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T í t u l o : O s S a n e a m e n t o s Po l í t i c o s n o D i á r i o d e N o t í c i a s n o Ve r ã o Q u e n t e d e 7 5 © 2014, Pedro Marques Gomes e Alêtheia Editores To d o s o s d i r e i t o s d e p u b l i c a ç ã o e m P o r t u g a l reser vados por : ALÊTHEIA EDITORES E s c r i t ó r i o n a Ru a d o S é c u l o, n . º 1 3 1 2 0 0 - 4 3 3 L i s b o a , Po r t u g a l Te l . : ( + 3 5 1 ) 2 1 0 9 3 9 7 4 8 / 4 9 , F a x : ( + 3 5 1 ) 2 1 0 9 6 4 8 2 6 E-mail: aletheia@aletheia.pt w w w. a l e t h e i a . p t Colecção: Media & Jor nalismo Coordenação da colecção: Ana Cabrera Re v i s ã o : Jo ã o Fe r r e i r a Capa: Hug o Neves Paginação: Serenela Santos Impressão e acabamento: Gráfica de Coimbra, Lda. ISBN: 978-989-622-592-6 Depósito Legal: ???/14 Janeiro de 2014

Apoio:


“Verifica-se que, na generalidade, a informação falada e escrita tem contribuído, grandemente, para o agravamento das tensões políticas hoje vividas no País, pondo em risco a sobrevivência da própria revolução”. Francisco da Costa Gomes, Comunicado de 27 de Agosto de 1975.



Agradecimentos

Este livro tem por base a minha dissertação de mestrado, defendida na Escola Superior de Comunicação Social, em Novembro de 2011, agora revista e melhorada. Cumpre-me agradecer a todos os que, directa ou indirectamente, contribuíram para a concretização deste estudo, assim como para a sua publicação. Gostaria de agradecer, em primeiro lugar, à Prof.ª Doutora Maria Inácia Rezola, a quem devo o meu interesse pelo estudo deste período, todo o apoio oferecido a este trabalho, através de uma orientação científica rigorosa e estimulante. Expresso ainda, e sobretudo, a minha gratidão pelo seu entusiasmo, disponibilidade e incentivos constantes. Agradeço também à Prof.ª Doutora Isabel Simões-Ferreira, directora do mestrado, pelo incentivo e comentários a este estudo, ao Professor Mário Mesquita, que me ajudou a compreender melhor o panorama dos média no Portugal revolucionário e também pelas referências bibliográficas sugeridas, ao Prof. Doutor António Costa Pinto, arguente da minha dissertação, e à Prof.ª Doutora 7


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Irene Flunser Pimentel, coordenadora do Projecto «Justiça Política na Transição para a Democracia em Portugal (1974-2008)» (PTDC/HIS-HIS/103286/2008), que foi o ponto de partida para esta investigação. Uma palavra de gratidão também à Dra. São José Almeida, pelo apoio e por me ter ajudado a conseguir muitos dos contactos dos entrevistados. Pelas mesmas razões, agradeço ainda à Prof.ª Doutora Carla Baptista. Desejo também dirigir uma palavra de agradecimento a todos os protagonistas dos acontecimentos, que, generosamente, aceitaram falar comigo, revelando aspectos menos conhecidos do assunto em estudo, ao Sindicato dos Jornalistas, pelas facilidades concedidas no acesso ao seu arquivo, e às esquipas da Hemeroteca Municipal de Lisboa, do Arquivo Nacional da Torre do Tombo e da Biblioteca Nacional. Agradeço também ao Gabinete para os Meios de Comunicação social, cujo apoio foi fundamental para a viabilidade deste livro, a Zita Seabra e Alexandra Louro, editoras da Alêtheia, pelo entusiasmo e empenho na sua publicação, assim como à Prof.ª Doutora Ana Cabrera, por acolher o meu trabalho na colecção que dirige, o que muito me honra. Finalmente, o meu profundo agradecimento à minha família e amigos, pelo apoio e força que sempre me transmitiram. À minha mãe, dedico as páginas que se seguem.

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P r e fá c i o

Num momento em que se celebram os 40 anos da Revolução de Abril, não subsistem dúvidas sobre a importância desse acontecimento na história de Portugal. Tempo de ruptura, gerador de “profundas alterações nos valores e na vida social nacional”, o 25 de Abril assinala, no dizer de José Medeiros Ferreira, uma “Era”, marcando um “antes” e um “depois”: “ ‘Antes do 25 de Abril…’, ‘só com o 25 de Abril’, ‘depois do 25 de Abril’ ”1. Rompendo com o mito da falta de distanciamento relativamente a este objecto de estudo, Medeiros Ferreira foi dos primeiros historiadores portugueses a aventurar-se nas agitadas e intensas águas da história da revolução de 1974-1975. Muitos outros se lhe seguiram, dentro e fora das fronteiras nacionais, com obras de cariz, âmbito e importância diversificadas, que nos permitem conhecer e entender, nos seus contornos fundamentais, o que se joga na Revolução. José Medeiros Ferreira (1994), “Portugal em Transe”, in História de Portugal, dir. por José Mattoso, vol. VIII, Lisboa, Círculo de Leitores - Ed. Estampa, p. 11. 1

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Cabe no entanto salientar que, no verdadeiramente surpreendente volume de publicações sobre o período revolucionário, existem ainda áreas e domínios pouco explorados. Apesar dos trabalhos desenvolvidos, entre outros, por Mário Mesquita ou João Figueira, os meios de comunicação permanecem, em grande medida, por estudar. Casos que atingiram um mediatismo inusitado, como o do jornal República ou o da Rádio Renascença, são sucessivamente evocados. No entanto, pouco se sabe sobre outras situações análogas e, sobretudo, sobre a forma como as empresas jornalísticas e os profissionais do sector viveram o período. Neste contexto, a proposta que Pedro Marques Gomes nos apresenta neste livro parece-nos irrecusável: debruçar-se sobre um estudo de caso, temporal e historicamente circunscrito - os saneamentos operados no Diário de Notícias no Verão quente de 1975, celebrizados como o “Caso dos 24”-, de maneira a lançar novas pistas para um conhecimento mais profundo do Portugal Revolucionário. A par do mérito na escolha do tema, o estudo de Pedro Gomes destaca-se ainda pela diversidade e qualidade do trabalho de fontes que apresenta. Ainda que, nos últimos anos, se tenha assistido a uma progressiva abertura de alguns arquivos sobre o período, muitos fundos documentais permanecem inacessíveis. Para colmatar as lacunas decorrentes desta realidade, o autor realizou uma minuciosa e paciente pesquisa de imprensa (fonte incontornável no estudo da Revolução), consultou a principal bibliografia sobre o período assim como os numerosos testemunhos, memórias e entrevistas que, entretanto, vieram a lume. Finalmente, beneficiando da sua formação em jornalismo, levou a cabo um leque alargadíssimo de 10


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entrevistas (22), num trabalho académico mas também cívico, de preservação da memória e da história, nem sempre devidamente valorizado. Um trabalho difícil, como depois se acentuará, mas que constitui mais um motivo para valorizar e apreciar o presente estudo. A investigação de Pedro Gomes retoma e aprofunda algumas ideias já enunciadas pelos autores que se têm debruçado sobre o período, defendendo que os meios de comunicação social foram (1) “alvo de múltiplas tentativas de controlo por parte das forças políticas” (nomeadamente por parte da esquerda comunista e radical), (2) objecto de uma inusitada politização que tornou “impossível” a neutralidade jornalística, (3) palco de intensas lutas que contribuíram para o agravamento da tensão política que percorreu o país ao longo dos anos da Revolução. Em suma, (4) os média foram actores políticos e uma peça central do processo revolucionário. Em causa esteve não apenas a luta pela liberdade de expressão e de imprensa como também pela definição do modelo político a implementar. Situado o “Caso dos 24” no seu contexto político e mediático, o autor analisa as alterações que o 25 de Abril introduziu no centenário diário da Avenida da Liberdade, dando particular destaque ao ambiente de tensão que, desde o primeiro momento, o invadiu. O processo de afastamento dos indivíduos conotados com o anterior regime (membros da administração, direcção e alguns jornalistas), que marcou os momentos que se seguiram ao derrube da ditadura, esteve longe de ser pacífico, provocando os primeiros atritos e cisões. Nos meses seguintes, a situação agrava-se, naquele que era o diário de maior circulação nacional, acompanhando os 11


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abalos e convulsões que percorrem o país. A redacção divide-se, minada pelas diferentes opções político-partidárias dos jornalistas. Os trabalhadores organizam-se e alargam o seu caderno reivindicativo, exigindo uma intervenção na definição da orientação editorial do jornal. A presença e influência do PCP no Diário de Notícias e o peso da legalidade revolucionária ganham nova dimensão quando, na sequência do 11 de Março, toma posse a direcção Luís de Barros / José Saramago. De acordo com o então director adjunto, o Diário de Notícias deveria ser “um instrumento nas mãos do povo português, para a construção do socialismo”2. Num momento em que o debate entre a legitimidade eleitoral e a legalidade revolucionária vanguardista se agudiza noutros contextos, a prática de um jornalismo ao serviço da Revolução e do MFA, defendida pela nova direcção do Diário de Notícias, provoca um crescente mal-estar entre alguns jornalistas que, em Agosto de 1975, decidem expressar-se através de um documento-manifesto. Tendo como pano de fundo um país em chamas, que cheira “a papel de jornal queimado”3, num cenário de pré-guerra civil em que se digladiam diferentes projectos políticos quanto ao futuro do país, a ruptura no Diário de Notícias consuma-se. Peça importante da luta política que se travou no período revolucionário, como o demonstra fundamentadamente Pedro Marques Gomes, este confronto tem sido relativamente menorizado pela historiografia do período. As razões para este facto são evidentes, resiDiário de Notícias, 10/4/1975. Mário Mesquita (1994), “Os Meios de Comunicação Social” in Portugal 20 Anos de Democracia, dir. António Reis. Lisboa, Círculo de Leitores, p. 378. 2 3

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dindo, em última análise, nas diferentes interpretações que, ainda hoje, subsistem sobre o “Caso dos 24”. De quem foi a decisão de afastar os jornalistas contestatários? De Saramago? Dos trabalhadores? Existiu uma intervenção do PCP? Qual a real influência deste partido no Diário de Notícias? E qual o motivo para o saneamento? Porque é que o grupo contestatário, inicialmente de 30 elementos, foi alterando a sua composição? Como e porquê se chega ao “Caso dos 24”? Em plena crise do “Documento dos 30”, Saramago observava que a história deste caso “se há-de fazer um dia com todas as suas implicações e significados”4. Mas, como observa António Borges Coelho, a história não é linear, não caminha em linha recta. Por isso, são vários os momentos em que Pedro Gomes nos dá conta de situações que, em seu entender, estão por esclarecer, deixando patentes as contradições entre as fontes a que recorreu. Confrontando-se com um objecto de estudo particularmente complexo e emotivo, Pedro Gomes procurou descrever os acontecimentos e perscrutar as posições dos actores – saneados, saneadores, governantes, deputados, dirigentes partidários, militares, Sindicato dos Jornalistas, etc. Para tal, como observámos anteriormente, socorreu-se de uma multiplicidade de obras e fontes primárias mas também de um leque alargado de entrevistas. Descreveu ambientes que, em diversos momentos, nos transportam no tempo, situando-nos num mundo de plenários, reuniões, debates e comunicados. Recuamos para um país e uma sociedade que, depois de 4

Diário de Notícias, 19/8/1975.

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uma longa ditadura, descobre a liberdade, se politiza e se envolve na causa pública, acreditando poder alterar o seu destino pelas suas próprias mãos. Um país que, dada a sua juventude, Pedro Gomes não conheceu, mas pelo qual se empolgou. Deu voz a muitos dos intervenientes no processo, acareou posições e, ainda que por vezes com alguma hesitação, apresentou a sua leitura dos acontecimentos. Nas suas conclusões sobressaem as ideias de que (1) existiu uma instrumentalização político-partidária do Diário de Notícias; (2) a divulgação do “Documento dos 30” funcionou como “um alerta do nível de radicalização que a revolução estava a tomar, juntando-se a outras vozes que se manifestavam contra esse rumo”; (3) o facto de os jornalistas terem divulgado publicamente o seu documento, ao invés de o submeterem previamente a um debate interno, é apresentado por muitos dos protagonistas como o principal motivo conducente ao seu saneamento; (4) entre os próprios subscritores do documento não existe consenso sobre esta questão da divulgação, da sua oportunidade e pertinência, sendo motivo de desentendimentos e mesmo desvinculação de alguns jornalistas da luta em causa; (5) o “Caso dos 24” foi uma peça importante da luta política que percorreu o país no Verão quente de 1975. Sem querer avançar com mais ideias que, ao longo das aliciantes páginas que se seguem, o leitor poderá descobrir, não gostaria de terminar sem duas notas finais. A primeira, de carácter pessoal. Ao longo da década e meia que lecciono na Escola Superior de Comunicação Social, tenho tido o privilégio de contactar com várias gerações de estudantes de grande qualidade intelectual e humana. Pedro Gomes foi um deles, destacando-se 14


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pelo empenho, curiosidade e dedicação a todas as causas em que se envolvia. O facto de poder participar neste seu projecto (a adaptação da sua dissertação de mestrado em livro) constitui, para mim, um motivo de honra. Finalmente, uma breve nota sobre a complexa questão das relações entre a História e a Memória, fundamental para entender algumas das opções metodológicas do presente estudo. Nas últimas décadas, a memória tornou-se um conceito bastante familiar aos historiadores, alvo de diferentes abordagens que oscilam, no limite, entre uma aproximação à memória enquanto objecto histórico em si mesmo ou enquanto fonte histórica. A primeira perspectiva está envolta em alguma polémica, perante o argumento, apresentado por vários cientistas sociais, de que não dispomos ainda de uma reflexão conceptual e teórica suficientemente amadurecida no estudo histórico da memória. A abordagem da memória enquanto fonte histórica tem tido maior sucesso, sendo cada vez mais adoptada em trabalhos de âmbito historiográfico e em muitos outros domínios. Os diferentes autores que se têm debruçado sobre estas questões5 tendem, invariavelmente, a chamar a nossa atenção para os perigos que a memória encerra. A memória é uma realidade complexa, dado que esta não funciona com um repositório ou arquivo de experiências individuais mas antes como uma construção Da abundante bibliografia que existe sobre o assunto destacaria alguns trabalhos que consultei recentemente: Enzo Traverso (2012), O passado, modos de usar. Lisboa, Unipop; Peter Burke (2000), “História como memória social” in Variedades de história cultural, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira; S. Smith and J. Watson (2001), Reading Autobiography: A Guide for Interpreting Life Narratives. Minneapolis, University of Minnesota Press. 5

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que se opera em cada momento de evocação do passado. É maleável, selectiva, estando sujeita a distorções e (re)construções. É sempre uma elaboração, feita no presente, a partir de acontecimentos ocorridos no passado, parecendo “um estaleiro aberto em contínua operação”, como observa Enzo Traverso. Por isso, os cuidados na sua utilização devem ser múltiplos, tanto mais que “existe uma zona de crepúsculo entre a história e a memória; entre o passado como registo generalizado aberto a uma inspecção relativamente desapaixonada e o passado como recordação da vida de cada qual e antecedente desta”6. Sendo uma operação “intelectual e laicizante”, a história dispõe de métodos próprios, exige análise e discursos críticos. A memória “instala a lembrança no sagrado, a história liberta-a e torna-a sempre prosaica”7. Maria Inácia Rezola

Eric Hobsbawm (1990), A Era do Império, 1875-1914. Lisboa, Ed. Presença. Pierra Nora (1993), “Entre história e memória: a problemática dos lugares” in Revista Projeto História. São Paulo, v. 10, p. 9. 6 7

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Introdução

A 15 de Agosto de 1975 o Diário de Notícias avisava os seus leitores de que tinha tomado conhecimento de um documento elaborado por um grupo de trinta jornalistas, no qual era questionada a orientação do jornal. Iniciava-se um duro conflito, que rapidamente ultrapassa as portas do velho diário da Avenida da Liberdade, coincidindo com um dos momentos mais “quentes” do período revolucionário português, caracterizado por profundas lutas entre defensores de diferentes projectos políticos para o futuro do país, mas também por diversas tentativas de controlo político-ideológico dos meios de comunicação social. Passados quarenta anos sobre o golpe militar de 25 de Abril de 1974, subsistem inúmeras dúvidas sobre alguns dos acontecimentos a que este deu origem. Apesar da enorme complexidade que reveste muitos dos temas relacionados com o processo de transição para a democracia em Portugal, a investigação mais recente apresenta a vantagem de possuir um distanciamento 17


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temporal maior em relação aos factos e ser, por isso, tendencialmente mais isenta. Acresce-se o facto de muitas das questões que dividiram a população portuguesa entre 1974 e 1975 permanecerem actuais e, por isso, continuarem a despertar interesse tanto na comunidade científica como na sociedade em geral. Confrontada com a abolição da censura prévia e o novo momento político, a comunicação social, tal como outros sectores da sociedade portuguesa, sofreu múltiplas e profundas transformações a partir de Abril de 1974. Questões como a liberdade de imprensa e o controlo dos média, sendo variáveis basilares na definição de regimes políticos, estiveram desde o início presentes nos confrontos travados entre as diversas correntes que emergiram na sociedade portuguesa. Sofrendo pressões e influências por parte das forças em presença, a comunicação social afigura-se, em nosso entender, como uma peça fundamental para a compreensão do processo de democratização português. Neste trabalho, inserido na problemática geral da história dos média e do jornalismo, pretende-se estudar o Diário de Notícias na fase de maior radicalização do período revolucionário português – o pós-11 de Março de 1975 – e, particularmente, o processo relacionado com o saneamento de um grupo de jornalistas do DN, em Agosto desse ano. Este é um episódio envolto numa grande polémica e sobre o qual existem, ainda hoje, opiniões divergentes. Neste contexto, é fundamental ouvir os seus protagonistas, cruzar informações para, posteriormente, interpretá-las. Assim, as justificações dos jornalistas que puseram em causa a orientação ideológica do jornal, a posição da direcção e administração do jor18


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nal, dos restantes jornalistas, dos seus trabalhadores e da imprensa em geral, o posicionamento dos partidos políticos e de figuras políticas e militares, do Sindicato dos Jornalistas e do Conselho de Imprensa, entre outros, constituem peças essenciais para a nossa investigação. Optou-se por seguir, sobretudo, uma perspectiva histórica dos acontecimentos. Neste sentido, recorremos a bibliografia sobre o processo revolucionário, a documentação variada, ao confronto de materiais de imprensa e a entrevistas orais a alguns dos protagonistas (com diferentes papéis no caso em análise), muito pouco exploradas neste âmbito. Tratando-se de um estudo sobre um período relativamente próximo, muitos dos seus protagonistas encontram-se ainda vivos, pelo que a possibilidade de recolher e confrontar os seus testemunhos constitui uma oportunidade de grande relevância, em larga medida devido à escassez de estudos que coloquem em evidência os diferentes pontos de vista sobre o episódio em análise e, ao mesmo tempo, que revelem pormenores sobre o mesmo. Esta opção permitiu-nos, assim, obter informações novas e clarificar aspectos mais ambíguos, ainda que estejamos conscientes dos riscos do recurso à história oral, pois, como lembra Enzo Traverso, “a história e a memória têm as suas próprias temporalidades, que se cruzam, se chocam e se entretecem constantemente, sem que, no entanto, cheguem a coincidir inteiramente entre si” (2012: 55). Muito embora este episódio se insira num processo mais amplo relacionado com as tentativas de controlo dos média, não se pretende fazer um relato do que foi a intensa actividade política operada na imprensa no PREC (Processo Revolucionário em Curso). Antes, 19


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pelo contrário, temos como objectivo específico estudar um caso em particular – o saneamento de jornalistas do Diário de Notícias – inserindo-o no contexto político e mediático da época. Trata-se, portanto, de analisar a imprensa enquanto participante activa no decurso da revolução, indo para isso além da análise do próprio discurso jornalístico. Em suma, tal como sustenta José Tengarrinha “a não ser que se queira fazer meras resenhas jornalísticas ou colecções de factos anedóticos, a história da Imprensa portuguesa não poderá ser observada como um fenómeno isolado e sui generis, mas como um dos aspectos – certamente um dos mais vivos e expressivos – da história da nossa cultura” (1989: 263). Este livro encontra-se estruturado em três partes fundamentais. A primeira tem como objectivos introduzir a temática em estudo, explicar as opções metodológicas e de fontes utilizadas, bem como apresentar uma revisão da literatura, uma breve síntese da história do órgão de imprensa que será objecto da nossa análise (com maior incidência no período de 1974-1975) e, por fim, uma contextualização política do período, fundamental para a sua compreensão. A segunda parte do trabalho pretende apresentar o estudo concreto dos saneamentos ocorridos no Diário de Notícias, no Verão de 1975, e o caminho percorrido pelos protagonistas deste acontecimento a partir daí. No primeiro capítulo desta segunda parte abordaremos as questões relacionadas com o documento que precipitou os acontecimentos, o chamado «Documento dos 30» (divulgado em Agosto de 1975), tendo a preocupação de fazer um levantamento dos diversos pontos de vista e posições sobre ele assumidas, bem como das suas 20


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consequências imediatas. No segundo serão reveladas diversas informações sobre a decisão de sanear vinte e dois dos trinta jornalistas subscritores do documento. Entre outros factos, dedicaremos especial atenção ao plenário dos trabalhadores, do qual sai a decisão de saneamento, à criação do «Grupo dos 24», ao apoio do Sindicato dos Jornalistas ao boicote ao jornal, à realização de uma manifestação de apoio aos jornalistas e a tomada de posição das diversas forças políticas nacionais. O terceiro capítulo desta segunda parte será dedicado aos desenvolvimentos do processo no pós-25 de Novembro, onde se nota, claramente, uma inversão da correlação das forças em presença. A suspensão da direcção do DN e de 12 dos seus jornalistas, a decisão final do Conselho de Imprensa sobre os «24», a nova posição da ENP nesta matéria e a conturbada reintegração de alguns dos saneados serão pontos fundamentais a abordar neste capítulo. Este processo só terminará já em 1976 (embora permanecendo sobre ele algumas dúvidas). Naturalmente será esta a baliza final do trabalho. Por último, apresentaremos as conclusões finais da investigação.

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ÍNDICE

Agradecimentos........................................................................... 7 Prefácio......................................................................................... 9 Introdução.................................................................................. 17 Contextualização....................................................................... 23

A Imprensa durante o PREC......................................................23 O Diário de Notícias e a agitação revolucionária de 1974 e 1975.....................................................38 Um contexto político de transição para a democracia.............63

Capítulo I O início do Processo: o «Documento dos 30»..................... 73

A preparação do «Documento dos 30» num contexto político conturbado.............................................73 Trinta jornalistas opõem-se à orientação do Diário de Notícias........................................................................89 O Sindicato dos Jornalistas toma uma posição.......................104 Moções do Sindicato dos Jornalistas........................................113 A suspensão dos 30 jornalistas..................................................119 O «Grupo dos 30» contesta a sua suspensão..........................140 A posição do Sindicato dos Jornalistas sobre a suspensão dos jornalistas..............................................142 O «Caso dos 30» na Assembleia Constituinte.........................145 Os «30» contam a sua versão dos factos..................................150 Os «30» passam a «24»................................................................153 O Partido Socialista toma formalmente uma posição sobre o caso...........................................................158

Capítulo II Do Saneamento de 22 jornalistas ao «Caso dos 24».......... 163

O relatório da Comissão de Inquérito sobre o «documento dos 30».....................................................165 A tomada de decisão de Saneamento de 22 jornalistas.........176 A Assembleia Constituinte volta a tomar posição..................188 “Ninguém compra o Diário de Notícias”...................................192 A defesa do «Grupo dos 22».....................................................197 321


A criação do «Grupo dos 24»....................................................202 A posição da ENP sobre o «Caso dos 24»..............................206 Os partidos políticos tomam uma posição..............................209 A manifestação de apoio............................................................214 ao «Grupo dos 24»......................................................................214 O Sindicato dos Jornalistas faz autocrítica..............................227 O «Grupo dos 24» acusa o Sindicato dos Jornalistas de divisionismo..................................................231 A intenção de processar o Diário de Notícias e o pedido de Inquérito ao Conselho de Imprensa................239

Capítulo III O fim do «Caso dos 24»?....................................................... 247 O 25 de Novembro e a suspensão do Diário de Notícias........247 A fundação de O Dia...................................................................257 Uma nova direcção para o Diário de Notícias ..........................261 A Posição do Conselho de Imprensa.......................................273 A ENP considera sem efeito o afastamento dos jornalistas.....................................................285 Reintegrações e indemnizações.................................................291

Conclusão................................................................................. 299 Fontes e Bibliografia............................................................... 309 SIGLAS e Abreviaturas Utilizadas....................................... 319

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