interagindo/ Foto por Claudia Adorno

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Ficha Técnica das indumentárias Corpos Fractais modelo 1 - tule de malha vermelho / 6m Corpos Fractais modelo 2 - tule de malha vermelho / 3m Corpos Fractais modelo 3 - tule de malha preto - 3m Corpos Fractais modelo 4 - tule de malha vermelho - 3m Corpos Fractais modelo 5 - malha brilhante - 1m Massa Humana - tule de malha rosé - 3m Total Tule de malha vermelho 12m Tule de malha preto 3m Tule de malha rosé 3m Malha brilhante 1m Tabela de gastos de tecidos - Modelagem por Larissa Chene

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho possibilitou compreender a importância de estudar o corpo no espaço, uma vez que há

67. Tagarelando / Fonte: autoral

relação direta e constante entre ambos. Com isso, pôde-se perceber a necessidade de refletir sobre as formas de ocupar e os espaços a serem ocupados. A pesquisa pôde ser relacionada à pensamentos de diversos autores, filósofos, estudiosos e artistas, que ao serem estudados, abriram caminho para a compreensão do tema e criação do projeto que sugere uma reflexão sobre como 127


somos responsáveis uns pelos outros quando dividimos um espaço. Para se atingir uma compreensão da realidade de CORPO MOVIMENTO ESPAÇO definiram-se alguns objetivos específicos: o primeiro, de compreender o corpo e sua função como algo que impulsiona os movimentos em ação no espaço. Logo após, compreender os espaços, suas diferenças e sua receptividade. E por último, a viabilização de um projeto, este que trata das formas de ocupar o espaço com o corpo e materializar uma linguagem através de uma expressão que usa o corpo como peça principal para a criação de indumentárias não apenas visuais, mas experimentais e expressivas.

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O trabalho foi desenvolvido a partir de um cronograma organizado por atividades como leituras, fichamentos e experimentações vividas. Todas as etapas foram fundamentais para o desenvolvimento de uma fundamentação e o surgimento do projeto. Após passar pelos processos de entendimento do corpo, movimento e espacialidade no campo das performances, as referências e estudos de caso abriram portas e facilitaram a visualização de um projeto, que tem como princípio o contato com o corpo e a experimentação corporal no espaço, através da criação de indumentárias que possam ser experimentadas por diferentes grupos de pessoas. Para tanto, foi necessário contato com materiais e escolha de cores e tecidos, etapa de suma importância para a caracterização das peças, pensadas para serem vestidas por diferentes tamanhos de corpos. 129


Sendo assim, sugere-se a experiência de utilizar o corpo como veículo percursor que cria possibilidades de refletir sobre a relação do corpo individual com o espaço, a relação de um corpo com outro corpo e a relação de corpos juntos agindo no espaço, onde a intenção é experimentar uma forma diferente e menos predeterminada de habitar qualquer espaço em coletividade sem interromper a vida cotidiana.

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LISTA DE FIGURAS Fig. 1 ao 7. Colagens autorais Fig. 8. “Como el musguito en la piedra, ay si, si si” / Fonte: filippoventuri In < https:// filippoventuri.net/2011/11/28/pina-3d-di-wim-wenders/> Acesso em: 13 maio. 2019. Fig. 9, 11 e 12. Pina Hanway Films / Fonte: filippoventuri In <https://filippoventuri. net/2011/11/28/pina-3d-di-wim-wenders/> Acesso em: 13 maio. 2019. Fig. 10. Tanztheater Wuppertal - Pina Bausch, em Café Müller / Fonte: snpcultura In < https://www.snpcultura.org/vol_pina_bausch_e_inifinito_o_que_podemos_tentar. html> Acesso em: 13 maio. 2019. Fig. 13, 14 e 15. A.01 de Yannick D’orio / Fonte: cargocollective (2015) In <https://cargocollective.com/yannickdorio/Projects/N-01> Acesso em: 13 maio. 2019. Fig. 16. O parangolé / Fonte: projetoandarilha In <http://projetoandarilha.com/author/ analuizagomes/page/11/> Acesso em: 13 maio. 2019. Fig. 17. O parangolé / Fonte: artsy In <https://www.artsy.net/artwork/helio-oiticica-p15-parangole-cape-11-i-embody-revolt-p15-parangole-capa-12-eu-incorporo-a-revolta-worn-by-nildo-of-mangueira> Acesso em: 13 maio. 2019.

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Fig. 18. O Parangolé de Hélio Oiticica/ Fonte: comunicaçãoeartes In <https://comunicacaoeartes20122.wordpress.com/2013/02/19/helio-oiticica-e-o-parangole/> Acesso em: 14 maio. 2019. Fig. 19. Vestindo Máscara abismo com tapa 1968, feito de tecido, elástico, nylon e pedras / Fonte: Istoé In <https://istoe.com.br/363422_A+GRANDE+AVENTURA+SENSORIAL/> Acesso em: 14 maio. 2019. Fig. 20. Nostalgia do corpo de Lygia Clark/ Fonte: performancelatinamerica In <https://performancelatinamerica.wordpress.com/2017/07/04/lygia-clark/> Acesso em: 14 maio. 2019. Fig. 21. O Divisor por Lygia Pape/ Fonte: galleria419 In <https://galeria419.com.br/ lygia-pape-a-arte-publica/> Acesso em: 14 maio. 2019. Fig. 22. Lygia Pape / Fonte: efemeridesdoefemello In <https://efemeridesdoefemello. com/2014/05/03/morre-a-artista-plastica-lygia-pape/> Acesso em: 14 maio. 2019. Fig. 23. “O Ovo”, performance de Lygia Pape / Fonte: arteversa In <https://www.ufrgs. br/arteversa/?p=1016> Acesso em: 14 maio. 2019. Fig. 24. Ballet Triádico / Fonte: thefutureperfect In <https://www.thefutureperfect.com/ present_tense/articles/oskar-schlemmer> Acesso em: 16 maio. 2019. Fig. 25. Oskar Schlemmer / Fonte: thefutureperfect In <https://www.thefutureperfect. com/present_tense/articles/oskar-schlemmer> Acesso em: 16 maio. 2019.

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Fig. 26. Ballet Triádico / Fonte: Arquivo Prof. Fábia do Centro Universitário Senac São Paulo In <arquivo pessoal> Acesso em: 14 maio. 2019. Fig. 27. The Telegraph por Gareth Pugh/ Fonte: thecut In <https://www.thecut. com/2012/04/see-a-gareth-pughdesigned-ballet-costume.html> Acesso em: 14 maio. 2019. Fig. 28 e 29. Gareth Pugh coleção primavera / Fonte: Vogue In <https://www.vogue. com/fashion-shows/designer/gareth-pugh> Acesso em: 14 maio. 2019. Fig. 30. Performance Matteo Prandoni por Tim Blanks / Fonte: Vogue In <https:// www.vogue.com/article/gareth-pugh-spring-2015-fashion-week> Acesso em: 14 maio. 2019. Fig. 31 ao 33, 35 e 69. Colagens autorais Fig. 34 ao 45, 52, 61 e 62. Desenhos autorais 46 ao 51, 53 ao 58, 61 ao 66. Fotos por Claudia Adorno Fig. 55. Ilustração: experimentação das indumentárias no espaço coletivo, na Av. Paulista / Fonte: Esquina In <http://www.esquina.net.br/2018/11/05/avenida-paulista-inspira-projeto-de-paulo-mendes-da-rocha/> Acesso em: 22 maio. 2019.

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Referências online ARTE APRENDENDO. Teatro da Bauhaus. In <https://arteaprendendo.wordpress. com/2011/06/03/teatro-da-bauhaus/> Acesso em: 28 maio. 2019. BOGDAN, Ana. Gareth Pugh: “I like that I feel out of place”. In <https://the-talks.com/ interview/gareth-pugh/> Acesso em: 14 maio. 2019. CAMPOS, Márcia. Recordar, repetir, criar: a dança-teatro de Pina Bausch In <http:// pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31062017000200010> Acesso em: 13 maio. 2019. ESCRITÓRIO DE ARTE. Lygia Pape. In <https://www.escritoriodearte.com/artista/lygia-pape> Acesso em: 31 maio. 2019. HEITLINGER, Paulo. Bauhaus: O impulso decisivo para o modernismo do séc. XX. In <http://tipografos.net/bauhaus/oskar-schlemmer.html> Acesso em: 19 maio. 2019. INTERLUX ARTE LIVRE. In <http://interlux.wordpress.com/about/>. Acesso em: 15 out. 2019. LARREA, Carlota. Pina. In <http://sensesofcinema.com/2014/cteq/pina/> Acesso em: 8 maio. 2019.

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