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Cadastros de imóveis rurais

Bruno Berti Filho – Oficial de Registro de Imóveis em Votuporanga (SP) e membro da Comissão do Pensamento Registral Imobiliário (CPRI)

O papel do Registro de Imóveis na tutela da propriedade imobiliária rural:

uma visão à luz do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.

Amim coube a parte dos cadastros de imóveis rurais. Eu quero levar o enfoque para a questão do agricultor. É fácil conseguir terra no Brasil? Imaginem a propriedade e a posse. É fácil conseguir financiamento? No Brasil, temos o agronegócio, que toca a locomotiva brasileira, e o pequeno produtor. Aquele que tem empresa, que produz e exporta, tem um tratamento. E o pequeno produtor, que convive com o problema de conseguir terra e financiamento.

E não é verdade que, no Brasil, “em se plantando, tudo dá”. Não é verdade. Temos vários tipos de solo, um solo é mais adequado para uma cultura, outro para outra, pode-se equilibrar com instrumentos, mas tudo

244 tem o seu custo.

E a semente que se usa? A Embrapa fez um grande trabalho, melhorando a produção no cerrado, estudando, produzindo sementes mais adequadas. Ótimo. O próximo passo é plantar. Nossos colegas do Nordeste, principalmente, têm que ficar rezando para chover, senão a semente não vai brotar. E tem que rezar para vir água na medida certa. Choveu demais, morre a planta. Conseguiu uma produção, tem que rezar para o mercado ter procura e ele conseguir pagar todas as dívidas que foi contraindo durante o ciclo da produção. Acabou tudo aí? Não, tem sempre os problemas no curso, as pragas, as pestes.

Conceito de cadastro

Cadastro é um registro, censo, catálogo ou inventário da riqueza territorial de um país, em que se determinam as propriedades rurais e urbanas mediante sua descrição ou expressão gráfica, e sua estimativa econômica, com o objetivo principal de fins fiscais ou tributários, e fins auxiliares de ordem econômica, administrativa, social e civil (Roca Sastre)..

Funções do Cadastro: a) inscrição dos direitos legais sobre o imóvel (registro da propriedade); b) inscrição das suas características físicas (cadastro físico);

c) a inscrição de seu valor para fins tributários (cadastro fiscal). No título, eu falei em “cadastros” e cada um tem uma função. E para nós, o primeiro é o cadastro da propriedade. É o que se faz todo dia no Livro 2. A vendeu para B, atendidos os requisitos. Faz-se o registro. Muda-se a propriedade.

Os cadastros do Incra vão cair na segunda hipótese, que é o cadastro físico. A descrição da matrícula é um cadastro físico também.

E ainda há o cadastro para fins tributários. Agora temos o NIRF – Número do Imóvel na Receita Federal.

Diferenças entre imóvel urbano e rural na matrícula (art. 176, § 1º, II, 3, LRP)

Os requisitos do imóvel que devem constar da matrícula, de acordo com a Lei de Registros Públicos, são os seguintes. Imóvel rural: - código do imóvel; - dados constantes do CCIR; - denominação; - características; - confrontações; - localização; - área. Imóvel urbano: - características; - confrontações; - localização; - área; - logradouro; - número; - designação cadastral, se houver. Esses são os requisitos que interessam na parte cadastral.

Os quatro últimos requisitos do imóvel rural são os quatro primeiros do imóvel urbano.

Logradouro e número não têm no imóvel rural, por isso a “denominação”.

O código do imóvel rural bate com o cadastro urbano, e aí temos os dados do CCIR relativos somente ao imóvel rural.

Como fazer? Vamos descrever o imóvel desse jeito: “Imóvel sob o código número tal no Incra, com os seguintes dados”?

Não creio que a lei seja taxativa, prefiro uma ordem diferente.

Eu identifico o imóvel, uma área rural, uma gleba rural, como quiserem. Qual a área? A localização? Então, começa a descrição do imóvel, e nessa descrição há os confrontantes. Na 13ª linha podemos ler: “confrontando com terras de fulano (matrícula nº ...)”.

O confrontante – pessoa física ou jurídica – pode ser alterado com muita facilidade, a matrícula nem tanto.

Essa é minha sugestão e, no final, coloco os dados do CCIR, número dos módulos, inscrição.

Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR)

O Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR) é documento emitido pelo Incra que constitui prova do cadastro do imóvel rural e é indispensável para desmembrar, arrendar, hipotecar, vender ou prometer em venda o imóvel rural e para homologação de partilha

amigável ou judicial (sucessão causa mortis) de acordo com os parágrafos 1º e 2º, do artigo 22, da Lei nº 4.947, de 6 de abril de 1966, modificado pelo artigo 1º da Lei nº 10.267, de 28 de agosto de 2001.

Para não complicar, esses conceitos são sempre do portal da Receita Federal ou do Incra.

O CCIR é a prova da existência do imóvel junto ao Incra (primeiro número à esquerda). A seguir estão os outros dados necessários.

Módulo rural e módulo fiscal Módulo rural: unidade de medida, expressa em hectares, que busca exprimir a interdependência entre a dimensão, a situação geográfica dos imóveis rurais e a forma e condições do seu aproveitamento econômico.

246 Módulo fiscal: estabelecido para cada município, procura refletir a área mediana dos módulos rurais dos imóveis do município e considera a área aproveitável total do imóvel frente a MF do município.

Portanto, o módulo fiscal é mais voltado para fins tributários, e o módulo rural, para exploração.

Módulo de exploração indefinida e fração mínima de parcelamento

Módulo de exploração indefinida é a unidade de medida, em hectare, a partir do conceito de módulo rural, sem levar em conta a exploração econômica, especificado para uma determinada região definida.

Fração mínima de parcelamento é o módulo mínimo, medida mínima admitida para desmembramento ou divisão do imóvel rural, para manter possibilidade de produção.

O módulo de exploração indefinida, é importante saber, não tem no CCIR. Ele tem somente a finalidade de servir para aquisição de imóvel rural por estrangeiro.

Já a fração mínima de parcelamento é obrigatória, tem que ser seguida, existem as exceções. No caso de desapropriação, pode ser de área inferior? Pode. Usucapião? Pode. Eu quero abrir um posto de gasolina, não vou usar tudo isso, posso? Posso. Ainda vamos voltar a esse assunto.

Número do Imóvel na Receita Federal – NIRF e Cadastro de Imóveis Rurais – CAFIR

Mais um cadastro, o NIRF e o CAFIR.

Número do Imóvel na Receita Federal – NIRF é o número de identificação junto à Receita Federal do Brasil atribuído ao imóvel rural no ato da inscrição no CAFIR. Cadastro de Imóveis Rurais – CAFIR é o cadastro administrado pela Receita Federal do Brasil, com informações referentes aos imóveis rurais do país, seus titulares e, se for o caso, os condôminos e compossuidores.

O NIRF é o número que a Receita Federal atribui. Assim como o CCIR, o NIRF também se tira pela internet.

No portal da Receita Federal também se faz o registro no CAFIR para se receber um número. Para que mais um número se já tem lá o CCIR, que gera o DIAT – Documento de Informação e Apuração do ITR, que já vai ter tributação? Pobre produtor!

Cadastro ambiental rural – CAR e Sistema de Gestão Fundiária – SIGEF

Cadastro ambiental rural – CAR é o registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento. Sistema de Gestão Fundiária – SIGEF é a ferramenta eletrônica desenvolvida pelo Incra e pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário para recepcionar e validar as informações georreferenciadas de limites de imóveis rurais, públicos ou privados, encaminhadas pelos profissionais credenciados para certificação. No sistema, o público pode pesquisar as parcelas certificadas, os requerimentos de certificação pendentes e os profissionais habilitados credenciados.

O pagamento do CAR pode ser feito pela internet, é preciso se inscrever no SICAR, no sistema, e obter o número do CAR. O trabalho tem que ser feito por engenheiro agrimensor.

Tudo isso acaba constando na matrícula. No modelo apresentado não aparece NIRF nem CAR, porque eles estão numa averbação separada. É até uma determinação da Corregedoria.

E ainda tem o SIGEF, que nada mais é do que o georreferenciamento. Obtém-se um número de certificação que deve constar na averbação do georreferenciamento.

Apesar do trabalho, o SIGEF é muito interessante uma vez que evita a superposição de terras. O imóvel rural é diferente do imóvel urbano com muros e confrontação facilmente identificáveis. O imóvel rural tem uma cerca, mas será que essa cerca é interna ou externa? O imóvel rural começa lá no córrego tal, que vai até o eucalipto ou a jaqueira. O SIGEF vai resolver isso.

Essa é a parte cadastral, mas outros documentos também são necessários: a) Imposto sobre a propriedade territorial rural (ITR) dos últimos cinco anos; b) Documento de Informação e Apuração do ITR (DIAT); c) certidão negativa de débitos e de regularidade de situação do contribuinte individual (CND/DRS/CI); d) Certidão negativa de multas ambientais (art. 37 Lei 4.771/1965, revogada pela Lei 12.651/2012). O Registro de Imóveis tem o papel de fiscalizador, de agente de rendas do governo. O STF declarou inconstitucional somente um inciso referente às pessoas jurídicas. Os outros ainda não.

O DIAT é um complemento do próprio CCIR com alguns dados de produção e o que mais importa, o valor atribuído pelo governo para fins fiscais. Isso é importante mais para o efeito de cálculo de emolumentos.

Se o produtor tiver funcionários, ele ainda é obrigado a apresentar essa certidão negativa de regularidade para comprovar que não tem débitos perante a Receita Federal.

E ainda tem a certidão negativa de multas ambientais. Embora essa exigência tenha sido revogada, existem normativas específicas em cada Estado a respeito. Qual normativa é que vale, a estadual ou a lei? Eu entendo que é a lei. Então, essa certidão poderia ser dispensada, ficando ao prudente critério de cada registrador. “ O DIAT É UM COMPLEMENTO DO PRÓPRIO CCIR COM ALGUNS DADOS DE PRODUÇÃO E O QUE MAIS IMPORTA, O VALOR ATRIBUÍDO PELO GOVERNO PARA FINS FISCAIS. ISSO É IMPORTANTE MAIS PARA O EFEITO DE CÁLCULO DE EMOLUMENTOS.

Imóvel rural

Já se falou aqui sobre a distinção entre imóvel rural e urbano e o critério da destinação. O que mais interessa? O problema da transformação dessa natureza. É possível que um imóvel urbano passe a ser rural. É difícil ver isso, mas acontece.

O mais comum é o imóvel deixar de ser rural e passar a ser urbano. É aquela história do posto de gasolina. O Incra dificilmente daria autorização para instalação de um posto. Por quê? Não atende a questão do módulo rural, fração mínima de parcelamento. Menor que isso é impossível dar subsistência a uma família. Um posto fica muito longe do módulo rural. Mil metros, em tese, já dariam para instalar. Em mil metros não se produz nada.

O procedimento é simples. Em primeiro lugar, se tiver uma lei estabelecendo o zoneamento urbano, isso é suficiente para pedir o cadastramento na prefeitura e pedir baixa no Incra. No Rio Grande do Sul, para fazer a baixa, o Incra pede que antes seja feita averbação na matrícula. Em São Paulo e em outros Estados isso não ocorre. Chega-se com a documentação da prefeitura e o Incra autoriza.

O retorno ao imóvel rural é um pouco mais complicado, embora a dinâmica seja a mesma. Chega-se na prefeitura, reconhece-se a utilização rural – em geral, de pequenas hortas. A seguir se vai ao Incra.

Qual a importância disso? Tributo. ITR e IPTU. Até três anos atrás, no cartório, havia um imóvel urbano dentro da cidade, a 600 metros do marco zero da cidade, que era rural. Dois meses atrás a pessoa que transformou o imóvel rural em urbano pensando em lotear desistiu. A expectativa do mercado não é boa e, para pagar menos imposto, quer o regresso ao imóvel rural. Então, é possível essa transformação sim.

Cadastro de pessoas estrangeiras

O embasamento legal é o art. 10 da Lei nº 5.709/1971. A lei dispõe que tem que haver um livro auxiliar de registro de estrangeiros do qual constará: a) documento de identidade das partes contratantes e atos de constituição se pessoa jurídica;

b) memorial descritivo do imóvel, com área, características, limites e confrontações; e, c) transcrição do órgão competente, quando for o caso.

Basicamente, esse livro é uma duplicação da matrícula. A única diferença é a inclusão do item c). A autorização, se houver, e o resto é tudo igual.

Tudo? Nem tanto. No Livro 2 eu faço remissão de que aquele registro, por envolver estrangeiro, foi objeto de registro no Livro de Estrangeiros. E vice-versa. No Livro de Estrangeiros eu anoto que aquele imóvel já tem registro no Livro 2, sob a matrícula tal. Vendido o imóvel, averba-se no Livro de Estrangeiros que foi vendido por um brasileiro. E se for vendido para outro estrangeiro? A lei não fala nada. Eu já tive esse caso e entendi que era simples averbação. O imóvel é o mesmo, passou de um português para outro português. Então, não tem problema nenhum.

Conclusão

O papel do Registro de Imóveis na tutela da propriedade imobiliária rural: uma visão à luz do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.

Então, a proposta que eu tenho é essa. Uma visão diferente do Registro de Imóveis. Aquele escopo da Comissão do Pensamento Registral. Podemos ser melhores? Podemos. E essa é minha mensagem final.

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