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A participação do Incra no parcelamento de imóveis rurais à vista das Instruções Normativas 17-B/1980 e 82/2015

A participação do Incra

no parcelamento de imóveis

rurais à vista das Instruções

Normativas 17-B/1980

e 82/2015

Christian Beurlen – Oficial de Registro de Imóveis em Pomerode (SC) e vice-presidente do IRIB para o Estado de Santa Catarina

“Da maneira como foi implementada, a nova instrução normativa colige com o restante do nosso ordenamento jurídico, com a jurisprudência e a doutrina que já estavam consolidadas sobre o tema. Isso gerou um vazio relativamente perigoso, outorgando de maneira informal, para os registradores imobiliários, uma competência que, em princípio, seria da União Federal.

Eu fui convidado a falar sobre o tema do parcelamento dos imóveis rurais, particularmente à vista de uma modificação normativa recente, a revogação da Instrução Normativa 17-B, que desde 1980 regulamentava a participação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) nesse procedimento.

A IN-17B não era perfeita. Ela tinha disposições que estavam em discordância com a legislação, com a doutrina ou com a jurisprudência do assunto. Por exemplo, no que diz respeito ao desmembramento dos imóveis rurais em zona urbana, havia discordância significativa quanto ao que acabou se consolidando na jurisprudência. Mas ela trazia certa estabilidade para as relações institucionais entre os órgãos envolvidos na aprovação e para o registro de tais fracionamentos.

Em 2015, houve certa surpresa quando o Incra resolveu revogar essa instrução. E ainda mais surpreendente foi que essa revogação tenha se dado por uma instrução normativa que não tratava de parcelamento de imóvel rural.

A Instrução Normativa 82/2015 que revogou a IN-17B (art. 35) versava sobre cadastro, o que gerou surpresa nos intérpretes jurídicos, porque restou um vazio decorrente de uma norma que não trata em absoluto do parcelamento rural.

Temos, então, um ordenamento jurídico exigindo que conste a participação do Incra nesses procedimentos e ao mesmo tempo um vazio de como essa participação vai acontecer.

Da Instrução Normativa nº 17-B/1980

Vamos ver como a IN-17B preceituava em cada um dos três casos de parcelamento, e depois falar um pouco sobre a IN-82 e o que levou o Incra a essa revogação e consequente vazio normativo dentro do próprio Instituto.

No nosso ordenamento, os imóveis rurais e os urbanos têm dois critérios básicos para serem agrupados. O primeiro critério é a finalidade. Ou seja, se o imóvel tem destinação rural, então ele deve ser considerado como imóvel rural.

Em outros momentos, nosso ordenamento utiliza o critério geográfico. Se o imóvel está localizado em zona que, para o plano diretor, é considerada de destinação urbana, ele é considerado urbano.

Esses dois critérios se mesclam, às vezes são utilizados simultaneamente, e é justamente esse o caso da IN-17B.

Ou seja, a IN-17B disciplinava a participação do Incra nos parcelamentos de imóveis rurais agregando- -os em três grupos cujos critérios distintivos eram a finalidade do parcelamento e a localização do imóvel. i. Parcelamento para fins urbanos de imóvel rural localizado em zona urbana ou de expansão urbana (item 2 da IN-17B). Procedimento: mera atualização do SNCR após o registro.

No primeiro critério, os imóveis eram agrupados do ponto de vista da finalidade, ou seja, um imóvel é rural porque tem destinação rural. Mas o Incra regrava

que o desmembramento dos imóveis, que apesar de destinação rural estavam localizados em zona urbana, se direcionava a obter um imóvel com destinação urbana também. Por exemplo, pelo plano diretor o imóvel tem localização urbana, está destinado a finalidade rural, mas se pretende desmembrar uma gleba para dar uma destinação urbana. É o caso típico daquelas situações em que o filho casou, quer construir um prédio, e o pai vai desmembrar um pedaço para que ele possa ali edificar.

ii. Parcelamento para fins urbanos de imóvel rural localizado fora da zona urbana ou de expansão urbana (item 3 da IN-17B). Procedimento: audiência do Incra após aprovação e antes do registro.

Eu tenho um desmembramento com finalidade urbana, mas o imóvel é rural e está localizado em zona rural.

iii. Parcelamento para fins agrícolas de imóvel rural localizado em zona rural (item 4 da IN-17B). Procedimento: prévia aprovação do projeto pelo Incra.

O terceiro caso é o imóvel de destinação rural. O desmembramento é com destinação rural e ele está localizado em zona rural.

A maneira pela qual o Incra se comportava estava agrupada e era diferenciada para cada um desses casos.

Com a IN-17B, no primeiro caso, o Incra entendia que ele não participava antes do procedimento de registro. Somente depois do registro é que o interessado alterava o cadastro do imóvel rural no Sistema Nacional de Cadastro Rural, o chamado SNCR.

No segundo caso, o Incra entendia que precisava ser previamente ouvido. Eu não sei qual a diferença entre audiência e aprovação. Se é preciso que o órgão seja ouvido, evidentemente que ele emite algum non obstat. O que fica evidente lendo a antiga IN-17B é que o grupo de documentos necessários para aprovação do projeto era mais detalhado do que o da audiência. Aparentemente, era o grau de complexidade do procedimento que justificava essa distinção entre aprovação e audiência.

226 Como a doutrina, a lei e a jurisprudência tratavam esses três agrupamentos?

Participação do Incra nos parcelamentos para fins urbanos de imóvel rural localizado em zona urbana ou de expansão urbana

i. Embora a IN-17B determinasse apenas a atualização cadastral do imóvel (CIR) após o registro do parcelamento, a Lei 6.766/1979 exige a prévia audiência do órgão em seu artigo 53: “Todas as alterações de uso do solo rural para fins urbanos dependerão de prévia audiência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária...”, dentre outros órgãos.

Ou seja, para mudar a destinação do imóvel é preciso ouvir o Incra a respeito do assunto e outros órgãos competentes.

A doutrina também entendia de acordo com a Lei 6.766. ii. Em artigo sobre o tema, Elvino Silva Filho ratifica a Lei de Parcelamento do Solo Urbano ao defender que o desmembramento de imóvel rural para fins urbanos ou de urbanização deve ser previamente aprovado pelo Incra . iii. A jurisprudência pátria também tem ratificado o teor do citado dispositivo, exigindo prévia participação do Incra nos parcelamentos de imóvel rural para fins urbanos, in verbis:

“A Lei nº 6.766/79, em seu artigo 53, dispõe que ‘todas as alterações de uso do solo rural para fins urbanos dependerão de prévia audiência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, do Órgão Metropolitano, se houver, onde se localiza o Município, e da aprovação da prefeitura municipal, ou do Distrito Federal quando for o caso, segundo as exigências da legislação pertinente’. No caso em análise, não se comprovou que o imóvel objeto do pedido de registro não está mais cadastrado como imóvel rural perante o INCRA. Nesse sentido, já decidiu este Conselho Superior da Magistratura: ‘Registro de Imóveis. Dúvida julgada procedente. (...) Alegada destinação urbana de imóvel original-

mente rural. Necessária apresentação de certidão de descadastramento pelo INCRA. Recurso não provido’ (CSMSP – APELAÇÃO CÍVEL 790-6/6, j. 27/05/2008, Relator Des. Ruy Camilo).’ O item 169, ‘b’, do Capítulo XX das NSCGJ, por sua vez, corrobora a imposição da averbação prévia de alteração da destinação do imóvel, de rural para urbano, com a apresentação de certidão expedida pelo INCRA, para o parcelamento de imóvel rural para fins urbanos.” (CSMSP – APELAÇÃO CÍVEL 3002217-43.2013.8.26.0637; Data de Julgamento: 11/11/2014; DATA DJ: 22/01/2015; Relator Des. Elliot Akel).

iv. O Código de Normas da CGJ-SP também determina a obrigatória participação do INCRA nos casos de parcelamento de imóvel rural para fins urbanos localizado em zona urbana, conforme abaixo se observa, ad litteris et verbis:

168. O parcelamento do solo para fins urbanos será precedido de averbação de lei municipal que incluiu o imóvel parcelado em zona urbana, bem como da comprovação da ciência do INCRA. 168.1. A ciência será comprovada pela apresentação da certidão do INCRA ou do comprovante de protocolo da cientificação. 168.2. No caso de ser apresentado comprovante de protocolo de cientificação, registrado o parcelamento do solo, o Oficial de Registro de Imóveis enviará ao INCRA certidão comprobatória do citado ato para conhecimento e respectivas providências.

v. O próprio Instituto, ao ser questionado sobre o tema, acabou ratificando o disposto no artigo 53 da Lei nº 6.766/1979. Com efeito, em 2011, após manifestações contraditórias dos analistas da Superintendência Regional do Incra em Santa Catarina, encaminhamos ofício ao Incra-DF, questionando a vigência da IN-17B e a maneira pela qual o Instituto conferia eficácia ao art. 53 da Lei de Parcelamento do Solo Urbano. Em resposta, recebemos a Nota AGU/PGF/PFE/ INCRA/SC nº 44/2011, bem como a Informação PJA nº 259/2001, elaboradas pela Procuradoria-Geral Federal. Ambas concluíam pela prévia manifestação do Incra em quaisquer dos três casos de parcelamentos da IN-17B, com a consequente e prévia emissão de certidão para fins de registro. Portanto, até a revogação da IN-17B, o Incra-SC também se manifestava previamente ao registro nos casos de parcelamento rural para fins urbanos em zona urbana.

Participação do Incra no parcelamento para fins urbanos de imóvel rural localizado fora da zona urbana

i. Nesse caso, a IN-17B previa audiência do Incra antes do registro no fólio imobiliário.

Como mencionado, o Incra tinha que manifestar alguma coisa sobre o assunto, algo como um non obstat, e de fato fazia isso.

ii. A jurisprudência pátria consolidou o entendimento de que o parcelamento de áreas localizadas em zona rural para fins de urbanização deve ser precedido de alteração do zoneamento municipal. Ou seja, fora da zona urbana definida da maneira como o plano diretor faz não seria possível desmembramento de imóvel rural com finalidade urbana.

Eu gostaria de trazer uma diferenciação que o Elvino Silva Filho fez de forma muito sábia naquele artigo da RDI nº 7 [Nota 1] sobre o que seria um desmembramento para finalidade urbana e um desmembramento para finalidade de urbanização. O que a jurisprudência acabou entendendo como proibido é o que o Elvino acabou entendendo como um desmembramento para fins de urbanização. Mas se o objetivo é implantar um loteamento, um núcleo urbano em zona rural, em princípio esse parcelamento não seria possível. É preciso antes alterar o plano diretor para que esse imóvel seja considerado como espaço urbano ou de expansão urbana. Só assim o imóvel pode ser desmembrado com essa finalidade. iii. De outro lado, o Decreto Federal nº 62.504/1968 permite o desmembramento de áreas de imóveis rurais menores que a fração mínima de parcelamento (FMP), desde que aprovados pelo Incra em benefício da ordem pública, tais como as áreas destinadas à implantação de escolas, templos, teatros, comércio, postos de combustíveis, etc.

Nesse caso, especificamente, não estão abarcados aqueles casos que Elvino denominava como “desmembramentos para fins urbanos”. Essa proibição não é inflexível, ela tem inclusive previsão no nosso ordenamento. O Decreto 62.504 permite desmembrar um pequeno pedaço de um imóvel rural com a finalidade não de promover urbanização, mas de instalar equipamentos que são necessários para o desenvolvimento da zona rural. Não é possível existir zona rural sem que os insumos necessários ao seu desenvolvimento e outros equipamentos sociais estejam ali implantados. O desenvolvimento da zona rural compreende também a questão dos direitos humanos, é preciso que as pessoas tenham acesso a serviços básicos como apoio a essas atividades. iv. O Decreto Federal 59.428/1966, em estímulo à maior eficiência econômica e ao adensamento das zonas rurais, regulamenta não apenas a colonização agrícola (art. 5º), mas igualmente o parcelamento para fins de urbanização (art. 13), desde que haja prévia anuência do Incra (art. 95) e alteração da legislação municipal (art. 96).

v. Os Decretos nº 59.428/1966 e nº 62.504/1968 estavam em consonância com a política agrária do governo Castelo Branco, que enxergava no latifúndio improdutivo a razão para a existência dos movimentos campesinos que pressionavam pelas Reformas de Base – fonte de considerável instabilidade política e conflito social. Os Decretos regulamentavam, portanto, políticas de estímulo ao adensamento populacional no campo e ao incremento da eficiência agropastoril, visando a minoração de conflitos e a pacificação social. O Decreto Federal 59.428, que regulamentava o desenvolvimento da zona rural, previa essa maior eficiência da atividade rural e o adensamento das áreas rurais mediante projeto de colonização, mas também uma série de outras medidas que permitiriam o desenvolvimento da zona rural.

Toda essa legislação sobre a zona rural, incluindo o Estatuto da Terra, é da década de 1960 e foi patrocinada pelo governo Castelo Branco, que entendia que o latifúndio improdutivo era um dos problemas que resultaram nas convulsões sociais que precederam

228 o governo militar de 1964. O governo Castelo Branco, surpreendentemente, passou a promover uma série de medidas de modernização no campo visando amenizar esses conflitos. Ele entendia que o campo realmente precisava ser modernizado, os latifúndios precisavam ser produtivos e os imóveis improdutivos precisavam ser parcelados, fracionados, visando a implantação de novos agrupamentos que pudessem servir de colchão para os conflitos sociais. Então, o Estatuto da Terra e esses dois decretos, por exemplo, tinham como objetivo trazer mais eficiência para a atividade agropecuária e reduzir esses conflitos.

Toda a documentação legal da época precisa ser interpretada sob essa ótica. Na verdade, tudo aquilo que o governo visava era que a zona rural brasileira pudesse passar por um processo de modernização que diminuísse os conflitos agrários.

Participação do Incra nos parcelamentos para fins agrícolas de imóvel rural localizado em zona rural

i. Nesses casos, a IN-17B previa a expressa aprovação do projeto pelo Incra em momento anterior ao registro. ii. O artigo 10 da Lei nº 4.947/1966, c/c artigo 95 do Decreto nº 59.428/1966, reitera os termos da IN- -17B quanto aos loteamentos, exigindo a aprovação do Incra como requisito para o registro – sob pena de nulidade do lançamento e dos atos subsequentes.

Os decretos 59.428 e 62.504 tratam o tema de maneira extremamente pormenorizada, e em todos os casos exigem a participação do Incra. Em que pese a expressa dicção da Lei 4.947 a respeito da manifestação do Incra nos casos de loteamento rural, a leitura sistêmica do Decreto 59.428 revela que também nos desmembramentos rurais o Incra deveria ser chamado a se manifestar.

Ocorre que como aquele artigo falava expressamente dos loteamentos, ou seja, dos parcelamentos da espécie loteamento, a jurisprudência acabou se consolidando no sentido de que, caso se tratasse de des-

membramento, não haveria necessidade de manifestação prévia do Incra. iii. Quanto aos parcelamentos da espécie desmembramento, contudo, os tribunais têm decidido em sentido contrário à IN-17B; ou seja, os desmembramentos rurais para fins rurais não precisam ser previamente aprovados pelo Incra, desde que obedecida a fração mínima de parcelamento (FMP): “...observando-se que se cuida de desmembramento (não loteamento) de imóvel rural, não há que se falar, no caso, em aprovação do INCRA (CSM-SP, Ap. Civ. nº 12.189-0/4, já referido)”. (CGJ-SP – Proc. 259/2006).

Há também algumas decisões de cunho penal, apelações criminais que também sancionam esse entendimento, uma vez que não seria uma conduta típica penal porque não haveria previsão de aprovação do Incra nos casos de desmembramento. iv. Elvino Silva Filho, no artigo citado, defende que os desmembramentos de imóveis rurais para fins rurais estão implicitamente autorizados pelo Incra por meio da indicação da FMP na Certidão de Cadastro do Imóvel Rural (CCIR). Obedecida a fração, desnecessária seria a participação do Instituto.

Portanto, o autor entende que a FMP inserida na CCIR do imóvel é uma pré-aprovação dos procedimentos de desmembramento do imóvel rural. Não dos loteamentos, que são obrigatoriamente aprovados pelo instituto. v. Segundo Elvino, também não carecem de anuência do Incra os desmembramentos para anexação de áreas a imóvel lindeiro, ainda que em fração menor que a FMP, cf. art. 8º, § 4º, da Lei 5.868/1972 (in RDI nº 7. IRIB: São Paulo, 1981, p. 72). Ele emite opinião no sentido de que naquele caso da Lei 5.868 – desmembramento de uma faixa do imóvel para anexação a um imóvel lindeiro – não seria necessária a prévia aprovação. Não haveria necessidade nem de respeitar a fração mínima de parcelamento e nem de ouvir o Incra.

No cartório nós não temos feito esses procedimentos de transferência de área para anexação por meio de parcelamento do imóvel. Atualmente utilizamos a previsão do art. 213, § 9º, da Lei de Registros Públicos, que prevê a venda – com compra e venda ou qualquer tipo de negócio jurídico subjacente – com anexação de área. Um procedimento extremamente mais curto e mais célere. Ao fazer o desmembramento do imóvel para depois vender, e depois unificar, temos três etapas do procedimento que são muito mais custosas para os interessados. Pela alteração de divisas, com uma única escritura pública se resolve tudo. Dependendo do negócio jurídico subjacente, fazemos a compra e venda ou doação – pode ser por desapropriação – junto com a alteração de divisas. Com uma única escritura tudo está feito. A área retirada de um imóvel é adicionada ao outro, descrevendo-se o remanescente dos dois. É bem mais rápido. Essa discussão fica um pouco para trás.

vi. A IN-17B, em consonância com o Decreto nº 59.428/1966, contudo, exigia prévia aprovação também dos projetos de desmembramento rural para fins rurais, a fim de verificar sua viabilidade econômica, os índices de aproveitamento do solo, etc.

Como mencionado, a IN-17B prevê a aprovação dos dois casos, tanto do desmembramento, quanto “ NO CARTÓRIO NÓS NÃO TEMOS FEITO PROCEDIMENTOS DE TRANSFERÊNCIA DE ÁREA PARA ANEXAÇÃO POR MEIO DE PARCELAMENTO DO IMÓVEL. UTILIZAMOS A PREVISÃO DO ART. 213, § 9º, DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS, QUE PREVÊ A VENDA – COM COMPRA E VENDA OU QUALQUER TIPO DE NEGÓCIO JURÍDICO SUBJACENTE – COM ANEXAÇÃO DE ÁREA.

do loteamento. Haveria necessidade de manifestação do Incra, mas eu acredito que a leitura sistêmica da legislação rural permite entender que a manifestação do Incra seria obrigatória nos desmembramentos. Como vimos, contudo, a jurisprudência e a doutrina entendem um pouco diferente.

Faço uma observação. A Lei nº 13.001/2014 flexibilizou a FMP para os agricultores familiares. Em tais casos, caberia também a dispensa da participação do Incra nos desmembramentos mesmo que desrespeitada a FMP?

Doutrina e jurisprudência entendem que não é preciso aprovação do Incra nos casos em que há respeito à fração mínima de parcelamento.

No caso da Lei nº 13.001, que dispõe que não existe mais fração mínima de parcelamento, basta desmembrar sem respeito à fração mínima de parcelamento? Nesse caso, a fração mínima de parcelamento é irrelevante. Se se trata de agricultor familiar, em princípio não seria preciso respeitar a fração mínima de parcelamento. Qualquer pedaço de terra poderia sofrer desmembramento desde que se tivesse a comprovação de ser o interessado agricultor familiar. Como seria esse procedimento? Há certa insegurança jurídica nos conceitos envolvidos. Como comprovar que se trata de um agricultor familiar ou não? Conclusão sobre a IN-17B

Em síntese, a IN-17B regulamentava a participação do Incra nos parcelamentos rurais de maneira divergente do entendimento da doutrina e jurisprudência: • Embora dispensasse prévia participação do Instituto nos parcelamentos rurais de imóveis em zona urbana, doutrina, lei e jurisprudência vinham-na exigindo. • De outro lado, a IN exigia a aprovação do Incra nos desmembramentos rurais para fins rurais, caso em que doutrina e jurisprudência dispensavam qualquer participação. • Tacitamente alterada pela Informação PJA nº 259/2001, contudo, a IN-17B regulamentava a forma de participação do Incra em todos os três casos de parcelamento de imóveis rurais – agregando segurança jurídica ao registro imobiliário e estabilidade nas relações institucionais.

Nós vínhamos recebendo essas certidões com certa regularidade em todos os casos de parcelamento de imóvel rural. Tratando-se de imóvel cadastrado no SNCR, o parcelamento vinha acompanhado de certidão obtida no Incra com o non obstat do procedimento. Da instrução normativa INCRA 82/2015

• A IN-82/2015 não regulamenta os procedimentos do Incra para aprovação de parcelamentos rurais, tendo como objeto, em verdade, a atualização do Sistema Nacional de Cadastro Rural.

• Apesar de ostentar objeto diverso da IN-17B, o art. 35 da nova instrução revogou aquela integralmente, pondo em seu lugar apenas regras para alteração do SNCR em momento posterior ao registro de eventual fracionamento do solo.

A surpresa foi particularmente grande porque a IN-82 tratava de assunto completamente diferente. A IN-17B tratava de parcelamento rural. A IN-82 trata de cadastro e, no final, simplesmente revoga a IN-17B, que com todos os defeitos estava funcionando. Todos os atores sabiam como se manifestar e as certidões eram emitidas. Subitamente não há nada no lugar e as superintendências regionais passaram a não mais emitir qualquer tipo de documento. “ QUALQUER PEDAÇO DE TERRA PODERIA SOFRER DESMEMBRAMENTO DESDE QUE SE TIVESSE A COMPROVAÇÃO DE SER O INTERESSADO AGRICULTOR FAMILIAR. COMO SERIA ESSE PROCEDIMENTO? HÁ CERTA INSEGURANÇA JURÍDICA NOS CONCEITOS ENVOLVIDOS.

• À vista da IN-82/2015, diversas superintendências passaram a não mais emitir certidões para quaisquer parcelamentos rurais, independentemente de sua localização ou finalidade.

• O caráter sintético da revogação, desacompanhada de qualquer justificativa teórica, ensejou inúmeras dúvidas sobre a atuação do Incra nos parcelamentos rurais, resultando na Nota Técnica INCRA/DF/ DFC nº 02/2016.

Da nota técnica INCRA/DF/DFC 02/2016

A Nota Técnica INCRA/DF/DFC nº 02/2016 alega, em síntese, que nenhum parcelamento rural deveria ser aprovado pelo Incra, vez que:

i. A CF/1988 elevou a hierarquia dos Municípios, outorgando-lhes competência exclusiva para o ordenamento da totalidade de seu território (art. 30, VIII, CF/1988), inexistindo, pois, competência da União para intervir nos parcelamentos de imóveis rurais em áreas rurais ou urbanas.

CONTRA-ARGUMENTOS

• O citado art. 30 da CF/1988 não outorga competência privativa ao município para ordenar todo seu território; além de mencionar apenas os espaços urbanos, é precedido de outros artigos que outorgam competências urbanas executiva e legislativa também para União e Estados (art. 21, IX e XX, art. 23, VIII, IX e XI, art. 24, I, VI...).

A questão urbana também é competência da União e dos Estados. Evidentemente, se a questão é eminentemente local, em princípio a primazia seria dos municípios. Mas primazia não é exclusividade.

• A CF/1988 seguiu a tradição constitucional brasileira, outorgando à União a primazia quanto ao ordenamento das zonas rurais e competência comum/concorrente para as questões urbanas, justificando, pois, participação federal.

A União é que trata das questões de ordem rural com precedência em relação aos demais entes. Então, o argumento inicial e principal da nota técnica para justificar a revogação da IN-17B pela IN-82 e nada colocar no lugar, não é bem o que diz a Constituição. A Constituição diz que a questão urbana, particularmente quando envolve questões regionais e questões nacionais precisa sim ter a coparticipação da União e dos Estados.

• Como reconhece a própria Nota, não há hierarquia entre entes federados, mas a doutrina e a jurisprudência asseguram prevalência das questões de alcance nacional e regional (de competência federal e estadual) frente a questões municipais de âmbito local – ao contrário, portanto, do que se sugere na Nota.

ii. As Leis nº 6.513/1977 (criação de áreas turísticas), nº 6.766/1979 (parcelamento do solo urbano) e nº 6.803/1980 (áreas industriais poluidoras) teriam revogado tacitamente as Leis nº 4.504/1964 e 4.947/1966, o Decreto nº 59.428/1966 e a IN-17B quanto à urbanização de áreas rurais, não se exigindo naquelas a oitiva do Incra – à exceção do art. 53 da Lei 6.766/1979, que seria controverso. CONTRA-ARGUMENTOS • A controvérsia de uma norma não lhe retira a cogência – sua inconstitucionalidade precisa ser declarada pelo órgão judicial para tanto competente não o podendo fazer, em regra, a Administração Pública. O contra-argumento bem simples é que a controvérsia de um dispositivo legal não implica a sua revogação. Temos milhares de artigos controversos no nosso ordenamento jurídico e nenhum deles está revogado somente porque são controversos.

• Nenhuma das três leis (6.513/1977, 6.766/1979 e 6.803/1980) dispôs sobre parcelamentos rurais, políticas fundiárias, colonização, etc., limitando-se a regular zonas industriais, zonas de interesse turístico e parcelamento do solo urbano. Nos termos do art. 2º, § 2º, da LINDB, a lei nova que estabelece disposições gerais ou especiais a par das existentes não revoga nem modifica a lei anterior. O Estatuto da Terra e seus regulamentos não foram, portanto, por ela revogados.

• Por fim, as três referidas leis já estavam em vigor quando se editou a IN-17B, não se podendo alegar que teriam revogado tacitamente um regulamento a elas posterior. Por impossibilidade lógica, normas anterio-

res não revogam normas posteriores.

iii. Os parcelamentos rurais para fins urbanos em zona rural (item 3 da IN-17B) estariam integralmente proibidos pelo ordenamento, razão pela qual não haveria participação lícita do Incra em tais procedimentos, justificando, em tese, a revogação desse tópico da IN-17B.

CONTRA-ARGUMENTOS • O ordenamento jurídico não veda o parcelamento para fins urbanos em zona rural; o que a jurisprudência tem coibido é o parcelamento de imóveis rurais para fins de urbanização sem que haja expressa e prévia aprovação de todos os órgãos competentes – inclusive o Incra, em consonância com o disposto no artigo 53, da Lei nº 6.766/1979.

O que o ordenamento diz é que esses desmembramentos precisam da anuência do Incra e de outros órgãos competentes, não que eles sejam proibidos.

• A Nota Técnica se omite integralmente quanto ao Decreto 62.504/1968, que regulamenta os desmembramentos para fins urbanos em zona rural, voltados ao desenvolvimento do campo por meio da instalação de escolas, teatros, silos, postos de combustíveis, etc. Mesmo que em lotes menores que a FMP, tais parcelamentos para fins urbanos carecem da prévia aprovação do Incra e não foram proibidos pela Carta Magna nem pela legislação em vigor.

iv. Os parcelamentos para fins rurais fora da zona urbana previstos no item 4 da IN-17B seriam apenas os planos particulares de colonização e somente estes dependeriam de prévia aprovação do Incra; os demais parcelamentos do gênero deveriam obedecer somente à FMP, cabendo às serventias extrajudiciais a verificação da fração e de indícios de parcelamento irregular do solo rural pra fins urbanos. CONTRA-ARGUMENTOS • A IN-17B não regulamentava apenas planos particulares de colonização. As Leis nºs 4.504/1964, 4.947/1966, 5.868/1972 e o Decreto 59.428/1966 – todas referidas como fundamento legal do item 4 da Instrução – disciplinam diversos institutos relaciona

232 dos ao campo, tais como reforma agrária, estrutura fundiária, fracionamento do solo, contratos agrários, bem como desmembramentos e loteamentos sem vínculos com projetos particulares de colonização.

Esses loteamentos e desmembramentos previstos no item 4 da IN-17B regulamentavam inúmeras outras situações de fracionamento do solo urbano e não exclusivamente esse item citado na nota técnica de planos particulares de colonização.

• O Capítulo II da Lei 4.947/1966 trata de forma ampla sobre A Terra e os Imóveis Rurais e não apenas de colonização; diz o artigo 10: “fica vedada a inscrição de loteamentos rurais no registro de imóveis, sem prova de prévia aprovação pela autoridade pública competente a que se refere o art. 61 da Lei nº 4.504...”. A referida autoridade é atualmente... o próprio Incra (sucessor do extinto IBRA mencionado na lei).

• O Decreto 59.428/1966, por sua vez, regulamenta, além dos planos de colonização, inúmeras outras políticas de acesso à propriedade rural, tais como o loteamento, o desmembramento, a desapropriação, a legitimação da posse, etc.

• Outrossim, a definição de colonização dada pelo art. 5º do Decreto 59.428/1966 é ampla: “toda atividade oficial ou particular destinada a dar acesso à propriedade da terra e a promover seu aproveitamento econômico, mediante o exercício de atividades agrícolas, pecuárias e agro-industriais, através da divisão em lotes ou parcelas, dimensionados de acôrdo com as regiões definidas na regulamentação do Estatuto da Terra, ou através das cooperativas de produção nela previstas”. Na verdade, o Decreto 59.428, como comentamos, trata do acesso à terra por meio de vários instrumentos e não apenas por meio de planos particulares de colonização. Uma interpretação sistêmica desses instrumentos implicava entender que o Incra precisa ser ouvido também nos procedimentos de parcelamento da categoria desmembramento e loteamento, e não apenas nos planos particulares de colonização.

• Segundo o Decreto, a aprovação e a fiscalização de tais projetos, seus índices de aproveitamento, a di-

mensão das parcelas e lotes, a viabilidade das culturas, a manutenção da finalidade rural, etc., são atribuições outorgadas não às serventias extrajudiciais, mas, ao Incra.

v. Alega-se, ademais, que a IN-82/2015 foi elaborada pela Coordenação-Geral de Cadastro Rural, cuja competência não abarca a aprovação, fiscalização e regulamentação dos projetos de colonização e de parcelamento rural – tarefa de alegada competência da Divisão de Obtenção de Terras; assim, ainda que se reconhecesse lacuna normativa advinda da revogação da IN-17B, não poderia ela regrar matéria de outro órgão da Administração.

CONTRA-ARGUMENTOS • Com plena razão se advoga a impossibilidade de um órgão administrativo regrar assuntos de outro sobre o qual não tenha ascendência hierárquica. Questiona-se, contudo: se não há competência normativa positiva, haveria competência negativa? Ou seja, se a Coordenação-Geral de Cadastro Rural que editou a IN82/2015 não tem competência para regulamentar os temas outrora contidos na IN-17B, teria competência para revogá-la?

vi. Por fim, a Nota Técnica conclui pela incompetência do Incra para aprovar projetos de parcelamentos de imóveis rurais, exceção feita aos planos de colonização particular, cuja regulamentação entende não ser competência da Coordenação de Cadastro; sugere, ademais, que a prévia audiência do Instituto prevista no art. 53, da Lei 6.766/1979, seja interpretada como atualização de cadastro posterior ao ato de registro.

Então, a Nota Técnica entende que a prévia audiência do Incra não seria necessária e que o art. 53 da Lei 6.766/1979 precisa ser interpretado. A palavra “prévia” deveria ser interpretada como “posterior”, e “audiência” deveria ter sido interpretada como mera alteração cadastral.

Confesso certa dificuldade em entender “prévia” como “posterior” em um processo hermenêutico, então, outros comentários são dispensáveis. Desde a revogação da IN-17B não se tem nada no lugar. A Superintendência-geral de Santa Catarina se recusa a fornecer qualquer tipo de documento nesses parcelamentos rurais. Apesar disso, eu acho que esses argumentos pós Nota Técnica não explicam o vazio normativo e a discrepância da ausência de participação do Incra em todos esses procedimentos possíveis de acontecer, ou de fracionamento de solo rural, e a meu ver isso gera certa insegurança jurídica para os registradores.

No final das contas, fica a sugestão: desde que obedecida a fração mínima de parcelamento, e desde que não haja indícios de destinação urbana para o imóvel, devemos registrar sem a participação do Incra. Em outras palavras, mais uma vez o Estado está transferindo a competência que está atribuída a um órgão público de natureza federal para registradores imobiliários. Nós, registradores, é que vamos ter que fiscalizar se há indício de alteração da destinação do imóvel. Parece que essa não é competência nossa. Em princípio essa competência está atribuída, pela legislação nacional, ao Incra, e não aos registradores imobiliários.

Da maneira como foi implementada, a nova instrução normativa colige com o restante do nosso ordenamento jurídico, com a jurisprudência e a doutrina que já estavam consolidadas sobre o tema. Isso gerou um vazio relativamente perigoso, outorgando de maneira informal, para os registradores imobiliários, uma competência que, em princípio, seria da União Federal. “ (...) O ESTADO ESTÁ TRANSFERINDO A COMPETÊNCIA QUE ESTÁ ATRIBUÍDA A UM ÓRGÃO PÚBLICO DE NATUREZA FEDERAL PARA REGISTRADORES IMOBILIÁRIOS. NÓS, REGISTRADORES, É QUE VAMOS TER QUE FISCALIZAR SE HÁ INDÍCIO DE ALTERAÇÃO DA DESTINAÇÃO DO IMÓVEL.

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